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conservadorismos, fascismos e
fundamentalismos
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Universidade Estadual de Campinas
Reitor 
Marcelo Knobel
Coordenadora Geral da Universidade 
Teresa Dib Zambon Atvars
Conselho Editorial 
Presidente
Márcia Abreu
Euclides de Mesquita Neto – Iara Lis Franco Schiavinatto
Maíra Rocha Machado – Maria Inês Petrucci Rosa
Osvaldo Novais de Oliveira Jr. – Renato Hyuda de Luna Pedrosa
Rodrigo Lanna Franco da Silveira – Vera Nisaka Solferini
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Ronaldo de Almeida 
Rodrigo Toniol
(organização)
conservadorismos, fascismos 
e fundamentalismos
Análises conjunturais
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isbn 978-85-268-
xxx Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais / orga-
nização: Ronaldo de Almeida e Rodrigo Toniol. – Campinas, SP: Editora da 
Unicamp, 2018. 
1. Conservadorismo. 2. Fascismo. 3. Fundamentalismo . 4. Política. 5. Brasil. 
I. Título.
 cdd - xxxxx
 - xxxxx
 - xxxxxxx
ficha catalográfica elaborada pelo
sistema de bibliotecas da unicamp
diretoria de tratamento da informação
Bibliotecária: Maria Lúcia Nery Dutra de Castro – CRB-8a / 1724
Copyright ©
Copyright © 2017 by Editora da Unicamp
Direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19.2.1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, 
por escrito, dos detentores dos direitos.
Printed in Brazil.
Foi feito o depósito legal.
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua 
Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.
Direitos reservados à
Editora da Unicamp
Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp
cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil
Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728
www.editoraunicamp.com.br – vendas@editora.unicamp.br
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sumário
introdução 
Ronaldo de Almeida e Rodrigo Toniol ................................................................. 7
1. a onda conservadora na política brasileira 
traz o fundamentalismo ao poder? 
Joanildo Burity ......................................................................................................................... 15
2. donald trump é fascista? 
Alvaro Bianchi e Demian Melo .................................................................................. 67
3. os protestos e a crise brasileira. um inventário 
inicial das direitas em movimento (2011-2016) 
Luciana Tatagiba .................................................................................................................... 87
4. crise, alucinose e mentira: o anticomunismo 
do nada brasileiro 
Tales Ab’Sáber ........................................................................................................................... 119
5. antibolivarianismo à brasileira 
Yara Frateschi ............................................................................................................................ 145
6. deuses do parlamento: os impedimentos de dilma 
Ronaldo de Almeida ............................................................................................................ 165
sobre os autores ................................................................................................................. 197
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introdução
Ronaldo de Almeida
Rodrigo Toniol
Os capítulos aqui reunidos são parte dos textos apresentados e 
debatidos durante o Fórum “Conservadorismos, fascismos e fun-
damentalismos”, realizado em agosto de 2016, com o apoio e a 
pro moção do Fórum “Pensamento Estratégico” (Penses) da Uni-
versidade Estadual de Campinas. As reflexões pretenderam lan-
çar luz sobre a conjuntura nacional, sem perder de vista a ce na 
internacional, marcada por uma crise política desencadeada 
pe los protestos de rua de 2013 e que ainda não encontrou des-
fecho. Por pura coincidência, o evento ocorreu um dia antes 
da vota ção final, no Senado Federal, do impedimento de Dilma 
Rousseff à Presidência da República do Brasil. Trata-se, portan to, 
de um livro produzido no calor da hora e atualizado para esta 
publicação. 
Como dimensão transversal aos textos, constata-se a per-
cepção de que está em curso um processo de “endurecimento” 
das re lações políticas, sociais e culturais em detrimento de algo 
que pode ser metonimicamente denominado como universo dos 
direitos. Daí o caráter intencionalmente hiperbólico do título 
do fórum. 
Conservadorismo, fascismo e fundamentalismo são palavras 
que têm sido mobilizadas com frequência no debate público, 
mas, afinal, qual sua real capacidade descritiva e analítica? Cada 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
um desses termos remete a casos históricos fundantes, cuja ca-
racterização está diretamente associada a atores específicos, im-
plicados em conjunturas histórico-sociais particulares. Trata-se, 
nessa perspectiva, de categorias analíticas capazes de remeter, 
num só ato de enunciação, à complexidade política, cultural e 
econômica de certas configurações históricas. No entanto, é no-
tó rio que o emprego desses termos não está limitado a remis sões 
aos eventos aos quais eles se associam genealogicamente. De mo-
do que também é possível acioná-los como fonte de um reper-
tório simbólico que, embora lastreado pela história, ultrapassa a 
especificidade de seus eventos originários. O caso his tórico, nes-
sa situação, é colocado em função da análise do momento pre-
sen te, que não corresponde com precisão ao “evento fundante do 
termo”, mas com ele se articula porque reverbera configurações 
que, embora variadas, se repetem. 
A cartografia da ocorrência dessas palavras torna-se tarefa 
ainda mais ardilosa quando constatamos outra modalidade cor-
rente de seus usos: como categorias de acusação. Nessa versão, 
cada vez mais constante nos noticiários televisivos, na imprensa 
escrita e nas redes sociais, não é a fidelidade histórica ou a qua-
lidade analítica do repertório simbólico dos termos o que está 
em jogo, mas sim sua potência evocativa, capaz de tornar pú blica 
a indignação de uns com relação à postura de outros.
Os capítulos reunidos neste livro têm como objetos centrais 
de reflexão a conjuntura política e cultural atual e os usos das 
três categorias que o intitulam. Para tratá-las, a saída en con trada 
por seus organizadores não foi a de oferecer definições a elas e, 
a par tir daí, convidar os autores para reflexões concer ta das a 
priori. Pelo contrário, a proposta inicial foi justamente a de refle-
tir sobre es ses termos assumindo a imensa variabilidade de defi-
nições e usos que se faz deles. Isso está expresso nas múltiplas 
abordagens teórico-metodológicas empregadas em cada um dos 
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introdução
capítulos e, principalmente, no variado conjunto de dados ana-
lisados. Nos textos que seguem, o leitor acompanhará reflexões 
que tomam como referência: a presença dos evangé licos na polí-
tica bra sileira, os protestos de rua cuja intensificação deu-se após 
junho de 2013, a eleição de Donald Trump nos Estados Uni dos, 
as últimas disputas entre governo e oposição durante os manda-
tos de Dilma Rousseff e, ainda, a presença pública das religiões e 
o arcaísmo da política brasileira analisados a partir da estética de 
filmes do cinema nacional. Além de todas essas variações empí-
ricas, que tornam tão abrangentes as análises aqui apresentadas, 
adiciona-se ainda outra característica que contribui para a di ver-
sificação dos estilos dos capítulos que seguem, as distintas iden-
tidades disciplinares de seus autores; são elas: ciência política, 
filosofia, antropologia, história e psicanálise. Desde sua con cep-
ção, a proposta deste livro foi a de apostar na multiplicidade (de 
perspectivas e de situações) como caminho para a ampliação de 
nosso entendimento sobre as possibilidades ana líticas das cate-
gorias que eleprivilegia, bem como de nossa ca pa cidade de ava-
liação de casos e contextos a elas associados. Assim, ao te ma ti-
zarmos “fascismo, conservadorismo e fundamen talismo”, o que 
nos interessa, por um lado, é refletir sobre como essas categorias 
mobilizam e são mobilizadas e, por outro, identificar as tendên-
cias dessa conjuntura caracterizada por fortes inflexões políticas 
e culturais.
O capítulo de abertura deste livro tem como título a per gun-
ta que endereça todo o argumento do texto: a onda conserva-
dora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? O 
cien tista político Joanildo Burity apresenta seu quadro de análise 
partindo do que ainda parece ser tratado como uma no vi dade 
no cenário político brasileiro, mas cujo início pode ser traçado 
três décadas atrás, quando os mundos político e aca dê mico bra-
sileiros tomaram conhecimento, de surpresa, do surgi mento de 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
um novo e proeminente ator na cena pública: os pen te costais. 
O argumento de Burity pondera e propõe que dis tan ciemos um 
pouco o foco da discussão sobre o componente fun da mentalista 
do desses religiosos, para, primeiro, perceber um re gime de pu-
blicização da religião, que é irredutível às catego rias “fundamen-
talismo”, “conservadorismo” ou “fascismo”, e, segundo, identificar 
uma nova governamentalidade emergente nu cleada no conceito 
de tolerância, agora disputada, contestada pelos conservadoris-
mos, fascismos e fundamentalismos, mas nada neutra ou ino-
cente. Nesses dois regimes, a religião pública e a tolerân cia, pa-
rece que são jogadas algumas das disputas mais importantes e 
fundamentais para entendermos o que será o Brasil dos próximos 
anos. Mas seria apenas isso que estaria em jo go? O Brasil dos 
pró ximos anos? São essas duas perguntas que desencadeiam os 
principais argumentos do capítulo. 
O texto da sequência desloca o campo empírico-analítico da 
crise político-institucional brasileira de 2013-2016, para o pleito 
elei toral estadunidenses que elegeu Donald Trump. A pergun-
ta que o intitula apresenta o quadro geral de reflexão elaborado 
pelo cientista político Alvaro Bianchi e pelo historiador Demian 
Melo: “Donald Trump é fascista?”. Certamente haveria ra zões 
ime diatas para responder a essa questão, rapidamente, de ma neira 
positiva. Amparados por uma intensa revisão do “fascismo” en-
quanto categoria de análise, os autores enfrentam a pergunta que 
mobiliza o texto a partir de sua pertinência ana lítica e não de sua 
retórica política. É nesses termos que a pergunta do título é abor-
dada e, principalmente, é dessa maneira que o texto de Bian chi 
e Melo produz um deslocamento mais ge ral nas re flexões presen-
tes neste livro, não apenas porque muda seu locus empírico para 
longe do Brasil, mas também porque faz do contexto analisado 
seu ponto de partida para avaliar a capacidade analítica do con-
junto de categorias sobre as quais esta obra pretende refletir.
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introdução
Numa espécie de movimento circunvolutivo de análise de con-
juntura política, que ora se aproxima do contexto ins ti tucio nal 
partidário, ora se afasta dele para privilegiar, justamente, as ma-
nifestações de sua negação, o terceiro capítulo do livro aborda o 
tema dos protestos no Brasil. Luciana Tatagiba faz uma leitura 
abrangendo o período entre 2011 e 2016 e propõe-se responder: 
Quem são os atores coletivos que plasmaram o turbulento ciclo 
de mudanças pelo qual passamos nessa década? Quais as teias 
relacionais a partir das quais engendram suas identidades cole-
tivas? Quais são seus projetos políticos? Quais as relações que 
estabelecem com o campo político-institucional? Quais as suas 
narrativas sobre a democracia? O que esperam do Estado? Que 
tendências esses processos emergentes apontam para a reconfi-
guração das relações entre sociedade civil e sociedade política no 
Brasil em médio e longo prazos? Para respondê-las, a autora ana-
lisa em minúcia todos os protestos no ticiados do primeiro ao 
último dia de mandato do governo Dilma. O resultado é uma 
série cuja detalhada depuração não deixa dúvidas sobre a varie-
dade da natureza dos protestos realizados e tampouco da capa-
cidade de catalisação política que esses cinco anos tiveram para 
a história do país. 
Na sequência, o psicanalista Tales Ab’Saber parte do que con-
sidera ser um momento extraordinário de revelação do Brasil, um 
momento íntimo e raro em que o país produz intensamente a si 
próprio. Tales está se referindo à onda de protestos que ocuparam 
as ruas pedindo o impeachment da presidenta Dil ma Rousseff. 
Esse foi um evento significativo, quando a nação se instanciou e 
nesse ato nos deu uma brecha para um exercício de aprendizado 
sobre nós mesmos. O elemento articulador de sua análise, no 
en tanto, não são os materiais recolhidos diretamente nos protes-
tos, mas sim a estética de filmes do cinema nacional, como Cabra 
marcado para morrer – como se sa be, um filme feito em dois 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
tempos, entre 1964 e 1984, por Eduardo Coutinho e seus com-
panheiros de viagem – e Terra em transe, de Glauber Rocha. A 
sedução do texto de Tales está em transformar uma ampla varie-
dade de elementos, aparentemente dispersos, como filmes, lite-
ratura, notícias de jornal e cartazes em protestos ocorridos nos 
últimos anos, em partes de uma única trama, que é capaz de nar-
rar certas permanências da cultura política brasileira. 
O texto da filósofa Yara Frateschi está dedicado à análise do 
discurso que assume o “antibolivariano” como reação à instau-
ração da Política Nacional de Participação Social (PNPS), em 
2014. Certamente, argumenta a autora no início de seu empre-
endimento genealógico sobre as disputas políticas implicadas na 
aprovação dessa política, a reação parlamentar que culmina com 
o projeto de decreto legislativo 1.491 e susta os efeitos da PNPS 
foi mais uma etapa na batalha do Poder Legislativo contra Dilma 
Rousseff. Contudo, a análise que Frateschi elabora sobre aquele 
discurso faz ver que o seu alcance é mais profundo do que a mera 
imposição de mais uma derrota ao governo federal, uma vez que 
faz incidir críticas sobre o próprio modelo de cidadania estabe-
lecido no Brasil depois do fim do regime militar. Essa é a faceta 
mais perversa daquele evento, pois que não está endereçada ape-
nas este ou àquele governo, mas compromete a própria possibi-
lidade de aprofundamento e ampliação da democracia brasileira 
que, sabem os seus opositores, depende do empoderamento dos 
movimentos sociais e das minorias políticas, bem como da pos-
sibilidade da sua participação na formulação de políticas pú-
blicas. Assim, num esforço de síntese, o texto de Yara traça as 
características do modelo de democracia e cidadania que tem se 
es tabelecido no Brasil. Um modelo que cada vez mais rejeita as 
formas públicas de discussão e argumentação, reduzindo as prá-
ticas e possibilidades decisórias da população e que também tem 
sufocado o exercício mesmo da própria representação. Pensando 
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introdução
à luz de um quadro mais amplo e retrocedendo um pouco mais 
na história recente do país, a autora mostra que o discurso “an-
tibolivarianiano” compõe esse quadro de disputa pelo modelo 
de cidadania da nação. 
Por fim, no último capítulo, o antropólogo Ronaldo de Al-
meida apresenta uma densa narrativa, capaz de refazer a cena 
para o leitor, da votação de admissibilidade do processo de im-
peachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, ocor-
rida em 17 de abril de 2016. A partir desse contexto, Almeida 
analisa o que vem sendo denominado como “onda conservadora” 
e pergunta-se como os evangélicos participam desse processo no 
Brasil. Seu argumento central é o de que o país passa por mudan-
ças em diferentes dimensões e escalas da vida política, social ecultural que caminham em direções variadas, mas convergentes 
em alguns aspectos. Trata-se do que denomina de conexões par-
ciais, que conformam um movimento mais geral em direção ao 
conservadorismo. Para demonstrar esse argumento, o texto faz 
dois movimentos. No primeiro, discute al gumas declarações de 
parlamentares durante a votação do im peachment da presidenta 
Dilma Rousseff, identificando o jogo das forças políticas envol-
vidas. No segundo, analisa a “onda” decompondo-a em quatro 
linhas de força centrais: economicamente liberal, moralmente 
reguladora, politicamente autoritária e socialmente intolerante. 
Este livro não tem como objetivo apresentar definições fi nais 
para cada uma das três palavras que o intitulam. Antes disso, o 
es forço é o de apresentar uma cartografia das variações nos mo-
dos pelos quais essas palavras são acionadas, seja por seus víncu-
los históricos, por sua qualidade analítica ou ainda quando ar-
ticuladas como categoria de acusação. É por isso que optamos 
por usar a forma plural desses termos, indicando que, mais que 
se empenhar em singularizá-los, vale investir na aná lise da diver-
sidade de suas ocorrências e de seus usos. 
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A onda conservadora na 
política brasileira traz o 
fundamentalismo ao poder?
Joanildo Burity
Introdução
Há 30 anos os mundos político e acadêmico brasileiros tomaram 
conhecimento, de surpresa, do surgimento de um novo ator na 
cena pública: os pentecostais. Desde então, muito se tem dito e 
escrito a respeito deles, que cresceram demograficamente de mo-
do notável no período (o take-off começou ainda nos tempos da 
ditadura militar), após cerca de 60 anos de relativa invisibi lidade 
e insignificância numérica na sociedade. Ao aparecer publica-
mente, em meados dos anos 1980, os pentecostais já representa-
vam mais da metade de todos os protestantes brasileiros, e esse 
percentual cresceu, aproximando-se de dois terços. Não ape nas 
isso, mas “pentecostal” ou “carismático” tornou-se um atributo 
de identidade religiosa de muitos protestantes em igrejas chama-
das históricas, que absorveram essa espiritualidade e esse ethos, 
após escaramuças doutrinárias e divisões eclesiás ticas entre fins 
dos anos 1960 e fins dos anos 1970 (a chamada “re novação espi-
ritual”, o movimento carismático evangélico).
Desde o início de sua atuação pública recente, os pentecostais 
se notabilizaram pela polêmica, dada sua estridente denúncia de 
discriminação e perseguição religiosa e de uma “ameaça comu-
nista” pairando sobre o país, na saída do regime militar (nisso, 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
nenhuma novidade em relação aos evangélicos tradicionais e a 
amplos setores católicos). Depois, por seu corporativismo des-
bragado e por uma sequência de casos de corrupção, que chega-
ram a impactar duramente, em dois momentos eleitorais, a estra-
tégia de construção de um bloco evangélico no Congresso.1 Por 
fim, tornados uma espécie de fiel da balança no tabu leiro eleito-
ral nacional desde fins dos anos 1990, os pentecostais2 são hoje 
parte ineludível do cenário político brasileiro. Seu perfil, man-
tendo os traços já mencionados, aprofundou-se nos últimos anos 
pelo acirramento da disputa com outros ato res minoritários 
igual mente beneficiados pelo processo de de mocratização bra-
sileiro – mulheres, pessoas negras, indígenas e minorias sexuais, 
dentre outros.
1 Essa estratégia não foi inteiramente elaborada previamente, nem conduzida pelas mesmas 
mãos, ao longo do período. “Os pentecostais”, como “os evangélicos”, não são, sabida-
mente, um grupo monolítico, nem possuem uma liderança convergente em nível nacional 
(muito menos regional ou local). Há correntes e líderes, mais ou menos bem-sucedidos, 
mas, por razões estruturais do protestantismo, nenhuma unidade de comando possível 
existe. Assim, o sucesso da estratégia tem se devido, curiosamente, a sua flexibilidade e 
condução prag mática, numa palavra, a sua contingência. Amplamente suprapartidária 
e policêntrica, a existência da “bancada evangélica”, em si, nunca foi suficiente para 
assegurar coe são. Isso veio politicamente, primeiro pela disputa antimajoritária com a 
Igreja Católica, depois com “os comunistas” e, mais recentemente, contra feministas, 
LGBTs, militantes negros(as) e indígenas e o “marxismo cultural”. Um processo de so-
bredeterminação, portanto, não uma sequência cronológica ou uma unidade de propó-
sitos, articula esses momentos ao longo do tempo.
2 Ou “os evangélicos”, como se passou a denominar o campo formado por um coletivo na 
verdade bem heterogêneo dos pontos de vista ideológico, partidário e ético-político. “Os 
evangélicos” é um termo-valise, que expressa um bem-sucedido processo de hegemo ni-
za ção do campo protestante pelos pentecostais, iniciado ainda em fins dos anos 1970, por 
iniciativa de uns poucos visionários pentecostais (criadores da tese do “irmão vota em 
irmão”), e consolidado em poucos anos a partir do sucesso eleitoral de 1986. “Os evangé-
licos” estão para a luta interna pela hegemonia do campo protestante como “bancada 
evangélica” está para a luta externa por influência na sociedade e na política nacionais. 
Ambos são pontos nodais – ou seja, termos que “amarram”, “compactam” e sinalizam a 
existência de um sujeito coletivo e servem de ponto de referência para interpelar outros, 
aliados e adversários, para uma estratégia político-religiosa pentecostal, ancorados na 
plausibilidade e na “evidência” produzidas pelo crescimento numérico ininterrupto desse 
segmento cristão ao longo de cerca de 50 anos. Por isso mesmo, não são referentes de uma 
objetividade dura e previamente dada, mas ingredientes de uma prática hegemônica. De 
uma política, de um projeto.
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a onda conservadora na política brasileira...
Até aqui, nenhuma novidade. Nenhum dado novo para com-
plicar a narrativa-padrão dos discursos acadêmicos, midiáticos e 
dos diversos atores – aliados e adversários – da minoritização 
pentecostal.3 O perfil preponderantemente conservador, moral 
e político, quase que independentemente do posicionamento 
partidário, não se alterou. Apenas tornou-se mais desabrido. Na-
da que não soubéssemos, mas mais incisivo e escancarado. 
Mas há, sim, um dado novo. Na conjuntura pós-eleições pre-
sidenciais de 2014, a desenvoltura e o protagonismo com que 
o bloco pentecostal hegemônico (“os evangélicos”/a “bancada 
evan gélica”) se moveu entre o Legislativo e o Executivo e mobi-
lizou a “sociedade civil” e a “indústria cultural” evangélicas do 
país em seu favor projetaram esse ator de forma notável no cená-
rio político que se foi conformando até o desfecho no processo 
de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a for ma ção do 
governo do ex-vice-presidente Michel Temer. Não ape nas isso, 
mas, de uma coalizão liderada pelo PT, o principal partido de 
esquerda das últimas décadas no Brasil, emergiu uma das mais 
reacionárias formações políticas da história republicana do país 
(em si mesma não exatamente um primor de progressismo!), da 
qual “os evangélicos” parecem ser, e isso é o que surpreende, uma 
força-chave. Formação política que tem derrubado por terra um 
enorme e apenas parcialmente bem-sucedido esforço de alinhar 
a trajetória institucional da democratização com a trajetória de 
auto-organização da sociedade civil e dos movimentos sociais e 
populares.
Em agosto de 2016, no dia em que se julgou a admissibili dade 
do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, um grupo de in-
3 Sobre minoritização religiosa, não tenho como elaborar aqui. Só posso remeter a outros 
escritos recentes, nos quais me estendi mais a respeito: Burity, 2015; 2016b; 2016c.
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
telectuais reuniu-se na Unicamp4 para compreender esse dado 
novo. Percebemos que há algoaí que não se deixa captar por um 
único nome, mas ainda não se consegue nomear com cla reza, 
ainda que se pense tratar de uma confluência de figuras da reação 
moderna: conservadorismo, fascismo, fundamenta lismo. Levan-
do a sério o título do evento (e agora deste livro), havia mesmo 
dúvidas quanto aos termos no singular, donde serem propostos 
no plural. Ou quem sabe, a julgar pelas vírgulas, índices de um 
certo paralelismo ou ao menos contiguidade, restam dúvidas 
sobre se a malignidade desses termos está em sua mera contigui-
dade ou numa espécie de remissão mútua, com laivos de especifi-
cidade em cada caso, mas harmonizados os seus efeitos numa 
co mum desagregação da ordem democrática e plural que pensá-
vamos estar sendo aprofundada e ampliada. Desde então, nada 
menos que isso veio avançando. Ao encadearmos “conservador-
ismo, fascismo e fundamentalismo”, estaríamos sen do didáticos, 
reservando um momento específico para o exame de cada termo, 
uma visada particular para cada feixe de práticas descortinado 
por sua utilização analítica ou descritiva? Essa aparente clareza 
cartesiana, na verdade, escondia mais perplexidade e frustração 
do que confiança quanto ao percurso. Saberemos melhor ao final 
dele? Mas quando virá esse final?
Por que preocupa tanto, neste momento, a confluência desses 
significantes? Estamos falando de objetos claramente configu-
rados, dados e, sobretudo, interconectados? Que lógicas ou an-
siedades fazem ligar esses termos metonimicamente, como se 
4 Uma versão inicial deste texto foi apresentada numa sessão do Fórum Penses, promovido 
pela Universidade de Campinas, sobre o tema “Conservadorismos, fascismos, fundamen-
talismos”, em 30 de agosto de 2016. O Fórum se propunha a discutir a conjuntura atual, 
particularmente a brasileira, partindo da indagação se estamos vivenciando uma onda 
conservadora em política e que outras expressões de conservadorismo estariam presentes 
nesse cenário. A presente discussão foi proposta na mesa “Religião no espaço público”, 
da qual participei.
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nos falassem de um passado já conhecido e retornante (um fan-
tasma do passado),5 ou de um futuro ameaçador, porque decerto 
só trans parece a sanha de destruição do presente? Quem se pre-
ocupa? Quem faz essas ligações? Afinal, ao colocarmos o sig ni-
ficante “fascismos” entre “conservadorismos” e “fundamenta-
lismos”, não apenas evocamos o trauma em escala mundial do 
pe ríodo entre o Pós-Primeira Guerra e o Pós-Segunda Guerra 
Mundiais, mas também indicamos que algo se agregou às repre-
sentações conhecidas, no singular, de cada um desses termos, 
multiplicando-os, pluralizando-os, complicando-os. Perdemos 
uma guerra? Estamos entrando nela? Ou começa outra? Com 
quem lutamos ou lutaremos? Decorreria da multiplicidade dos 
três termos nosso maior medo ou ressentimento? Estaríamos 
sendo rodeados de figuras múltiplas, sorrateiras ou ostensivas, do 
mal, às quais não sabemos como resistir? A religião, à guisa de 
fundamentalismos, é um dos inimigos? As religiões, no plural? 
Apenas aquelas correntes dentro de cada uma que fazem o jogo 
dos conservadorismos e dos fascismos? Ou precisamente não o 
sabemos, porque os fundamentalismos seriam muitos, talvez já 
não somente os especificamente religiosos?
Como se define a relação entre a enunciação científica num 
cenário de intensificação dos afetos no cenário político, quando 
o espaço público se torna sobrecarregado de valores, senti men-
tos de ameaça e urgência, incivilidade, dissimulação, táticas de 
defesa e de ataque e uma cacofonia de diagnósticos sobre a crise 
que vivenciamos (nunca esquecendo a tendência de con ti-
nuarmos a tomar o Estado-Nação como unidade privilegiada 
de análise)? 
5 Revenant, em francês, tanto pode significar “retorno” como “fantasma”, “espectro”. Isso 
não escapou a Derrida (1994) em sua análise do marxismo e da conjuntura pós-queda do 
Muro de Berlim, em Espectros de Marx.
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Dados os acontecimentos transcorridos no Brasil desde a 
pos se de Michel Temer na Presidência, por ocasião da admis-
sibilidade do processo de impeachment contra a presidenta, te-
mos sido atordoados por todas essas questões. Particularmente 
por serem tão difíceis de responder. Por sequer sabermos se são 
estas as melhores, as mais aguçadas. De qualquer modo, eu gos-
taria de sugerir um percurso para colocar o tema proposto da 
“re ligião no espaço público” neste preciso contexto de trauma, de 
medo, de antagonismo, de ressentimento, de percepção de que 
as fontes do mal se multiplicam e tomam conta, tomam lugar. 
Fa larei de religião, não da religião. E interrogarei o que é ou se 
há algo de especificamente religioso nesta cena política pós-2014 
que o conceito de fundamentalismo(s) esclareceria, nomearia, 
singularizaria. Concluirei propondo que distanciemos um pouco 
o foco da discussão sobre o componente fundamentalista do 
trauma para perceber a) um regime de publicização da re li gião 
que é irredutível às categorias “fundamentalismo”, “conserva-
dorismo” ou “fascismo”; e b) uma governamentalidade emer-
gente, nucleada no conceito de tolerância, agora disputada, con-
testada pelos conservadorismos, fascismos e fundamentalismos, 
mas nada neutra ou inocente. Nesses dois regimes, o da religião 
pública e o da tolerância, e entre eles, parecem se jogar alguns 
lances importantes do que tem sido e será o Brasil dos próximos 
anos. Mas seria apenas isso que estaria em jogo? O Brasil dos 
pró ximos anos? 
Autoimunização, ressentimento e antagonismo 
Apresento, de partida, minha concordância: há, sim, uma on da 
conservadora (suspendamos, por enquanto, se esse termo substi-
tui e engloba os outros dois). Na religião, na política e, descobri-
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mos alarmados, nas relações interpessoais, entre nossos amigos e 
conhecidos (donde nosso perplexo recurso ao fantasma do fas-
cismo), e pelas mídias sociais, extensivamente entre estranhos 
e desconhecidos. Conservadorismo desabrido, insolente, sem 
meias-palavras e sem meias-medidas. Disputando todas as evi-
dências do que chamamos de avanços dos últimos 13 anos (al-
guns dos quais já haviam começado mesmo antes) e anulando-as 
como desperdício de tempo, como apostas infundadas, como 
pro dutos da corrupção, como perigosos precedentes ou como 
figuras do mal a exorcizar, esquecer ou punir. O conservadorismo 
ao mesmo tempo se apresenta como ferido pelo que se passou e 
como aquilo que tem que voltar, se impor, para que a sociedade, 
a economia, a política se reergam, reajam aos sinais de corrupção 
e de decomposição do tecido social. Apre senta-se como o fun-
damento abalado, mas ainda capaz de reação e retomada, da 
ordem e do progresso, da ordem com(o) progresso, prometidos 
pela República cujo nome, aplicado ao Brasil, é um de nossos 
autoenganos. Conservadorismo que teve na crescente presença 
pública de certos atores religiosos nas últimas décadas tanto 
um sinal de sobrevivência como de reforço deliberado, ca paz 
de ir absorvendo novos conteúdos com o passar do tempo. Em 
suma, há con servadorismo, e, mais uma vez, “a religião” parece 
ser uma participante aguerrida e temivelmente protagonista de 
sua produção.
Mas já introduzo minha primeira qualificação: a onda con-
servadora não se contém nas fronteiras nacionais, nem se origina 
de seu interior. A geografia e a cronologia dessa onda não são 
singularmente brasileiras nem definidas de modo estável e linear. 
Não têm ordem, nem progridem linearmente. Uma maré mon-
tante de reação conservadora crescentemente globalizada se er-
gueu no mesmo período, grosso modo, quero insistir, que a reação 
brasileira identifica como a temporalidade do desastre de que 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismospretende nos redimir, só que muito mais amplamente e indepen-
dente da dinâmica brasileira:6 desde o início do novo século. Seus 
sinais apontam precisamente para uma resposta e uma recusa a 
processos iniciados anteriormente à conjuntura pós-2014. Donde 
se tratar de uma reação conservadora. Elenco alguns desses sinais, 
esquematicamente: 
a) Desde fins dos anos 1960 se foram intensificando diversas in-
junções ao estar junto (reconhecimento, integração, inclusão, 
participação), traduzidas na emergência das chamadas polí-
ticas de identidade, do multiculturalismo, de múltiplos pro-
cessos de democratização política, de uma guinada cul tural 
na política de esquerda, e de uma nova cepa de pluralismo 
li beral. Essas injunções constituíram uma prática de subjeti-
vação levada a cabo por movimentos sociais emergentes, por 
ONGs internacionais e locais, por discursos acadêmicos e 
mes mo empresariais. Estar junto: reconhecer, nomear, aco-
lher ou ao menos conviver com as diferenças. Estar junto: 
expressar solidariedade e assumir responsabilidade por der-
rotados e explorados de outrora e de hoje, de perto e de longe, 
fazendo-lhes justiça ou reparação. Estar junto: alargar a defi-
nição da identidade nacional pela contagem de práticas, nar-
6 Ao contrário. A despeito de suas vicissitudes, o período de 2000 a 2016 definiu a trajetó-
ria dominante brasileira na contramão de macrotendências internacionais e globais. Digo 
“trajetória dominante” porque seja nos primeiros três anos dessa periodização algo impro-
visada, seja ao longo do período, houve abundantes indicações de que aquelas macro ten-
dências eram favorecidas por forças sociais e políticas brasileiras e eram potencializadas 
por iniciativas específicas dessas forças, representadas em todos os governos desde o 
retorno ao governo civil em 1985. Mas essas forças locais não conseguiram jamais agir 
sozinhas (até 2002), nem dar a direção ao processo após 2003. Enquanto o mundo do-
brava-se ao neoliberalismo globalizado e depois ao avanço do extremismo islâmico e à 
crise imigratória pós-2008, o Brasil seguia numa trajetória de democratização, ambígua 
e incompleta, mas contraditória com as macrotendências. Tal contramão agora é dura-
mente penalizada por uma “corrida contra o tempo perdido” dos setores mais regressivos 
da sociedade brasileira, alinhados, enfim, com o cenário global.
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rativas e pessoas até aqui expulsas, excluídas, expropriadas. 
Em meio às lutas, as conquistas vieram. A resposta foi cres-
centemente positiva das instituições estatais, intergover-
namentais e regionais a essas injunções ou a mudanças no 
âmbito das políticas públicas, da legislação e das práticas ju-
diciais. Em outras palavras, a injunção a que as maiorias 
re conhecessem as minorias, que as elites ampliassem o acesso 
de massas ao bem-estar e à segurança da cidadania a elas asse-
gurado, que o reconhecimento da pluralidade social não pro-
duzisse ou justi ficasse exclusão e entrincheiramento, mas in-
clusão, essa injunção transformou-se em governamentalidade, 
para usar o termo de Foucault;
b) A partir dos anos 1990, com a crescente globalização do ca-
pitalismo em sua versão neoliberal, desregularam-se os mer-
cados e estimulou-se uma mobilidade transnacional do tra-
balho. Desde então, a multiplicação de conflitos, crises eco-
nômicas e catástrofes ambientais também provocou fortes 
mi grações por motivos políticos e econômicos. O envolvi-
mento de potências ocidentais em vários desses conflitos – da 
antiga Iugoslávia ao Iraque, Afeganistão e Síria – opor tunizou 
que contingentes de refugiados se deslocassem, particular-
mente para a Europa ocidental. Isso intensificou a circulação 
de pessoas dos países mais pobres ou devastados pela guerra 
em direção aos mais ricos e, por sua vez, o contato cotidiano 
entre diferentes (nacionais e imi grantes/refugiados), gerando 
formas de acolhimento, mas também ansiedades, temores, 
ressentimentos e novos lugares de antagonismo na política 
doméstica e global. A presença de uma nova geração de imi-
grantes nos países do Norte reforçou pro cessos de diaspo-
rização já em curso – e relacionados de várias maneiras ao 
processo de visibilização e reconhecimento da diferença em 
curso –, mas introduziu disputas sobre o objetivo da tarefa 
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da inclusão: assimilação? Hospitalidade cosmopolita? Acei-
tação resignada – e ressentida – do outro? Negociação de 
regras e limites de acolhimento e extensão do regime de ci-
dadania? Reativação de códigos coloniais de produção da 
sub serviência?;
c) Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova 
York (seguidos de outros em 11 de março de 2004, em Madri, 
e 7 de julho de 2005, em Londres) produziram um conjunto 
de efeitos-resposta que delinearam um crescente e incontro-
lável pro cesso autoimunitário,7 pelo qual a incerteza sobre 
quem seria, onde estaria e como agiria o inimigo levou a me-
didas que não só se destinavam potencialmente a qualquer 
pessoa (inclusive gente de bem), como causaram a suspensão 
ou autolimitação de mecanismos legais e políticos demo cráti-
cos, introduzindo uma ambígua equação entre retórica demo-
crática e funcionamento antidemocrático das instituições. As 
democracias ocidentais foram aos poucos introduzindo me-
didas de exceção que suspendiam a ordem liberal-democráti-
ca em função de poderes discricionários para pre venir-se ou 
atacar inimigos nomeáveis, mas elusivos. Deu-se a construção, 
em escala global, de um novo inimigo do Ocidente capitalis-
ta, já não o socialismo, mas “o islã” (a despeito de todas as 
qualificações oficiais feitas, de que se trataria apenas do ter-
rorismo ou extremismo ou fundamentalismo is lâ mico[s], a 
fronteira entre o particular e o universal aqui nun ca foi tão 
deslizante). Como cultura, civilização ou religião, o islã, as-
sim concebido, reocupou o lugar da religião cristã co mo ini-
miga da modernidade de séculos passados, só que agora em 
plano civilizacional, como para Huntington.8 De volta “a re-
7 cf. Derrida, 2004.
8 Huntington, 1997.
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ligião” como ameaça integrista, intolerante e ir ra cional à or-
dem vigente, como fonte de violência incontida;
d) A crise financeira de 2008 reacendeu fantasmas de uma crise 
geral do capitalismo, nos moldes do crash de 1929, que re cru-
desceu o embate entre estatistas e desenvolvimentistas, de um 
lado, e neoliberais, de outro. Nos países mais duramente 
afeta dos, de partida, pela explosão e rápida disseminação da 
crise, o desemprego, o crescimento da inflação e a perda de 
capacidade regulatória do Estado geraram profundas cliva-
gens políticas em relação ao que fazer. Nesse contexto, dá-se 
uma paulatina aproximação entre forças ultraliberais em eco-
nomia e forças ultra direitistas em termos de proteção do Es-
tado e da sociedade nacionais contra os efeitos da crise. Essa 
aproximação produziu, assim, programas de cunho crescen-
temente privatista, tecnocrático, antipo pular (inclusive xenó-
fobo) e militarista, justificados pela situação excepcional que 
a crise teria desencadeado, que de mandava “proteger” os na-
cionais e sacrificar os de baixo (novamente acusados de sobre-
carregar os custos de produção e os sistemas previ den ciários), 
para que a travessia da crise se fizesse sem pôr em risco o status 
de investidores e empreendedores como os únicos grupos com 
os meios de fazer a “retomada do cres cimento”; 
e) Nem bem a crise financeira deu sinais de normalização – por 
meio de uma surpreendente concertação “keynesiana” entre 
governos do capitalismo avançado, tanto quanto, pasme-se, 
pela reiteração das práticas financeiras e da ideologia neo-
liberal que geraram a própria crise – e dois pro cessos forte-
mente conflitivos explodem no norte da África e na Ásia (daPenínsula arábica ao Iraque): a chamada “primavera árabe” e 
a emergência do Estado Islâmico, compondo-se com os efei-
tos da primeira, no caso da Síria. Reforça-se o clima de inse-
gurança, belicosidade e autoimunização já existente desde o 
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início do novo século e amplia-se a movimentação de mas sas 
em busca de sobrevivência, a ponto de produzir uma pro-
funda crise migratória na Europa, agora tanto a Orien tal 
como a Ocidental. Aprofunda-se a am bivalência quanto a 
quem é o inimigo a ser combatido, com a multi plicação de 
atos terroristas perpetrados por cidadãos europeus. Emergem 
explicitamente discursos e formações políticas neonazistas e 
ultradireitistas com apelo popular junto às popu lações “na-
cionais”. O inimigo é percebido como já estando dentro do 
corpo, alimentado, apoiado, permitido por “nós pró prios” – 
em outras palavras, cidadãos/cidadãs nacionais de posições 
liberal-sociais e de esquerda, membros de diásporas e os novos 
imigrantes/refugiados, todos se tornam inimigos em poten-
cial e al vos da ação preventiva/repressiva do Estado contra “o 
terrorismo” e “a crise” e de cruzadas culturais para expurgar o 
mal internalizado. Políticas de contenção doméstica da ra-
dicalização são ativadas, normalmente associadas a expedien-
tes de racialização baseados no binômio estrangeiro/muçul-
mano; crescem a xenofobia e o racismo.
Assim, a conjuntura dos últimos 17 anos exibe uma questão 
intratável referente ao presente (doentio) e ao futuro (talvez fa-
tal) da “ameaça terrorista” e da “crise”, que leva à autoimunização, 
por meio de uma intensificação do antagonismo, da máxima vi gi-
lância, da suspensão/abdicação de direitos e garantias em nome da 
proteção contra essas ameaças intangíveis e da rapidez na arre gi-
mentação de defesas contra o outro, mesmo que ao custo do fo go 
amigo, da generalização da desconfiança, do me do e da agres-
sividade reativa, dos danos colaterais. Trauma: a fe rida aberta nos 
deixa suscetíveis a efeitos ainda piores, que não conhecemos ain-
da. Como diz Derrida: “O traumatismo é produzido pelo futuro, 
pelo que há-de-vir, pela ameaça do pior que há-de-vir, mais do 
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que pela agressão que ‘já terminou’”.9 Os efeitos desse trauma 
so bre as instituições e a cultura demo cráticas não demoraram a 
se fazerem sentir, criando um caldo de cultura no qual o acir-
ramento da competição econômica, a emer gência de tensões e 
descompassos entre demandas redistributivas e por reconheci-
mento, e um crescente temor e ressentimento diante da plura-
lidade étnica e cultural levaram a uma in tensificação da polariza-
ção política.
O Brasil nesse cenário
Se o ponto da primeira parte do argumento é que a onda con-
servadora vem se erguendo há muitos anos, num cenário global 
alimentado pela insegurança (interna e externa) e por crises eco-
nômicas, meu segundo passo é sugerir que o contexto brasileiro 
não ficou imune às mesmas forças, nem a reencontrar soluções 
apresentadas para ela no plano global, embora as tenha refratado 
por um bom tempo. No caso da “ameaça terrorista”, somente 
mui to recentemente houve alguma ressonância – na preparação 
jurídica para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, com o sanciona-
mento da lei antiterrorismo, com vetos, pela presidenta Dilma 
Rousseff (lei 13.260/2016).
Creio que se trate, em nosso caso, também de um caso de in-
tensificação e propagação, não tanto de surgimento de processos 
inauditos. Afinal, seja pela via de dinâmicas político-institu-
cionais decorrentes do presidencialismo de coalizão brasileiro, 
seja de dinâmicas glocais de afirmação de direitos, a “coexistência” 
de liberais, esquerda e direita em política exibiu uma constante 
disputa por hegemonia no interior das coalizões eleitorais desde 
9 Derrida, 2004, p. 160.
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a redemocratização dos anos 1980. Nas duas formações hegemô-
nicas das últimas décadas, a da terceira via liderada pelo PSDB 
entre 1995 e 2002 e a do lulismo pós-2003, a direita manteve-se 
como sócia minoritária, mas jamais ausente ou sem possibilidade 
de influência. O que temos hoje é um reencontro da política bra-
sileira com os vetores macro da política global, que não deixa de 
surpreender pela virulência e a urgência da estra tégia de desmon-
tagem dos arranjos construídos nas gestões lideradas pelo PT. 
Neste sentido, ironicamente, o projeto democratizante deu lugar 
a um parasitismo da direita que, ao longo do tempo, a transfor-
mou em agente autoimunitário.
Parece-me, em segundo lugar, que essa virulência e urgência 
fo ram dramatizadas pela extensão e a profundidade do avanço 
das demandas minoritárias no pós-2003: feministas (ações de 
pro moção da igualdade de gênero em várias áreas de governo); 
afrodescendentes (Estatuto da Igualdade Racial); religiosas (no-
vo Código Civil e várias concessões nas políticas sociais e cultu-
rais); LGBT (lei contra a homofobia; terceiro Plano Nacional de 
Direitos Humanos); ativistas sociais (Política Nacional de Par-
ticipação Social). Emoldurando esse processo, as políticas majo-
ritárias no campo social (Bolsa Família e políticas de educação, 
saúde e habitação) produziram um impacto fortemente demo-
cratizador e trouxeram para a equação vida cotidiana/política 
institucional uma solução altamente inovadora na história repu-
blicana brasileira. Vários desses avanços, inclusive, já vinham dos 
governos FHC (1995-2002). Mas produ ziram, particularmente a 
partir das eleições de 2010, um acir ramento crescente entre per-
dedores relativos – sendo a elabora ção dessa perda diversamente 
construída desde lugares sociais que não se poderia definir ape-
nas como “elites” ou “classes dominantes”, mas mobilizando mas-
sas. O denominador comum dos conservadorismos que foram se 
arregimentando não estava na origem, mas foi alvo de uma com-
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plexa trama de aproximações táticas no contexto de uma cres-
cente frustração e impa ciência ante a determinação da maioria 
da população em san cionar a continuidade do projeto lulista.10 
Projeto no interior do qual havia ganhadores que se sentiam per-
dedores, alarmados pela equalização de condições em curso num 
dos países mais desiguais do mundo. Projeto que, no entanto, 
parece não morrer de uma morte natural, haja vista a inquestio-
nável simpatia do eleitorado brasileiro, no esquentar dos tambo-
res das eleições presidenciais de 2018, a uma possível candidatura 
de Lula, como revelam pesquisas de todos os naipes ideológicos.
Quando se esperava que os anos Lula-Dilma seriam um cená-
rio de virada, de consolidação de um caminho de trans formação, 
uma aurora de democracia social, política e econômica, uma con-
junção de contratendências emerge a partir de 2013 desencade-
ando uma nova crise de hegemonia no Brasil. Desse processo e do 
seu desfecho podem ser apresentadas como indicativas:
a) As chamadas “Jornadas de Junho de 2013”, que exibiram e 
in tensificaram a fragmentação do campo democrático-popu-
lar, desorientaram a esquerda e levaram à emergência de de-
mandas conservadoras usando os repertórios de ação coletiva 
daquele campo e situando-se no mesmo nível, passando em 
seguida a disputar, com sucesso, a voz e a identidade popular 
com a esquerda; 
b) As dificuldades crescentes de gestão da heterogeneidade po-
lítica da coalizão governista pela presidenta Dilma Rousseff, 
sem a presença afiançadora e negociadora de Lula, e a infeliz 
tentativa de repetir a receita utilizada no primeiro enfrenta-
mento da crise mundial de 2008, pela adoção de uma compo-
sição entre política econômica e reformas legais de corte ne-
10 Rennó & Cabello, 2010; Singer, 2012; Ricci, 2013.
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oliberal com indução “desenvolvimentista” (anticíclica) do 
Estado, acentuaram o distanciamento do governo das expec-
tativas do novo “povo” criado pelo lulismo, resultando numa 
fragmentação da coalizão, no aprofundamento da cri se eco-
nômica e no crescimento da insatisfação de múltiplos setores. 
Esses vetores foram mutuamente reforçados durante e após o 
processo eleitoral de 2014, pela posição de siste mático boicote 
e bloqueio assumido pelas oposições, pela campanha sistemá-
tica de ataque midiático e pelo esfriamento do apoio popular, 
levando a uma inviabilização do governo desde seus primeiros 
momentos;
c) A efetiva derrota da coalizão lulista nos primeiros meses de 
2016, a despeito da vitória eleitoral de 2014, levou à abertura 
do processo de impeachment da presidenta e à materialização 
de um golpe parlamentar-jurídico-midiático que pôs a direita 
no poder pela primeira vez depois de Collor (1990-1992).
A figuração de uma “nova ordem” pós-lulismo, desde 2015, 
foi conformando a montante do que estamos chamando de on da 
conservadora. Nesse período, vemos emergir cadeias de equi-
valência entre demandas conservadoras de diferentes naipes e 
vá rios esforços de construção de uma nova lógica majoritária, 
uma nova hegemonia (ainda que permaneçamos, talvez por um 
fio, em crise de hegemonia, no pleno sentido gramsciano do 
ter mo). Como no início de cada uma das duas outras formações 
hegemônicas recentes (a terceira via peessedebista e o lulismo), 
o caráter heterogêneo das forças convergentes não impediu de se 
fazer sentir o peso dessa lógica majoritária, com uma “evi dência” 
que se quer irresistível. As medidas anunciadas e as mudanças na 
legislação iniciadas a partir do governo interino de Michel Te-
mer, o impeachment incontornável ainda que intei ramente fabri-
cado jurídica e politicamente e o rápido e impla cável desmonte 
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de políticas, marcos legais e garantias constitucionais em curso 
desde o impeachment, são o testemunho dessa tentativa de re-
construção hegemônica (ainda que também indiquem diversos 
prenúncios de um regime de exceção, na medida em que a impa-
ciência e a urgência do desmonte possuem indícios de uma inse-
gurança quanto à possibilidade de fazer tudo nos marcos de uma 
ordem democrática).
A nova ordem que emerge desde a autorização de abertura 
do processo de impeachment de Dilma Rousseff resulta da con-
vergência proativamente produzida de três estratégias de en-
frentamento:
a) Enfrentamento da crise econômica pela desmoralização (em 
escala glocal) das políticas anticíclicas da esquerda e pela pro-
posição radicalizada do receituário neoliberal nos moldes de 
uma nova reforma do Estado (tanto institucional como nas 
políticas públicas) e de uma ampla desregulação da legis lação 
social e trabalhista, dessa vez sem etapas, limites ou concessões;
b) Enfrentamento da pauta anticorrupção, por meio de um des-
locamento na relação entre Legislativo, Judiciário e gran de 
mídia, que passam a pautar fortemente o Executivo, a “foca-
lizar” os alvos de investigação e a desmobilizar, em toda a ex-
tensão do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), o ím-
peto investigatório dos últimos anos, ao mesmo tempo em 
que “focalizam” os alvos das investigações e não se furtam a 
ir atropelando o devido processo de modo cada vez mais acin-
toso – particularmente nos casos de condução coercitiva, pri-
sões preventivas e indiciamentos seletivos e com timing di-
tado pelos movimentos da conjuntura;
c) Enfrentamento da pluralização de valores, da relativização das 
fronteiras étnicas e das hierarquias sociais produzidas pelas 
políticas da era Lula-Dilma, e suas traduções em termos 
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de direitos e participação ampliados para pobres, mulheres, 
jovens, minorias sexuais, afrodescendentes, indígenas etc., 
pela articulação de um discurso de recomposição da or dem, 
as sentado na desqualificação ou no silenciamento do dissenso 
e na contenção sociocultural e legal das políticas de reco-
nhecimento.
Esses enfrentamentos não são obra de algum ator particular. 
A convergência – indicativa de uma recomposição política emer-
gente – se dá num aparente consenso a que concorrem atores 
partidários, do Judiciário, a grande mídia e significativos setores 
da academia e da burocracia estatal. (Auto)Convocados na base 
de um “contra tudo o que aí está”, mas cada vez mais unidos ape-
nas em torno de seu antilulismo (sequer a pauta da luta contra a 
corrupção aglutinando o conjunto das forças da ordem hoje). Em 
nome do afastamento da presidenta e, por vezes explicitamente, 
do objetivo de banir o Partido dos Trabalhadores do cenário po-
lítico nacional, as demandas de enfrentamento são vistas como 
equivalentes ou complementares, por enquanto, sem que as ten-
sões entre elas tenham, até o momento (início de 2018), levado 
a um fracasso ou desmonte do novo bloco no poder. 
Veamos surgir, efetivamente, nos últimos meses o cenário de 
uma pós-democracia emergente, de uma democracia consensual 
(Colin Crouch, Jacques Rancière, Chantal Mouffe) e de uma 
vio lação decisionista (Carl Schmitt) da lei e dos direitos demo-
cráticos em nome da preservação da democracia e da sociedade 
diante das ameaças a serem enfrentadas – crise econômica, cor-
rupção, demandas por direitos, inversão das hierarquias, plura-
lização dos valores majoritários. Ou seja, um processo autoimu-
nitário: o afã reconstrucionista de uma nova hegemonia ameaça 
destruir a própria coisa em nome da qual fala tão maniacamente.
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Haveria um “especificamente religioso” neste cenário 
de crise e surgimento de uma nova hegemonia? 
Os ingredientes que se combinam na nova receita de ordem e 
progresso, estou sugerindo, provêm de tendências e processos 
globais e locais que, no entanto, precisaram ser articuladas, não 
simplesmente se deram. Até mesmo o formato institucional da 
derrota do lulismo tem precedentes internacionais e latino-ame-
ricanos recentes: Paraguai e Honduras. Mas haveria uma singu-
laridade no caso brasileiro: a proeminência de uma das minorias 
beneficiadas pelas transformações trazidas pela de mocratização 
e agora inconciliada com os rumos assumidos por esta última no 
período lulista, apenas desembarcando pragmaticamente de um 
barco a pique. Tendo participado ativamente do mesmo pro-
cesso, descola-se dele nos últimos lances. “Os evangélicos”, uma 
novidade na política brasileira pós-Nova República, voltam-se 
contra o mesmo projeto que mais sistematicamente os cortejou 
e empoderou. Outra expressão de autoimu nização. Mas esse re-
gistro bastaria? A obviedade desse script não esconderia algo? 
Seria uma confirmação do que já se denun cia ra tan tas vezes, quer 
na academia e no mundo do ativismo social quer na política 
institucional? 
Minha primeira observação é que um balanço da presença 
pública das religiões na conjuntura fechada pelo impeachment 
nos permitiria identificar quatro atores principais,11 não apenas 
um: católicos, evangélicos, movimento ecumênico/ativismo so-
cial inter-religioso e religiões de matriz africana. Nos três úl timos 
casos, estivemos às voltas com processos de minoritização reli-
11 Agradeço a Ronaldo de Almeida e Rodrigo Toniol por haverem apontado a contínua 
relevância do modelo hierárquico-eclesiástico católico, durante a discussão inicial deste 
texto, no evento em Campinas. 
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giosa, ou seja, de emergência de atores concorrentes da re ligião 
majoritária, pensada como coextensiva à identidade nacional e 
com acesso privilegiado ao Estado e à esfera pública. Emergência 
que se caracterizou por reclamar a “equiparação” do catolicismo 
ao status de uma minoria religiosa entre outras,em pé de igual-
dade com outras, por meio da lógica cultural da pluralização e 
das políticas de identidade. Minoritização que tam bém atraves-
sou a tessitura organizacional das próprias religiões estabelecidas, 
delineando minorias emergentes no seu interior, articuladas a 
contrapartes em outros espaços sociais, pelo impacto no campo 
das religiões das demandas étnicas, sexuais, de gênero etc., mo-
bilizadas na sociedade.
Apesar de produzirem uma pluralização de campos e estraté-
gias no interior das religiões (com repercussões, inclusive no mo-
delo católico), esses processos minoritizantes definiram, ao largo 
do modelo polimórfico católico-romano (e tensionando com 
ele), três modelos de “ocupação” do espaço público, ao longo das 
últimas três décadas: (a) a via político-eleitoral pentecostal; (b) a 
via da incidência pública ecumênico-ativista; e (c) a via da cul-
turalização das religiões afro-brasileiras. Essas vias são cla ramente 
distintas da via hierárquico-eclesiástica do catolicismo (e suas ra-
mificações “pastorais”), de relação institucional da Igreja com o 
Estado, através de sua hierarquia episcopal ou de suas estruturas 
de ação pastoral herdadas da Ação Católica e do Vaticano II. 
O modelo católico corresponde estritamente ao conceito so-
cio lógico de Igreja na tipologia weber-troeltschiana – ins ti tucio-
nal, coextensivo com a identidade nacional, abrigando dispu tas 
entre várias modalidades de relação com a cultura e a po lítica e 
delas lançando mão em diferentes momentos: o constantinismo 
(religião oficial), a cristandade, os “dois gládios” luteranos, o en-
frentamento antimoderno, a concordata, o liberacionismo etc. 
– e neste sentido não se confunde com os ou tros que nomeio. 
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Mas, quero ressaltar, o modelo católico vive, nesse contexto, uma 
clara contestação por parte do modelo evangé lico (via político-
-eleitoral), que, na lógica da minoriti za ção connollyana,12 deman-
da que o catolicismo seja “rebaixado” ou nivelado à condição de 
uma entre muitas “minorias religiosas”, uma entre outras moda-
lidades de religião pública, em nome de uma isonomia jurídico-
-política e de uma agonística político-cultural (caso especial da 
estratégia da Igreja Univer sal do Rei no de Deus e das teologias 
do domínio). Isso tem levado, na prá tica, a que o modelo católi-
co de Igreja venha perdendo coesão, nas últimas décadas, mesmo 
quando conquista vitórias parciais, como no caso do Acordo do 
Brasil com o Vaticano, de 2010.
Embora os três modelos minoritários acima não sejam exclu-
sivos dos respectivos grupos e tenham se cruzado de várias ma-
neiras, inclusive com o modelo católico, houve, a meu ver, uma 
clara predominância na operação de cada um. Por outro lado, o 
destino que têm tido ou terão na nova ordem pós-impeachment 
não estava dado de antemão, mas me parece clara a prevalência 
da via político-eleitoral em detrimento das outras duas, com o 
catolicismo mais uma vez perdendo espaço.13
“Os evangélicos”, nome para uma aliança intrarreligiosa de 
protestantes conservadores capitaneada por líderes pentecostais, 
12 Cf. Connolly, 2011; Burity, 2016c.
13 Essa perda de espaço do catolicismo, quase por definição, não afeta a Igreja de uma única 
vez. O catolicismo não é uno e tem sempre mantido rotas de escape, além de ter acumu-
lado enorme experiência de relação com o Estado e com constelações de forças adversas, 
mobilizando suas correntes internas em função dos interesses de longo prazo da Igreja 
hierárquica. No caso brasileiro, por exemplo, há suporte oficial da Igreja a iniciativas dos 
três modelos minoritários – em acordos pragmáticos da “bancada católica” no Parlamento 
com a evangélica; na reação ao impeachment junto com as igrejas e organizações ecumê-
nicas protestantes (unanimemente anti-impeachment); e no apoio às políticas de patri-
monialização da cultura religiosa afrodescendente, que se erigem sobre uma larga tradição 
que beneficia a Igreja. Esse polimorfismo, indicativo da pluralidade interna e da lógica 
estratégica da hierarquia, adverte contra leituras apressadas sobre uma espécie de feneci-
mento generalizado do catolicismo.
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optaram por uma estratégia de representação eleitoral autônoma 
(“corporativa”) que, pelo seu sucesso, foi se redefinindo paulati-
namente em termos de uma pretensão a tornarem-se go verno,14 
participando como tais (ou seja, como grupo religioso) em nego-
ciações de coalizões, ocupando diferentes partidos e bus cando 
controlá-los (com maior ou menor grau de sucesso, como no caso 
da IURD com o PL/PR e da Assembleia de Deus com o PSC, mas 
também envolvendo diretórios regionais de vários outros parti-
dos) ou criando novos partidos e dirigindo-os (casos da IURD 
com o PRB). Mesmo onde se tratou de traje tórias individuais 
(como Eduardo Cunha no PMDB), essa “vocação hegemônica” 
não deixou de fazer-se sentir, materia lizando-se na construção da 
Frente Parlamentar Evangélica15 e na in di cação de nomes na for-
mação de chapas para eleições majoritárias (cargos executivos em 
todos os níveis de governo e ao Senado Federal). 
Acumulando uma sólida experiência através da criação de es-
truturas cada vez mais profissionalizadas de planejamento, deli-
beração e monitoramento da estratégia, os chamados conselhos 
políticos, a cúpula pentecostal se constituiu como partido reli-
gioso, no sentido gramsciano de uma força sociopolítica efetiva, 
mesmo que a representação tenha se construído por vias plu ri-
partidárias, no sentido institucional de partidos políticos. O su-
cesso do modelo pentecostal levou a uma emulação por parte de 
14 Cf. Machado & Burity, 2014.
15 A Frente Parlamentar Evangélica existe desde 2003. Embora registrada naquele ano (52a 
Legislatura, 2003-2006), a Frente não aparece no site da Câmara nas duas legislaturas 
seguintes, seguindo regulamentação instituída pela Mesa Diretora da Câmara, em seu 
Ato n. 69, de 10/11/2005. Isso porque a exigência formal do regimento da Câmara Fede-
ral de participação de pelo menos um terço dos parlamentares para a formação de uma 
frente par lamentar manteve o agrupamento como extraoficial, comumente conhecido 
como “bancada evangélica”. Retorna na 55a Legislatura, iniciada em 2015, quando reuniu 
199 assinaturas de deputados e 4 assinaturas de senadores, em novembro daquele ano, 
constituindo-se como frente mista (cf. <http://www.camara.leg.br/internet/deputado/
frentes.asp>). Para diferentes análises da Frente Parlamentar Evangélica, ver Baptista, 
2009; Trevisan, 2013; Dip, 2015; Suruagy, 2016.
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outros grupos religiosos, da Renovação Carismática católica aos 
espíritas e religiões de matriz africana, com variados resultados. 
Mas, cada vez mais, os pentecostais se afirmaram aí como prota-
gonistas e reforçaram sua estratégia de representação autônoma 
com participação num bloco de forças políticas regido pela ló gi ca 
do presidencialismo de coalizão.
Por ecumênicos/ativistas sociais inter-religiosos quero de sig-
nar um conjunto predominantemente formado por católicos e 
pro testantes envolvidos em projetos sociais locais, pastorais so-
ciais, agências ecumênicas de serviço, organizações não gover-
namentais e instâncias de direção denominacionais, nacionais 
ou atuantes no Brasil, mas também por gente de outras religiões 
e sem religião, empregada nessas organizações ou aliada em ini-
ciativas inter-religiosas concretas. A principal marca desse con-
junto de atores tem sido a prioridade para atuar sobre as institui-
ções (Executivo, Legislativo e Judiciário) desde a perspectiva da 
so cie dade civil e dos movimentos sociais. Sua orientação prio-
ritária é a da incidência pública, entendida como controle social, 
como participação qualificada em instâncias consultivas e delibe-
rati vas (fórunse conselhos de políticas públicas ou de programas 
go verna mentais, conferências temáticas etc.), e como mobili-
zação de base para pautar temas importantes, subsidiar a for-
mulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas ou 
pro testar contra situações várias de injustiça, violência, riscos 
ambientais etc. 
Ao campo ecumênico, desde os anos 1990, veio se juntar, em 
diferentes níveis de organicidade, um veio do mundo evangé lico 
socialmente mobilizado e decididamente escanteado pela mi-
noritização pentecostal, o evangelicalismo da missão inte gral, for-
çado à aproximação pelo estreitamento dos espaços no cam po 
evangélico para sua proposta de integrar evangelização conver-
sionista, identidade doutrinária tradicional e ação sociopo lítica 
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radical. Esse campo tem importante referência no mundo da as-
sistência social, através da Rede Evangélica Nacional de Ação 
Social (Renas),16 e, institucionalmente, na Aliança Cristã Evan-
gélica Brasileira.17 Duas importantes ONGs internacionais, Visão 
Mundial e Tearfund, têm um papel articulador importantíssimo 
nesse contexto.
De um lado, os pentecostais se apropriaram da proposta de 
visibilidade pública evangélica que, no início dos anos 1980, era 
disputada com ecumênicos e evangelicais, e venceram pelos nú-
me ros. De outro lado, os evangelicais se radicalizaram no mes mo 
período da minoritização pentecostal, distanciando-se dos pen-
tecostais e sendo neutralizados por ela na disputa pela “sociedade 
civil” evangélica e no reconhecimento público de quem falaria 
pelos evangélicos. O fiasco da Associação Evan gélica do Brasil 
e o impacto modesto da nova Aliança Cristã Evan gélica Brasi-
leira em operar uma clivagem com o Conselho de Pastores do 
Brasil e com a liderança da Assembleia de Deus e da Igreja Uni-
versal do Reino de Deus selaram a subalternização dos evange-
licais e ensejaram um encontro com a minoria ecumênica e inter-
-religiosa, tanto pela base como em nível de lideranças. Hoje, a 
Visão Mundial, uma das maiores ONGs do país em estrutura e 
financiamento, praticamente não se identifica mais como evan-
gélica (e sim como cristã), atua sem a prioridade de antes em 
atrair igre jas evangélicas para a promoção de projetos sociais, 
descola-se do proselitismo e engrossa as redes seculares e reli-
giosas progressistas de ativismo sociopolítico. Incidência pública 
é seu jogo.
A via afro-brasileira de ocupação do espaço público nunca foi 
exclusivamente religiosa, nem na sua agência nem no seu conte-
16 Ver <www.renas.org.br>. 
17 Ver <www.aliancaevangelica.org.br>. 
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údo propositivo. Referência de autenticidade da ancestralidade 
africana para o movimento negro, objeto privilegiado da antro-
pologia da religião e crescentemente da sociologia da religião 
brasileiras (candidatas de primeira hora a compor a frente pela 
inclusão das pessoas negras a uma ampliada identidade his tó rica 
e política brasileira), as religiões de matriz africana, especial-
mente o candomblé, seguiram o caminho oblíquo reco men dado 
por uma plurissecular tática de sobrevivência e subalter nidade: 
buscaram o reconhecimento e a participação pela via da cultura-
lização. Com esse termo quero ressaltar a complexa articulação 
de uma política de identidade, uma reivindicação de cidadania 
religiosa e uma patrimonialização como mecanismo de institu-
cionalização do reconhecimento via políticas públicas de cultura. 
Jogo oblíquo, pelo qual a identidade negra brasileira foi ancorada 
pelo movimento negro na religião sincretizada dos ex-escravos, 
como liame vivo com as raízes africanas, ao mesmo tempo em 
que os próprios líderes do candomblé e, em menor escala, da 
um banda demandaram contagem (no sentido rancièreano) entre 
as religiões publicamente reconhecidas e como parte do patri-
mônio cultural brasileiro. De há muito, sua presença já se fizera 
sentir na música e nos esportes; agora, sua sobrevivência nos ter-
reiros e nos remanescentes de quilombos18 foi simbolizada como 
diversidade étnico-cultural-religiosa indissociável da identidade 
nacional brasileira. Pela via das políticas culturais e de uma nas-
cente política nacional da diversidade religiosa, as religiões afro-
-brasileiras definiram um percurso próprio de publicização.
Dado esse quadro, o que ocorre na conjuntura? Beneficiada 
por sua própria estratégia num contexto de nova concertação de 
elites, entre as quais agora é contada, apesar de minoritária, a via 
18 Termo ampliado em seu significado original para indicar um locus de resistência conti-
nuada dos tempos da escravidão até nossos dias, ocupado por “populações tradicionais”.
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político-eleitoral dos evangélicos, sob a batuta dos pentecostais, 
prevaleceu, ao se desassociar do bloco lulista e se juntar à reação 
antipetista. Com ela, as possibilidades representadas pelas mino-
ritizações ecumênica/ativista e afro-brasileira ficaram associadas 
ao projeto lulista e identificadas como adversárias a serem com-
batidas sem tréguas. 
A orientação decisivamente política dos pentecostais, no sen-
tido de operarem com uma lógica populista de dicotomização do 
espaço público19 e uma agonística20 que até então disputava espa-
ços sem negar o direito de existir dos adversários, revela-se ins-
trumental para a estratégia da oposição derrotada pela quarta vez 
consecutiva nas eleições de 2014. Cessadas as tentativas de guerra 
de posição no interior da coalizão, passa-se a uma guerra de mo-
vimento contra o lulismo. E contou o know-how dos pentecos-
tais, acumulado ao longo de três décadas de disputas em várias 
frentes. Seu forte pragmatismo, enraizamento popular, apelo 
elei toral para além de suas fileiras religiosas e sua acelerada curva 
ascendente de aprendizagem dos expedientes da tradição política 
das elites brasileiras teriam permitido aos pentecostais se apre-
sentarem como fiadores da nova ordem pós-lulista. Jogam agora 
um ousado e arriscado jogo, em que não mais se juntam ao cau-
dal da democratização para dele se beneficiarem, como fizeram 
desde o começo dos anos 1980, mas disputam o conteúdo mesmo 
da democracia e da legalidade, golpeando os aliados de mais de 
uma década e forjando uma coalizão de neoliberais, neoconser-
vadores e outras correntes de centro e de direita,21 uma “máquina 
de ressonância evangélico-capitalista”, como chamou Connolly22 
19 Laclau, 2005.
20 Mouffe, 2013.
21 Moll, 2015.
22 Connolly, 2008.
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era Bush.
Uma questão é, neste contexto, se estaríamos diante de uma 
com pleta hegemonização (supremacia, em termos gramscia nos) 
dos pentecostais no campo religioso começando a se espraiar 
para a esfera estatal. Outra questão é se a contribuição específica 
dessa força sociopolítica seria acrescentar um componente fun-
damentalista às tendências conservadoras e fascistizantes dos 
últimos três anos de desconstrução do lulismo. Isso, se verdadeiro 
ou se efetivamente resultante do atual movimento conjuntural, 
nos lançaria num período fortemente regressivo tanto política 
como socioculturalmente. Uma onda que se quebraria de cheio 
contra as conquistas democrático-radicais do período pós-tran-
sição democrática. E que confirmaria, como profecia autocum-
prida, todas as advertências feitas desde 1986 contra a publiciza-
ção da religião no Brasil enquanto descatolicização da política, 
enquanto pluralização dos códigos religiosos de atuação pública 
para além da “autocontenção” da religião majoritária (devida-
mente retornada às paróquias e rusgas doutrinárias internas, após 
haver contribuído virtuosamente para a saída do regime militar) 
e enquanto reação antidemocráticae dessecularizadora.
Neste aspecto, eu diria primeiramente que a vitória da via 
po lítico-eleitoral não significa desaparecimento dos modelos 
concorrentes. As estratégias destes continuam sendo ativadas 
como parte da arregimentação de vozes e de forças que têm cons-
truído o contradiscurso sobre o golpe, em escala nacional e trans-
nacional, inclusive no caso da hierarquia católica.23 Por outro 
23 Uma importante sequência de pronunciamentos institucionais e de iniciativas de mobi-
lização, virtual e presencial, nacionais e locais, emergiu desde 2015, emitidos por insti-
tuições católicas, evangelicais, protestantes, ecumênicas, tanto denominacionais como 
vinculadas ao campo, mas não subordinadas às cúpulas dirigentes. Em ordem cronológica, 
um apanhado não sistemático somente em 2016, permite citar : Igreja Metodista (Expo-
sitor Cristão, jornal denominacional, de janeiro); Renas (24/2; 7/4); Aliança Evangélica 
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lado, embora seja possível dizer que o campo ecumênico esteve 
praticamente fechado com a defesa do mandato da presidenta 
Dilma Rousseff, a despeito da dispersão de organizações de base 
ecumênica pelo país, mais cautela é preciso ser utilizada para os 
afro-brasileiros, bem menos articulados em termos de estratégias 
públicas. Atos inter-religiosos (normalmente chamados pelos 
ecumênicos-ativistas) sempre envolvem representantes de terrei-
ros ou de organizações do movimento negro. Mas iniciativas 
originadas nas lideranças afro-brasileiras são bem mais esparsas 
e modestas, fora do culturalismo.
Indo ao cerne do debate, em segundo lugar, pergunto: o “fun-
damentalismo” é um princípio fundante da via político-eleitoral, 
ou apenas dessa sua novíssima fase pós-golpe? Seria a hegemo-
nia religiosa dos “evangélicos” a porta de entrada ou talvez o 
formato pelo qual outras expressões do conservadorismo reli-
gioso encontrariam seu lugar ao sol na nova ordem pós-demo-
crática? “Fundamentalismo” daria nome à publicização religiosa 
de modo ge nérico e não qualificado? E seria seu conteúdo um 
dado ou uma acusação? Em qualquer desses casos, estaríamos 
diante de uma dimensão especificamente religiosa dessa nova or-
dem, quer em termos de uma clivagem religiosa no cenário polí-
(10/3; 12/7); Igreja Presbiteriana Unida (10/3); Igreja Evangélica de Confissão Luterana 
no Brasil (11/3); Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (11/3); Conselho Latino-Ameri-
cano de Igrejas-Brasil (13/3); Igreja Episcopal Anglicana (31/3); Diaconia (7/4); CNBB 
(14/4); Aliança Bíblica Universitária do Brasil, Rede Fale e Seven Movimento Estudan-
til (16/4); Pastoral Popular Luterana (21/4); Católicas pelo Direito de Decidir (25/4/16); 
ACT Aliança (rede internacional de organizações religiosas de apoio ao desenvolvimento 
e ação humanitária, com participação de entidades brasileiras, 10/5); Fórum Ecumênico 
ACT Brasil (articulação de 19 organizações ecumênicas brasileiras, 17/5); Koinonia 
(28/7); Coordenadoria Ecumênica de Serviços (31/8). Várias páginas no Facebook sur-
giram também nesse processo, desde 2015, com vistas a mobilizar a opinião anti-impea-
chment entre evangélicos e católicos. Cito como exemplo: Evangélicos, Democracia e 
Participação; Evangélicos com Dilma; Púlpito e Parlamento: Evangélicos na Política; 
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito; Cristãos pela Democracia; Cristãos pela 
Democracia – Contra o golpe; Cristãos x Frente Parlamentar Evangélica; Cristãos de 
Esquerda; Evangélicos pela Justiça; Missão na Íntegra; Cristãos Progressistas.
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tico, quer em termos de uma agência religiosa que traduziria ou 
expressaria, em seu comportamento religioso, os traços e compor-
tamentos do conservadorismo político? Sim, não e talvez. Não é 
possível responder a essas perguntas sem cautelas e dúvidas, mui-
tas dúvidas. Sobretudo se atentarmos para as lições da pesquisa 
global e doméstica, historiográfica e socioantropológica, sobre a 
categoria “fundamentalismo” e sobre o pentecostalismo. Nosso 
afã de fixar um horizonte categórico para a avaliação dos resul-
tados da minoritização e da publicização religiosas dos últimos 
30 anos pode nos levar a juízos apressados e proclamações ad hoc.
Há uma copiosa literatura sobre fundamentalismo, tanto em 
termos conceituais, como de estudos empíricos e comparativos 
entre diferentes religiões e em diferentes coordenadas de espaço 
e tempo. É impossível pretender sequer resumir esse debate aqui. 
Mesmo atendo-me apenas ao que se aplique ao mundo evangé-
lico, em geral, e ao pentecostalismo, em particular, eu ainda teria 
que simplificar grosseiramente. Limitar-me-ei a fazer uns poucos 
registros nos limites da presente discussão. 
Contemporaneamente, fundamentalismo, ainda quando de-
vidamente relido como um fenômeno moderno (e não um ata-
vismo pré-moderno, como o senso comum o quer), é associado 
a uma reação antiliberal, violenta ou antagonística, a uma tenta-
tiva integrista de reconquistar o controle da vida social contra os 
avanços da biopolítica, da equalização de condições e da plu ra-
lização social.24 Isso o colocaria no sentido de uma reversão da 
se cularização (suspendendo qualquer juízo aqui sobre esse ter - 
 
24 Um megaprojeto financiado pela Academia Americana de Artes e Ciências, coordenado 
por Martin Marty e Scott Appleby, The Fundamentalism Project, entre 1987 e 1995, pro-
duziu cinco coletâneas (1991-1995) que, apesar de apresentarem uma enorme diversidade 
de casos empíricos de manifestações religiosas conservadoras de reação antimoderna, não 
conseguiram convencer muitos estudiosos quanto ao que haveria em comum em todas 
essas experiências. cf. Ruthven, 2007; Brekke, 2012.
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mo). Mesmo sendo um termo insatisfatório, fundamentalismo 
serviria, por semelhança de família (em sentido wittgensteiniano), 
para identificar e comparar um grande número de manifestações 
religiosas que não são idênticas entre si, nem gêneros de uma 
mesma espécie, mas que estão focalizadas na defesa de valores 
tradicionais (patriarcais, hierárquicos e hieráticos) e de interpre-
tações atribuídas à literalidade de textos sagrados ou a revelações 
especiais (a despeito de o serem de modo muitas vezes seletivo, 
metafórico ou analógico), que reverberam com dimensões socio-
técnicas e econômicas da modernidade capitalista. 
Além disso, embora decididamente conservadores em maté-
ria de valores e interpretação, os fundamentalistas não o são em 
relação à autoridade religiosa estabelecida (majoritária), ques-
tionando-a e disputando espaços com ela. Há várias contranar-
rativas acadêmicas sobre esses processos, que ressaltam parti cu-
lar mente a ausência de base escritural em muitas religiões nas 
quais se identificam correntes “fundamentalistas”, ausência de 
posturas literalistas na interpretação de doutrinas e rituais, ou 
ausência de posturas agressivas de imposição sobre outros grupos 
dos ditos valores e crenças “fundamentalistas”, ou ainda como 
recurso colonial/orientalista de estigmatização de religiões não 
ocidentais.25
A questão sobre se o pentecostalismo brasileiro é fundamen-
talista também se cerca de senões. Parece-me claro que grande 
parte da elite parlamentar evangélica (esmagadoramente pente-
costal) é profundamente conservadora na atual legislatura, tanto 
em termos de valores morais como políticos. Numa palavra, po-
liticamente de direita. Mas de direita e fundamentalista são equi-
valentes? Alguns parlamentares parecem vestir bem o figurino 
25 Cf. Marsden, 1980; Nagata, 2001; Frey, 2007; Brekke, 2012; Wood & Watt, 2014.
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de “fundamentalista”, mas muitos não.26 O mesmo se pode dizer 
das principais lideranças extraparlamentares da reação religiosa 
ao lulismo (católicase evangélicas). Mas essa observação não 
pode ser estendida sem mais para o conjunto do campo evan-
gélico, nem especificamente para o meio pentecostal. A melhor 
li teratura científico-social recente, brasileira e internacional, não 
autorizaria esse movimento classificatório-acusatório. 
O apelo pentecostal entre as massas não se dá tanto pela pro-
posta de aderir a confissões ou doutrinas específicas, como no fun-
da mentalismo americano histórico, mas pela promessa – cum-
pri da – de fortalecimento dos vínculos comunitários, de afir-
mação de sua dignidade, a despeito das estreitas margens de 
re conhe cimento igualitário (até mesmo legal) por parte das 
instituições estatais e da sociedade majoritária, e de construção 
de uma imagem de assertividade e pujança na relação com as 
elites políticas e culturais do país.27 E a projeção política tem 
mais a ver com um renitente e planejado esforço de construção 
de uma voz autô noma que começou a render frutos palpáveis a 
partir, ironicamente, da armação da coalizão petista que levou 
Lula ao poder nas eleições de 2002, e alcançou um ponto de in-
flexão na pri meira campanha de Dilma Rousseff à Presidência, 
na qual esse segmento tornou-se claramente um veto player em 
relação a temas de ordem moral.
Os códigos desse duplo processo de construção de uma base 
religiosa e de articulação de um esforço de inserção no presiden-
cialismo brasileiro a partir de uma representação eleitoral bem-
-sucedida e fortemente dispersa partidariamente não são os do 
26 Em trabalho escrito com Maria das Dores Campos Machado, baseado em pesquisa com 
lideranças pentecostais e carismáticas envolvidas com a política no Brasil, encontramos 
muitos exemplos de conservadorismo não fundamentalista (cf. Machado & Burity, 2014).
27 Corten, 1996; Mafra, 2001; Martin, 2002; Machado, 2006; Oro, 2011; Machado & Burity, 
2014; Souza, 2016.
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fundamentalismo como movimento, mas os do protestantismo 
conservador evangélico e pentecostal.28 Podemos, sim, identificar 
traços de retórica e comportamento fundamentalistas nessa con-
junção. Mas apenas utilizando as figuras da semelhança de fa-
mília, que representa uma renúncia a trabalhar com a categoria 
iden tidade, e de articulação, que representa uma renúncia a tra-
balhar com as categorias de unidade e centralidade. O funda-
mentalismo no pentecostalismo, onde houver, deverá ser, assim, 
captado na sua dispersão e na contingência dos vínculos esta-
belecidos (que são globais e locais, tanto na política como na 
religião).
Segundo ponto sobre fundamentalismo: até agora, o modelo 
de minoritização pentecostal aderiu sem reservas à lógica majo-
ritária das coalizões típica do presidencialismo brasileiro. Por-
tanto, nada de fronteiras rígidas, nítidas e claras entre atores e 
demandas; nada de tradução dos códigos estritos de moralidade 
pessoal em termos de virtudes republicanas gerais; nada de con-
fessionalização da política. Ou seja, a defesa da separação entre 
religião e Estado ainda é afirmada publicamente, sem restrições, 
pelos pentecostais. E isso porque, entre outros fatores, os pente-
costais não são a única força religiosa organizada no Parlamento 
(vide a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana, 
com 213 membros, maior que a Frente Parlamentar Evangélica) 
e nunca atuaram, nas propostas e votações decisivas, em termos 
isolados de outros conservadores, religiosos ou não (a expressão 
acusatória “bancada BBB” nos alerta para isso).29 
28 Sobre as diferenças entre fundamentalismo, evangelicalismo e pentecostalismo, ver Mars-
den, 1991; Harris, 1998; Smith, 2000; Robbins, 2004.
29 Ver, a propósito, duas excelentes matérias sobre as “bancadas” na Câmara e na comis são 
do impeachment publicadas por Bruno Fonseca (2016a; 2016b), que detalham em grá-
ficos as sobreposições entre elas, e que permitem perceber até onde se espraia a bancada 
evangélica. 
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O lugar do pentecostalismo, na liderança do campo chamado 
de “os evangélicos”, assim, está assegurado. Mas não há sinais – 
para além de comentários vagos como o do vice-presidente Te-
mer ao assumir a interinidade em maio, sobre o caráter “re li gio-
so” do projeto de religar a sociedade brasileira consigo mes ma30 
– de que esses atores estariam a ponto de confessionalizar o Es-
tado à sua imagem e semelhança. À medida que o regime pós-
-impeachment se vai delineando, em todas as suas contradições, 
isso me parece ir ficando mais claro. Trata-se mais de uma aposta 
de um setor identificado com a via político-eleitoral, em meio a 
uma aliança circunstancial que não se sabe quanto tempo durará 
e que extensão terá.31 A ascendência do conservadorismo pente-
costal no interior da nova coalizão governante “confessionaliza” 
em certas áreas (pela conquista de posições e pela aprovação de 
medidas de cunho moralista), mas em outras é apenas mais um 
componente do conservadorismo político em vigor, coadjuvante, 
apesar do alarde que faça. Estamos tão longe quanto antes de um 
“governo dos santos”.
Uma análise da trajetória da performance eleitoral dos evan-
gélicos no Congresso desde 1982, ademais, não substancia a tese 
de uma linha ascendente linear, que seria um dos indicadores de 
confessionalização. Houve vários momentos de inflexão, devido 
ao envolvimento de parlamentares em casos de corrupção (1990 
e 2006), e o crescimento, quando se deu, não acompanhou o per-
centual de crescimento demográfico dos evangélicos, em dados 
censitários. De 1980 a 2000, o crescimento foi de 200%, mas em 
2002 somente 60 parlamentares foram eleitos, entre deputados e 
30 A frase de Michel Temer foi: “O que queremos fazer agora com o Brasil é um ato religioso, 
um ato de religação de toda a sociedade brasileira com os valores fundamentais do nosso 
país” (UOL, 12/5/16, em <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/ 
05/12/catolico-temer-reforca-aceno-a-religiosos-em-seu-discurso-de-posse.htm>) .
31 Cf. Fernandes & Castro, 2016; Suruagy, 2016.
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senadores, quando, em 1998, 51 haviam sido eleitos, represen-
tando menos de 20% de crescimento, portanto. Essa bancada de 
60 seria reduzida para 32, em 2006. Apesar de crescer nas legis-
laturas seguintes, a de 2010-2014 e a atual (2015-2019), o cres-
cimento foi mínimo, de 73 para 75 parlamentares, no início da 
legislatura (incluindo senadores), mesmo considerando que os 
números variam ao longo de cada legislatura, inclusive na atual 
(entre 75 e 83), dentre outras razões, porque suplentes assumem 
vagas deixadas por parlamentares que se licenciam, que assumem 
cargos eletivos ou na composição de secretarias ou ministérios, 
respectivamente, em nível estadual e federal.32
Terceiro ponto: o manejo do termo “fundamentalista” se dá 
nas disputas de fronteira entre pentecostais e seus outros: (a) re-
ligiosos, particularmente afro-brasileiros, evangelicais, ecumêni-
cos, sem religião (em larga medida uma oposição passiva, ao 
modo da desafiliação e da indiferença) e secularistas (oposição 
ativa, defesa da laicidade estrita, no modelo francês); (b) jurí-
dico-políticos, como a esquerda parlamentar, promotores e juízes 
sensíveis ao pluralismo e ao secularismo; (c) movimentalistas, 
como feministas, LGBTs, militantes negros; além da mídia tra-
dicional, oscilando, ao sabor de suas linhas editoriais, mas nunca 
ausente de cena, entre oposição religiosa, discurso liberal da neu-
tralidade e discurso liberal da laicidade. Fundamentalismo é, 
portanto, uma categoria relacional, que diz tanto sobre destina-
tários quanto sobre usuários. Não há um uso autoatribuído, na-
tivo, pelos pentecostais, salvo por grupos extremamente margi-
nais desse campo e do campo evangélico mais amplamente.
32 Para um quadro ilustrativo da variabilidade dessa presença parlamentarnas assembleias 
legislativas dos Estados, ver a matéria e o gráfico publicados pelo jornal O Estado de S.
Paulo, de 20 de abril de 2013, em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,evan-
gelicos-atuam-forte-tambem-em-assembleias,1023500> e <https://i2.wp.com/www.es-
tadao.com.br/fotos/EvangelicosAssembleias01_InforgraficosEstadao.jpg>.
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Portanto, “fundamentalismo” é uma categoria de combate, mo-
bilizada quase sempre do lado dos adversários dos pentecostais 
e, à luz do cenário contemporâneo de autoimunização, tendente 
a evocar paralelismos com grupos radicais islâmicos, hindus, bu-
distas, judeus, produzindo uma resposta classificatória e denun-
ciatória aos “evangélicos”, transformados em metonímia de “pen-
tecostais”. 
Voltando à questão desta seção, o especificamente religioso na 
conjuntura refere-se apenas à novidade representada pela pre-
sença pentecostal no proscênio do golpe, legitimando aberta-
mente o processo de impeachment e as propostas do governo 
interino, via Frente Parlamentar Evangélica e figuras autopro-
jetadas do mundo eclesial, como o pastor Silas Malafaia. Mas 
não há um especificamente religioso que dê sentido ao golpe, como 
marcação de uma clivagem religiosa no cenário político, defini-
dora de uma agência religiosa particular. Os pentecostais não 
estão, como conjunto demográfico e interdenominacional, intei-
ros neste processo. A Frente Parlamentar Evangélica não é o es-
pelho de todos os evangélicos.33 E o perfil desse corpo heterogê-
neo não autoriza sua assimilação ao conceito (ou ao bordão) de 
fundamentalista. 
Mas essa conclusão preliminar ainda não esgota o mapea-
mento que é preciso ser feito para a compreensão do lugar e do 
papel das religiões na conjuntura do golpe. Subjacente à denún-
cia contra o fundamentalismo dos evangélicos ou dos pentecos-
tais ainda resta uma postura reativa ao que me parece ser um fe-
nômeno nada conjuntural: a religião pública. 
33 Machado, 2017.
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Religião pública e a conjuntura do golpe: 
Uma onda de fundamentalismos? 
Tenho insistido em publicações nos últimos anos sobre o caráter 
heurístico da categoria “religião pública”.34 Entendo que ela tra-
duz, para além do uso sociológico que ganhou espaço nas ciên-
cias sociais da religião (fortemente associado a José Casanova), 
uma mutação estrutural do status “da religião” no mundo con-
temporâneo. Essa mutação não pode ser captada pelo uso des-
critivo da expressão “religião no espaço público”. Esta assume, 
contra crescente evidência empírica, histórica e contemporânea, 
em escala global, um tempo em que a religião teria sido “privati-
zada” e distanciada do “espaço público”. Essa narrativa hoje re-
vela-se muito mais um transbordamento de projetos iluministas 
e se cularizantes para o discurso científico do que uma evidência 
demonstrada e irretorquível, histórica e contemporaneamente. 
Tornou-se uma narrativa contestada: há outras interpretações e 
outras evidências a serem reconhecidas que, no mínimo, a rela-
tivizam. Mais do que isso, a tese da privatização/desprivatização 
é assumida como se previamente à desprivatização recentemente 
admitida existissem uma identidade e um projeto acabados “da 
religião”, que se manteriam intactos ao ser cruzado o umbral do 
“espaço público”. A religião “no espaço público”, assim, é vista 
como uma ocupação, por parte de um ente bem conhecido e fa-
cilmente discernível, que traria para esse espaço algo que estivera 
au sente dele ou que lhe seria, em todo caso, estruturalmente ex-
terno. Além disso, “a religião” continuaria inteira e essencial-
mente não afetada após sua ocupação do espaço público, sua 
mo vimentação nesse espaço apenas taticamente assumindo for-
mas pluralistas ou democráticas, enquanto acumularia forças 
34 Cf. Burity, 2015; 2016a.
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para uma investida contra as instituições legadas pela moder ni-
dade ocidental. Investida que traria de volta “a religião”, velha 
conhecida, a um controle de que fora deslocada, mesmo que re-
presentada por novos agentes. 
Não se trata aqui de ingenuamente contrapor a essas obser-
vações uma imagem pristina da religião como intrinsecamente 
virtuosa, bem-intencionada e alinhada aos anseios de liberdade 
e igualdade para todos. Apenas estão em questão a suposição de 
que haja uma usurpação, por princípio, em curso, quando a reli-
gião, assim, no singular, “adentra” o espaço público, e a suposição 
de que este último seja uma espécie de domínio a proteger, sem 
maiores qualificações e questionamentos sobre quem de fato nele 
se move ou a ele tem acesso. Essas suposições, não demonstradas, 
revertidas ou recentemente contestadas, tornam plausível a reen-
trada do termo “fundamentalista” como marcador político, qua-
lificativo do conservadorismo que seria específico do religioso na 
atual conjuntura. O que, já argumentei, não se sustenta empírica 
nem conceitualmente.
Mas creio que não é tão simples nem será tão fácil assim su-
por. Não é tão simples, porque não existe, como destaquei acima, 
um único modelo de religião pública. Se nos ativermos apenas 
aos quatro mencionados anteriormente, o perfil dessa interven-
ção é claramente diferenciável. E seria totalmente descabido as-
sociar a política eclesiástica católica, a incidência pública ecu mê-
nica ou a culturalização afrodescendente ao conceito de fun da-
mentalismo. Mas, ainda que consideremos o campo pentecostal 
e evangélico – que não são termos sinônimos – como candidato 
maior à associação, não há aí um alinhamento automático nem 
integral à via político-eleitoral. Entre outras coisas, a representa-
ção parlamentar dos evangélicos tem sido sistematicamente me-
nor do que o percentual evangélico na sociedade; e, mesmo de 
forma marginal, há pentecostais e evangélicos associados à via 
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ecumênico-ativista (por exemplo, a Visão Mundial, a Rede Evan-
gélica Nacional de Ação Social e vários posicionamentos de lide-
ranças pentecostais). Por fim, o modelo clássico protestante no 
Brasil, o do absenteísmo associado a uma rejeição da política e a 
uma postura aquiescente diante das autoridades constituídas, con-
tinua bastante vivo (uma pesquisa realizada durante a Marcha 
para Jesus de junho de 2016, em São Paulo, identificou um per-
centual de 62,7% dos entrevistados sem identificação política no 
gradiente direita/esquerda, com 16,4% não respondendo ou não 
sabendo, 9,4% se afirmando como de direita e 8,8%, como de 
es querda).35 Assim, “fundamentalismo” deve ser claramente es-
pecificado se quisermos aplicar o termo como conceito, como 
categoria descritiva e até como bordão acusatório para caracteri-
zar a religião pública nesta conjuntura.
Por outro lado, não será tão fácil estender o uso do termo 
“fun damentalismo”, seja em face da adesão ou da aquiescência de 
amplos segmentos da representação parlamentar e de setores da 
mídia aos argumentos, propostas e formas de mobilização dos 
parlamentares pentecostais, seja em face da reação de setores lai-
cos, não religiosos e politicamente liberais ou de esquerda, seja 
pela não identificação dos pentecostais com a expressão. Há 
apoio para os pentecostais além da bancada evangélica; os pen-
tecostais não podem tudo; muitos pentecostais não aceitam o 
rótulo em boa-fé. É preciso, então, posicionar melhor “os evan-
gélicos” nesse jogo.
No primeiro caso, é óbvio que não se trata de uma “tomada 
de poder” pentecostal, à revelia dos demais atores participantes 
da coalizão golpista. Expressa-se aí uma possível homologia entre 
conservadores sociais e políticos e fundamentalistas, que na melhor 
35 Ver <http://pt.slideshare.net/LeandroOrtunes/infogrfico-marcha-para-jesus-mire- 
62581533/9>. 
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das hipóteses deve ser vista como indicativa de uma aliança (o 
que qualificaria um termo pelo outro, “conservador” como “fun-
damentalista” e vice-versa, ou demandaria especificar mais o que 
tornaria fundamentalista a atuação pentecostal) e, na pior, pro-
duziria uma confusão deliberada e analiticamente espúria.36 
No segundo caso, a própria existência de uma crítica religiosa 
– tanto institucionalizada como difusa – aos pentecostais como 
“fundamentalistas” indica duas coisas: primeira, a existência de 
um locus de uso polêmico, agonístico, do termo (o que o torna 
nativo, parte de uma disputa intrarreligiosa); e segunda, que há 
uma crítica do fundamentalismo (real ou imaginado) que visa a 
tudo fazer para não permitir que o que quer que se deixe descre-
ver por esse termo ganhe terreno no mundo público. Crítica feita 
por uma posição religiosa, mas de forma alguma fundamenta-
lista. Religião pública. No caso, de ecumênicos, ativistas inter-
-religiosos e simpatizantes secularistas.
Em nenhum desses dois casos o uso do termo é admitido pe-
los atores visados. Neste sentido, o caráter político do termo se 
evidencia com bastante força, tornando seu uso no contexto 
cien tífico-social, enquanto descritor, marcador empírico, se não 
um equívoco, pelo menos uma injustificável incoerência teórico-
-metodológica. Para quem não aprecia essa querela acadêmica, o 
argumento, com o mesmo efeito, seria um pouco diferente: se 
fundamentalismo pode se aplicar a religiosos não pentecostais 
e a não religiosos conservadores, o que exatamente se quer atin-
gir politicamente, além de construir um espantalho para então 
36 Esse segundo gesto teórico-político é realizado, por exemplo, por alguém do quilate de 
Marilena Chaui, que não apenas considera, sem qualificações, o “retorno da religião” um 
sinal de barbárie na cultura contemporânea (numa leitura canhestra de Walter Benjamin), 
simplesmente o desrecalque de “fundamentalismos religiosos”, como aplica o termo tanto 
ao mercado como à religião – ao “fundamentalismo religioso” corresponderia um “fun-
damentalismo de mercado”, ao “misticismo do mercado” corresponderia “a violência da 
teologia política” (cf. Chaui, 2006, pp. 128-129; pp. 131-132).
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atacá-lo? E, ainda que se excetue do uso acusatório, por conces-
são, quem vier a se mostrar “não fundamentalista” entre os evan-
gé licos, como qualificar esse expediente pelo qual se constrói uma 
figura de inimigo público (“os evangélicos” como fundamen-
talistas) que, no entanto, se aplica ao sabor da conveniência de 
quem a usa?
O que há de não conjuntural nisso tudo é o caráter estrutural 
dessa presença pública da religião. De um lado, a militância reli-
giosa na política está instalada e corta de muitos lados. De outro 
lado, cada vez mais lógicas e interlocutores seculares e religiosas 
se interpenetram, em público, com vistas a uma maior visibili-
dade e em disputa pelo que seria público, portanto, geral. Mas, 
diferentemente de um retorno ao conceito sociológico de Igreja 
(isto é, de religião estatal e de identidade nacional-religiosa), o 
processo se dá em marcos crescentemente pluralistas e minoriti-
zantes. É isso que significa o conceito de religião pública.
Para concluir essa breve revisita ao tema da religião pública, 
uma característica adicional dessa mutação estrutural, e não sin-
gularmente brasileira, é o fato de que tanto o conteúdo quanto 
a forma do discurso religioso articulado publicamente e/ou so-
bre questões públicas passam a ser objeto de discussão ou con-
tes tação, e os atores religiosos precisam dar contas em público 
do que querem dizer, do grau de precisão ou fidedignidade de 
suas inter pretações dos textos sagrados ou de argumentos teo-
lógico-políticos utilizados. E os interlocutores não religiosos 
(ou de religiões concorrentes) também podem fazê-lo, seja em 
bases es tritamente seculares, seja no terreno mesmo do discurso 
religioso.37 
37 É interessante perceber como isso tem acontecido no parlamento, com propostas sime-
tricamente opostas sendo apresentadas por parlamentares defensores do Estado laico ou 
dos movimentos de mulheres e LGBT. Mas qualquer passeio pelas mídias sociais e blogs 
vai permitir percebermos a mesma tendência: o sentido do discurso religioso e o conteúdo 
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Mais: a religião pública provoca nos atores religiosos nela en-
volvidos uma injunção a verem resolvidas em público suas que-
relas teológicas em torno do papel da Igreja no mundo, da tradu-
ção prática de princípios ético-sociais de base religiosa (mesmo 
segundo interpretações populares de agentes religiosos não cle-
ricais), ou da relação entre convicções e comportamentos espe-
cíficos do grupo religioso e os contextos extramuros das institui-
ções religiosas. Isso faz com que pressões internas por relevância 
ou obediência à palavra divina, juntamente com a retroalimenta-
ção de embates sociais e políticos sobre o campo intrarreligioso, 
impulsionem à exposição pública, à disputa em público com ato-
res religiosos e não religiosos considerados adversários e a pre-
tensões de utilizar o poder estatal (via legislação, política pública 
ou aparatos repressivos) para garantir a vitória e a implementa-
ção de visões particulares do grupo ou de correntes hegemônicas 
em seu interior.
Voltando ao caso brasileiro, onde estaria a religião pública na 
atual conjuntura? Não na vitória total e definitiva do fundamen-
talismo evangélico, mas na continuidade dos quatro modelos, nu-
ma emergente nova correlação de forças favorável a um deles e 
também na crescente vigência de um discurso da tolerância que 
circula em toda parte, assumindo duas formas distintas.
De um lado, a continuidade dos modelos sob nova correlação 
de forças (pró-via político-eleitoral) significa tanto que os outros 
atores não simplesmente desapareceram, nem foram inteira-
mente paralisados e desarticulados, como que “conservadorismo” 
não é o único registro para capturar essa movimentação. Como 
 
das propostas oriundas de atores religiosos são debatidos publicamente, para além das 
fronteiras das organizações religiosas e independentemente da voz autorizada de suas 
lideranças.
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já sugeri anteriormente, até mesmo no interior das denomina-
ções pentecostais há contracorrentes, e uma ainda frágil pro du-
ção de evidências empíricas relativiza a tese da “representação” 
de todo o campo evangélico pela elite parlamentar e pastoral 
pentecostal, especialmente a de orientação neopentecostal – que 
precisa ser singularizada e devidamente dimensionada em seu 
poder de fogo. 
De outro lado, o que se opõe à via político-eleitoral tem se 
bifurcado em duas alternativas. Ambas as posições se opõem ao 
que consideram uma tendência à “fundamentalização”. De um 
lado, um discurso liberal e secularista (ou laicista) da tolerância, 
que tenta re-hegemonizar em bases liberais a fronteira entre re-
ligião e espaço público, pela mobilização do fantasma da religião 
pública como fundamentalista e intolerante. Nesse campo en-
contram-se defensores da laicidade do Estado ligados à via ecu-
mênica/ativista social, à via da culturalização e à via hierárquico-
-eclesiástica católica, além de pessoas e grupos não religiosos. 
A ênfase varia um pouco: para uns, o problema são os evangéli-
cos, isto é, a elite parlamentar e pastoral evangélico-pentecostal; 
para outros, é a religião pública em si, “a religião”, de volta e sem 
máscaras. 
O discurso da tolerância se torna, assim, outro sinal da vigên-
cia da religião pública. Na medida em que é mobilizado dentro 
e fora do Estado, pelo Estado e por múltiplas outras agências no 
plano da sociedade civil, a tolerância define-se como arranjo trans-
religioso,no qual o paralelismo e a nitidez das fronteiras entre 
público e privado e entre religioso e não religioso (ou laico) são 
também ativamente postos em xeque ou relativizados. Portanto, 
por mais que se afirme a necessidade de uma reprivatização ou 
contenção da religião pública, o discurso da tolerância é apenas 
mais uma forma desta última. Novamente, esse não é um traço 
singularmente brasileiro. Desde o 11 de setembro tem havido um 
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maciço e amplamente diversificado investimento na tese da tole-
rância, reinstituindo um regime (ou uma governamentalidade) 
em que se deslegitima e se busca controlar ou regular pela via 
estatal um conjunto de comportamentos associados à noção de 
intolerância, extrapolando sua aplicação do conflito religioso 
para outras esferas da vida social: (i) a afirmação de crenças de 
modo assertivo e não conciliatório; (ii) a transposição do umbral 
do privado para realizar a defesa de implicações culturais e polí-
ticas dessas crenças que não se restringiriam àqueles que as espo-
sam, ou seja, a tentativa de impor crenças particulares sobre o 
conjunto da sociedade a partir da ação estatal; (iii) o ambiente 
de contestação de valores de civilidade e respeito a posições ad-
versárias produzido pelas duas situações anteriores, ou seja, pro-
duzindo polarizações e debates apaixonados; (iv) o potencial de 
recurso à violência que as três situações anteriores provocam, 
quando a intensificação dos embates e o acirramento das paixões 
extrapolam os limites do respeito ao outro e mesmo da lei.
O cenário internacional, em escala global, mostra as vicissi-
tudes e a ambiguidade do discurso da tolerância como gover-
namentalidade. Mesmo que haja numerosas indicações reais de 
ra dicalização e de intolerância em nome da religião em distintos 
contextos – o que assegura no mínimo a plausibilidade dos cha-
mados à tolerância –, verifica-se a impossibilidade de evitar que 
a tolerância se transforme em autoimunização e produza políti-
cas de ressentimento, já que há várias outras formas de religião 
pública em jogo que serão atingidas pela nova tentativa de priva-
tizar a religião, pessoas inocentes são estereotipicamente iden-
tificadas como intolerantes e xingadas, discriminadas ou agredi-
das, e a disputa política amplia o potencial dessa má identificação 
para atingir grupos inteiros de pessoa. Isso tem ocorrido genera-
li zadamente com muçulmanos mundo afora, transformados em 
fundamentalistas, antidemocráticos, violentos, passivos à ma-
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nipu lação por minorias extremistas e transformados em alvos 
suspeitos privilegiados da vigilância estatal – tanto diplomática 
como policial. O problema da tolerância não está na ética pessoal 
que a anima, mas em sua transformação num recurso de poder 
em uma disputa na qual grupos aparentemente poderosos e “do 
mal” são na verdade alvos fáceis de enquadramento, exposição e 
confrontação.38
Mas, por outro lado, há uma alternativa ao discurso da tole-
rância, que creio estar também representada no contexto bra-
sileiro, por uma certa “turma-do-deixa-disso” ou “turma-do-
-muita-calma-nessa-hora”. Em muitos casos, é difícil distingui-la 
do discurso da tolerância, senão na sua recusa em mimetizar os 
grupos que se utilizam da religião pública para impor suas cren-
ças e bizarrices a setores da população que não as compartilham; 
ou seja, em sua recusa a usar o Estado para construir uma figura 
de um inimigo público a ser combatido, em nome da tolerân cia! 
Ela encarna uma proposta de pluralismo agonístico como antí-
do to filosófico e sociopolítico à arregimentação contra a religião 
pública em curso na construção de uma nova articulação entre 
religião, conservadorismo moral/cultural e fascismo político/
social. Alguns pensadores liberais e não liberais contemporâneos 
podem ser apontados, como, por exemplo, John Gray, James 
Tully, William Connolly e Chantal Mouffe. Não se trata de tole-
rância, nem mesmo no sentido refinado por Paul Ricœur (sua 
“quarta etapa da tolerância”) ou André Comte-Sponville (sua vi-
são de que a tolerância deve-se aplicar no contexto da “opinião”), 
ambos deslocando-a do terreno da verdade. Pois a visão desses 
autores é ainda insuficientemente relacional: só prescreve o res-
38 Minha leitura do discurso da tolerância ampara-se aqui diretamente no trabalho de 
Wendy Brown sobre tolerância como governamentalidade e suas reverberações nos de-
bates contemporâneos sobre religião e sexualidade (Brown, 2008; Brown & Forst, 2014).
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peito, não o engajamento mútuo, origem da aspereza de diálogo, 
da escalada das paixões, da incompreensão mútua e do ressen-
timento, mas único terreno em que um arranjo pluralista tem 
chances de construir um caminho de convivência e de disputa 
não destrutiva. Pluralismo agonístico é admissão dessa “quarta 
etapa da tolerância” em meio à impossibilidade de encontrar re-
cessos sociais e culturais onde o outro estaria distante ou ausente. 
Não é política no sentido de neutralidade do Estado, como de-
fende Ricœur. Não é a laicidade francesa. E não se funda na su-
posição do indivíduo isolado ou autônomo (como também ques-
tiona Jessé Souza em texto recente),39 mas em agentes sempre 
situados, não em um só, mas em vários complexos normativos 
de valores e práticas grupais ou institucionais, de histórias co-
letivas e trajetórias pessoais nunca descoladas daquelas, de am-
bíguos gestos de afastar-se da doxa e da incitação conjunturais, 
mas sempre a partir de contextos que nada têm de inocentes, 
pu ros e virtuosos.
A resposta pluralista, no contexto polarizado da conjuntura 
brasileira, aparece menos em grandes pronunciamentos do que 
em gestos de desarmamento associados a chamados a uma aber-
tura para o diálogo talvez áspero, pouco educado, imoderado, 
mas franco e realmente preocupado e comprometido com saídas 
que não aumentem as vítimas, o sofrimento, a má-fé e a injustiça 
que já campeiam. Ora se expressa na busca por maior impar-
cialidade nas informações e relatos sobre ocorrências.40 Ora 
39 Cf. Souza, 2016.
40 Ressalto, por exemplo, o trabalho realizado pelo Grupo de Pesquisa Mídia, Religião e 
Cultura (Mire) do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Me-
todista de São Paulo até o final de 2017. Grande parte do material jornalístico e opinativo 
reunido para este texto beneficiou-se do blog mantido por esse Grupo de Pesquisa. Na 
esteira da luta hegemônica no interior da Igreja Metodista, com a demissão da líder do 
grupo no final de 2017 e a retirada do blog da página da Umesp, resta a consulta, tempo-
rariamente, à página do grupo no Facebook.
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se expressa na tentativa de criar espaços para que as partes mais 
conflagradas aceitem se colocar frente a frente sob um código 
mí nimo de moderação que se expressa em cada uma ser ouvida 
na mesma medida em que permite que as outras falem. Ora se 
expressa na criação de oportunidades de reflexão e debate intelec-
tual, como eventos acadêmicos, teológicos e inter-religiosos.
Para finalizar, e enfim responder diretamente à questão do 
lugar da religião na conjunção de forças que definiu “a crise” e 
le vou à consumação da derrota do lulismo, ao processo de im-
peach ment e à instauração de uma ordem ilegítima no Brasil pós-
2014, “fundamentalismo” é um dispositivo relacional, uma ca-
tegoria que pede compreensão etnográfica daquilo que está dos 
dois lados da fronteira entre a elite parlamentar pentecostal (e 
seu campo de gravitação) e seus adversários. Não explica nem 
descreve. Não nos fala do que já sabemos. Aponta. Em geral, faz 
petição de princípio de que a acolhamos por plausibilidade de 
que a identidade religiosa e seu “projeto” já preexistamà re-
composição política do campo da direita no Brasil, na atual con-
juntura. Do ponto de vista conceitual, seu uso sem qualificações 
con trabandearia um debate entre crentes e descrentes (logo, in-
terno ao “campo religioso”) e se arriscaria a fazer o jogo das novas 
formas de “guerras de religião” e da nova governamentalidade 
da tolerância que se afirma como alternativa ao cenário dos 
fundamentalismos. 
Quando combatido por meio da injunção à tolerância, nesta 
conjuntura, não me parece que escapemos de ver reproduzirem-
-se desdobramentos que a “guerra ao terror” trouxe para a cultura 
política, a esfera pública e a própria legalidade democráticas glo-
balmente. Se pensarmos a lógica do político como envolvendo 
precisamente a emergência do antagonismo, a polarização criada 
pela retórica conservadora não será desarmada, apenas deslocada, 
pela retórica da tolerância. Se a própria experiência da polariza-
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ção do debate público e privado brasileiro sobre a crise, a corrup-
ção, o PT, o governo Dilma e o impeachment for observada de 
perto, a dicotomização do espaço entre “nós” e “eles” nessa con-
juntura de antipetismo, fazendo-se acompanhar não só de atos 
virulentos de disputa retórica, mas também de suposições sobre 
a subjetividade e a própria moralidade dos inimigos (conhecidos 
ou não), não foi estranha a nenhum dos campos. O uso do dis-
curso da tolerância em nada serviu para dissuadir quem quer que 
estivesse situado do “outro lado”, mas funcionou como uma das 
posições do campo antirretórica da crise e anti-impeachment.
Por sua vez, a revisita ao conceito de religião pública me per-
mite afirmar a relacionalidade da religião “no espaço público” e 
que não é a religião pública em si que realiza a hipotética virada 
fun damentalista na conjuntura brasileira. Suas fronteiras não 
mais se decidem em termos de um especificamente religioso, mas 
num descentramento e borramento que lhes abre espaço no pú-
blico ao custo de a religião passar a ser contestada em seu próprio 
terreno pelos seus outros (religiosos, jurídico-políticos e movi-
mentalistas), enquanto empresta seu léxico, suas táticas e sua se-
mântica a processos políticos nos quais participa, mas, até aqui, 
nunca como ator central. Nesse contexto, a publicização também 
implica que o Estado de novo emerge como locus de embates 
entre religiões e entre “a religião” e seus outros.
A onda de conservadorismo já quebrou em nossa praia, com 
força suficiente para destruir conquistas que se julgavam ao abri-
go do retrocesso. Politicamente, há uma copresença de compo-
nentes políticos, jurídicos, midiáticos, religiosos, empresariais, 
acadêmicos na montagem do script e da cena do golpe que se 
per petrou e busca consolidar-se. É fato inconteste que o conser-
vadorismo religioso é um componente do processo e que há vá-
rias conexões entre este e várias outras posições no campo gol-
pista. Mas ganharemos pouco se justapusermos golpismo, con-
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servadorismo, fascismo e fundamentalismo e se, assim fazendo, 
inflacionarmos o que cabe dentro de cada um e fragilizarmos o 
que poderiam ser anteparos preciosos no nível do associativismo 
civil, das religiões organizadas, dos partidos e da própria insti-
tucionalidade à generalização de formas regressivas de ocupação 
do espaço público que a cada dia se tornam mais desenvoltas em 
sua retórica e suas iniciativas de “reforma”. 
Todas as esferas da vida social são atravessadas pelo antago-
nismo instalado na cena brasileira. Faremos bem em saber onde 
pisamos, porque nem tudo é pantanoso ou incendiário. Também 
faremos bem em não simplesmente nos indignarmos com a “in-
tolerância” da conjuntura, mas tomarmos ou construirmos nossa 
posição no embate, pois em momentos de crise dessa profundi-
dade e amplitude não existe o lugar nenhum da isenção.
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donald trump é fascista?
Alvaro Bianchi
Demian Melo
Donald Trump é fascista? Há razões para responder afirmati-
vamente a essa pergunta. Em junho de 2015, ele afirmou que os 
imigrantes latinos eram responsáveis pelos estupros e crimes nos 
Estados Unidos.1 Mais tarde, depois dos ataques terroristas em 
Bruxelas em março de 2016, propôs que as mesquitas e os refu-
giados fossem vigiados, e sugeriu que a tortura fosse utilizada 
para obter informações. 2 Até mesmo o establishment republicano 
protestou: “Registro federal forçado de cidadãos norte-ameri-
canos com base na identidade religiosa é fascismo. Ponto. Não 
pode ser chamado de outra coisa”, twittou John Noonan, assessor 
de Jeb Bush, candidato derrotado por Trump nas primárias do 
Partido Republicano.3
Não foram as primeiras nem as últimas declarações do em-
presário-candidato contra muçulmanos, latinos, negros, mulhe-
res e gays. E Noonan não foi o último a identificar Trump como 
 
1 Adam Gabbat. “Donald Trump’s tirade on Mexico’s ‘drugs and rapists’ outrages US Lati-
nos”. The Guardian, 16 Jun. 2016. Disponível em <http://bit.ly/2fGxZdB>.
2 Chris Spargo. “‘This is going to happen in the United States’: Donald Trump calls for 
surveillance of Muslims and advocates waterboarding terror suspects after Brussels attack”. 
Mail Online. 22 Mar. 2016. Disponível em <http://dailym.ai/2n8H3KY>.
3 M. J. Lee. “Why some conservatives say Trump talk is fascista”. CNN, 25 Nov. 2015. 
Disponível em <http://cnn.it/2nXsi28>.
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fascista. Ainda em maio de 2016, o colunista conservador Robert 
Kagan publicou um artigo no Washington Post dizendo com to-
das as letras que Trump representava uma ameaça fascista no 
país.4 Para completar, logo após tomar posse, o novo presidente 
dos Estados Unidos nomeou Steve Bannon, um ex-banqueiro 
e notório supremacista branco que edita o portal Breitbard 
News,5 para o Conselho de Segurança Nacional. Além disso, 
cum prindo promessas de campanha, decretou a construção de 
um muro com o México para barrar a entrada de imigrantes e a 
proibição da entrada de cidadãos vindos de seis países de maioria 
mulçumana – Síria, Irã, Sudão, Líbia, Somália, Iêmen e Iraque. 
Não obstante o veto que o Judiciário impôs a esse decreto anti-
-imigração de Trump, a Casa Branca não parece ter desistido de 
tal política, que tem como corolário a deportação em massa de 
imigrantes em situação ilegal.6
Trump é também conhecido por posições escandalosamente 
racistas. Durante a campanha, os democratas divulgaram um 
episódio ocorrido em 1991 no Trump Plaza Hotel and Casino, 
em Atlantic City, no qual o empresário teria criticado um de seus 
contadores de forma racista: “Eu acho que esse cara é preguiçoso. 
E provavelmente não é culpa dele, porque a preguiça é um traço 
dos negros. Realmente é, eu acredito nisso”, teria dito Trump.7 
Naturalmente, o movimento “Black Lives Matter” mobilizou 
suas forças contra a eleição de Trump, enquanto organizações 
como a Ku Klux Klan fecharam o apoio ao republicano.
4 Robert Kagan. “This is how fascism comes to America”. Washington Post, 28Mai. 2016. 
Disponível em <http://wapo.st/2o96qyf >.
5 Breitbard News é um portal de notícias e opinião de extrema direita. 
6 Josh Lederm. “Homeland Security chief: No use of military for deportations”. AP News, 
24 Feb. 2017. Disponível em <http://bit.ly/2l2TlGy>. 
7 Nicholas Kristof. “Is Donald Trump a Racist?”. New York Times, 23 Jul. 2016. Disponível 
em <http//nyti.ms/2uU1mjm>. 
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donald trump é fascista?
Quando, em 13 de agosto de 2017, uma marcha de suprema-
cistas brancos na cidade de Charlottesville (Virgínia) denomi-
nada “Unite the Right” provocou uma série de distúrbios e con-
frontos com organizações antifascistas, as declarações públicas 
de Trump lançaram luz nos compromissos que sua administra-
ção possuía com a constelação de agrupamentos fascistas existen-
tes nos Estados Unidos. Com boa dose de cinismo, Trump sim-
plesmente declarou que “há culpa dos dois lados”, embora o saldo 
tenha sido de três mortos, dois policiais e uma ativista antifas-
cista, Heather Hayer, de 32 anos, que foi atropelada violenta-
mente por um supremacista branco, Alex Field, que lançou seu 
carro contra uma multidão, ferindo também 19 pessoas. Numa 
coletiva de imprensa no seu próprio Trump Tower, em Nova 
York, declarou: “Foi um dia horrível. Havia um grupo de um lado 
que era ruim e um grupo do outro lado que também era muito 
violento. Ninguém quer dizer isso, mas estou dizendo agora”, e 
completou afirmando categoricamente que “há ótimas pessoas 
dos dois lados”. Por fim, relativizou a presença maciça de neona-
zistas em Charlottesville, afirmando em tom apaziguador que 
“nem todas aquelas pessoas eram neonazistas”. Diante da reper-
cussão negativa, não teve outra escolha senão demitir Steve Ban-
non, em 18 de agosto de 2017, uma semana após os distúrbios de 
Charlottesville.8
O mal-estar provocado pelas declarações de Trump revelou, 
mais uma vez, o compromisso que o atual presidente estaduni-
dense tem com organizações racistas que notoriamente lhe pres-
taram apoio na sua eleição e hoje se sentem “empoderadas”. Mas, 
afinal de contas, Trump é fascista? A resposta não é fácil e não 
8 Maggie Haberman; Micheal D. Shear & Glenn Thrush. “Stephen Bannon out at the 
White House after turbulent run”. The New York Times, 18 de agosto de 2017. Disponível 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
pode ser dada de maneira simples. Trump expressa certas atitudes 
e comportamentos políticos geralmente associados com o fas-
cismo. Segundo Robert O. Paxton, o fascismo é “uma forma de 
comportamento político marcada por uma preocupação obses-
siva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como 
ví tima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da 
pureza”.9 Contudo o fascismo é também historicamente um mo-
vimento político com características definidas. Ainda na defini-
ção desse historiador, trata-se de: 
[...] um partido de base popular formado por militantes nacionalistas 
engajados, operando em cooperação desconfortável mas eficaz com as 
elites tradicionais, que repudia as liberdades democráticas e passa a per-
seguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma 
violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de 
qualquer natureza.10 
Devido à dificuldade de enquadrar Trump no fenômeno his-
tórico do fascismo, alguns comentaristas têm preferido utilizar 
a noção de populismo para defini-lo.11 A figura carismática ca paz 
de eletrizar os eleitores pertencentes a setores da população 
bran ca, trabalhadores ou pequenos proprietários fortemente 
atin gidos pela crise econômica, que constituíram importante 
base social para a vitória do candidato republicano, parece tam-
bém corroborar a caracterização dele como um personagem de 
comportamento fascista. Trata-se de grupos sociais com baixo 
nível educacional, em geral concentrados no mundo rural do Sul 
e do Meio-Oeste do país, e com um perfil semelhante ao daque-
9 Paxton, 2007, p. 358.
10 Idem, pp. 358-359.
11 Por exemplo Edsall, Thomas B. “The peculiar populism of Donald Trump”. The New York 
Times, 2 Feb. 2017. Disponível em <http://nyti.ms/2jRFq2G>. 
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les ar regimentados pelos fascismos históricos do período en-
treguerras.12
Num artigo publicado na Foreign Affairs no fim de 2016, 
Sheri Berman protestou contra o uso generalizado do termo fas-
cista para se referir a líderes que seriam mais precisamente con-
siderados como populistas, citando como exemplo Marine Le 
Pen e Donald Trump. A cientista política da Universidade de 
Columbia adverte, contudo, que, se na emergência do populismo 
de direita, as forças responsáveis das elites políticas e econômicas 
no mundo de hoje não tomarem as devidas providências, uma 
ameaça realmente fascista pode figurar no horizonte.13 Na mesma 
edição da revista, o historiador Michael Kazin, autor de uma 
influente obra sobre o populismo estadunidense e atual editor 
da revista liberal Dissent, deu sua chancela a essa tese sobre o 
Trump.14 Não seria surpreendente, por outro lado, já que Kazin, 
em The Populist Persuasion, tratando o conceito como um fenô-
meno linguístico, traça uma trajetória do populismo americano 
que parte dos granjeiros do Meio-Oeste no fim do século XIX, 
passando pelo macartismo e o governador George Wallace do 
Alabama, pela Nova Esquerda dos anos 1960 e chegando, sur-
preendentemente, no governo de Ronald Reagan na década de 
1980.15 Se todos esses fenômenos e personagens são populistas, 
por que Trump não seria?
Por outro lado, frequentemente a noção de populismo é uti-
lizada para caracterizar constelações políticas que, apelando para 
12 Para uma avaliação mais criteriosa do papel da classe trabalhadora branca na vitória de 
Trump, ver Mike Davis. “O grande Deus Trump e a incrível classe trabalhadora branca”. 
Outubro, n. 28, 2017.
13 Berman, 2016, pp. 39-44.
14 “Liberal” no sentido estadunidense, cuja acepção é ideologicamente a centro-esquerda. 
Kazin, 2016, pp. 17-24.
15 Kazin, 1995. Não é por acaso que esse livro de Kazin será retomado no afamado trabalho 
Reelaboração do conceito de populismo de Ernesto Laclau. Laclau, 2005.
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o discurso demagógico, arregimentam apoio popular para um 
movimento que se opõe à agenda neoliberal. Daí um uso nota-
da mente ideológico do termo, usado para nomear fenômenos 
polí ticos muito díspares entre si, tanto à esquerda – como Syriza, 
na Grécia, e Podemos, na Espanha – como à direita – como o 
Front National, na França, e, agora, Trump, nos Estados Uni-
dos.16 Co mo em muitos desses casos, a ruptura com as diretri-
zes do ajuste neoliberal está no plano meramente discursivo, e 
embora Trump não tenha ainda executado um programa eco-
nômico pós-neoliberal, a experiência da última década reco-
menda cautela.
Apesar da indignação do establishment republicano e da per-
plexidade na comunidade internacional, Donald Trump não é 
uma novidade na política norte-americana. Quando foi nomeado 
candidato na convenção dos republicanos, ele declarou ser o 
“candidato da lei e da ordem”. O slogan é recorrente no discurso 
político desse partido desde que Barry Goldwater protagonizou 
a virada conservadora, em 1964, vencendo nas primárias do Par-
tido Republicano Nelson Rockefeller, então governador de Nova 
York.17 Posteriormente, Richard Nixon foi o candidato da lei e 
da ordem em 1968, Ronald Reagan em 1980 e George W. Bush 
em 2000. Todos eles vociferaram contra imigrantes, ameaças ex-
ternas – uns, o comunismo, outros, o islã; todos condenaram a 
suposta ameaça à civilização ocidental representada pelo movi-
mento feminista e o LGBT; todos afirmaram que a sociedade 
norte-americana se encontrava sob forte ameaça; todos conde-
naram a democracia e culparam os políticos; e todos propuseram 
um governoforte que restabelecesse a ordem pública. A única 
16 Rejane Carolina Hoeveler. “Populismo e ‘desconsolidação’ democrática”. Blog Junho, 18 
Mar. 2017. Disponível em <http://bit.ly/2CaIEJC>. 
17 Nash, 2006 [1976]; Bianchi, 2015.
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novidade que Trump traz para a política norte-americana em 
re lação a esses pontos é o marketing agressivo, que subverte o 
jogo da política tradicional. 
O que é o fascismo?
Como movimento político, o fascismo é uma resposta à crise de 
hegemonia, à incapacidade das classes dominantes para manter 
a ordem política por meio dos canais normais da democracia li-
beral. O fascismo é, por definição, um partido-movimento de 
caráter profundamente antiliberal. Por essa razão, o fascismo é, 
em primeiro lugar, um chamado à lei e à ordem que recorre, para 
sua realização, a expedientes extralegais e à violência aberta. A 
novidade do fascismo está em que ele é um movimento de mas-
sas, com uma base social predominantemente pequeno-burguesa 
e plebeia, que procura por meio da violência direta solucionar 
uma crise de hegemonia: 
A principal diferença entre a direita fascista e não fascista era que o 
fascismo existia mobilizando as massas de baixo para cima. Pertencia 
essencialmente à era da política democrática e popular que os reacioná-
rios tradicionais deploravam, e que os defensores do “Estado Orgânico” 
tentavam contornar. O fascismo rejubilava-se na mobilização das massas, 
e mantinha-a simbolicamente na forma do teatro público [...]. Os fas-
cistas eram os revolucionários da contrarrevolução.18
O fascismo histórico foi um fenômeno político surgido das 
condições particulares da Europa após a Primeira Guerra Mun-
dial, primeiramente na Itália, onde se cunhou o seu nome, e de-
18 Hobsbawm, 1995, p. 121.
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pois em diversos países do continente europeu e na Inglaterra, 
atravessando o Atlântico em direção às Américas e a outras lati-
tudes do planeta. 
Foi uma solução violenta para a ameaça revolucionária que, a 
partir da vitória bolchevique em 1917 na Rússia, tirou o sono das 
classes dominantes em pânico com a possibilidade de um contá-
gio vermelho. Daí que uma característica importante dos movi-
mentos fascistas fosse a destruição física do movimento operário, 
dos partidos socialistas, comunistas etc., atuando como tropa de 
choque das classes proprietárias. Por outro lado, os movimentos 
fascistas reproduziram uma série de aspectos dos partidos socia-
listas de massas, tais como a mobilização permanente, a organi-
zação hierárquica, a imprensa partidária e a tentativa de abarcar 
toda a vida dos aderentes, por meio de associações sindicais, cul-
turais, recreativas e esportivas. 
Em suas diversas manifestações nacionais, o movimento fas-
cista adotou variada nomenclatura e somente na Itália e na Ale-
manha chegou ao poder, alterando a forma estatal e constituindo 
uma ditadura contrarrevolucionária com características particu-
lares.19 Tais ditaduras se construíram a partir do uso das normas 
constitucionais existentes, sem o recurso a golpes de Estado. Na 
Itália, o rei nomeou Mussolini e a “Marcha sobre Roma” não foi 
mais que uma performance para simular uma espécie de “assalto 
ao Palácio de Inverno”, uma suposta “revolução dos fascistas”.20 
Na Alemanha, em janeiro 1933, o marechal Paul von Hinden-
burg, que havia sido reeleito presidente da República em abril 
do ano anterior, nomeou Adolf Hitler como chanceler depois 
19 A bibliografia se divide a respeito dos casos da Espanha, durante o franquismo, e Portu-
gal, com o salazarismo. Optamos por não tratar esses países como expressões típicas do 
fascismo, sem, entretanto, poder discutir as razões no âmbito deste ensaio.
20 Sassoon, 2009, pp. 7-14.
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que o Partido Nazi se tornou o mais votado.21 Não foi necessária 
uma manobra fora dos termos usuais da luta política, embora, 
uma vez no poder, tanto Mussolini quanto Hitler tenham abo-
lido os regimes liberais existentes (ou o que ainda restava deles, 
já que na Alemanha a democracia se encontrava fortemente 
cons tringida desde 1930).
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial os movimentos fas-
cistas não lograram êxito em chegar ao poder. Fascistas, no en-
tanto, continuaram a existir como pequenos movimentos, orga-
nizações secretas e mesmo partidos políticos com legalidade, e 
alguns autores se valeram do termo neofascismo para enquadrá-
-los. O caso brasileiro do Integralismo é exemplar: após o fim 
do Estado Novo em 1945, formalizou-se como o Partido da Re-
presentação Popular (PRP) sob a liderança do mesmo Plínio Sal-
gado que havia fundado e liderado a Ação Integralista Brasileira 
desde 1932.22
Mesmo na Itália, remanescentes do regime fascista organiza-
ram o Movimento Sociale Italiano-Destra Nazionale que con-
fluiu em 1995 para o partido Alleanza Nazionale e hoje está ple-
namente integrado ao sistema político do país. De acordo com 
o sociólogo Michael Lowy, “há somente um exemplo na Europa 
de um partido fascista tornando-se um partido de direita ‘nor-
mal’: o italiano Aliança Nacional, de [Gianfranco] Fini”.23 Na 
França, onde os diversos grupos fascistas haviam se identificado 
com o regime colaboracionista do marechal Philippe Pétain (o 
chamado regime de Vichy, entre 1940-1944), o movimento Algé-
rie Française e o poujadismo confluiriam na formação do Front 
21 Na verdade, o maior sucesso eleitoral dos nazistas havia sido na eleição de junho de 1932. 
Nas eleições de novembro os nazistas tiveram uma ligeira perda de votos, com a conse-
quente diminuição de sua bancada no Reichstag. Cf. Kershaw, 1993.
22 Cf. Trindade, 1974; Calil, 2001.
23 Löwy, 2015, p. 655.
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National na década de 1970, sendo o principal partido de ex-
trema direita hoje no mundo.24
E Trump com isso?
Nos Estados Unidos, organizações neofascistas, como National 
Alliance, White Aryan Resistance e Aryan Nations, que difun-
dem uma visão de mundo xenófoba, racista e violenta, aproxi-
maram-se da campanha eleitoral de Trump.25 Outros extremistas, 
que inegavelmente compõem a nebulosa fascista, também apoia-
ram Trump, como o movimento que vem sendo chamado de “Al-
ternative Right” [Direita Alternativa] geralmente referida como 
“Alt right”, cujos maiores expoentes são Steve Bannon, Richard 
Spencer, Jared Taylor, Paul Ramsey e Milos Yannopolous. Esse 
grupo defende a tese racista de que haveria em curso um projeto 
de “extermínio da raça branca” nos Estados Unidos, sendo as 
conquistas civis em torno das pautas da legalização do aborto, 
dos direitos dos imigrantes e da positividade da miscigenação 
seus principais mecanismos. 
A vitória de Trump foi entusiasticamente festejada pelos 
maio res expoentes da Alt right como uma vitória deles.26 Con-
siderado o acadêmico do grupo, o editor da revista Alternative 
Right e presidente do National Policy Institute, Robert Spencer, 
protagonizou a comemoração mais controversa da eleição de 
Trump, quando, diante de 200 seguidores em Washington, ini-
ciou seu discurso gritando: “Heil Trump! Heil our people! Heil 
24 Franco de Andrade, 2014.
25 Poggi, 2015; Michael, 2016. 
26 Alan Rappeport & Noah Weiland. “White Nacionalists Celebrate ‘an Awakening’ After 
Donald Trump’s Victory”. The New York Times, 19 Nov. 2016. Disponível em <http://
nyti.ms/2nG3xDC>. 
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our victory!”.27 Mas seria temerário ou no mínimo ilusório acre-
ditar que o governo Trump é hegemonizado por esses setores 
ex tremistas, ainda que um personagem como Steve Bannon te-
nha sido convidado para integrar o Conselho de Segurança Na-
cional na condição de estrategista-chefe, e a presença da Alt right 
tenha alterado o ambiente cultural estadunidense.28 
Outras direitasmais consolidadas e representativas de gran-
des grupos econômicos ocupam posições destacadas na admi-
nistração Trump. É o caso do secretário de Estado nomeado 
Rex Tillerson, que foi presidente da gigante do petróleo Exxon-
Mobil, enquanto a Secretaria do Tesouro ficou com Steven Mnu-
chin, megainvestidor e ex-CEO do Goldman Sachs. Opositor 
do ambientalismo, Scott Pruitt foi nomeado administrador da 
Agên cia de Proteção Ambiental, mais uma vez denotando o com-
promisso da administração republicana com a indústria de com-
bustíveis fósseis que patrocina a campanha de desinformação 
sobre o aquecimento global.
A pasta da Educação foi assumida pela fundamentalista cristã 
Betsy DeVos, apesar de protestos que incluíram até o The New 
York Times, que publicou um editorial em que pedia “um repu-
blicano com integridade” para a pasta.29 DeVos é uma grande 
defensora da afamada proposta de Milton Friedman para o finan-
ciamento do sistema escolar, com a distribuição de vouchers (va-
27 Joseph Goldstein. “Alt-Right Gathering Exults in Trump Election With Nazi-Era Salute”. 
New York Times, 20 Nov. 2016. Disponível em <http://nyti.ms/2Ca27wg> e  Chris Gra-
ham. “Nazi salutes and white supremacism: Whos is Richard Spencer, the ‘racist aca-
demic’ behind the ‘Alt right’ movement”. The Telegraph, 22 nov. 2016. Disponível em 
<http://bit.ly/2gdfvF4>.
28 Cf. Cristina F. Pereda. “A ascensão de Steve Bannon, o homem que sussurra no ouvido 
de Trump”. El País, 30 jan. 2017. Disponível em <http://bit.ly/2nZOSVo>. David Smith 
& Sabrina Siddiqui. “Steve Bannon: Trump is ‘maniacally focused’ on executing promises”. 
The Guardian, 27 Feb. 2017. Disponível em <http://bit.ly/2mpZRpo>. 
29 Cristina F. Pereda. “Apesar de rejeição, secretária de Educação de Trump é confirmada 
após desempate histórico”. El País, 8 fev. 2017. Disponível em <http://bit.ly/2p3j0i8>.
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les pagos com dinheiro público) para que as famílias escolham 
em qual escola particular devem matricular seus filhos, uma pro-
posta tipicamente neoliberal que vai ao encontro do ativismo 
conservador pela “escolha escolar”. Além disso, DeVos é ligada a 
grandes grupos econômicos, como a Amway e a famosa empresa 
de segurança privada Blackwater, fundada por seu irmão Erik 
Prince.30 
Para a direção da CIA o escolhido foi Mike Pompeo, depu-
tado republicano pelo Kansas e expoente do Tea Party. O Tea 
Party é um movimento formado em 2009 em reação à eleição de 
Barack Obama, atuante no interior do Partido Republicano, 
constituindo uma ala extremista à direita cujo discurso combina 
um visceral liberismo (ou “libertarianismo”) com o conservado-
rismo cultural animado por um vocabulário populista de denún-
cia das “elites” (embora o Tea Party seja ele próprio financiado 
por magnatas como os irmãos Charles e David Koch e Rupert 
Murdoch).31 Em 2014, Pompeo havia se pronunciado duramente 
pela pena de morte para Edward Snowden, caso fosse consumada 
a extradição deste da Rússia para os Estados Unidos. Ele também 
se manifestou contrário ao fechamento da prisão de Guantá-
namo,32 promessa de campanha não cumprida por Obama, e 
30 Kate Zernike. “Escolhida por Trump para Educação afastou dinheiro das escolas públicas”. 
Folha de S.Paulo, 24 nov. 2016. Disponível em <http://bit.ly/2BVxJlS>.
31 O Tea Party agrupou uma infinidade de organizações de base, atuando descentralizada-
mente, mas mantendo como eixo unificador a agenda de redução dos impostos. Têm 
como expoentes os republicanos Ron Paul, Sarah Palin e Ted Cruz. Depois de um cres-
cimento inicial, o Tea Party conheceu certo declínio a partir de 2010, mas ainda é muito 
influente no Partido Republicano. O Tea Party identifica-se pelo uso da bandeira de 
Gadsden – uma bandeira amarela, em que, embaixo da gravura de uma cobra, encontra-
-se a mensagem “Don’t tread on me” – que foi usada amplamente em setembro 2009 em 
Washington, sua primeira demonstração, figurando com destaque novamente em Char-
lottesville, em agosto de 2017 (dessa vez ao lado das bandeiras dos confederados e dos 
neonazistas). Cf. Theda Skocpol & Vanessa Williamson. The Tea Party and the Remaking 
of Republican Conservatism. Nova York, Oxford University Press, 2012.
32 “Senate debates Guantánamo in first hearing on closing prison since 2009”. The Guardian, 
24 Jul. 2013. Disponível em <http://bit.ly/2oFMGoI>. 
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tam bém às medidas tomadas por este que exigiram que os inter-
rogadores da CIA respeitassem as leis contra a tortura. 
Assim, de vários aspectos, o governo Trump assume um for-
mato bastante similar aos encontrados em outras administrações 
republicanas, especialmente no que se refere aos representantes 
do grande capital em postos-chave do governo. O que o distin-
gue, portanto, é que talvez seja o governo que foi mais longe na 
nomeação de extremistas de direita. Tais extremistas representam 
as principais vertentes da reorganização da direita americana na 
última década, o Tea Party e a Alt right. 
Além disso, Trump teve o apoio de bilionários excêntricos 
como Peter Thiel, um magnata do Vale do Silício, cofundador do 
PayPal e o primeiro investidor no Facebook. Thiel professa ideias 
“libertárias”, chegando mesmo a projetar, no seu livro de 2009 
The Education of a Libertarian, uma ilha artificial no meio do 
oceano, afastada de interferências governamentais. Nesse livro, 
escreveu que não acredita que “liberdade e democracia sejam 
com patíveis”.33 O mesmo ideal “libertariano” se faz presente num 
dos principais estrategistas da campanha eleitoral de Trump, Ro-
ger Stone, um sujeito que se notabilizou pela falta de escrúpulos 
e pelo uso de ideias mentirosas nas campanhas eleitorais republi-
canas, e cuja trajetória foi explorada pelo recente documentário 
Get Me Roger Stone.34 Hoje no Partido Libertário, mas ainda 
muito influente nos círculos republicanos, Stone continuou a ser 
um conselheiro político importante de Trump mesmo depois 
que este o afastou do comando político da campanha. Ao lado 
de Peter Thiel, Roger Stone representa um crescente consenso 
antidemocrático no interior da direita americana, e em certo sen-
33 John Naughton. “The only living Trump supporter in Silicon Valley”. The Guardian, 22 
de maio de 2016. Disponível em <http://bit.ly/2CiQz7w>. 
34 O documentário de Daniel DiMauro, Morgan Pehme e Dylan Bank foi especialmente 
produzido para o Netflix, em 2017.
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tido a própria eleição de Trump vem confirmando a hipótese que 
alguns analistas vêm elaborando de que a experiência neoliberal 
das últimas décadas está promovendo a criação de sistemas pós-
-democráticos.35 Mas, voltando a nossa questão inicial, estaria 
nessa conjuntura o atual governo americano forjando uma nova 
experiência fascista?
A emergência do pós-fascismo
Numa meditação sobre a ascensão da extrema direita europeia, 
o historiador italiano Enzo Traverso sugere que o conceito de 
fascismo é inadequado para entender essa emergência atual das 
direitas radicais no Velho Continente.36 Pensando naquele con-
texto, propõe a noção de pós-fascismo como a de maior capaci-
dade heurística.37 Com esse termo, ele pretende dar conta de um 
“fenômeno transitório, em mutação, que ainda não está crista-
lizado”.38 Diferentemente do neofascismo, representado por mo-
vimentos e partidos políticos que “reivindicam abertamente uma 
continuidade ideológica com relação ao fascismo histórico”, as 
novas correntes pós-fascistas “não reivindicam mais essa filiação, 
distinguindo-se claramente dos neofascismos”.39 E, embora par-
tilhe alguns traços com o fascismo clássico, esses novos mo vi-
mentos não representam no plano ideológico e político uma 
mera continuidade. Trata-se, assim, de valorizar a especificidade 
histórica do novo fenômeno: “O que caracteriza o pós-fascismo 
35 Cf. Rancière, 2014;Dardot & Laval, 2016.
36 Traverso, 2016.
37 Outro autor que se vale do termo pós-fascismo para, por exemplo, tratar a Front National 
na França foi Philippe Milet, no que é criticado por Löwy, 2015.
38 Traverso, 2017b. 
39 Idem, p. 13.
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é um regime de historicidade particular – o início do século XXI 
– que explica seu conteúdo ideológico flutuante, instável, fre-
quentemente contraditório, no qual se combinam filosofias po-
líticas antinômicas”. 40
A proposição parece instigante, principalmente se conside-
rarmos a necessidade de elaboração de uma ferramenta concei-
tual que dê conta do estudo desse novo fenômeno. Trata-se de 
compreender a ascensão das direitas radicais no século XXI como 
pro duto de uma era marcada pelo eclipse das utopias (que seus 
apologetas definem como “pós-ideológica”), na qual desapare-
ceram do horizonte de expectativas as ideologias socialistas que 
mobilizaram as esperanças nos séculos XIX e XX. No mundo 
con temporâneo, a política deixou de orientar-se por valores e 
tornou-se um “lugar de pura governança e distribuição de poder, 
de gestão de recursos públicos consideráveis”. As ideias deram 
lugar às carreiras naquilo que Traverso denomina de impolítica.41 
É nesse vazio gerado pela impolítica que os pós-fascismos encon-
tram seu lugar: 
Eles postulam o restabelecimento das soberanias nacionais, a adoção 
de formas de protecionismo econômico e a defesa das “identidades na-
cionais” ameaçadas. Perante o descrédito da política defendem um mo-
delo de democracia plebiscitária que anula toda deliberação coletiva em 
uma relação de fusão entre o povo e líder, a nação e seu chefe.42
Mas esses movimentos radicais de direita não almejam uma 
transformação radical da política e da sociedade, como o fascis mo 
histórico.43 Aqui reside a principal diferença. O pós-fascismo 
40 Idem, pp. 13-14.
41 Idem, p. 33.
42 Idem, p. 34. 
43 Embora seja prudente assinalar que mesmo no fascismo histórico não almejou transcen-
der a ordem social capitalista.
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“de seja transformar o sistema a partir de seu interior, enquanto 
o fascismo clássico desejava subvertê-lo completamente”.44 Sem 
o tradicional inimigo, o socialismo, o pós-fascismo renunciou à 
mobilização das massas em torno de novos mitos coletivos, aban-
donou as formas da milícia e do partido de massas.
Na fabricação de uma identidade nacional, a alteridade nega-
tiva à qual o pós-fascismo recorre ainda tem traços raciais. Con-
tudo, em vez dos judeus, são agora os árabes, e o antissemitismo 
é hoje tão somente um fenômeno residual na Europa Ocidental. 
Nesse ponto, Traverso acentua a raiz colonial da islamofobia, a 
qual cinicamente recebe uma cobertura “pró-direitos humanos”, 
como no caso da proibição do uso do véu na França ou a defesa 
dos direitos dos homossexuais na Holanda.45 Mas, ao contrário 
do fascismo clássico, os pós-fascismos não desejam reconstruir 
os impérios coloniais e frequentemente advogam políticas isola-
cionistas.
Donald Trump parece ser um caso extremo desse novo pós-
-fascismo, reunindo algumas de suas principais características: 
um discurso xenofóbico e nacionalista, eclético e com fortes tra-
ços antissistema e pós-ideológicos. De acordo com Traverso, no 
“plano político, ele anuncia um giro autoritário; no plano so-
cioeconômico, contudo, demonstra um certo ecletismo. É ao 
mesmo tempo protecionista e neoliberal”.46 São contradições 
próprias da época. Enquanto o fascismo histórico nasceu na era 
do capitalismo fordista, “Trump surgiu na época do neolibera-
lismo, a era do capitalismo financeiro, do individualismo com-
petitivo e da precariedade endêmica”. 47
44 Traverso, 2017b, p. 15.
45 Idem, pp. 35 e 40. Para a emergência de um “femonacionalismo”, ver a pesquisa recente-
mente publicada de Farris, 2017.
46 Traverso, 2017b, p. 27. Ver também Traverso, 2017a.
47 Idem, 2017b, p. 31.
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Se é verdade que Trump se comporta como um autêntico fas-
cista do século XXI, e grande parte de seus seguidores pode ser 
enquadrada nas características que Erich Fromm e Theodor W. 
Adorno chamaram de “personalidade autoritária”, de acordo com 
Traverso “o fascismo não é redutível ao caráter do líder político, 
nem às predisposições psicológicas de seus seguidores”.48 Como 
personalidade, Trump estaria muito mais próximo do ex-premiê 
italiano Silvio Berlusconi, também um empresário de sucesso, 
que de Mussolini e Hitler, dois outsiders. E, ao contrário desses 
dois últimos, não existe um movimento de massas organizado e 
militarizado em apoio a Trump, embora exista uma pletora de 
agrupamentos extremistas com essas características que lhe de-
ram suporte eleitoral, como já mencionamos. Mas estes não po-
dem ser considerados como seus. E, no que se refere à agenda 
econômica, embora tenha havido bastante retórica protecionista 
e contra Wall Street na campanha eleitoral, a prática efetiva do 
governo Trump não nos permite afirmar que este tenha iniciado 
uma transição para o regime de acumulação pós-neoliberal. A 
reforma fiscal que encaminhou em 2017, que beneficiou princi-
palmente as grandes empresas – que tiveram uma redução de 
35% para 20% –, segue o mesmo script neoliberal.49
No que diz respeito às previsíveis práticas autoritárias no po-
der, que poderão encorajar mais uma tentativa de caracterizar 
Trump como fascista, a recorrência com a qual procedimentos 
tipicamente de exceção se generalizaram nos regimes democrá-
tico-liberais nas últimas décadas não permite nenhum espanto. 
Depois do 11 de setembro de 2001 as restrições às liberdades civis 
dentro e fora dos Estados Unidos cresceram quantitativa e qua-
48 Idem, 2017a, p. 16.
49 “Senado dos EUA aprova reforma fiscal de Trump que beneficia empresas”. El país, 2 de 
dezembro 2017. Disponível em <http://bit.ly/2CiQz7w>. 
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litativamente. Para Giorgio Agamben, na Era Bush instaurou-se 
uma zona de indecidibilidade entre o Estado de Direito e o Es-
tado de Exceção.50 Qualquer escalada repressiva por parte do go-
verno Trump não precisará implantar um novo regime político 
para operar a violação das liberdades fundamentais, como fize-
ram os regimes fascistas do entreguerras. E se “fascista” for um 
termo do qual os movimentos sociais lançarão mão para comba-
ter as previsíveis arbitrariedades que esse governo cometer contra 
a cidadania de seu país, a análise histórica e conceitual deverá 
oferecer algo mais.
Em sua época o fascismo triunfou onde soube capturar o mal-
-estar social em relação ao sistema político então existente. Não 
é por acaso que buscou apresentar seu movimento como uma 
“revolução”. Contudo, como escreveu Paxton: 
Se o fascismo era “revolucionário”, ele o era num sentido especial, 
bem distante da acepção que se costuma dar a essa palavra entre 1789 e 
1917, de uma profunda subversão da ordem social e da redistribuição do 
poder social, político e econômico.51
Deste modo, como “revolucionários da contrarrevolu ção”, 
essa capacidade que os movimentos fascistas tiveram de capturar 
o signo da revolta contra o sistema talvez seja o grande paralelo 
que se possa estabelecer entre aqueles e a ascensão de figuras mór-
bidas como Donald Trump. Mas enquanto os fascismos históri-
cos que chegaram ao poder notabilizaram-se por dar uma direção 
centralizada à contrarrevolução, movimentos como os que con-
tribuíram para a vitória eleitoral de Trump notabilizam-se por 
50 Agamben, 2004.
51 Paxton, 2007, p. 27. Mais adequado é o conceito gramsciano de revolução passiva, em que 
seu cerne é a atualização do aparelho econômico (nos marcos capitalistas), que se apre-
sentou como resposta à crise de hegemonia. Cf. De Felice, 1978.
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donald trump é fascista?
sua fragmentaçãoideológica. Mais do que meramente oportu-
nista, ele promete bagunçar o sistema internacional; todavia, 
além do endurecimento em diversas questões geopolíticas, como 
no caso de Jerusalém, e do previsível esvaziamento de entidades 
como a ONU, dificilmente será capaz de cumprir as expectativas 
que alimentou na campanha eleitoral contra o “globalismo”. A 
dinâmica do capitalismo global o constrange, e isso pode abrir 
expectativas para que os que de fato se opõem ao sistema reto-
mem para si o signo da revolta.
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os protestos e a crise brasileira.
um inventário inicial das direitas 
em movimento (2011-2016)1
Luciana Tatagiba
Introdução
As ciências da sociedade estão sendo profundamente interpela-
das em sua capacidade explicativa pelas múltiplas e complexas 
facetas que conformam o cenário da crise da democracia brasi-
leira nesta quadra histórica. Na palestra que proferiu no 40o En-
contro da Associação Brasileira de Ciências Sociais (Anpocs), 
alguns meses após o golpe jurídico-parlamentar que destituiu a 
presidenta Dilma Rousseff, o sociólogo Gabriel Cohn refletia 
sobre o quão relevante podem ser as ciências da sociedade diante 
da gravidade do momento que vivemos e que tipo de conheci-
mento podemos produzir nessas circunstâncias. Com sua parti-
cular eloquência, sintetizou o desafio:
Quanto mais brutais os problemas que você enfrenta na realidade 
social mais fina, mais matizada, mais percuciente deve ser a sua análise 
1 Uma primeira versão deste texto foi apresentada no 10o Encontro da ABCP, na mesa “As 
direitas no Brasil e na América Latina: Reemergência e significados” e no Fórum “Con-
servadorismos, fascismos e fundamentalismos” promovido pelo Penses-Unicamp, ambos 
em 2016. Agradeço os comentários e sugestões recebidos dos colegas de mesa e da au-
diência. Este artigo retoma e aprofunda ideias desenvolvidas em publicações anteriores: 
Tatagiba; Trindade & Teixeira, 2015; Tatagiba, 2017; Tatagiba, 2018. Agradeço o apoio 
financeiro do CNPq através da concessão de bolsas de iniciação científica.
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[...]. Não é que nós [cientistas sociais] sejamos inúteis, é que o desafio 
aumenta. E esse conhecimento que nós podemos ter do mundo em que 
vivemos nunca vai ser linear e direto; sempre vai percorrer vias indiretas. 
A construção do conhecimento em tempos brutais como o nosso vai 
exigir mais sutileza do que precisão.2 
Acredito que essa seja uma valiosa pista para (re-)orientarmos 
nossos projetos e agendas de pesquisa na área de ciência política, 
tomando a crise como uma oportunidade para uma solidária e 
efetiva autorreflexão acerca dos nossos objetos de estudos, méto-
dos e padrões de explicação. Ao evidenciar os limites das aborda-
gens tradicionais para apreender os processos em curso, a crise 
da democracia brasileira nos convida a um reexame da própria 
lógica da explicação na ciência política. Nossa incapacidade de 
compreender e antecipar a mudança social parece estar de certa 
forma relacionada à dificuldade que temos tido de explicar pro-
cessos. Precisamos discutir o que temos explicado na ciência polí-
tica brasileira, como temos explicado, e o que temos deixado ao 
largo. Essa é uma tarefa, como disse, para ser enfrentada pelo 
con junto da ciência política brasileira, nas suas mais diversas 
áreas de concentração. 
Nos limites deste texto, busco chamar a atenção para a impor-
tância de irmos além da abordagem institucional para apreender-
mos os processos que ocorrem na base da sociedade e que têm se 
mostrado decisivos na configuração da crise política brasileira, 
pelo menos desde os protestos de junho de 2013. Temos assistido 
a uma mobilização social inédita – de um espectro que vai da 
extrema esquerda à extrema direita – que é expressão visível de 
um processo mais longo e profundo de reconfiguração das sub-
jetividades políticas e das redes de relações, as quais orientam o 
engajamento na vida pública e as escolhas políticas. Muitos des-
2 Cohen, 2016. 
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ses processos não ganharam ainda forma institucional, são frag-
mentados, caóticos, sem direção política clara, sem organizações 
que os representem, são nesse sentido respostas em construção 
às profundas transformações do contexto socioeconômico, po-
lítico e cultural vivenciado pelo país, principalmente na última 
década. Sua natureza fluida e contraditória torna esses processos 
difíceis de serem apreendidos pelos métodos tradicionais de in-
vestigação da ciência política. Para além da análise do instituído, 
precisamos avançar em uma ciência política do instituinte.
Quem são os atores coletivos que plasmaram esse turbulento 
ciclo de mudanças? Quais as teias relacionais a partir das quais 
engendram suas identidades coletivas? Quais são seus projetos 
políticos? Quais as relações que estabelecem com o campo polí-
tico-institucional? Quais as suas narrativas sobre a democracia? 
O que esperam do Estado? Que tendênciasesses processos emer-
gentes apontam para a reconfiguração das relações entre socie-
dade civil e sociedade política no Brasil no médio e no longo 
prazos? 
Essas são algumas das fascinantes questões que têm estado 
fora do radar do mainstream da ciência política e que uma pers-
pectiva bottom-up, sensível às conexões entre cultura e política, 
pode nos ajudar a enfrentar. Acredito, ademais, que a área de 
estudos dos movimentos sociais e da participação política pode 
encontrar aqui uma agenda de pesquisa promissora, teórica e 
politicamente, e relevante.
Minha contribuição neste texto será refletir sobre esses movi-
mentos emergentes a partir da metodologia da Análise dos Even-
tos de Protesto (AEP), aplicada ao estudo dos protestos à direita 
no Brasil, entre 2011 e 2016. Uma das grandes novidades desse 
período de mobilização foi o protagonismo das direitas nas ruas. 
Desde o ciclo de protestos contra o regime autoritário, e que 
cul minou na grande campanha pelas Diretas Já, a esquerda bra-
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sileira tem dominado as ruas, com suas cores, músicas, palavras 
de ordem e performances. Mas, em 2015, essa hegemonia da es-
querda foi quebrada na vigorosa campanha pelo impeachment. 
Os protestos evidenciaram a existência de uma nova força polí-
tica no Brasil ao mesmo tempo em que ofereceram o cenário para 
sua expressão pública. Nas páginas a seguir, procuro refletir sobre 
essa força social emergente buscando inventariar suas manifesta-
ções empíricas e sua relação com o nosso conturbado contexto 
político. Começo discutindo algumas questões teóricas e meto-
dológicas no estudo dos protestos à direita. 
O estudo dos protestos e os protestos à direita
Protestos, movimentos sociais e protestos à direita
Os protestos são uma das formas de participação nas demo cra-
cias contemporâneas, constituindo-se em um dos mais im por-
tan tes meios de que dispõem as pessoas comuns para agir em 
torno de causas visando provocar ou se opor a mudanças. Os 
protestos são modulares, ou seja, podem se adaptar a diferentes 
atores, para defender diferentes causas, em diferentes lugares e 
contextos políticos.3 O que os distingue das demais formas, como 
votar por exemplo, é que nesse tipo de participação usam-se 
meios não convencionais ou não institucionais para promover 
ou obstruir mudanças, a partir de um modus operandi no qual se 
combinam três lógicas: a lógica do número, a lógica do dano e 
a lógica do compromisso.4 Ocupações, passeatas, marchas, boi-
cotes, bloqueio de estradas, escrachos, panelaços são canais de 
3 Tilly & Tarrow, 2015.
4 Della Porta & Diani, 2006, pp. 170-178.
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expressão e mobilização que apontam para essa ampliação do 
reper tório de participação política. O protesto pode ser definido 
como uma ocasião na qual pessoas se juntam para fazer deman-
das – por bens materiais ou valores – que, se atendidas, afetariam 
o interesse de outras pessoas fora do seu grupo.5
Embora seja comum tomar protestos e movimentos sociais 
como sinônimos é importante distinguir as duas coisas. Para a 
definição de movimentos sociais, podemos partir da explicação 
de Mario Diani: “Eu defino movimentos sociais como redes de 
interação informal entre uma pluralidade de indivíduos, grupos 
ou associações, engajados em um conflito político ou cultural, 
sobre a base de uma identidade compartilhada”.6 O que torna 
uma ação coletiva contenciosa um movimento social não é a na-
tureza da demanda ou o repertório de ação, mas um processo 
social específico, no qual vemos atores engajados em conflitos, 
compartilhando uma identidade coletiva e trocando recursos 
práticos e simbólicos através de redes informais e voluntárias, em 
uma ligação que se estende para além de eventos e campanhas 
específicas.7 Para manter essa ação no tempo e conseguir os re-
cursos necessários à mobilização, não raro esses coletivos criam 
organizações. Portanto, podemos ter um evento de protesto sem 
que ele seja parte do repertório de um movimento social. E, da 
mesma forma, o movimento pode avançar em várias de suas pau-
tas sem promover mobilizações de protestos, como nas estraté-
gias de atuação por dentro do Estado (como o lobby e o ativismo 
institucional) ou nas atividades de formação junto à sua base. 
Essa distinção é relevante para nossa pesquisa porque permite 
esclarecer o uso que faço da expressão “protestos à direita”. Em 
5 Tilly, 2008, p. 35.
6 Diani, 2003, p. 301.
7 Idem, pp. 299-319.
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primeiro lugar, com essa expressão não estou pressupondo pre-
viamente a existência de um movimento social de direita. Para 
fazer essa afirmação seria necessário avançar muito mais na com-
preensão das conexões entre os vários grupos e indivíduos que 
assumiram protagonismo nessa conjuntura e as bases sociopolí-
ticas e culturais que lhes deram sustentação. Seria preciso iden-
tificar o quanto essas organizações e suas redes compartilham 
recursos materiais e simbólicos e (se) forjam compromissos sobre 
a base de projetos e identidades compartilhados, para além da 
campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Roussef. Tam-
bém seria importante analisar se a campanha pelo impeachment 
produziu mudanças no associativismo à direita e em qual direção, 
ou seja, se gerou novas organizações, lideranças, conexões entre 
atores, inovação no repertório etc. A hipótese aventada por Tilly 
é que uma campanha potencialmente provoca mudanças no con-
texto político, nas campanhas seguintes e nos próprios movimen-
tos, ao alterar a estrutura de oportunidades políticas, as conexões 
entre os atores e as performances confrontacionais.8 Essa é uma 
hipótese de pesquisa que poderia orientar novas investigações 
sobre o tema. Mas por ora não temos ainda evidências empíricas 
para avançar nesse ponto. 
Em segundo lugar, com essa expressão não estou afirmando 
que os participantes dos protestos sejam de direita ou conserva-
dores, ou seja, que se reconheçam mutuamente como pertencen-
tes a esse campo e troquem sobre as bases desse reconhecimento 
e os compromissos que implicam. Partir desse pressuposto seria 
ignorar as várias pesquisas de opinião realizadas com os partici-
pantes durante os protestos, as quais mostram uma grande hete-
rogeneidade e ambiguidade no que se refere ao seu alinhamento 
8 Tilly, 2008, pp. 88-115.
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no espectro político ou sua adesão a valores.9 O que podemos 
captar nas pesquisas de opinião, na análise documental e na ob-
servação dos protestos é uma indignação com a corrupção das 
instituições da democracia, seletivamente dirigida ao PT, con-
formando um antipetismo com forte apelo nas ruas. Mas pouco 
ainda sabemos sobre os componentes cognitivos, emocionais e 
morais que motivaram o engajamento dos participantes nas mo-
bilizações. Para avançar nesse ponto, as entrevistas em profundi-
dade e a etnografia política serão de grande importância, assim 
como o diálogo interdisciplinar, em particular no campo da so-
ciologia das emoções.
Portanto, quando me refiro aqui aos protestos à direita, eu o 
faço em um sentido estrito. Uso o termo para fazer referência a 
eventos coletivos e públicos que foram convocados por organi-
zações que se afirmam de direita e/ou conservadoras e que encon-
tram nessas redes as bases infraestruturais para o protesto. Sua 
localização à direita resulta, portanto, de uma posição relacio nal 
contra a esquerda, no âmbito estrito dessa metáfora espacial. 
As direitas (no plural) e a Análise dos 
Eventos de Protesto (AEP)
Os estudiosos de movimentos sociais temos nos dedicado a 
compreender os movimentos sociais de esquerda que são escolhi-
dos, no geral, a partir de nossa empatia com a causa que defen-
dem. Quando nos debruçamos na análise das direitas em movi-
mento tendemos a nos mostrar menos comprometidos a ex plicar 
e muito mais interessados em denunciar, “procurando financia-
mentos secretos de empresas e/ou partidos”, no geral negligen-
ciando os fundamentos morais que os participantes apresentam 
9 Apresentamos essa discussão no texto Tatagiba; Teixeira & Trindade, 2015. 
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para explicar suas ações.10 Essa é uma postura que bloqueia o 
acesso ao nosso objeto em sua complexidade e deveria ser evitada. 
Como exorta Jasper, precisamos aplicar nossas melhores ferra-
mentas conceituais e a sofisticação dos nossos métodos para nos 
aproximarmos desse objeto fugidio. 
São grandes os desafios metodológicos e éticos envolvidos no 
estudo das direitas em movimento, o que talvez explique a quase 
completa ausência de estudos sobre o tema.11 Um desafio adicio-
nal na pesquisa tem a ver com a dificuldade em definir o próprio 
objeto. Em um texto escrito em 1987 sobre as novas direitas em 
São Paulo, Flávio Pierucci alerta que para compreender as di-
reitas é preciso seguir suas constelações de sentido e se deter às 
suas cambiantes combinações práticas. Partindo da metáfora 
espacial, ele lembra que as variações não se reduzem à sua distri-
buição ao longo do continuum, da extremidade até o centro do 
eixo, com a extrema direita, a direita e o centro-direita. Há hete-
rogeneidade no interior de cada uma das vertentes. A árvore da 
direita é “uma árvore composta por diferentes raízes”. Nossa ta-
refa, define Pierucci, é compreender sua genealogia e as diferen-
tes concepções que abriga, por exemplo, a direita neoliberal, a 
direita conservadora, a direita das classes populares, a direita da 
elite empresarial paulista etc. Elas atuam em camadas sobrepos-
tas, que vão se desenrolando em ritmos diferentes ao longo do 
tempo e a partir de trincheiras variadas, que operam com relativa 
10 Jasper, 2016, pp. 94-95; Hochschield, 2016.
11 No ciclo recente, destaca-se a análise das novas direitas presente no livro Direita, volver!, 
organizado por Velasco e Cruz; Keysel & Codas, 2015; as pesquisas realizadas pelo grupo 
de pesquisa “Associativismo, Contestação e Engajamento”, da UFRGS, em Marcelo Kun-
rath Silva; Matheus Mazzilli Pereira & Camila Farias da Silva, 2016; e os estudos sobre 
as direitas e as redes sociais, desenvolvido no âmbito do Ressocie, grupo de pesquisa 
“Repensando as relações entre Estado e sociedade”, Ipol-UnB, sob coordenação de Marisa 
von Bulow, em Gobbi, 2016. 
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autonomia programática e organizativa.12 Compreender em que 
ponto se distanciam e por que motivos decidem coordenar sua 
ação é um dos temas centrais desta agenda. É justamente o reco-
nhecimento dessa heterogeneidade que me leva a usar o termo 
no plural, direitas. 
Enquanto ainda não somos capazes de explicar o fenômeno 
que temos diante dos nossos olhos, o caminho, sugere Pierucci, 
é inventariar as expressões empíricas do nosso objeto.13 Avançar no 
registro e no reconhecimento dessas camadas, desses atores e dis-
cursos, desses fragmentos de narrativa e de projetos que hoje dis-
putam a direção das mudanças. Ele fez isso a partir de 150 entre-
vistas com ativistas de campanhas malufistas e janistas para um 
mergulho no universo cultural da extrema direita. No meu caso, 
tenho tomado como unidade de observação os eventos de pro-
testo convocados pelas direitas, a partir da metodologia da Aná-
lise de Eventos de Protesto (AEP). 
A AEP é uma metodologia de pesquisa criada no interior do 
próprio campo de estudos de movimentos sociais, que permite 
identificar as relações entre as dinâmicas de mobilizações e o con-
texto político, captando a variação na ocorrência e nas caracte-
rísticas do protesto ao longo do tempo, da área geográfica e dos 
temas/movimentos.14 Por isso, tem sido usada principalmente 
para testar hipóteses e refinar argumentos relacionados à teoria 
do processo político,15 embora se adapte bem a diferentes con-
textos de pesquisa e às perguntas do pesquisador.
A AEP consiste na produção de um catálogo de eventos de 
pro testos, a partir da definição de um conjunto de variáveis vin- 
 
12 Pierucci, 1987.
13 Ibidem.
14 Para um balanço mais recente da AEP, ver Hutter, 2014.
15 Hutter, 2014, p. 336.
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culadas às perguntas da pesquisa. A base de dados mais comum 
são os jornais, embora mais recentemente outras fontes estejam 
sendo utilizadas, como os registros policiais e as informações dos 
meios de comunicação em rede.16 Uma das desvantagens do mé-
todo é o problema da seletividade das fontes. No caso dos jornais 
impressos, os estudos mostram que a cobertura varia em função 
do padrão editorial do jornal, do ator que convoca o protesto, do 
tamanho do protesto e sua capilaridade territorial, da natureza 
da reivindicação e do nível de dano envolvido.17 Mas, apesar dos 
problemas, é um método que apresenta vantagens em relação a 
ou tros, como, por exemplo, o estudo de caso. Parafraseando 
Koop mans,18 Hutter sugere que “é a pobreza de alternativas que 
torna os jornais tão atrativos” quando se trata de identificar pa-
drões de protesto em nível nacional, em um longo período de 
tempo e englobando todo tipo de tema,19 como é o caso de nossa 
pesquisa.
Neste artigo, utilizo a AEP para inventariar as novidades à 
direita, para captar as emergências, o que ainda não ganhou 
forma institucional, ou que ainda não se afirmou como projeto 
coeso, mas que já está orientando em sua forma difusa as disputas 
em torno da conformação da vontade coletiva. Para usar os ter-
mos de Alberto Melucci, trata-se de ouvir as vozes e ler os sinais 
daquilo que a ação coletiva anuncia não como projeto coeso e de 
direção clara, mas como campo de possibilidades da ação.20 Nesse 
sentido, associo-me a uma longa tradição de estudos sobre mo-
vimentos sociais no Brasil que buscou iluminar o momento em 
16 Idem, 2014.
17 Ibidem.
18 Koopmans, 1995, p. 235.
19 Hutter, 2014.
20 Melucci, 2001, p. 21.
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que novos personagens entravam em cena,21 e apreender as pe-
quenas transformações da experiência assim como as inovações 
institucionais que decorriam dessa aparição pública de novos 
su jeitos na ação e no discurso políticos. 
Por meio da análise de eventos de protestos busco identificar: 
i) os conflitos que estão mobilizando a cidadania; ii) fragmentos 
de discursos e narrativas sobre a vida em sociedade que ainda não 
se tornaram projetos políticos propriamente ditos; iii) redes de 
solidariedade social até então em latência que, por não terem 
ainda forma organizacional definida, tendem a escapar dos nos-
sos radares usuais; iv) estratégias de ação ainda não incorporadas 
em repertórios conhecidos e legitimados pelos grupos; v) atores 
políticos em formação ou em luta por reconhecimento. Muitas 
vezes pensamos os protestos como expressão de atores já conso-
lidados que fazem a ação política para buscar realizar os seus 
interesses, também já claramente definidos. No meu olhar sobre 
os protestos, busco compreender os eventos de ação direta nas 
ruas como um lugar no qual também indivíduos se reconhecem 
como coletividades, ou seja, os protestos como momentos de 
socialização política. 
A base empírica que subsidia minha discussão é o banco de 
dados sobre protestos que desenvolvo junto com Andrea Galvão 
(DCP-Unicamp) no âmbito do projeto de pesquisa, em curso, 
“Confronto político no Brasil, pós-redemocratização”.22 Coleta-
mos informações diárias sobre eventos de protestos em todo o 
território nacional, cobrindo todos os temas incluindo greves, de 
1989 em diante, tendo como fonte de informação o jornal Folha 
21 Sader, 1988.
22 A principal contribuição teórica do projeto é promover a aproximação entre a teoria do 
confronto políticoe a teoria marxista para a análise da ação coletiva contenciosa, um 
diálogo que já começa a apresentar frutos na literatura internacional (Barker; Cox; 
Krinsky & Gunvald, 2013; della Porta, 2015), mas que ainda é incipiente no Brasil. 
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de S.Paulo, a partir da plataforma Access.23 Para a discussão das 
direitas em movimento, faço um recorte no banco em termos 
temáticos e temporais. Vou analisar apenas os protestos à direita, 
entre 2011 e 2016.24 O recorte temporal que utilizo tem a ver com 
uma das hipóteses que sustentamos em nosso projeto coletivo, 
qual seja, de que, com o fim do governo Lula, em 2010, entramos 
em novo ciclo nas relações entre Estado e sociedade no Brasil, 
com profundos impactos sobre as práticas políticas contestató-
rias. O ápice do ciclo de mobilização no governo Dilma, junho 
de 2013, e seus desdobramentos em 2015/2016 têm a ver com 
essas mudanças anteriores que alteraram a configuração dos ato-
res e dos seus repertórios de luta.
As direitas em movimento (2011-2016)
A partir das informações coletadas em nosso banco de dados 
foi possível identificar entre janeiro de 2011 e dezembro de 2016 
um total de 143 protestos que – tendo em vista organizações que 
os convocaram, suas palavras de ordem, performances confronta-
cionais e/ou apoios recebidos – podem ser associados ao que 
aqui estamos caracterizando como protestos à direita.25 Como 
vemos na tabela abaixo, os protestos estiveram concentrados nos 
anos de 2015 e 2016, que correspondem ao auge da campanha 
pelo impeachment, mas já despontam com força em 2013, na cam-
23 Para montagem do banco de dados e treinamento da equipe de pesquisa contamos com 
a consultoria de nossa colega de departamento Andrea Freitas, a quem agradecemos a 
generosidade. A inserção dos dados ficou a cargo dos bolsistas de iniciação científica Ana 
Clara Rocha, Gleisson Beloti, Jeniffer Tavares, Larissa Melo e Leonardo da Silva, alunos 
de graduação em ciências sociais, aos quais agradeço o compromisso com o projeto. 
24 Para uma análise da emergência de protestos à direita antes desse período remeto a Tata-
giba; Trindade & Teixeira, 2015. 
25 Em Tatagiba (2018), trabalhei apenas com os protestos que tinham como demanda ques-
tões relacionadas ao funcionamento do governo e do regime político, do que resultou um 
universo de 110 protestos. 
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panha pela redução da tarifa do transporte público, confirmando 
a percepção segundo a qual as novas direitas fizeram sua aparição 
nas ruas no ciclo de mobilizações de 2013.26 
tabela 1: protestos à direita por ano (2011-2016)
Ano %
2011 6,3
2012 9,8
2013 18,2
2014 7,0
2015 28,7
2016 30,1
Fonte: Banco de Dados de Protestos no Brasil (Nepac/Cemarx).
gráfico 1: evolução mensal dos protestos à direita (2011-2016)
 
Fonte: Banco de Dados de Protestos no Brasil (Nepac/Cemarx).
Os protestos à direita representam 10,5% do total de protes-
tos realizados entre 2011 e 2016. Como não temos dados conso-
26 Godoi (2016) afirma, a partir de entrevistas realizadas com os integrantes do Movimento 
Brasil Livre (MBL), uma das principais organizações que convocaram os protestos pelo 
impeachment, que o grupo teria sido criado para intervir diretamente nas manifestações 
de 2013.
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lidados para o período anterior,27 não é possível avaliar a ten-
dência que esses números expressam, se aumento ou declínio, 
quando comparados, por exemplo, com os anos de 2003 e 2010. 
O que temos sugerido em outros trabalhos é que o antipetismo, 
substrato emocional dos protestos à direita, resulta de uma cons-
trução laboriosa realizada a partir de uma coalizão entre diferen-
tes forças políticas, por meio de um mesmo modus operandi inau-
gurado em 2005, no contexto do escândalo do “Mensalão do PT” 
(Tatagiba; Trindade & Teixeira, 2015; Tatagiba, 2018; Santos, 
2017). Volto a esse tema mais adiante. 
De qualquer forma, não é no número de eventos convocados 
que reside a expressão de força das direitas nas ruas, mas na na-
tureza massiva dos protestos. A campanha pelo impeachment se 
capilarizou pelo território nacional, com protestos sendo reali-
zados em todos os estados da Federação e mais o Distrito Federal, 
com número de participantes equivalente ou superior a ciclos 
de mobilizações anteriores como as Diretas Já e o Fora Collor. 
Por exemplo, o maior protesto pelo impeachment e pela prisão 
de Lula, realizado em 13 de março de 2016, levou três milhões de 
pessoas às ruas em todo o país. Na avenida Paulista, epicentro 
dos protestos, o Instituto Datafolha registrou a presença de 500 
mil pessoas, a maior mobilização já registrada na história da ci-
dade, segundo o Instituto. 
As cinco cidades que mais abrigaram protestos à direita fo-
ram, por ordem: São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Curitiba e 
Belo Horizonte. Destaque para a cidade de Curitiba, que não 
tem tradição em protestos de rua, mas se sobressai por ser a 
sede da Operação Lava Jato. Os dados acerca da capilaridade 
do protesto mostram que os protestos à direita se espalharam 
27 Nosso banco de dados de protesto abrange, como dissemos, de 2003 a 2017, mas até o 
momento os dados estão consolidados apenas para o período entre 2011 e 2016.
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por todos os estados brasileiros, em cidades de diferentes portes 
populacionais. 
As performances confrontacionais das direitas incluem o re-
pertório básico do movimento social moderno, com predomi-
nância de marchas ou manifestações, paralisação/bloqueio de 
vias e ocupação de espaço público. Mas a principal inovação das 
direitas foi o “panelaço” – ato de bater panelas em janelas ou 
sacadas dos edifícios, no geral acompanhado de xingamentos. O 
primeiro panelaço registrado em nosso banco é do dia 8/3/2015, 
durante pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff em ca-
deia nacional pelo Dia da Mulher. O panelaço ocorreu em 12 
capitais, sobretudo nos bairros de classes média e alta, e foi con-
vocado por redes sociais e por aplicativos de conversas via celu-
lar.28 No dia 5/5/2015, houve novo panelaço em dez estados e no 
Distrito Federal durante a veiculação do programa do PT em 
rede nacional com a participação do ex-presidente Lula. Os pa-
nelaços voltaram em 3/2/2016, durante pronunciamento da pre-
sidenta Dilma Rousseff na TV sobre o Zica Vírus, embora em 
menor intensidade.29 Em dezembro de 2016, já na presidência de 
Michael Temer, um novo panelaço é registrado em seis cidades 
contra um pacote aprovado na Câmara dos Deputados que di-
minuiria o poder dos juízes na Lava Jato.
Uma mensagem não assinada, difundida pelas redes e aplicativos, 
afirmava “vamos todos arrebentar as panelas de tanta indignação contra 
a aprovação absurda que criminaliza os juízes e o MP aprovada na sur-
dina na última madrugada #panelaçohoje20h30! Mandem para todos os 
seus contatos, grupos e redes sociais! #vetaTemer #STF”. Manifestantes 
gritavam também “Fora Temer”.30
28 Folha de S.Paulo, 9/3/2015, A4.
29 Idem, 4/2/2016, A8.
30 Idem, 1/12/2016, A6.
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Sobre as demandas, o nosso banco de dados mostra que 70% 
dos protestos tiveram como objetivo o combate à corrupção, 
o impeachment de Dilma Rousseff e manifestações contra o Par-
tido dos Trabalhadores e suas lideranças, em particular contra 
o presidente Lula. Nesse sentido é que afirmamos que o que mo-
veu predominantemente as direitas às ruas nesse período foi o 
antipetismo. Os demais temas, marginais em relação a esse polo 
central, giraram em torno da defesa dos valores da família – prin-
cipalmente contra políticas orientadas pela defesa dos direitos 
sexuais e reprodutivos –, da defesa da ditadura e do desagravo 
a generaismencionados pela Comissão da Verdade, criada em 
2012. Ou seja, as direitas foram às ruas para defender políticas 
relacionadas ao funcionamento do governo, majoritariamente, 
seguidas das questões relativas à moral e à ordem, ambas associa-
das a uma expectativa de fortalecimento da autoridade. A seguir, 
vamos buscar nos aproximar um pouco mais do conteúdo dessas 
demandas que as direitas se sentiram encorajadas a levar à luz do 
dia, as redes infraestruturais dos protestos e seus enquadramen-
tos simbólicos.
As demandas: Regime político e autoridade
A partir desse ponto vamos nos debruçar sobre as reivindica-
ções que as direitas apresentaram nas ruas. No nosso banco, a 
variável “objetivo do protesto” visa recuperar essa informação, a 
partir de duas colunas nas quais registramos até dois objetivos tal 
como relatados no jornal. Então, codificamos os objetivos em 39 
itens, os quais depois são recodificados em 11 entradas. Fazemos 
esse procedimento para todos os registros do banco. Essa forma 
de codificação nos permite trabalhar com a informação em vários 
níveis de agregação, podemos inclusive reagrupar os registros a 
depender das perguntas específicas que orientam a manipulação 
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dos dados. Para este texto, uma primeira análise do conteúdo dos 
protestos à direita mostrou que poderíamos reagrupar os regis-
tros em duas categorias amplas como núcleos discursivos e sim-
bólicos das direitas em movimento: regime político e autoridade.
Dois temas concentram a agenda das direitas nas ruas: as 
ques tões relacionadas ao funcionamento da democracia (regime 
político) e a defesa da autoridade. Até 2014, há equilíbrio na dis-
tribuição dos temas, o que se altera a partir de 2015 em função 
da campanha pelo impeachment, quando a questão da luta contra 
a corrupção do PT assume centralidade. Mais do que a expres-
são numérica, o que importa nesses dados é compreender o que 
está em jogo na conjuntura e quais as demandas que as direitas 
se sentem encorajadas a levar à luz do dia. Vejamos mais de perto 
o conteúdo das demandas, começando por abrir o eixo regime 
político. 
Regime político: CorruPTos
No que se refere ao enquadramento simbólico do conflito, o 
grande mote da campanha pelo impeachment foi a corrupção; 
mas foi o antipetismo – ou o ódio ao PT – que permitiu mobili-
zar as emoções para o protesto. 
Quando analisamos as reportagens dos protestos contra a 
corrupção em 2011 é possível perceber um cansaço geral em re-
lação à corrupção das instituições democráticas, associado a uma 
percepção de piora das condições de vida. Essa é uma pista que 
precisa ser mais bem trabalhada, mas a impressão é que em 2011 
havia um germe difuso de insatisfação no estilo “que se vayan 
todos”, como vivido pela Argentina no começo dos anos 2000, que 
no caso brasileiro foi sendo direcionado para uma saída à direita. 
Em 7/9/2011, Dia da Pátria, a Folha de S.Paulo registra o pri-
meiro protesto contra a corrupção, informando que ele foi con-
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vocado pela internet e que, apesar da alta adesão nas redes, levou 
poucas pessoas às ruas em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. 
Em Brasília, os manifestantes se declararam apartidários, usaram 
vassouras para limpar a rampa do Congresso Nacional e mi-
litantes com bandeiras do PSOL foram rechaçados. Em São 
Paulo, houve dois atos na avenida Paulista, um pela manhã, 
convocado pelo Movimento dos Caras-Pintadas, e outro à tarde, 
sem or ganização definida, no qual um aposentado de 77 anos, 
com a ajuda de skinheads, queimou uma bandeira do PT. Ex-
-funcionário da Varig, ele protestava pela demora do governo em 
achar uma saída para os aposentados da Companhia, que faliu.31 
As disputas pelo sentido político dos eventos já aparecem nas 
mídias so ciais, como nessa troca de mensagens entre o senador 
Álvaro Dias e o ator José de Abriu no twitter: “Ligado ao PT, 
Abreu disse que a ‘marcha está carimbada como de direita’. O 
senador respondeu que o movimento não era nem de esquerda, 
nem de direita, ‘só contra a roubalheira’”.32 Houve ainda três pro-
testos contra a corrupção em 2011, e nesses protestos demandas 
contra a corrupção da classe política apareciam misturadas com 
reivindicações de aumento salarial, melhores condições de tra-
balho, saúde e educação, e o alvo não era apenas o governo fe-
deral, mas deputados e governadores envolvidos em escândalos 
de corrupção. 
No feriado religioso de 12 de outubro de 2011, protesto com 
20 mil participantes em Brasília mereceu a capa da Folha de 
S.Paulo, trazendo uma foto, na qual se podia ler uma faixa com 
os dizeres: “País rico é país sem corrupção”, uma paráfrase do 
slogan do governo Lula “País rico é país sem miséria”, que ornou 
várias peças na campanha pelo impeachment em 2015 e 2016. 
31 Idem, 8/7/2011, A6.
32 Ibidem.
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Houve também protestos em São Paulo e em mais dez capitais. 
Segundo o jornal, apesar de pautas específicas, como mais inves-
timentos em saúde e educação, as bandeiras comuns foram o 
apoio à Lei da Ficha Limpa e o fim do voto secreto no Congresso 
Nacional.
Uma das reportagens destacava ainda o apoio da Igreja Cató-
lica aos protestos: “Igreja católica estimula fiéis a protestar contra 
a corrupção. Arcebispos de São Paulo e Aparecida criticam polí-
ticos e defendem manifestações”. Os alvos seriam as denúncias 
de venda de emendas parlamentares na Assembleia Legislativa 
de São Paulo, envolvendo a base do governador Geraldo Alck-
min, e os quatro ministros do governo de Dilma Rousseff afasta-
dos por suspeitas de corrupção.33, 34
Nos protestos dos anos seguintes, o desejo por um “faxina 
ética” ampla e irrestrita vai se deslocando para uma associação 
direta entre a luta contra a corrupção e o combate ao PT. Essa 
associação aparece no protesto realizado em 3/8/2012, durante 
o julgamento do Mensalão. Eram apenas dez pessoas e elas segu-
ravam uma cela no interior da qual apareciam, vestidos com rou-
pas de presidiários, cinco dos 38 réus do Mensalão, todos do PT, 
entre eles José Dirceu. O porta-voz do grupo era um metalúrgico 
que dizia protestar não só por causa da corrupção, mas porque o 
PT “não votava as questões importantes para os sindicalistas”; 
outro participante dizia protestar porque não conseguia se apo-
sentar como lavrador.35
Nos protestos de 2013, as reivindicações foram diversas, mas, 
após a repressão policial em 13 de junho, momento a partir do 
33 Folha de S.Paulo, 13/10/2011, A4.
34 No feriado do ano anterior, 2010, uma corrente da CNBB entregou panfletos aos fiéis em 
que defendia que não se votasse no PT por causa das polêmicas em torno da descrimina-
lização do aborto.
35 Folha de S.Paulo, 4/8/2012, A8.
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qual o protesto se massifica, o tema da corrupção vai assumindo 
centralidade36 e a hostilidade em relação às esquerdas se destaca 
na cobertura da imprensa. No dia 15 de junho, começou a Copa 
das Confederações e Dilma foi vaiada no estádio,37 apontando 
para uma nova fase dos protestos, em que expressões misóginas 
e o ódio ao PT viralizavam nas redes e nas ruas. A partir daquele 
ponto, a figura da presidenta Dilma Rousseff – seu corpo e seus 
discursos – assume, ao lado da bandeira do PT e da pessoa de 
Lula, a função de portador figurativo de significado,38 mobili-
zando as energias para o protesto.39 Mas foi a polarização gerada 
na campanha de 2014 que ofereceu os caminhos para que os sen-
timentos de ódio e ressentimento pudessem encontrar uma via 
de expressão política performada numa luta do bem contra o mal. 
No feriado da Proclamação da República, 15/11/2014, cerca de 
duas semanas depois da vitória de Dilma Rousseff no segundo 
turno, dez mil pessoas foram para a avenida Paulista pedir o im-peachment da presidenta.
A associação entre antipetismo e luta contra a corrupção ofe-
receu uma poderosa chave de leitura para os problemas brasilei-
ros e, ao mesmo tempo, a solução para esses problemas. O frame 
“Fora CorruPTos” sintetiza essa interpretação segundo a qual o 
36 No dia 20 de junho de 2013, o Datafolha apurou que mais de 50% dos manifestantes 
presentes aos protestos estavam lá contra a corrupção e apenas 32% pela redução da tarifa. 
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1299344-corrup-
cao-e-principal-motivacao-de-manifestantes-em-sp-diz-datafolha.shtml>.
37 Vale lembrar que a vaia também esteve presente na abertura dos Jogos Pan-Americanos 
de 2007, quando Lula foi apupado seis vezes e não fez a declaração habitual de abertura 
dos Jogos. A diferença é que naquela ocasião não se ouviram palavras de baixo calão di-
rigidas à pessoa do presidente.
38 Jasper, 2016, p. 72.
39 Como explica Jasper, por meio de portador figurativo de significado: “o significado cul-
tural passa da mera intelegibilidade (eu entendo as palavras ‘spray de pimenta’) à res-
sonância (fico nervoso quando percebo o efeito do spray de pimenta e vejo um policial 
equipado com ele caminhando em minha direção). Para que um significado ressoe, ele 
deve envolver nossos sentimentos e não apenas produzir uma definição de dicionário em 
nossa cabeça” ( Jasper, 2016, p. 72). 
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problema do Brasil é a corrupção, a causa da corrupção são os 
governos do PT e a superação do problema é o “Fora PT, Fora 
Lula, Fora Dilma”.
O antipetismo não se dirige apenas ao PT, mas às esquerdas 
de uma forma ampla. Ao atacar o principal partido de esquerda 
no Brasil, ele visa desacreditar a esquerda como detentora de um 
projeto legítimo e moderno de nação. 
As três principais organizações que concentraram a convo-
cação dos protestos foram o Movimento Brasil Livre (MBL), o 
Movimento Vem pra Rua e o Revoltados Online. São organiza-
ções sem lastro social, criadas naquela conjuntura para atuar na 
mobilização pelo impeachment.40 Nos bastidores, contudo, es-
tavam redes com recursos e capilaridade social, como a Fiesp, a 
Força Sindical, o Comando Nacional dos Transportes e o finan-
ciamento de partidos como o PMDB e o PSDB. 
A participação da Fiesp no impeachment se destacou nas ruas 
a partir de setembro 2015, com a campanha “Eu não vou pagar 
o pato”, que levou para a frente de sua sede na avenida Paulista 
um pato de 12 metros de altura que representava a luta contra o 
 aumento da carga tributária e pelo impeachment. No dia 29 de 
março de 2016, um pato de 20 metros foi inflado em frente ao 
Congresso Nacional ao lado de outros cinco mil patinhos. Sobre 
o uso do pato como símbolo da campanha, explica Paulo Skaf, 
dirigente da entidade: “O pato é aquele símbolo do bem para 
acabar com o mal. É uma figura alegre, simpática e que, de uma 
40 Para uma discussão dessas organizações remeto a Tatagiba; Trindade & Teixeira, 2015. 
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forma respeitosa, mostra uma indignação”.41 Além de tomar as 
ruas com bandeiras, adesivos e patos, a campanha foi também 
veiculada nos principais veículos de imprensa. A campanha su-
geria que não caberia aos cidadãos arcar com os custos decorren-
tes da corrupção. Ao lado das panelas e do Pixuleco, o “pato da 
Fiesp” virou um dos principais símbolos do impeachment. 
Outra rede importante para veiculação das mensagens anti-
petistas foi o movimento neopentecostal, que utilizou uma de 
suas principais estratégias de mobilização, a Marcha para Jesus, 
para atacar a corrupção e “defender o Brasil”. No dia 7/6/2014, 
acontecia em São Paulo a 22a Marcha para Jesus, com público 
total estimado pela PM em 250 mil manifestantes. O tema da 
Marcha foi “Conquistando para Cristo” e o objetivo era afirmar 
“o valor do patriotismo”. Os manifestantes usavam camisa verde-
-amarela, com o número 33, em referência à idade de Cristo. A 
estética do ato guarda grande semelhança visual com os protestos 
pelo impeachment, nos anos seguintes.
Já na 23a Marcha para Jesus, ocorrida em 4/6/2015 em São 
Paulo, no auge da campanha pelo impeachment, 340 mil partici-
pantes, segundo a PM, pediam “faxina ética” e “fim da cor rup-
ção”.42 A narrativa neopentecostal da guerra contra o mal se en-
caixava perfeitamente no espírito geral do antipetismo, con du-
zido na chave do choque moral.43
A defesa da autoridade: Quero meu país de volta
O segundo eixo temático em torno do qual ganham vida os 
protestos à direita é a defesa da autoridade, que concentra 30% 
41 Folha de S.Paulo, 30/6/2017, A6.
42 Idem, 5/6/2015, A5.
43 Jasper, 2016, pp. 124-127.
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do total dos protestos à direita. Os protestos em defesa da auto-
ridade se dividem em dois tipos: defesa da família (9 ocorrências) 
e defesa da ordem (14 ocorrências).
Os principais temas de conflito no subeixo defesa da família 
são a luta contra o aborto, a união civil entre pessoas do mesmo 
sexo e a descriminalização das drogas. Enquanto no eixo do Re-
gime, o MBL, o Vem pra Rua e o Revoltados Online respondem 
pela convocação, contando com os recursos infraestruturais ad-
vindos de suas ligações com setores da burguesia paulista; no 
su beixo defesa da família a centralidade está com as organizações 
religiosas, principalmente de origem neopentecostal, que cons-
tituem a principal base social dos protestos. O principal evento 
desse campo é a Marcha para Jesus, que acontece na cidade de 
São Paulo desde 1993. Como vimos, em 2014 e 2015 a Marcha 
assume como tema a luta contra a corrupção, mas ao longo do 
período seus temas remetem prioritariamente para a defesa da 
família. 
Em 23/6/2011, a 19a Marcha para Jesus atraiu um milhão de 
par ticipantes, segundo a PM, em protesto contra a decisão do 
STF que reconheceu a união estável entre casais homossexuais e 
permitiu manifestações em defesa da liberalização da maconha. 
Para a Folha de S.Paulo, o ato foi uma expressão evidente da força 
política da agremiação religiosa. Em 2013, a 21a Marcha atraiu 
500 mil manifestantes, segundo a PM, e voltou a atacar os direi tos 
dos homossexuais, com um ato de desagravo ao pastor e depu-
tado federal Marcos Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão 
de Direitos Humanos da Câmara Federal.44 O ato contou com 
a presença de figuras políticas de expressão nacional, como o go-
vernador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do ministro da Se-
44 Marcos Feliciano virou alvo de protestos pelo país após ter seu projeto da “cura gay” 
aprovado pelo colegiado da Câmara dos Deputados.
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cretaria Geral da Presidência, Gilberto de Carvalho, que, em 
nome da presidenta, saudava a liberdade religiosa no Brasil. Am-
bos participavam do ato pela primeira vez, mas apenas Alckmin 
recebeu orações dos líderes da Renascer em Cristo. A matéria 
informa ainda que havia cartazes com as mensagens: “Queremos 
os mensaleiros na cadeia” e “Procurando Lula”.45
Também em junho de 2013, católicos e evangélicos tomaram 
as ruas em defesa do Estatuto do Nascituro em discussão na Câ-
mara dos Deputados. O projeto dificultava a realização de abor-
tos legais e criava uma bolsa para as mulheres que decidissem 
seguir com a gravidez em caso de estupro. No dia 4/6/2013, a 
Igreja Católica levou seis mil participantes (segundo a PM) na 
Marcha Nacional pela Vida, em Brasília, na qual se lia a faixa 
“Brasil sem aborto”. Um dia depois, foi a vez de os evangélicos 
liderarem um público estimado em 40 mil pessoais, segundo a 
PM, contra o aborto e o casamento gay. Horas antes do protesto, 
o Estatuto do Nascituro era aprovado em comissão na Câmara 
dos Deputados.
O segundo subtema no eixo autoridade é a defesa da ordem. 
Os temas principais aqui foram a defesada ditadura e seus agen-
tes (com nove ocorrências), pela redução da maioridade penal, 
contra a descriminalização das drogas e contra greves e ocupa-
ções de escola.
As ações em defesa da ditadura causaram grande controvérsia, 
até mesmo entre os organizadores dos protestos à direita. O con-
texto que os trouxe à tona foi a instalação da Comissão Nacional 
da Verdade, em 16/5/2012. Esses protestos não tiveram número 
grande de participantes e foram concentrados em São Paulo, Bra-
sília e Rio de Janeiro, que abrigou o maior número de atos. Um 
evento repleto de simbolismo foi a II Marcha da Família com 
45 Folha de S.Paulo, 30/6/2013, A18.
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Deus pela Liberdade, realizada em 22/3/2014, que celebrou os 
50 anos do golpe militar, levando 700 pessoas às ruas (segundo a 
PM) em São Paulo e 150 no Rio Janeiro. Em 16/11/2016, já no 
contexto pós-impeachment, 50 manifestantes quebraram vidros 
e invadiram a Câmara dos Deputados em ato pró-intervenção 
militar no país e em defesa de Sérgio Moro e da Lava Jato. Uma 
das entrevistadas pela Folha, que se identificou como militante 
do Movimento Patriótico, disse estar ali para defender os poli-
ciais mortos em São Paulo e no Rio de Janeiro: “Pelo direito dos 
‘manos’ ficam soltando os bandidos”.46
Como dito, a defesa da ditadura foi um tema muito contro-
verso, levando ao rompimento as organizações que convocaram 
os protestos e também os militantes. Em todas as pesquisas de 
opinião realizadas entre os participantes dos protestos à direita 
era majoritária a opinião de que a democracia era sempre a me-
lhor forma de governo.47 Portanto, a defesa da ditadura deve ser 
lida no interior de um caldo de cultura mais amplo que tem a ver 
com a defesa da autoridade repressiva do Estado. Ao lado do va-
lor do igualitarismo, a defesa de um Estado forte capaz de manter 
a ordem e a segurança é uma das principais clivagens que permi-
tem distinguir direita e esquerda. 
A ação de militantes do MBL contra a ocupação estudantil 
em escolas e universidades, a campanha pela redução da maiori-
dade penal e pela criminalização das drogas são importantes evi-
dências nessa direção. Mais do que o retorno à ditadura, o que 
parece mover os participantes é a defesa de uma democracia con-
trolada, a partir da ampliação da capacidade repressiva do Es-
ta do. Nas campanhas pelo impeachment, essa adesão se traduziu 
em um fascínio pela demonstração do poderio militar, que resul-
46 Idem, 17/11/2016, A1 e A4.
47 Tatagiba; Trindade & Teixeira, 2015.
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tou em selfies com policiais militares, fotos de famílias ao lado de 
tanques blindados e aplausos à presença da polícia na proteção 
aos manifestantes pró-impeachment. A nomeação de Alexandre 
Moraes como ministro da Justiça no governo Temer e agora sua 
nomeação como ministro do STF expressam essa valorização da 
autoridade do Estado que tem se expressado concretamente em 
um aumento da repressão policial aos protestos, desde 2013, 
como vemos no gráfico que toma como referência todos os even-
tos registrados em nosso banco. 
A defesa da família e a defesa da ordem caminham de mãos 
da das e ambas requerem um Estado repressivo para manter ou 
re conduzir as pessoas e as coisas aos seus lugares. O frame “Que-
ro meu país de volta”, lançado no interior da campanha “Fome 
de mudança” da rede de restaurantes Habib’s em apoio aos pro-
testos pró-impeachment em março de 2015, sintetiza com per fei-
ção essa expectativa do retorno a um Brasil que teria sido per dido 
durante os governos do PT. Para avançar na compreensão dessa 
agenda regressiva que se expressa nas ruas, não apenas no Brasil 
mas em vários outros países de democracia consolidada que assis-
tem ao mesmo avanço da hegemonia das direitas no plano polí-
tico e cultural, precisamos investir muito mais na compreensão 
das razões da participação.
É preciso levar a sério o que as pessoas dizem quando se trata 
de justificar seu engajamento. Como afirma Hochschild, preci-
samos compreender as emoções que subjazem à política. Para 
tanto, será um desafio incontornável apreender a natureza cultu-
ral dos protestos, em suas dimensões cognitivas, emocionais e 
morais.48 Para além da adesão cognitiva aos projetos políticos, 
precisamos compreender o papel que emoções como a raiva, o 
 
48 Jasper, 2016.
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ressentimento, o orgulho, a indignação, o sentimento de injustiça 
e a frustração desempenham na disposição para o engajamento 
coletivo e nas formas que esse engajamento assume. O diálogo 
com a sociologia das emoções pode ser um bom ponto de par-
tida. Da mesma forma, podemos nos valer do conhecimento acu-
mulado pela antropologia nos estudos sobre a relação entre re-
ligião e política. Temos vários estudos sobre a importância das 
Co munidades Eclesiais de Base na construção de uma cultura e 
de um ativismo de esquerda no Brasil, mas ainda quase nada sa-
bemos sobre a relação entre o movimento neopentecostal e a 
re con figuração do ativismo à direita. 
Notas finais
Essa é uma pesquisa que dá seus primeiros passos e ainda há 
mui to trabalho pela frente para que possamos de fato com preen-
der a participação política das direitas em movimento e seus im-
pactos na trajetória da democracia brasileira. Precisamos seguir 
na direção de uma descrição densa dos processos de mobilização 
das direitas a partir de suas múltiplas trincheiras e a forma como 
coordenam suas ações no esforço de provocar as mudanças ou 
resistir a elas. 
Hoje há uma grande pressão pela explicação dos fatores que 
levaram à emergência e ao protagonismo das direitas nessa con-
juntura, assim como para a compreensão de suas implicações 
para o sistema político de uma forma mais ampla. No geral, essa 
pressão tem resultado em simplificações que se voltam muito mais 
a atacar o fenômeno do que a buscar compreendê-lo. Para enten-
der as direitas e sua influência nessa conjuntura, precisamos neste 
momento nos aproximarmos pelas vias indiretas às quais se refe-
ria Gabriel Cohn, combinando intuição, sutileza e um metódico 
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trabalho de descrição, a partir de uma criativa combinação de 
métodos de pesquisa e novos diálogos interdisciplinares. 
O campo disciplinar da ciência política pode oferecer pre-
ciosas ferramentas nessa direção ao associar o estudo das ins ti-
tuições políticas à compreensão dos processos instituintes que 
ocorrem na base da sociedade e a forma como a interação entre 
ambos afeta tanto os processos de democratização quanto os de 
desdemocratização.49 Da mesma forma, podemos nos valer do 
conhecimento acumulado pela antropologia nos estudos sobre 
a relação entre religião e política. Temos vários estudos sobre a 
importância das Comunidades Eclesiais de Base na construção 
de uma cultura e de um ativismo de esquerda no Brasil; mas, 
ainda quase nada sabemos sobre a relação entre o movimento 
neopentecostal e a reconfiguração do ativismo à direita. 
Encerro indicando uma questão que se abriu a partir dessa 
pesquisa e que irá orientar meus esforços subsequentes: por que 
motivo as direitas foram para as ruas? O que a teoria dos movi-
mentos sociais nos ensina é que os protestos são recursos dos sem 
poder. Obviamente, difícil imaginar que as direitas no Brasil se-
jam atores sem poder, com todo o acesso que têm ao Estado e 
seus recursos. 
Uma pista que buscarei perseguir nas pesquisas posteriores é 
que as direitas vão para as ruas porque agora não se trata só de 
vencer, mas de convencer. As direitas vão para as ruas porque 
precisam fazer a disputa por projetos, fazer a disputa cultural. 
Ou seja, é preciso construir um movimento social. Esse é o desa-
fio que talvez estejam mobilizando as direitas no período inves-
tigado. Ou seja, umavez obtido sucesso em sua campanha pela 
destituição da presidenta Dilma Rousseff, o desafio dos setores 
49 Tilly, 2013.
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que ofereceram a infraestrutura material e simbólica para o golpe 
talvez seja agora avançar da campanha ao movimento. 
As direitas estariam indo para as ruas para ampliar os alcances 
de suas redes para além dos seus nichos tradicionais e apresentar 
suas agendas para o conjunto da sociedade. Ir para as ruas pode 
ser importante para fortalecer a onda conservadora e permitir 
que ela arraste peixe novo, para além dos habitantes tradicio nais 
dos seus guetos. A direita no Brasil não tem uma casa partidá-
ria, não tem relevância acadêmica e não tem (até este momento) 
força no tecido social. Não conseguiu até este momento dialogar 
com a juventude, não tem música de protesto, e, até a construção 
da figura de Sérgio Moro, não possuía heróis. Mas, os setores à 
di reita no Brasil vivem um momento que oferece grandes opor-
tunidades para a mudança desse quadro. Já conquistaram o poder 
político e já estabelecerem um primeiro diálogo com as massas 
nas ruas. O resto parece depender em grande parte da capaci-
dade de rearticulação da esquerda e principalmente do seu diá-
logo com a nova geração de ativistas que despontou ao longo das 
gestões petistas. Para isso, a esquerda terá que politizar o tema 
da corrupção e sua relação com a democracia. Afinal, como vi-
mos, essa tem sido a veia principal na qual corre o sangue do 
antipetismo. 
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crise, alucinose e mentira: 
o anticomunismo do nada brasileiro
Tales Ab’Sáber
“Comunista bom é comunista morto. Dilma, Ma-
duro, Hugo, Fidel, Lula, lixo do mundo.”
“Army, Navy and Air Force. Please save us once 
again of communism.”
“Dilma Rousseff devia ter sido enforcada na Oban.”
“O PT segue o comunismo. O PT adora o diabo. 
O PT rouba, mente e quer fechar todas as igrejas 
porque não acredita em Deus.”
Cartazes de manifestação contra o governo 
I
Um momento extraordinário de revelação do Brasil, de um mo-
do muito íntimo de o país produzir a si próprio, nos foi dado 
pela con junção de um documento concreto com um importante 
filme nacional. Como não poderia deixar de ser, sobre momentos 
significativos de aprendizado de nós mesmos, é uma das obras 
fortes que a cultura crítica e exigente do Brasil remete de tempos 
em tempos à outra cultura brasileira – a prática, imediata, anti-
inte lectual, quando não basicamente autoritária – que deve nos 
servir de baliza, de referência para que não nos percamos no sen-
tido do que é o Brasil.
Em uma cena mínima do imenso Cabra marcado para morrer 
– como se sabe, um filme feito em dois tempos, entre 1964 e 
1984, por Eduardo Coutinho e seus companheiros de viagem –, 
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temos recuperado, pelo rico espaço de razões do filme, uma pe-
quena notícia de jornal publicada pelo Diário de Pernambuco a 
respeito dos acontecimentos e da intervenção do Exército nas 
filmagens realizadas pelos estudantes cariocas em conjunto com 
os camponeses locais na região do Engenho da Galileia, em 1964. 
O projeto original do filme era o de uma rara mistura entre ficção 
e documentário, concebido por uma vanguarda estética da época 
realmente engajada, em que os atores que viveram as violências 
das relações de trabalho no latifúndio nordestino, de uma his tó-
ria que levou ao assassinato de uma liderança camponesa, ence-
nariam suas próprias vidas como personagens em um filme que 
contaria a sua própria história. Tratava-se de mais uma das ex-
periências de modernidade cinematográfica e compromisso so-
cial diante do problema do trabalho, da miséria e do atraso no 
Nordeste brasileiro, que possivelmente viria a ser outra obra-
-prima de nosso cinema moderno nacional, o Cinema Novo do 
Brasil dos anos 1960. 
Enfim, uma ficção baseada em fatos da violência do latifúndio 
sobre os camponeses, filmada nos locais originais onde as ações 
se passaram, com os próprios atores sociais representando a si 
mesmos como personagens. Tudo orientado como ação política 
pela luta camponesa por direitos no campo, principalmente pela 
conquista de direitos trabalhistas. O projeto expressava com 
mui ta força o pacto, característico do tempo, dos jovens uni-
versitários de esquerdaorganizados para suas ações estéticas e 
políticas com a classe trabalhadora e a vida popular brasileira, no 
caso, do Nordeste agrário, que então podia contar com a solida-
riedade e com a razão técnica daquela fração nova da elite, que 
pensava o desenvolvimento dos direitos da vida popular como 
verdadeiro horizonte de desenvolvimento geral do país.
O filme dos anos 1980 recuperava a história e a vida dispersa 
de seus atores pelo golpe e pela ditadura civil/militar daquele 
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ano de 1964, e contava também a história do próprio empastela-
mento da filmagem original pelos militares pernambucanos, com 
as correlatas perseguições, prisões e fugas da equipe e com a pos-
terior recuperação, quase milagrosa, de parte do material filmado 
que havia sido apreendida. A intervenção na filmagem se deu 
poucos dias depois do infame dia 31 de março de 1964, que deu 
início a 20 anos de ditadura no Brasil. Acompanhamos toda a 
relação de Eduardo Coutinho e dos jovens da UNE que se apro-
ximaram do movimento político camponês por direitos traba-
lhistas e por reforma agrária no campo brasileiro, o trabalho de 
concepção do filme, a reconstituição de sua filmagem, com o uso 
excepcional das rigorosas imagens originais para reencenar o tra-
balho e a época, 20 anos depois. Nesse momento, ocorre o golpe, 
e a história da filmagem o registra na própria carne. Todo o tra-
balho social daquele pacto entre Sul e Norte, classe média e vida 
popular, estudantes e trabalhadores é simplesmente destruído 
pelo Exército brasileiro, em um gesto de força que é bem mais do 
que uma metáfora do destino do país, das imensas clivagens e das 
forças que de fato importariam a partir daí. Os estudantes preci-
sam fugir às pressas, as atividades políticas camponesas são pros-
cri tas. As lideranças populares são perseguidas, presas e tor tu-
radas e precisarão se exilar no próprio país, em uma atualização 
radical e desde baixo da famosa sentença de Sérgio Buarque de 
Holanda, que dizia respeito a nossa própria experiência cultural.
Então, com toda essa matéria prévia para que tenhamos per-
feitamente em mente o contexto, o sentido e o valor das ações 
históricas de todos aqueles sujeitos, os jovens estudantes, artistas 
e intelectuais de esquerda, a classe trabalhadora recentemente 
organizada no mundo rural brasileiro, o seu pacto produtivo 
de trabalho por um novo país, e também o Exército brasileiro 
agindo como cão de guarda, capitão do mato, das elites questio-
nadas da época, o filme nos dá notícia de como aquela história 
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singular, aquele pequeno evento, que se dava em um dos centros 
das ações que envolveram 1964, foi noticiada na cidade do Recife. 
E a notícia, tanto quanto o golpe e a ditadura brutal que se se-
guiria, era um verdadeiro escândalo de distorção, e poderíamos 
até mesmo dizer de assassinato, de qualquer nível de verdade pos-
sível sobre aquela história.
Segundo a pequena notícia, o Exército brasileiro havia desba-
ratado na região da Galileia um foco de treinamento de esquer-
distas internacionais – de fato, o Exército acreditava que se tra-
tava de uma milícia cubana. O núcleo guerrilheiro era fortemente 
ar mado, tinha sofisticado aparato técnico de propaganda para 
realização da lavagem cerebral dos camponeses locais e preparava 
uma série de assassinatos na região, com base no filme de propa-
ganda que era exibido, Marcados para morrer. Por fim, o treina-
mento era contínuo, acontecia dia e noite.
Afora o ridículo, o patético e o cômico da situação distorcida, 
da realidade explícita e extrema da mentira pública, ela era mais 
precisamente trágica e agônica, já que violenta ao extremo. Ao 
mesmo tempo que, vista à luz do filme, tal pulsão pela mentira 
era intensamente reveladora. Pessoas foram presas, foram tortu-
radas e foram mortas com base naquelas falsificações radicais, 
próprias da época, atos simbólicos torpes e comuns, bem articu-
lados à ditadura real, que jamais foram reparados, ou julgados. 
Era a real cultura da mentira de nosso fascismo nacional comum, 
que foi extremamente importante no jogo político que funda-
mentou o golpe de força à direita, e sua ditadura fundada nessas 
mesmas bases simbólicas. 
Das grandes violências históricas descritas, ou escritas, sobre 
momentos de terror do avanço autoritário brasileiro, a falsa no-
tícia documentada no filme de Coutinho que justificava a plena 
repressão sobre o movimento social no campo brasileiro tem ver-
dadeira correspondência com o momento de transe, de horror e 
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de grande mentira, descrito com tensão-limite no início de Me-
mórias do cárcere, quando o dedicado e democrático funcioná rio 
da educação pública de Alagoas, e autor do livro, Graciliano Ra-
mos, é preso por um tenente no início da ditadura Vargas, por ser 
comunista, quando, de fato, ele era preso por não ter con cedido 
vantagens pessoais indevidas à sobrinha do famigerado tenente. 
Essas são as violências extremas brasileiras, simbólicas e reais, 
tradicionalmente franqueadas ao espírito autoritário conserva-
dor do pior brasileiro. E nossa arte e pensamento, com trabalho- 
-limite e espírito de negatividade, realizaram esforços públicos 
significativos para deixar clara a natureza desse fundo não ultra-
passado da vida brasileira. 
A mínima notícia de jornal em estado de plena mentira de 
Cabra marcado para morrer é boa formação simbólica, material 
e objetiva, mesmo que comum, de algo de nossa vida pública e 
po lítica. Essa formação permite que julguemos modos de ser da 
nossa tradição do ódio e da violência desde cima, que, na vida 
bra sileira, durante muito tempo não pôde ser responsabilizada 
publicamente, julgada ou condenada. Do mesmo modo, fun-
dado narcisicamente no mesmo princípio de mentira liberada, 
pudemos ver hoje o honrado deputado Jair Bolsonaro dedicar 
o seu voto pelo impedimento da presidente Dilma Rousseff ao 
hon rado coronel Brilhante Ustra – um homem que a teria tor-
turado –, aquele que foi o único torturador do exército de tortu-
radores do Estado de terror de 1964 declarado como tal pela Jus-
tiça da democracia brasileira. Mas, segundo Bolsanaro, Ustra não 
foi um torturador – como as filmagens de Cabra marcado para 
morrer eram um foco de guerrilha cubana – e sim um homem 
bom. E o próprio Bolsonaro não é um fascista, mas um demo-
crata. E, como temos visto todos os dias, muitos no Brasil pen-
sam desse modo, em um movimento regressivo demente que só 
aumenta e que põe muita coisa em risco. 
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Esse movimento ainda funciona no pleno registro da mentira 
interessada, que confunde linguagem com força, que foi o da 
no tícia da guerrilha cubana na Galileia, de 1964. A má informa-
ção, a má-fé absoluta do episódio faziam parte necessária do sis-
tema do horror real, no qual o plano simbólico é reduzido ao 
plano da ação criminosa de um Estado real. Um Estado de terror 
e antissocial que se estabeleceu no Brasil em 1964, com base na-
quele tipo de ação desonesta e mentalidade, consentida e promo-
vida, que autenticava a repressão sem limites, falsa em seu pró-
prio fundamento.
Das muitas grandezas que Cabra marcado para morrer põe e 
revela sobre o Brasil, essa pequena passagem de montagem in-
telectual, da notícia plenamente mentirosa, da pura falsificação, 
da afirmação de uma guerra inexistente, de uma invasão cubana 
inexistente, com armas e treinamentos de guerrilhas inexisten-
tes, do Exército brasileiro, do jornal pernambucano e de seus 
do nos – estes sim, violentamente existentes – não é das menos 
importantes. Ela revela a contrapartida do Estado de terror, que 
também é sua fundamentação ideológica, presente no terror da 
falsificação da vida simbólica partilhada, advinda do desejo do 
poder,no limite do delírio. Foi esse tipo de movimento que o 
ditador Diáz, o vitorioso da crise política do Brasil alegórico de 
Terra em transe, nomeou em seu famoso discurso final sobre o 
país: “Aprenderão, pela força...”. 
Se a notícia era mentira em toda a linha e em todos os ter-
mos, ela era construção de imaginário e vida pública real, e era 
ver da deira como ação, na direção da redução da vida política ao 
novo estado de guerra. Redução de toda a tensão e do trabalho 
po lítico do outro, e dos múltiplos outros, que é o que caracteriza 
a democracia, ao estatuto de inimigo extremo e objetificado, 
pron to para ser exterminado, porque, segundo a própria ideo-
logia, ele visa ao nosso extermínio. E extermínio aqui é a palavra 
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adequada: a vida política se torna guerra real nessa mentalidade, 
apoiada na expansão simbólica sem controle de uma guerra fria 
mundial, o continente simbólico de onde se sonhava tal sacrifí-
cio primitivo. O inimigo está na posição do mal absoluto, o risco 
originário à própria civilização do poder, e por isso ele deve ser 
simplesmente extirpado, destruído, exterminado. Quando fala-
mos em fascismo diante de ações simbólicas como estas não es-
ta mos sendo condescendentes com os conceitos: Wilhelm Reich 
lembra, em seu livro sobre a psicologia do nazismo, que o modo 
de Hitler situar em Mein kampf politicamente o lugar dos judeus 
no processo civilizatório era exatamente este, o de um absoluto 
negativo que punha em risco toda a vida e o desenvolvimento da 
civilização positiva, ocidental, ariana, que tinha o seu ápice nele 
próprio.
A pequena notícia de jornal, do Diário de Pernambuco, é 
ple na mentira histórica. Mas é também plena ação política, po-
sitiva e de ódio. O plano da ação e da violência alcançou e mo-
du lou o plano do imaginário, da história e da linguagem. E é 
exa tamente isso, em um contexto tecnológico complexo, de gran-
des e fragmentários fluxos de informações circulando na veloci-
dade do pensamento pelo mundo, que habita a noção contem-
porânea, que ganhou o mundo, de pós-verdade. Esse tipo de 
objeto da cultura é sintoma de sua dimensão autoritária e per-
versa a um tempo, mas é ato de violência preciso de quem o 
opera, bem construído.
O que estou tentando sugerir é que todo ódio é também uma 
mentira. No Brasil de hoje, temos muitos cidadãos que fizeram 
política pesada baseada em suas visões do inferno. Eles viram no 
Bra sil a Venezuela, no PT um aparato estalinista, em Lula um 
pro toditador chefe de quadrilha, nas políticas sociais e culturais 
do governo de esquerda o prenúncio da revolução comunista de 
2015 no Brasil, nos tratados comerciais com a China, nos mé-
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
dicos cubanos do Programa Mais Médicos, bem como no recebi-
mento de meia dúzia de miseráveis haitianos pelo Brasil, uma 
evidente invasão do país pela China, por Cuba e pelo Haiti, de 
guer rilheiros que ocupariam o país para iniciar a revolução co-
mu nista de hoje. Muitos gritaram nas ruas, em pleno 2015 do 
fim do governo de Barack Obama, que pessoas como eu deviam 
ir para Cuba, que o PT cindiu o país e inventou a corrupção or-
ga nizada no Brasil. Em um nível ainda mais escandaloso, essas 
vozes também tomaram periódicos e jornalistas radicalmente 
par ciais, unilaterais e, sendo assim, positivamente antiéticos. Es-
tes são produtores de meios atos degradados e mais do que pa-
téticos daquele mesmo tipo de ação política da mentira, justi-
ficativa de violência real, da notícia do jornal pernambucano 
de 1964 a respeito da interrupção das filmagens de Cabra mar-
cado para morrer, uma obra-prima do cinema político de todos 
os tempos e lu gares. Todas essas ações da mentira tentaram colo-
car o PT no lugar de inimigo absoluto da civilização, o que o PT 
sim ples men te não é. Os problemas do PT, por mais sério que 
sejam, são exa tamente os mesmos problemas de nosso sistema 
político geral.
Esse é um mecanismo de violência que o Brasil cultivou, so bre 
o qual ele fundou a sua modernidade contemporânea e que cri-
ticou de modo insuficiente, superficial. A democracia con viveu 
com a suspensão da crítica a essa ordem de violências, fechando 
os olhos cuidadosamente à coisa. Permitiu o elogio e a proteção 
dos mecanismos de recusa e de distorção da realidade política de 
seu próprio tempo, por aquele tipo de homem e de produção sim-
bólica que visa à implementação da violência como política, e no 
discurso. Agora, ela colhe os frutos dessa reserva brasileira da 
mentira como ação política. A pulsão à mentira de hoje jus tifica 
a interrupção, com argumentos jurídicos frágeis, mas com uma 
ideologização feroz e espetacular à direita, de um governo eleito. 
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É a ordem da tradição autoritária brasileira se apresentando 
novamente no nosso novo mundo, da cidadania e do fascismo 
de consumo.
II 
É um consenso do campo político democrático e progressista 
brasileiro – aquele que poderíamos definir, em um grau zero de 
posicionamento, como comprometido ética e juridicamente com 
os direitos humanos universais – que nosso longo último período 
de exceção antidemocrático, o da grande ditadura civil-militar de 
1964-1984, não foi suficientemente nem corretamente elaborado. 
Em uma certa medida simbólica importante, aquele regime di-
tatorial não foi transformado em linguagem, lei e psiquismo, no 
processo público de construção da democracia brasileira recente. 
A história concreta de nosso trabalho social, psíquico e ético, de 
nossa saída da ditadura, o período contemporâneo co nhecido 
como redemocratização, não implicou uma profunda e verdadeira 
democratização das mentalidades e do fundo autoritário brasi-
leiro, uma entidade nacional que tem profundidade histórica de 
longa duração. 
A norma do barramento da memória que pudesse fazer efeito 
público legal, e a suspensão de uma justiça de transição legítima 
o suficiente, pela Lei da Anistia de 1979, para muitos uma lei 
extorquida pelo campo autoritário com o interesse estrito de im-
pedir a punição dos homens de Estado envolvidos em assassi-
natos, desaparecimentos e torturas de brasileiros, foi plenamente 
vitoriosa no desenho e no controle do processo jurídico da tran-
sição democrática a respeito das grandes violências ditatoriais. E 
essa situação concreta excêntrica, do impedimento do direito da 
democracia de julgar a ditadura, pelo direito mais forte da dita-
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dura de tutelar a democracia, mais uma vez, como é comum no 
caso brasileiro, está em nítido desacordo com os tratados inter-
nacionais a respeito da justiça das transições democráticas, que 
o Brasil também assina.
Deste modo, diante da norma universal ocidental, algo ainda 
se passava no país de modo análogo ao tempo da origem em que 
o Brasil, pressionado pela Inglaterra, havia proibido o tráfico de 
escravos desde 1830, porém continuava a praticá-lo, bem como a 
conceber a própria sociedade como escravista, tornando-se uma 
espécie de nação pirata diante do direito internacional da época, 
diante dos termos da modernidade do século XIX, já regulada 
por contratos entre as classes – e, assim, legitimando o bombar-
deio pelas canhoneiras inglesas de navios negreiros brasileiros, 
na própria costa do Brasil... Do mesmo modo, no tardar da hora 
histórica do fim do segundo mandato do presidente Lula, já em 
2010/2011, passados seis mandatos presidenciais sob o signo da 
redemocratização, o Brasil foi finalmente condenado, em um pro-
cesso movido pelas famílias de assassinados e desaparecidos pelo 
Estado ditatorial, na Corte Interamericana de Direitos Humanos 
da OEA, a restabelecer algum processo de justiça de transição, até 
então barrado pela Lei de Anistia impingida, não realizado de 
modo a corresponder ao direitointernacional. 
Passados 26 anos do fim da ditadura civil militar de 1964, por 
influxo externo, e mais uma vez correndo o risco de se tornar um 
país pária do direito internacional que também professava, o 
Brasil foi finalmente obrigado a instalar a sua relativamente tí-
mida Comissão Nacional da Verdade sobre a sua ditadura. Uma 
obrigação internacional de direito interno, que, ainda uma vez, 
promoveu a mobilização radical de vozes locais plenamente a 
favor do não julgamento das violências imprescritíveis realizadas 
na última ditadura – íntima – brasileira. 
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Se o problema se esgotasse nesse ponto tudo seria muito ruim, 
mas, ainda assim, também uma solução tardia. Mas, de fato, nada 
para aí. Como se sabe, a sustentação de uma política corrente e 
cotidiana contra os direitos humanos no Brasil é uma vexatória, 
para não dizer bárbara, constante pública entre nós. Ela se ori-
gina, em um nível histórico imediato, exatamente na necessidade 
de legitimar e proteger a ação criminosa de agentes públicos – 
militares, policiais, burocratas – sustentados por dinheiro em-
pre sarial civil, da ditadura de 1964-1984. E, em horizonte mais 
distante, mas talvez mais importante, o ativo anti-humanismo 
brasileiro se enraíza na longuíssima tradição de concentração 
ex trema de poder, antipopular, dos 300 anos coloniais de escra-
vidão e do século original do Império escravocrata do Brasil. 
Escravidão significa uma massa social de trabalhadores for-
çados, sem direito pessoal algum, e uma casta senhorial com di-
reito ao sadismo franqueado sobre o corpo do escravo, sua pro-
prie dade. Um mundo escravista é, de fato, o real negativo de 
qual quer possibilidade de existência de direitos humanos. E, hoje, 
como é possível constatar todos os dias, políticos de direita, ra-
dialistas, pastores, e programas de tevê diários, revistas, e uma 
parte significativa da opinião pública em uma verdadeira “tem-
pestade” na internet, entre pobres, classe média e ricos, enunciam 
cotidianamente, felizes em seu direito à posição de violência, que 
não deve haver direitos humanos para bandidos no Brasil, quando, 
como se sabe, a lei internacional é aquela que precisamente 
ga rante aos bandidos o direito universal. O arcaísmo satisfeito, 
contemporâneo, da posição irracional é nítido, positivo na sua 
con descendência com o novo terror.
Por isso, e pela falência interessada do Estado nesta matéria 
– compreensível, sendo assim as coisas do direito social ao sa-
dismo da nação –, no relatório de janeiro de 2015 da Human 
Rigths Watch, ficamos sabendo, mais uma vez, que o Brasil con-
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vive com abusos crônicos como tortura, execuções extrajudiciais, 
im punidade de crimes cometidos durante a ditadura e más con-
dições de seus presídios. Além do novo destaque, da espetacular e 
crescente ação de extermínio da polícia, por exemplo, em São 
Paulo e no Rio de Janeiro: “O número de pessoas mortas em 
decorrência de intervenções policiais nesses estados aumentou 
drasticamente em 2014 (40% no RJ e mais de 90% em SP)”.1
Essa recusa pública consumada em aceitar a regra democrática 
universal, que atravessa campos interessados da política, da mí-
dia de massas e da polícia no Brasil, é uma forma, um princípio 
po lítico reiterado, de franquear o espaço público à tradicional 
posição autoritária brasileira e de insistir nela. Ela tem corres-
pondência com uma outra posição, também limite e de recusa, 
irracional, mobilizada como corpo, como grupo e como voz nas 
manifestações sucessivas de 2015 pelo impeachment da presidente 
Dilma Rousseff. 
Do mesmo modo que a recusa em aceitar a regra ocidental 
mundial, já tradicional, da Declaração Universal dos Direitos 
Humanos da ONU de 1948, cria uma distorção, para a satisfação 
de alguns, do lugar do Brasil no mundo, produzindo realidade 
pública de pensamento político e social exterior ao que é universal 
– distorção particular que, lembrando uma noção do psica nalista 
Wilfred Bion, podemos chamar de alucinose –, um dos discursos 
fortes que exigem o impedimento da presidente funciona de 
modo análogo a essa poderosa formação psicopolítica brasileira. 
Esse discurso particular, muito acentuado nas manifestações 
das ruas, de que o governo petista é comunista, estalinista, de que 
os petistas, além de ladrões consumados – “petralhas” diz o mau 
jornalista animador deste público – e um câncer no Brasil, trans-
1 “Direitos humanos: Relatório de ONG critica mortes pela polícia e prisões medievais”. 
BBC Brasil, jan. 2015. 
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formaram o Brasil na Venezuela, é a consumação algo delirante, 
a realização simbólica plena atual, da tradicional posição auto-
ritária à direita brasileira. Diante das distâncias impressionan tes 
dessas enunciações de alguma realidade das coisas políticas brasi-
leiras, torna-se muito claro o que Bion quis dizer com o nome 
psi canalítico de alucinose: uma distorção efetiva da capacidade 
de pensar fundada na necessidade de saturar a realidade com de-
sejos que não suportam frustração, bem como no impacto cor-
rosivo dos mecanismos psíquicos ligados ao ódio sobre o próprio 
pensamento.
É quase degradante, indigno do que importa, termos que pro-
duzir uma medida para a grave distorção, muito interessada, que 
esse discurso, aproximado da violência, significa no espaço pú-
blico brasileiro. Mas chegamos a esse nível das coisas, no grande 
processo atual de regressão democrática, do qual, sem dúvida, a 
política ampla do PT para o Brasil também faz parte. Assim, tor-
nou-se necessário lembrarmos simplesmente o óbvio: dife ren-
temente da Venezuela, no Brasil a Presidência da República está 
limitada a uma reeleição; a Justiça, o Ministério Público e a Po-
lícia Federal são autônomos e ativos – importantes membros 
do partido do governo, e do governo, foram condenados; a im-
prensa é independente e o grande capital nacional sempre esteve 
bem representado no governo. Além disso, o governo petista foi 
aquele que dinamizou o capitalismo de mercado interno brasileiro 
durante os anos de 2004 a 2010, em um nível de atividade e inte-
gração social, via aumento de empregos formais, até então inéd-
ito no país. E, por fim, o governo petista paga as contas políticas 
da sua aliança, corrupta, com um setor arquitradicional do capi-
tal nacional, as imensas empreiteiras que controlavam o Estado 
para seus interesses, ao menos desde a criação de Brasília, e não 
para o interesse de alguma das ações de socialização levadas a 
cabo. Neste processo, brasileiro, do populismo de mercado lulo-
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petista, não há traço de comparação político-institucional pos-
sível com a Venezuela chavista. 
Mas relembrar esses dados históricos concretos nada significa 
para aqueles que, ao ouvi-los, devem gritar que o lugar deste 
autor é em Cuba – quando os EUA retomam relações com Cu-
ba... – se não começarem a expressar o pensamento como passa-
gem ao ato, de bater nas panelas para calar o adversário na lingua-
gem – em uma metáfora muito concreta, já no limite da ação 
física, do desejo evidente de bater, usar a força e calar.
De fato, o processo da regressão política, da alucinose, de 
grande parte daqueles que ocuparam as ruas brasileiras contra o 
governo petista é verdadeiramente espetacular. Ele soube ligar a 
tradição de longa duração do anti-humanismo antidemocrático 
autoritário brasileiro, com a nova organização midiática de even-
tos, massivos, e com a ambiguidade satisfeita da grande mídia 
nacional diante das mazelas reais do quarto governo petista. Os 
pontos políticos reais – a crise econômica, que tem vínculo com 
o desaquecimento da economia mundial, e o grave sistema de 
corrupção que, condescendente com o modo tradicional de fazerpolítica no Brasil, corroeu o governo petista e seu capital simbó-
lico político – já seriam suficientes para uma crítica severa ao 
governo. No entanto, essa oposição necessita de mais: necessita 
de argumentos falsos, do desejo de projetar sobre o governo um 
objeto interno mal, o comunismo inexistente. Essa duplicação 
imaginária do mal do governo, os comunistas inexistentes, tem 
a função psíquica de liberar velhas fantasias autoritárias brasi-
leiras, pois, sendo o governo comunista, ele deve ser tratado como 
um comunista, no código de doutrina de guerra da velha Guerra 
Fria – já liquidada no mundo –, ou seja, anulado e destruído. Por 
isso, por uma verdadeira política do direito ao ódio, e sua ação 
como política, o comunista é o objeto fetiche negativo do antico-
munista, e do antipetista atual, assim como o escravo era o objeto 
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fetiche do senhor de escravo, e o judeu, o do nazista. Ele é a vítima 
fixada, cuja culpa está dada por ser ela própria, para o pleno di-
reito da ação política do ódio.
Tudo pareceria apenas farsa, se a força política de tais me-
canis mos subjetivos, ancorados na política do direito ao ódio, e 
do ódio como política, não mantivesse intocada, como uma re-
serva histórica possível, a longuíssima tradição autoritária bra-
sileira, aquela mesma que, na saída de nossa última ditadura, 
não foi pu blicamente criticada nem elaborada. A farsa, de uma 
guerra fria particular antipetista, dos anticomunistas do nada 
atuais, produtora de alucinose no lugar de pensamento, organizada 
em re cusa da história e em fetichização do seu objeto mal, que 
permite, no limite, a ação violenta, restritiva dos sentidos, quer 
tor nar-se tragédia, dissolver os parâmetros da política democrá-
tica, produzindo um novo estado de transe brasileiro. De fato, 
alimentando políticos de direita na sua prática de forjar provas 
para o impedi mento da presidente, ilegítimos porque denun-
ciados no mesmo esquema de corrupção que abalava o governo, 
a nova farsa subjetiva do homem autoritário brasileiro, antico-
mu nista do nada, foi força de produção do transe contempo râ-
neo, a dissolu ção dos limites e da ordenação entre os diversos 
poderes em jogo. 
Como se tornou um consenso agora, a crise política, e seu grau 
de alucinose irracional, aprofundou seriamente a crise eco nô-
mica. Mas, como funciona o psiquismo parcial do anticomu-
nista do nada, a culpa de tudo será sempre do inimigo, aquele 
que deve ser vencido em uma guerra de liquidação total, a comu-
nista presidente Dilma Rousseff, que transformou o Brasil na Ve-
nezuela. Ele próprio, em um último mecanismo desse psiquismo, 
um tipo de self fascista, está sempre desobrigado a reconhecer as 
próprias responsabilidades, e os resultados das próprias ações – 
precisamente como a Lei de Anistia brasileira tornou prerroga-
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tiva – no processo violento, destrutivo e irracional que, de fato, 
protagoniza. 
III
A grande crise política que abalou o Brasil durante todo o ano 
de 2015, que culminou com a abertura de um processo de im-
pedimento da presidente da Republica no Congresso e que de-
terminou a forte instabilidade em ritmo de gincana destrutiva, 
no limite das instituições, dos primeiros meses do ano de 2016, 
tem na dinâmica psíquica real da construção da ideologia, em um 
momento radical, uma de suas principais matrizes e fonte. 
Determinada por múltiplos fatores – desde uma crise interna-
cional de redução dos fluxos econômicos globais que envolvem 
o Brasil, uma crise de legitimidade do sistema político e seu vín-
culo com o grande dinheiro, o esgarçamento das práticas polí ti-
cas do presidencialismo de coalizão com os 32 partidos exis tentes, 
o verdadeiro estado de corrupção daí resultante acumulado em 
camadas sucessivas durante todo o período da democra ti zação 
brasileira, um Legislativo reinvestido em 2014 para mais fortes 
dinâmicas conservadoras, desconhecidas dos governos petistas, 
um fundo de exigências sociais reativadas desde 2013, tanto à 
esquerda quanto à direita, e a entrada em cena tardia de uma am-
bígua judicialização da política, com nível de interven ção no 
poder desconhecido no Brasil, e imenso impacto sobre o sentido 
do que é o PT –, também é possível sustentar que entre as prin-
cipais características dessa crise estão o isolamento e o re for ça-
mento de um sistema de ideias parciais, a ponto de se tornarem 
in teiramente subjetivas, mas que se cristalizaram como o núcleo 
simbólico capaz de produzir força social e energia po lítica, a agre-
gação de um grupo ligado por essas ideias, própria do tempo. 
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Dentre as muitas novidades negativas de todo o processo da 
crise da política e do sistema da política no Brasil, uma das mais 
impressionantes foi a ordem de poder mobilizada pelo excên trico 
sistema de ideias, que em grande medida não tem correspondên-
cia com realidades históricas que possam ser checadas, mas que 
impôs a sua força ao todo através de práticas políticas concretas, 
da real tomada do espaço público por novas massas apaixonadas 
à direita, que festejavam seu movimento como única face da 
democracia no Brasil. De fato, desde 1964, e não por acaso, não 
se via um forte movimento social à direita no Brasil. Estudar as 
camadas de ideias e o modo de mobilizar energia política desse 
sistema social é necessário para o entendimento do grau de de-
senvolvimento, ou regressão, bem como do grau da técnica, como 
dizia Adorno, da vida política existente entre nós hoje. 
A produção de força política, e de paixão política, através do 
investimento de um sistema simbólico autônomo, algo abstrato, 
e operativo de práticas produtoras de poder é um problema sig-
nificativo do movimento da política na modernidade. Hegel, 
por exemplo, já denunciava a abstração distante das mediações 
reais, produtoras de política efetiva, do idealismo romântico de 
um Rousseau, e seu potencial regressivo, virtualmente apolítico. 
Marx recusava todo sistema de ideias à esquerda que tentasse se 
isolar da natureza totalitária da economia política capitalista, do 
todo do capitalismo industrial em expansão universal de seu 
tempo. No entanto, comunistas por um lado e, principalmente, 
fascistas por outro trabalharam com momentos abstratos e alta-
mente subjetivos, elegendo valores de culto para operar e intervir 
na vida política, buscando transformar ideário em força, abstra-
ção em prática, sistema de linguagem e símbolos em luta pelo 
poder, uma luta que constitui o seu lugar real, o lugar real das 
ideias, na estrutura de forças envolvidas nos embates entre as 
classes sociais modernas. A insistência de nosso atual grupo so-
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cial à direita em uma realidade política dos símbolos – “a ban-
deira brasileira jamais será vermelha”, aqui não é a Venezuela, o 
culto ao pato da Fiesp, o Lula pixuleco – não é casual.
No clássico do cinema político Danton, de Andrej Wajda, 
po demos observar a ação do herói burguês da Revolução Fran-
cesa para transformar a sua derrota, e o seu assassinato pelo Es-
tado jacobino que tentava se constituir, no texto político inves-
tido, que deve ligar-se socialmente à força da classe, e que deve 
chegar a derrotar aquele próprio Estado adversário. Empenhando 
sua condenação à morte como exemplo da verdade do inimigo, 
tirando daí a máxima contradição social das forças então pre-
dominantes, operando e convocando o poder através de um dis-
curso extraordinário, Danton constitui a energia política do que 
deve animar os textos futuros e a ação da própria classe, levando 
à deslegitimação total do inimigo, e, no tempo propício, ven-
cendo-o. O movimento real é o da disputa concreta entre as clas-
ses, e sua estabilização em uma posição histórica. Masa obra nos 
mostra como a produção da ideologia, e seus misteriosos rituais 
de linguagem, é ação política forte e positiva, na qual aquela luta 
se representa e se atualiza. No filme, em sua forma, discurso e 
sacrifício, uma figura política muito antiga, nos limites do campo 
mais profundo do teológico político, são articulados para pro-
duzir as forças de ideais que levarão a vitória do herói burguês, 
morto, mas vivo politicamente enquanto morto, incorporado in-
conscientemente como estrutura simbólica da própria realidade 
política burguesa, que se tornará hegemônica. Trata-se de um 
grande e rigoroso exercício de entendimento das origens e da 
pro dução da energia política, que pode ser encarnada sobre um 
sistema de ideias, que sustentam os destinos possíveis e as balizas, 
os campos de possibilidade, dos embates e das soluções tensas da 
vida existente entre as classes.
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Mas, em nosso caso brasileiro recente, o modelo político pen-
sado pelo cinema produtor de política é bem outro. Embora 
parte dos manifestantes realmente se imaginem como Dantons 
hiper-liberais, que estão em sua própria cruzada para liberar o 
capitalismo brasileiro dos criminosos jacobinos locais, os pro je-
ta dos marxistas imaginários petistas, eles são, de fato, também 
uma verdadeira contrafação dessa imagem. Nosso principal mo-
delo ideológico de fundo, contra a consciência da fração mo der-
na do movimento da nova direita, diz respeito à repetição do 
pas sado não elaborado do terror antisocial brasileiro, sempre pre-
servado em nosso pacto histórico rigoroso de modernização con-
servadora, acelerada. Um passado que resiste a passar, com suas 
cisões e compromisso sociais muito próprios, que ainda move o 
desejo em plena pós-modernidade negativa, a do impasse do sis-
tema da globalização financeira mundial, como grande fantas-
magoria de parte importante de nossa classe média e pequena 
burguesia. Como sustentei anteriormente, o ataque sistemático 
e triunfalista, que tira energia da própria atrocidade, desse campo 
social brasileiro ao compromisso moderno real com os direitos 
humanos, por exemplo, é um índice aberto em praça pública da 
insistência no especial arcaísmo sociopolítico de tipo brasileiro. 
Nosso modo de produzir energia para um sistema de ideias 
muito parcial tem o lastro das tradições autoritárias e da fantasia 
de restauração, mais própria de todo fascismo – o “ur-fascismo” 
de Umberto Eco, recentemente recordado – e afirma ideário fi-
xado, mesmo que ultrapassado, para intervir em uma vida social 
contemporânea que se tornou tensa e incompreensível em seus 
próprios termos. Em uma direção muito diferente do cinema mo-
derno de Wajda, nosso modelo de produção de ideologia é o do 
cinema protofascista de O nascimento de uma nação, de D. W. 
Grifith, marco conservador estabelecido na origem do cinema 
nar rativo, em que a derrota política de grupos ainda socialmente 
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dominantes libera a ação de força direta e a insistência fetichista 
no mundo simbólico que ficou para trás, mas não ficou, e que, 
pre cisamente por essa cisão sempre operante, tal desejo se de-
forma em pensamento mágico e obsessivo de seita, daquilo que, 
mesmo no limite da guerra ou do banditismo, já não é mais pas-
sível de ser restaurado. É o passado imaginado, de violências con-
sentidas e de gozo mais antigo de um certo público político, que 
evolui apenas em superfície – como a própria imagem contem-
porânea da mercadoria –, o senhorio imaginário brasileiro, que 
move, ainda mais uma vez, esse sistema de produção de ideias, e 
sua energia política. E, como se sabe, essa é uma das argumen-
tações de fundo do nosso próprio clássico moderno do cinema 
político, experimental e altamente informado, cujo significante 
mestre, não por acaso, esteve, mais uma vez, de volta neste nosso 
tempo de irracionalidades políticas carregadas de energia social, 
o extraordinário mapa em profundidade histórica do Brasil au-
toritário, arcaico modernizante, que foi Terra em transe, de Glau-
ber Rocha.
Nesse modo de criar pensamento, a própria superação his-
tórica reforça o investimento no ódio e no sistema parcial de 
ideias e valores, o passado, que assim não passa, e assim persiste 
e insiste. Há muito de lógica psicanalítica nesse modo de produ-
zir uma espécie de pensamento, que também é uma espécie de 
sintoma. Essa energia da ideologia retornante de um tempo per-
dido, mas que está fixada no plano das subjetividades e seu grupo 
social fundado em ilusões partilhadas, nada tem a ver com a luta 
por novos paradigmas políticos e o novo tipo de senhorio mo-
derno, de um Danton tropical por exemplo, e de sua classe indus-
triosa em ascensão. Ela tem a ver com a restauração do mito per-
dido de um tempo melhor, em que o sofrimento social pessoal 
era bem compensado por ligações sociais mágicas e protetoras, 
no registro das pulsões básicas de garantia da vida, no caso brasi-
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leiro, o da agregação ao senhorio originário, de concentração total 
de poder fundada sobre o trabalho escravo daquele que viria a ser 
um dia o povo brasileiro, mas que de fato era originalmente a 
escravaria. Daí, no limite da gama ideológica do movimento con-
servador de hoje, ainda se poder ouvir, com a máxima desfaçatez 
e a maior mentira sobre todo o processo histórico brasileiro, pe-
didos clamorosos e patéticos de intervenção militar restauradora 
no Brasil – uma posição que, aliás, produziu grande força para o 
movimento geral, que os liberais brasileiros dispostos a tudo para 
derrubar um governo eleito usam, mas negam, porque negam a 
si próprios, enquanto agiram em um passado recente exatamente 
nesses termos, em 1964, e por isso ainda os recebem. 
Há continuidade, e um momento de descontinuidade, entre 
a força extremada da repetição, da paixão política dos atuais pro-
tofascistas brasileiros, e o anticomunismo farsesco, que forja uma 
Venezuela chavista projetada no Brasil lulista, dos atuais liberais 
do nada – ou do alheio, como dizia Machado de Assis – brasilei-
ros. Mais uma vez, a luz de nossa hipermodernidade deságua sa-
tisfeita nas trevas dos modos sociais bárbaros próprios de nossa 
origem incivil original, e assim se produz boa parte da economia 
política de ornitorrinco da nação.
Na crise brasileira de muitas dimensões se revelaram com cla-
reza aspectos internos da formação do discurso ideológico à di-
reita, que tem movimentos bastante precisos para a sua própria 
fixação. Marcados pelo horizonte de repetição mais profundo do 
Brasil meio arcaico, meio disposto a qualquer modernização que 
reponha ordens de poder desejadas, os textos bárbaros sobre o 
presente brasileiro que fizeram história estavam modulados por 
cuidadosa determinação de fantasias ideológicas, que garantiam 
seus limites e sua integridade diante da própria falsificação, bem 
como agenciavam socialmente o seu próprio gozo. Pelo menos 
três movimentos, de recusa e de agregação de um conjunto sele-
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cionado especial de significantes, constituíram o desenho da 
ideo logia grosseira, mas ativa, que também foi ativada na força 
libidinal odiosa desses próprios mecanismos. Em primeiro lugar, 
o discurso ideológico do tempo produziu uma imensa clivagem 
simbólica de zonas históricas inteiras, que não podiam ser con-
sideradas, pensadas e que, pelo desejo político simples, enunciado 
como um gesto de força, deveriam desaparecer da própria histó-
ria. Era a força de um brutal e interessado recalcamento, de fato, 
mais do que um recalcamento, uma ativa recusa de níveis im-
portantes de realidade. 
Os fatos simples e bem comprovados de que, ao longo do go-
verno Lula, o Brasil praticamente dobrou o PIB em relação aos 
oito anos anteriores dos doisgovernos FHC e da elite financeira 
brasileira – incluindo na série a quebra geral do ano de 2009, em 
que o PIB do mundo reduziu-se em 0,6% e o do Brasil, 0,3%; 
de que em cinco dos oito anos do primeiro presidente petista o 
Brasil cresceu acima do PIB mundial; de que a dívida líquida do 
se tor público caiu de 60% do PIB para 34% durante os anos Lula; 
de que a taxa de desemprego caiu de 12,2% no último ano de 
FHC para 5,4% ao final do período Lula; de que a relação entre 
a dívida externa e as reservas do país caiu, entre os dois governos, 
de 575% para 81%; de que o salário mínimo em dólares passou 
de 86,21 para 305,00; de que o Brasil passou da posição de 13a 
eco nomia do mundo para a de 7a; de que a inflação anual média 
de FHC foi de 9,1% e de que, somado o período Lula e Dilma, 
ela foi de 5,8%; de que a taxa de pobreza no fim do governo FHC 
era de 34%, e ao fim do governo Lula era de 15%, e a de extrema 
pobreza era de 15% com FHC e de 5,2% com Lula; de que, se-
gundo o Ipea , o Risco-Brasil caiu de 1.446 pontos para 224; de que 
nos governos Lula-Dilma foram realizadas 1.273 operações da 
Polícia Federal, com 15 mil presos, contra a melancólica marca de 
48 operações nos oito anos tucanos; de que Lula abriu 18 univer-
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sidades federais, contra nenhuma do sociólogo tucano, que, ao 
contrário, pretendia privatizá-las, entre tantos outros dados pos-
síveis semelhantes – todos esses fatos de um efetivo desenvolvi-
mento nacional alcançado no período lulopetista precisaram ser 
esquecidos e negados de modo brutal, recusados de modo fu-
rioso, como se eles nunca tivessem ocorrido, embora tenha sido 
de fato esse próprio desenvolvimento positivo que lastreou o 
apoio popular às quatro eleições petistas consecutivas. 
Enfim, era preciso recusar por princípio o fato de que Lula 
dinamizou fortemente, em todos os parâmetros imagináveis, a 
própria vida econômica do mercado interno brasileiro, ou seja, 
o capitalismo local, que passou a produzir e a integrar social-
mente, via expansão geral universalizante da forma mercadoria. 
Para o desespero dos fetichistas de um tradicional capitalismo de 
exclusão no Brasil, Lula foi o mais capitalista dos presidentes e 
políticos brasileiros, ao governar por um capitalismo de inclusão de 
um mercado de massas, democratizante ao seu modo. Mas, no 
trabalho da ideologia, todas essas realizações históricas nunca 
existiram, e elas foram esvaziadas a ponto de desaparecerem dos 
mapas públicos de alguma consciência. 
Em seu lugar, como se sabe, apenas alguns objetos negativos 
passaram a ocupar todo o espaço público político inteiramente 
deformado para pesar sobre o segundo governo de Dilma Rous-
seff e paralisá-lo, destruindo-o. Daí a escolha, totalizante, dos sig-
nificantes, estrategicamente apontados contra o governo co mo 
arma: da crise econômica maior da história, da corrup ção ter-
minal e exclusiva petista, do projeto de poder ilícito. Ex cluin-
do-se sistematicamente dessas noções a responsabilidade ativa 
muito forte das ações da própria oposição na crise eco nômica 
brasileira – que, para destruir um governo, destruiu um país – , 
o sistema político universalmente corrupto no Brasil e o projeto 
de poder sistêmico de outros partidos nacionais, o que é simples-
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mente da natureza da política, como o atual quarto de século 
de governos peessedebista em São Paulo e o controle infinito do 
processo democrático brasileiro degradado pelo PMDB. Além da 
corrupção endêmica envolvendo esses próprios partidos, preci-
samente idêntica à petista.
Assim, em um primeiro passo do trabalho da ideologia, a his-
tória é desistoricizada, distorcida radicalmente, e, no mesmo mo-
vimento, uma vez que ainda não é possível eliminar a própria 
exis tência do adversário político, ela é transformada em forte 
narrativa, altamente parcial, e por isso mesmo subjetiva, fetichi-
zada nos termos do puro interesse, expressão imantada da paixão 
de um desejo no mundo. No mesmo movimento, o adversário no 
plano das mediações políticas é transformado em inimigo, e re-
metido à ação direta dos discursos das massas, total e imediato. 
Um mundo inteiro de efetivos sentidos históricos vividos é recu-
sado na raiz, e outro, selecionado à força, parcial e estratégico, 
com um mínimo contato com a realidade – no caso, a operação 
judicial Lava Jato, que acabou por se revelar comprometida –, 
é ativado. 
Esse processo de recusas radicais libera energia para o inves-
timento maciço no significante parcial, a força da ideologia, a 
energia política da narrativa escolhida, que funciona como o 
frag mento de realidade hiperinvestido que, tradicionalmente, 
busca a cura do delirante, mas, como dizia Freud, é de fato o 
signo mesmo da sua ruína. São recusas de uma grande massa de 
valores históricos e fixação em poucos e exclusivos objetos que 
produzem o movimento encantado da paixão política das novas 
direitas, sempre isentas, evidentemente, da própria autocrítica, 
violência ilegítima ou responsabilidade. 
Por fim, em um terceiro movimento, essa força da recusa da 
história, e sua composição parcial e apaixonada, vai se ligar a 
frag mentos míticos e de ordem de poder de outros tempos, de-
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sejados como restauração de ordem originária sobre a imensa 
ruína do presente, na tentativa de completar o sistema do delírio 
com objetos remetidos à origem, em um movimento que está defi-
nitivamente marcado por ela. Surge uma série de deslocamen tos 
significantes espantosos para qualquer razão que busque o enten-
dimento das condições do presente, no caso, rumo ao imaginário 
bélico e sádico da Guerra Fria dos anos 1950. E, assim, da Vene-
zuela chavista imaginada do presente, que nada tem a ver com 
o caso, chega-se facilmente à Cuba imaginária dos anos 1960, o 
pa raíso imaginário dos anticomunistas, ao marxismo estalinista 
russo, à suposta invasão do Brasil pela China, ao marxismo cul-
tural gramsciano, ao caos social provocado pela esquerda e à imi-
nente revolução comunista que está sendo preparada pelo PT... 
Tudo isso foi dito e redito milhões de vezes nas redes sociais da 
internet, que, mais do que a grande imprensa burguesa, permitiu 
a afirmação e a organização desse modo de pensar no Brasil..
No limite, trata-se de uma política de forte exclusão demo-
crática do adversário político, uma vez que, de saída, ele nada 
rea lizou, ele destruiu o país e ele é de fato o velho comunismo de 
sempre, que justifica sempre, e de saída, o princípio de força e 
ar bítrio do velho anticomunismo de sempre, carta branca para a 
reativação da tradição autoritária e antissocial brasileira. Esse 
tipo de lógica simbólica esteve exatamente na origem de duas 
ditaduras no duro século XX brasileiro, que mantiveram o país 
congelado sobre um estado de terror durante um terço do século. 
Em seu estudo da emergência ideológica e simbólica do fascismo 
alemão, o nazismo, Willheim Reich lembrou a concepção de civi-
lização de fundo de Hitler, uma leitura degradada de Nietzsche: 
a de que existe um povo ativo, produtor positivo de civilização, 
e de que esse povo luta e deve dominar um outro povo, passivo e 
negativo, destrutor absoluto da civilização... E de que é exata-
mente essa violência de fundo que o torna superior. Qualquer 
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semelhança com o fundo fantasiado da nova ideologia antipetista 
brasileira, e sua negatividade absoluta projetada no outro polí-
tico, não é coincidência indeterminada. 
No clássico do cinema político brasileiro Cabra marcado para 
morrer, ficamos sabendo que os jornais de Recife noticiaram a 
intervenção repressiva do golpe de 1964 nas filmagens feitas por 
Eduardo Coutinho e seus companheiros de Centro Popular da 
Cultura na regiãoda Galileia, de uma história da vida camponesa 
local em busca de direitos civis, como o desbaratamento de um foco 
de guerrilha comunista, dirigida por cubanos, que se preparava 
para cometer uma série de assassinatos. Essa é precisamente a velha 
política simbólica brasileira, que se reativou na atual ideologia 
apaixonada e de massas na rua da nova direita antipetista. A 
men tira e a farsa são, nesse modo de fazer política em busca de 
força discricionária, a chave real da própria força. E, no entanto, 
como é próprio da posição psíquica perversa, os mentirosos que 
gozam com esse sistema de cisões e projeções, e a criação de seus 
objetos políticos para o sadismo e a autoproteção imaginária, 
certamente sabem que mentem e não sabem que mentem, em um 
mesmo movimento do próprio sujeito. No final, eles serão, como 
sabemos bem no Brasil, honrados quando torturam, honestos 
quando mentem, virtuosos quando roubam e civilizados quando 
exterminam. E algo da crise mais profunda da esquerda no poder 
no Brasil também está dado no fato de ela ter se aproximado, em 
algum ponto, dessa equação eminentemente brasileira.
No caso brasileiro, é sempre preciso lembrar, a força atratora 
de um passado antidemocrático, autoritário delirante na defesa 
dos próprios interesse parciais, tem origem em nossa longa his-
tória – de mais de 400 anos – de recusas radicais do direito à ci-
dadania da própria classe trabalhadora brasileira, fruto de nossa 
formação original: ibérica atrasada, católica e escravista. A pró-
pria nação brasileira teve longa origem exatamente nessa forma.
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antibolivarianismo 
à brasileira
Yara Frateschi
O processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff – ini-
ciado no dia seguinte à eleição presidencial com a contestação 
do seu resultado pelo PSDB – tem sido analisado por diversos 
ângulos e levado à produção de diagnósticos distintos da crise 
política brasileira. Não almejo aqui retroceder às causas es tru-
turais da crise, mas olhar para um dos aspectos da dinâmica po-
lítica que se instaura com a união entre o Poder Executivo, sob 
o comando de Michel Temer, e a maioria do Congresso Nacio-
nal para a proposição de uma agenda conservadora, antidireitos 
e antissocial,1 que se estabelece à custa da sociedade e sem a sua 
participação. Um dos primeiros atos do ainda interino Temer, a 
medida provisória 726, de 12 de maio de 2016, tinha um propó-
sito simbólico: ao extinguir, com um só golpe de caneta, a Secre-
taria da Promoção da Igualdade Racial e a Secretaria de Política 
para Mulheres, comunicava à sociedade que o governo fechava 
as suas portas para os movimentos sociais e para grupos sub-re-
presentados, historicamente ausentes dos processos decisórios. 
A MP 726 falava a mesma língua da maioria do Congresso Na-
cional, que pelo menos desde 2014 travava uma batalha incansá-
vel, junto com a grande mídia, para salvar o Brasil do “bolivaria-
1 Conferir Avritzer, 2016, “Posfácio”. 
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nismo do PT”. A aliança perversa entre o governo Temer e os 
par lamentares se concretiza, desde então, em um modo de gover-
nar que, livre do “bolivarianismo” e em nome da boa administra-
ção estatal e da racionalidade política, retira o cidadão do âmbito 
das decisões e deliberações políticas, decide à sua revelia e impõe 
uma agenda que ameaça direitos sociais, trabalhistas e políticos. 
Há uma coerência entre a retórica “antibolivariana” encampada 
pelos parlamentares de oposição aos governos federais do PT e 
pela grande mídia (desde 2014), a forma elitista de governar que 
definitivamente se instaura no Brasil a partir do impeachment de 
Dilma Rousseff e a agenda conservadora que se impõe. 
Usada e abusada pela grande mídia e por políticos de oposi-
ção aos governos do PT, a alcunha “bolivariano” passa a ser uti-
lizada como sinônimo de “ditatorial”, ou até mesmo “totalitário”, 
marca de um governo executivo que coopta as massas e os movi-
mentos sociais a fim de instaurar uma democracia direta que des-
truiria as bases da democracia representativa em nome de um 
projeto de poder. Mirando o governo de Dilma Rousseff, esse é 
o discurso que se formula e se propaga a partir da instauração, 
por decreto presidencial, da Política Nacional de Participação 
Social2 em 23 de maio de 2014. Desse momento em diante, a 
grande mídia e a maioria da Câmara dos Deputados lançam um 
ataque sem tréguas contra o “bolivarianismo petista”, que se pre-
tendia justificado porque visava salvar o Estado democrático de 
direito. 
É certo que essa não é tônica do discurso da oposição que 
ga nha força ao longo do processo que leva finalmente ao im-
peach ment, propagando a ideia de que afastar Dilma Rousseff da 
Presidência era o caminho para salvar o Brasil da corrupção e da 
crise econômica. No entanto, correm juntas a retórica anticor-
2 Doravante, PNPS.
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rupção e a retórica antibolivariana, que acertam em mobilizar as 
paixões de uma certa parte da população, pronta para adotar nas 
ruas e nas redes sociais o bordão “Vai pra Cuba!” e que acorda o 
medo (para não dizer o terror) do fantasma da ditadura de es-
querda e faz identificar Lula e Dilma com Chaves e Fidel, o Bra-
sil com Venezuela e Cuba. Não me proponho a analisar a fundo 
o antipetismo que se alastra, com facetas e discursos distintos, 
nas ruas e nas redes sociais, mas trazer à luz uma das suas facetas: 
o discurso antibolivariano como fator de mobilização social con-
tra o “lulopetismo”, forjado com o protagonismo da grande mí-
dia e de políticos da então oposição, com destaque para alguns 
nomes históricos do PSDB. Supondo que esses agentes não ti-
nham razões consistentes e sinais mínimos para efetivamente 
te mer que a PNPS levaria à instauração de uma ditadura no Bra-
sil, parece que o temor era de outra coisa: do avanço do diálogo 
entre o governo federal e os movimentos sociais e, mais ainda, 
do crescente empoderamento desses mesmos movimentos. Não 
é à toa que Temer inicia a sua carreira de presidente extinguindo 
as Secretarias de Políticas para Mulheres e de Promoção da Igual-
dade Racial. 
Por mais ambígua que tenha sido a relação do PT com os mo-
vimentos sociais e com a participação institucionalizada, é inegá-
vel que, a partir da redemocratização, alguns desses movi mentos 
encontraram mais espaços institucionais abertos e mais am paro 
político nas gestões do PT e que as suas conquistas não foram 
desprezíveis.3 Algumas medidas da administração Lula “per-
3 Não pretendo sugerir que a relação do PT com os movimentos sociais se deu sem am-
biguidades ou que a participação social institucionalizada tenha tido, nos governos 
federais do PT, a força que os seus oponentes sugerem. De forma alguma. O avanço no 
sentido da ampliação da participação social foi significativo, mas ainda muito tímido e, 
muitas vezes, tenso porque sujeito aos interesses do governo. Mas talvez o pequeno espaço 
que certos movimentos sociais e atores historicamente sub-representados tiveram em 
âmbito federal tenha sido o suficiente para acender a reação reacionária que testemunha-
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mitiram que o Estado e a sociedade civil estabelecessem uma con-
versação”,4 que redundou em políticas de ação afirmativa, sendo 
uma das mais significativas a criação de uma secretaria dedicada 
à promoção da igualdade racial em 2003 (Sepir), que possibilitou 
aos movimentos negros maior participação na discussão e na for-
mulação de políticas públicas. O protagonismo é dos movimen-
tos sociais de cujo ativismo dependeram e dependem a formu-
lação e a implementação de políticas para o enfrentamento do 
ra cismo, desde a obrigatoriedade da inclusão da disciplina de 
his tória da África e cultura afro-brasileira no currículo das es-
colas do ensino fundamental,5 até a obrigatoriedadeda adoção 
de ações afirmativas raciais e sociais nas universidades federais.6 
Quando o interino Temer extingue a Sepir em maio de 2016 o 
recado é claro: é chegada a hora de dar um basta nessa promis-
cuidade entre governo federal e movimento social. Se retroce-
dermos ao debate que se instaura a partir de 2014 com a pro-
mulgação da PNPS, veremos que o fortalecimento das vozes de 
certos atores (em geral sub-representados) faz tremer o chão do 
Congresso Nacional e da mídia conservadora, que reagem com 
a formulação da retórica “antibolivariana”. A MP 276, que ex-
tingue a Sepir e a Secretaria de Mulheres, vem para acalmá-los e 
para assegurar as bases de uma aliança entre Poder Executivo, 
Poder Legislativo e grande mídia para a instauração de uma 
agenda conservadora, antidireitos e antissocial, que vigora com 
toda a sua potência desde então. Era um ato simbólico para selar 
aquela aliança. 
mos a partir de 2014 e que, como pretendo mostrar, o discurso antibolivariano expressa 
com clareza. Para uma análise crítica (e bem fundamentada) dos limites da participação 
social no governo Lula, conferir Dagnino & Teixeira, 2014, pp. 39-66. Sobre as am-
biguidades e tensões da participação social no nível federal, conferir Avritzer, 2016. 
4 Cf. J. Feres Junior; V. T. Daflon & L. A. Campos, 2012, pp. 399-414.
5 Lei 10.639 de 2008.
6 Lei 12.711 de 2012.
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Neste texto, procuro analisar os componentes do discurso 
que se assume “antibolivariano” como reação à instauração da 
PNPS em 2014, amparado em um modelo de democracia e de 
cidadania de baixíssima densidade democrática, claramente anti-
partici pa tivo e que opera pela constante desmoralização dos 
movimentos sociais. Essa é a sua faceta mais perversa, pois não 
mira apenas este ou aquele governo, mas a possibilidade do apro-
fundamento e da ampliação da democracia brasileira que, sabem 
os seus opo sitores, dependem do empoderamento dos movi men-
tos sociais e das minorias políticas, bem como da possibilidade 
da sua parti cipação na formulação de políticas públicas. Daí o 
investimento deliberado da retórica antibolivariana na desqua-
lificação dos mo vimentos sociais e de atores que visam combater 
as mais di versas formas de injustiça e exclusão. A seguir, pro-
ponho uma nar rativa que retrocede a 2014 com a intenção de 
explicitar as características do modelo de democracia e cidadania 
que sub jaz à retórica antibolivariana, com traços inegavelmente 
elitistas e que, desde a subida de Temer ao poder, orienta a con-
dução do país. 
•
Em 23 de maio de 2014, a Presidência da República instituiu 
me diante decreto a Política Nacional de Participação Social 
(PNPS) com o objetivo “de fortalecer e articular os mecanismos 
e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta en-
tre a administração pública federal e a sociedade civil”.7 Com esse 
objetivo, o decreto estabelecia que a sociedade civil – isto é, o 
cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados 
ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações – , os 
7 Decreto 8.243, art. 1o.
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Conselhos de Políticas Públicas, as Comissões de Políticas Pú-
blicas, as Conferências Nacionais e outras instâncias existentes 
ou a serem instituídas (tal como o Ambiente Virtual de Partici-
pação Social) seriam considerados “na formulação, na execução, 
no monitoramento e na avaliação de programas e políticas pú-
blicas e no aprimoramento da gestão pública”.8 
Deve-se notar que a PNPS não instaurava nenhuma grande 
novidade, mas apenas reforçava institucionalmente uma política 
adotada no primeiro mandato do governo federal do PT de pro-
mover a articulação do governo com as entidades da sociedade 
civil e incentivar instrumentos de consulta e participação popu-
lar para a elaboração da agenda da Presidência e para a formula-
ção de políticas públicas. Deve-se lembrar ainda que os Conse-
lhos Gestores que atuam na formulação e no monitoramento de 
políticas, por exemplo, existem há muito tempo no Brasil, antes 
da chegada do PT ao governo federal. O mesmo vale para as 
Conferências Nacionais, instituídas em 1941 e que visam infor-
mar o governo a respeito de certas demandas locais e permitir 
que o cidadão tenha voz no processo de formulação de políticas 
nacionais.9 O que efetivamente ocorreu depois de 2001 foi a in-
tensificação desses mecanismos de consulta, deliberação e parti-
cipação. Das 80 Conferências Nacionais realizadas entre 1988 e 
2008, 55 o foram durante o governo Lula. Isso significa que em 
sete anos (2003-2009) foram realizados 68% de todas as Confe-
rências Nacionais ocorridas no Brasil em 21 anos. Nos oito anos 
de governo Fernando Henrique Cardoso ocorreram 17 Confe-
8 Idem, parágrafo único. Tratei mais demoradamente desse assunto em Frateschi, 2016, 
pp. 3-15.
9 Cf. T. Progrebinschi. “Novo decreto: Não há representação sem participação”. Disponível 
em <http://www.cartacapital.com.br/politica/novo-decreto-nao-ha-representacao-sem-
-participacao-9169.html>; publicado em 19/6/2014.
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rências Nacionais e no governo Collor, duas Conferências em 
dois anos e nove meses.10 
Não pretendo analisar aqui o alcance e os limites reais dessas 
experiências institucionalizadas de participação. Há uma vasta 
literatura no âmbito da ciência política sobre isso, embasada em 
estudos detidos de casos, que abarcam as experiências de Orça-
mento Participativo, a atuação dos Conselhos e as Conferências 
Nacionais.11 Quero apenas ressaltar que, desde a redemocratiza-
ção e em especial após a Constituição de 1988, testemunhamos 
a implementação de canais institucionais de participação social 
no âmbito de governos locais (por exemplo, as experiências dos 
Orçamentos Participativos e dos Conselhos Gestores), algo que 
se intensificou nos governos do PT, também em nível federal, 
com a ampliação significativa das Conferências Nacionais. A 
PNPS foi formulada diante da percepção do governo de que se 
tornava necessário não apenas consolidar esses canais de parti-
cipação social já existentes, mas também transformar a partici- 
 
10 Cf. Progrebinschi & Santos, 2010.
11 Cf. Dagnino & Tatabiga, 2007; Avritzer & Navarro, 2002; Gurza Lavalle; Voigt & Sera-
fim, 2016, pp. 609-650; Szwako, 2012; Silva; Jaccoud & Beguin, 2005, pp. 373-408. As 
experiências de participação institucionalizada às quais me refiro deram ensejo a um ex-
tenso debate a respeito da sua efetividade, dos seus alcances e limites. Como nos mostra 
José Szwako: “Os sentidos, os sujeitos e as práticas da participação hoje são múltiplos e 
ambivalentes: se um segmento de atores e redes da sociedade civil vê nos chamados espa-
ços participativos – nomeadamente os Orçamentos Participativos, as Conferências e os 
Conselhos Gestores – uma oportunidade de transformar o padrão decisório predomi-
nante, outras vozes vêm questionando profundamente se e em que medida tais espaços 
se constituíram como locais de partilha efetiva de poder entre atores civis e governamen-
tais” (Swako, 2012, p. 91). Não pretendo aqui reconstruir ou avaliar esse debate que está 
em curso sobre a efetividade dos canais participativos (Cf. Gurza Lavalle, 2012). Propo-
nho, entretanto, que se pensem essas experiências, mesmo com os seus limites, como 
processos de aprendizado político e institucional. Se essas experiências propiciam algum 
aprendizado político é porque se dão em instâncias participativas institucionalizadas que 
permitem a aparição de conflitos e são compostas por agentes com pontos de vista e 
projetos políticos distintos, mas que têm que chegar a acordos. Enfim, mesmo que se 
reconheçam as limitações dessas práticas de participação institucionalizada, não convém, 
entretanto, minimizar a sua contribuição para a ampliação da cidadania. 
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pação social em um “método de governo”, ou seja, “incorporá-la 
de tal maneira que essa prática de participação social estivesse 
presente em todos os programas e em todas as ações do governo 
[federal]”.12 Assim, a PNPS foi apresentada à sociedade brasileira 
e ao Poder Legislativo como uma política que visava fortalecer e 
articular as instâncias democráticas de diálogo e a atuação con-
junta entre a administração pública federal e a sociedade civil. 
Vejamos o teor da reação.
A grande mídia e os parlamentares dos partidos de oposição 
reagiram veementemente acusando o governo federal de “gol-
pismo”, “bolivarianismo” e subversão da ordem democrática. O 
editorial do jornal O Estado de S.Paulo de 29 de junho de 2014 
acusou Dilma Rousseff de pretender mudar a ordem constitucio-
nal por decreto e instaurar uma “mudança de regime”.13 Contra 
a PNPS o jornal argumentava que “a participação social em uma 
democracia representativa se dá através dos seus representantes 
no Congresso, legitimamente eleitos”. Outra forma de participa-
ção seria “bolivarianismo”. 
Interessa reter que esse argumento contra a PNPS se baseia em 
uma concepção a respeito da relação entre participação e repre-
sentação segundo a qual a participação social em uma democra-
cia representativa se dá por meio dos representantes eleitos no 
Congresso e ponto final. Qualquer outro tipo de participação 
significa ameaça ao sistema representativo brasileiro e, portanto, 
ameaça à Constituição, uma vez que institui uma instância de 
poder concorrente com a representativa alocada no Congresso: 
“O que se vê é que a companheira Dilma não concorda com o 
sistema representativo brasileiro definido pela Assembleia Cons-
12 Pontual, 2014, pp. 99-103. 
13 Editorial do jornal O Estado de S.Paulo de 29 de junho de 2014. “As convicções de Dilma”. 
Disponível em <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/20140629-44084-nac-3-edi-a-
3-not>.
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antibolivarianismo à brasileira
tituinte de 1988 e quer, por decreto, instituir outra fonte de po-
der: a participação direta”. O objetivo declarado do jornal era 
imputar à PNPS um efeito “profundamente antidemocrático”, 
isto é, “bolivariano”, uma vez que propiciaria que “alguns deter-
minados cidadãos, aqueles que são politicamente alinhados a 
uma ideia, sejam mais ouvidos [do que outros], ferindo, assim, o 
princípio básico da igualdade democrática ‘cada pessoa, um vo-
to’”. A participação em movimentos sociais, embora legítima se-
gundo o jornal, “não pode significar aumento de poder político 
institucional”, pois isso significaria “institucionalizar a desigual-
dade”, especialmente quando o partido do governo subvenciona 
e controla esses movimentos sociais. Em suma, o decreto criaria 
canais específicos para que uns (os supostos cidadãos de primeira 
ordem organizados em movimentos sociais e supostamente ali-
nhados com o governo) fossem mais ouvidos do que outros, ou 
seja, a maioria dos brasileiros, que “trabalha a semana inteira” e 
que, portanto, não tem tempo de “participar de todas essas au-
diências, comissões, conselhos e mesas de diálogo”. 
O “sofisma” que sustentaria a PNPS seria o de que os movi-
mentos sociais seriam, na visão do governo, a mais pura manifes-
tação da democracia, ao passo que a história mostraria, contra-
riamente, que “onde não há institucionalização do poder, há a 
institucionalização da lei do mais forte”. A PNPS seria, portanto, 
uma agressão ao Estado democrático de direito que significou 
“um enorme passo civilizatório ao institucionalizar no voto in-
dividual e secreto a origem de todo poder estatal”. Na contramão 
desse passo civilizatório, a PNPS desejaria criar “canais paralelos 
de poder não legitimados pelas urnas e inverter, com isso, a lógica 
do sistema. Trata-se, portanto, de um ato inconstitucional e de 
uma investida totalitária da presidente Dilma Rousseff ”.14 Im-
14 Ibidem.
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pressionante o apego ao princípio da legitimação pelas urnas, 
pouco tempo depois sacrificado. 
Dias depois, o senador Álvaro Dias (ainda no PSDB) cita na 
tribuna do Senado o texto do editorial do jornal O Estado de 
S.Paulo, reiterando o caráter antidemocrático da PNPS e afir-
mando, numa explícita referência à ditadura militar, que o de-
creto que a propõe, embora não imponha a cassação de mandatos 
ou o fechamento do Congresso Nacional, deseja “um Congresso 
Nacional para ficção”, para a simples homologação dos atos ema-
nados do Poder Executivo, “uma espécie de almoxarifado à dis-
posição de quem governa o país”. O cerne do argumento do se-
nador é o mesmo daquele apresentado pelo jornal O Estado de 
S.Paulo, revelando perfeito acordo entre a grande mídia e a então 
oposição: a política de participação enfraqueceria a democracia 
porque diminuiria o poder do Legislativo e porque ignoraria 
que “a participação social numa democracia se vertebra por inter-
médio dos representantes no parlamento legitimamente elei-
tos”.15 Na mesma ocasião, em um ato de deliberada desmoraliza-
ção dos movimentos sociais, o senador do PSDB Aloysio Nunes 
Ferreira – que depois veio a ser ministro das Relações Exteriores 
do governo Temer – qualifica os Conselhos como “coisa boto-
cuda e grosseira” engrossando a retórica antibolivariana: “É um 
escárnio colocar como conselheiros um leque de movimentos 
que são apenas corrente de transmissão de partidos de ultraes-
querda e de setores mais bolivarianos do PT”.16 
15 Discurso do senador Álvaro Dias na tribuna do Senado. Disponível em <https://www.
youtube.com/watch?v=TnGeAmPQzyo>; publicado em 2 de junho de 2014. 
16 “É um escárnio colocar como conselheiros um leque de movimentos que são apenas 
corrente de transmissão de partidos de ultraesquerda e de setores mais bolivarianos do 
PT. É a clientela do Gilberto Carvalho. É uma coisa botocuda e grosseira fazer esses 
conselhos”. Disponível em <http://veja.abril.com.br/politica/o-lado-eleitoreiro-do 
-decreto-bolivariano-de-dilma/>.
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O discurso do senador Álvaro Dias explicita o que seria um 
embate entre duas concepções distintas da democracia. Uma con-
cepção bolivariana (supostamente a dos membros do PT), na 
qual a democracia se basearia na participação social como mé-
todo de governo em detrimento do Congresso e que valorizaria 
os movimentos sociais visando deliberadamente enfraquecer o 
poder dos representantes eleitos pelo povo (“com esse decreto, 
a presidente decreta a falência do poder legislativo federal”, diz 
Álvaro Dias); e outra, defendida explicitamente pelo senador, 
que entende que a participação social “se vertebra por intermé-
dio dos representantes no parlamento legitimamente eleitos”. O 
discurso não é omisso a respeito de como este segundo modelo 
entende a participação: a participação social e a fiscalização do 
cidadão devem ser almejadas em primeiro lugar “sobre a delega-
cia, o posto de saúde, as escolas e o transporte público do seu 
bairro” e “num segundo lugar distante estaria como prioridade a 
sua participação nas conferências nacionais e outros instrumen-
tos do mesmo tipo”.17 Isso significa que participação é, sobretudo, 
“fiscalização” dos serviços e deve se dar prioritariamente em nível 
local, mas não em nível federal. 
A PNPS seria, portanto, ameaçadora em dois sentidos: aliado 
ao risco da participação popular (o senador fala explicitamente 
em “risco da participação popular”), haveria o perigo da sua par-
tidarização. Ou seja, a boa participação popular, além de se dar 
localmente como fiscalizadora dos serviços, deveria ser autô-
noma em relação aos partidos e alheia à disputa de poder entre 
governo e oposição (“sua eficácia como mobilizadora depende 
em grande parte da sua autonomia em relação às divergências 
partidárias, principalmente entre governo e oposição”, segundo17 Discurso do senador Álvaro Dias na tribuna do Senado. Disponível em <https://www.
youtube.com/watch?v=TnGeAmPQzyo>; publicado em 2 de junho de 2014.
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discurso do senador). Mas o governo da presidente Dilma Rous-
seff pretenderia justamente acabar com essa autonomia e cooptar 
os movimentos e organizações sociais. O simples fato de o go-
verno convidá-los a participar facilitaria a prevalência do viés 
partidário e com isso surgiria o risco da captura de setores orga-
nizados por parte do governo (os exemplos fornecidos por Ál-
varo Dias são o MST e a UNE): “A cooptação mata a autonomia 
desses movimentos retirando com isso a sua razão de ser”. Em 
suma, a PNPS seria autoritária, subverteria a ordem democrática 
e usurparia o papel das nossas instituições: “A participação po-
pular precisa sim ser fortalecida com cobrança firme sobre go-
vernantes e decisores, a fórmula mais sábia para isso é o voto, a 
urna é o caminho mais aprimorado para aprimorar o país”.18 
Em novembro de 2014, poucos dias após as eleições presi-
denciais que conduziram Dilma Rousseff ao segundo mandato, 
a Câ mara Federal aprovou por 294 votos a favor (apenas 54 votos 
contra) o projeto de decreto legislativo 1.491/2014 que sustou a 
aplicação do decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, aquele que 
instituiu a PNPS. O que está explicitado no discurso contrário 
à PNPS e condensado nesse decreto legislativo é que essa política 
“corrói as entranhas do regime representativo, um dos pilares 
do Estado Democrático de Direito, adotado legitimamente na 
Cons tituição Federal de 1988”. Além disso, alega o texto do PDL, 
a PNPS privilegiaria a participação de atores sociais cooptados 
pelo governo e alinhados com as suas propostas, enquanto o “ci-
dadão comum, não afeito ao ativismo social, fica relegado ao 
segundo plano”.19
•
18 Ibidem.
19 PDC (projeto de decreto legislativo) 1.491/2014.
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Os argumentos dos “representantes democraticamente elei-
tos” – principalmente os argumentos da inconstitucionalidade e 
da cooptação dos movimentos sociais – devem ser analisados 
com atenção. Há de se notar, contra a alegação de que a PNPS 
instaura um novo regime e fere a Constituição de 1988, que o 
parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal diz 
que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de 
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Consti-
tuição”. Como observa Leonardo Avritzer, “o legislador cons-
tituinte brasileiro definiu o país como um sistema misto entre a 
representação e a participação” e, sendo assim, “o espírito da 
Cons tituição fica muito melhor representado a partir do decreto 
8.243, que institucionaliza uma nova forma de articulação entre 
representação e participação de acordo com a qual a sociedade 
civil pode sim participar na elaboração e gestão das políticas pú-
blicas”.20 Além do mais, vale lembrar que boa parte das institui-
ções participativas brasileiras foi criada pelos poderes legislativos 
(municipais, estaduais e nacional), fato que questiona a afirma-
ção de que são tentativas de suplantar, pela participação, o Poder 
Legislativo. Enfim, embora seja um truísmo, destaco que são ins-
tâncias participativas institucionalizadas, com regras e procedi-
mentos formais, sujeitas à Constituição e que não substituem, de 
modo algum, o Poder Legislativo. 
O argumento da “cooptação”, por sua vez, pretende causar a 
impressão de que o governo federal e os membros (supostamente 
aparelhados) das instâncias participativas previstas na PNPS an-
dariam em perfeita harmonia. Isso é questionável, como revelam 
atores sociais envolvidos e estudos empíricos sobre as dinâmicas 
conselhistas. Como observa José Szwako, embasado em entrevis-
tas realizadas com atores civis e governamentais de três Conse-
20 Avritzer, 2014.
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lhos Gestores de âmbito federal, a dinâmica conselhista “dá vez 
e vazão ao conflito” e permite a disputa entre projetos políticos 
distintos, projetos que veiculam diferentes concepções de Estado 
e de como deve ser a vida em sociedade.21 Além do mais, esses 
conflitos não se observam apenas na relação entre atores gover-
namentais e civis, mas também entre os atores civis, dado que 
estes não compõem um bloco homogêneo, mas se organizam em 
campos “altamente conflituosos”.22 Sendo a dinâmica dessas ins-
tâncias de participação institucionalizada afeita ao conflito entre 
atores civis e governamentais e, mais ainda, sendo heterogênea a 
natureza da sociedade civil que nelas tem assento, o argumento 
da cooptação e do aparelhamento deve ser recebido com cautela. 
As vozes dos atores revelam que não só não há alinhamento ir-
restrito, mas que as dinâmicas conselhistas permitem o conflito 
e a expressão de projetos políticos distintos. 
Interessa ressaltar aqui, para que se possam captar a baixa den-
sidade democrática do discurso antibolivariano e o caráter elitista 
do modelo que o ampara, que o argumento se baseia em um 
decla rado antagonismo entre participação e representação, de 
modo que a ampliação da primeira implicaria a regressão da se-
gunda. Ou, mais pontualmente, que a ampliação da participação 
dos cidadãos nos processos de construção de políticas públicas 
constituiria ameaça ao poder dos representantes eleitos para o 
Congresso Nacional. Essa posição está amparada em uma con-
cepção excessivamente formalista da democracia e da própria 
representação política, assentada na suposição de que a “nação 
soberana fala apenas através da voz dos representantes eleitos”.23 
Em nome da manutenção do Estado de Direito, reduz a ação 
21 Cf. Szwako, 2012.
22 Idem, p. 94. 
23 Urbinati, 2006, p. 200. 
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cidadã ao momento do voto. É, pois, essa justificativa que deve 
ser perscrutada com atenção: o que está sendo dito é que a pre-
servação do Estado de Direito, da ordem e da estabilidade requer 
cidadãos que se comportam como espectadores enquanto os re-
presentantes governam.24 
O discurso antibolivariano recupera com coerência interna 
ingredientes conhecidos das visões elitistas da democracia. O 
pressuposto de que os representantes são os verdadeiros porta-
dores da (complexa) racionalidade política justifica a rejeição das 
formas públicas de discussão e da participação dos cidadãos nos 
processos deliberativos, aos quais cabe simplesmente votar. O 
que supostamente fortalece o argumento é uma atitude “realista” 
que, para não ameaçar a forma democrática, se recusa a conferir 
a organização política e a administração estatal a quem efeti-
vamente não tem racionalidade para tanto (nem tempo para de-
senvolvê-la, pois trabalha o dia inteiro). O elitismo sempre se 
pretende realista. E o resultado, evidentemente almejado, é a re-
dução drástica ou o próprio desaparecimento da esfera pública.
A reação antibolivariana é reacionária na medida em que de-
li be radamente resiste a uma possível transformação democrá tica, 
que faz a “classe política” (ou a sua parte mais numerosa alocada 
no Poder Legislativo) reagir severamente diante da possível perda 
do monopólio da deliberação política e do juízo político. Daí 
a insistência reiterada de que os processos deliberativos são ex-
clusivamente da alçada dos representantes democraticamente 
eleitos. É evidente que parte considerável dos nossos represen-
tantes no Legislativo se viu ameaçada a partir do momento em 
24 Revela-se, assim, profunda antipatia pela democracia e, em nome da ordem política “justa 
e estável”, são negligenciadas outras dimensões da vida política, “como a vida nas associa-
ções e movimentos políticos, grupos de cidadãos, reuniões municipais e fóruns públicos”, 
e, com isso, os cidadãos são reduzidos a espectadores e clientes, enquanto os políticos 
profissionaisgovernam de fato. Cf. Benhabib, 1992, p. 101.
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que certos grupos, historicamente alienados dos processos de-
cisórios, puderam se fazer ouvir. Por exemplo, não parece nada 
in teressante para a bancada ruralista, formada por representantes 
do agronegócio, o empoderamento dos representantes das co-
munidades indígenas, dos movimentos sociais em favor da re-
forma agrária ou dos ambientalistas. Assim como causa ojeriza 
aos mem bros da bancada evangélica a realização de Conferências 
Nacionais LGBT (ocorridas em 2008 e 2011), que discutem os 
direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, bem 
como a realização de Conferências Nacionais de Mulheres (ocor-
ridas em 2003, 2007 e 2011), que trazem à discussão temas como 
a descriminalização do aborto. Enquanto os movimentos so-
ciais, também através de participação institucionalizada, tornam 
públicas as pautas das mulheres e do público LGBT, a bancada 
evangélica, em sua cruzada disciplinadora, reage negando que 
seus temas façam parte da agenda do país.25 Entre a sociedade 
organizada e a Câmara dos Deputados travava-se uma luta pela 
agenda política, e a reação contrária à PNPS vem claramente no 
bojo de um incremento da participação de grupos minoritários. 
O traço reacionário e elitista dessa reação revela-se, assim, na 
tentativa de bloquear o desenvolvimento e a consolidação de uma 
cultura cívica de participação pública que teria potencial para 
colocar em xeque os grandes arranjos de poder. A estratégia, de 
feição liberal, consiste em defender um modelo de cidadania ba-
seado no encobrimento das identidades sociais e concretas dos 
cidadãos: o cidadão é um sujeito anônimo, interessado em se ver 
atendido através da boa prestação de serviços públicos; não cabe 
25 Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, de 9 de fevereiro de 2015, o deputado fede-
ral e então presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha diz: “Vai ter que passar 
por cima do meu cadáver para votar [o aborto]”. Disponível em <http://brasil.estadao.
com.br/blogs/estadao-rio/aborto-so-vai-a-votacao-se-passar-pelo-meu-cadaver- 
diz-cunha/>. Cunha também foi o relator do decreto parlamentar que susta os efeitos do 
decreto presidencial que instituiu a PNPS. 
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a ele o “ativismo social”, porque isso é coisa de gente que não tra-
balha ou de quem se deixa cooptar pelo governo (qualquer se-
melhança com o Movimento Escola Sem Partido está longe de 
ser mera coincidência). O bom cidadão democrático, além de 
não integrar movimentos sociais, é também alheio às disputas 
entre governo e oposição. Quem é esse sujeito, então? É um su-
jeito inteiramente dessubjetivado e sem concretude, que não tem 
identidade, não tem cor, não tem gênero, não tem sexualidade, 
não tem cultura, não tem demandas (a não ser por “bons servi-
ços”), não tem partido, nem classe. O discurso antibolivariano se 
formula como uma tentativa muito clara de encobrir as identi-
dades sociais e concretas como se o seu desvelamento fosse extre-
mamente perigoso para a preservação da democracia, quando 
esse desvelamento é efetivamente a condição da democratização 
da democracia. 
•
O argumento “ladeira abaixo” de que a representação política 
e o Estado de Direito não sobrevivem à ampliação da participa-
ção social (institucionalizada ou não) esforça-se, como vimos, 
para identificar a figura do representante como único vocaliza dor 
le gítimo das demandas cabíveis em um regime democrático. Ao 
cidadão caberia votar e quando muito fiscalizar, mas jamais par-
ticipar da formulação das políticas públicas ou da construção das 
agendas políticas. O temor da perda do monopólio sobre a deli-
beração e sobre a agenda política se concretiza, assim, num dis-
curso nitidamente favorável a instituições e práticas excludentes 
que bloqueiam a conversação política e manipulam as agendas. 
O episódio da PNPS em 2014 permite identificar que o an-
tibolivarianismo se construiu como discurso público explici-
tamente contrário a transformações políticas, institucionais e 
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culturais, que possam levar ao aprofundamento da democracia 
bra sileira. A resistência dos parlamentares à ampliação dos canais 
institucionais de participação, que aparece justificada pela defesa 
liberal das instituições do Estado de Direito, deve ser desmisti-
ficada, pois esconde uma posição favorável à excessiva concen-
tração de poder que historicamente contempla as elites políticas 
e econômicas em detrimento do empoderamento dos excluídos 
e das minorias políticas. O confinamento da cidadania ao voto e 
à fiscalização local, bem como a resistência às instituições que 
permitam deliberação coletiva e formação conjunta da opinião, 
significa, ao fim e ao cabo, obstrução do direito à opinião e à ação 
política. Se entendemos que a ampliação da participação pode 
levar ao questionamento dos tradicionais arranjos de poder atra-
vés do empoderamento das minorias políticas, a resistência an-
tibolivariana da grande mídia e dos parlamentares à participação 
institucionalizada, assim como os primeiros atos do interino 
Temer, pode ser traduzida nestes termos: como obstrução inten-
cional desses processos de potencial democrático. E cá estamos. 
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deuses do parlamento: 
os impedimentos de dilma1Ronaldo de Almeida
Introdução 
O Brasil vem passando nos últimos anos por processos polí-
ticos que têm levado a perdas de determinadas conquistas no 
universo dos direitos construído, principalmente, após a rede-
mocratização. Consolidaram-se forças que trabalham a favor da 
contenção, da restrição e do retrocesso de alguns direitos garan-
tidos com a promulgação da Constituição de 1988. Tal movi-
mento tem sido denominado de “onda conservadora”.
Primeiramente, contudo, cabe uma questão metodológica. 
Como definir conservadorismo ou pauta conservadora? Enfim, 
conservador em relação a quê e em qual plano de comparação? 
Por exemplo, é recorrente em pesquisas de opinião pública a per-
gunta sobre pena de morte ser um dos indicadores de conser va-
dorismo. No entanto, a questão não é boa para tipificar os evan-
gélicos brasileiros, pois na quase totalidade são contrários a ela. 
Pena de morte, aborto e eutanásia, cada um com suas justi fica-
ções teológicas específicas, guardam em comum a condena ção à 
violação da vida dada por deus, e só a ele cabe encerrá-la. Outro 
1 Este texto é resultado da articulação de dois outros artigos: “Os deuses do Parlamento”. 
Novos Estudos Ceprap, número especial. São Paulo, junho, 2017a; e “A onda quebrada: 
Evangélicos e conservadorismo”. Cadernos Pagu, n. 50. Campinas, Unicamp, 2017b.
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exemplo: há pessoas portadoras de deficiência física que militam 
pela ampliação das pesquisas genéticas (tema ético controverso), 
mas podem ser contrárias à descriminalização do aborto porque 
elas mesmas poderiam ter sido abortadas. Ou, ainda, uma das 
referências da grande mídia em temas da conjuntura cultural e 
política do país escreveu recentemente que suas preferências 
ideo lógicas são os pensadores liberais britânicos e concluiu afir-
mando não ter nada em comum com o pastor pentecostal Si las 
Malafaia, muito embora ambos tenham sido colocados do mes-
mo lado no debate público sob a pecha de “de direita”.
Ser conservador não é algo contrário às normas democráticas, 
entretanto, no enquadramento do debate público há uma so-
breposição – por vezes, excessiva e imprecisa – na identificação 
de con servadores, fascistas e fundamentalistas. Ciente disso, não 
parto propriamente de definições a priori desses termos nem da 
autodeclaração daqueles que se nomeiam como tais. Considero-
-as como categorias construídas relacionalmente no embate po-
lítico, que está significativamente pautado pelos meios de co-
municação mais hegemônicos. Mais especificamente, trata-se 
de categorias políticas de acusação que circunscrevem um con-
junto relativamente variado de discursos, valores, ações e po sicio-
na mentos políticos com interesses parciais e conjunturalmente 
comuns. 
Ressalte-se que, cada vez mais, tais identificações, sobretudo 
“de direita”, vêm sendo assumidas publicamente sem os cons tran-
gimentos do período inicial da redemocratização do país. Ao con-
trário, atualmente o estigma recai sobre quem se autodeclara “de 
esquerda”. O termo progressista não está tão negativado, ainda.
Fundamentalismo, por sua vez, é um termo de acusação con-
tra “os evangélicos”, frequente nos meios de comunicação e pre-
sente, principalmente, nas redes sociais. É incomum evangélicos 
brasileiros identificarem-se como fundamentalistas; o que não se 
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passa nos EUA, onde é possível encontrar de maneira expressiva 
essa autodeclaração. No Brasil, os sentidos para os quais o termo 
remete têm como referência, em boa medida, o temor do ter-
rorismo islâmico e a preocupação com o moralismo do protes-
tantismo norte-americano, que é o berço teológico e eclesial dos 
evangélicos brasileiros.
A mesma cautela com as categorias descritivas também deve 
ser utilizada na compreensão de “os evangélicos”. O que ela cir-
cunscreve? Evangélicos (sobretudo, pentecostais) fazem parte da 
dita onda, mas não somente eles. Também não se trata da totali-
dade deles, mas de uma parcela significativa que encontrou, até 
o momento, poucos contrapontos internos expressivos. É neces-
sário, portanto, ressaltar que a categoria englobante “os evan-
gélicos” foi algo que se consolidou nas últimas décadas. Há certo 
tempo, era também comum e mais equitativo o uso das nomea-
ções “crentes” ou “protestantes” (que incluíam os pentecostais) 
para circunscrever esse segmento religioso em crescimento. Em 
parte, a categoria descritiva “evangélicos” foi estabilizada de 
for ma técnico-científica.2 Mas também alguns sentidos reverbe-
rados, principalmente, pelos meios de comunicação foram asso-
ciados a eles, cuja imagem bastante difundida no Brasil sintetizei 
em outro momento da seguinte maneira: 
[...] um segmento religioso formado por pessoas na maioria das vezes 
honestas e confiáveis nas relações face a face, mas pouco tolerantes com 
religiões e morais alheias, e cujas lideranças costumam ser percebidas 
com desconfiança, sendo algumas consideradas ambiciosas e arrivistas.3 
2 Refiro-me à classificação do Censo Demográfico que estabeleceu dois grandes grupos nos 
quais as diferentes denominações são alinhadas: evangélicos pentecostais e evangélicos 
não pentecostais. Da mesma forma, a literatura das ciências sociais da religião, mesmo 
marcando as diferenças internas, valeu-se da categoria evangélicos na análise do campo 
das religiões no Brasil (Fernandes et al., 1998; Mafra, 2001; Freston, 2004; Fonseca, 2008; 
Almeida, 2009; Oro, 2016).
3 Almeida, 2007
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
Também criminosas, acrescento, hoje. Eduardo Cunha, da 
Assembleia de Deus, e o (ex)bispo Rodrigues, da Igreja Univer-
sal, testemunham a favor dessa percepção.4
Entretanto, tal definição não compreende a diversidade dos 
que se autodeclaram evangélicos, tanto de fiéis como de lideran-
ças religiosas e políticas. Muitos destes destoam do mainstream 
conservador (cuja atuação política dá-se mais pela via eleitoral) 
e preferem a militância política mais na esfera da sociedade civil 
(movimentos, associações, ONG, terceiro setor etc.) com posi-
cionamentos mais progressistas. Na verdade, evangélico, mais do 
que em qualquer outro momento de sua história no Brasil, é um 
termo em acirrada disputa entre os que se autodeclaram dessa 
forma. Devido a alguns estigmas adquiridos pela categoria nos 
últimos anos, muitos protestantes históricos e pentecostais têm 
preferido identificar-se pelo nome específico de sua denominação 
e pelo termo genérico “cristão”.
O perfil de muitos deputados evangélicos, obedecendo à ló-
gica das candidaturas proporcionais, acentua posições que os 
identificam com o segmento religioso, mas isso cria dificuldades 
quando as eleições são majoritárias, uma vez que estas implicam 
ampliação do discurso político. Entretanto, diferentemente da 
visão mais estereotipada dos evangélicos como afirmado ante-
riormente, os fiéis são mais tolerantes e menos rigorosos no plano 
das relações interpessoais do que aparentam os que dizem re-
presentá-los no sistema político. Aborto e homossexualidade 
entre pessoas próximas são mais transigidos na vida cotidiana do 
que defendidos no espaço público (compreendido como visi bili-
dade legítima e ordenamento jurídico). Isso não é propriamente 
uma característica tão somente dos evangélicos, mas diz respeito 
4 O primeiro está sendo incriminado no caso nomeado “Petrolão” e o segundo o foi no 
“Mensalão”.
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ao conservadorismo da própria sociedade brasileira, que lida de 
forma mais flexível nas relações interpessoais e com maior rigi-
dez de valores morais no espaço público. 
Isso posto, o procedimento metodológico é identificar para 
onde aponta o termo de acusação conservador, que será apreen-
dido a partir do próprio debate público.A quem e a que se re-
fere? Da mesma forma, a quem e a que se refere o termo “os evan-
gélicos”? Em síntese, a pergunta mais precisa para os objetivos 
deste artigo é como alguns evangélicos (a parcela hegemônica e 
com visibilidade) adensam o que tem sido denominado onda 
con servadora sendo constituintes e constituídos por ela. Para 
tanto, analiso, em um primeiro momento, alguns discursos nas 
votações do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e, em 
seguida, identifico algumas linhas de forças sociais que configu-
ram a dita onda.
O impeachment de Dilma Rousseff 
“Está aberta a sessão. Sob a proteção de Deus e 
em nome do povo brasileiro iniciamos nossos 
trabalhos.” 
Assim o presidente da Câmara dos Deputados, deputado 
Eduar do Cunha (PMDB/RJ), iniciou a votação de admissibi-
lidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 17 de 
abril de 2016. Evocar Deus não foi tão somente um ato de von-
tade de Cunha pelo fato de ele ser evangélico pentecostal ligado 
à Assembleia de Deus. Ele seguiu o rito de abertura das sessões 
do Poder Legislativo, tanto da Câmara como do Senado Federal. 
Posteriormente, por livre vontade, 52 deputados federais dos 513 
votantes citaram a palavra “deus”. 
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Apesar da diversidade territorial e dos setores de atuação de 
cada deputado, boa parte do léxico político mobilizado valeu-se 
simbolicamente dos termos “deus”, “família” e “nação”,5 que ope-
raram como elementos unificadores e transversais, além de apre-
sentarem maior densidade de sentidos do que os termos “de-
mocracia”, “Estado de Direito”, “cidadania” e todo o repertório 
po lítico liberal moderno. As declarações de voto, principalmente 
dos favoráveis ao impeachment, não pareceram visar propria-
mente ao debate entre os pares. Os discursos, com menos de um 
minuto cada, procuraram ir ao encontro do que supostamente 
pensavam os seus eleitores e segmentos da opinião pública. A 
votação foi realizada excepcionalmente em um domingo com a 
finalidade de aumentar a pressão midiática a favor do impeach-
ment. Essa foi uma operação política deliberada e conduzida pela 
Mesa da Câmara presidida por Eduardo Cunha.6 
A expressão “pedaladas fiscais”, acusação formal do processo 
jurídico-político, foi citada apenas oito vezes entre os 367 depu-
tados que votaram a favor do impeachment, e foi destes que veio 
a quase totalidade de referências a deus – 43 vezes –, à (sua) fa-
mília e à nação. Em várias declarações, família – 117 vezes – veio 
associada aos termos “honra”, “respeito”, “consciência”, buscando 
significar honestidade e bom caráter de quem a evocou. E o apelo 
à nação – 28 vezes – não era um discurso identitário cultural ou 
5 Ou equivalentes: “cristianismo”, “cristão”, “Nossa Senhora”, “Brasil”, “povo brasileiro”, 
“país”, “pais”, “esposas”, “filhos”, “netos” (muitos destes últimos identificados pelo nome 
próprio). 
6 Entretanto, a transmissão da votação ao vivo provocou constrangimento em parte da 
audiência pela excessiva referência a deus e aos familiares dos deputados. A despeito de 
ser contra ou favor do impeachment, um certo consenso pareceu ter se consolidado 
na opinião pública: parte significativa dos deputados federais não tem a competência 
necessária para exercer o poder do qual o cargo dispõe. Na verdade, não foi fácil di-
ferenciar a partir dos votos quem estava à altura do mandato recebido, uma vez que o 
balcão de negociação operou para ambos os lados, tanto na oposição como na situação. 
Independentemente da euforia de alguns e da indignação de outros, o acompanhamento 
da votação mostrou como o voto proporcional é tratado pela maioria dos brasileiros.
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protecionista econômico como é muito recorrente em contextos 
internacionais contemporâneos. Além do sentido mais geral de 
unidade, o termo nação expressou um patriotismo que identifi-
cou na corrupção do Estado um crime contra o país. Corrupção 
foi o termo de acusação mais recorrente e estava em sintonia com 
a mensagem da grande mídia naquele momento, a saber: a cor-
rupção é a geradora de todos os males econômicos e éticos, além 
de ser sistêmica em um partido específico.
Dos 137 que votaram contra o processo, “família” foi citada 
apenas dez vezes, “deus”, sete, nação, quatro e “corrupção”, 14, 
contra 77 vezes “democracia” e 55 “golpe”. Vale acrescentar que a 
palavra “golpe” também foi evocada pelos que votaram a favor 
do impeachment, 19 vezes, mas com o intuito de negá-lo e de 
evitar a consolidação dessa narrativa.7 E esses mesmos citaram 
“democracia” apenas 14 vezes. 
De modo geral, todas as citações a deus tiveram como refe-
rência aquilo que Otávio Velho8 identificou no Brasil como 
cul tura bíblica cristã.9 Entretanto, parafraseando Jesus quando 
disse “Na casa de meu pai há muitas moradas”,10 no Parlamento, 
a Casa das Leis, habitam deuses variados, sendo que alguns ga-
nham cada vez mais espaço, enquanto outros se enfraquecem 
devido às transformações pelas quais o Brasil e a religião vêm 
passando há algumas décadas.11 Os deuses são decifráveis con-
forme se identificam o autor e o contexto da fala.
7 “Golpe” começou a ser empregado no voto do centésimo vigésimo deputado pró-impea-
chment. Esse foi um momento de inflexão nos discursos.
8 Velho, 1995.
9 O deus cristão (católico e evangélico) foi o elemento com valor comum, que se estendeu 
a um teísmo mais alargado como na citação do deputado Floriano Pesaro do PSDB/SP 
ao “grande arquiteto do universo”, cuja referência é a Maçonaria.
10 João, 14:2.
11 Almeida, 2010.
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A primeira referência a deus na abertura da sessão feita por 
Cunha revelou o valor histórico-cultural-oficial do cristianismo 
para a simbologia nacional. Essa inscrição teísta-cristã no Estado 
brasileiro – a despeito de se afirmar como um Estado laico – 
tam bém é identificada no preâmbulo da Constituição Cidadã, 
de 1988, o qual declara que “os representantes do povo brasileiro” 
estão “sob a proteção de Deus” e foi evocada na abertura da ses-
são por Cunha. Se o rito do Poder Legislativo vincula o Estado 
brasileiro à religião cristã, a concordata assinada entre o Governo 
da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, em 2008, estabe-
lece um acordo relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica 
no Brasil. Essa cristandade oficial católica fica mais evidente no 
crucifixo que orna a parede principal do Supremo Tribunal Fe-
deral, ao lado do brasão e da bandeira nacionais. Como os evan-
gélicos são avessos a imagens religiosas, que são compreendidas 
como prática de idolatria, o crucifixo é mantido naquela parede 
pela influência da Igreja Católica, que o legitima não propria-
mente pelo caráter religioso, mas pelo seu valor histórico-cultu-
ral na identidade nacional.12 
Como contraponto, a frase “Deus seja louvado” na moeda 
bra sileira, cuja inspiração é a “In God we trust” encontrada no 
dólar americano, foi resultado da ação da bancada evangélica du-
rante o governo Sarney, logo no início da redemocratização.13 
Assim, o crucifixo assenta (invisibiliza) a simbologia católica no 
sistema jurídico enquanto uma certa ética econômica evangélica 
sacraliza o dinheiro por meio da inscrição da palavra “deus” no 
papel-moeda. 
A segunda referência a deus feita por Cunha foi durante o seu 
voto. Curto e frio, ele declarou apenas “Deus tenha misericórdia 
12 Giumbelli, 2014.
13 Freston, 1993.
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desta nação”. A frase não foi extraída de uma passagem bíblica, 
como é costume entre os evangélicos, mas ressoou o versículo 
“Feliz a nação cujo Deus é o Senhor”14 citado no voto do depu-
tado Cabo Daciolo do PT do B do Rio de Janeiro. Esse trecho 
bíblico tem servido de justificativa para a crescente presençade 
evangélicos na política desde as eleições de 1986, quando foi for-
mada a bancada evangélica com 36 deputados federais. Em 2014, 
72 deputados federais e três senadores declaram-se evangélicos. 
Para boa parte destes, o deus da Bíblia será o senhor da nação 
quando os evangélicos, os homens de deus, ocuparem cada vez 
mais posições de poder no Estado.
Baseando-se no mesmo versículo, o discurso do Cabo Daciolo 
foi o mais antilaico e teocrático entre todos pronunciados: 
Glória a Deus! Sr. Presidente, todos aqui ouviram eu falar “Fora, 
Dilma!”, “Fora, Michel Temer!”, “Fora, Eduardo Cunha!”, “Fora, Rede 
Globo”, mentirosa, que fica difamando pessoas. Vocês podem ser grandes 
aos olhos do homem, mas, para Deus, vocês são pequenininhos. Em 
nome do Senhor Jesus, eu profetizo a queda dos senhores a partir de hoje 
[…] Fora, Pezão! Fora, Dornelles! Chega de corrupção! O meu voto é 
sim. Glória a Deus! Feliz a nação cujo Deus é o Senhor.
A entrada dos evangélicos na política institucional, sobretudo 
dos pentecostais, não deve ser entendida tão somente como um 
efeito demográfico.15 Existe um impulso interno significativo em 
direção ao ativismo político, predominantemente conser vador.16 
Eduardo Cunha foi o primeiro evangélico a assumir um dos po-
deres da República e o mais próximo a ocupar a Presidência. Até 
o momento, Cunha chegou mais longe do que as can didaturas à 
14 Salmos, 33:12.
15 Almeida & Barbosa, 2015.
16 Mariano, 2016.
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Presidência de Garotinho (em 2002, pelo PSB) e de Ma rina Silva 
(em 2010, pelo PV, e em 2014, pelo PSB), que nem che garam 
ao segundo turno. Os três pertenciam à Assembleia de Deus 
quando con correram, mas Cunha alcançou essa posição em boa 
medida por ser liderança do PMDB, cujo domínio maior é no Le-
gislativo, onde atua como contrabalanço na disputa pelo Exe cu-
tivo entre os outros dois grandes partidos nacionais, PT e PSDB.
A presença nos poderes da República é um bom exemplo dos 
deslocamentos na estrutura social brasileira. Os evangélicos as-
cenderam demograficamente e produziram seus canais políticos 
no Legislativo e no Executivo, mas menos no Judiciário. A pre-
sença no Legislativo é mais significativa porque, até o momento, 
os evangélicos têm demonstrado forte capacidade de indução do 
voto mais do que qualquer outra religião no país. Isso não signi-
fica que eles só votem nos “irmãos de fé”, mas é expressivo tanto 
na eleição proporcional como na majoritária.17 Se voto é con-
fiança, o vínculo religioso entre candidato e eleitor a atesta. 
A ascensão no Legislativo e no Executivo dá-se por via eleito-
ral, permitindo o acesso de pessoas com menos capital econô-
mico e social às elites políticas, o que ocorre com mais dificul-
dade no Poder Judiciário, cujo perfil é mais elitista, tradicional e 
católico. Como corolário, se os evangélicos e seus interesses são 
bastante visíveis no Legislativo e no Executivo, para compreen-
der por onde passam os interesses católicos no Estado, uma am-
pliação empírica é necessária: o Judiciário deve ser um dos focos 
centrais.
Outra declaração de voto de um evangélico foi a do deputado 
Marco Feliciano (PSC/SP), a qual revelou uma combinação que 
articulou o seu deus a não religiosos diante de um inimigo co-
mum e demonizado politicamente, o PT.
17 Freston, 1993; Machado, 2006.
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Com ajuda de Deus, pela família, pelo brasileiro, pelos evangélicos da 
nação toda, pelos meninos do MBL [Movimento Brasil Livre], pelo Vem 
pra Rua. Dizendo que Olavo [Carvalho] tem razão, sim. Dizendo tchau 
a esta querida. Dizendo tchau ao PT, Partido das Trevas. Eu voto sim ao 
impeachment.
A mesma referência demoníaca apareceu alguns dias após a 
votação do impeachment ter sido acolhida pelo Senado Federal, 
em 11 de maio. Em um grande encontro de pastores em Santa 
Catarina, Feliciano exibiu uma mensagem gravada de Michel 
Te mer, já como presidente interino, especificamente para aqueles 
religiosos. Após a mensagem, Feliciano fez a seguinte oração: 
Conseguiram colocar no nosso país um motivo de guerra: brancos 
lutam contra negros, religiosos contra ateus, pobres contra ricos, índios 
contra roceiros. E neste momento nós decretamos que este espírito que 
divide o país está sumindo daqui. Porque um tempo de unidade, de pros-
peridade vai cair sobre a nação brasileira […] Nós ordenamos que todos 
os demônios desaparecerão de nossa nação e decretamos que o Brasil é 
do senhor Jesus.
Trata-se de um discurso político em forma de oração ou de 
uma oração como discurso político, mas ambos operando na ló-
gica de um inimigo que precisa ser destruído. A oração de Feli-
ciano diagnosticou um ambiente de cisão social – que um mar-
xista petista poderia nomear como luta de classes resultante das 
gestões do PT. Na narrativa de Feliciano, as cisões “bolivarianas”, 
comunistas e “lulopetistas” serão superadas pela conciliação que, 
para ele e outros tantos empreendedores morais, visa à contenção 
dos avanços do ateísmo comunista e da moralidade secular. 
Na mesma lógica de destruição do inimigo, mas com maior 
be licosidade, o deus do deputado Jair Bolsonaro (PSC/RJ) se 
con funde e se retroalimenta do símbolo Brasil, que é compreen-
dido em termos de nação e de soberania (militar, de forma mais 
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restri ta). O resultado é um deus comprometido com uma ordem 
nacio nal anticomunista, autoritária e militar. Ele declarou em 
seu voto: 
[…] Perderam em 1964. Perderam agora em 2016. Pela família e pela 
ino cência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve... Contra o 
comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela me-
mória do Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rous-
seff ! Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Bra-
sil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!
O deputado federal Jair Bolsonaro, conhecido por posições 
fascistas, como o elogio feito a um torturador, e não apenas ao 
regime militar, migrou para o PSC, partido de Feliciano e de 
outros deputados da Assembleia de Deus. Após a votação da Câ-
mara, Bolsonaro foi batizado pelo pastor Everaldo (candidato à 
Presidência em 2014 pelo PSC) no rio Jordão – o mesmo onde 
João Batista batizou Jesus. Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha, as-
sim como Garotinho, não são evangélicos que foram para a po-
lítica, mas que estenderam suas bases para esse universo religioso 
por meio de atos rituais e narrativas de conversão.
A decisão a favor da admissibilidade do processo na Câmara 
dos Deputados, com maioria qualificada (dois terços), foi sub-
metida posteriormente à aceitação do Senado Federal por maio-
ria simples, no dia 12 de maio. A presença evangélica no Senado 
é bem mais tímida do que na Câmara. São apenas três em um 
universo de 81 senadores. Dois discursos merecem destaque.
O senador Magno Malta em seu voto articulou três temas do 
debate público atual: a família, o aborto e maioridade penal. 
Eles [militantes dos direitos humanos] querem matar a família por-
que são ávidos por legalizar o aborto nesta terra. A família tradicional 
nada vale pra eles. Redução da maioridade, nem falar. Para eles, se um 
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sujeito conseguir sobreviver a um aborto, pode matar, pode estruprar 
[sic], pode sequestrar porque até os 17 anos estão protegidos. [...] Edu-
cação quem dá é pai e mãe. Escola abre janela para o conhecimento [...] 
Porque professor e professora, no máximo, têm obrigação de educar os 
seus filhos, e não os meus. Os meus educo eu [...] Eles não querem famí-
lia dentro desta participação. Mas é preciso chamar a família, que é o 
nascedouro de todas as coisas.
Esses trechos do seu discurso referem-se aos projetos que con-
tamcom sua condução no Senado Federal e que ficaram mais em 
evidência em 2015 e por quase todo o ano de 2016 devido à con-
dução de Cunha na presidência da Câmara dos Deputados. São 
eles, o Estatuto da Família e o Escola sem Partido (que engloba 
o combate à denominada ideologia de gênero). Este último tem 
como local de disputa os conteúdos escolares com impacto nas 
escolhas políticas e na moralidade dos adolescentes e jovens, 
como se encontra no início da declaração de Bolsonaro citado 
anteriormente: “Pela família e pela inocência das crianças em sala 
de aula, que o PT nunca teve...”.
O outro voto do Senado foi de Marcelo Crivella (PRB/RJ), 
sobrinho do bispo Edir Macedo. Diferentemente da Câmara, os 
discursos dos senadores poderiam durar até 15 minutos, mas Cri-
vella utilizou pouco mais do que quatro minutos. Sua fala foi 
tímida e em tom pastoral,18 enfatizando a crise econômica e a 
necessidade de o julgamento de Dilma ser considerado um ato 
justo, e não justiceiro. Na verdade, Crivella pareceu buscar jogar 
pouca luz sobre si, afinal o PRB, ligado à Igreja Universal, par-
ticipou dos governos petistas desde 2002 e foi um dos últimos 
18 O uso retórico de parábolas e provérbios deu ao seu discurso um caráter mais indireto e 
com tom de sabedoria. Seu posicionamento político foi declarado de forma muito me-
tafórica. Crivella foi ministro da Pesca no primeiro mandato de Dilma, entre 2012 e 2104. 
Posteriormente o PRB assumiu o Ministério dos Esportes e a responsabilidade de realizar 
as Olimpíadas, em 2016.
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partidos a abandonar o governo Dilma a poucas semanas da 
votação na Câmara. Um dos últimos movimentos políticos de 
Dil ma foi procurar o bispo Macedo para que o PRB não aban-
donasse a coalizão. Macedo teria dito, apenas, que oraria por ela 
e seu governo.
Crivella e o PRB deslizaram sem sobressaltos da coalizão pre-
sidida pelo PT para a do PMDB pós-impeachment. O discurso 
apoiador das políticas redistributivas passou a reverberar o cate-
cismo do “Estado mínimo”. Ressalte-se, entretanto, a pouca ên-
fase nas questões morais. Vide os poucos projetos apresentados 
pelos deputados do PRB na Comissão de Direitos Humanos e 
Minorias, que é alvo da ação preferencial da Assembleia de 
Deus.19 Os interesses da Igreja Universal envolvem mais as ges-
tões dos negócios, principalmente nos meios de comunicação.
Por fim, aqueles que votaram contra o impeachment, regra 
geral, apontaram para três aspectos: o crime de responsabilidade 
da presidente não configurado, o caráter golpista do processo 
jurídico-político e o fato de aquela sessão ter sido conduzida por 
um presidente corrupto. As poucas referências a deus entre os 
que votaram contra o impeachment, nove vezes, visaram con-
denar a evocação a deus e aos familiares para justificar o voto. 
Como exemplo, Patrus Ananias (PT/MG) declarou: “Colegas 
deputadas, deputados, na minha já sexagenária caminhada de 
militante político e social cristão jamais vi e ouvi tantas afrontas 
ao segundo, ao quarto, ao sétimo mandamentos da lei de Deus…”. 
Esses mandamentos são: o uso do nome de deus em vão; hon-
rar pai e mãe; e não roubar. 
A primeira parte do discurso de Ananias teve o objetivo de 
censurar religiosamente o uso do nome de deus durante as de cla-
rações de voto que o antecederam. Mas, na segunda, ele fez refe-
19 Gonçalves, 2016.
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rências aos programas sociais dos governos petistas como o Bol-
sa Família, o cuidado com os pobres etc. Trata-se de políticas 
redistributivas em boa medida herdeiras da tradição católica do 
petismo, que encontrou na Teologia da Libertação e nas Comu-
nidades Eclesiais de Base, nos anos 1980, uma fonte polí tico- 
-religiosa potente. Na conjuntura atual, o setor “igrejeiro” do PT 
tem pouca capacidade de mobilização dos mais vulneráveis dian-
te dos apelos da religiosidade evangélica. O deus de Patrus Ana-
nias é o perdedor do processo político em curso.
Mas a política também é o lugar da traição, da conspiração, 
da corrupção. Se no jogo discursivo de demonização Feliciano 
referiu-se às “trevas”, sinonímia de diabólico, Glauber Braga 
(PSOL/RJ) declarou: “Eduardo Cunha, você é um gângster. O 
que dá sustentação à sua cadeira cheira enxofre”. Cunha ouviu essa 
e outras duras acusações em cadeia nacional, mas sempre se man-
tendo calmo e determinado. 
E assim os discursos políticos foram parcialmente atravessa-
dos pela linguagem religiosa, que englobou e se articulou a valo-
res mais tradicionais como família e nação. Ao final da sessão, 
367 deputados votaram a favor da abertura do processo de im-
peachment, 137 votaram contra, sete se abstiveram e houve duas 
ausências. Posteriormente foram realizadas duas sessões no Se-
nado Federal: a primeira para a aceitação do processo, por maio-
ria simples, no dia 12 de maio, e a segunda para o julgamento 
final, no dia 31 de agosto, que resultou na condenação de Dilma 
Rousseff por 61 senadores a favor e 20 contrários.
A onda quebrada e suas linhas de força
Em linhas gerais, a maior parte dos deputados federais que evo-
caram deus está politicamente comprometida com pautas que 
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apontam para uma moralidade pública mais reguladora, para 
uma economia menos estatizante e mais pró-mercado e para uma 
política de segurança mais repressiva e punitiva. Os deputados 
não são apenas evangélicos ou tão somente representam esses 
interesses. Uma parcela dos deputados saiu dos quadros das Igre-
jas, mas outros tiveram diferentes trajetórias profissionais (em-
presários, advogados, policiais) e econômicas, o que os coloca em 
órbitas de influências políticas variadas. Como membros do Par-
lamento, sua atuação tem outras facetas e outros vetores. Da 
mesma forma, a denominada “onda conservadora” não deve ser 
compreendida como uniforme, mas trata-se de uma vaga que 
quebra em várias direções, e qualquer tentativa de leitura dema-
sia damente totalizante perderá boa parte da diversidade do pro-
cesso social. As direções estão articuladas em conexões parciais 
em torno de uma concertação mais ampla. 
Nesse sentido, proponho compreender a conjuntura político-
-religiosa no Brasil atual como composta por linhas de força que 
cooperam para a resultante que tem sido considerada conserva-
dora. Elas não se sobrepõem completamente, podendo até ser 
contraditórias em pontos específicos, mas articulam-se em torno 
de opositores comuns. Quatro linhas de força parecem-me cen-
trais para compreender a conjuntura atual e a participação evan-
gélica no que tem sido nomeado como “onda conservadora”, a 
saber: econômica, moral, securitária e interacional.
A primeira linha de força é economicamente liberal e celebra 
a meritocracia e o empreendedorismo. O enquadramento do de-
bate público aponta para posições que celebram o esforço e o 
mérito individuais, e opõe-se, por exemplo, a políticas públicas 
e sociais de transferência de renda, como o Programa Bolsa Fa-
mília dos governos Lula e Dilma. Tal política redistributiva, as-
sim como outras, é percebida como clientelismo político e forma 
de acomodação dos pobres para o trabalho. As manifestações de 
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15 de março de 2015, as primeiras convocadas contra o governo 
Dilma, ocorreram em uma forte conjuntura de perda de legi-
timidade da presidente da República em função do questiona-
mento de sua reeleição e da gestão econômica. Esse evento – 
prin cipalmente em relação ao que ocorreu na avenida Paulista, 
em São Paulo, e em Copacabana, no Rio de Janeiro – foi acusado 
de elitista e de reafirmar distinções sociais por ser contrário às 
políticas redistributivas dos governos petistas. O sentido do dis-
curso foi de menos Estado na distribuição de benefíciose mais 
empreendimento individual.20 
O mérito decorrente do esforço próprio é valorizado e incen-
tivado religiosamente. Essa é uma característica do discurso ne-
opentecostal que se dissemina cada vez mais pelo pentecosta-
lismo clássico, principalmente pela Assembleia de Deus. Não se 
trata da ética protestante classicamente analisada por Weber, em 
que o lucro decorre de uma conduta econômica metódica e cuja 
ética confere valor religioso a quem é bem-sucedido no trabalho 
secular; e muito menos de uma ética da providência, como no 
pentecostalismo clássico das camadas mais populares, segundo a 
qual deus provê aqueles que permanecem fiéis a ele nos momen-
tos de necessidades materiais, as quais nunca deixam de surgir.
A Teologia da Prosperidade neopentecostal, por sua vez, 
prega uma ética econômica voltada para o mundo, segundo a 
qual possuir e ascender são sinais de que Deus, e não o diabo, age 
em sua vida. Essa ascensão não se ancora especificamente na dis-
ciplina e na dedicação ao trabalho, mas em uma disposição em-
preendedora de quem almeja tornar-se o patrão nas relações de 
 
20 Na disputa simbólica da conjuntura política incerta por que passa o país, os termos de 
acusação se multiplicam em planos distintos. No plano do escracho, o segmento acusado 
de elitista foi denominado como “coxinhas”, e, por sua vez, acusa o PT (e a esquerda) de 
“petralhas”.
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trabalho. Tal disposição de empreender é alimentada por ritos 
sa crificiais – como dar o dízimo – que geram expectativas de 
pros peridade material no futuro. Os riscos materiais do empre-
endimento são considerados atos de fé.
Mas nem só de rito alimenta-se a Teologia da Prosperidade. 
A Igreja Universal oferece cursos para empresários empreende-
dores. Trata-se de orientações contábeis, de legislação, planeja-
mento econômico etc., funcionando como uma espécie de incu-
badora de pequenas empresas comerciais.21
Em linhas gerais, a Teologia da Prosperidade tem uma afini-
dade de sentido com a informalidade e a precariedade do traba-
lho, como as que ocorreram no Brasil nos anos de recessão eco-
nômica nos anos 1980 e 1990, e também com os momentos de 
aumento de consumo, como nos anos 2000. Em ambas as situa-
ções, a doutrina religiosa é capaz de gerar disposições empreen-
dedoras de caráter individualista. O mérito decorre do esforço 
ativo e da atitude empreendedora, e não propriamente do capital 
social e de suas distinções sociais. Isso não significa que os evan-
gélicos não usufruam dos programas sociais do governo federal, 
mas o discurso da prosperidade material, resultante de sacrifícios 
rituais monetários e de atitude empreendedora, é valorizado re-
ligiosamente e adotado como ética econômica.22
Em sintonia com a percepção popular de crise econômica, o 
empreendedorismo foi um dos principais temas centrais da cam-
panha de Marcelo Crivella para prefeito do Rio de Janeiro, em 
2016, como a proposta de isenção de impostos para empreendi-
mentos econômicos em regiões de favela, quase sempre de ini-
ciativas locais. Nos programas de TV, o tema era tratado pelo 
21 Gutierrez, 2017.
22 É recorrente em pesquisas qualitativas de opinião pública os entrevistados atribuírem a 
si ou a deus o sucesso na vida, e ao governo suas dificuldades. 
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candidato em conversa com jovens, homens e mulheres, predo-
minantemente negros. O marketing de Crivella marcou distân-
cia da Universal, sem, contudo, perder o seu eleitorado. No pro-
grama de TV, centrado no discurso do Estado mínimo, enfatizou 
o empreendedorismo sem falar de religião, enquanto nas igrejas 
pregava-se o empreendedorismo sem fazer referência a política.
Se no nível individual o discurso religioso procura gerar dis-
posição para o empreendedorismo, no plano da política insti-
tucional, muitos agentes políticos evangélicos militam declara-
damente por uma agenda liberal. Na campanha presidencial de 
2014, o candidato Pastor Everaldo, com 0,75% dos votos, fez o 
dis curso que combina menor presença do Estado na economia 
e mais regulação jurídica da moralidade pública. O então pre si-
dente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, foi prota go-
nista na aprovação, em primeira instância, do Projeto das Ter cei-
rizações,23 que contou com o voto da Frente Parlamentar Evan-
gélica. Ou, ainda, vale citar a disputa do PSC pela Funai, órgão 
federal central no processo de demarcação de terras indíge nas e 
quilombolas. Na CPI da Funai-Incra,24 na Câmara dos De pu-
tados, a Frente Parlamentar Evangélica operou como linha au-
xiliar da denominada bancada do agronegócio e da mineração 
em oposição aos que militam pelos direitos dos indígenas, sobre-
tudo, a terra. Interessa à Frente Evangélica abrir espaço para ação 
missionária evangélica entre os indígenas como forma de legiti-
mação interna dos políticos religiosos. Terras e almas são bens em 
disputa que articulam diferentes atores do Congresso Nacional.
Para concluir, é necessário situar a questão econômica em re-
lação a outro ator político de maior envergadura: Marina Silva, 
23 PL-4302-1998.
24 <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/
parlamentar-de-inquerito/55a-legislatura/cpi-funai-e-incra>. 
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candidata à Presidência em 2010 e 2014. No que diz respeito aos 
temas sociais e econômicos, sua imagem pública foi construída 
em torno dos referenciais da esquerda petista e do ambienta-
lismo; e, religiosamente, destacam-se as referências católicas li-
gadas aos movimentos sociais (seringueiros e CEBs). Seu período 
de formação política foi em meio a uma forte influência dos se-
tores progressistas da Igreja Católica. A conversão à Igreja Evan-
gélica Assembleia de Deus deu-se nos anos 1990, e até o mo-
mento ela demonstra não ter adotado a Teologia da Prosperidade 
como ética econômico-religiosa. Apesar dessa imagem pública 
consolidada, na última campanha presidencial, em 2014, Marina 
construiu seu plano econômico de governo em uma agenda con-
siderada mais próxima da orientação econômica neoliberal, como 
a proposição de autonomia do Banco Central, o que a aproximou 
do eleitorado do PSDB. Já em 2016, posicionou-se a favor do 
impeachment de Dilma Rousseff, contrariando a decisão de mem-
bros de seu partido, a Rede.
A segunda linha de força refere-se à disputa pela moralidade 
pública, que no Brasil encontra nas religiões cristãs os principais 
canais de sacralização da família e da reprodução da vida. Na 
atualidade, a Igreja Católica mantém suas posições ortodoxas 
nesses temas, embora o Papa Francisco venha dando sinalizações 
em direção ao acolhimento de divorciados, mães solteiras, gays, 
entre outros. Suas sinalizações têm como objetivo o acolhimento 
pastoral a fim de não perder os fiéis mais do que promover mu-
danças profundas nos dogmas.25 Mas a resultante desses vetores 
internos ao catolicismo é a Igreja Católica ainda ser um forte ator 
de contenção em temas como pesquisas genéticas, aborto, casa-
mento e adoção de crianças por casais homossexuais.
25 Almeida, 2013.
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Entretanto, os protagonistas mais visibilizados do conserva-
dorismo moral religioso nos últimos anos têm sido os evangéli-
cos pentecostais que entraram, mais do que em qualquer outro 
momento, na disputa pela moralidade pública para maior con-
trole dos corpos, dos comportamentos e dos vínculos primários. 
Flávio Pierucci 26 já havia anunciado que o crescimento evan-
gélico nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, em 
1986, apontava para o fortalecimento do conservadorismo re-
ligioso e político no país. Cabe dizer que o país viveu, entre idas 
e vindas, no período democrático recente alguns avanços na con-
quistade direitos (civis, sociais, reprodutivos, sexuais etc.). Os 
discursos mais frequentes dos religiosos mais conservadores (ca-
tólicos e evangélicos) são de que se faz necessária a contenção dos 
avanços do secularismo nos comportamentos e nos valores.
Com força política, econômica e demográfica, as pautas de 
ordem moral têm sido canalizadas de forma mais contundente 
no Poder Legislativo – algo relativamente recente. A entrada dos 
evangélicos na política institucional nos anos 1980 visou mais à 
canalização de recursos para a rede religiosa (isenção de impostos 
e concessões de meios de comunicação) do que uma ação con-
tundente no sentido de maior regulação dos comportamentos 
(sexuais e reprodutivos), dos corpos (transgênero e pesquisas 
genéticas) e dos vínculos primários (casamento e adoção gays). 
Mas, desde 2013, após negociação entre o governo Dilma e o 
PSC, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara 
dos Deputados (CDHC) – historicamente associada a temas 
relati vos às questões indígenas, agrárias, imigratórias, de violên-
cia no cam po e na cidade etc. – tem sido um dos palcos da ação 
de religiões cristãs com o intuito de regular e restringir a mora-
lidade liberal e laica.
26 Pierucci, 1987.
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As proposições de ordem moral não apontam somente para 
um tradicionalismo que apenas resiste ao mundo em mudança, 
como comportam-se setores da Igreja Católica. Os evangélicos 
pentecostais têm um conservadorismo ativo e não apenas reativo 
destinado à manutenção do status quo tradicional de caráter mais 
católico. A esses evangélicos têm interessado a disputa pela mo-
ralidade pública.27 Não somente a proteção da moralidade deles, 
mas a luta para ela ser inscrita na ordem legal do país. 
Assembleia de Deus, em suas subdivisões, tem sido protago-
nista em levantar algumas bandeiras.28 Três projetos são emble-
máticos. O primeiro é o Estatuto do Nascituro,29 o qual propõe 
estender os direitos do Estatuto da Criança e do Adolescente 
(ECA) ao feto, a começar pelo direito à vida. O segundo é o Es-
tatuto da Família,30 que a define como constituída tão somente 
a partir da união de um homem com uma mulher. Por fim, o 
ape lidado “projeto de cura gay”,31 que suspende o trecho da reso-
lução do Conselho Federal de Psicologia de 1999 que proíbe o 
tratamento e a cura de homossexualidade, além de vetar mani-
festações preconceituosas em relação aos homossexuais. A des-
peito de os projetos serem ou não aprovados, o importante é seu 
efeito catalisador e canalizador que tem resultados concretos nas 
eleições proporcionais.32
27 Casanova, 1994.
28 Três figuras se destacaram: o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, 
da Assembleia de Deus Madureira; o deputado federal pastor Marcos Feliciano, da As-
sembleia de Deus do Avivamento; e o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vi-
tória em Cristo.
29 PL 478/2007.
30 PL 6.583/2013.
31 PL 4.931/2016. 
32 A eleição de Crivella para um cargo majoritário, na verdade, pode ser considerada a pri-
meira de um candidato cuja base política inicial foi o meio evangélico. Ele conseguiu 
ultrapassar significativamente o eleitoral evangélico e mesmo o religioso. Sua identifica-
ção foi com o conservadorismo moral do espaço público no Brasil.
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Mas não é possível generalizar os evangélicos pentecostais a 
partir dessas posições. Quando se intensificou no país o debate 
público (na verdade, mais restrito às camadas escolarizadas) em 
torno das pesquisas com células-tronco embrionárias e, a rebo-
que naquele momento, da legalização do aborto, a Igreja Uni-
versal declarou-se a favor das pesquisas33 e admitiu o aborto nos 
casos já definidos pela legislação brasileira (estupro, perigo de 
vida para a mãe e feto com anencefalia).34 Tais posições foram 
uma forma de a Igreja Universal se colocar na discussão em con-
traposição à Igreja Católica. Mais recentemente, o bispo Macedo 
tem feito pregações no sentido de que não cabe às igrejas evan-
gélicas atuar para que o Estado estabeleça proibições em questões 
consideradas religiosas. O Estado não deve ser instado a tratar 
desses temas, mais especificamente: o ensino religioso, a homoa-
fetividade, o aborto e as pesquisas com células-tronco embrio-
nárias. Para concluir, os deputados do PRB ligados à Igreja Uni-
versal fizeram pouquíssimas proposições na CDHC presidida 
pelo deputado Marcos Feliciano, mas acompanharam o voto 
conservador dos outros evangélicos, principalmente da Assem-
bleia de Deus.35
Marina Silva, também fiel da Assembleia de Deus, procura se 
colocar a distância dos temas religiosos por concorrer em elei-
ções majoritárias. Assim como ocorreu com o candidato Garo-
tinho na eleição presidencial de 2002, deu-se com Marina em 
2010 e, principalmente, em 2014. Ambos passaram boa parte das 
campanhas fugindo da acusação de serem evangélicos fundamen-
33 Além dela, manifestaram-se também a favor setores mais liberais do protestantismo 
histórico, como a Igreja Metodista e a Igreja Presbiteriana do Brasil. 
34 Os dois primeiros casos estão contemplados no art. 128 do Código Penal Brasileiro e o 
terceiro na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 do STF, de 
2012.
35 Gonçalves, 2016.
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talistas que ameaçam o Estado laico. Em todas as eleições majo-
ritárias nas quais há evangélico participando a religião é temati-
zada. Esse é um enquadramento recorrente em todos os períodos 
eleitorais; ocorreu, por exemplo, em todas as campanhas eleito-
rais de Marcelo Crivella (PRB) para os executivos estadual e mu-
nicipal do Rio de Janeiro. Mas, em 2016, o grande feito de seu 
marketing foi construir uma distância simbólica da Igreja Uni-
versal do Reino de Deus, da qual é bispo licenciado e sobrinho 
do seu presidente-fundador, o bispo Macedo.
Mesmo assim, foi excessivo o tom quase apocalíptico da re-
percussão da vitória de Crivella à Prefeitura do Rio de Janeiro, 
cuja expressão mais significativa eram falas segundo as quais, fi-
nalmente, a “Universal chegou ao poder”. Sua eleição foi perce-
bida para muitos como um passo importante para a expansão do 
fundamentalismo religioso no Brasil. O problema é a ameaça dos 
evangélicos ao Estado laico, e essa percepção é mais verdadeira 
quanto mais o catolicismo e a Igreja Católica estejam invisíveis 
na paisagem social brasileira. A conclusão foi que estávamos a 
caminho do obscurantismo que sobrepõe política e religião, im-
pondo-se como valor, comportamento e poder.36
Em relação à complicada questão do aborto, Marina procura 
preservar-se politicamente propondo um plebiscito. No entanto, 
ela perde nos dois polos: os evangélicos a cobram por não se 
posicionar contra, enquanto o movimento feminista afirma que 
ela tem consciência de que o aborto não seria aprovado em uma 
consulta plebiscitária. Marina também se declara a favor da união 
civil entre pessoas do mesmo sexo, mas evita se referir à expressão 
36 Mas, por outro lado, divulgou-se também a avaliação de que os evangélicos são bons para 
o desenvolvimento econômico do país, pois praticam uma ética empreendedora bastante 
afinada com a lógica da produção no capitalismo flexível. E, por fim, merece destaque a 
crítica à esquerda ou ao campo progressista sobre a necessidade de aprender a lidar com 
o segmento religioso evangélico.
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casamento gay, por compreender casamento como um sacra-
mento. Como comportamento geral, ela se esforça para manter 
sua religiosidade no foro privado, pois sabe que tal perfil lhe fa-
vorece em um segmento da população cada vez mais expressivo, 
mas que a excessiva identificação com ele a limita na disputa 
majoritária.
Em síntese, os evangélicos que têm seguidoa trajetória elei-
toral não são unívocos nos posicionamentos, mas de forma geral 
tra balham a favor das pautas moralizadoras. A diferença entre os 
posicionamentos está no quanto o Estado deve legislar sobre 
os comportamentos, o que faz da laicidade valor público assu-
mido discursivamente por todos, mas com sentidos variados e 
em disputa.
A terceira linha de força refere-se a uma série de movimenta-
ções políticas, demandas coletivas, medidas governamentais que 
apontam para postura e ações mais repressivas e punitivas dos 
aparelhos de segurança do Estado. A redução da maioridade pe-
nal, a lei do desarmamento, a lei antiterror, a política de encarce-
ramento, a militarização de parcela da gestão pública, entre ou-
tros, são temas atuais cujo conjunto aponta para o aumento da 
violência do Estado sobre a população, sobretudo os mais apar-
tados do universo dos direitos. 
Em boa medida, essa linha de força do sistema político tende 
a encontrar um considerável apoio popular, como as políticas de 
encarceramento e ações mais repressivas da polícia na vigilância 
de “potenciais infratores”. A demanda por segurança amplia a 
oferta de serviços privados, que não raro são prestados por agen-
tes públicos. A crescente candidatura de Jair Bolsonaro do PSC 
à Presidência da República é a principal, mas não única, expres-
são dessa linha de força. Se na dimensão da moralidade a cate-
goria conservador se sobrepôs a fundamentalista, em relação às 
concepções políticas a categoria de acusação é fascista.
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Boa parte dos que falam em nome dos evangélicos, entre eles 
o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o 
próprio presidente da Frente Evangélica, participa de um movi-
mento mais amplo que trabalha a favor das restrições dos com-
portamentos e mesmo da criminalização da população. O projeto 
da redução da maioridade penal, aprovado pela Câmara, contou 
com forte condução e interferência de Cunha, que fez uma ma-
nobra regimental para refazer uma votação perdida. O projeto 
serviu como aglutinador de vários segmentos conservadores, 
dentre eles a Frente Parlamentar Evangélica, que tem como pre-
sidente um delegado de polícia representante dos interesses tanto 
da corporação policial como da segurança privada. 
Dogmaticamente, os evangélicos são contra a eutanásia e o 
aborto; na mesma linha, são contra a pena de morte. Mas o pas-
tor Marcos Feliciano e cerca de 1/3 da bancada evangélica vo-
taram a favor da redução da maioridade penal.37 Não há justifi-
cação teológica para aceitar ou refutar a redução da maioridade 
penal como há para condenar a pena de morte ou o aborto. Se o 
discurso evangélico pentecostal não justifica votar pela diminui-
ção da maioridade penal, ele também não se configura como um 
discurso religioso contrário, como, por exemplo, o vinculado a 
setores religiosos progressistas em sintonia com o discurso dos 
direitos humanos. 
Não é possível afirmar que nessa linha de força a atuação par-
lamentar evangélica seja expressiva como a relativa à moralidade. 
Mas ela tem servido no mínimo como linha auxiliar dos inte-
resses dos aparelhos de segurança pública (como as corporações 
po liciais e militares) e privada (empresas).
37 <http://www.camara.leg.br/internet/votacao/mostraVotacao.asp?ideVotacao=6437 
&numLegislatura=55&codCasa=1&numSessaoLegislativa=1&indTipoSessaoLegisla-
tiva=O&numSessao=180&indTipoSessao=E&tipo=partido>. 
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Por fim, a última linha refere-se à qualidade e à intensidade 
das interações sociais em situações de forte antagonismo político. 
A crise política pela qual passa o país, pelo menos desde as mani-
festações de junho de 2013,38 ocorre tanto no plano do sistema 
po lítico como também desceu para as relações interpessoais da 
parcela da população mais mobilizada por tal crise. Na con jun-
tura atual, muitos brasileiros – pelo menos entre aqueles que 
acom panham com maior atenção a política nacional – têm ex-
perienciado, por um tempo prolongado, cisões entre opiniões e 
posições políticas e morais que têm tensionado alguns laços de 
amizade, de trabalho e familiares. Em especial, as redes sociais 
na internet potencializaram ainda mais as tensões interpessoais 
em torno de temas políticos e morais.
Vingança, fobia e ódio foram os termos mobilizados para des-
crever os afetos gerados pela “onda conservadora”. Em 2015, so-
bretudo, quando diversos conflitos interpessoais, seja por into-
lerância religiosa ou política, protagonizaram o debate público. 
O termo vingança foi evocado no debate em torno do projeto da 
redução da maioridade penal, cuja legitimidade baseou-se de-
masiadamente na temperatura da opinião pública. A fobia foi o 
ou tro afeto nomeado quando se tratou de diversidade sexual e 
discriminação de gênero. A frase cristã mais recorrente é emble-
mática: “Amar o homossexual, mas ter repulsa ao homossexua-
lismo”. O discurso pentecostal traz limites à diversidade moral-
-comportamental. A homossexualidade é considerada como 
“de generação moral” de homens e mulheres, por conseguinte a 
união afetiva entre pessoas do mesmo sexo não pode constituir-
38 Manifestações populares que tiveram início contra o aumento das tarifas de ônibus e 
foram se ampliando, por um lado, pelo território nacional e entre brasileiros no exterior 
e, por outro, em reivindicações. As consequências daquelas manifestações ainda necessi-
tam de melhor compreensão, mas elas em boa medida foram uma espécie de gatilho da 
crise política que ainda está em curso no país.
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-se como família. Por fim, o ódio foi outro afeto evocado para 
descrever a conjuntura atual, seja por meio de atos de intole-
rância religiosa, como no evento de forte repercussão pública 
quando uma pedra foi atirada na cabeça de uma menina prati-
cante de uma religião afro-brasileira supostamente por pessoas 
evangélicas39, seja por meio de atos políticos, como o feito contra 
o líder do MST, João Stédile, que sofreu um linchamento moral 
público quando foi perseguido e agredido verbalmente por um 
grupo organizado de manifestantes em uma saída de aeroporto. 
Em alguns momentos, a manifestação quase levou à violência 
física.40 
Isso posto, é preciso ampliar o foco e entender tais atos como 
sintoma de afetos sociais mais amplos que são pouco abertos às 
diferenças, muito voltados sobre si como medida para a vida pú-
blica e, por vezes, agressivos simbólica e concretamente com o 
que negam, o que tem gerado atos de iconoclastia, de vilipêndios 
por meio de rituais, de constrangimento moral e, apesar de me-
nos frequente, mas não ausente, de violência física.41 
Boa parte do pensamento social sobre o Brasil ancorou-se em 
conceitos como o de cordialidade, mesmo com sua violência não 
explícita;42 de sincretismo que definiu a relação entre as religiões 
afro-brasileiras e o catolicismo;43 ou de acomodação, que pautou 
39 Esse é um desses casos-limite de intolerância, afinal, nada mais antibíblico do que um 
apedrejamento, que o diga a mulher adúltera, salva por Cristo com uma frase simples e 
de aplicação universal: “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado”. 
40 <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1685372-lider-do-mst-e-hostilizado-
-no-aeroporto-de-fortaleza.shtml.>
41 “Relatório sobre intolerância e violência religiosa no Brasil (2011-2015): Resultados 
preliminares”. Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude, dos Direitos 
Humanos; organização Alexandre Brasil Fonseca, Clara Jane Adad. Brasília, Secretaria 
Especial de Direitos Humanos, SDH/PR, 2016.
42 Holanda, 2006.
43 Bastide, 1971.
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o debate sobre a entrada do pentecostalismo ao país.44 De certa 
forma, os diferentes conceitospressupõem ajustes, negociações, 
arranjos, em síntese, mediações. No entanto, os termos guerra e 
intolerância têm sido a tônica de algumas relações inter-religio sas 
e de confronto de posições políticas no Brasil contemporâneo. 
Consideração final
A configuração acima é uma visada da conjuntura atual com 
ênfase nas linhas de força que configuram o que tem sido nomi-
nado no debate público como “onda conservadora”. A religião, 
as religiões, os religiosos fazem parte desse movimento mais am-
plo, sendo constituintes e constituídos por ele. Nem todos os 
evangélicos são conservadores, assim como a pauta conservadora 
vai além dos evangélicos conservadores. Dela participam também 
católicos, outras religiões e não religiosos. 
Na verdade, o que se configura como a chamada “onda” é, 
portanto, um emaranhado de vários jogadores em diferentes ta-
buleiros. Daí sugerir pensá-la de forma quebrada em linhas de 
força que resultam de processos sociais desiguais, assimétricos e 
com temporalidades distintas, mas que na conjuntura atual arti-
cularam-se em torno de um inimigo comum. Não se pretende 
atribuir a qualquer uma delas o fator causal para a crise em curso, 
mas analisar como se articulam e configuram a conjuntura atual. 
São vetores sociais que encontraram representação no Congresso 
Nacional e que na crise política trabalharam a favor do impeach-
ment de Dilma Rousseff. Eles estabelecem entre si conexões par-
ciais, ora por afinidades ora por estratégia, mas todas convergem 
no sentido da praia. 
44 Willems, 1967.
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sobre os autores
Alvaro Bianchi é professor livre-docente do Departamento de Ciência Política 
e diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Univer-
sidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutor em Ciências Sociais pela 
Unicamp, foi diretor associado e diretor acadêmico do Arquivo Edgard 
Leuenroth (2009-2017). Coordena o Laboratório de Pensamento Político 
e é autor de O laboratório de Gramsci (Alameda, 2008), Um ministério 
dos industriais (Editora da Unicamp, 2010) e Arqueomarxismo (Alameda, 
2012).
Demian Melo é professor adjunto de história contemporânea do Departa-
mento de Geografia e Políticas Públicas da Universidade Federal Flumi-
nense (UFF), campus Angra dos Reis. Bacharel em História pela Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro, mestre e doutor pelo Programa de 
Pós-Graduação em História da UFF, atualmente desenvolve pesquisa sobre 
o pensamento conservador. É autor e organizador dos livros A miséria da 
historiografia (Consequência, 2014) e Contribuição à crítica da historiogra-
fia revisionista (Consequência, 2017), e membro do corpo editorial das 
revistas Outubro, História e Luta de Classes e Marx e o Marxismo.
Joanildo Burity é doutor em Ciência Política (Ideologia e Análise do Dis-
curso), pesquisador titular da Diretoria de Pesquisas Sociais e professor 
do mestrado profissional em Sociologia em Rede Nacional, na Fundação 
Joaquim Nabuco. Professor colaborador dos programas de pós-graduação 
em Sociologia e Ciência Política, da Universidade Federal de Pernambuco. 
Ex-professor e coordenador do mestrado em Religião e Globalização da 
Universidade de Durham(Inglaterra). Autor de Fé na Revolução: Os pro-
testantes e o discurso revolucionário brasileiro, 1961-1964 (Novos Diálogos, 
2010). Interesses de pesquisa: religião e política; religião e globalização; 
identidade, cultura e ação coletiva.
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
Luciana Tatagiba é professora livre-docente do Instituto de Filosofia e Ciên-
cias Humanas (ICH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 
membro do Departamento de Ciência Política e professora do programa 
de pós-graduação em Ciência Política da mesma Universidade. Desenvolve 
pesquisas e publica sobre os temas: democracia e participação; relação 
en tre movimentos sociais e Estado; movimentos sociais e ciclos de 
mobilização. Ao longo dos últimos três anos, tem se dedicado à compre-
ensão dos movimentos sociais e protestos à direita. Integra a coordenação 
colegiada do Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e 
Ação Coletiva (Nepac-Unicamp).
Rodrigo Toniol é doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal 
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou parte de seu doutoramento no 
programa de antropologia da University of California San Diego (UCSD). 
Foi pesquisador visitante no Global Health Institute da UCSD, nos Esta-
dos Unidos, e no Ciesas, no México. Realizou estudos de pós-doutorado 
no Departamento de Filosofia e Estudos de Religião da Utrecht University, 
Holanda. Atualmente é pesquisador associado ao programa de pós-gradu-
ação em Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 
Suas pesquisas privilegiam os seguintes temas: corpo, saúde, ciência e re-
ligião. Entre seus trabalhos, destacam-se as funções de editor e autor da 
Encyclopedia of Latin American Religions (Springer) e a autoria dos livros 
On the nature trail (N.Science Publishers, 2015) e Do espírito na saúde 
(Liber Ars, no prelo).
Ronaldo de Almeida é professor adjunto do Departamento de Antropologia 
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisador do CNPq 
nível 2. Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Ce-
brap). Possui graduação em Ciências Sociais pela Unicamp (1991), mes-
trado em Antropologia Social pela Unicamp (1996), doutorado em Ciên-
cia Social (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (USP) e 
pós-doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris 
(2007). Tem experiência nas áreas de Antropologia da Religião e Antro-
pologia Urbana, atuando principalmente nos seguintes temas: religião, 
pentecostalismo, política, cidade e pobreza.
Tales Ab’Sáber é psicanalista e ensaísta. Professor de filosofia da psicanálise 
no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Uni-
fesp), pesquisa a relação entre vida subjetiva e história, inconsciente e ide-
ologia. Publicou, entre outros, O sonhar restaurado, formas do sonhar em 
Bion, Winnicott e Freud (Ed. 34, 2005), A música do tempo infinito (Cosac 
Naify, 2012), Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica (Hedra, 2011) e 
Dilma Roussef e o ódio político (Hedra, 2015).
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deuses do parlamento: os impedimentos de dilma
Yara Frateschi é professora de ética e filosofia política na Universidade Esta-
dual de Campinas (Unicamp). Publicou, em 2008, pela Editora da Uni-
camp, o livro A física da política: Hobbes contra Aristóteles. É autora de 
diversos artigos e capítulos de livros sobre filosofia política moderna e 
contemporânea. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, foi 
pesquisadora visitante na Columbia University, na ENS de Paris e na Yale 
University. 
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Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos:
Análises conjunturais
Ronaldo de Almeida
Rodrigo Toniol
Ricardo Lima
Ednilson Tristão
Lúcia Helena Lahoz Morelli
Beatriz Marchesini
Silvia Helena P. C. Gonçalves
Ednilson Tristão
14 x 21 cm
Pólen soft 80 g/m2 – miolo
Cartão supremo 250 g/m2 – capa
Garamond Premier Pro e Minion Pro
200
Título
Organização
Coordenador editorial
Secretário gráfico
Preparação dos originais
Revisão 
Editoração eletrônica 
Design de capa
Formato
Papel
Tipologia
Número de páginas
esta obra foi impressa na gráfica
para a editora da unicamp em de 2018.

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