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AULA 2 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Profª Rossana Ghilardi 2 TEMA 1 – DIAGNÓSTICO DE TEA O diagnóstico, ou avaliação diagnóstica do transtorno do espectro autista (TEA), é de responsabilidade de profissionais da área da saúde, mas o tratamento e o acompanhamento têm participação direta de familiares e educadores. Por isso, nesta aula, apresentaremos alguns sinais e opções diagnósticas, bem como o conceito de fundo dos procedimentos de intervenção mais utilizados, os quais, muitas vezes, dependem de ações continuadas e participação de todos os pares da pessoa com TEA. 1.1 Diagnóstico precoce É consenso no meio científico sobre a necessidade de tratamento precoce do paciente com Transtorno do Espectro Autista, acarretando melhora considerável no prognóstico, isso é, aumenta o potencial de desenvolvimento social e da comunicação da criança, o comprometimento intelectual será reduzido e, consequentemente, melhora qualidade de vida e conquista da autonomia. O investimento financeiro e desgaste emocional das famílias também diminuem quando o TEA é diagnosticado precocemente. No entanto, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (2019), a média de idade para diagnóstico de TEA no Brasil é de seis anos de idade. Pode imaginar o motivo da demora no diagnóstico? São diversos, como a condição financeira das famílias, a baixa estimulação das crianças, pouco acesso ao sistema de saúde, até mesmo a dificuldade dos adultos do entorno em observar o desenvolvimento neuropsicomotor. Atrasa também o diagnóstico a crença de que cada criança tem seu tempo e há que se aguardar o prazo de cada um – um equívoco a ser superado, pois a orientação dos especialistas em TEA é encaminhar para estimulação e tratamento precoce mesmo sem diagnóstico confirmado, para otimizar resultados. Como o tratamento para TEA é a estimulação, não haveria nenhum impacto negativo caso o diagnóstico não se confirme. Um adendo, o diagnóstico é de responsabilidade de profissionais da saúde, em geral da área médica, como o neuropediatra. Mas familiares, cuidadores, educadores e professores podem auxiliar observando os sintomas, buscando atendimento junto aos especialistas. 3 Em alguns casos de TEA um dificultador para o diagnóstico precoce é o surgimento tardio da sintomatologia, como nos casos leves, aqueles conhecidos anteriormente como Síndrome de Asperger. Anteriormente listamos as características diagnósticas do TEA, segundo o DSM-V (2014), relembrando: comprometimento na interação social e comunicação com os outros; comportamentos, interesses e atividades em padrões restritos e repetitivos. Parece que estas características não são suficientes para identificar uma criança com TEA, não é? O Manual apresenta uma série de outras descrições, são referências e orientações para definir protocolos, desenvolver instrumentos e parâmetros tanto para diagnóstico como para intervenção. Mas se a padrão-ouro para tratamento do TEA é a precocidade na intervenção, além dos familiares, cuidadores e educadores, os pediatras são essenciais para detecção. Por essa razão temos no Brasil a Lei nº 13.438 de 2017, exigindo que pediatras apliquem até os 18 meses de vida a avaliação de neurodesenvolvimento nas crianças. Os estudos têm apontado que maior discernimento entre o bebe com TEA e aqueles considerados neurotípicos aparecem principalmente por volta dos 12 meses, o que justifica e exigência da lei. Mas é possível identificar alguns sinais de alerta mesmo antes dos 12 meses de idade: Figura 1 – Sinais de alerta Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019. 4 A tabela indica sinais de alerta, naturalmente os pediatras têm protocolos e escalas psicométricas próprias para detectar o TEA. Para conhecimento, na triagem inicial é recomendado o M-CHAT (variação M-CHAT R/F) – Modified Checklist of Autism in Toddlers. São 20 perguntas aplicada em consulta clínica aos familiares, agregado a observação e anamnese (SBP, 2019). Os sinais investigados nos bebes com idade entre 12 e 30 meses, segundo a Sociedade Brasileira de Psiquiatria (2019) são: - perder habilidades já adquiridas, como balbucio ou gesto dêitico de alcançar, contato ocular ou sorriso social; - não se voltar para sons, ruídos e vozes no ambiente; - não apresentar sorriso social; - baixo contato ocular e deficiência no olhar sustentado; - baixa atenção à face humana (preferência por objetos); - demonstrar maior interesse por objetos do que por pessoas; - não seguir objetos e pessoas próximos em movimento; - apresentar pouca ou nenhuma vocalização; - não aceitar o toque; - não responder ao nome; - imitação pobre; - baixa frequência de sorriso e reciprocidade social, bem como restrito engajamento social (pouca iniciativa e baixa disponibilidade de resposta) - interesses não usuais, como fixação em estímulos sensório-viso- motores; - incômodo incomum com sons altos; - distúrbio de sono moderado ou grave; - irritabilidade no colo e pouca responsividade no momento da amamentação. Lembre-se, a lista se refere a itens investigados em situação de triagem, o diagnóstico propriamente dito se dá por equipe multidisciplinar experiente, com base em diversas informações e dados parametrizados. No entanto, a recomendação é de iniciar a estimulação assim que surgir uma suspeita. Todos sabemos que os primeiros meses e anos de vida são críticos para o desenvolvimento cognitivo, neurológico, psíquico, motor do ser humano, diagnóstico precoce é importante, mas intervenção rápida, ainda mais. 1.2 Características adicionais Algumas outras características são consideradas para o TEA, como a incidência muito maior em meninos que meninas, sendo de 4 para 1. Ainda não há dados conclusivos que justifiquem essa prevalência em meninos. Outro percentual diferenciado em relação a população neurotípica está no quadro de deficiência intelectual, sendo de 30% no TEA (na população em geral o índice, segundo IBGE, é de 0,8%). Voltando aos mitos no TEA, alguns autistas conhecem em profundidade temas os quais têm interesse específico, dando a 5 impressão de que há alto nível intelectual, no entanto, esses sujeitos têm dificuldade na aprendizagem geral. Claro que há sujeitos com TEA e com altas habilidades, no entanto a incidência é um pouco menor se comparado a população típica. Dúvidas ainda são muitas, mas novos conhecimentos sobre o TEA se acumulam dia a dia. Quanto as causas, "há evidência de que a arquitetura genética do TEA envolve centenas ou milhares de genes, cujas variantes, herdadas ou de novo, e comuns ou raras na população, compreendem múltiplos modelos de herança" (SBP, 2019). Assim, o percentual calculado para causas genéticas do TEA está em mais de 90%, sendo mais de 80% hereditária. Um pequeno percentual estaria relacionado a causas ambientais (Bai et al., 2019). É necessário alertar que, ao citar causas ambientais, neste caso, não se trata de fatores culturais ou sociais, o ambiente aqui apontado é o congênito, isto é, se estabelece antes do nascimento, como pela idade avançada dos pais no momento da concepção, negligência extrema de cuidado, exposição a medicamentos no pré-natal, nascido prematuro muito abaixo do peso médio. Detalhando uma das causas ambientais para exemplificar, é bastante aceito que mães que fazem uso de valproato de sódio durante a gestação têm maior chance de ter filhos com autismo e com outros transtornos neurológicos, comparandocom outras que não utilizaram. Esse medicamento serve para controle de crises epiléticas. TEMA 2 – COMORBIDADES E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O TEA também pode estar associado a outros transtornos, fato que interfere no diagnóstico. Há sujeitos com TEA associado a Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a Transtornos de Ansiedade e Depressão. Há associação com outras condições médicas,como epilepsia e transtornos genéticos variados (SBP, 2019). De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (2019, p. 10) as manifestações clínicas associadas ao TEA mais frequentemente encontradas são: • transtornos de ansiedade, incluindo as generalizadas e as fobias, transtornos de separação, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), tiques motores (de difícil diferenciação com estereotipias), episódios depressivos e comportamentos autolesivos, em torno de 84% dos casos; • transtornos de déficit de atenção e hiperatividade em cerca de 74%; • deficiência intelectual (DI); • déficit de linguagem; 6 • alterações sensoriais; • doenças genéticas, como Síndrome do X Frágil, Esclerose Tuberosa, Síndrome de Williams; • transtornos gastrointestinais e alterações alimentares; • distúrbios neurológicos como Epilepsia e distúrbios do sono; • comprometimento motor como Dispraxia, alterações de marcha ou alterações motoras finas. Tendo em conta a sintomatologia fica evidente a necessidade de intervenção interdisciplinar. No que se refere ao tratamento do TEA propriamente dito, isso é, as questões relacionadas ao comprometimento da comunicação e interação sociais e padrões repetitivos e restritos de comportamento, as ações visam promover o aprendizado e modificação de comportamentos, apenas conquistados com envolvimento da família, de equipes de saúde e de equipes pedagógicas. Antes de tratarmos das intervenções, vamos listar alguns instrumentos diagnósticos de TEA, que são utilizados pelos profissionais da área médica. Alguns instrumentos já se encontram validados, a escolha do médico dependerá da condição do paciente, da população no qual está inserido. Além da triagem em crianças até 30 meses por meio do M-CHAT-R/F, há outros pautados em observação clínica, como Childhood Autism Rating Scale (CARS); alguns utilizam informações coletadas junto aos pais e cuidadores. Além do M-CHART-R, há o The Autism Diagnostic Interview™ Revised (ADI-R). Os instrumentos, tanto de avaliação quanto de intervenção, impõem muito treinamento e conhecimento por parte do profissional que o utiliza. Conhecer profundamente os padrões psicométricos e a validade de cada instrumento é fundamental para evitar interpretações errôneas (SBP, 2019). Para compor o diagnóstico de TEA o profissional agrega o nível de gravidade. O quadro a seguir apresenta a distribuição do DSM-V quanto às características por nível de gravidade do TEA, uma referência diagnóstica que pode auxiliar na escolha dos instrumentos de tratamento: Quadro 1 – Níveis de gravidade do TEA Nível de gravidade Comunicação Social Comportamentos restritivos e repetitivos Nível 3 “Exigindo apoio muito substancial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal causam prejuízos graves de funcionamento, grande limitação em dar início a Inflexibilidade de comportamento, extrema dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos interferem 7 interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais que partem de outros. Por exemplo, uma pessoa com fala inteligível de poucas palavras que raramente inicia as interações e, quando o faz, tem abordagens incomuns apenas para satisfazer a necessidades reage somente a abordagens sociais muito diretas. acentuadamente no funcionamento em todas as esferas. Grande sofrimento/dificuldade para mudar o foco ou as ações. Nível 2 “Exigindo apoio substancial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal; prejuízos sociais aparentes mesmo na presença de apoio; limitação em dar início a interações sociais e resposta reduzida ou anormal a aberturas sociais que partem de outros. Por exemplo, uma pessoa que fala frases simples, cuja interação se limita a interesses especiais reduzidos e que apresenta comunicação não verbal acentuadamente estranha. Inflexibilidade do comportamento, dificuldade de lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos aparecem com frequência suficiente para serem óbvios ao observador casual e interferem no funcionamento em uma variedade de contextos. Sofrimento e/ou dificuldade de mudar o foco ou as ações. Nível 1 “Exigindo apoio” Na ausência de apoio, déficits na comunicação social causam prejuízos notáveis. Dificuldade para iniciar interações sociais e exemplos claros de respostas atípicas ou sem sucesso a aberturas sociais dos outros. Pode parecer apresentar interesse reduzido por interações sociais. Por exemplo, uma pessoa que consegue falar frases completas e envolver-se na comunicação, embora apresente falhas na conversação com os outros e cujas tentativas de fazer amizades são estranhas e comumente malsucedidas. Inflexibilidade de comportamento causa interferência significativa no funcionamento em um ou mais contextos. Dificuldade em trocar de atividade. Problemas para organização e planejamento são obstáculos à independência. Fonte: DSM-V, 2014, p. 52. A tabela apresenta os especificadores de gravidade de maneira resumida. Importante considerarmos que não há uma precisão quanto à gravidade, os contornos entre os níveis são indefinidos, além de se alterar no sujeito com o tempo. É possível por meio de intervenção uma criança passar do nível três para o nível dois. 8 Os níveis de gravidade são uma referência que ajudam a definir, por exemplo, se a criança necessita de um mediador na escola, ou que tipo de intervenção poderia ser mais apropriada. TEMA 3 – TEA VERSUS TRATAMENTO Após diagnóstico ou mesmo assim que se levanta a suspeita, inicia-se o tratamento. Como não há medicamento(s) para TEA, com raríssimas exceções, as investidas estão associadas a estimulação, a aprendizagem, a mudança comportamental, a diminuição da ansiedade, a integração sensorial. A Sociedade Brasileira de Pediatria (2019) cita algumas modalidades terapêuticas que explicaremos brevemente. Pontuamos que, pela complexidade e diversidade de sintomatologia, é essencial aplicação de avaliações de intervenção (que é diferente da diagnóstica) para definir o tratamento mais adequado. 1) Modelo Denver de Intervenção Precoce para Crianças Autistas – referência em ABA (em português, Análise do Comportamento Aplicada), com ações intensivas e diárias. Para promover interações sociais positivas e naturalistas 2) Estimulação Cognitivo-Comportamental baseada em ABA – para desenvolver habilidades sociais e comunicação, assim como diminuir condutas não adaptativas. 3) Coaching Parental – orientações para familiares e treinamento dos pais. 4) Comunicação suplementar e alternativa – baseada em sinais e gestos, utilizando símbolos e figuras (PECS – Sistema de Comunicação por Troca de figuras) para sujeitos não verbais. 5) Método TEACCH (Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com outros prejuízos na comunicação) – envolve diretamente a escola e educadores com a estruturação do ambiente pedagógico-terapêutico, implementando rotinas, com planejamento de atividades bem estruturado (sequência e duração). 6) Terapia de Integração Sensorial – para aquelas que sofrem alteração no processamento sensorial, geralmente aplicada pelo Terapeuta Ocupacional. 9 7) Outras alternativas, como aparelhos de alta tecnologia e acompanhamento psicoterapêutico É muito frequente noticiarem novas alternativas de tratamento para TEA e muitos deles podem revelar bons resultados pontuais ou demonstrar generalização com o tempo. No entanto, temos como uma das metas da disciplina deixar para trás mitos e achismos sobre o TEA, assim, utilizamos além do manual de orientação aos pediatras outra referência confiável que mapeia intervenções com evidências científicas como intervenção. Em documento publicado em 2015, o centro de investigação de autismo em Massachusetts,nos Estados Unidos, National Autism Center, após investigação sistemática de pesquisas sobre intervenção em Transtorno do Espectro Autista durante vários anos, revela 14 práticas de comprovadamente bem-sucedidas. Quase todas elas estão na lista do manual de orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria, mas ampliando o leque de opções para aqueles que estão diretamente envolvidos com a aprendizagem e desenvolvimento dos autistas. O documento de metanálise e outros produzidos pelo Nacional Autism Center estão disponíveis para download no site <https://www.nationalautismcenter.org/>, mediante cadastro rápido e simples. Como o material foi produzido na língua inglesa e não identificamos tradução para nosso idioma, optamos em apresentar a lista com nomenclatura sugerida pelo professor Dr. Lucelmo Lacerda da Universidade de São Carlos (Lacerda, 2019). São intervenções reconhecidamente eficientes, observando-se faixa etária e condição de cada sujeito: 1) Intervenção Comportamental Baseada em ABA, na qual se realiza primeiramente a análise do comportamento a ser enfrentado e em seguida são estabelecidos procedimentos de intervenção baseados em critérios. 2) Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): com objetivo de minimizar quadros de depressão e ansiedade. Desenvolvido por profissionais da área da saúde, com formação em psicologia principalmente. 3) Intervenção Comportamental Intensiva Precoce (ICIP): a referência são os marcos de desenvolvimento infantil, habilidades pertinentes a nossa espécie, comumente apresentadas em determinada idade. As práticas são 10 no sentido de aproximar a criança com TEA destes marcos com atividades intensivas, chegando a 40 horas semanais. 4) Ensino de fala: para aqueles que precisam desenvolver a linguagem, por associação dos sons através de estímulos reforçadores; ou compreendendo a fala como comportamento natural estimulado no meio. 5) Modelação: modela-se determinado comportamento, um a um, com práticas específicas pautadas na imitação. 6) Estratégias de ensino naturalístico: geralmente aplicado a crianças bem pequenas, brincando com ela para incluir habilidades a serem aprendidas. 7) Outras práticas mais pontuais, não necessariamente associadas ao desenvolvimento global do sujeito. 8) Treinamento parental: treinar os familiares para agirem sobre habilidades específicas. Não há como cobrar dos pais que, além das demais tarefas, ainda assumam as terapias e treinamentos completos dos filhos. 9) Ensino por pares: ensinar irmãos e amigos para axilar do treino de habilidades específicas. 10) Ensino de respostas pivotais: conjunto de estratégias naturalísticas, uma forma de intervenção baseada em ABA 11) Rotinas visuais: quadros com especificação de tarefas que fazem parte da rotina diária ou semanal, com referências visuais. O objetivo é diminuir a ansiedade auxiliando na organização das rotinas. Associa-se sempre ao estímulo, orientação verbal para eliminar os recursos visuais. Na escola também é muito utilizada. 12) Roteiros (scripts): oferecer algum roteiro para determinada atividade, listando as ações necessárias, a sequência para alcançar objetivo. O sujeito consulta o roteiro a cada passo. 13) Ensino de autorregulação: problemas sensoriais e emocionais associados ao TEA provocam crises, a técnica auxilia a desenvolver estratégias para evitar as crises, com base na autorregulação do comportamento. 14) Ensino de Habilidades Sociais (Treino de Habilidades Sociais): como o nome diz, acontece o treino de habilidades sociais, aplicada em casos de autismo mais leve (nível 1). 15) Histórias Sociais: acompanha uma história relativa a comportamento social adequado (ou inapropriado), que tem relação com dia a dia do sujeito com TEA, para assimilar e implementar cotidianamente. 11 Há um 15º procedimento, considerado pela Nacional Autism Center e catalogado após publicação oficial do documento da Fase 2, opção desenvolvida para tratar indivíduos que apresentam disfunção na integração sensorial. A integração sensorial é a “capacidade de processar, integrar e organizar os inputs sensoriais provenientes do corpo e do ambiente, a fim de que seja possível uma resposta adaptativa do indivíduo, frente às demandas funcionais” (Andrade, 2020) Essa capacidade pode se encontrar alterada em pessoas com TEA e a aplicação da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® tem demonstrado bons resultados, se trata de um instrumento do escopo do Terapeuta Ocupacional. TEMA 4 – ANÁLISE COMPORTAMENTAL APLICADA (ABA) Vamos aprofundar nas próximas aulas alguns dos tratamentos listados no item anterior, principalmente os mais frequentemente empregados e aqueles nos quais a escola e professores se envolvem mais diretamente. Antes disso, nos parece importante trazer um pouco mais de informação sobre ABA. Na lista anterior, observa-se que algumas das intervenções estão vinculadas ao ABA (Applied Behavioral Analysis, em português Análise do Comportamento Aplicada). Se você já tem contato com TEA, escutou falar muito de ABA. O que conhece a respeito? Já deixamos claro que o objetivo da disciplina é uma visão geral acerca do Transtorno do Espectro Autista, portanto, no que se refere ao ABA, também traremos aspectos gerais. Há muitas dúvidas a respeito do que venha a ser ABA. Alguns chamam de metodologia, outros de ferramenta, mas os especialistas da área apresentam a ABA como ciência derivada dos conceitos do behaviorismo, que é uma teoria de investigação psicológica do comportamento humano pautada na objetividade, na observação sistemática e mensuração. “ABA é um termo ‘guarda-chuva’, descreve uma abordagem científica que pode ser usada para tratar muitas questões diferentes e cobrir muitos tipos diferentes de intervenções” (Lear, 2004, p. 1-5) Como ciência, a ABA se refere a um campo de estudo, a uma disciplina e a uma prática. É estabelecida sobre o behaviorismo radical desenvolvido por B. F. Skinner (1904-1990) e seu suporte conceitual é a Análise Experimental do Comportamento. A aplicação prática do conhecimento comportamental experimentalmente adquirido é o ABA (Sella; Ribeiro, 2018). 12 Historicamente, a ABA foi descrita por Baer et al. em artigo publicado em 1968. Os autores apresenta sete dimensões que definem a ciência ABA, sendo elas: ser aplicada, comportamental e analítica (três princípios fundamentais), altamente recomendado também ser tecnológica (elementos identificáveis e descritivos), conceitualmente sistemática (além de descrever procedimentos, há princípios e conceitos teóricos bem definidos), efetivas (provocar mudanças significativas) e demonstrarem generalidades (persistir ao longo do tempo e aplicáveis a outros perfis) (Sella; Ribeiro, 2018). A base do behaviorismo de Skinner é o condicionamento operante, no qual um estímulo discriminativo provoca um comportamento (reação) que pode ser reforçado para se manter. O comportamento não reforçado ou que recebe punição pode ser extinto. Há possibilidade de se controlar os estímulos, estabelecer esquemas de reforçamento para obter a modelagem do comportamento. Uma imensa quantidade de comportamentos humanos pode ser modelada desta maneira. Um exemplo dos estudos de Skinner corriqueiramente empregado em ABA é o Comportamento Verbal (VB), que servirá também de exemplo para explicar melhor o reforçamento. Skinner investigou profundamente o comportamento verbal e publicou um livro como o mesmo nome em 1958. Percebeu que a aquisição da linguagem acontecia mediante reforçamento e associações. Assim, a mãe que se alegra ao escutar “mama” balbuciado casualmente por seu filho reforça a repetição deste som e leva com o tempo a associá-lo a presença da mãe. A Análise de Comportamento Aplicada pode ser utilizada em diversas condições, mas foi o psicólogo norueguês Ole Ivar Lovaas (1927-2010)o primeiro a demonstrar experimentalmente a eficácia de princípios da ABA para ensinar crianças como TEA (Lear, 2004). Aplicou em seus estudos uma das metodologias de ABA conhecida como DTT (Discrete Trial Teaching). De acordo dom Lear (2004) o DTT: Tem um formato estruturado, comandado pelo professor, e caracteriza-se por dividir seqüências complicadas de aprendizado em passos muito pequenos ou “discretos” (separados) ensinados um de cada vez durante uma série de “tentativas” (trials), junto com o reforçamento positivo (prêmios) e o grau de “ajuda” (prompting) que for necessário para que o objetivo seja alcançado. (Lear, 2004, p. 1-6) 13 Quem trabalha com ABA se utiliza de termos como estímulo discriminativo (que vem antes do comportamento); tentativa; resposta; estímulo reforçador; ajuda (dicas); domínio; dados; aula (sessão); dados; método. "A ciência do comportamento visa trocar as condições sob as quais o comportamento ocorre, ou trocar as conseqüências de um comportamento para conseguir efetuar mudança no comportamento" (Lear, 2004, p. 2-7). Entende-se que o comportamento é sempre observável e mensurável. As medidas são de duração, de frequência e de intensidade e fornecem dados para a análise do comportamento. No ABA utiliza-se o reforço para aumentar a frequência de um comportamento desejável. O reforço pode ser positivo se adiciona algo que fortalece o comportamento (um elogio, um doce, um jogo, um passeio). Há o reforço negativo quando há retirada de algo que atrapalha o comportamento para que sua frequência aumente. Por exemplo, a criança não costuma realizar as tarefas escolares porque o pai irritado é sempre seu acompanhante, retirando o pai ou substituindo por alguém que a apoia, a resolução das tarefas acontecerá com mais frequência. ABA trabalha apenas com reforço, nunca com punição, que é a inclusão de algo aversivo para diminuir a frequência de um comportamento (Lear, 2004). O reforçamento é contínuo quando se está modelando um novo comportamento e pode passar para esquema intermitente quando já adquirido e no processo de manutenção deste. Seria muito difícil desenvolver qualquer atividade se não houvesse a possibilidade de generalização do aprendizado, isto é, num programa ABA espera-se que a criança assimile conceito ou linguagem e aplique em outros eventos similares – generalize o que aprendeu, e adquira outros comportamentos sem introdução de um procedimento comportamental (Lear, 2004). Pela descrição até o momento, é possível perceber que a proposta de ABA exige muito tempo de intervenção, há casos de trabalhos durando 20, 30 ou 40 horas semanais. Por isso, geralmente há aqueles que analisam e criam o programa (analistas do comportamento propriamente dito) e a aplicação envolve também familiares e professores, o que ajuda a diminuir o custo do tratamento, que geralmente exige a relação um a um, isso é, uma pessoa dedicada exclusivamente a criança TEA. 14 Após analisar os comportamentos que precisam de intervenção, verificar os reforços eficientes para a criança, o especialista em ABA criará um currículo de implementação baseado em programas. TEMA 5 – PROGRAMAS DE HABILIDADES Os programas desenvolvidos estão em três categorias: programas para habilidades de linguagem receptiva (como apontar objetos solicitados, seguir instruções etc.); programas para habilidades de imitação (imitar ações motoras amplas, ações motoras finas etc.); e programas para habilidades de cuidados pessoais (usar colher e garfo, higiene pessoal etc.) (Lear, 2004) Existem diversas alternativas para organizar o currículo ou o plano de ensino individual (PEI), que levará a modelagem do comportamento, mas Lear (2004) apresenta como exemplo o que chama de Pizza Curricular. Figura 2 – Pizza circular Créditos: Photographee.Eu/Shutterstock; Alexfilim/Shutterstock; Sushitsky Sergey/Shutterstock; Photographee.Eu/Shutterstock; Namomooyim/Shutterstock; Dr Ake Krisda/Shutterstock. As habilidades na pizza não têm hierarquia ou inter-relação evidente, por isso o analista de comportamento deve desenvolver um currículo específico para cada paciente. 15 A seguir, apresentamos exemplos de conteúdos da pizza curricular citados por Lear (2004, p. 7-4 e 7-5): 1) Autocuidado • Usa independentemente xícara, colher e garfo. • Veste e tira a roupa independentemente. • Habilidades de toalete. • Habilidades de higiene – pentear cabelos, escovar os dentes, lavar o rosto e as mãos, tomar banho. 2) Motora (Fina e Ampla) • Desenhar, colorir. • Copiar, escrever. • Cortar, amarrar. • Usar o teclado, usar o mouse. • Correr, andar, pular, balançar. • Usar equipamentos (bolas, raquetes etc.). 3) Social • Responde a saudações. • Responde perguntas sociais (ex. “Como vai você?”, “Qual é o seu nome?”). • Imita colegas. • Responde às propostas dos amigos. • Inicia brincadeiras com colegas. • Interage verbalmente com colegas (comenta, pergunta, oferece ajuda). 4) Linguagem / Comunicação • Receptiva – identifica objetos, partes do corpo e figuras; segue instruções de 1, 2 e 3 passos.... • Expressiva – faz pedidos, nomeia figuras, objetos, pessoas e verbos; pede itens desejados; diz “sim” e “não”; repete frases; permuta informações; responde a perguntas do tipo “por quê”21. • Abstrata – conversa sobre coisas ausentes, responde questões do tipo “por quê?”, antecipa conseqüências, explica ações, relata estórias, inventa estórias. 5) Brincar • Brincar sozinho de modo apropriado com brinquedos. • Brincar em paralelo – brincar ao lado de outras crianças, sem interação. • Brincar com foco compartilhado – brincar com os mesmos itens, tal como as outras crianças, sem interação. • Brincar com ação compartilhada – brincar que demanda alguma colaboração com outras crianças (ex.: construir torre, empurrar balança). • Brincar de faz-de-conta – capaz de assumir uma outra identidade. • Brincar com colegas de faz-de-conta e de representar papéis. 6) Acadêmica (e Pré-acadêmica) • Habilidades de imitação. • Identificação de números e letras. • Leitura – palavra inteira e fônica. • Soletração. • Habilidades de matemática e números. • Habilidades de uso do computador. • Habilidades escolares – participa de um grupo, espera a vez, recita em uníssono. 5.1 Registros 16 Após estabelecer as habilidades a serem abordadas, cada sujeito terá sua pasta curricular descrevendo em detalhes o que for realizado, registros e resultados. Os pesquisadores da área afirmam que não há ABA sem registros, única maneira de mensurar e confirmar se o comportamento está estabelecido. Assim, existem diversos modelos de folhas de registro para cada habilidade e momento de intervenção. Apenas para exemplificar, traremos algumas a seguir. Quadro 2 – Amostra de uma folha de observação e avaliação funcional Fonte: Lear, 2004, p. 4-6. Quadro 3 – Folha geral de registros 17 Fonte: Lear, 2004, p. 4-7. Quadro 4 – Folha de Sumário de Sessão 18 Fonte: Lear, 2004, p. 7-13; 7-14. Ressaltamos que não há uma graduação específica para se tornar analista comportamental, no entanto, é necessário muito estudo e compreensão dos conceitos comportamentais, além de prática supervisionada para exercer a profissão. Assim, temos psicólogos, professores e profissionais de diversas áreas atuando com ABA. A formação geralmente acontece por meio de cursos ofertados por diferentes instituições. É importante verificar a idoneidade dos profissionais, sua competência e referência do supervisor que o acompanha. 19 REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre : ARTMED, 2014. Disponível em: < http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-Diagnosico-e- Estatistico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf>. Acesso em 1mar. 2021 ANDRADE, M. M. A. Análise da influência da abordagem da integração sensorial de ayres® na participação escolar de alunos com transtorno do espectro autista. Tese de doutorado em Educação. Programa de pós-graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual paulista - UNESP - 2020. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/202685>. Acesso em 10 fev. 2021. BAI, D. et al. Association of Genetic and Environmental Factors With Autism in a 5-Country Cohort. JAMA Psychiatary, jul. 2019. Disponível em:<https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarticle/2737582>. Acesso em 1 mar. 2021. BRASIL. Presidência da República - Secretaria-Geral - Subchefia para Assuntos Jurídicos. LEI Nº 13.438, DE 26 DE ABRIL DE 2017. Torna obrigatória a adoção pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de protocolo que estabeleça padrões para a avaliação de riscos para o desenvolvimento psíquico das crianças.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13438.htm>. Acesso em 1 mar. 2021. LACERDA, L. As 15 coisas que funcionam em transtorno do espectro autista - tea. Luna ABA - canal do Youtube. 16 out. 2019. Disponível em: <https://youtu.be/XkoI4640SjU>. Acesso em 22 fev. 2021. LEAR, K. Ajude-nos a aprender: manual de treinamento em ABA. Tornto, Ontario - Canada 2a edição, 2004. Comunidade Virtual Autismo no Brasil (distribuição interna). Disponível em: <http://www.autismo.psicologiaeciencia.com.br/wp- content/uploads/2012/07/Autismo-ajude-nos-a-aprender.pdf>. Acesso em 28 fev. 2021. NATIONAL AUTISM CENTER. Findings and Conclusions: National Standards Project,addressing the need for evidence-based practice guidelines for autism spectrum disorder: Phase 2. A Center of May Institute: Randolph/Massachusetts, 20 2015. Disponível em <https://www.autismdiagnostics.com/assets/Resources/NSP2.pdf>. SELLA, A. C.; RIBEIRO, D. M. (orgs). Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista. Curitiba: Appris, 2018. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento. Manual de orientação: Transtorno do Espectro do Autismo. no. 05, abril de 2019. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21775c-MO_- _Transtorno_do_Espectro_do_Autismo.pdf>. Acesso em 10 fev. 2021.
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