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SOCIOLOGIA ORGANIZACIONAL AULA 1 Profª Carolina Esther Kotovicz Rolon 2 CONVERSA INICIAL Olá, seja bem-vindo à nossa aula! Nesta disciplina, vamos pensar como a sociologia pode ajudar você, futuro gestor, a compreender as organizações e assim planejar melhor suas ações. Nesta primeira aula, vamos começar nossos estudos com uma apresentação do olhar sociológico, o que nos permite questionar ações e situações sociais. As principais perspectivas teóricas da sociologia, assim como as figuras do processo de socialização que une o indivíduo e a sociedade, serão apresentadas em seguida. Vamos ver como a sociologia analisou dois processos centrais para o surgimento das organizações: a racionalização e a individualização. Vamos também apresentar as principais perspectivas teóricas da sociologia organizacional. Essa introdução às teorias e conceitos sociológicos fundamentais são a base para desenvolver nosso olhar sociológico das organizações ao longo dessa disciplina. CONTEXTUALIZANDO Imagine que você é o gerente de pessoal de uma fábrica. Você organiza um organograma com o processo de produção. Neste organograma, cada trabalhador tem seu lugar, cada um sabe quem recebe e quem transmite as ordens, você apresenta o organograma aos trabalhadores (seus subordinados), responde às dúvidas, deixa uma cópia em lugar visível e de fácil consulta. Algumas semanas depois, você percebe que os trabalhadores não seguem a organização, racionalmente planejada, tal qual representada no organograma que você produziu. O que você faria para compreender o motivo desse não cumprimento e como funcionam as interações entre os trabalhadores no processo de produção que você, como gestor, está incumbido de aperfeiçoar? TEMA 1 – O OLHAR SOCIOLÓGICO Todos nós temos uma ideia do que é e como funciona a empresa onde trabalhamos, ou o que rege nossas relações no trabalho, pois convivemos todos os dias com nossos chefes e colegas; assim, o objeto da sociologia das organizações está presente no nosso dia a dia. Isso é verdade para o objeto da sociologia em geral: a escola, o governo, a família, entre outras realidades que fazem parte da vida de todos nós. Peter Berger, sociólogo austro-americano que viveu entre 1929-2017, aponta que a especificidade da sociologia não está no 3 seu objeto de estudo, mas na forma como essa ciência aborda a realidade social (Berger, 1986). Na nossa vida cotidiana, estamos ocupados em trabalhar, entregar resultados, curtir o tempo de folga com a família e os amigos, e não nos damos conta de todos os aspectos da realidade social. A sociologia é a ciência que se ocupa em desvendar os diversos aspectos presentes nas nossas relações cotidianas, demonstrando que a realidade social tem muitos níveis de significado. Como diz Berger (1986, p. 31), “o fascínio da sociologia é de nos levar a ver sob nova luz o próprio mundo em que vivemos”. Você se lembra da primeira vez que entrou na sede da empresa na qual trabalha? O que te chamou atenção? Pessoas interagindo no trabalho é uma cena corriqueira, não é? Podemos dizer o mesmo de outros objetos de estudo da sociologia: as relações em casa, na escola, no trabalho, nos círculos de amizades, entre outras. Todavia, as perguntas que a sociologia busca responder não são as perguntas que nós nos fazemos no dia a dia. Questionamentos sociológicos das diversas cenas quotidianas são: O que as pessoas estão fazendo aqui juntas? Quais são as relações entre elas? Como essas relações se organizam em instituições? Quais são as ideias coletivas que movem os homens e as instituições? Para enxergar além das aparências e experiências imediatas, é preciso desenvolver um olhar sociológico. Nosso objetivo nesta aula não é preparar você, gestor, para realizar um estudo sociológico da organização onde trabalha. O que vamos fazer é refletir sobre os fundamentos e os principais conceitos da sociologia, pois com essas ferramentas você poderá interpretar os resultados de pesquisas sociológicas, em especial sobre as organizações. Isso vai lhe ajudar a abstrair de sua rotina na empresa, e olhar para as interações corriqueiras e os problemas que existem, na organização que gere, com outras perspectivas. Anthony Giddens, sociólogo britânico que nasceu em 1938 e é ainda vivo, explica que estudar sociologia também aumenta a nossa compreensão de nós mesmos, pois quanto mais sabemos sobre as razões que nos levam a agir dessa ou daquela maneira, quanto mais sabemos sobre como funciona, de forma geral, a sociedade em que vivemos, tanto mais provável que sejamos capazes de influenciar nosso futuro (Giddens, 2008, p. 6). Vamos ver, em linhas gerais, como se constrói o conhecimento sociológico? 4 1.1 A construção do olhar sociológico O que nos permite ver além das aparências é o estudo sistemático do comportamento humano e da sociedade. Alguns estudos sociológicos utilizam métodos quantitativos, como análise de estatísticas e de questionários; outras pesquisas analisam os resultados de dados qualitativos, como entrevistas ou observações – independentemente do método, seja quantitativo ou qualitativo, o importante é saber que são formas de se aproximar do aspecto da realidade que se quer estudar. O sociólogo alemão Max Weber (citado por Freund, 2006) defende que não há método melhor ou pior, cada qual serve como aproximação de um aspecto do fenômeno estudado. Weber lembra que a realidade é infinitamente complexa. Assim sendo, nenhum conhecimento pode ser uma reprodução fiel ou uma cópia da realidade. Os diferentes métodos nos ajudam a estudar diferentes aspectos da realidade. Seguindo essa concepção de Weber, podemos pensar a sociologia como uma lupa. Quanto mais a gente aproxima a lupa de um fenômeno, melhor vemos seus detalhes; podemos descrever as relações e desvendar os sentidos das ações das pessoas que participam desse fenômeno. Quanto mais afastamos a lupa, melhor podemos fazer proposições de caráter geral, mas perdemos as especificidades de cada fenômeno. A sociologia faz um recorte da realidade, busca os dados e os analisa através de conceitos e teorias, que são abstrações, mas ainda assim nos ajudam a direcionar nosso olhar e a compreender diversos aspectos da realidade. Na sociologia há, portanto, diferentes formas de explicar os fenômenos sociais. Dependendo da perspectiva teórica que você utiliza, vai interpretar um fenômeno de uma forma. Podemos dizer que a sociologia é composta de várias “lupas”; assim, eu te convido a olhar mais de perto as principais perspectivas sociológicas. Você vai perceber que elas vão te ajudar a entender, ao final desta aula, as diferentes abordagens sociológicas das organizações. TEMA 2 – AS PRINCIPAIS CORRENTES SOCIOLÓGICAS A lupa que usamos para enxergar sociologicamente a vida social é o que chamamos de perspectiva teórica. Ao escolher uma, é preciso justificar a escolha, apontando vantagens e limites. Isso faz da sociologia uma ciência extremamente crítica: ela não apenas questiona a realidade, ela questiona 5 também o próprio conhecimento que se produz sobre essa realidade. E é através de pesquisas e debates teóricos que avançamos na compreensão dos comportamentos e estruturas sociais, tão próximas e ao mesmo tempo tão complexas. 2.1 A sociologia clássica As perspectivas teóricas que chamamos de clássicas são as teorias que foram elaboradas por Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber no século XIX e início do século XX. Karl Marx, pensador alemão que viveu entre 1818 e 1883; Durkheim, sociólogo francêsque viveu entre 1858 e 1917; e Max Weber, historiador e sociólogo alemão que viveu entre 1864 e 1920, juntamente com outras pessoas de sua época, desenvolveram os primeiros estudos e teorias que buscaram compreender a sociedade em que viviam. Foram esses estudos e formulações teóricas que ajudaram a constituir a sociologia enquanto ciência. Ao longo da nossa disciplina, iremos analisar mais de perto as contribuições desses autores na sociologia organizacional, pois Marx, Durkheim e Weber influenciaram o desenvolvimento do pensamento sociológico que os seguiu, e seguem influenciando os estudos sociológicos até hoje. Marx, sem dúvida, é um pensador polêmico. Suas ideias e teorias geram debates acalorados até hoje! Isso mostra como é importante compreender seu pensamento, antes de julgar ou desqualificar. Vamos ver qual a perspectiva de Marx para entender a sociedade? Marx pensa que, para entender uma sociedade, é necessário entender como os homens produzem. A forma como os homens produzem os bens materiais vai determinar os outros aspectos da sociedade. Utilizando os termos de Marx, as relações de produção formam a estrutura da sociedade. Sobre essa estrutura estão construídos os governos, as leis, a cultura – o que Marx chama de superestrutura da sociedade. O método adotado por Marx é o materialismo histórico; estuda a evolução dos modos de produção ao longo da História. De acordo com Marx, na base do modo de produção capitalista está a oposição entre duas classes sociais: capitalistas e proletários. Para pensar o modo de produção capitalista, segundo Marx, é essencial pensar as classes sociais e a luta que resulta dos interesses antagônicos entre elas. Muitos outros sociólogos partiram da perspectiva de Marx para desenvolver pesquisas e explicar os fenômenos sociais. Os historiadores e historiadoras, geógrafos e geógrafas, economistas e sociólogos 6 que adotam a perspectiva materialista constituem uma corrente que chamamos de marxismo. Muitas vezes, há confusão entre sociologia e socialismo. Socialismo, na teoria de Marx, seria a época histórica em que os trabalhadores seriam os donos dos meios de produção, o que acabaria com a divisão entre capitalistas e trabalhadores; consequentemente, traria a extinção das classes sociais – é uma formulação teórica de Marx. Já a sociologia é a ciência que estuda os fenômenos sociais. O marxismo é uma perspectiva teórica dentre outras da sociologia e, portanto, a sociologia não se limita à Marx. Outros teóricos igualmente importantes para o desenvolvimento da sociologia são Durkheim e Weber. Durkheim e Weber são contemporâneos, mas não conheceram o trabalho um do outro. Talvez por isso mesmo, cada um desenvolveu uma perspectiva bem diferente para estudar os fenômenos sociais. Na perspectiva de Durkheim, a sociedade tem uma dinâmica própria, que não se resume à soma das ações dos indivíduos que a compõem – em suas palavras, a sociedade é uma realidade sui generis. A perspectiva de Durkheim é positivista. O positivismo é uma ideia elaborada por Auguste Comte que afirma que todas as ciências, incluindo a sociologia, buscam, com base na observação e na experimentação, descobrir as leis gerais que regem os diversos fenômenos, naturais e sociais. Portanto, para Durkheim, a sociologia é uma ciência positiva, e seu objeto são os fatos sociais. Fatos sociais são formas de pensar, agir ou sentir; são externas aos indivíduos, o que quer dizer que os fatos sociais não dependem de determinado indivíduo para existir. Durkheim aponta que outra característica dos fatos sociais é que eles exercem poder de coerção sobre os indivíduos; ou seja, as pessoas são impelidas a se enquadrar nesses fatos. Um fato social, por exemplo, é a língua dos diferentes países. Vamos seguir o raciocínio de Durkheim, adaptando-o à nossa realidade: nós falamos português, mas não fui eu nem você quem inventou o português. A língua existia antes que tivéssemos nascido, e quando morrermos, ela vai continuar existindo e, dessa forma, sua realidade é exterior aos indivíduos. Além disso, a língua portuguesa exerce sobre nós um poder coercitivo, pois somos obrigados a usar o português para nos comunicar. A perspectiva de Weber é totalmente oposta à de Durkheim. Weber pensa a sociedade a partir do indivíduo. Ao contrário de Durkheim, Weber pensa que a sociedade só existe “no” e “pelo” indivíduo. Mas nem toda ação do indivíduo é uma ação social. A ação social é aquela orientada subjetivamente, tendo em 7 mente outro indivíduo. Se a minha ação é orientada tendo em vista você, e a sua ação é orientada tendo em vista a minha, temos uma relação social – no nosso caso entre professora e aluno. Weber buscou compreender as regularidades das ações sociais nas diferentes épocas e sociedades; assim, estudou a religião através da ética que guia as ações dos fiéis; o Estado; e o que nos interessa em sociologia organizacional, a burocracia. Weber destaca que a burocracia é uma organização legal-racional que visa coordenar atividades de uma forma constante no tempo e no espaço. Para tanto, lança-se mão de regras impessoais e escritas, com uma hierarquia clara. (Giddens, 2008). Um conceito básico da perspectiva weberiana é o de racionalização. Weber observa o processo de racionalização tanto na explicação do mundo – o que faz a ciência predominante – como na própria organização da sociedade, e o desenvolvimento da burocracia é um exemplo. Tabela 1 – Perspectivas da Sociologia Clássica Marx Durkheim Weber Perspectiva da sociedade As diferentes sociedades são determinadas pela forma como é organizada a produção. A sociedade tem existência própria, exterior aos indivíduos. A sociedade existe no e pelos indivíduos. Método Materialismo Histórico Positivista Compreensivo- histórico Principais Conceitos Classes sociais Luta de classes Modo de produção capitalista Coesão social Socialização Coerção Ação social Burocracia Racionalização Marx, Durkheim e Weber desenvolveram olhares que buscavam ver além das aparências das sociedades de seu tempo, cada um enfatizando um aspecto. Vamos ver, sob alguns aspectos, como as perspectivas sociológicas desses três clássicos influenciaram a forma como pensamos a sociedade até hoje! 2.2 Correntes sociológicas contemporâneas Há uma imensa multiplicidade de estudos sobre os mais diversos fenômenos sociais desde o tempo de Marx Weber e Durkheim. A sociologia se espalhou para além da França, da Inglaterra e da Alemanha. Nos Estados Unidos, a disciplina teve um desenvolvimento forte no início do século XX. No Brasil, os primeiros pensadores sociais brasileiros foram influenciados por leituras dos clássicos; Florestan Fernandes, o primeiro grande sociólogo 8 brasileiro, realizou vários estudos sob a perspectiva marxista. A sociologia se espalhou pelo globo, inclusive em países periféricos, com teorias que questionam a dependência não apenas econômica, mas também intelectual. Por exemplo, estudos desenvolvidos pela corrente pós-colonialista no Brasil, mas também na Índia, por exemplo. Tendo em mente essa diversidade de perspectivas teóricas, apresentamos três correntes da sociologia contemporânea que foram influenciadas pelas perspectivas clássicas (Giddens, 2008, p. 18): funcionalismo; perspectivas do conflito; e perspectivas da ação social. O funcionalismo é uma corrente sociológica que desenvolveu aspectos da teoria de Durkheim. Descreve a sociedade como um sistema complexo formado por partes, que são articuladas de forma a garantir a estabilidadedo todo. Traça- se uma analogia com o corpo humano: é como se a sociedade fosse um corpo humano e cada fenômeno social um órgão que contribui para o bom funcionamento desse corpo. O papel da sociologia, nessa perspectiva, é descobrir qual a função dos diferentes fenômenos sociais para o bom funcionamento da sociedade como um todo. Os sociólogos americanos Talcott Parsons (1902-1979) e Robert Merton (1910-2003) foram os principais representantes da corrente funcionalista. Giddens (2008) destaca que hoje o funcionalismo é uma forma menos popular de compreender a sociedade, sobretudo porque essa perspectiva realça excessivamente o funcionamento harmônico da sociedade, e não explica os conflitos, as divisões ou as desigualdades, tão presentes no nosso dia a dia. Por outro lado, o foco das perspectivas sociológicas do conflito se volta justamente para as questões de desigualdade e divisões na sociedade. Nessa perspectiva, os sociólogos analisam questões de poder, de desigualdade, e como os diferentes grupos lutam por seus interesses. Por exemplo, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, que viveu de 1930-2002, analisa a escola como uma instituição que legitima e reproduz as desigualdades entre as classes sociais. Essa perspectiva remonta às análises de Marx de luta de classes, destacando a importância das estruturas na sociedade. Outros sociólogos buscam compreender a sociedade a partir dos indivíduos, de suas ações e interações. Essas perceptivas contemporâneas da ação social têm suas raízes na obra de Weber. Por exemplo, o interacionismo simbólico busca compreender os significados compartilhados pelas pessoas em 9 diferentes situações sociais. Cada perspectiva nos revela um aspecto do fenômeno estudado; quanto mais perspectivas conhecemos, mais ferramentas teremos para pensar as diversas situações que vivemos e vislumbrar possíveis soluções. TEMA 3 – DO INDIVÍDUO À SOCIEDADE: FIGURAS DA SOCIALIZAÇÃO Você já parou para pensar em que medida aquilo que você veste, a sua maneira de falar ou mesmo as coisas que você acha bonitas, importantes ou desejáveis, são influenciadas pelo contexto em que você vive? Até mesmo as suas atitudes no trabalho, como, por exemplo, a sua relação com a autoridade: você acata ou questiona as ordens? Você segue os protocolos ou acha um jeitinho? Você é pontual? Você pode me afirmar que as suas respostas são expressões da sua personalidade. Sim, é verdade. Mas é igualmente verdade que o que você considera bonito, importante, desejável, assim como a sua relação com a autoridade, a disciplina e a pontualidade, são em grande parte expressões de valores e normas culturais. Isso vale não apenas para o trabalho, mas para as mais diversas esferas da nossa vida: o que você veste, o jeito que você fala, a forma como você se relaciona com seus pais, companheiros ou companheiras e amigos, são expressões de valores e normas culturais. Cada sociedade tem um grupo de valores e de ideias do que é útil, importante, desejável; elas se traduzem em uma série de normas do que fazer ou não fazer nas mais diversas situações, sendo incorporadas nos nossos comportamentos. Chamamos esse conjunto de valores e comportamentos que são aprendidos pelos indivíduos ao longo da vida de cultura. Nós aprendemos esses valores, normas e comportamentos sociais ao longo de toda nossa vida, em um processo que chamamos em sociologia de “socialização”. Vamos entender mais de perto como esse processo de socialização funciona e como ele liga o indivíduo à sociedade? O processo de socialização se desenvolve em duas fases (Giddens, 2008). Durante a infância, ocorre a socialização primária, quando a criança interioriza os padrões básicos de comportamentos e valores sociais. Nossas mães e pais nos ensinam a falar, a comer de garfo e faca, a usar o banheiro, a não gritar, a respeitar os adultos, dentre tantos outros valores e comportamentos básicos que nos permitem conviver em sociedade. Por isso, chamamos a família de agente de socialização primária. Depois que crescemos um pouco, temos 10 contato com outras instituições sociais de socialização, que dão seguimento ao nosso aprendizado social, na fase que chamamos de socialização secundária. A escola é um agente de socialização secundária importante. Como nos mostrou Durkheim, a função da escola não é simplesmente transmitir conhecimentos escolares; a escola cumpre uma função importante de socialização. Na escola, a criança sai da esfera privada do seu lar e entra em contato com outras crianças e adultos. Nas brincadeiras aprendemos a respeitar, a escutar, a negociar. Até mesmo quando as crianças brigam, elas são punidas e isso as ensina o que não devem fazer. Durkheim mostra que a principal função da escola é transformar a criança, que chega como um ser egoísta, em um ser social – aprender a conviver com os outros, a dividir. Há também a figura do professor, em referência à qual ela terá de respeitar a autoridade, a respeitar regras, caso contrário sofrerá punição. Michel Foucault, filósofo e sociólogo francês que viveu entre 1926- 1984, em sua obra Vigiar e Punir, mostrou também que a escola disciplina não apenas o comportamento, mas os corpos – você aprende a ficar sentado durante horas prestando atenção. Por meio das mais diversas relações e situações, as crianças vão aprendendo e incorporando as regras sociais. O processo de socialização secundária continua além da escola, através de outros agentes – dentre eles, o trabalho. Quando você entra em uma empresa, leva um tempinho para se situar, aprender como as pessoas trabalham, que tipo de relações se estabelecem (mais formal? Mais informal?) Esse processo de socialização se dá no dia a dia; trabalhando lado a lado, você aprende o que deve ou não fazer, como se comportar. Nas trocas informais, no almoço, nos intervalos ou até mesmo no happy hour depois do trabalho, na partida de futebol ou de vôlei com o pessoal da “firma”, em todos esses momentos de troca você está sendo socializado, ou seja, criando o sentimento de fazer parte de um grupo, por se identificar com os valores e os comportamentos desse grupo. As trocas podem ser mais ou menos intensas; o sentimento, delas resultante, também. A socialização acontece quando os indivíduos interiorizam os valores e padrões de comportamento – ou seja, eles não precisam mais pensar: o que eu tenho que fazer nessa situação? Como devo agir? A ação flui, mas ela é resultado de um aprendizado. 11 3.1 Figuras da socialização Já vimos que em sociologia há diversas maneiras de olhar um fenômeno, certo? Pois bem, não é diferente quando o assunto é explicar a socialização. Vamos apresentar duas figuras, sistematizadas por Berger (1986), que explicam o que une os indivíduos à sociedade a que pertencem. A primeira figura representa o homem no centro das diversas instituições que compõem a sociedade. Berger utiliza a imagem do indivíduo localizado no centro de círculos concêntricos – cada um representa um sistema de controle social: a família, a escola, o trabalho, o Estado: cada uma dessas instituições, externas ao indivíduo, moldam suas ações através do poder de coerção, uma perspectiva durkheimiana da socialização. (Berger, 1986). Figura1 – O indivíduo na sociedade Fonte: Elaborado com base em Berger, 1986. Outra figura é a sociedade no homem: a sociedade atua no indivíduo através dos papeis sociais e da identidade que ele assume. Você age de formas diferentes quando está numa roda de conversa com os amigos, num jantar de família ou numa reunião com seu chefe. A roupa que você usa, o vocabulário que escolhe para se expressar,até a sua postura muda de acordo com a situação, não é? De acordo com a figura da sociedade no homem, você sabe como agir nessas diversas situações, pois aprendeu tão bem os valores, normas e padrões de comportamento, que os considera como sendo seus. Utilizando um vocabulário sociológico, dizemos que você interiorizou as normas sociais. Temos Profissão Escola Família Indivíduo 12 diversos papéis sociais; no trabalho você é gestora, você sabe o que esperam de você lá, mas em casa você é mãe e age com seu filho de acordo com o que aprendeu sobre família e sobre ser mãe; mas você também é roqueira e essa sua identidade molda a sua forma de se apresentar aos outros, além das suas escolhas do que fazer e que tipo de música escutar no tempo livre. Adotamos diversos papéis sociais ao longo da vida; sabemos o que esperam de nós em cada um deles, pois interiorizamos as regras e normas de conduta social. Essa figura da socialização permite pensar a diversidade de situações sociais, representando o indivíduo como resultado da interiorização de valores e normas bem definidos. Figura 2 – A sociedade no indivíduo Fonte: Elaborado com base em Berger, 1986. TEMA 4 – OS PROCESSOS DE RACIONALIZAÇÃO E DE INDIVIDUALIZAÇÃO Você deve estar pensando: afinal, o que essa relação entre indivíduos e socialização tem a ver com o estudo da organização? Citando Etzioni (citado por Jaime; Lucio, 2017, p. 5) “Em geral, os cidadãos das sociedades modernas nascem em hospitais, são educados em escolas, trabalham em uma ou outra organização em de acordo com sua participação em atividades políticas ou religiosas, também com frequência ocupam lugares nas organizações complexas”. Nós passamos grande parte das nossas vidas dentro de diversas organizações, de modo que entender o impacto disso na nossa formação é essencial. Indivíduo Filho Aluno Profissão Pai 13 A definição sociológica de organização enfatiza sua racionalidade. As organizações são “conjuntos humanos ordenados e hierarquizados em ordem a assegurar a cooperação e a coordenação de seus membros para determinadas finalidades” (Boudon, 1990, p. 181). As empresas, as administrações públicas, as indústrias, os partidos políticos, as associações com ou sem fins lucrativos, são todas organizações. As organizações, portanto, reúnem indivíduos de diversas origens sociais; assim, saber como funciona o processo de socialização é importante. Por outro lado, mesmo que sua finalidade não seja transmitir valores e normas sociais, elas acabam por participar da socialização dos indivíduos que dela participam. Assim, pensar a relação entre o indivíduo e a sociedade, mediada pela organização, nos abre outra perspectiva para pensar o dilema de toda organização, a saber: como conseguir que seus membros cooperem para atingir os fins visados? O processo de racionalização e o processo de individuação são importantes para pensar o funcionamento das organizações. O processo de racionalização está na raiz da própria Modernidade. Uma das características principais da nossa época é a pretensão de conhecer as causas e prever os efeitos dos mais diversos fenômenos, e assim pensar e agir no mundo com base em algo que está para além da tradição. A raiz filosófica da Modernidade é o racionalismo filosófico de Descartes, que busca conhecer as causas dos mais diversos fenômenos. (Jaime; Lucio, 2017). A sociologia nasce do desenvolvimento da ciência como forma de entender o mundo. Durkheim, Weber e Marx buscaram compreender a transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna. O aprofundamento do processo de racionalização e suas consequências são objeto de estudos mais recentes em Anthony Giddens, em sua obra As Consequências da Modernidade, e em Ulrich Beck, sociólogo alemão que viveu entre 1944 e 2015, em sua obra A Sociedade do Risco. Paralelamente ao processo de racionalização, há o processo de individualização, que começa na passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna. Na sociedade feudal, a personalidade das pessoas era incorporada aos círculos sociais: a comunidade, a associação, a propriedade feudal. Com o surgimento das fábricas, das classes sociais, das cidades, a sociedade se torna mais diversificada e fragmentada: as pessoas circulam por mais grupos, com diferentes interesses e referencias. Georg Simmel, sociólogo alemão que viveu entre 1858 e 1918, em sua obra A Filosofia do Dinheiro, 14 enfatiza o papel do dinheiro para o surgimento do individualismo: ele questiona como o dinheiro é impessoal e pode ser trocado por outras coisas; independentemente do desempenho pessoal da pessoa que o possui, ele aumenta a autonomia e a independência, pois ela pode buscar o que lhe interessa. Com a diversificação social e cultural, nós temos a possibilidade de construir nossas referências. TEMA 5 – PERSPECTIVAS DA SOCIOLOGIA ORGANIZACIONAL As diferentes perspectivas sociológicas influenciaram o desenvolvimento da sociologia organizacional. Max Weber foi o primeiro a descrever as organizações modernas sistematicamente. Para Weber, as organizações são formas de coordenar as atividades ou a produção de bens de uma maneira estável ao longo do tempo e do espaço. Para tanto, as regras escritas e os registros das atividades são essenciais, segundo Weber (citado por Giddens, 2008). Na perspectiva weberiana, a organização é vista como “um grupo deliberadamente planejado, com objetivos específicos, possuindo um conjunto de regras formais mais ou menos desenvolvidas e uma estrutura de autoridade, papéis e responsabilidades relativamente fixos” (Jaime; Lucio, 2017, p. 7). Weber pensa que toda grande organização tem uma natureza burocrática. É preciso normas de controle e de gestão para que uma grande organização funcione. Weber observou elementos disfuncionais na organização burocrática. Robert Merton, sociólogo americano de orientação funcionalista, analisou as consequências prejudiciais da burocracia para o funcionamento das organizações, ao que ele chamou de disfunções da burocracia. Ou seja, trata-se dos efeitos negativos e não previsíveis da organização racional. Outra perspectiva da sociologia das organizações lança luz aos processos internos das organizações, às relações interpessoais, aos conflitos. As pesquisas realizadas em uma fábrica em Chicago pelo cientista social Elton Mayo nos anos 1920 já investigavam os fatores psicossociais que afetavam os trabalhadores e seus desempenhos na empresa Western Electric Company. Nessa perspectiva, a obra O Ator e o Sistema, de Michel Crozier (1922-2013) e Erhard Friedberg (1942) mostra como a organização pode ser pensada como uma arena na qual os indivíduos buscam realizar suas necessidades de dinheiro, poder, status, reconhecimento social, entre outras. Esses estudos ajudam a pensar a distância que há entre os objetivos e as estratégias racionalmente 15 planejados pelos gestores da organização, e os objetivos e as estratégias colocados em prática pelos indivíduos participantes. Outra perspectiva sociológica das organizações é aquela que investiga as relações de diversas organizações com agentes externos, como governo, mercado de trabalho, cultura e concorrentes. Nessa perspectiva, as organizações são vistas como sistemas abertos. Por fim, uma perspectiva mais recente pensa a organização como um processo. Esses estudos investigam como se dá o processo de organização de empresas (Jaime; Lucio, 2017). A sociologia das organizações permite, pois, olhar para as organizações através de diversas lupas, cada uma mostrando um aspecto. Você, futuro gestor,já tinha pensando sobre esses diversos aspectos das organizações? Você consegue identificar elementos da racionalização na organização em que trabalha? Há disputas internas na sua organização que afetam os processos de trabalho? As influências do mercado e do Estado são perceptíveis? Ao longo da nossa disciplina de Sociologia Organizacional, vamos aprofundar essas perspectivas, e lhe ajudar a exercitar a imaginação sociológica, pensando em enxergar os problemas e as relações cotidianas através de outras lupas, e assim poder utilizar ferramentas que auxiliem na gestão eficiente e eficaz da organização. TROCANDO IDEIAS Como é a socialização na organização onde você trabalha? Quais são os momentos de trocas entre vocês? Você se sente parte da empresa? Compartilha seus valores? Ou você não se sente parte da empresa? Por que essa distância? NA PRÁTICA Você, gestor, vai gerenciar pessoas que chegam à organização com valores e padrões de comportamentos diversos. Que atividades ou espaços de trocas você pode organizar para ajudar os funcionários a conhecer e compartilhar os valores e os comportamentos esperados na empresa? FINALIZANDO Nesta aula, vimos que um olhar sociológico nos mostra outros aspectos das situações do nosso dia a dia, inclusive nas organizações onde trabalhamos. 16 As diversas perspectivas teóricas lançam luz a diferentes aspectos das organizações e das nossas ações, ampliando nossa compreensão sobre eles. Os processos de socialização, de individualização e de racionalização são centrais para compreender as relações sociais dentro das organizações. As diversas perspectivas da sociologia organizacional têm abordado esses processos sociais e suas consequências. Por fim, retomamos a problematização do início desta aula, do organograma que os funcionários não seguem. Um olhar sociológico pode lhe ajudar a perceber que há um esquema mais sutil e menos visível de relações entre os trabalhadores. Investigando, você pode se dar conta de que entre os funcionários há relações de lealdade e antipatia, e que há também preconceitos e códigos de comportamento. A gestão racional das pessoas representada no organograma não dá conta das relações entre as pessoas, porém elas regem suas ações na realização das funções diárias. 17 REFERÊNCIAS BECK, U. A Sociedade do risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. BERGER, P. Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1986. BOUDON, R. et al. (Org.). Dicionário de sociologia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. BURKE, P. L. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. 23. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Editora Vozes, 2014. FREUND, J. A Sociologia de Max Weber. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. GIDDENS, A. As Consequências da modernidade. São Paulo: Editora da UNESP, 1990. _____. Sociologia. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. JAIME, P.; LUCIO, F. Sociologia das organizações: conceitos, relatos e casos. São Paulo: Cengage, 2017. SOUZA, J.; BERTHOLD, O. Simmel e a modernidade. Brasília: Editora UNB, 1998.
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