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“O SISTEMA TEME UM JOVEM POBRE QUE SABE PENSAR”: MULHERES E CÁRCERE Francisca Emmanuella S. Martins RESUMO O trabalho se refere ao diálogo estabelecido com distintos autores que trabalham a temática relativa a políticas públicas de juventude e mulheres jovens encarceradas, discutidos na disciplina Políticas Públicas de Juventude. Além do objetivo de responder aos questionamentos indicados pela professora da citada disciplina, realizamos a conexão entre estes debates e a temática de pesquisa proposta como investigação a ser realizada durante o curso, relacionada a mulheres encarceradas a partir da experiência como Assistente Social no Presídio Feminino Auri Moura Costa. A discussão destaca a compreensão dos autores acerca dos obstáculos e dificuldades para a implementações de ações de políticas públicas voltadas para jovens e principalmente da condição de gênero e tendo a condição de encarceramento. Concluímos com o rico debate que procura entender a necessidade de olhar mais de perto para essas pessoas é ter reconhecimento das diferenças humanas, sob pena de perda do norte entre o vivido e o pensado e a construção da própria história enquanto sujeitos autônomos e de ter a oportunidade do recomeço e de uma construção de identidade de ser cidadão de direitos e deveres. Palavras-chave: mulheres jovens; políticas públicas de juventude; mulheres encarceradas. INTRODUÇÃO Mulheres jovens. Mulheres e jovens, categorias que devem ser pensadas em consonância com os recortes de gênero. Por mais simples que sejam estes recortes continuam apresentando diferentes formas de ver e perceber mulheres, jovens e mulheres jovens encarceradas. As dificuldades para pensar políticas públicas para estes grupos, mesmo que políticas públicas tardias, denunciam o descaso com grupos sociais que são fundamentais no apoio a segmentos privilegiados da sociedade. E, por isso mesmo, devem ser negadas, por diversas vezes, sua contribuição na conformação de sociedades desigualdades. A partir do trabalho moroso e contínuo de negação e absorção por estes grupos, mais distantes se tornam sua organização para reivindicar políticas públicas de apoio para si. Esta discussão surge tendo como apoio empírico a experiência com mulheres encarceradas em presídio feminino, de Fortaleza, quando de minha atuação como Assistente Social, no apoio à mulheres encarceradas. Situações de denegação, pois sua presença como mulher que luta para alcançar suas metas culturais, na perspectiva mertoniana, continua sendo negada no cárcere, com os esquecimentos e apagamentos de direitos fundamentais consagrados na Carta Magna como o direito à vida digna, à integridade física, à tratamento humano, dentre outros. Como apoio teórico, as discussões realizadas por autores que apresentam diferentes perspectivas para o entendimento do fenômeno da juventude e sua relação com as políticas públicas que, mesmo apoiadas na Constituição Federal do país, são silenciadas. Mas ganham visibilidade com os movimentos sociais, o contexto político e econômico, o apoio de entidades e instituições de defesa a grupos marginalizados, sejam locais ou internacionais. 1 A JUVENTUDE DEIXOU DE SER APENAS UMA PALAVRA: TORNOU-SE “PROBLEMA” DO ESTADO Bourdieu, com propriedade, confirmou que a “juventude” era apenas uma palavra. Entretanto, torna-se conceito, persegue sendo apropriada pelo poder e pelo Estado; torna-se, para muitos deles, apenas força de trabalho; poucos jovens privilegiados, prosseguiram sendo poupados para assumir o controle da maioria e dar continuidade ao sistema de privilégios políticos e sociais. A juventude tem se tornado tema de debate no que diz respeito à sua concepção enquanto conceito (ARIÈs, 1981) e, posteriormente, à necessidade de classificar e vigiar a passagem pela infância, à fase adulta para controle das rebeldias etárias e, por fim, à velhice. Cada momento considerando suas especificidades para criação de novas necessidades e algum usufruto lucrativo para o sistema. Instituições, entidades, empresas, religiões, se apropriam de um cadinho e passam a ressignificar condutas, valores, imperativos, legislação como controle na organização da vida coletiva. Portanto, pensar acerca de uma fase da vida humana, no caso, a juventude, nos remete, dentre outros diferentes momentos, à distintas discussões como à ideia da “melhor fase da vida” contrapondo-se à vida adulta no mundo do trabalho e suas diversas responsabilidades; ou ainda, à velhice, fase final da vida, para quem tem o privilégio de vivê-la. Aqui implica as questões das mudanças, sexualidade, entretenimentos, descobertas, crises... Evidente que consideramos o conceito de juventude entendendo que diferentes culturas pensam de distintas formas esta fase da vida. No caso deste texto, a ênfase recai sobre a violência, sem a pretensão de generalizar e esquecer as especificidades encontradas em espaços urbanos e rurais, na periferia ou bairros privilegiados das cidades. Mas, é fato que as políticas públicas apresentam como objetivos centrais o controle desta fase da vida humana – e de todas as outras –, principalmente, quando se refere ao enfrentamento da violência que emerge a partir do descaso, da carência de atenção, da falta de perspectivas para se atingir determinados objetivos tão valorizados pela sociedade; e, certamente, dado o aumento da população juvenil. Mas, não podemos esquecer os diferentes usos e abusos desta fase da vida, pelo poder estabelecido, como bem lembra Bourdieu (1983, p. 1). “O reflexo profissional do sociólogo é lembrar que as divisões entre as idades são arbitrárias. [...] De fato, a fronteira entre a juventude e a velhice é um objeto de disputas em todas as sociedades”. Lembra ainda, o autor, se referindo a Georges Ouby ao afirmar que “na Idade Média, os limites da juventude eram objeto de manipulação por parte dos detentores do patrimônio, cujo objetivo era manter em estado de juventude, isto é, de irresponsabilidade, os jovens nobres que poderiam pretender à sucessão”. Portanto, não podemos dizer que faltaram políticas públicas de atenção a este grupo e que elas apenas foram implantadas e condensadas a partir do governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Muitos estudiosos da área destacam este debate como é o caso de Abramo (1997), Sposito e Carrano (2003), Kuenzer (2000a e 2000b) e outros. Mas podemos constatar a ausência de atenção e de escuta dos interessados e o entendimento de que se são todos iguais, merecem tratamentos semelhantes, desconsiderando a cultura, valores e costumes arraigados por diferentes grupos sociais. Bourdieu (1983, p. 2), lembra que: Isto é muito banal, mas mostra que a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; e que o fato de falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente. Interesse e controle pelas e nas diferentes fases da vida, sempre existiu, como destaca Bourdieu (1983, p. 2): “quando digo jovens/velhos, tomo a relação em sua forma mais vazia. Somos sempre o jovem ou o velho de alguém. É por isto que os cortes, seja em classes de idade ou em gerações, variam inteiramente e são objeto de manipulações”. Este rápido contexto serve de orientação para a discussão acerca das políticas públicas voltadas para a juventude; desta feita, escutando a voz delas e deles para o desenvolvimento de programas, ações, equipamentos, debates e reflexões para evitar, em muitos casos, ter que “correr atrás do leite derramado”, mas, sim, em caráter preventivo. Assim, criava-se um contexto propício ao crescimento de debates e movimentos em torno da juventude, principalmente com a abertura que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proporcionou denunciando situações de descaso, violência, desemprego,abandono de escolas e, consequentemente, o aumento da população carcerária. Muitas ações até então voltadas para a juventude somente eram pensadas e implementadas como remédio para sanar determinadas situações, como é o caso das instituições socioeducativas bem como as medidas socioeducativas, que apresentam caráter punitivo e a crença no processo de ressocialização. Desenvolvido no Departamento da Criança e do Adolescente, da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, possui âmbito nacional, sendo dirigido a adolescentes em conflito com a lei que cumprem medidas judiciais socioeducativas não-privativas da liberdade. Sua missão é articular e estimular os esforços do sistema socioeducativo instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa iniciativa foi apresentada como uma resposta institucional a propostas de ações governamentais de proteção ao adolescente em situação de conflito com a lei consignadas no Programa Nacional de Direitos Humanos. (SILVA e SILVA, 2003, p. 24) Podemos refletir ainda sobre as instituições que são pensadas e implementadas para receber crianças, adolescentes e jovens, no caso, as escolas, instituições que se preocupavam apenas com papel formativo voltado para o mundo do trabalho, mas não preventivo no sentido de ouvir, orientar, dialogar, preparar e formar para a vida. Portanto, as consequências e dificuldades de pensar a juventude como grupo em processo de formação, de transição, de mudanças que acarretam inúmeros conflitos e, por isso mesmo, que precisa de atenção e de propostas de apoio, de formação, de segurança e cuidados preventivos, passam a ser prioridade em contexto diferente do que a sociedade brasileira for formada; contexto em que os privilégios e benefícios, geralmente, eram pensadas para grupos privilegiados. Diferentes ações desenvolvidas pela sociedade civil, e implementadas, em sua maioria, por partidos de esquerda, pensando em termos de alianças para disputa eleitoras, se originam de trabalhos anteriores impulsionadas por organizações não-governamentais, como destacam Sposito e Carrano (2003, p. 25), “que, por meio de sua militância juvenil ou de setores organizados do movimento estudantil, incluíram na sua plataforma política demandas desses segmentos que aspiravam pela formulação de ações específicas destinadas aos jovens”. Observa-se, a partir de meados dos anos 1990, nos planos local e regional, o aparecimento de organismos públicos destinados a articular ações no âmbito do poder executivo e estabelecer parcerias com a sociedade civil, tendo em vista a implantação de projetos ou programas de ação para jovens, alguns financiados pela esfera federal. Esse fato é bastante recente e decorre sobretudo de compromissos eleitorais de partidos, principalmente de esquerda e de centro-esquerda. (SPOSITO e CARRANO (2003, p. 25) Os autores citam levantamento realizado pela Ação Educativa, organização não- governamental voltada para o trabalho com os segmentos juvenis, identificando iniciativas organizadas pelos grandes partidos do país: “cinco na gestão do Partido dos Trabalhadores; cinco de partidos no campo de centro-esquerda que realizaram alianças no segundo turno com o candidato Lula, para as eleições presidenciais de 2002 (um do PDT, dois do PPS e um do PSB); dois do PFL (partido à direita do espectro político); e, finalmente, dois do PSDB”. (SPOSITO e CARRANO, 2003, p. 25) Inicia-se, então, um período de constituição de políticas públicas direcionada aos jovens e que “marca uma ampliação desses novos organismos”, como lembra estes autores. Entretanto, em uma perspectiva e leitura mais abrangente e considerando os reveses políticos próprios de sociedades com heranças de extrema desigualdade social, ainda citando estes autores que apontam para prováveis cenários que se distanciam destas políticas, como a que ocorre com a eleição de representantes de extrema direita no Brasil, no ano de 2018. “Somente uma perspectiva longitudinal, incorporando uma série histórica maior, poderá aferir tendências, descontinuidades e formas de consolidação de uma nova institucionalidade nas políticas de juventude no Brasil”. (SPOSITO e CARRANO, 2003, p. 25-26) 2 MULHERES JOVENS E A CRIMINALIDADE Até aqui utilizamos o conceito de jovem como se considerássemos apenas os do gênero masculino, os meninos adorados pelo poder masculino; mas as meninas também se tornam parte adorada por este poder, mas em situação de inferioridade aos garotos. Esta condição imposta às meninas tende a ser mais violenta, situação explicada pela cultura do patriarcado que privilegia meninos e homens adultos ou idosos. Portanto, quando situamos conjunturas de descaso aos jovens observamos um contexto de extrema violência às meninas e mulheres adultas ou idosas. Em dados de 2019, encontramos o país vivendo outra conjuntura política e econômica de extremo desemprego, de desmantelamento de direitos sociais garantidos, dentre outras ameaças que colocou significativa parte da população em situação de descaso. Fatos que possibilitaram um aumento expressivo da violência, conforme indica os dados do Ministério da Justiça, através do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional – SISDEPEN, em que se atingiu uma população carcerária de 755.274, ou seja, a cada 100 mil habitantes temos um percentual de 359,40% de pessoas presas. Para identificar a juventude encarcerada é necessário definir juventude na perspectiva da Política Nacional de Juventude (PNJ) que define juventude a partir de três grupos: adolescente – 15 a 17 anos; jovens-jovens, de 18 a 24; e, jovens-adultos, de 25 a 29 anos. (BRASIL, 2019, online) Portanto, de uma população encarcerada de 755.274, encontramos o segundo e terceiro grupos, totalizando 335,032 mil, ou seja 44% de jovens. Destes, 37.197 são do gênero feminino, totalizando 37,26%. (BRASIL, 2019, online). Estas são jovens que, de um lado, sofrem carência estrutural, que não tem referência de família e nem apoio educacional; e do outro, uma super-oferta de imagens e objetos de fácil acesso, na tentativa de construir seu desejo opta pelo caminho do crime e essas saídas não são fáceis. Diante da precariedade de significação social cultural contemporânea, o sujeito tenta encontrar novas formas de estabelecer laço social, buscando alguma amarra coletiva. A entrada numa gangue ou num circuito criminoso oferece, diante dessa carência simbólica, uma promessa de sentido social, com uma ilusão comunitária. O sujeito fica submetido aos ideais narcísicos impostos pela cultura local. Na verdade, o poder desses coletivos existe porque o sujeito atribui a eles esse poder, em função da sua carência simbólica, ou seja, diante de sua precária consistência subjetiva. (GUERRA, 2010, p. 451) O contexto de descaso e de carência extrema da população proporciona algumas “oportunidades” duvidosas que são aceitas não sem reflexões, medos, incertezas. Mas diante da necessidade urgente de atender demandas familiares ou, mesmo de satisfação de desejos para obter bens valiosos, naquele momento, acabam realizando atos ilícitos até serem encarceradas. Portanto, em termos de Estado do Ceará, a população carcerária em 2019, era de 33.953 mil pessoas; 2.440 destas, são mulheres; a faixa etária diz mais sobre este grupo: 18 a 24 – 688 mulheres; 25 a 29 – 436. Fato que corrobora a afirmação inicial da fragilidade de políticas públicas preventivas, pois se em 2015 tinham 1.181 mulheres encarceradas, em 2019 temos um crescimento de 48%, ou seja, 1.259 novas mulheres, em apenas quatro anos. Quando nos referimos às políticas de caráter preventivo estamos falando da ausência de debates, discussões e outras tantas atividades que podem e devem ser desenvolvidas em espaços institucionais como escolas, em que encontramos adolescentes, com diferentes faixas etárias, distintas orientações sexuais, diferentes condições sociais, raciaise étnicas. Neste espaço observamos que, dificilmente conteúdos como direitos humanos, o estatuto da criança e do adolescente, sexualidades, dentre outros temas, são discutidos. Dúvidas frequentes são sanadas por outros colegas às vezes de forma equivocada; e são dúvidas que geralmente não podem ser respondidas em casa, pelos pais ou parentes, por uma série de motivos; resta, portanto, alguns ambientes em que se poderia conversar sobre estes temas, não ficando limitado à escola; organizações não-governamentais, igrejas, associações, sindicatos, são outros locais profícuos às discussões. Quem sabe, preventivos a partir da apropriação de conhecimentos, direitos e deveres, por adolescentes e jovens. Becker (2008, p. 47) destaca aspectos que confirmam esta nossa suspeita ao dizer que “a prisão pode não levar ao desvio crescente se a situação na qual o indivíduo é detido pela primeira vez ocorrer num momento em que ainda lhe é possível escolher entre linhas alternativas de ação”. O que significa dizer que ainda há mais uma chance, caso alguém lhe estenda a mão e oriente. Prossegue o autor: Confrontado pela primeira vez com as possíveis consequências finais e drásticas do que está fazendo, talvez decida que não quer tomar o caminho desviante, e volte atrás. Se fizer a escolha certa, será bem recebido na comunidade convencional; mas se der o passo errado, será rejeitado e iniciará um ciclo progressivo de desvios. Uma das presidiárias, em atendimento pela assistente social, destacou a situação contrária à indicada por Becker, que depois de cometer o delito deixou de se ver e se reconhecer como cidadã, como pessoa que tem direitos e deveres, devido as escolhas erradas que fez. Destacou ainda que se tivesse tido oportunidade de estudar a sua vida poderia ter tomado outro rumo. E por oportunidade não se trata apenas pelo fato de ter escolas próximas, mas o ambiente familiar conturbado, gravidez precoce e a obrigação de contribuir com a renda familiar afastando-a das possibilidades de tomar um rumo diferente do “sedutor e fácil” mundo do crime. Estudos apontam o crescimento significativo do número de mulheres encarceradas, assim como também identificam a principal motivação de entrada destas no do mundo crime, na relação com namorados ou maridos que são integrantes de organizações criminosas. (MOURA, 2005; BARCINSKI, 2007; MAGALHÃES, 2008). A especificidade do encarceramento de mulheres pelo cometimento de atos ilícitos assim como o aprisionamento de homens é, deverasmente relevante e deve ser melhor analisado. Entretanto, retirar mulheres de seu cotidiano com a família tem implicações que não são observadas com a ausência dos homens. Magalhães (2008) também se refere à especificidade do encarceramento de mulheres, o que implica ter que falar no afastamento dos filhos, de cuidados com pais idosos ou doentes, da gravidez vivida em cárcere e da entrega do filho para o juizado da infância, caso não tenha parentes que assuma a responsabilidade por ele. Outro aspecto que o citado autor destaca, de cunho sociológico, diz respeito à discussão sobre as motivações que homens recebem para cometer mais crimes que mulheres. Merton, em textos apresentados por Magalhães (2008) e Sabadell (2013) defende, tendo como referência, os Estados Unidos, que a sociedade oferece oportunidades de crescimento e sucesso para todos. Entretanto, o citado autor reconhece que as mesmas oportunidades legítimas não estão disponíveis para todos e todas, em igual condição, em qualquer lugar, e, em se tratando de sociedades capitalistas. A tensão e conflitos que surgem diante desta situação pode levar a adaptações desviantes, seja em homens ou mulheres. Quando nos referimos aos jovens, como citado anteriormente, e a crimes, somos levados à pensar especificamente em jovens do gênero masculino. Mas, mesmo quando nos lembramos de refletir sobre a situação de mulheres em citação de criminalidade ou de cárcere, a ideia é continuar utilizando os mesmos modelos mentais construídos para as análises masculinas. Assim, desviamos de situações típicas e específicas relacionadas às mulheres. Mesmo a estrutura física de confinamento em cárcere, inicia a partir de modelos masculinos que, aos poucos se alteram conforme à correlação de forças e o contexto sociopolítico e econômico. Entretanto, o modelo mertoniano não é capaz de explicar um número menor, embora a cada dia crescente, de mulheres que cometes atos desviantes. O fato é que as mulheres continuam, mesmo em sociedades modernas ou pós-modernas, sendo criadas para as atividades de casa e do cuidado com o outro. Questões relacionadas ao sucesso e ao dinheiro não as atinge da mesma forma que aos homens. Por isso, as tensões, frustrações e conflitos não as levam com a mesma frequência a cometer atos desviantes, ilegítimos. Magalhães (2003) se apoia nas discussões realizadas por Leonard (1982) e que apresentam estas situações mais gerais. Porém, observamos que a armadilha de utilizar modelos explicativos relacionados às causas masculinas para responder aos fenômenos que envolvem mulheres, podem se repetir aqui quando apontamos as mesmas questões culturais como predominantes e determinantes no comportamento coletivo de mulheres. É preciso reconhecer as especificidades dos lugares e contextos que estimulam atos ilegítimos para alcançar as metas culturais mertonianas de sucesso dos indivíduos. E ainda, até que ponto estas metas culturais motivam ou não a todos e todas e, da mesma maneira. Questões outras como o esfacelamento das certezas adotadas pela sociedade moderna e as incertezas dos tempos líquidos, devem ser consideradas. Guerra (2018) desenvolve interessante reflexão ao dialogar com Giddens (1997) e Bauman (1998, 2001); o primeiro destacando as certezas que a/ tradição proporcionava na construção da identidade dos indivíduos como “uma âncora para aquela confiança básica tão fundamental para a continuidade da identidade e para a sustentação do vínculo social”. Em crítica à esta mesma modernidade, Bauman (1998, 20021) apresenta o conceito de modernidade líquida em relação à sensação de instabilidade em que as relações são construídas, “pois todos os vínculos se ‘derramam’ e escoam sem manter uma estabilidade”. E aqui, neste momento, Guerra (2018, p. 443), levanta questionamentos que denunciam o estado em que se encontram os indivíduos em busca de suas identidades. Como os jovens, sujeitos de nossa reflexão, podem se relacionar com este campo de exclusão? Qual a relação entre esse campo e suas possibilidades de enlaçamento social? Mais especificamente, como se articulam com o desenvolvimento da criminalidade violenta? Quais são os efeitos da destradicionalização e do impacto da sociedade pós-moderna em seus processos de subjetivação? Como se organizam os diferentes sujeitos e sujeitas em diferentes territórios possibilitados pela vida vivida em quaisquer espaços, ocasionadas por oportunidades de trabalho, fugas de perseguições políticas, legais, dentre outras. A ausência de conexão com seu chão de origem e a formação de novas subjetividades desenlaça os sujeitos, fere sentimentos, leva ao esquecimento, apagamento parcial da memória, e outra histórias. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar políticas públicas conectadas a quaisquer grupos considerados minoritários e, que trazem em si mesmos outras categorias esteriotipadoras de sua construção histórica, nos leva a refletir sobre boa parte da caminhada humana na luta por direitos, reconhecimento, respeito e vida digna. Este é o caso específico da palavra que se transforma em categoria: juventude, mulher, mulher encarcerada. E as inúmeras teorias que procuram refletir acerca delas não surgem, evidentemente, numa perspectiva crítica, pelo contrário, partem de ideias apoiadas no senso comum, refutadas concomitantemente por outros teóricos e membros coletivos oriundos da sociedadecivil organizada. A cada contexto político, econômico, social e cultural é possível observar transformações garantidoras de direitos, por um lado, e por outro, negadoras destes mesmos direitos. É neste movimento de transformação, negação e retomada de poder, que encontramos mulheres aproveitando seus momentos de liberdade, para, de forma, legal ou ilegal, alcançar a felicidade prometida pelas sociedades modernas, que se diluem nas pós- modernas, pondo fim às certezas, para se abrir para novas formas de conexão com a vida e com o Planeta. REFERÊNCIAS ABRAMO, Helena. 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