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Conservadorismos, Fascismos e Fundamentalismos

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conservadorismos, fascismos e
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Universidade Estadual de Campinas
Reitor 
Marcelo Knobel
Coordenadora Geral da Universidade 
Teresa Dib Zambon Atvars
Conselho Editorial 
Presidente
Márcia Abreu
Euclides de Mesquita Neto – Iara Lis Franco Schiavinatto
Maíra Rocha Machado – Maria Inês Petrucci Rosa
Osvaldo Novais de Oliveira Jr. – Renato Hyuda de Luna Pedrosa
Rodrigo Lanna Franco da Silveira – Vera Nisaka Solferini
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Ronaldo de Almeida 
Rodrigo Toniol
(organização)
conservadorismos, fascismos 
e fundamentalismos
Análises conjunturais
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isbn 978-85-268-
xxx Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais / orga-
nização: Ronaldo de Almeida e Rodrigo Toniol. – Campinas, SP: Editora da 
Unicamp, 2018. 
1. Conservadorismo. 2. Fascismo. 3. Fundamentalismo . 4. Política. 5. Brasil. 
I. Título.
 cdd - xxxxx
 - xxxxx
 - xxxxxxx
ficha catalográfica elaborada pelo
sistema de bibliotecas da unicamp
diretoria de tratamento da informação
Bibliotecária: Maria Lúcia Nery Dutra de Castro – CRB-8a / 1724
Copyright ©
Copyright © 2017 by Editora da Unicamp
Direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19.2.1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, 
por escrito, dos detentores dos direitos.
Printed in Brazil.
Foi feito o depósito legal.
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua 
Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.
Direitos reservados à
Editora da Unicamp
Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp
cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil
Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728
www.editoraunicamp.com.br – vendas@editora.unicamp.br
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sumário
introdução 
Ronaldo de Almeida e Rodrigo Toniol ................................................................. 7
1. a onda conservadora na política brasileira 
traz o fundamentalismo ao poder? 
Joanildo Burity ......................................................................................................................... 15
2. donald trump é fascista? 
Alvaro Bianchi e Demian Melo .................................................................................. 67
3. os protestos e a crise brasileira. um inventário 
inicial das direitas em movimento (2011-2016) 
Luciana Tatagiba .................................................................................................................... 87
4. crise, alucinose e mentira: o anticomunismo 
do nada brasileiro 
Tales Ab’Sáber ........................................................................................................................... 119
5. antibolivarianismo à brasileira 
Yara Frateschi ............................................................................................................................ 145
6. deuses do parlamento: os impedimentos de dilma 
Ronaldo de Almeida ............................................................................................................ 165
sobre os autores ................................................................................................................. 197
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introdução
Ronaldo de Almeida
Rodrigo Toniol
Os capítulos aqui reunidos são parte dos textos apresentados e 
debatidos durante o Fórum “Conservadorismos, fascismos e fun-
damentalismos”, realizado em agosto de 2016, com o apoio e a 
pro moção do Fórum “Pensamento Estratégico” (Penses) da Uni-
versidade Estadual de Campinas. As reflexões pretenderam lan-
çar luz sobre a conjuntura nacional, sem perder de vista a ce na 
internacional, marcada por uma crise política desencadeada 
pe los protestos de rua de 2013 e que ainda não encontrou des-
fecho. Por pura coincidência, o evento ocorreu um dia antes 
da vota ção final, no Senado Federal, do impedimento de Dilma 
Rousseff à Presidência da República do Brasil. Trata-se, portan to, 
de um livro produzido no calor da hora e atualizado para esta 
publicação. 
Como dimensão transversal aos textos, constata-se a per-
cepção de que está em curso um processo de “endurecimento” 
das re lações políticas, sociais e culturais em detrimento de algo 
que pode ser metonimicamente denominado como universo dos 
direitos. Daí o caráter intencionalmente hiperbólico do título 
do fórum. 
Conservadorismo, fascismo e fundamentalismo são palavras 
que têm sido mobilizadas com frequência no debate público, 
mas, afinal, qual sua real capacidade descritiva e analítica? Cada 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
um desses termos remete a casos históricos fundantes, cuja ca-
racterização está diretamente associada a atores específicos, im-
plicados em conjunturas histórico-sociais particulares. Trata-se, 
nessa perspectiva, de categorias analíticas capazes de remeter, 
num só ato de enunciação, à complexidade política, cultural e 
econômica de certas configurações históricas. No entanto, é no-
tó rio que o emprego desses termos não está limitado a remis sões 
aos eventos aos quais eles se associam genealogicamente. De mo-
do que também é possível acioná-los como fonte de um reper-
tório simbólico que, embora lastreado pela história, ultrapassa a 
especificidade de seus eventos originários. O caso his tórico, nes-
sa situação, é colocado em função da análise do momento pre-
sen te, que não corresponde com precisão ao “evento fundante do 
termo”, mas com ele se articula porque reverbera configurações 
que, embora variadas, se repetem. 
A cartografia da ocorrência dessas palavras torna-se tarefa 
ainda mais ardilosa quando constatamos outra modalidade cor-
rente de seus usos: como categorias de acusação. Nessa versão, 
cada vez mais constante nos noticiários televisivos, na imprensa 
escrita e nas redes sociais, não é a fidelidade histórica ou a qua-
lidade analítica do repertório simbólico dos termos o que está 
em jogo, mas sim sua potência evocativa, capaz de tornar pú blica 
a indignação de uns com relação à postura de outros.
Os capítulos reunidos neste livro têm como objetos centrais 
de reflexão a conjuntura política e cultural atual e os usos das 
três categorias que o intitulam. Para tratá-las, a saída en con trada 
por seus organizadores não foi a de oferecer definições a elas e, 
a par tir daí, convidar os autores para reflexões concer ta das a 
priori. Pelo contrário, a proposta inicial foi justamente a de refle-
tir sobre es ses termos assumindo a imensa variabilidade de defi-
nições e usos que se faz deles. Isso está expresso nas múltiplas 
abordagens teórico-metodológicas empregadas em cada um dos 
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introdução
capítulos e, principalmente, no variado conjunto de dados ana-
lisados. Nos textos que seguem, o leitor acompanhará reflexões 
que tomam como referência: a presença dos evangé licos na polí-
tica bra sileira, os protestos de rua cuja intensificação deu-se após 
junho de 2013, a eleição de Donald Trump nos Estados Uni dos, 
as últimas disputas entre governo e oposição durante os manda-
tos de Dilma Rousseff e, ainda, a presença pública das religiões e 
o arcaísmo da política brasileira analisados a partir da estética de 
filmes do cinema nacional. Além de todas essas variações empí-
ricas, que tornam tão abrangentes as análises aqui apresentadas, 
adiciona-se ainda outra característica que contribui para a di ver-
sificação dos estilos dos capítulos que seguem, as distintas iden-
tidades disciplinares de seus autores; são elas: ciência política, 
filosofia, antropologia, história e psicanálise. Desde sua con cep-
ção, a proposta deste livro foi a de apostar na multiplicidade (de 
perspectivas e de situações) como caminho para a ampliação de 
nosso entendimento sobre as possibilidades ana líticas das cate-
gorias que eleprivilegia, bem como de nossa ca pa cidade de ava-
liação de casos e contextos a elas associados. Assim, ao te ma ti-
zarmos “fascismo, conservadorismo e fundamen talismo”, o que 
nos interessa, por um lado, é refletir sobre como essas categorias 
mobilizam e são mobilizadas e, por outro, identificar as tendên-
cias dessa conjuntura caracterizada por fortes inflexões políticas 
e culturais.
O capítulo de abertura deste livro tem como título a per gun-
ta que endereça todo o argumento do texto: a onda conserva-
dora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? O 
cien tista político Joanildo Burity apresenta seu quadro de análise 
partindo do que ainda parece ser tratado como uma no vi dade 
no cenário político brasileiro, mas cujo início pode ser traçado 
três décadas atrás, quando os mundos político e aca dê mico bra-
sileiros tomaram conhecimento, de surpresa, do surgi mento de 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
um novo e proeminente ator na cena pública: os pen te costais. 
O argumento de Burity pondera e propõe que dis tan ciemos um 
pouco o foco da discussão sobre o componente fun da mentalista 
do desses religiosos, para, primeiro, perceber um re gime de pu-
blicização da religião, que é irredutível às catego rias “fundamen-
talismo”, “conservadorismo” ou “fascismo”, e, segundo, identificar 
uma nova governamentalidade emergente nu cleada no conceito 
de tolerância, agora disputada, contestada pelos conservadoris-
mos, fascismos e fundamentalismos, mas nada neutra ou ino-
cente. Nesses dois regimes, a religião pública e a tolerân cia, pa-
rece que são jogadas algumas das disputas mais importantes e 
fundamentais para entendermos o que será o Brasil dos próximos 
anos. Mas seria apenas isso que estaria em jo go? O Brasil dos 
pró ximos anos? São essas duas perguntas que desencadeiam os 
principais argumentos do capítulo. 
O texto da sequência desloca o campo empírico-analítico da 
crise político-institucional brasileira de 2013-2016, para o pleito 
elei toral estadunidenses que elegeu Donald Trump. A pergun-
ta que o intitula apresenta o quadro geral de reflexão elaborado 
pelo cientista político Alvaro Bianchi e pelo historiador Demian 
Melo: “Donald Trump é fascista?”. Certamente haveria ra zões 
ime diatas para responder a essa questão, rapidamente, de ma neira 
positiva. Amparados por uma intensa revisão do “fascismo” en-
quanto categoria de análise, os autores enfrentam a pergunta que 
mobiliza o texto a partir de sua pertinência ana lítica e não de sua 
retórica política. É nesses termos que a pergunta do título é abor-
dada e, principalmente, é dessa maneira que o texto de Bian chi 
e Melo produz um deslocamento mais ge ral nas re flexões presen-
tes neste livro, não apenas porque muda seu locus empírico para 
longe do Brasil, mas também porque faz do contexto analisado 
seu ponto de partida para avaliar a capacidade analítica do con-
junto de categorias sobre as quais esta obra pretende refletir.
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introdução
Numa espécie de movimento circunvolutivo de análise de con-
juntura política, que ora se aproxima do contexto ins ti tucio nal 
partidário, ora se afasta dele para privilegiar, justamente, as ma-
nifestações de sua negação, o terceiro capítulo do livro aborda o 
tema dos protestos no Brasil. Luciana Tatagiba faz uma leitura 
abrangendo o período entre 2011 e 2016 e propõe-se responder: 
Quem são os atores coletivos que plasmaram o turbulento ciclo 
de mudanças pelo qual passamos nessa década? Quais as teias 
relacionais a partir das quais engendram suas identidades cole-
tivas? Quais são seus projetos políticos? Quais as relações que 
estabelecem com o campo político-institucional? Quais as suas 
narrativas sobre a democracia? O que esperam do Estado? Que 
tendências esses processos emergentes apontam para a reconfi-
guração das relações entre sociedade civil e sociedade política no 
Brasil em médio e longo prazos? Para respondê-las, a autora ana-
lisa em minúcia todos os protestos no ticiados do primeiro ao 
último dia de mandato do governo Dilma. O resultado é uma 
série cuja detalhada depuração não deixa dúvidas sobre a varie-
dade da natureza dos protestos realizados e tampouco da capa-
cidade de catalisação política que esses cinco anos tiveram para 
a história do país. 
Na sequência, o psicanalista Tales Ab’Saber parte do que con-
sidera ser um momento extraordinário de revelação do Brasil, um 
momento íntimo e raro em que o país produz intensamente a si 
próprio. Tales está se referindo à onda de protestos que ocuparam 
as ruas pedindo o impeachment da presidenta Dil ma Rousseff. 
Esse foi um evento significativo, quando a nação se instanciou e 
nesse ato nos deu uma brecha para um exercício de aprendizado 
sobre nós mesmos. O elemento articulador de sua análise, no 
en tanto, não são os materiais recolhidos diretamente nos protes-
tos, mas sim a estética de filmes do cinema nacional, como Cabra 
marcado para morrer – como se sa be, um filme feito em dois 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
tempos, entre 1964 e 1984, por Eduardo Coutinho e seus com-
panheiros de viagem – e Terra em transe, de Glauber Rocha. A 
sedução do texto de Tales está em transformar uma ampla varie-
dade de elementos, aparentemente dispersos, como filmes, lite-
ratura, notícias de jornal e cartazes em protestos ocorridos nos 
últimos anos, em partes de uma única trama, que é capaz de nar-
rar certas permanências da cultura política brasileira. 
O texto da filósofa Yara Frateschi está dedicado à análise do 
discurso que assume o “antibolivariano” como reação à instau-
ração da Política Nacional de Participação Social (PNPS), em 
2014. Certamente, argumenta a autora no início de seu empre-
endimento genealógico sobre as disputas políticas implicadas na 
aprovação dessa política, a reação parlamentar que culmina com 
o projeto de decreto legislativo 1.491 e susta os efeitos da PNPS 
foi mais uma etapa na batalha do Poder Legislativo contra Dilma 
Rousseff. Contudo, a análise que Frateschi elabora sobre aquele 
discurso faz ver que o seu alcance é mais profundo do que a mera 
imposição de mais uma derrota ao governo federal, uma vez que 
faz incidir críticas sobre o próprio modelo de cidadania estabe-
lecido no Brasil depois do fim do regime militar. Essa é a faceta 
mais perversa daquele evento, pois que não está endereçada ape-
nas este ou àquele governo, mas compromete a própria possibi-
lidade de aprofundamento e ampliação da democracia brasileira 
que, sabem os seus opositores, depende do empoderamento dos 
movimentos sociais e das minorias políticas, bem como da pos-
sibilidade da sua participação na formulação de políticas pú-
blicas. Assim, num esforço de síntese, o texto de Yara traça as 
características do modelo de democracia e cidadania que tem se 
es tabelecido no Brasil. Um modelo que cada vez mais rejeita as 
formas públicas de discussão e argumentação, reduzindo as prá-
ticas e possibilidades decisórias da população e que também tem 
sufocado o exercício mesmo da própria representação. Pensando 
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introdução
à luz de um quadro mais amplo e retrocedendo um pouco mais 
na história recente do país, a autora mostra que o discurso “an-
tibolivarianiano” compõe esse quadro de disputa pelo modelo 
de cidadania da nação. 
Por fim, no último capítulo, o antropólogo Ronaldo de Al-
meida apresenta uma densa narrativa, capaz de refazer a cena 
para o leitor, da votação de admissibilidade do processo de im-
peachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, ocor-
rida em 17 de abril de 2016. A partir desse contexto, Almeida 
analisa o que vem sendo denominado como “onda conservadora” 
e pergunta-se como os evangélicos participam desse processo no 
Brasil. Seu argumento central é o de que o país passa por mudan-
ças em diferentes dimensões e escalas da vida política, social ecultural que caminham em direções variadas, mas convergentes 
em alguns aspectos. Trata-se do que denomina de conexões par-
ciais, que conformam um movimento mais geral em direção ao 
conservadorismo. Para demonstrar esse argumento, o texto faz 
dois movimentos. No primeiro, discute al gumas declarações de 
parlamentares durante a votação do im peachment da presidenta 
Dilma Rousseff, identificando o jogo das forças políticas envol-
vidas. No segundo, analisa a “onda” decompondo-a em quatro 
linhas de força centrais: economicamente liberal, moralmente 
reguladora, politicamente autoritária e socialmente intolerante. 
Este livro não tem como objetivo apresentar definições fi nais 
para cada uma das três palavras que o intitulam. Antes disso, o 
es forço é o de apresentar uma cartografia das variações nos mo-
dos pelos quais essas palavras são acionadas, seja por seus víncu-
los históricos, por sua qualidade analítica ou ainda quando ar-
ticuladas como categoria de acusação. É por isso que optamos 
por usar a forma plural desses termos, indicando que, mais que 
se empenhar em singularizá-los, vale investir na aná lise da diver-
sidade de suas ocorrências e de seus usos. 
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A onda conservadora na 
política brasileira traz o 
fundamentalismo ao poder?
Joanildo Burity
Introdução
Há 30 anos os mundos político e acadêmico brasileiros tomaram 
conhecimento, de surpresa, do surgimento de um novo ator na 
cena pública: os pentecostais. Desde então, muito se tem dito e 
escrito a respeito deles, que cresceram demograficamente de mo-
do notável no período (o take-off começou ainda nos tempos da 
ditadura militar), após cerca de 60 anos de relativa invisibi lidade 
e insignificância numérica na sociedade. Ao aparecer publica-
mente, em meados dos anos 1980, os pentecostais já representa-
vam mais da metade de todos os protestantes brasileiros, e esse 
percentual cresceu, aproximando-se de dois terços. Não ape nas 
isso, mas “pentecostal” ou “carismático” tornou-se um atributo 
de identidade religiosa de muitos protestantes em igrejas chama-
das históricas, que absorveram essa espiritualidade e esse ethos, 
após escaramuças doutrinárias e divisões eclesiás ticas entre fins 
dos anos 1960 e fins dos anos 1970 (a chamada “re novação espi-
ritual”, o movimento carismático evangélico).
Desde o início de sua atuação pública recente, os pentecostais 
se notabilizaram pela polêmica, dada sua estridente denúncia de 
discriminação e perseguição religiosa e de uma “ameaça comu-
nista” pairando sobre o país, na saída do regime militar (nisso, 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
nenhuma novidade em relação aos evangélicos tradicionais e a 
amplos setores católicos). Depois, por seu corporativismo des-
bragado e por uma sequência de casos de corrupção, que chega-
ram a impactar duramente, em dois momentos eleitorais, a estra-
tégia de construção de um bloco evangélico no Congresso.1 Por 
fim, tornados uma espécie de fiel da balança no tabu leiro eleito-
ral nacional desde fins dos anos 1990, os pentecostais2 são hoje 
parte ineludível do cenário político brasileiro. Seu perfil, man-
tendo os traços já mencionados, aprofundou-se nos últimos anos 
pelo acirramento da disputa com outros ato res minoritários 
igual mente beneficiados pelo processo de de mocratização bra-
sileiro – mulheres, pessoas negras, indígenas e minorias sexuais, 
dentre outros.
1 Essa estratégia não foi inteiramente elaborada previamente, nem conduzida pelas mesmas 
mãos, ao longo do período. “Os pentecostais”, como “os evangélicos”, não são, sabida-
mente, um grupo monolítico, nem possuem uma liderança convergente em nível nacional 
(muito menos regional ou local). Há correntes e líderes, mais ou menos bem-sucedidos, 
mas, por razões estruturais do protestantismo, nenhuma unidade de comando possível 
existe. Assim, o sucesso da estratégia tem se devido, curiosamente, a sua flexibilidade e 
condução prag mática, numa palavra, a sua contingência. Amplamente suprapartidária 
e policêntrica, a existência da “bancada evangélica”, em si, nunca foi suficiente para 
assegurar coe são. Isso veio politicamente, primeiro pela disputa antimajoritária com a 
Igreja Católica, depois com “os comunistas” e, mais recentemente, contra feministas, 
LGBTs, militantes negros(as) e indígenas e o “marxismo cultural”. Um processo de so-
bredeterminação, portanto, não uma sequência cronológica ou uma unidade de propó-
sitos, articula esses momentos ao longo do tempo.
2 Ou “os evangélicos”, como se passou a denominar o campo formado por um coletivo na 
verdade bem heterogêneo dos pontos de vista ideológico, partidário e ético-político. “Os 
evangélicos” é um termo-valise, que expressa um bem-sucedido processo de hegemo ni-
za ção do campo protestante pelos pentecostais, iniciado ainda em fins dos anos 1970, por 
iniciativa de uns poucos visionários pentecostais (criadores da tese do “irmão vota em 
irmão”), e consolidado em poucos anos a partir do sucesso eleitoral de 1986. “Os evangé-
licos” estão para a luta interna pela hegemonia do campo protestante como “bancada 
evangélica” está para a luta externa por influência na sociedade e na política nacionais. 
Ambos são pontos nodais – ou seja, termos que “amarram”, “compactam” e sinalizam a 
existência de um sujeito coletivo e servem de ponto de referência para interpelar outros, 
aliados e adversários, para uma estratégia político-religiosa pentecostal, ancorados na 
plausibilidade e na “evidência” produzidas pelo crescimento numérico ininterrupto desse 
segmento cristão ao longo de cerca de 50 anos. Por isso mesmo, não são referentes de uma 
objetividade dura e previamente dada, mas ingredientes de uma prática hegemônica. De 
uma política, de um projeto.
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a onda conservadora na política brasileira...
Até aqui, nenhuma novidade. Nenhum dado novo para com-
plicar a narrativa-padrão dos discursos acadêmicos, midiáticos e 
dos diversos atores – aliados e adversários – da minoritização 
pentecostal.3 O perfil preponderantemente conservador, moral 
e político, quase que independentemente do posicionamento 
partidário, não se alterou. Apenas tornou-se mais desabrido. Na-
da que não soubéssemos, mas mais incisivo e escancarado. 
Mas há, sim, um dado novo. Na conjuntura pós-eleições pre-
sidenciais de 2014, a desenvoltura e o protagonismo com que 
o bloco pentecostal hegemônico (“os evangélicos”/a “bancada 
evan gélica”) se moveu entre o Legislativo e o Executivo e mobi-
lizou a “sociedade civil” e a “indústria cultural” evangélicas do 
país em seu favor projetaram esse ator de forma notável no cená-
rio político que se foi conformando até o desfecho no processo 
de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a for ma ção do 
governo do ex-vice-presidente Michel Temer. Não ape nas isso, 
mas, de uma coalizão liderada pelo PT, o principal partido de 
esquerda das últimas décadas no Brasil, emergiu uma das mais 
reacionárias formações políticas da história republicana do país 
(em si mesma não exatamente um primor de progressismo!), da 
qual “os evangélicos” parecem ser, e isso é o que surpreende, uma 
força-chave. Formação política que tem derrubado por terra um 
enorme e apenas parcialmente bem-sucedido esforço de alinhar 
a trajetória institucional da democratização com a trajetória de 
auto-organização da sociedade civil e dos movimentos sociais e 
populares.
Em agosto de 2016, no dia em que se julgou a admissibili dade 
do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, um grupo de in-
3 Sobre minoritização religiosa, não tenho como elaborar aqui. Só posso remeter a outros 
escritos recentes, nos quais me estendi mais a respeito: Burity, 2015; 2016b; 2016c.
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismos
telectuais reuniu-se na Unicamp4 para compreender esse dado 
novo. Percebemos que há algoaí que não se deixa captar por um 
único nome, mas ainda não se consegue nomear com cla reza, 
ainda que se pense tratar de uma confluência de figuras da reação 
moderna: conservadorismo, fascismo, fundamenta lismo. Levan-
do a sério o título do evento (e agora deste livro), havia mesmo 
dúvidas quanto aos termos no singular, donde serem propostos 
no plural. Ou quem sabe, a julgar pelas vírgulas, índices de um 
certo paralelismo ou ao menos contiguidade, restam dúvidas 
sobre se a malignidade desses termos está em sua mera contigui-
dade ou numa espécie de remissão mútua, com laivos de especifi-
cidade em cada caso, mas harmonizados os seus efeitos numa 
co mum desagregação da ordem democrática e plural que pensá-
vamos estar sendo aprofundada e ampliada. Desde então, nada 
menos que isso veio avançando. Ao encadearmos “conservador-
ismo, fascismo e fundamentalismo”, estaríamos sen do didáticos, 
reservando um momento específico para o exame de cada termo, 
uma visada particular para cada feixe de práticas descortinado 
por sua utilização analítica ou descritiva? Essa aparente clareza 
cartesiana, na verdade, escondia mais perplexidade e frustração 
do que confiança quanto ao percurso. Saberemos melhor ao final 
dele? Mas quando virá esse final?
Por que preocupa tanto, neste momento, a confluência desses 
significantes? Estamos falando de objetos claramente configu-
rados, dados e, sobretudo, interconectados? Que lógicas ou an-
siedades fazem ligar esses termos metonimicamente, como se 
4 Uma versão inicial deste texto foi apresentada numa sessão do Fórum Penses, promovido 
pela Universidade de Campinas, sobre o tema “Conservadorismos, fascismos, fundamen-
talismos”, em 30 de agosto de 2016. O Fórum se propunha a discutir a conjuntura atual, 
particularmente a brasileira, partindo da indagação se estamos vivenciando uma onda 
conservadora em política e que outras expressões de conservadorismo estariam presentes 
nesse cenário. A presente discussão foi proposta na mesa “Religião no espaço público”, 
da qual participei.
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nos falassem de um passado já conhecido e retornante (um fan-
tasma do passado),5 ou de um futuro ameaçador, porque decerto 
só trans parece a sanha de destruição do presente? Quem se pre-
ocupa? Quem faz essas ligações? Afinal, ao colocarmos o sig ni-
ficante “fascismos” entre “conservadorismos” e “fundamenta-
lismos”, não apenas evocamos o trauma em escala mundial do 
pe ríodo entre o Pós-Primeira Guerra e o Pós-Segunda Guerra 
Mundiais, mas também indicamos que algo se agregou às repre-
sentações conhecidas, no singular, de cada um desses termos, 
multiplicando-os, pluralizando-os, complicando-os. Perdemos 
uma guerra? Estamos entrando nela? Ou começa outra? Com 
quem lutamos ou lutaremos? Decorreria da multiplicidade dos 
três termos nosso maior medo ou ressentimento? Estaríamos 
sendo rodeados de figuras múltiplas, sorrateiras ou ostensivas, do 
mal, às quais não sabemos como resistir? A religião, à guisa de 
fundamentalismos, é um dos inimigos? As religiões, no plural? 
Apenas aquelas correntes dentro de cada uma que fazem o jogo 
dos conservadorismos e dos fascismos? Ou precisamente não o 
sabemos, porque os fundamentalismos seriam muitos, talvez já 
não somente os especificamente religiosos?
Como se define a relação entre a enunciação científica num 
cenário de intensificação dos afetos no cenário político, quando 
o espaço público se torna sobrecarregado de valores, senti men-
tos de ameaça e urgência, incivilidade, dissimulação, táticas de 
defesa e de ataque e uma cacofonia de diagnósticos sobre a crise 
que vivenciamos (nunca esquecendo a tendência de con ti-
nuarmos a tomar o Estado-Nação como unidade privilegiada 
de análise)? 
5 Revenant, em francês, tanto pode significar “retorno” como “fantasma”, “espectro”. Isso 
não escapou a Derrida (1994) em sua análise do marxismo e da conjuntura pós-queda do 
Muro de Berlim, em Espectros de Marx.
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Dados os acontecimentos transcorridos no Brasil desde a 
pos se de Michel Temer na Presidência, por ocasião da admis-
sibilidade do processo de impeachment contra a presidenta, te-
mos sido atordoados por todas essas questões. Particularmente 
por serem tão difíceis de responder. Por sequer sabermos se são 
estas as melhores, as mais aguçadas. De qualquer modo, eu gos-
taria de sugerir um percurso para colocar o tema proposto da 
“re ligião no espaço público” neste preciso contexto de trauma, de 
medo, de antagonismo, de ressentimento, de percepção de que 
as fontes do mal se multiplicam e tomam conta, tomam lugar. 
Fa larei de religião, não da religião. E interrogarei o que é ou se 
há algo de especificamente religioso nesta cena política pós-2014 
que o conceito de fundamentalismo(s) esclareceria, nomearia, 
singularizaria. Concluirei propondo que distanciemos um pouco 
o foco da discussão sobre o componente fundamentalista do 
trauma para perceber a) um regime de publicização da re li gião 
que é irredutível às categorias “fundamentalismo”, “conserva-
dorismo” ou “fascismo”; e b) uma governamentalidade emer-
gente, nucleada no conceito de tolerância, agora disputada, con-
testada pelos conservadorismos, fascismos e fundamentalismos, 
mas nada neutra ou inocente. Nesses dois regimes, o da religião 
pública e o da tolerância, e entre eles, parecem se jogar alguns 
lances importantes do que tem sido e será o Brasil dos próximos 
anos. Mas seria apenas isso que estaria em jogo? O Brasil dos 
pró ximos anos? 
Autoimunização, ressentimento e antagonismo 
Apresento, de partida, minha concordância: há, sim, uma on da 
conservadora (suspendamos, por enquanto, se esse termo substi-
tui e engloba os outros dois). Na religião, na política e, descobri-
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mos alarmados, nas relações interpessoais, entre nossos amigos e 
conhecidos (donde nosso perplexo recurso ao fantasma do fas-
cismo), e pelas mídias sociais, extensivamente entre estranhos 
e desconhecidos. Conservadorismo desabrido, insolente, sem 
meias-palavras e sem meias-medidas. Disputando todas as evi-
dências do que chamamos de avanços dos últimos 13 anos (al-
guns dos quais já haviam começado mesmo antes) e anulando-as 
como desperdício de tempo, como apostas infundadas, como 
pro dutos da corrupção, como perigosos precedentes ou como 
figuras do mal a exorcizar, esquecer ou punir. O conservadorismo 
ao mesmo tempo se apresenta como ferido pelo que se passou e 
como aquilo que tem que voltar, se impor, para que a sociedade, 
a economia, a política se reergam, reajam aos sinais de corrupção 
e de decomposição do tecido social. Apre senta-se como o fun-
damento abalado, mas ainda capaz de reação e retomada, da 
ordem e do progresso, da ordem com(o) progresso, prometidos 
pela República cujo nome, aplicado ao Brasil, é um de nossos 
autoenganos. Conservadorismo que teve na crescente presença 
pública de certos atores religiosos nas últimas décadas tanto 
um sinal de sobrevivência como de reforço deliberado, ca paz 
de ir absorvendo novos conteúdos com o passar do tempo. Em 
suma, há con servadorismo, e, mais uma vez, “a religião” parece 
ser uma participante aguerrida e temivelmente protagonista de 
sua produção.
Mas já introduzo minha primeira qualificação: a onda con-
servadora não se contém nas fronteiras nacionais, nem se origina 
de seu interior. A geografia e a cronologia dessa onda não são 
singularmente brasileiras nem definidas de modo estável e linear. 
Não têm ordem, nem progridem linearmente. Uma maré mon-
tante de reação conservadora crescentemente globalizada se er-
gueu no mesmo período, grosso modo, quero insistir, que a reação 
brasileira identifica como a temporalidade do desastre de que 
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conservadorismos, fascismos e fundamentalismospretende nos redimir, só que muito mais amplamente e indepen-
dente da dinâmica brasileira:6 desde o início do novo século. Seus 
sinais apontam precisamente para uma resposta e uma recusa a 
processos iniciados anteriormente à conjuntura pós-2014. Donde 
se tratar de uma reação conservadora. Elenco alguns desses sinais, 
esquematicamente: 
a) Desde fins dos anos 1960 se foram intensificando diversas in-
junções ao estar junto (reconhecimento, integração, inclusão, 
participação), traduzidas na emergência das chamadas polí-
ticas de identidade, do multiculturalismo, de múltiplos pro-
cessos de democratização política, de uma guinada cul tural 
na política de esquerda, e de uma nova cepa de pluralismo 
li beral. Essas injunções constituíram uma prática de subjeti-
vação levada a cabo por movimentos sociais emergentes, por 
ONGs internacionais e locais, por discursos acadêmicos e 
mes mo empresariais. Estar junto: reconhecer, nomear, aco-
lher ou ao menos conviver com as diferenças. Estar junto: 
expressar solidariedade e assumir responsabilidade por der-
rotados e explorados de outrora e de hoje, de perto e de longe, 
fazendo-lhes justiça ou reparação. Estar junto: alargar a defi-
nição da identidade nacional pela contagem de práticas, nar-
6 Ao contrário. A despeito de suas vicissitudes, o período de 2000 a 2016 definiu a trajetó-
ria dominante brasileira na contramão de macrotendências internacionais e globais. Digo 
“trajetória dominante” porque seja nos primeiros três anos dessa periodização algo impro-
visada, seja ao longo do período, houve abundantes indicações de que aquelas macro ten-
dências eram favorecidas por forças sociais e políticas brasileiras e eram potencializadas 
por iniciativas específicas dessas forças, representadas em todos os governos desde o 
retorno ao governo civil em 1985. Mas essas forças locais não conseguiram jamais agir 
sozinhas (até 2002), nem dar a direção ao processo após 2003. Enquanto o mundo do-
brava-se ao neoliberalismo globalizado e depois ao avanço do extremismo islâmico e à 
crise imigratória pós-2008, o Brasil seguia numa trajetória de democratização, ambígua 
e incompleta, mas contraditória com as macrotendências. Tal contramão agora é dura-
mente penalizada por uma “corrida contra o tempo perdido” dos setores mais regressivos 
da sociedade brasileira, alinhados, enfim, com o cenário global.
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rativas e pessoas até aqui expulsas, excluídas, expropriadas. 
Em meio às lutas, as conquistas vieram. A resposta foi cres-
centemente positiva das instituições estatais, intergover-
namentais e regionais a essas injunções ou a mudanças no 
âmbito das políticas públicas, da legislação e das práticas ju-
diciais. Em outras palavras, a injunção a que as maiorias 
re conhecessem as minorias, que as elites ampliassem o acesso 
de massas ao bem-estar e à segurança da cidadania a elas asse-
gurado, que o reconhecimento da pluralidade social não pro-
duzisse ou justi ficasse exclusão e entrincheiramento, mas in-
clusão, essa injunção transformou-se em governamentalidade, 
para usar o termo de Foucault;
b) A partir dos anos 1990, com a crescente globalização do ca-
pitalismo em sua versão neoliberal, desregularam-se os mer-
cados e estimulou-se uma mobilidade transnacional do tra-
balho. Desde então, a multiplicação de conflitos, crises eco-
nômicas e catástrofes ambientais também provocou fortes 
mi grações por motivos políticos e econômicos. O envolvi-
mento de potências ocidentais em vários desses conflitos – da 
antiga Iugoslávia ao Iraque, Afeganistão e Síria – opor tunizou 
que contingentes de refugiados se deslocassem, particular-
mente para a Europa ocidental. Isso intensificou a circulação 
de pessoas dos países mais pobres ou devastados pela guerra 
em direção aos mais ricos e, por sua vez, o contato cotidiano 
entre diferentes (nacionais e imi grantes/refugiados), gerando 
formas de acolhimento, mas também ansiedades, temores, 
ressentimentos e novos lugares de antagonismo na política 
doméstica e global. A presença de uma nova geração de imi-
grantes nos países do Norte reforçou pro cessos de diaspo-
rização já em curso – e relacionados de várias maneiras ao 
processo de visibilização e reconhecimento da diferença em 
curso –, mas introduziu disputas sobre o objetivo da tarefa 
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da inclusão: assimilação? Hospitalidade cosmopolita? Acei-
tação resignada – e ressentida – do outro? Negociação de 
regras e limites de acolhimento e extensão do regime de ci-
dadania? Reativação de códigos coloniais de produção da 
sub serviência?;
c) Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova 
York (seguidos de outros em 11 de março de 2004, em Madri, 
e 7 de julho de 2005, em Londres) produziram um conjunto 
de efeitos-resposta que delinearam um crescente e incontro-
lável pro cesso autoimunitário,7 pelo qual a incerteza sobre 
quem seria, onde estaria e como agiria o inimigo levou a me-
didas que não só se destinavam potencialmente a qualquer 
pessoa (inclusive gente de bem), como causaram a suspensão 
ou autolimitação de mecanismos legais e políticos demo cráti-
cos, introduzindo uma ambígua equação entre retórica demo-
crática e funcionamento antidemocrático das instituições. As 
democracias ocidentais foram aos poucos introduzindo me-
didas de exceção que suspendiam a ordem liberal-democráti-
ca em função de poderes discricionários para pre venir-se ou 
atacar inimigos nomeáveis, mas elusivos. Deu-se a construção, 
em escala global, de um novo inimigo do Ocidente capitalis-
ta, já não o socialismo, mas “o islã” (a despeito de todas as 
qualificações oficiais feitas, de que se trataria apenas do ter-
rorismo ou extremismo ou fundamentalismo is lâ mico[s], a 
fronteira entre o particular e o universal aqui nun ca foi tão 
deslizante). Como cultura, civilização ou religião, o islã, as-
sim concebido, reocupou o lugar da religião cristã co mo ini-
miga da modernidade de séculos passados, só que agora em 
plano civilizacional, como para Huntington.8 De volta “a re-
7 cf. Derrida, 2004.
8 Huntington, 1997.
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ligião” como ameaça integrista, intolerante e ir ra cional à or-
dem vigente, como fonte de violência incontida;
d) A crise financeira de 2008 reacendeu fantasmas de uma crise 
geral do capitalismo, nos moldes do crash de 1929, que re cru-
desceu o embate entre estatistas e desenvolvimentistas, de um 
lado, e neoliberais, de outro. Nos países mais duramente 
afeta dos, de partida, pela explosão e rápida disseminação da 
crise, o desemprego, o crescimento da inflação e a perda de 
capacidade regulatória do Estado geraram profundas cliva-
gens políticas em relação ao que fazer. Nesse contexto, dá-se 
uma paulatina aproximação entre forças ultraliberais em eco-
nomia e forças ultra direitistas em termos de proteção do Es-
tado e da sociedade nacionais contra os efeitos da crise. Essa 
aproximação produziu, assim, programas de cunho crescen-
temente privatista, tecnocrático, antipo pular (inclusive xenó-
fobo) e militarista, justificados pela situação excepcional que 
a crise teria desencadeado, que de mandava “proteger” os na-
cionais e sacrificar os de baixo (novamente acusados de sobre-
carregar os custos de produção e os sistemas previ den ciários), 
para que a travessia da crise se fizesse sem pôr em risco o status 
de investidores e empreendedores como os únicos grupos com 
os meios de fazer a “retomada do cres cimento”; 
e) Nem bem a crise financeira deu sinais de normalização – por 
meio de uma surpreendente concertação “keynesiana” entre 
governos do capitalismo avançado, tanto quanto, pasme-se, 
pela reiteração das práticas financeiras e da ideologia neo-
liberal que geraram a própria crise – e dois pro cessos forte-
mente conflitivos explodem no norte da África e na Ásia (daPenínsula arábica ao Iraque): a chamada “primavera árabe” e 
a emergência do Estado Islâmico, compondo-se com os efei-
tos da primeira, no caso da Síria. Reforça-se o clima de inse-
gurança, belicosidade e autoimunização já existente desde o 
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início do novo século e amplia-se a movimentação de mas sas 
em busca de sobrevivência, a ponto de produzir uma pro-
funda crise migratória na Europa, agora tanto a Orien tal 
como a Ocidental. Aprofunda-se a am bivalência quanto a 
quem é o inimigo a ser combatido, com a multi plicação de 
atos terroristas perpetrados por cidadãos europeus. Emergem 
explicitamente discursos e formações políticas neonazistas e 
ultradireitistas com apelo popular junto às popu lações “na-
cionais”. O inimigo é percebido como já estando dentro do 
corpo, alimentado, apoiado, permitido por “nós pró prios” – 
em outras palavras, cidadãos/cidadãs nacionais de posições 
liberal-sociais e de esquerda, membros de diásporas e os novos 
imigrantes/refugiados, todos se tornam inimigos em poten-
cial e al vos da ação preventiva/repressiva do Estado contra “o 
terrorismo” e “a crise” e de cruzadas culturais para expurgar o 
mal internalizado. Políticas de contenção doméstica da ra-
dicalização são ativadas, normalmente associadas a expedien-
tes de racialização baseados no binômio estrangeiro/muçul-
mano; crescem a xenofobia e o racismo.
Assim, a conjuntura dos últimos 17 anos exibe uma questão 
intratável referente ao presente (doentio) e ao futuro (talvez fa-
tal) da “ameaça terrorista” e da “crise”, que leva à autoimunização, 
por meio de uma intensificação do antagonismo, da máxima vi gi-
lância, da suspensão/abdicação de direitos e garantias em nome da 
proteção contra essas ameaças intangíveis e da rapidez na arre gi-
mentação de defesas contra o outro, mesmo que ao custo do fo go 
amigo, da generalização da desconfiança, do me do e da agres-
sividade reativa, dos danos colaterais. Trauma: a fe rida aberta nos 
deixa suscetíveis a efeitos ainda piores, que não conhecemos ain-
da. Como diz Derrida: “O traumatismo é produzido pelo futuro, 
pelo que há-de-vir, pela ameaça do pior que há-de-vir, mais do 
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que pela agressão que ‘já terminou’”.9 Os efeitos desse trauma 
so bre as instituições e a cultura demo cráticas não demoraram a 
se fazerem sentir, criando um caldo de cultura no qual o acir-
ramento da competição econômica, a emer gência de tensões e 
descompassos entre demandas redistributivas e por reconheci-
mento, e um crescente temor e ressentimento diante da plura-
lidade étnica e cultural levaram a uma in tensificação da polariza-
ção política.
O Brasil nesse cenário
Se o ponto da primeira parte do argumento é que a onda con-
servadora vem se erguendo há muitos anos, num cenário global 
alimentado pela insegurança (interna e externa) e por crises eco-
nômicas, meu segundo passo é sugerir que o contexto brasileiro 
não ficou imune às mesmas forças, nem a reencontrar soluções 
apresentadas para ela no plano global, embora as tenha refratado 
por um bom tempo. No caso da “ameaça terrorista”, somente 
mui to recentemente houve alguma ressonância – na preparação 
jurídica para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, com o sanciona-
mento da lei antiterrorismo, com vetos, pela presidenta Dilma 
Rousseff (lei 13.260/2016).
Creio que se trate, em nosso caso, também de um caso de in-
tensificação e propagação, não tanto de surgimento de processos 
inauditos. Afinal, seja pela via de dinâmicas político-institu-
cionais decorrentes do presidencialismo de coalizão brasileiro, 
seja de dinâmicas glocais de afirmação de direitos, a “coexistência” 
de liberais, esquerda e direita em política exibiu uma constante 
disputa por hegemonia no interior das coalizões eleitorais desde 
9 Derrida, 2004, p. 160.
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a redemocratização dos anos 1980. Nas duas formações hegemô-
nicas das últimas décadas, a da terceira via liderada pelo PSDB 
entre 1995 e 2002 e a do lulismo pós-2003, a direita manteve-se 
como sócia minoritária, mas jamais ausente ou sem possibilidade 
de influência. O que temos hoje é um reencontro da política bra-
sileira com os vetores macro da política global, que não deixa de 
surpreender pela virulência e a urgência da estra tégia de desmon-
tagem dos arranjos construídos nas gestões lideradas pelo PT. 
Neste sentido, ironicamente, o projeto democratizante deu lugar 
a um parasitismo da direita que, ao longo do tempo, a transfor-
mou em agente autoimunitário.
Parece-me, em segundo lugar, que essa virulência e urgência 
fo ram dramatizadas pela extensão e a profundidade do avanço 
das demandas minoritárias no pós-2003: feministas (ações de 
pro moção da igualdade de gênero em várias áreas de governo); 
afrodescendentes (Estatuto da Igualdade Racial); religiosas (no-
vo Código Civil e várias concessões nas políticas sociais e cultu-
rais); LGBT (lei contra a homofobia; terceiro Plano Nacional de 
Direitos Humanos); ativistas sociais (Política Nacional de Par-
ticipação Social). Emoldurando esse processo, as políticas majo-
ritárias no campo social (Bolsa Família e políticas de educação, 
saúde e habitação) produziram um impacto fortemente demo-
cratizador e trouxeram para a equação vida cotidiana/política 
institucional uma solução altamente inovadora na história repu-
blicana brasileira. Vários desses avanços, inclusive, já vinham dos 
governos FHC (1995-2002). Mas produ ziram, particularmente a 
partir das eleições de 2010, um acir ramento crescente entre per-
dedores relativos – sendo a elabora ção dessa perda diversamente 
construída desde lugares sociais que não se poderia definir ape-
nas como “elites” ou “classes dominantes”, mas mobilizando mas-
sas. O denominador comum dos conservadorismos que foram se 
arregimentando não estava na origem, mas foi alvo de uma com-
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plexa trama de aproximações táticas no contexto de uma cres-
cente frustração e impa ciência ante a determinação da maioria 
da população em san cionar a continuidade do projeto lulista.10 
Projeto no interior do qual havia ganhadores que se sentiam per-
dedores, alarmados pela equalização de condições em curso num 
dos países mais desiguais do mundo. Projeto que, no entanto, 
parece não morrer de uma morte natural, haja vista a inquestio-
nável simpatia do eleitorado brasileiro, no esquentar dos tambo-
res das eleições presidenciais de 2018, a uma possível candidatura 
de Lula, como revelam pesquisas de todos os naipes ideológicos.
Quando se esperava que os anos Lula-Dilma seriam um cená-
rio de virada, de consolidação de um caminho de trans formação, 
uma aurora de democracia social, política e econômica, uma con-
junção de contratendências emerge a partir de 2013 desencade-
ando uma nova crise de hegemonia no Brasil. Desse processo e do 
seu desfecho podem ser apresentadas como indicativas:
a) As chamadas “Jornadas de Junho de 2013”, que exibiram e 
in tensificaram a fragmentação do campo democrático-popu-
lar, desorientaram a esquerda e levaram à emergência de de-
mandas conservadoras usando os repertórios de ação coletiva 
daquele campo e situando-se no mesmo nível, passando em 
seguida a disputar, com sucesso, a voz e a identidade popular 
com a esquerda; 
b) As dificuldades crescentes de gestão da heterogeneidade po-
lítica da coalizão governista pela presidenta Dilma Rousseff, 
sem a presença afiançadora e negociadora de Lula, e a infeliz 
tentativa de repetir a receita utilizada no primeiro enfrenta-
mento da crise mundial de 2008, pela adoção de uma compo-
sição entre política econômica e reformas legais de corte ne-
10 Rennó & Cabello, 2010; Singer, 2012; Ricci, 2013.
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oliberal com indução “desenvolvimentista” (anticíclica) do 
Estado, acentuaram o distanciamento do governo das expec-
tativas do novo “povo” criado pelo lulismo, resultando numa 
fragmentação da coalizão, no aprofundamento da cri se eco-
nômica e no crescimento da insatisfação de múltiplos setores. 
Esses vetores foram mutuamente reforçados durante e após o 
processo eleitoral de 2014, pela posição de siste mático boicote 
e bloqueio assumido pelas oposições, pela campanha sistemá-
tica de ataque midiático e pelo esfriamento do apoio popular, 
levando a uma inviabilização do governo desde seus primeiros 
momentos;
c) A efetiva derrota da coalizão lulista nos primeiros meses de 
2016, a despeito da vitória eleitoral de 2014, levou à abertura 
do processo de impeachment da presidenta e à materialização 
de um golpe parlamentar-jurídico-midiático que pôs a direita 
no poder pela primeira vez depois de Collor (1990-1992).
A figuração de uma “nova ordem” pós-lulismo, desde 2015, 
foi conformando a montante do que estamos chamando de on da 
conservadora. Nesse período, vemos emergir cadeias de equi-
valência entre demandas conservadoras de diferentes naipes e 
vá rios esforços de construção de uma nova lógica majoritária, 
uma nova hegemonia (ainda que permaneçamos, talvez por um 
fio, em crise de hegemonia, no pleno sentido gramsciano do 
ter mo). Como no início de cada uma das duas outras formações 
hegemônicas recentes (a terceira via peessedebista e o lulismo), 
o caráter heterogêneo das forças convergentes não impediu de se 
fazer sentir o peso dessa lógica majoritária, com uma “evi dência” 
que se quer irresistível. As medidas anunciadas e as mudanças na 
legislação iniciadas a partir do governo interino de Michel Te-
mer, o impeachment incontornável ainda que intei ramente fabri-
cado jurídica e politicamente e o rápido e impla cável desmonte 
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de políticas, marcos legais e garantias constitucionais em curso 
desde o impeachment, são o testemunho dessa tentativa de re-
construção hegemônica (ainda que também indiquem diversos 
prenúncios de um regime de exceção, na medida em que a impa-
ciência e a urgência do desmonte possuem indícios de uma inse-
gurança quanto à possibilidade de fazer tudo nos marcos de uma 
ordem democrática).
A nova ordem que emerge desde a autorização de abertura 
do processo de impeachment de Dilma Rousseff resulta da con-
vergência proativamente produzida de três estratégias de en-
frentamento:
a) Enfrentamento da crise econômica pela desmoralização (em 
escala glocal) das políticas anticíclicas da esquerda e pela pro-
posição radicalizada do receituário neoliberal nos moldes de 
uma nova reforma do Estado (tanto institucional como nas 
políticas públicas) e de uma ampla desregulação da legis lação 
social e trabalhista, dessa vez sem etapas, limites ou concessões;
b) Enfrentamento da pauta anticorrupção, por meio de um des-
locamento na relação entre Legislativo, Judiciário e gran de 
mídia, que passam a pautar fortemente o Executivo, a “foca-
lizar” os alvos de investigação e a desmobilizar, em toda a ex-
tensão do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), o ím-
peto investigatório dos últimos anos, ao mesmo tempo em 
que “focalizam” os alvos das investigações e não se furtam a 
ir atropelando o devido processo de modo cada vez mais acin-
toso – particularmente nos casos de condução coercitiva, pri-
sões preventivas e indiciamentos seletivos e com timing di-
tado pelos movimentos da conjuntura;
c) Enfrentamento da pluralização de valores, da relativização das 
fronteiras étnicas e das hierarquias sociais produzidas pelas 
políticas da era Lula-Dilma, e suas traduções em termos 
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de direitos e participação ampliados para pobres, mulheres, 
jovens, minorias sexuais, afrodescendentes, indígenas etc., 
pela articulação de um discurso de recomposição da or dem, 
as sentado na desqualificação ou no silenciamento do dissenso 
e na contenção sociocultural e legal das políticas de reco-
nhecimento.
Esses enfrentamentos não são obra de algum ator particular. 
A convergência – indicativa de uma recomposição política emer-
gente – se dá num aparente consenso a que concorrem atores 
partidários, do Judiciário, a grande mídia e significativos setores 
da academia e da burocracia estatal. (Auto)Convocados na base 
de um “contra tudo o que aí está”, mas cada vez mais unidos ape-
nas em torno de seu antilulismo (sequer a pauta da luta contra a 
corrupção aglutinando o conjunto das forças da ordem hoje). Em 
nome do afastamento da presidenta e, por vezes explicitamente, 
do objetivo de banir o Partido dos Trabalhadores do cenário po-
lítico nacional, as demandas de enfrentamento são vistas como 
equivalentes ou complementares, por enquanto, sem que as ten-
sões entre elas tenham, até o momento (início de 2018), levado 
a um fracasso ou desmonte do novo bloco no poder. 
Veamos surgir, efetivamente, nos últimos meses o cenário de 
uma pós-democracia emergente, de uma democracia consensual 
(Colin Crouch, Jacques Rancière, Chantal Mouffe) e de uma 
vio lação decisionista (Carl Schmitt) da lei e dos direitos demo-
cráticos em nome da preservação da democracia e da sociedade 
diante das ameaças a serem enfrentadas – crise econômica, cor-
rupção, demandas por direitos, inversão das hierarquias, plura-
lização dos valores majoritários. Ou seja, um processo autoimu-
nitário: o afã reconstrucionista de uma nova hegemonia ameaça 
destruir a própria coisa em nome da qual fala tão maniacamente.
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Haveria um “especificamente religioso” neste cenário 
de crise e surgimento de uma nova hegemonia? 
Os ingredientes que se combinam na nova receita de ordem e 
progresso, estou sugerindo, provêm de tendências e processos 
globais e locais que, no entanto, precisaram ser articuladas, não 
simplesmente se deram. Até mesmo o formato institucional da 
derrota do lulismo tem precedentes internacionais e latino-ame-
ricanos recentes: Paraguai e Honduras. Mas haveria uma singu-
laridade no caso brasileiro: a proeminência de uma das minorias 
beneficiadas pelas transformações trazidas pela de mocratização 
e agora inconciliada com os rumos assumidos por esta última no 
período lulista, apenas desembarcando pragmaticamente de um 
barco a pique. Tendo participado ativamente do mesmo pro-
cesso, descola-se dele nos últimos lances. “Os evangélicos”, uma 
novidade na política brasileira pós-Nova República, voltam-se 
contra o mesmo projeto que mais sistematicamente os cortejou 
e empoderou. Outra expressão de autoimu nização. Mas esse re-
gistro bastaria? A obviedade desse script não esconderia algo? 
Seria uma confirmação do que já se denun cia ra tan tas vezes, quer 
na academia e no mundo do ativismo social quer na política 
institucional? 
Minha primeira observação é que um balanço da presença 
pública das religiões na conjuntura fechada pelo impeachment 
nos permitiria identificar quatro atores principais,11 não apenas 
um: católicos, evangélicos, movimento ecumênico/ativismo so-
cial inter-religioso e religiões de matriz africana. Nos três úl timos 
casos, estivemos às voltas com processos de minoritização reli-
11 Agradeço a Ronaldo de Almeida e Rodrigo Toniol por haverem apontado a contínua 
relevância do modelo hierárquico-eclesiástico católico, durante a discussão inicial deste 
texto, no evento em Campinas. 
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giosa, ou seja, de emergência de atores concorrentes da re ligião 
majoritária, pensada como coextensiva à identidade nacional e 
com acesso privilegiado ao Estado e à esfera pública. Emergência 
que se caracterizou por reclamar a “equiparação” do catolicismo 
ao status de uma minoria religiosa entre outras,em pé de igual-
dade com outras, por meio da lógica cultural da pluralização e 
das políticas de identidade. Minoritização que tam bém atraves-
sou a tessitura organizacional das próprias religiões estabelecidas, 
delineando minorias emergentes no seu interior, articuladas a 
contrapartes em outros espaços sociais, pelo impacto no campo 
das religiões das demandas étnicas, sexuais, de gênero etc., mo-
bilizadas na sociedade.
Apesar de produzirem uma pluralização de campos e estraté-
gias no interior das religiões (com repercussões, inclusive no mo-
delo católico), esses processos minoritizantes definiram, ao largo 
do modelo polimórfico católico-romano (e tensionando com 
ele), três modelos de “ocupação” do espaço público, ao longo das 
últimas três décadas: (a) a via político-eleitoral pentecostal; (b) a 
via da incidência pública ecumênico-ativista; e (c) a via da cul-
turalização das religiões afro-brasileiras. Essas vias são cla ramente 
distintas da via hierárquico-eclesiástica do catolicismo (e suas ra-
mificações “pastorais”), de relação institucional da Igreja com o 
Estado, através de sua hierarquia episcopal ou de suas estruturas 
de ação pastoral herdadas da Ação Católica e do Vaticano II. 
O modelo católico corresponde estritamente ao conceito so-
cio lógico de Igreja na tipologia weber-troeltschiana – ins ti tucio-
nal, coextensivo com a identidade nacional, abrigando dispu tas 
entre várias modalidades de relação com a cultura e a po lítica e 
delas lançando mão em diferentes momentos: o constantinismo 
(religião oficial), a cristandade, os “dois gládios” luteranos, o en-
frentamento antimoderno, a concordata, o liberacionismo etc. 
– e neste sentido não se confunde com os ou tros que nomeio. 
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Mas, quero ressaltar, o modelo católico vive, nesse contexto, uma 
clara contestação por parte do modelo evangé lico (via político-
-eleitoral), que, na lógica da minoriti za ção connollyana,12 deman-
da que o catolicismo seja “rebaixado” ou nivelado à condição de 
uma entre muitas “minorias religiosas”, uma entre outras moda-
lidades de religião pública, em nome de uma isonomia jurídico-
-política e de uma agonística político-cultural (caso especial da 
estratégia da Igreja Univer sal do Rei no de Deus e das teologias 
do domínio). Isso tem levado, na prá tica, a que o modelo católi-
co de Igreja venha perdendo coesão, nas últimas décadas, mesmo 
quando conquista vitórias parciais, como no caso do Acordo do 
Brasil com o Vaticano, de 2010.
Embora os três modelos minoritários acima não sejam exclu-
sivos dos respectivos grupos e tenham se cruzado de várias ma-
neiras, inclusive com o modelo católico, houve, a meu ver, uma 
clara predominância na operação de cada um. Por outro lado, o 
destino que têm tido ou terão na nova ordem pós-impeachment 
não estava dado de antemão, mas me parece clara a prevalência 
da via político-eleitoral em detrimento das outras duas, com o 
catolicismo mais uma vez perdendo espaço.13
“Os evangélicos”, nome para uma aliança intrarreligiosa de 
protestantes conservadores capitaneada por líderes pentecostais, 
12 Cf. Connolly, 2011; Burity, 2016c.
13 Essa perda de espaço do catolicismo, quase por definição, não afeta a Igreja de uma única 
vez. O catolicismo não é uno e tem sempre mantido rotas de escape, além de ter acumu-
lado enorme experiência de relação com o Estado e com constelações de forças adversas, 
mobilizando suas correntes internas em função dos interesses de longo prazo da Igreja 
hierárquica. No caso brasileiro, por exemplo, há suporte oficial da Igreja a iniciativas dos 
três modelos minoritários – em acordos pragmáticos da “bancada católica” no Parlamento 
com a evangélica; na reação ao impeachment junto com as igrejas e organizações ecumê-
nicas protestantes (unanimemente anti-impeachment); e no apoio às políticas de patri-
monialização da cultura religiosa afrodescendente, que se erigem sobre uma larga tradição 
que beneficia a Igreja. Esse polimorfismo, indicativo da pluralidade interna e da lógica 
estratégica da hierarquia, adverte contra leituras apressadas sobre uma espécie de feneci-
mento generalizado do catolicismo.
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optaram por uma estratégia de representação eleitoral autônoma 
(“corporativa”) que, pelo seu sucesso, foi se redefinindo paulati-
namente em termos de uma pretensão a tornarem-se go verno,14 
participando como tais (ou seja, como grupo religioso) em nego-
ciações de coalizões, ocupando diferentes partidos e bus cando 
controlá-los (com maior ou menor grau de sucesso, como no caso 
da IURD com o PL/PR e da Assembleia de Deus com o PSC, mas 
também envolvendo diretórios regionais de vários outros parti-
dos) ou criando novos partidos e dirigindo-os (casos da IURD 
com o PRB). Mesmo onde se tratou de traje tórias individuais 
(como Eduardo Cunha no PMDB), essa “vocação hegemônica” 
não deixou de fazer-se sentir, materia lizando-se na construção da 
Frente Parlamentar Evangélica15 e na in di cação de nomes na for-
mação de chapas para eleições majoritárias (cargos executivos em 
todos os níveis de governo e ao Senado Federal). 
Acumulando uma sólida experiência através da criação de es-
truturas cada vez mais profissionalizadas de planejamento, deli-
beração e monitoramento da estratégia, os chamados conselhos 
políticos, a cúpula pentecostal se constituiu como partido reli-
gioso, no sentido gramsciano de uma força sociopolítica efetiva, 
mesmo que a representação tenha se construído por vias plu ri-
partidárias, no sentido institucional de partidos políticos. O su-
cesso do modelo pentecostal levou a uma emulação por parte de 
14 Cf. Machado & Burity, 2014.
15 A Frente Parlamentar Evangélica existe desde 2003. Embora registrada naquele ano (52a 
Legislatura, 2003-2006), a Frente não aparece no site da Câmara nas duas legislaturas 
seguintes, seguindo regulamentação instituída pela Mesa Diretora da Câmara, em seu 
Ato n. 69, de 10/11/2005. Isso porque a exigência formal do regimento da Câmara Fede-
ral de participação de pelo menos um terço dos parlamentares para a formação de uma 
frente par lamentar manteve o agrupamento como extraoficial, comumente conhecido 
como “bancada evangélica”. Retorna na 55a Legislatura, iniciada em 2015, quando reuniu 
199 assinaturas de deputados e 4 assinaturas de senadores, em novembro daquele ano, 
constituindo-se como frente mista (cf. <http://www.camara.leg.br/internet/deputado/
frentes.asp>). Para diferentes análises da Frente Parlamentar Evangélica, ver Baptista, 
2009; Trevisan, 2013; Dip, 2015; Suruagy, 2016.
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outros grupos religiosos, da Renovação Carismática católica aos 
espíritas e religiões de matriz africana, com variados resultados. 
Mas, cada vez mais, os pentecostais se afirmaram aí como prota-
gonistas e reforçaram sua estratégia de representação autônoma 
com participação num bloco de forças políticas regido pela ló gi ca 
do presidencialismo de coalizão.
Por ecumênicos/ativistas sociais inter-religiosos quero de sig-
nar um conjunto predominantemente formado por católicos e 
pro testantes envolvidos em projetos sociais locais, pastorais so-
ciais, agências ecumênicas de serviço, organizações não gover-
namentais e instâncias de direção denominacionais, nacionais 
ou atuantes no Brasil, mas também por gente de outras religiões 
e sem religião, empregada nessas organizações ou aliada em ini-
ciativas inter-religiosas concretas. A principal marca desse con-
junto de atores tem sido a prioridade para atuar sobre as institui-
ções (Executivo, Legislativo e Judiciário) desde a perspectiva da 
so cie dade civil e dos movimentos sociais. Sua orientação prio-
ritária é a da incidência pública, entendida como controle social, 
como participação qualificada em instâncias consultivas e delibe-
rati vas (fórunse conselhos de políticas públicas ou de programas 
go verna mentais, conferências temáticas etc.), e como mobili-
zação de base para pautar temas importantes, subsidiar a for-
mulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas ou 
pro testar contra situações várias de injustiça, violência, riscos 
ambientais etc. 
Ao campo ecumênico, desde os anos 1990, veio se juntar, em 
diferentes níveis de organicidade, um veio do mundo evangé lico 
socialmente mobilizado e decididamente escanteado pela mi-
noritização pentecostal, o evangelicalismo da missão inte gral, for-
çado à aproximação pelo estreitamento dos espaços no cam po 
evangélico para sua proposta de integrar evangelização conver-
sionista, identidade doutrinária tradicional e ação sociopo lítica 
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radical. Esse campo tem importante referência no mundo da as-
sistência social, através da Rede Evangélica Nacional de Ação 
Social (Renas),16 e, institucionalmente, na Aliança Cristã Evan-
gélica Brasileira.17 Duas importantes ONGs internacionais, Visão 
Mundial e Tearfund, têm um papel articulador importantíssimo 
nesse contexto.
De um lado, os pentecostais se apropriaram da proposta de 
visibilidade pública evangélica que, no início dos anos 1980, era 
disputada com ecumênicos e evangelicais, e venceram pelos nú-
me ros. De outro lado, os evangelicais se radicalizaram no mes mo 
período da minoritização pentecostal, distanciando-se dos pen-
tecostais e sendo neutralizados por ela na disputa pela “sociedade 
civil” evangélica e no reconhecimento público de quem falaria 
pelos evangélicos. O fiasco da Associação Evan gélica do Brasil 
e o impacto modesto da nova Aliança Cristã Evan gélica Brasi-
leira em operar uma clivagem com o Conselho de Pastores do 
Brasil e com a liderança da Assembleia de Deus e da Igreja Uni-
versal do Reino de Deus selaram a subalternização dos evange-
licais e ensejaram um encontro com a minoria ecumênica e inter-
-religiosa, tanto pela base como em nível de lideranças. Hoje, a 
Visão Mundial, uma das maiores ONGs do país em estrutura e 
financiamento, praticamente não se identifica mais como evan-
gélica (e sim como cristã), atua sem a prioridade de antes em 
atrair igre jas evangélicas para a promoção de projetos sociais, 
descola-se do proselitismo e engrossa as redes seculares e reli-
giosas progressistas de ativismo sociopolítico. Incidência pública 
é seu jogo.
A via afro-brasileira de ocupação do espaço público nunca foi 
exclusivamente religiosa, nem na sua agência nem no seu conte-
16 Ver <www.renas.org.br>. 
17 Ver <www.aliancaevangelica.org.br>. 
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údo propositivo. Referência de autenticidade da ancestralidade 
africana para o movimento negro, objeto privilegiado da antro-
pologia da religião e crescentemente da sociologia da religião 
brasileiras (candidatas de primeira hora a compor a frente pela 
inclusão das pessoas negras a uma ampliada identidade his tó rica 
e política brasileira), as religiões de matriz africana, especial-
mente o candomblé, seguiram o caminho oblíquo reco men dado 
por uma plurissecular tática de sobrevivência e subalter nidade: 
buscaram o reconhecimento e a participação pela via da cultura-
lização. Com esse termo quero ressaltar a complexa articulação 
de uma política de identidade, uma reivindicação de cidadania 
religiosa e uma patrimonialização como mecanismo de institu-
cionalização do reconhecimento via políticas públicas de cultura. 
Jogo oblíquo, pelo qual a identidade negra brasileira foi ancorada 
pelo movimento negro na religião sincretizada dos ex-escravos, 
como liame vivo com as raízes africanas, ao mesmo tempo em 
que os próprios líderes do candomblé e, em menor escala, da 
um banda demandaram contagem (no sentido rancièreano) entre 
as religiões publicamente reconhecidas e como parte do patri-
mônio cultural brasileiro. De há muito, sua presença já se fizera 
sentir na música e nos esportes; agora, sua sobrevivência nos ter-
reiros e nos remanescentes de quilombos18 foi simbolizada como 
diversidade étnico-cultural-religiosa indissociável da identidade 
nacional brasileira. Pela via das políticas culturais e de uma nas-
cente política nacional da diversidade religiosa, as religiões afro-
-brasileiras definiram um percurso próprio de publicização.
Dado esse quadro, o que ocorre na conjuntura? Beneficiada 
por sua própria estratégia num contexto de nova concertação de 
elites, entre as quais agora é contada, apesar de minoritária, a via 
18 Termo ampliado em seu significado original para indicar um locus de resistência conti-
nuada dos tempos da escravidão até nossos dias, ocupado por “populações tradicionais”.
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político-eleitoral dos evangélicos, sob a batuta dos pentecostais, 
prevaleceu, ao se desassociar do bloco lulista e se juntar à reação 
antipetista. Com ela, as possibilidades representadas pelas mino-
ritizações ecumênica/ativista e afro-brasileira ficaram associadas 
ao projeto lulista e identificadas como adversárias a serem com-
batidas sem tréguas. 
A orientação decisivamente política dos pentecostais, no sen-
tido de operarem com uma lógica populista de dicotomização do 
espaço público19 e uma agonística20 que até então disputava espa-
ços sem negar o direito de existir dos adversários, revela-se ins-
trumental para a estratégia da oposição derrotada pela quarta vez 
consecutiva nas eleições de 2014. Cessadas as tentativas de guerra 
de posição no interior da coalizão, passa-se a uma guerra de mo-
vimento contra o lulismo. E contou o know-how dos pentecos-
tais, acumulado ao longo de três décadas de disputas em várias 
frentes. Seu forte pragmatismo, enraizamento popular, apelo 
elei toral para além de suas fileiras religiosas e sua acelerada curva 
ascendente de aprendizagem dos expedientes da tradição política 
das elites brasileiras teriam permitido aos pentecostais se apre-
sentarem como fiadores da nova ordem pós-lulista. Jogam agora 
um ousado e arriscado jogo, em que não mais se juntam ao cau-
dal da democratização para dele se beneficiarem, como fizeram 
desde o começo dos anos 1980, mas disputam o conteúdo mesmo 
da democracia e da legalidade, golpeando os aliados de mais de 
uma década e forjando uma coalizão de neoliberais, neoconser-
vadores e outras correntes de centro e de direita,21 uma “máquina 
de ressonância evangélico-capitalista”, como chamou Connolly22 
19 Laclau, 2005.
20 Mouffe, 2013.
21 Moll, 2015.
22 Connolly, 2008.
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era Bush.
Uma questão é, neste contexto, se estaríamos diante de uma 
com pleta hegemonização (supremacia, em termos gramscia nos) 
dos pentecostais no campo religioso começando a se espraiar 
para a esfera estatal. Outra questão é se a contribuição específica 
dessa força sociopolítica seria acrescentar um componente fun-
damentalista às tendências conservadoras e fascistizantes dos 
últimos três anos de desconstrução do lulismo. Isso, se verdadeiro 
ou se efetivamente resultante do atual movimento conjuntural, 
nos lançaria num período fortemente regressivo tanto política 
como socioculturalmente. Uma onda que se quebraria de cheio 
contra as conquistas democrático-radicais do período pós-tran-
sição democrática. E que confirmaria, como profecia autocum-
prida, todas as advertências feitas desde 1986 contra a publiciza-
ção da religião no Brasil enquanto descatolicização da política, 
enquanto pluralização dos códigos religiosos de atuação pública 
para além da “autocontenção” da religião majoritária (devida-
mente retornada às paróquias e rusgas doutrinárias internas, após 
haver contribuído virtuosamente para a saída do regime militar) 
e enquanto reação antidemocráticae dessecularizadora.
Neste aspecto, eu diria primeiramente que a vitória da via 
po lítico-eleitoral não significa desaparecimento dos modelos 
concorrentes. As estratégias destes continuam sendo ativadas 
como parte da arregimentação de vozes e de forças que têm cons-
truído o contradiscurso sobre o golpe, em escala nacional e trans-
nacional, inclusive no caso da hierarquia católica.23 Por outro 
23 Uma importante sequência de pronunciamentos institucionais e de iniciativas de mobi-
lização, virtual e presencial, nacionais e locais, emergiu desde 2015, emitidos por insti-
tuições católicas, evangelicais, protestantes, ecumênicas, tanto denominacionais como 
vinculadas ao campo, mas não subordinadas às cúpulas dirigentes. Em ordem cronológica, 
um apanhado não sistemático somente em 2016, permite citar : Igreja Metodista (Expo-
sitor Cristão, jornal denominacional, de janeiro); Renas (24/2; 7/4); Aliança Evangélica 
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lado, embora seja possível dizer que o campo ecumênico esteve 
praticamente fechado com a defesa do mandato da presidenta 
Dilma Rousseff, a despeito da dispersão de organizações de base 
ecumênica pelo país, mais cautela é preciso ser utilizada para os 
afro-brasileiros, bem menos articulados em termos de estratégias 
públicas. Atos inter-religiosos (normalmente chamados pelos 
ecumênicos-ativistas) sempre envolvem representantes de terrei-
ros ou de organizações do movimento negro. Mas iniciativas 
originadas nas lideranças afro-brasileiras são bem mais esparsas 
e modestas, fora do culturalismo.
Indo ao cerne do debate, em segundo lugar, pergunto: o “fun-
damentalismo” é um princípio fundante da via político-eleitoral, 
ou apenas dessa sua novíssima fase pós-golpe? Seria a hegemo-
nia religiosa dos “evangélicos” a porta de entrada ou talvez o 
formato pelo qual outras expressões do conservadorismo reli-
gioso encontrariam seu lugar ao sol na nova ordem pós-demo-
crática? “Fundamentalismo” daria nome à publicização religiosa 
de modo ge nérico e não qualificado? E seria seu conteúdo um 
dado ou uma acusação? Em qualquer desses casos, estaríamos 
diante de uma dimensão especificamente religiosa dessa nova or-
dem, quer em termos de uma clivagem religiosa no cenário polí-
(10/3; 12/7); Igreja Presbiteriana Unida (10/3); Igreja Evangélica de Confissão Luterana 
no Brasil (11/3); Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (11/3); Conselho Latino-Ameri-
cano de Igrejas-Brasil (13/3); Igreja Episcopal Anglicana (31/3); Diaconia (7/4); CNBB 
(14/4); Aliança Bíblica Universitária do Brasil, Rede Fale e Seven Movimento Estudan-
til (16/4); Pastoral Popular Luterana (21/4); Católicas pelo Direito de Decidir (25/4/16); 
ACT Aliança (rede internacional de organizações religiosas de apoio ao desenvolvimento 
e ação humanitária, com participação de entidades brasileiras, 10/5); Fórum Ecumênico 
ACT Brasil (articulação de 19 organizações ecumênicas brasileiras, 17/5); Koinonia 
(28/7); Coordenadoria Ecumênica de Serviços (31/8). Várias páginas no Facebook sur-
giram também nesse processo, desde 2015, com vistas a mobilizar a opinião anti-impea-
chment entre evangélicos e católicos. Cito como exemplo: Evangélicos, Democracia e 
Participação; Evangélicos com Dilma; Púlpito e Parlamento: Evangélicos na Política; 
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito; Cristãos pela Democracia; Cristãos pela 
Democracia – Contra o golpe; Cristãos x Frente Parlamentar Evangélica; Cristãos de 
Esquerda; Evangélicos pela Justiça; Missão na Íntegra; Cristãos Progressistas.
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tico, quer em termos de uma agência religiosa que traduziria ou 
expressaria, em seu comportamento religioso, os traços e compor-
tamentos do conservadorismo político? Sim, não e talvez. Não é 
possível responder a essas perguntas sem cautelas e dúvidas, mui-
tas dúvidas. Sobretudo se atentarmos para as lições da pesquisa 
global e doméstica, historiográfica e socioantropológica, sobre a 
categoria “fundamentalismo” e sobre o pentecostalismo. Nosso 
afã de fixar um horizonte categórico para a avaliação dos resul-
tados da minoritização e da publicização religiosas dos últimos 
30 anos pode nos levar a juízos apressados e proclamações ad hoc.
Há uma copiosa literatura sobre fundamentalismo, tanto em 
termos conceituais, como de estudos empíricos e comparativos 
entre diferentes religiões e em diferentes coordenadas de espaço 
e tempo. É impossível pretender sequer resumir esse debate aqui. 
Mesmo atendo-me apenas ao que se aplique ao mundo evangé-
lico, em geral, e ao pentecostalismo, em particular, eu ainda teria 
que simplificar grosseiramente. Limitar-me-ei a fazer uns poucos 
registros nos limites da presente discussão. 
Contemporaneamente, fundamentalismo, ainda quando de-
vidamente relido como um fenômeno moderno (e não um ata-
vismo pré-moderno, como o senso comum o quer), é associado 
a uma reação antiliberal, violenta ou antagonística, a uma tenta-
tiva integrista de reconquistar o controle da vida social contra os 
avanços da biopolítica, da equalização de condições e da plu ra-
lização social.24 Isso o colocaria no sentido de uma reversão da 
se cularização (suspendendo qualquer juízo aqui sobre esse ter - 
 
24 Um megaprojeto financiado pela Academia Americana de Artes e Ciências, coordenado 
por Martin Marty e Scott Appleby, The Fundamentalism Project, entre 1987 e 1995, pro-
duziu cinco coletâneas (1991-1995) que, apesar de apresentarem uma enorme diversidade 
de casos empíricos de manifestações religiosas conservadoras de reação antimoderna, não 
conseguiram convencer muitos estudiosos quanto ao que haveria em comum em todas 
essas experiências. cf. Ruthven, 2007; Brekke, 2012.
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mo). Mesmo sendo um termo insatisfatório, fundamentalismo 
serviria, por semelhança de família (em sentido wittgensteiniano), 
para identificar e comparar um grande número de manifestações 
religiosas que não são idênticas entre si, nem gêneros de uma 
mesma espécie, mas que estão focalizadas na defesa de valores 
tradicionais (patriarcais, hierárquicos e hieráticos) e de interpre-
tações atribuídas à literalidade de textos sagrados ou a revelações 
especiais (a despeito de o serem de modo muitas vezes seletivo, 
metafórico ou analógico), que reverberam com dimensões socio-
técnicas e econômicas da modernidade capitalista. 
Além disso, embora decididamente conservadores em maté-
ria de valores e interpretação, os fundamentalistas não o são em 
relação à autoridade religiosa estabelecida (majoritária), ques-
tionando-a e disputando espaços com ela. Há várias contranar-
rativas acadêmicas sobre esses processos, que ressaltam parti cu-
lar mente a ausência de base escritural em muitas religiões nas 
quais se identificam correntes “fundamentalistas”, ausência de 
posturas literalistas na interpretação de doutrinas e rituais, ou 
ausência de posturas agressivas de imposição sobre outros grupos 
dos ditos valores e crenças “fundamentalistas”, ou ainda como 
recurso colonial/orientalista de estigmatização de religiões não 
ocidentais.25
A questão sobre se o pentecostalismo brasileiro é fundamen-
talista também se cerca de senões. Parece-me claro que grande 
parte da elite parlamentar evangélica (esmagadoramente pente-
costal) é profundamente conservadora na atual legislatura, tanto 
em termos de valores morais como políticos. Numa palavra, po-
liticamente de direita. Mas de direita e fundamentalista são equi-
valentes? Alguns parlamentares parecem vestir bem o figurino 
25 Cf. Marsden, 1980; Nagata, 2001; Frey, 2007; Brekke, 2012; Wood & Watt, 2014.
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a onda conservadora na política brasileira...
de “fundamentalista”, mas muitos não.26 O mesmo se pode dizer 
das principais lideranças extraparlamentares da reação religiosa 
ao lulismo (católicas

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