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Filosofia Política no Renascimento e no Pensamento Moderno Danilo Marcondes Departamento de Filosofia – PUC-Rio Em O Príncipe (c. 1513, publicado postumamente em 1523) Maquiavel descreve as características do bom governante, para ele o governante eficaz que governa em nome do interesse de sua cidade e é implacável ao tomar decisões em defesa desses interesses. Maquiavel é um pensador moderno exatamente na medida em que vê a vida política com base em um quadro conceitual diferente do medieval, em que as decisões estavam submetidas à lei divina e os governantes derivavam sua legitimidade de uma suposta escolha divina. Para Maquiavel, a política se resume a uma luta entre dois princípios: a fortuna e a virtú (as qualidades do governante). A fortuna consiste em tudo que depende das circunstâncias históricas, econômicas, sociais, isto é, da época em que os indivíduos vivem; a virtú consiste na capacidade que o príncipe deve ter para usar essas circunstâncias a seu favor no exercício do poder e de se adaptar a essas circunstâncias. É apenas dessa forma que conseguirá governar com eficácia. O príncipe deve ser hábil e prudente no uso do poder, porém se preciso deve recorrer à força para a obtenção de seus objetivos. Segundo Maquiavel, nesse sentido específico, a política deve ser independente da moral, porque os princípios éticos não devem interferir no exercício eficaz do poder. O declínio do sistema feudal dá origem em algumas regiões mais avançadas economicamente na Europa como a Inglaterra, os Países Baixos e algumas cidades-estado italianas, por exemplo, Florença, a mudanças profundas na estrutura política e no jogo de poder que levarão à formação do estado moderno. As assim chamadas teorias contratualistas da política vêem o estado como resultando de uma cessão pelos indivíduos de seus direitos naturais em nome do interesse coletivo. Segundo Hobbes, a vida do homem em estado de natureza, isto é, anterior à existência do estado, é “cruel, brutal e curta”. É para se proteger do inimigo externo, de ataques de outras tribos, dos rigores do inverno, etc., que os homens 2 decidem em abrir mão de parte de sua liberdade para viverem juntos. E dessa forma realizam um contrato social, um acordo coletivo, e instituem um soberano com poderes para isso. O poder desse soberano será legítimo enquanto ele cumprir esses objetivos e defender esses interesses. John Locke (1632-1704), seu Segundo tratado sobre o governo civil (1690) foi uma das obras mais influentes do liberalismo político moderno. “E, assim, cada indivíduo, ao consentir com os outros em formar um corpo político com um governo, coloca-se a si próprio sob a obrigação em relação a todos os outros membros dessa sociedade de se submeter à determinação da maioria e de aceitar suas decisões. Caso contrário, esse pacto original, pelo qual ele e os outros formam uma sociedade, não significaria nada, e não seria um pacto se ele permanecesse tão livre e tão sem obrigações quanto quando se encontrava no estado de Natureza.” (John Locke, Segundo Ensaio sobre o Governo Civil, cap. VIII) “A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantido-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma 3 assembléia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo que disser respeito à paz e a segurança comuns; todos submetendo, assim, suas vontades à vontade do representante, e suas decisões à sua decisão. Isso é mais do que consentimento ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: cedo e transfiro meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim, civitas.” (Thomas Hobbes, Leviatã, parte II, cap.XVII) A dissolução do “Longo Parlamento” durante a Guerra Civil na Inglaterra do séc. XVII, contexto em que foi escrita a obra de Hobbes Hobbes que considera que os homens são naturalmente agressivos e deixados à própria sorte viverão em conflito permanente uns com os outros, este o sentido de que “o homem é o lobo do homem” e que o estado de natureza, antes da constituição do estado político, é “uma guerra de todos contra todos”. Daí a necessidade de instituição de um soberano forte que imponha a harmonia. Locke, ao contrário, é um otimista quanto à natureza humana e acredita que os homens abrirão mão de seus interesses particulares em nome dos benefícios coletivos da vida social e serão capazes de negociar suas diferenças e chegar a um consenso, função típica, por exemplo, do parlamento, lugar das negociações políticas. A discussão sobre a política na modernidade consistirá exatamente na tentativa de formulação de modelos de estado que permitam superar os conflitos que abalaram boa parte da sociedade européia ao 4 longo do século XVII, com guerras civis que refletem conflitos religiosos entre católicos e protestantes e disputas territoriais no processo de formação dos estados nacionais. Segundo grande parte desses teóricos, o contrato que institui a sociedade deve representar a racionalidade das tomadas de decisão pelos homens ao refletirem que é no seu melhor interesse, a longo prazo, viver em harmonia em sociedade. A caça ao cervo em gravura medieval, uma metáfora da necessidade de cooperação entre os indivíduos. Jean-Jacques Rousseau, na segunda parte de seu Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (1755), dá como exemplo a “caça ao cervo”. Os indivíduos podem caçar cervos ou caçar coelhos. O coelho por ser de pequeno porte é mais fácil de ser caçado e isso pode ser feito por um único indivíduo, mas alimenta durante menos tempo. O cervo por ser de maior porte exige que os indivíduos se juntem para caçá-lo e com isso pode produzir mais alimento, que dure mais tempo, mas é preciso para isso que os indivíduos se entendam. Se um indivíduo desiste de caçar cervo devido à dificuldade e volta a caçar coelho, a opção individualista, consegue alimento para si durante pouco tempo, mas com isso também inviabiliza que os outros cacem cervo, já que esta caça depende de um grupo de 5 indivíduos. Isso mostra a relação entre interesse coletivo e interesse individual, sendo que a cooperação é mais racional pelos resultados que produz, porém supõe a superação das diferenças entre os interesses individuais. A discussão política que começa com Maquiavel e se desenvolve com Hobbes, Locke e Rousseau, dentre outros pensadores da época, não tem relevância e interesse apenas teóricos. Esses pensadores partem de seus contextos históricos, polemizam com outros pensadores da época e acabam influenciando com suas idéias e propostas movimentos sociais e transformações políticas importantes como a Revolução Americana de 1777 que produz uma constituição com inspiração em idéias de Locke e a Revolução Francesa de 1789 que tem em Rousseau um de seus inspiradores. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), proclamada pela Revolução Francesa.Essas transformações na sociedade da época e o pensamento desses filósofos e de outros como Montesquieu, o autor da teoria dos três poderes e da independência entre eles em seu O espírito das leis (1748), e Condorcet (1743-1794), um dos principais autores da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, levarão aos modelos de república, o governo das leis, e democracia, o governo que resulta da representação política dos diferentes segmentos da sociedade, que estão na origem do que encontramos no mundo contemporâneo.
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