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Seria difícil pensar em um único tema mais falado, mais cantado e mais
celebrado do que o amor. No entanto, em parte por ser tão familiar, o amor é
quase sempre tido como favas contadas e com frequência é entendido
erradamente pelas mesmas pessoas que mais falam a respeito. E, encaremos a
realidade: isso é verdade até mesmo na igreja. Somos gratos a Philip Ryken por
essa análise maravilhosamente renovada e bíblica do que o amor verdadeiro é,
quando o vemos na perfeita pureza de Cristo. Ao mesmo tempo simples e
profundo, esse livro certamente questionará suas pressuposições sobre o amor
e o ajudará a ver o amor autêntico sob uma luz inteiramente nova.
John MacArthur, pastor na área de ensino da igreja Grace Community
Church, Sun Valley, Califórnia, Estados Unidos, e autor de vários livros
Usando um esquema peculiar, Ryken torna compreensível o Capítulo do Amor,
escrito por Paulo, por meio de relances da vida de Jesus e dos discípulos. Dessa
maneira, ele nos mergulha no amor superabundante de Jesus e nos anima a
passá-lo adiante. Que esse livro o cubra por completo com a plenitude do amor
exuberante do Deus triúno!
Marva J. Dawn, professora de Teologia Espiritual na Regent College e
autora de Truly the community
Philip Ryken destaca o que é verdadeiramente importante quando se concentra
no atributo central que, em teoria, deve caracterizar aqueles que seguem
Jesus: que amemos uns aos outros. E a definição de amor que ele apresenta não
é uma abstração teórica, mas é solidamente personificada pelo próprio Jesus.
Não consigo imaginar um livro mais oportuno do que esse ou uma mensagem
de que a igreja precise mais desesperadamente do que o chamado a amar como
Jesus amou. Ryken prestou um grande favor a todos nós, levando-nos como um
pastor a buscar o aspecto central de nosso chamado para sermos como Jesus.
Carolyn Custis James, presidente da Synergy Women’s Network e autora
de When life and beliefs collide
Boa parte de seguir Jesus é uma questão de sermos lembrados daquilo que
aprendemos no passado. Eu aprendi que ele me amou primeiro e que seu amor
está no âmago da minha pequena capacidade de amar os outros. Eu aprendi
certa vez que, quando meu amor se acabasse, ele permaneceria comigo e me
reabasteceria até transbordar. Eu aprendi essas coisas, mas tinha esquecido
delas. Serei sempre grato a Philip Ryken por esse importantíssimo lembrete.
Michael Card, músico, professor de Bíblia e autor de A better freedom
Com base em um estudo cuidadoso, imerso na Escritura e muito consciente do
mundo em que vivemos e das experiências pelas quais as pessoas passam,
Ryken mostra como podemos amar com o tipo de amor que Deus demonstrou
por nós. Essas qualidades fizeram de Ryken um de meus autores favoritos, e
também de minha esposa.
Ajith Fernando, diretor de ensino da Mocidade para Cristo, Sri Lanka e
autor de A supremacia de Cristo (Shedd)
Outra contribuição notável de Philip Ryken, a qual, na minha condição de
seguidor de Cristo, me desafia lá no íntimo do meu ser. Se, de fato, tudo se
resume ao amor — ao amor de Deus por um mundo perdido e ferido —, então a
pergunta é: como seguidor de Cristo, até que ponto estou imitando esse amor?
Caso ousemos pensar que estamos amando como Cristo, esse olhar perspicaz
sobre o Capítulo do Amor nos levará a repensar o assunto.
Emery Lindsay, bispo-presidente da junta diretiva da denominação Church
of Christ (Holiness), nos Estados Unidos
Existem muitas exposições de 1Coríntios 13, mas bem poucas mostram como o
amor de Deus em Cristo Jesus é a melhor de todas as exibições e a mais
verdadeira personificação do amor. Analisando o Capítulo do Amor por esse
prisma, Ryken dá grande clareza à meditação de Paulo sobre o amor e mostra
como esse amor nos leva de volta a uma renovada adoração de Cristo. Refletir
sobre como Cristo, mediante sua vida e morte, faz com que 1Coríntios 13 salte
aos nossos olhos é algo que nos leva a ver com clareza a frequente ausência de
amor em nossa própria vida, desnuda todas as noções de amor que são pouco
mais do que conversa mole sentimental e dá ao amor uma robustez e
concretude que é parte integrante de confiar em Cristo e segui-lo.
D. A. Carson, professor-pesquisador de Novo Testamento na Trinity
Evangelical Divinity School, e autor de Cristo e cultura (entre muitos outros
publicados por Vida Nova)
Amar como Jesus ama é profundamente instrutivo sobre a natureza do
verdadeiro amor cristão, sobre a magnitude das manifestações desse amor pelo
próprio Jesus e sobre as maneiras como nós, seus seguidores, devemos exibir
seu amor em nossa vida. Esse estudo honra a Cristo de duas maneiras:
destacando-o como o grande amante que é e chamando-nos a imitar nosso
Senhor em uma vida que é cada vez mais a vida de amor que ele manifestou.
Meditação sobre o amor de Cristo e sobre amar como Jesus — é isso que esse
livro incentiva com grande perspicácia e profundidade.
Bruce Ware, professor de Teologia Cristã no Southern Baptist Theological
Seminary e autor de Teísmo aberto (Vida Nova)
O amor incondicional de Deus detona todas as nossas categorias condicionais.
É indomável e indiscriminado. Surge em nosso caminho sem nenhum mérito
nosso. É mão única vertical, mas constrange a uma expressão horizontal. O
amor da parte de Deus inevitavelmente se mostra no amor pelos outros. E é
isso que Philip Ryken demonstra tão bem. Escrevendo como alguém que é ao
mesmo tempo pastor e erudito, Ryken faz um apelo apaixonado à igreja para
que redescubra aquilo que Francis Schaeffer chamou de “a derradeira
apologética”, a saber, o amor. Isso é o que mais importa.
Tullian Tchividjian, autor de Fora de moda (Cultura Cristã)
Como alguém que tem conhecido a alegria, experimentado a disciplina e
provado a comunhão do amor de Deus por mais de quarenta anos, encorajo-o a
ler esse livro. Escrito por um homem que ama a Deus e é profundamente
amado por ele, essa obra olha para o amor de Deus com ponderação,
perspicácia e cuidado.
James MacDonald, pastor titular da igreja Harvest Bible Chapel, em
Rolling Meadows, em Illinois, Estados Unidos, e autor de Senhor,
transforma minha atitude antes que seja tarde demais (Vida Nova)
Amor é uma palavra que muitos tendem a usar de uma maneira que faz com
que perca sua força. Mas esse problema é agravado quando Jesus — o amante
supremo de Deus e do homem — é apresentado de forma reducionista e inócua,
como um amante passivo que aceita tudo. Mas, ao examinar essa obra do dr.
Ryken, encontramos o amor multifacetado de Jesus exibido como pano de fundo
de 1Coríntios 13. Esse amor também é exibido gloriosamente com mais clareza
na obra consumada de Jesus na cruz. O amor de Deus, conforme apresentado
nesse livro, desafiará e inspirará todos os que o lerem a exibi-lo para suplantar
os estereótipos de amor que permeiam o nosso mundo.
Eric Mason, pastor principal da igreja Epiphany Fellowship, 
Filadélfia, Pensilvânia
Existem dois livros que causaram um impacto permanente em mim e mudaram
o curso da minha vida. O primeiro chegou às minhas mãos na faculdade,
enquanto procurava respostas para a vida. Cristianismo básico (Ultimato), de
John Stott, me ajudou a conhecer Jesus Cristo como meu Senhor e Salvador.
Agora, Amar como Jesus ama está me ensinando a viver uma vida cristã
vitoriosa até que, pela graça de Deus, eu seja chamado para ir para meu lar
eterno. O livro não trata apenas de conhecer o amor de Deus em Cristo, mas de
viver o amor de Deus. É a mais esplêndida exposição sobre o amor de Deus que
já li. Leia-a você mesmo para entender a luta de viver pela graça de Deus e
para se envolver nessa luta. Creio que esse livro transformará o mundo ao
nosso redor.
I. Henry Koh, coordenador de Korean Ministries, Mission to North
America, Presbyterian Church in America
O texto de 1Coríntios 13 é com certeza um dos capítulos mais conhecidos e ao
mesmo tempo menos compreendidos de toda a Bíblia. Lido com sinceridade em
incontáveis cerimônias de casamento, nós concordamoscom um balançar da
cabeça, mas sem considerar como as palavras de Paulo podem ter um propósito
bem mais profundo do que simplesmente ser uma bênção matrimonial. E é
exatamente isso que Ryken deu à igreja: um novo olhar sobre essa passagem
desafiadora, não mais presa a questões de casamento, mas exposta
eloquentemente ao longo da vida de Cristo. Ryken revela uma visão
surpreendentemente profunda e iluminadora para cada crente, e não apenas
para noivos e noivas.
Phil Vischer, criador das animações computadorizadas O que está na
Bíblia? e Os vegetais, autor de Me, myself & Bob
Insistirei para que todos os pequenos grupos de nossa igreja estudem esse livro
em um futuro próximo. Sabemos que Jesus nos deu a ordem de fazer discípulos
de todas as nações, e dizemos que isso significa que devemos aprender com
Jesus para que possamos nos tornar parecidos com ele. Mas como fazemos
isso? O dr. Ryken apanhou o grande capítulo da Bíblia sobre o amor e nos
mostrou como era o amor na vida de Jesus, em termos práticos. O livro é
bíblico e prático e, ao mesmo tempo que condena nossa falta de amor, também
nos incentiva. Eu o recomendo muitíssimo a todos os que têm um desejo
profundo de se tornarem completos em Cristo.
Greg Waybright, pastor titular da igreja Lake Avenue Church, Pasadena,
Califórnia, Estados Unidos
CDD 241.677
18-
0777
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Ryken, Philip Graham
Amar como Jesus ama : um novo olhar sobre
1Coríntios 13 
/ Philip Graham Ryken ; tradução de Marcio L.
Redondo. 
-- São Paulo: Vida Nova, 2018.
 
ISBN 978-85-275-0865-0
Título original: Loving the way Jesus loves
1. Amor – Aspectos religiosos 2. Cristianismo –
Doutrina bíblica 3. Bíblia. N.T. Coríntios -
Crítica, interpretação, etc. I. 
Título II. Redondo, Marcio L.
 
 
 
Índices para catálogo sistemático: 1. Amor – Aspectos religiosos
- Cristianismo
©2012, Philip Graham Ryken
Título do original: Loving the way Jesus loves,
edição publicada por CROSSWAY (Wheaton, Illinois, EUA).
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA
Rua Antônio Carlos Tacconi, 63, São Paulo, SP, 04810-020
vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br 1.ª edição: 2018
Proibida a reprodução por quaisquer meios, 
salvo em citações breves, com indicação da fonte.
Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram traduzidas
diretamente da English Standard Version (ESV). As citações com indicação da
versão in loco foram traduzidas diretamente da New International Version
(NIV).
DIREÇÃO EXECUTIVA
Kenneth Lee Davis GERÊNCIA EDITORIAL
Fabiano Silveira Medeiros EDIÇÃO DE TEXTO 
Lucília Marques
Rosa Ferreira PREPARAÇÃO DE TEXTO
Victória Cardoso
Marcia B. Medeiros REVISÃO DE PROVAS 
Abner Arrais
GERÊNCIA DE PRODUÇÃO 
Sérgio Siqueira Moura DIAGRAMAÇÃO 
Wirley - Layout Produção Gráfica CAPA 
Lico Rolim
CONVERSÃO PARA EPUB 
SCALT Soluções Editoriais
A 
LISA MAXWELL,
meu primeiro, único e verdadeiro amor,
e a
JESUS CRISTO,
a eterna fonte de todo verdadeiro amor
SUMÁRIO
Prefácio
1 Nada sem amor
2 Amor que é melhor que a vida
3 O amor não é irritável
4 O amor e sua santa alegria
5 O amor espera
6 O amor em toda a sua amplitude
7 O amor tem esperança
8 O amor não é egoísta
9 O amor suporta todas as coisas
10 O amor confia
11 O amor perdoa
12 O amor nunca falha
Índice de passagens bíblicas
PREFÁCIO
“Escrever sobre o amor de Deus é privilégio e
responsabilidade supremos do teólogo cristão.” Assim diz
Kevin Vanhoozer, que leciona teologia na Wheaton College.
Além de privilégio e responsabilidade, escrever sobre o
amor de Deus também é a suprema humilhação de um
teólogo.
Presume-se que só um enamorado é capaz de escrever
sobre o amor. Mas, se existe uma área na minha vida em
que sei que não alcanço o caráter de Cristo, essa área é
amar a Deus e a meu próximo verdadeiramente. Ainda
assim, meu coração, que às vezes é sem amor, é forçado a
dar testemunho da verdade do amor de Deus em Jesus
Cristo.
Este livro começou praticamente com a última série de
sermões que preguei na Décima Igreja Presbiteriana da
Filadélfia. O amor daquela congregação — um amor sincero
e como o de Cristo — ajudou a sustentar meu ministério ali
por quinze anos. No entanto, apesar de todo o amor que
partilhamos como família da igreja, ainda assim
descobrimos que tínhamos um espaço aparentemente
infinito para crescer no amor de Deus. Estudar 1Coríntios
13 de uma forma cristocêntrica nos ajudou — assim como
espero que venha a ajudar você — a aprender a amar do
mesmo modo que Jesus ama.
Como demonstração de amor, vários amigos e colegas
ajudaram a melhorar este livro enquanto era preparado
para publicação. Lynn Cohick, David Collins, Lois Denier,
Tom Schwanda e LaTonya Taylor leram o manuscrito,
fazendo as correções necessárias e sugerindo inúmeras
maneiras de reforçar a exposição e a aplicação do texto
bíblico. Robert Polen conferiu fatos e prestou ajuda
administrativa. Nancy Ryken Taylor preparou as perguntas
de estudo. Marilee Melvin participou das revisões finais.
Lydia Brownback e outros amigos da editora Crossway
editaram o livro e conduziram carinhosamente a produção
do livro até a hora da impressão. Esses esforços de amor
ajudarão você a ver, com mais clareza, o amor de Jesus nas
páginas deste texto.
Enquanto eu estudava 1Coríntios 13, li o testemunho
dado por alguém da World Harvest Mission que expressa
minha própria necessidade de ter mais do amor de Jesus.
Um missionário escreveu:
Ao voltar para casa depois de um dia distribuindo ajuda
humanitária, fui para a cozinha, onde estava minha filha
de três anos de idade. Ela estava fazendo um desenho de
nossa família. Notei que no desenho eu parecia estar a
certa distância do restante da família e tinha a testa
claramente franzida.
— Esse é o papai? — perguntei.
— É, sim — veio a resposta meio tímida.
— Por que eu estou com a testa franzida?
Ela disse:
— Papai, é que você nunca mais dá um sorriso.
O homem começou a pedir ajuda. “Orem por mim”, ele
escreveu. Quero “aplicar essa mensagem do amor de Deus
neste coração frio e duro”. A oração do missionário é a
minha oração também, e espero que você a torne sua
oração enquanto lê este livro: “Senhor Jesus, aplica o
evangelho do teu amor ao meu coração frio e duro”.
Philip Ryken
Wheaton College
1
NADA SEM AMOR
Se eu doar tudo o que tenho e se eu entregar meu corpo
para ser queimado, mas não tiver amor, nada obtenho.
(1CO 13.3)
E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: “Falta-lhe
uma coisa: vá, venda tudo o que tem e dê aos pobres, e
você terá um tesouro no céu; e venha me seguir”.
(MC 10.21)
Não há nada de que eu mais precise em minha vida do que
mais do amor de Jesus. Preciso de mais de seu amor por
minha esposa — a mulher a quem Deus me chamou para
servir até a morte. Preciso de mais de seu amor por meus
filhos e pelo restante de minha família. Preciso de mais de
seu amor pela igreja, incluindo aqueles irmãos e irmãs na
fé que às vezes é difícil amar. Preciso de mais de seu amor
pelos meus semelhantes que ainda precisam ouvir o
evangelho e por todos os perdidos e pessoas solitárias que
estão perto do coração de Deus, mesmo quando estão longe
dos meus pensamentos.
Aonde quer que eu vá e em cada relacionamento que
tenho na vida, preciso de mais do amor de Jesus. A área em
que eu mais preciso desse amor é no meu relacionamento
com o próprio Deus, o Amante da minha alma. E você? Está
amando da maneira que Jesus ama? Ou precisa de mais do
amor dele em sua vida — mais amor por Deus e pelas
outras pessoas?
O CAPÍTULO DO AMOR
Um dos primeiros lugares em que as pessoas procuram
amor na Bíblia é 1Coríntios 13. É uma das passagens mais
famosas da Escritura, principalmente porque é lida com
bastante frequência em casamentos. Algumas pessoas a
chamam de o “Capítulo do Amor”, o que é apropriado
porque menciona amor (agape)explícita e implicitamente
mais de uma dúzia de vezes.
O texto de 1Coríntios 13 é o mais completo retrato do
amor na Bíblia. Um professor de literatura diria que é um
encômio, que é “uma expressão formal ou exagerada de
louvor”.1 O Capítulo do Amor é uma canção que exalta o
amor e na qual o apóstolo Paulo demonstra a necessidade
do amor (v. 1-3), esboça a natureza do amor (v. 4-7) e
comemora a permanência do amor (v. 8-13) como o maior
dos dons de Deus.
Por mais familiar que seja, esse capítulo não é tão bem
compreendido quanto deveria ser. Para começar, em geral,
as pessoas o leem fora de contexto. É verdade que às vezes
começam lendo o final de 1Coríntios 12.31, em que Paulo
diz “Eu lhes mostrarei um caminho ainda mais excelente”.
Esse é um bom lugar para começar, porque o capítulo 13 é
“o caminho mais excelente” que o apóstolo tinha em mente.
Mas há um contexto mais amplo a considerar — um
contexto que muitos leitores deixam de perceber. Conforme
Gordon Fee escreve em seu comentário, “o caso de amor
das pessoas com esse capítulo sobre o amor também tem
permitido que seja costumeiramente lido sem levar em
conta o seu contexto, o que não o torna menos verdadeiro,
mas faz com que se perca muita coisa de vista”.2
Uma forma de garantir que não deixemos de perceber
aquilo que Deus tem para nós em 1Coríntios 13 é lembrar
quem eram os coríntios e o que Deus lhes disse nessa
carta. Se havia uma coisa de que os coríntios precisavam,
era de mais do amor de Jesus. A igreja estava
profundamente dividida quanto a teologia, prática, classes
sociais e dons espirituais. Alguns diziam que seguiam
Paulo. Outros seguiam Pedro ou Apolo — “meu apóstolo é
melhor do que o seu!”. E havia aqueles — e essa era a
forma suprema de superioridade espiritual — que
afirmavam seguir a Cristo. Havia conflitos parecidos acerca
de ministério, com vários coríntios afirmando que seus
dons carismáticos eram o suprassumo do cristianismo —
“meu ministério é mais importante do que o seu!”. Essa foi
a questão no capítulo 12, em que o apóstolo lembrou aos
coríntios de que, embora a igreja seja composta de muitas
partes, todos pertencemos a um único corpo.
De modo que, quando Paulo escreveu sobre o amor no
capítulo 13, ele não estava tentando dar às pessoas algo
bonito para ler nos casamentos. Afinal, o amor sobre o qual
ele escreve aqui não é o eros (o amor romântico do desejo),
mas o agape (o amor altruísta de irmãos e irmãs em
Cristo). Então, em vez de preparar as pessoas para o
casamento, o apóstolo estava tentando desesperadamente
mostrar a uma igreja cheia de cristãos egocêntricos que
existe uma maneira melhor de viver — não apenas no dia
de você se casar, mas todos os dias pelo resto da sua vida.
Em primeiro lugar, o Capítulo do Amor não é para amantes,
mas para todas as pessoas sem amor na igreja que acham
que seu jeito de falar sobre Deus, ou de adorar a Deus, ou
de servir a Deus, ou de ofertar a Deus é melhor do que o de
todas as outras pessoas.
Esse é outro erro que muitas pessoas cometem: tendemos
a ler 1Coríntios 13 como uma passagem bíblica que dá
ânimo, promove o bem-estar e está repleta de pensamentos
agradáveis sobre o amor. Em vez disso, para mim, a
passagem é quase aterrorizante, porque estabelece um
padrão para o amor que eu sei que jamais conseguirei
atingir.
Nenhum de nós vive com esse tipo de amor, e existe um
jeito fácil de prová-lo: comece a ler pelo versículo 4 e, cada
vez que você encontrar a palavra “amor”, substitua-a pelo
seu nome. Por exemplo: “O Phil é paciente e bondoso; o
Phil não inveja nem se vangloria; não é arrogante ou
grosseiro. Ele não insiste em que as coisas sejam feitas do
seu jeito; não fica irritado nem ressentido; não se alegra
com a injustiça, mas se regozija com a verdade. O Phil sofre
tudo, crê em tudo, espera tudo, suporta tudo. O Phil nunca
falha”. Faça você mesmo esse exercício e descobrirá como
me sinto: absolutamente nada amoroso.
O AMOR COMO MARCA INDISPENSÁVEL
O problema é que o amor deve ser a característica
definidora do nosso cristianismo. Jonathan Edwards disse
que o amor é, dentre todas as virtudes do Novo
Testamento, aquela em que “mais se insiste”.3 Com certeza
Paulo insiste no amor em 1Coríntios 13.1-3, passagem em
que ele apresenta um argumento lógico que demonstra a
necessidade do amor. O amor é tão essencial que sem ele
não somos nada.
De acordo com os cânones da literatura antiga, em geral
um encômio começa com uma comparação em que o autor
apanha aquilo que ele quer louvar e o compara com alguma
outra coisa. Isso está bem próximo daquilo que o apóstolo
Paulo faz em 1Coríntios 13: Ele apanha o amor e faz uma
série de comparações condicionais para mostrar como o
amor é necessário. Cada comparação tem alguma relação
com dons ou realizações espirituais — coisas que cristãos
talentosos e virtuosos têm ou fazem. A ideia básica é, de
acordo com Charles Hodge, que “o amor é superior a todos
os dons extraordinários”.4
Paulo começa com o falar em línguas, que é um dom que
alguns coríntios tinham, e outros não. Mas, mesmo que de
fato tivessem o dom, eles não eram nada sem o amor: “Se
eu falar nas línguas de homens e de anjos, mas não tiver
amor, sou um gongo barulhento ou um címbalo que retine”
(v. 1).
“Falar nas línguas de homens” é comunicar a verdade
espiritual por meio do miraculoso dom de enunciação em
uma língua humana. “Falar nas línguas de anjos” é um dom
ainda maior, pois é falar o próprio idioma do céu. Paulo não
minimiza esse dom da eloquência celestial, mas diz que
sem o amor ele não é nada.
Alguns estudiosos acreditam que, quando Paulo falou
sobre um “gongo barulhento”, estava se referindo aos
jarros ocos de bronze que eram usados como caixas de
ressonância nos teatros da antiguidade — um sistema
greco-romano para a amplificação do som.5 Então, a ideia
básica deve ter sido que, sem o amor, nossas palavras
produzem apenas “um som vazio procedente de um vaso
oco e sem vida”.6 Outros creem que Paulo estava se
referindo aos gongos que eram usados para adorar
divindades pagãs, tais como a deusa Cibele.7 Nesse caso,
ele está dizendo que, sem amor, somos meros pagãos. A
imagem nesse versículo sempre me lembra o programa de
televisão The gong show [O show do gongo], que foi
transmitido na década de 1970 e no qual julgava-se a
capacidade de os concorrentes cantarem ou dançarem.
Caso os juízes não gostassem de determinado número, eles
se levantavam e batiam em um enorme gongo para acabar
com a apresentação. Gongos podem fazer muito barulho,
mas não produzem muita música.
Címbalos produzem música quando usados da maneira
certa. Mas, se alguém fica martelando em um címbalo, o
barulho é ensurdecedor. Não importa quanto sejamos
dotados de dons, é assim que ficamos, caso não usemos
nossos dons de uma maneira amorosa. Ninguém consegue
ouvir o evangelho anunciado pela vida de um cristão sem
amor. As pessoas só ouvem “bangue, bangue, bangue, pam,
pam, pam”! Colocando a metáfora em linguagem
contemporânea: “Se eu usar a internet para o evangelho,
mas não tiver amor, sou apenas um blogue ruidoso ou um
tuíte sem sentido”.8
No versículo 2, Paulo começa relacionando outros dons,
muitos dos quais já foram analisados no capítulo 12. Ele
menciona profecia: “se eu tiver poderes proféticos”.
Alguém com esse dom pode predizer o futuro ou tem uma
percepção sobrenatural para interpretar o que está
acontecendo no mundo do ponto de vista de Deus. Paulo
menciona o dom de discernir “todos os mistérios e todo o
conhecimento”. A palavra “todos” é enfática. A pessoa que
tem esse dom espiritual tem uma compreensão abrangente
dos grandes mistérios de Deus, inclusive dos planos dele
para o futuro, à semelhança dos mistérios que o profeta
Daniel revelou ao rei Nabucodonosor na Babilônia. Com
“conhecimento”, o apóstolo quer dizer conhecimento
espiritual da verdade bíblica — algo que a mente humana
só consegue saber mediante a revelação do Espírito Santo.Os coríntios tinham dons de conhecimento e
discernimento, conforme Paulo diz várias vezes nessa carta
(e.g., 1.5; 8.1). Mas, sem amor, alguém que tem esses dons
não é nada. Um homem pode ter uma visão mística; uma
mulher pode conhecer os profundos mistérios de Deus.
Mas, sem amor, esses dons proféticos e intelectuais não são
nada. De modo que Paulo diz: “Se eu tiver poderes
proféticos e entender todos os mistérios e todo o
conhecimento [...], mas não tiver amor, não sou nada”
(13.2). Ninguém se importa com o quanto sabemos a menos
que também saiba quanto nos importamos.
Considere agora o dom da fé absoluta. Paulo diz: “Se eu
[...] tiver toda a fé, a ponto de mover montanhas, mas não
tiver amor, não sou nada” (v. 2). Aqui o apóstolo não está se
referindo à fé salvadora, mediante a qual cada crente
confia inicialmente em Cristo para a salvação, mas ao dom
extraordinário que alguns crentes têm de confiar em Deus
naquilo que parece impossível, em especial no trabalho da
igreja de Deus e no crescimento do seu reino. Genádio de
Constantinopla afirmou que “com a palavra ‘fé’ Paulo não
quer dizer a fé comum e universal dos crentes, mas o dom
espiritual da fé”.9 Anthony Thiselton descreve o que o
apóstolo chama de “toda fé” como “uma fé particularmente
robusta, contagiante, ousada, confiante [...] que executa
uma tarefa especial dentro de uma comunidade que
enfrenta problemas aparentemente insuperáveis”.10 Essa fé
tem o poder de mover montanhas, conforme Jesus disse a
seus discípulos. Em outras palavras, mediante a graça de
Deus, a fé consegue realizar o impossível. Mas, sem amor,
até mesmo esse tipo de fé não é nada.
No versículo 3, Paulo passa dos dons que temos para as
boas obras que realizamos. Aí seu argumento chega ao
ponto alto: “Se eu doar tudo o que tenho e se entregar meu
corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada
obtenho”. Esses dois exemplos são excepcionais. Bem
poucas pessoas vendem todos os seus bens terrenos e
doam aos pobres 100% do dinheiro recebido. Bem poucas
pessoas sofrem o martírio por meio do ato de sacrifício da
própria vida. Essas são duas das maiores coisas que
alguém pode chegar a fazer por Cristo. Com certeza, as
pessoas que fazem isso merecem algum tipo de
recompensa! Ainda assim, até mesmo as maiores boas
obras podem ser feitas sem amor. Elas podem, em vez
disso, ser feitas para alimentar nosso orgulho espiritual ou
para obter algo de Deus. Mas nem mesmo as dores
terríveis de martírio nas chamas são suficientes. A menos
que sejamos motivados por um amor genuíno por Deus,
tudo isso não vale nada. O amor de Deus é a única coisa
que importa.
Entenda que, quando Paulo nos dá essa lista de coisas
que, sem amor, não são nada, ele está de fato incluindo
todos os nossos dons e aquilo que chamamos de realizações
espirituais. Não importa o que Deus nos tenha dado e não
importa o que tenhamos feito para Deus, sem amor isso não
significa nada. Deus talvez nos conceda o dom de ajudar ou
de hospitalidade, de ensino ou de administração. Talvez
tenhamos o privilégio de ter uma posição de liderança
espiritual, servindo como presbíteros ou diáconos na igreja.
Deus talvez permita que sirvamos como missionários ou
evangelistas ou servos dos pobres. Ainda assim — o que é
chocante —, é possível usarmos nossos dons para o
ministério sem ter amor no coração por ninguém, exceto
por nós mesmos. Somos tão egoístas, que é até mesmo
possível fazermos algo que parece ser para outra pessoa,
quando na verdade é para nós — para melhorar nossa
própria reputação ou insuflar nossa satisfação pessoal.
Paulo não está negando o valor dos dons espirituais nem
minimizando a importância do ministério na igreja.
Louvado seja Deus por profetas e mártires! Mas ele está
dizendo que cada dom espiritual tem de ser usado de uma
maneira amorosa. O que mais importa não é quanto nós
somos cheios de dons, mas quanto somos amorosos.
Conforme Jonathan Edwards disse: “Não importa o que se
faça ou sofra, se o coração não for entregue a Deus, na
realidade nada foi dado a ele”.11
Entenda que essa mensagem é para pessoas na igreja.
Não é basicamente para os incrédulos, mas para cristãos
com dons e talentos que estão ativamente servindo no
ministério. Em vez de nos felicitar por todas as coisas que
fazemos para Deus, ou de olhar com superioridade para
pessoas que não servem a Deus da mesma maneira que nós
servimos, ou de pensar que estamos certos e todos os
outros estão errados, Deus está nos chamando a fazer tudo
por amor. Caso contrário, estaremos fazendo tudo à toa.
O HOMEM QUE ACREDITAVA SABER AMAR
Ao ler os versículos iniciais de 1Coríntios 13, fico a
imaginar qual a esperança que existe para mim. Não
conversei com anjos, até onde sei, nem movi montanhas
nem sofri até a morte. Fiz muito menos — bem pouco, na
verdade —, e até mesmo aquilo que fiz foi feito com bem
menos amor do que deveria.
No entanto, sei que no evangelho existe esperança para
pecadores sem amor. Um bom lugar para ver essa
esperança é em uma história que Marcos contou sobre
Jesus. Sempre que falamos de amor, temos de voltar para
Jesus. O amor descrito no Capítulo do Amor é, na realidade,
o amor dele. De modo que, à medida que formos estudando
cada expressão de cada versículo de 1Coríntios 13,
retornaremos repetidas vezes à história de Jesus e seu
amor. Jamais aprenderemos a amar mediante o
desenvolvimento desse amor a partir de nosso próprio
coração, a não ser que tenhamos mais de Jesus em nossa
vida. A Escritura diz: “Nós amamos porque ele nos amou
primeiro” (1Jo 4.19). Uma vez que isso é verdade, a única
maneira de nos tornarmos mais amorosos é termos mais do
amor de Jesus, conforme o encontramos no evangelho.
O texto de Marcos 10 conta a história de um homem que
Jesus encontrou na estrada para Jerusalém. As pessoas
costumam chamá-lo de “o jovem rico” ou “o jovem rico e
poderoso”, mas, por razões que logo ficarão claras, também
poderíamos chamá-lo de “o homem que achava que sabia
como amar”.
Qualquer que seja nossa maneira de chamá-lo, esse
homem estava interessado na vida eterna e supunha que
havia alguma coisa que pudesse fazer para obtê-la. Assim,
ele correu até Jesus, ajoelhou-se diante dele e fez esta
pergunta: “Bom Mestre, o que tenho de fazer para herdar a
vida eterna?” (v. 17). Com essas palavras, o homem estava
levantando a mais importante de todas as questões
espirituais: a vida eterna. Todos estamos destinados a
morrer. Portanto, se existe algo como a vida eterna, todos
os esforços para obtê-la valem a pena. Mas o problema é
que aquele homem estava fazendo uma suposição
incorreta. Ele supunha que a salvação vem em
consequência de fazer, e não de crer. De maneira que
perguntou a Jesus o que tinha de fazer para obter a vida
eterna.
Essa suposição é incorreta porque nenhum de nós é bom
o suficiente para ser salvo pelas coisas boas que faz. Todos
temos feito um número excessivo de coisas erradas, e não o
suficiente de coisas certas. Além disso, mesmo as coisas
certas que temos feito foram feitas até certo ponto ou de
forma errada ou pelo motivo errado. Então, Jesus disse ao
homem: “Ninguém é bom, exceto um, que é Deus” (v. 18).
Ninguém é bom: nem o jovem que estava conversando com
Jesus, nem você, nem eu, nem ninguém. Só Deus é
perfeitamente bom.
Para provar isso, Jesus recitou o padrão da justiça de
Deus. “Você conhece os mandamentos”, ele disse ao
homem: “Não mate; não cometa adultério; não roube; não
dê falso testemunho; não engane; honre seu pai e mãe” (v.
19). Se esses mandamentos soam familiares, é porque
estão nos Dez Mandamentos que Deus deu a Moisés no
monte — a lei eterna de Deus.
Todavia, quero considerar esses mandamentos a partir de
uma perspectiva ligeiramente diferente. Esses
mandamentos não são apenas as leis de Deus, mas também
exibem o amor que Deus exige. Cada mandamento exige
que amemos nosso próximo. Quando Deus diz: “Não mate”,
ele está nos dizendo para amar nossos semelhantes,protegendo a vida deles. Quando diz: “Não cometa
adultério”, está nos dizendo para amar as pessoas,
defendendo a pureza sexual delas. E assim por diante.
Preservar a propriedade, honrar a reputação ou posição
social de alguém — todas essas coisas são formas de
demonstrar amor. Poderíamos tomar todos os
mandamentos que Jesus menciona e resumi-los assim:
“Ame seu próximo como a si mesmo”. Na verdade, foi
exatamente dessa forma que Jesus de fato os resumiu no
Evangelho de Mateus, quando disse que o primeiro e
grande mandamento é amar a Deus de todo o coração e
que o segundo grande mandamento é amar o próximo.
De modo que esta foi a resposta que Jesus deu ao jovem
rico quando ele perguntou o que tinha de fazer para herdar
a vida eterna: “Eu lhe direi o que você tem de fazer. Se
você quer ser salvo, tudo o que tem de fazer é amar o seu
próximo”.
“Bem, isso é fácil!” — o homem pensou consigo. “Nunca
matei ninguém, nem dormi com a mulher de outro homem,
nem me envolvi em roubo de carruagens”. O que ele disse
em voz alta foi: “Mestre, tudo isso tenho guardado desde
minha juventude” (Mc 10.20). Se tudo o que é preciso para
obter a vida eterna é evitar quebrar os grandes
mandamentos, o jovem achava que havia cumprido tudo
direitinho. Jesus não estava lhe dizendo nada que ele já não
soubesse. Ele tinha aprendido isso tudo na escola sabatina!
Mas entenda o que o homem estava realmente dizendo.
Se essas leis mostram o amor que Deus exige, então ele
estava afirmando que sabia como amar, que em seu
coração ele já tinha amor suficiente.
Isso é o que você diria? Você se apresentaria perante
Deus e diria: “Eu venho amando as pessoas a vida inteira”.
É claro que jamais sairíamos por aí dizendo isso, pelo
menos não nessas palavras; mas, ainda assim, é dessa
maneira que muitos de nós agimos. Geralmente, a maioria
de nós tende a crer que está se saindo muito bem, no que
se refere a amar as outras pessoas. Portanto, raramente
nos arrependemos da falta de amor em nosso coração.
Perdemos de vista o fato de que aprender a amar como
Jesus é uma de nossas maiores prioridades. Esquecemos de
orar para que o Espírito Santo nos torne melhores no dever
de amar.
Isso tudo se aplicava ao jovem rico. Jesus lhe mostrou que
ele não era quem pensava ser em matéria de amor, e fez
isso submetendo o jovem a um teste simples e objetivo.
“Falta-lhe uma coisa”, disse Jesus, admitindo por um
momento que o homem de fato guardava os mandamentos
de Deus. “Vá, venda tudo o que tem e dê aos pobres, e você
terá um tesouro no céu; e venha seguir-me” (v. 21).
Esse foi o teste do amor generoso. O homem afirmava que
nunca tinha enganado ninguém. Agora Jesus estava pondo
sua palavra em xeque: “Você nunca enganou ninguém? É
isso mesmo? Vamos pôr isso à prova. Que dizer dos pobres?
Como seres humanos semelhantes a você, como pessoas
feitas à imagem de Deus, eles têm direito à sua compaixão.
Ora, você os ama o suficiente para doar aquilo que tem,
para que eles possam ter aquilo de que necessitam?”. Ao
exigir compaixão pelos pobres, Jesus estava pondo à prova
o amor daquele homem pelo próximo. Ao mesmo tempo,
também estava pondo à prova o amor do homem por Deus.
Ele ainda reivindicava o direito de ser senhor de sua
própria vida? Ou renunciaria a todos os seus próprios
recursos e confiaria somente em Jesus?
Infelizmente o homem falhou nessa prova. O Evangelho
de Mateus nos diz que ele ficou “desanimado com aquelas
palavras” e “foi embora triste, pois tinha muitos bens” (v.
22). A palavra grega para “desanimado”, ou “deprimido” é
stugnasas, que dá a ideia de choque ou desânimo. A
verdade espiritual é que o coração daquele homem estava
exposto. Embora achasse que sabia como amar, ficou claro
que ele amava o dinheiro mais do que amava Jesus e as
outras pessoas.
O SALVADOR AMOROSO
Meu propósito ao contar essa história é, em parte, nos
convencer de que não amamos muito mais do que aquele
homem amava. Na verdade, se Jesus nos apresentasse a
mesma exigência — dar aos pobres tudo o que temos —, a
maioria de nós logo apresentaria uma longa lista de
motivos pelos quais não deveríamos fazê-lo. Diríamos que
nem todo mundo é chamado a vender todos os seus bens.
Jesus disse àquele homem para se desfazer de tudo o que
tinha, mas seu chamado não é o nosso chamado. Temos de
suprir as necessidades de nossa família e cuidar de nossas
próprias necessidades básicas, sem mencionar dar nosso
dinheiro para sustentar outros tipos de trabalho do reino —
e não apenas alimentar os pobres.
Todas essas objeções são bem razoáveis, mas o
verdadeiro problema para a maioria de nós é que sempre
queremos impor limites ao nosso amor. Estamos prontos a
dar, mas só quando temos algo sobrando. Estamos
dispostos a nos importar, contanto que isso não seja
inconveniente demais. Somos capazes de amar, desde que
as pessoas nos retribuam com amor.
De fato, temos de admitir que não amamos do modo que
Jesus ama. Podemos não ser nada sem amor, mas
infelizmente não somos nada parecidos com os amantes
que Deus quer que sejamos. O apóstolo Paulo estava
disposto a admitir isso. Observe que em 1Coríntios 13 ele
usa a primeira pessoa do singular. Em vez de dizer aos
coríntios: “Se vocês falarem as línguas de homens e de
anjos e tiverem poderes proféticos e assim por diante”, ele
diz: “Se eu fizer essas coisas sem amor, não sou nada”. O
apóstolo não está simplesmente repreendendo, mas
incluindo a si mesmo e dando testemunho daquilo que
havia aprendido sobre seu próprio coração pecador. Paulo
tinha todos esses dons espirituais: línguas, profecia,
conhecimento e fé. Ele havia doado seus bens e oferecido
seu próprio corpo até a morte. Mas sabia que isso não era
absolutamente nada e que ele mesmo não era nada sem
amor.
Infelizmente, ao contrário de Paulo, o jovem rico, no
Evangelho de Marcos, não estava pronto para confessar a
falta de amor em seu coração pecador. Isso nos leva àquilo
que talvez seja o detalhe mais notável dessa passagem. No
versículo 20, o jovem rico se vangloriou de que havia
guardado todas as leis de Deus sobre amar o próximo. A
Bíblia diz que, quando o homem disse isso, Jesus olhou para
ele e “o amou” (v. 21).
Esse detalhe é notável porque uma das pessoas mais
difíceis de amar é o pecador presunçoso, que acha que
conseguiu vencer na vida espiritual. Esse jovem rico era
um sabichão. Tinha uma opinião tão elevada de si mesmo,
que se recusava a confessar seu pecado. A maioria de nós
não teria sentido absolutamente nenhuma afeição por esse
homem. Mas Jesus o amou. Na verdade, foi somente porque
Jesus amou esse homem que aplicou nele o teste do amor
generoso. Jesus queria que ele visse que não era o amante
que achava que era e que precisava de mais do amor de
Jesus em sua vida.
Esse detalhe notável nos dá um vislumbre do amor que
Jesus tem por nós. Não somos em nada mais amáveis do
que o homem que achava que sabia como amar. Mas Jesus
ainda olha para nós com um coração de amor. De igual
maneira, ele nos ajuda a ver que não somos os amantes que
pensamos que somos. Mas ele não para por aí. Mediante
sua morte na cruz, oferece perdão para nosso coração sem
amor. Então, ele nos envia o Espírito Santo, para que
possamos começar a amar do jeito que ele ama.
Não somos nada sem amor — essa é a mensagem de
1Coríntios 13.1-3. Mas Jesus não faz nada sem amor — essa
é a mensagem de Marcos 10 e, na verdade, a mensagem de
tudo o mais em toda a Bíblia. Foi amor que trouxe Jesus do
céu para Belém, que o levou a realizar milagres e pregar o
evangelho, que o conduziu em meio aos sofrimentos do
Calvário e da cruz e que o exaltou à glória. Jesus Cristo é a
encarnação eterna do amor de Deus. Por isso, é com amor
que ele olha agora para nós — com tanto amor quanto o
que ele teve pelo homem que encontrou em Marcos 10.
Anteriormente, vimos como o Capítulo do Amor soa
ridículo quando substituímos a palavra amor pelos nossos
próprios nomes. Mas é bem diferente quandocolocamos
Jesus no quadro. Se 1Coríntios 13 é um retrato do amor,
então ele é realmente um esboço do Salvador que
encontramos nos Evangelhos: “Jesus é paciente e bondoso;
Jesus não inveja nem se vangloria; não é arrogante ou
grosseiro. Jesus não insiste em que as coisas sejam feitas
do seu jeito; não fica irritado nem ressentido; não se alegra
com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Jesus sofre
tudo, crê em tudo, espera tudo, suporta tudo. Jesus nunca
falha”.
Paulo nos incentiva a ler o Capítulo do Amor de uma
forma cristocêntrica, mediante a mudança expressiva que
ele faz entre, de um lado, os versículos 1 a 3, em que fala
na primeira pessoa, e, de outro, os versículos 4 a 8, em que
o amor é personificado. Primeiro, o apóstolo nos diz o que
ele não consegue fazer sem amor; em seguida, nos diz o
que só o amor consegue fazer.12 E o motivo pelo qual o
amor consegue fazer todas essas coisas é que ele se
encarnou em Jesus Cristo.
Jesus é tudo o que eu não sou. Só ele tem “o amor divino
que a todo amor excede”.13 Essa percepção não me
pressiona; ela me liberta, porque o amor de Jesus é tão
grande, que ele ama até a mim. E, porque me ama, ele
prometeu me salvar, me perdoar e me transformar. Não
somos nada sem amor. Mas, quando conhecemos Jesus, que
não faz nada sem amor, ele nos ajudará a amar do jeito que
ele ama.
Em uma carta posterior aos coríntios, Paulo deu
testemunho do amor de Jesus, que tem o poder de
transformar vidas, que inverte totalmente nossas afeições
ao nos obrigar a parar de amar a nós mesmos e começar a
amar os outros: “Pois o amor de Cristo nos controla, porque
chegamos a esta conclusão: que um morreu por todos,
portanto todos morreram; e ele morreu por todos, para que
aqueles que vivem já não vivam para si mesmos, mas para
aquele que por causa deles morreu e ressuscitou” (2Co
5.14,15) — o Salvador, que morreu e ressuscitou para que
você conseguisse viver com o amor dele.
Eu o convido a receber o amor dele em sua vida. Confesse
que você não é o amante que deveria ser e peça a Jesus
para mudar seu coração. Diga algo assim: “Jesus, tu és
tudo o que eu não sou. Tu és puro amor, e eu sou apenas o
pecador sem amor que tu sempre soubeste que eu seria.
Mas, em teu amor perfeito, peço que perdoes meus
pecados odiosos e ensines meu coração sem amor a amar
do jeito que tu amas”.
GUIA DE ESTUDO
As pessoas falam sobre alguém ser “um amor de pessoa”,
sobre “fazer amor” e sobre a perda de pessoas “amadas”.
Nós até dizemos que “amamos” sorvete ou determinado
local. Tendo em vista a maneira de falarmos sobre o amor,
não é de admirar que a palavra tenha perdido a força. Mas
um novo olhar para 1Coríntios 13 nos lembra como é belo o
amor que imita a Cristo.
1. Fale sobre uma ocasião em que alguém de fora de sua
família fez algo que demonstrou amor por você. O que fez
com que aquele ato ou expressão de amor fosse
significativo para você?
2. Leia o conhecido Capítulo do Amor em 1Coríntios 13.1-
13. O que poderia ser diferente em sua igreja, caso esse
capítulo fosse aplicado principalmente ao amor pelos
outros membros do corpo de Cristo, e não ao amor entre
os casais?
3. O que distingue atos de misericórdia feitos sem amor
daqueles atos que são motivados pelo amor? A pessoa que
é objeto desses atos ou um observador consegue dizer a
diferença?
4. O texto de 1Coríntios 13.1 nos diz que dons espirituais
oferecidos sem amor são como um gongo barulhento ou
um címbalo que retine. Em que aspectos um cristão sem
amor é como um gongo barulhento? Qual a impressão que
uma pessoa com fé e conhecimento, mas sem amor, dá
aos incrédulos?
5. Uma boa ilustração do amor de Jesus pelos pecadores se
encontra em Marcos 10. Leia os versículos 17-27. Qual foi
a motivação do jovem ao perguntar a Jesus como podia
ser salvo? Fundamente sua resposta com o que está
escrito no texto.
6. Como se pode ver o amor de Jesus por aquele homem em
Marcos 10.17-27?
7. Em Marcos 10.17-27, Jesus respondeu à pergunta do
homem dizendo que ele precisava amar o próximo. Em
última análise, o jovem falhou no teste do amor porque
não estava disposto a vender todos os seus bens e dar o
dinheiro aos pobres. Por que esse homem foi incapaz de
abrir mão daquilo que tinha? Pensando em termos mais
gerais, por que é especialmente difícil para os ricos
entrar no reino de Deus? Que desafios espirituais eles
enfrentam que os pobres não?
8. Em 1Coríntios 13.3 lemos que apenas abrir mão de
nossos bens e dá-los aos pobres não é suficiente. O que
mais é necessário? Por que as boas obras não são
suficientes sem o amor?
09. Pense na última vez em que você foi confrontado com
as necessidades de um estranho. Você passou no teste do
“amor”? Em caso negativo, qual foi o impedimento?
10. Que limites você é tentado a impor ao seu amor? O que
você pode fazer para remover alguns desses limites e
verdadeiramente amar o próximo como a si mesmo?
1Oxford English dictionary, verbete “encomium”, 13. ed.
2Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 626
[edição em português: 1Coríntios: comentário exegético, tradução de Marcio
Loureiro Redondo (São Paulo: Vida Nova, a ser publicado)].
3Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr. Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 1 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
4Hodge, An exposition of the First Epistle to the Corinthians (reimpr.,
London: Banner of Truth, 1958), p. 264.
5Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1036.
6W. W. Klein, “Noisy gong or acoustic vase? A note on 1Cor 13.1”, New
Testament Studies 32 (1986): 286-9.
7J. Moffatt, The First Epistle of Paul to the Corinthians, Moffatt New
Testament Commentary (London: Hodder & Stoughton, 1938), p. 192.
8Josh Moody fez essa comparação em um sermão pregado em 19 de
setembro de 2010, na College Church, em Wheaton, nos Estados Unidos.
9Genádio de Constantinopla, “13:1-3 The law of love”, citado em Gerald Bray,
org., New Testament, 1-2 Corinthians, Ancient Christian Commentary on
Scripture (Downers Grove: InterVarsity, 1999), vol. 7, p. 131.
10Thiselton, First Epistle to the Corinthians, p. 1041.
11Edwards, Charity, p. 57.
12Outro insight totalmente novo do sermão de Josh Moody sobre essa
passagem.
13O autor está citando o título do hino Love divine, all loves excelling, da
autoria de Charles Wesley. (N. do T.)
2
AMOR QUE É MELHOR QUE A VIDA
O amor é bondoso.
(1CO 13.4)
Mas, quando a bondade e a benignidade de Deus nosso
Salvador apareceram, ele nos salvou não por causa de
obras feitas com justiça por nós, mas de acordo com sua
própria misericórdia, mediante a lavagem regeneradora e
renovadora do Espírito Santo, que ele derramou ricamente
sobre nós por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador.
(TT 3.4,5)
Os sofrimentos terrenos de Elizabeth Payson Prentiss foram
lentos e dolorosos.1 Ela lutou a vida toda contra a insônia e
fortes dores de cabeça que a deixavam exausta. Ela
também sofreu a dor da perda: dois de seus filhos
morreram, um logo depois do outro. Depois disso, a saúde
frágil da mãe enlutada quase se foi. Em profunda angústia
de alma, ela exclamou: “Nosso lar está despedaçado;
nossas vidas, arrasadas; nossas esperanças,
esfrangalhadas; nossos sonhos, acabados. Acho que não
consigo viver por nem mais um instante”.2
Ainda assim, durante aqueles dias sombrios e de
desespero, quando suas dores e perdas a levaram a pensar
que não conseguiria viver nem mais um dia, Elizabeth
Payson Prentiss nunca perdeu a esperança no amor de
Deus. Na verdade, bem naqueles dias ela começou a
escrever um hino pedindo a Jesus mais do seu amor. “Mais
amor por ti, ó Cristo”, ela orou. “Mais amor por ti.” Então,
ela pediu a Deus para que ele usasse astristezas terrenas
que ela sentia para ensiná-la a amar:
Outrora por alegria terrena eu ansiava; procurava paz e
descanso;
agora só a ti eu busco; dá-me o que é melhor.
Esta será toda minha oração: “Mais amor por ti, ó Cristo;
mais amor por ti, mais amor por ti!”.
Que a tristeza opere, envia pesar e dor;
doces são teus mensageiros, doce é o seu refrão,
quando cantam comigo: “Mais amor por ti, ó Cristo;
mais amor por ti, mais amor por ti!”.
O que Elizabeth Prentiss encontrou, quando perdeu todas
as esperanças na própria vida, foi um amor que é melhor
que a vida. Tempos depois, ela escreveu: “Amar mais a
Cristo é a necessidade mais profunda, o grito constante da
minha alma. [...] Lá fora no bosque, e na minha cama. e na
charrete, quando estou feliz e ocupada, e quando estou
triste e ociosa, o sussurro continua a subir, pedindo mais
amor, mais amor, mais amor!”.3
UM RETRATO DO AMOR
Onde uma alma sofredora consegue encontrar mais amor
por Cristo e mais amor por outras pessoas? Estamos
encontrando esse amor em 1Coríntios 13, o Capítulo do
Amor na Bíblia, o qual o apóstolo Paulo escreveu para
ajudar a igreja em Corinto— uma igreja cheia de dons, mas
ainda assim dividida — a aprender a amar.
Paulo começou demonstrando que o amor é
absolutamente indispensável. Nada mais importa, apenas o
amor. Não importa quanto sejamos dotados de dons ou o
que façamos para Deus — sem amor, não somos nada.
Profecia sem amor, teologia sem amor, fé sem amor, ação
social sem amor, até mesmo martírio sem amor são todos
igualmente sem valor. Nada pode compensar a ausência de
amor. João Crisóstomo ia mais longe. Quando pregou sobre
essa passagem à sua congregação em Constantinopla, em
algum momento durante o século quarto, Crisóstomo disse:
“Se eu não tiver amor, não sou apenas inútil, mas
definitivamente um estorvo”.4
O problema é que somos menos amorosos do que
pensamos ser e ainda menos do que deveríamos ser. Se não
quisermos ser um estorvo, precisamos, portanto, aprender
a amar. O texto de 1Coríntios 13 esclarece, ao oferecer um
esboço da natureza do amor: “O amor é paciente e
bondoso; o amor não inveja nem se vangloria; não é
arrogante ou grosseiro. Ele não insiste em que as coisas
sejam feitas do seu jeito; não fica irritado nem ressentido;
não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a
verdade. O amor sofre tudo, crê em tudo, espera tudo,
suporta tudo. O amor nunca acaba” (v. 4-8).
Crisóstomo descreveu esses versículos como “um esboço
da beleza incomparável do amor, ornamentando a imagem
do amor com todos os aspectos de excelência moral, como
se estivesse usando muitas cores”.5 O que torna esses
versículos tão belos é que eles realmente são um retrato de
Jesus e de seu amor. A técnica literária que Paulo usa aqui
tem o nome de personificação. Ele apanha a ideia de amor
e descreve o que o amor faz, como se o amor fosse uma
pessoa. Mas é claro que o amor é uma pessoa, porque Jesus
Cristo é a encarnação do amor de Deus. Portanto, tudo o
que esses versículos dizem sobre o amor é característico de
Jesus. Seu amor é paciente e bondoso; não é arrogante nem
fica irritado; crê e suporta todas as coisas; nunca falha.
Então, se quisermos saber com que o Capítulo do Amor se
parece quando é vivenciado, tudo o que precisamos fazer é
olhar para a pessoa e obra de Jesus Cristo.
Vemos a humildade amorosa de Jesus ao deixar a glória
do céu para assumir a carne de nossa humanidade. Vemos
sua paciência amorosa com todas as pessoas que o
comprimiam em busca de cura. Vemos sua submissão
amorosa no Getsêmani, quando, a caminho da cruz, Jesus
não insistiu em fazer sua própria vontade. Vemos sua
perseverança amorosa na maneira de sofrer pelo pecado.
Vemos sua misericórdia amorosa no perdãoque ofereceu a
seus inimigos. Vemos sua confiança amorosa de que o Pai o
ressuscitaria da sepultura. Do começo ao fim, nossa
salvação toda é uma história do amor infalível de Jesus, o
amor de Deus por nós em Cristo — aquilo que C. S. Lewis
chamou de “amor doação” de Deus.6
Uma forma de enxergarmos o amor de Jesus é ilustrar
com sua vida e ministério o Capítulo do Amor. Esta será
nossa abordagem no estudo de 1Coríntios 13: Apanhar o
que esse capítulo diz sobre o amor e ver como Jesus nos
mostra cada aspecto particular do amor. Ao longo do
estudo acompanharemos o curso da vida terrena de Jesus,
sua morte salvífica e sua ressurreição gloriosa.
Ao seguirmos a cronologia de Jesus e de seu amor, nem
sempre seguiremos a ordem exata de 1Coríntios 13. Esse
método parece apropriado para o nosso estudo, porque
esse capítulo é um retrato, e não uma biografia. O texto de
1Coríntios 13 nos apresenta um quadro multifacetado do
amor. Para ver esse quadro da forma mais clara possível,
vamos associar cada palavra com Cristo, e então fazer
novas associações com a nossa vida. O amor que Jesus
demonstrou por nós revela-se o mesmo amor que ele quer
que demonstremos pelos outros. Ele não nos ama apenas
por nossa causa, mas também para amar outros por meio
de nós, conforme aprendemos a amar como ele ama.
SOBRE A BONDADE
Começamos com um aspecto do amor que pode parecer
uma virtude débil. A Escritura diz que o amor é “bondoso”
(1Co 13.4). A maioria das pessoas aprecia a bondade — em
especial quando alguém é bondoso com elas —, mas nós
talvez não levemos isso muito a sério. Falamos sobre ser
“bondosos com os animais” ou demonstrar “bondade com
estranhos”. Ser bondoso é compartilhar algum doce ou
ajudar uma velhinha a atravessar a rua. Mas, se isso é tudo
o que a bondade faz, então dizer que “o amor é bondoso”
seria exaltar o amor numa proporção muito menor do que
ele merece. Na verdade, se o amor é “bondoso” apenas no
sentido convencional da palavra, então a Bíblia estaria
colocando o amor em um nível que todos podemos alcançar
— mesmo sem a graça de Deus — porque todo mundo é
capaz de mostrar pelo menos um pouco de bondade.
Contudo, se achamos que bondade é algo pequeno,
certamente não conhecemos o pleno significado bíblico de
bondade nem entendemos a extraordinária bondade de
Deus. Porque, quando estudamos o que a Bíblia diz sobre
esse assunto, logo descobrimos que a bondade é um
chamado sublime e que toda a história da salvação pode
ser entendida como uma operação graciosa da bondade
extraordinária de Deus em relação a nós, em Jesus Cristo.
A palavra que Paulo usa para bondade em 1Coríntios 13.4
ocorre uma única vez. Essa é a única passagem em que a
palavra aparece na Bíblia ou em qualquer outro texto
antigo (com exceção de fontes cristãs posteriores que, pelo
que se presume, tomaram o termo emprestado de Paulo). O
apóstolo era muito talentoso no uso das palavras, e a
palavra que parece que ele inventou neste caso
(chresteuetai) é um verbo. De modo que, em vez de dizer “o
amor é bondoso”, talvez devamos traduzir a frase por algo
assim: “o amor demonstra bondade”.7
Este é um bom ponto para mencionar uma característica
importante de 1Coríntios 13: As palavras que esse capítulo
usa para descrever o amor não são substantivos, mas
verbos (há pelo menos quinze deles). Isso significa que,
quando Paulo diz que o amor é isto e não é aquilo, ele não
está nos dando uma definição abstrata ou filosófica, nem
está descrevendo um sentimento que temos em nosso
coração. Em vez disso, está falando sobre algo que nós
fazemos — o amor como uma ação, não como uma afeição.
Conforme Henry Drummond escreveu em seu famoso
livreto The greatest thing in the world, o amor “não é uma
espécie de emoção repleta de entusiasmo”, mas “uma
expressão profunda, forte e enérgica [...] da natureza
semelhante a Cristo no mais pleno desenvolvimento dela”.8
Essa profunda verdade — que o amor é um verbo ativo —
nos ajuda a entender o ensino bíblico sobre o amor de uma
maneira extremamente prática. Muitos cristãos se
preocupam por não se sentirem de determinada maneira
em relação a Deus: “Eu sei que devo amar a Deus”,
dizemos, “mas nem sempre me sinto muito amoroso.Deve
ter alguma coisa errada com as minhas emoções! Eu digo
que sigo a Deus, mas às vezes nem mesmo tenho certeza de
que o amo”. Assim, ficamos imaginando como podemos ter
mais sentimento amoroso por Deus.
O Capítulo do Amor nos ensina que a natureza do amor é
o que o amor faz. “Ao contrário de outros amores”, escreve
o teólogo francês Ceslaus Spicq, “que podem permanecer
ocultos no coração, para a caridade é essencial se
manifestar, demonstrar a si própria, fornecer provas,
exibir-se”.9 Isso não quer dizer que o amor seja algo que
nunca sentimos ou que algum dia devamos parar de pedir
ao Espírito Santo que encha nosso coração com uma
afeição mais calorosa por Deus. No entanto, quando se
trata de amor, nossos atos são, em todos os aspectos, tão
importantes quanto o que dizemos com as palavras ou
sentimos no coração, ou até mais importantes. O apóstolo
João disse: “Filhinhos, não amemos de palavra ou de boca,
mas com ações e em verdade” (1Jo 3.18). Paulo via o amor
da mesma maneira. Ele acreditava em amar por meio de
ações, não apenas mediante palavras ou sentimentos. O
amor é como vivemos para Deus, mesmo quando acontece
de não nos sentirmos particularmente amorosos.
Quando Paulo tomou a bondade e a transformou em um
verbo ativo, ele começou com uma palavra que aparece
com bastante frequência no Novo Testamento: o
substantivo mais comum para “bondade” (chrestos). Vemos,
por exemplo, essa palavra em Gálatas 5, em que aparece na
lista do “fruto do Espírito” (v. 22). Também a vemos em
Colossenses 3, em que Paulo a menciona como uma das
virtudes que o povo cristão deve vestir como parte de nosso
vestuário espiritual diário (v. 12). Em outras passagens, ele
diz que a bondade é uma característica do ministério dos
apóstolos (2Co 6.6) e nos ordena que sejamos bondosos uns
com os outros (Ef 4.32).
Quando interpretamos essas passagens no seu todo,
vemos que a bondade é uma das virtudes comuns da vida
cristã. Ser bondoso é ser “afetuoso, generoso, atencioso,
prestativo”.10 Para mostrar que essa bondade é um verbo,
Gordon Fee a define como “bondade ativa em favor de
outrem”.11 Outros comentaristas descrevem uma pessoa
bondosa como alguém que está “disposto a ser útil” e “a
fazer o bem a outros espontaneamente” — as definições
que enfatizam a prontidão e a ânsia da bondade em se
envolver no serviço a outros.12 Lewis Smedes chama a
bondade de “prontidão do amor para melhorar a vida de
outra pessoa”.13
Alguns comentaristas ligam a bondade à paciência, que
também é mencionada no versículo 4. Eles acham que
Paulo tem em mente a bondade com os inimigos, com as
pessoas que nos trataram mal. Por esse motivo, em sua
exposição dessa passagem, João Crisóstomo perguntou
como devemos reagir aos ressentimentos irados e ao
impulso de nos vingarmos de pessoas que nos maltratam:
“Não apenas suportando com grandeza de caráter”, ele
disse (que é onde entra a paciência), “mas também
acalmando e consolando”, para que possamos “amenizar a
dor e curar a ferida” de um relacionamento rompido.14 Às
vezes descreve-se alguém que é “bondoso demais” como
uma pessoa “que mata com bondade”, mas, de acordo com
a Escritura, também nos é possível curar com nossa
bondade, trazendo esperança e cura para pessoas
destroçadas.
A BENIGNIDADE DE DEUS
A melhor maneira de aprender esse tipo de bondade é vê-la
no caráter de nosso Deus, cujo amor está sempre pronto
para melhorar a vida dos outros.
O título deste capítulo — “O amor que é melhor que a
vida” — vem de uma frase que certa vez o rei Davi disse a
respeito de Deus. Davi começou o salmo 63 afirmando que
sua alma estava sedenta de Deus, tal como um moribundo
em um deserto árido. Então, quando começou a louvar e
bendizer a Deus, ele explicou por que Deus merecia sua
adoração: “Porque teu amor inabalável é melhor que a vida,
meus lábios te louvarão” (Sl 63.3).
A versão King James usa uma terminologia ligeiramente
diferente. Ela diz: “Tua benignidade é melhor que a vida”.
As palavras “amor inabalável” e “benignidade” são
tentativas de tomar a profunda ideia veterotestamentária
de amor pactual e expressá-la de uma maneira
compreensível para nós. Davi estava louvando a Deus por
sua fidelidade absoluta em manter as promessas de amor
que ele havia feito ao seu povo, salvando-o e sendo seu
Deus eterno. Foi por causa de sua benignidade que Deus
tornou Abraão uma grande nação, livrou Israel do Egito,
estabeleceu o reino de Davi, resgatou da Babilônia o
remanescente de seu povo e realizou muitos outros atos
poderosos de libertação salvadora. O que o Antigo
Testamento chama de “benignidade” é nada menos do que
a salvação total. E, no entendimento de Davi, conhecer
tamanha bondade é melhor que a própria vida.
O Novo Testamento fala em termos parecidos, colocando
a bondade de Deus no contexto de salvar seu povo. O
apóstolo Paulo disse aos romanos que a bondade de Deus
nos leva ao arrependimento (Rm 2.4). Disse ainda que é por
causa da bondade de Deus que o evangelho é pregado a
todas as nações (Rm 11.22). Mas talvez a máxima
expressão da bondade de Deus surja na carta de Paulo a
Tito:
Mas, quando a bondade e a benignidade de Deus nosso
Salvador apareceram, ele nos salvou não por causa de
obras feitas com justiça por nós, mas de acordo com sua
própria misericórdia, mediante a lavagem regeneradora e
renovadora do Espírito Santo, que ele derramou
ricamente sobre nós por meio de Jesus Cristo, nosso
Salvador, para que, sendo justificados por sua graça, nos
tornássemos herdeiros segundo a esperança de vida
eterna (3.4-7).
Não se deve subestimar a bondade! Talvez sejamos
tentados a vê-la como algo pequeno, mas aqui a Bíblia
considera tudo o que Deus tem feito para nossa salvação e
chama de bondade sua cura salvadora. Considere, então, a
benignidade de Deus, conforme resumida em Tito 3.
Para começar, a bondade de Deus é um amor salvador. A
Escritura diz que, quando apareceu a benignidade de Deus
— essa é uma referência a Jesus vir ao mundo —, “ele nos
salvou” (Tt 3.5). A maneira mais geral e abrangente de
descrever o que Deus tem feito por nós é simplesmente
dizer que ele nos salvou. Jesus é o Salvador, aquele que
traz libertação do pecado e da morte. Ele nos salva do
castigo que nossos pecados merecem, o que é nada menos
do que a condenação eterna. Portanto, quando dizemos que
Deus é bondoso, estamos dizendo que ele nos resgatou de
uma eternidade no inferno.
A bondade de Deus é também um amor misericordioso —
um amor demonstrado a pessoas que nem mesmo merecem
ser amadas. A passagem de Tito 3.5 deixa claro que,
quando Deus nos salvou, isso aconteceu “não por causa de
obras feitas por nós com justiça, mas segundo sua própria
misericórdia”. Nós não nos salvamos. Não conseguimos nos
habilitar para o céu com base nas coisas justas que temos
feito. Leon Tolstoi estava certo quando disse que não havia
cumprido nem um milésimo dos mandamentos de Deus —
não porque não tivesse tentado, mas porque era incapaz de
cumpri-los.15 Esse é também o nosso problema — nós não
fazemos nem conseguimos fazer todas as coisas justas que
sabemos que devemos fazer. Por isso, se Deus nos salva, é
apenas por sua misericórdia bondosa e amorosa. Não é
porque sejamos amáveis, mas porque ele é amor.
Além disso, a bondade de Deus é um amor transformador
de vidas. O texto de Tito 3.5 diz que Deus nos salva
“mediante a lavagem regeneradora e renovadora do
Espírito Santo”. A regeneração é a obra íntima em que
Deus Espírito Santo dá vida nova e eterna a um pecador
sem vida. Aqui a obra de transformação de vida chama-se
“a lavagem regeneradora”. Isso nos lembra o batismo
cristão, o sacramento que usa água para simbolizar a
purificação. Quando a bondade de Deus entra em sua vida,
ela elimina todos os seus pecados. Também torna você uma
pessoa totalmente nova. Isso acontece imediatamente
quando o Espírito assume o controle, mas depois continua
pelo resto da sua vida. Existe “regeneração”, que é umnovo nascimento espiritual, mas existe também
“renovação”, que é a obra contínua do Espírito Santo. Deus
está nos fazendo e nos refazendo como pessoas totalmente
novas. Não somos aquilo que éramos no passado — louvado
seja Deus! Não continuaremos sendo aquilo que somos —
louvado seja de novo, pois essa é a bondade de Deus.
Certa vez ouvi um pai dizer que sentia como se
alienígenas tivessem assumido o controle do corpo de seu
filho. De uma hora para outra, o rapaz havia se tornado
mais respeitoso, obediente, arrependido, disciplinado,
compassivo e ensinável — tudo o que um pai deseja de um
filho. Então o pai percebeu que era isso mesmo: um poder
alienígena e sobrenatural havia assumido o controle de seu
filho. Alguém estava vivendo dentro dele! Era o Espírito
Santo de Deus com todo o seu poder transformador de
vida.
A benignidade divina salvadora e transformadora de vida
também é um amor generoso. Em sua bondade, Deus nos
enviou o Espírito Santo, “que ele derramou sobre nós
profusamente por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador” (v.
6). Esse versículo dá testemunho da bondade triúna de
Deus. Há um único Deus em três pessoas, cada uma cheia
de benignidade. Já vimos a bondade do Filho, em vir e ser
nosso Salvador, e a bondade do Espírito, em nos regenerar
e renovar. Aqui vemos a bondade do Pai, em nos enviar o
Espírito por meio do Filho. O que a Bíblia enfatiza
especialmente é a generosidade desse dom. O Espírito
Santo é algo que Deus tem derramado profusamente. O
Espírito é o melhor de todos os dons, porque ele é o dom do
próprio Deus. E, quando Deus derrama esse dom, não é
apenas um gotejamento, mas um manancial.
Há muito mais que podemos dizer sobre a benignidade de
Deus. O texto de Tito 3.7 explica por que Deus tem
derramado seu Espírito sobre nós e em nós: “Para que,
sendo justificados pela sua graça, pudéssemos nos tornar
herdeiros de acordo com a esperança da vida eterna”. Esse
versículo demonstra a justiça e a graciosidade do amor de
Deus. Em nossa justificação, Deus declara que somos
justos. Ele perdoa nossos pecados por meio da morte
expiatória de Jesus Cristo. Ele também nos adota como
seus próprios filhos e filhas amados. O grande pastor
presbiteriano Henry Boardman disse: “A adoção é a maior
prova de amor que alguém pode conceder a outrem, com
exceção de morrer por ele; e Cristo fez as duas coisas por
nós”.16
Então, Deus faz algo mais: Ele nos concede a herança da
vida eterna, prometendo que viveremos com ele em seu
reino glorioso para todo o sempre. A benignidade de Deus
nunca chega ao fim, porque ele continua agindo
graciosamente em nosso favor para sempre. Sua bondade é
um amor eterno.
A partir do momento em que experimentamos a bondade
de Deus — sua bondade salvadora, misericordiosa,
generosa, transformadora de vida e eterna por nós em
Jesus Cristo —, nunca mais conseguimos pensar que a
benignidade é algo pequeno e insignificante. A benignidade
de Deus se estende até a eternidade. Ela realmente é
melhor que a vida, porque, quando Deus nos salva em seu
amor, viveremos para sempre.
SEJA BONDOSO
Você já experimentou a bondade de Deus? Será que você
consegue dizer: “Deus tem sido tão bondoso comigo! Deus
Pai me adotou como seu filho amado. Jesus Cristo tem
transformado minha vida. Mediante sua morte na cruz, ele
perdoou todos os meus pecados. Ele me deu seu Espírito
Santo e me prometeu vida eterna. Sou alguém que tem se
beneficiado da benignidade de Deus”?
Todo aquele que é capaz de dar testemunho da bondade
de Deus é chamado a mostrar aos outros a bondade divina.
Essa é a questão prática tanto em Tito quanto em
1Coríntios. Quando 1Coríntios 13 nos diz que “o amor é
bondoso”, não está apenas definindo amor para nós;
também está nos dizendo como viver. O mesmo vale para
Tito 3. A razão pela qual Paulo fala a Tito a respeito da
benignidade de Deus é para que ele ajude pessoas de sua
igreja a aprenderem a amar.
O contexto é importante. Tito era o pastor em Creta, e os
cretenses não eram muito bondosos. Ao que parece,
precisavam ser lembrados de não dizer coisas ruins sobre
os outros e de não entrar em discussões inúteis (Tt 3.2).
Isso não causa surpresa, tendo em vista o que o versículo 3
diz sobre como costumavam viver: passando os dias “na
maldade e na inveja, odiados pelos outros e odiando uns
aos outros”. Nós mesmos poderíamos fazer a mesma
confissão, porque temos a mesma necessidade espiritual.
Não somos amorosos por natureza, mas inimigos.
É por isso que temos a mensagem evangélica da bondade
salvadora de Deus. Quando o apóstolo quis ajudar as
pessoas a aprenderem a amar, ele não lhes deu
simplesmente uma longa lista do que fazer e do que não
fazer; também lhes contou a história de Jesus e de seu
amor — a bondade com que Deus em Cristo transforma
vidas. Quando essa história se torna nosso próprio
testemunho, mediante a fé em Jesus Cristo, podemos então
viver com o mesmo tipo de amor. Conforme Paul Miller
escreve em seu livro Love walked among us: “O amor não
começa com amar, mas com ser amado [...] só podemos dar
aquilo que temos recebido”.17 Portanto, somente por meio
da fé em Cristo podemos começar a amar do jeito que Jesus
ama. Conhecer a bondade de Deus nos capacita a começar
a mostrar a bondade de Deus.
Todos os dias temos oportunidades de melhorar a vida de
outros por meio da bondade, o que em alguns casos pode
vir a ser uma bondade salvadora. Não que possamos
chegar a ser salvadores de alguém ou a purificar alguém de
seu pecado. Seria loucura tentar. Mas uma coisa que
podemos fazer é apresentar o Salvador às pessoas,
contando-lhes acerca de Jesus e de seu amor. A maior
bondade que podemos chegar a mostrar a alguém é
compartilhar o evangelho. Por isso, seja bondoso com
vizinhos e estranhos da forma mais bondosa: convidando-os
para ir à igreja, conversando com eles sobre assuntos
espirituais e testemunhando a eles sobre Jesus Cristo. O
trabalho amoroso de evangelismo pessoal é a maior
bondade do mundo.
A bondade que somos chamados a mostrar é também uma
bondade misericordiosa, o que significa que podemos
mostrá-la a pessoas que nem sequer a merecem. Nas
palavras de Lewis Smedes: “Bondade é o poder que move
uma pessoa egocêntrica a ajudar os fracos, os feios, os
feridos e a passar a cuidar de outros sem expectativa de
receber qualquer recompensa”.18 É fácil demais dividir o
mundo entre pessoas que merecem nossa ajuda e pessoas
que não merecem. Se Deus dividisse o mundo dessa
maneira, nenhum de nós jamais conseguiria ajuda dele,
porque nenhum de nós jamais a mereceria. Mas nós somos
os beneficiários de bondade imerecida.
De nossa parte, nós agora somos chamados a mostrar
bondade altruísta às próprias pessoas que têm sido
maldosas conosco. O amor doação de Deus, escreve C. S.
Lewis, permite-nos “amar aquilo que não é amável por
natureza”.19 Quando a Bíblia nos diz para sermos bondosos
com nossos inimigos, como acontece com frequência, ela
quase sempre nos diz para fazermos algum tipo de bem a
eles (e.g., Mt 5.44; Rm 12.21; 1Ts 5.15; 2Tm 2.24). Somos
chamados não apenas a tolerar as pessoas, mas também a
tratá-las com bondade. Não espere que os outros sejam
agradáveis com você antes de ser agradável com eles, mas
trate as pessoas de forma tão bondosa quanto Deus o
tratou por meio da cruz de Jesus Cristo. “Se eu posso
escrever uma carta maldosa”, escreveu Amy Carmichael,
“falar uma palavra maldosa, ter um pensamento maldoso —
tudo isso sem sentir tristeza e vergonha —, então não
conheço nada do amor do Calvário”.20
Que mais podemos dizer acerca da bondade que Deus nos
chama a mostrar a outras pessoas? Deve ser uma bondade
generosa. Dê mais — e não menos — à caridade evangélica.
Passe mais tempo — e não menos — com os doentes e os
sem-teto, com crianças carentes e pessoas na prisão. É
claro que há horas em que a misericórdia nos ensina a
dizer não a um pedido de ajuda, porque só alimentará um
vício destrutivo ou uma dependênciaprejudicial. Mas, em
vez de pensar “Como posso me livrar de fazer isso?”,ou
justificar nosso desejo de não nos envolver, nosso primeiro
instinto deve ser sempre o de ver se existe uma maneira de
ajudar.
Às vezes, nossa bondade pode até mesmo ser uma
bondade transformadora de vida, em especial quando
mostramos bondade espiritual às pessoas. Normalmente,
pensamos em bondade da perspectiva da realização de
alguma tarefa prática para ajudar alguém com uma
necessidade física. Mas, conforme destacado por Jonathan
Edwards em seu ensino sobre 1Coríntios 13, devemos
tentar mostrar bondade à alma das pessoas. Como
conseguimos isso? Edwards disse que conseguimos fazer
isso
ao levá-las ao conhecimento das grandes coisas da
religião; e ao aconselhar e advertir outros, e ao estimulá-
los a cumprir seu dever e a dedicar uma atenção
oportuna e minuciosa ao bem-estar de suas próprias
almas; e, de novo, ao darmos uma repreensão cristã
àqueles que podem estar fora do caminho do dever; e ao
sermos bons exemplos para eles, o que é uma das coisas
mais necessárias e comumente a mais eficaz de todas
para a promoção do bem da alma.
21
Em linguagem simples, mostramos benignidade ao
partilharmos as Escrituras, ao darmos conselhos espirituais
sábios, ao oferecermos palavras ternas de repreensão,
quando realmente necessárias, e, acima de tudo, ao sermos
um exemplo piedoso. Todos esses são atos de bondade que
o Espírito Santo pode usar para o bem da alma de outras
pessoas.
É claro que a nossa bondade jamais poderia ser eterna
como é a bondade de Deus. No entanto, ainda há uma
maneira de sermos um reflexo da bondade eterna de Deus
em nossa vida, e essa maneira é nunca parar de mostrar
bondade. Se continuarmos sendo bondosos, isso fará uma
diferença para Cristo e seu reino. Em geral as pessoas
pensam na bondade como algo pequeno. Porém, se cada
crente assumisse um compromisso pessoal com a bondade,
isso mudaria o mundo. Os perdidos seriam encontrados. Os
moribundos seriam libertados. Os indignos receberiam
graça. Os sem amor e os impossíveis de amar seriam
amados com um amor eterno.
Tertuliano nos conta que, nos dias da igreja primitiva, os
pagãos às vezes chamavam os cristãos de chrestiani em vez
de christiani.22 As duas palavras soam parecidas, mas havia
outra razão para a confusão. Christiani significa “cristãos”,
mas chrestiani vem da palavra grega para “bondade”. De
acordo com Tertuliano, mesmo quando os crentes não eram
conhecidos como o povo de Cristo, ainda eram conhecidos
como o povo da bondade, e essa bondade conduzia outros a
Cristo.
E quanto a nós? Será que somos conhecidos como
pessoas de bondade, ou será que na maioria das vezes as
pessoas associam o cristianismo a atitudes de mesquinhez,
crítica e hipocrisia? Nosso chamado é para viver com tanto
amor que a bondade se torne sinônimo de cristianismo. Às
vezes dizemos que as pessoas saberão que somos cristãos
por causa do nosso amor, mas aqui está outra maneira de
dizer a mesma coisa: eles saberão que somos cristãos por
causa da nossa bondade.
GUIA DE ESTUDO
Alguns anos atrás, houve um movimento para incentivar as
pessoas a praticar “atos aleatórios de bondade” em favor
de estranhos. Pensava-se em coisas simples, tais como
deixar um valor no caixa para ajudar a pagar o pedido da
pessoa que está no carro atrás de você, no drive-thru — o
tipo de coisa que faria a outra pessoa sorrir de surpresa e
gratidão. Mas a definição bíblica de benignidade é muito
mais profunda. É amor em ação para o benefício espiritual
dos outros.
1. Como é que a cultura de hoje define o amor? Em geral,
em que uma pessoa comum baseia a confiança de que seu
cônjuge ou familiares a amam?
2. Foi assim que João Crisóstomo, um pregador do século 4,
definiu mostrar bondade àqueles que nos têm feito mal:
“Não apenas suportando com grandeza de caráter, mas
também acalmando e consolando” para “amenizar a dor e
curar a ferida” de um relacionamento rompido. Dê
exemplos de como você tem visto a bondade curar
relacionamentos rompidos.
3. Leia Tito 2.1-15 e 3.1-3. Com base nesses versículos, que
problemas eram visíveis na igreja de Tito?
4. Leia Romanos 2.4 e 11.22 e Tito 3.4-7. Cite algumas
características da definição bíblica de bondade, conforme
ela se manifesta por meio de Cristo.
5. Como a bondade de Deus nos afeta, tanto a curto quanto
a longo prazo, no tempo presente e por toda a
eternidade?
6. De acordo com Tito 3.4-7, por que Deus tem derramado
essa bondade sobre nós?
7. Jesus contou uma história sobre a impressão que
passamos quando demonstramos bondade pelos outros
(Lc 10.30-37). Que partes dessa história devem ter sido
surpreendentes ou ofensivas para o especialista em leis
religiosas com quem Jesus estava conversando?
8. Que paralelos você consegue identificar entre a bondade
do bom samaritano (Lc 10.30-37) e a bondade que Deus
demonstra por nós?
9. Com base em Lucas 10.30-37, o que podemos aprender
sobre as formas de demonstrar autêntica bondade bíblica
por outra pessoa? Como isso difere da definição de
bondade que o mundo adota?
10. Pense na última vez em que você encontrou uma pessoa
necessitada. Você agiu mais como o bom samaritano ou
como o sacerdote e o levita? O que o motivou ou impediu
de demonstrar bondade?
11. Pense em alguém que talvez não pareça merecer o seu
amor — alguém a quem você poderá mostrar bondade
nesta semana. Que tipo de gesto você fará por ele ou por
ela em nome de Cristo? Compartilhe seu plano com
alguém a quem você possa prestar contas pela execução
do plano.
1Conforme narrado em Melissa Howard, “Understanding More love to thee, o
Christ”, disponível em:
http://christianmusic.suite101.com/article.cfm/understanding_more_love_to_the
e_o_christ, acesso em 7 set. 2009.
2Elizabeth Payson Prentiss em William J. Peterson; Ardythe Peterson, The
complete book of hymns: inspiring stories about 600 hymns and praise songs
(Carol Stream: Tyndale, 2006), p. 348.
3Elizabeth Payson Prentiss, citado em Robert J. Morgan, Then sings my soul:
150 of the world ’s greatest hymn stories (Nashville: Thomas Nelson, 2003), p.
133.
4John Chrysostom, “Homilies on the Epistles of Paul to the Corinthians”,
32.6, in: Gerald Bray, org., New Testament, 1-2 Corinthians, Ancient Christian
Commentary on Scripture (Downers Grove: InterVarsity, 1999), vol. 7, p. 131.
5Ibidem, p. 131.
6C. S. Lewis, The four loves (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1960), p.
11 [edição em português: Os quatro amores, tradução de Paulo Salles (São
Paulo: Martins Fontes, 2005)].
7Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1047.
8Henry Drummond, The greatest thing in the world (New York: Grosset &
Dunlap, s.d.), p. 28 [edições em português: A maior coisa do mundo, tradução
de Almir dos Santos Gonçalves (Rio de Janeiro: JUERP, 1969); Amor: a melhor
coisa do mundo, tradução de Edson Bini (São Paulo: Via Leitura, 2014)].
9Ceslaus Spicq, “Agape”, in: Theological lexicon of the New Testament,
tradução para o inglês e organização de J. D. Ernest (Peabody: Hendrickson,
1994), 3 vols.
10Ceslaus Spicq, Agape dans le Nouveau Testament (Paris: Études Bibliques,
1959), 2:151.
11Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 636
[edição em português: 1 Coríntios: comentário exegético, tradução de Marcio
Loureiro Redondo (São Paulo: Vida Nova, a ser publicado)].
12Veja Charles Hodge, An exposition of the First Epistle to the Corinthians
(reimpr. London: Banner of Truth, 1958), p. 269; Jonathan Edwards, Charity
and its fruits (1852; reimpr. Edinburgh: Banner of Truth, 2005), p. 96 [edição
em português: A caridade e seus frutos: uma exposição clássica sobre o amor,
tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
13Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s view of 1 Corinthians 13
(Grand Rapids:Eerdmans, 1978), p. 15.
14John Chrysostom, Homilies on the Epistles of First Corinthians, tradução
para o inglês de Talbot W. Chambers, in: Philip Schaff, org., Nicene and post-
Nicene Fathers, First Series (1889; reimpr., Peabody: Hendrickson, 1994),
10:195 [edição em português: Comentários às cartas de São Paulo, 2, tradução
de Monjas Beneditinas do Mosteiro de Maria Mãe de Cristo, Série Patrística
(São Paulo: Paulus, 2010), vol. 27/2].
15Leon Tolstoi, resumido por Alan Paton em A journey continued: an auto-
biography (New York: Collier, 1988), p. 285.
16Henry Boardman, A handful of corn (New York: Anson D. F. Randolph,
1884), p. 137.
17Paul E. Miller, Love walked among us: learning to love like Jesus (Colorado
Springs: NavPress, 2001), p. 164 [edição em português: O amor andou entre
nós, tradução de Eulália Pacheco Kregness (São Paulo: Vida Nova, 2011)].
18Smedes, Love within limits, p. 12.
19Lewis, Four loves, p. 177.
20Amy Carmichael, If (London: SPCK, 1938), p. 9.
21Edwards, Charity, p. 97.
22Tertullian, Apology (3:39), in: David E. Garland, First Corinthians, Baker
Exegetical Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Baker, 2003), p.
617.
3
O AMOR NÃO É IRRITÁVEL
O amor não é irritável.
(1CO 13.5)
E, quando ficou tarde, seus discípulos vieram a ele e
disseram: “Este é um lugar deserto, e a hora já está
avançada. Manda-os embora para que vão à região rural e
a vilarejos ao redor e eles mesmos comprem algo para
comer”.
(MC 6.35,36)
Existe alguém que irrita você? É claro que existe! Pode ser
alguém em casa, na escola, no trabalho, na estrada, atrás
da caixa registradora ou do outro lado do telefone celular
— sempre existe alguém que nos tira do sério.
Robert Browning capta esse sentimento com perfeição e
de um jeito muito divertido em seu Soliloquy of the Spanish
cloister [Solilóquio do convento espanhol]. Conforme o
título sugere, o poema é um relato na primeira pessoa do
singular, contado da perspectiva de um monge em um
mosteiro espanhol. O monge está observando o irmão
Lawrence trabalhar em um jardim isolado e fica
resmungando palavras rudes sobre tudo o que o irmão
Lawrence faz. Cada minúsculo movimento que Lawrence
faz é motivo de irritação para o colega monge, desde a
maneira de regar suas rosas até a maneira de podar os
arbustos de murta.
O monge irritado também descreve como é sentar-se ao
lado de Lawrence às refeições e vê-lo engolir o suco de
laranja, ouvi-lo falar sobre o tempo ou ouvir suas perguntas
irritantes. “Como se diz ‘salsinha’ em latim?” — Lawrence
pergunta com inocência. Irritado com a simples pergunta, o
monge pensa consigo mesmo: “Como é que se diz ‘focinho
de porco’ em grego?”. Depois do jantar, com todo cuidado,
Lawrence limpa sua travessa até ficar brilhante e lava seu
cálice sagrado, que ele marcou com sua inicial, “L”. O
monge despreza cada gesto desse ritual diário, até mesmo
a maneira cuidadosa como Lawrence coloca o prato de
volta em sua prateleira pessoal.
O poema de Browning reproduz bem a realidade da vida.
Com imaginação fértil, ele mostra até que ponto uma
pessoa pode ficar irritada com outra. Não é apenas o que
as pessoas fazem que nos irrita, mas também como fazem.
Em geral os motivos para nossa irritação são pequenos:
como as pessoas comem, sobre o que elas conversam, como
elas atravessam o jardim. Ao mesmo tempo, Browning
mostra até onde nossas pequenas irritações podem levar.
Perto do final do poema, o monge está tentando imaginar
uma maneira de levar Lawrence a cometer um pecado
abominável ou de fazer algum pacto com o diabo para
destruir a alma do irmão.
Ao situar esse poema em uma comunidade religiosa,
Browning nos mostra algo mais, isto é, que a probabilidade
de nos irritarmos com nossos irmãos e irmãs em Cristo é
tão grande quanto a de nos irritarmos com qualquer outra
pessoa. O poema termina com sinos da capela chamando a
comunidade monástica para o culto da noite. Até quando
começa a recitar o credo, o monge ainda está abrigando
pensamentos odiosos contra Lawrence em seu coração
hipócrita. “Gr-r-r”, ele diz, “seu porco!”.
UMA DEFINIÇÃO DE IRRITABILIDADE
A maioria de nós tende a pensar na irritabilidade como uma
reação natural às pequenas frustrações da vida. Também
tendemos a não nos preocupar demais com nossa
irritabilidade, embora alguns cristãos talvez sejam
suficientemente sábios para torná-la motivo de oração.
Qual foi a última vez que você pediu ao Senhor para ajudá-
lo a reagir com benevolência em relação àquela pessoa
especial que sempre o irrita?
Devemos levar nossa irritabilidade muito mais a sério,
porque ela é o exato oposto do amor. Sabemos disso porque
1Coríntios 13.5 diz que o amor “não é irritável”. A
irritabilidade é a antítese da caridade. Por isso, ela não é
uma mera maneira de se queixar, mas, na realidade, é uma
maneira de odiar.
Esta é a primeira vez que analisamos uma das definições
paulinas do amor baseadas no seu oposto. Só para lembrar,
não estamos seguindo tudo o que é tratado no Capítulo do
Amor na ordem em que aparece. À medida que estudamos
esse retrato do amor, estamos ligando tudo à vida de
Cristo, considerada cronologicamente. Mas primeiro
precisamos definir nossos termos. Às vezes Paulo define o
amor de acordo com o que ele é, e às vezes o define de
acordo com o que não é. Esta é uma boa maneira de definir
quaisquer termos: mostrar o que é em contraste com tudo
o que não é. Uma definição dessas resulta em clareza maior
e mais completa.
Aqui, Paulo nos diz que o amor “não é irritável”. O termo
que o apóstolo usa para irritabilidade (paroxunetai) tem
uma gama de significados. Um léxico grego padrão traduz a
palavra por “facilmente provocado”.1 A New International
Version traduz da seguinte maneira: “facilmente irado”. De
modo parecido, Charles Hodge define o termo como
“irritadiço”.2 Anthony Thiselton oferece uma análise
linguística mais detalhada e conclui que a palavra pode se
referir a uma simples irritação, ou à ira total, ou a qualquer
coisa entre esses dois extremos. No final, ele apresenta a
palavra exasperado como talvez a melhor tradução.3
David Garland nos oferece algo um pouco mais pitoresco
quando diz que o amor não é “rabugento”.4 Poderíamos
acrescentar outros sinônimos. O amor não é mal-humorado
nem enfezado. O amor não se aborrece. O amor não
explode com violência ou com palavras de ódio. O amor não
dispara ataques verbais, nem trata as pessoas com greve
de silêncio, nem se deixa levar pelo aborrecimento, nem faz
nenhuma outra coisa que é tentador fazer quando estamos
com raiva ou irritados.
Presume-se que os coríntios eram culpados de alguns ou
de todos esses pecados. Caso contrário, por que Paulo se
daria ao trabalho de dizer que a irritabilidade raivosa é um
pecado sem amor? Tendo em vista todas as discussões que
estavam acontecendo em sua igreja sobre teologia,
idolatria, imoralidade sexual e dons espirituais, imagina-se
que os coríntios estivessem tendo dificuldade para
controlar sua raiva. Brigar faz com que as pessoas fiquem
irritáveis.
Temos a mesma luta. Tal como os coríntios, vivemos em
um mundo caído, cheio de pessoas caídas, inclusive
pessoas que nos irritam, nos aborrecem e nos deixam
irados. Todos nós precisamos crescer em todas essas áreas,
mas quero focar na irritabilidade. Quando Paulo disse que o
amor não se exaspera, é bem possível que tenha pretendido
incluir a ira no seu grau mais elevado. Mas a irritabilidade
é o dedo que puxa o gatilho da raiva — aquilo que Lewis
Smedes chama de “uma prontidão espiritual para ficar
irado”.5 Se conseguirmos aprender a lidar com o primeiro
impulso de ira no coração, conseguiremos aprender a amar
do jeito que Jesus ama.
NO FIM DE UM LONGO DIA
Para ilustrar esse tipo específico de amor, reflita sobre um
incidente famoso ocorrido nos primeiros dias do ministério
terreno de nosso Salvador. Jesus estava ensinando e
realizando milagres junto ao mar da Galileia. Isso
aconteceu antes deele ir a Jerusalém, morrer na cruz e se
levantar da sepultura. Os Evangelhos falam de uma ocasião
em que os discípulos estavam irritados, mas Jesus não
estava. Ver a diferença nos ajudará a aprender a amar com
o amor pacificador de Jesus.
Os doze discípulos estavam voltando de sua primeira
viagem missionária de curta duração. Jesus os tinha
enviado de dois em dois, sem pão nem dinheiro, para
pregar arrependimento, curar os enfermos e expulsar
demônios (Mc 6.7-13). Pelo poder de Deus, os discípulos
tinham visto pessoas abandonarem seus pecados. Pessoas
cujas almas eram dominadas pelo poder demoníaco tinham
sido libertadas e pessoas cujo corpo estava alquebrado por
viverem em um mundo caído tinham sido totalmente
renovadas, de modo que podemos imaginar a vibração nas
vozes dos discípulos quando Jesus os inquiriu e eles
compartilharam o que Deus havia realizado por meio do
ministério deles. Conforme Marcos nos diz: “Os apóstolos
voltaram até Jesus e lhe contaram tudo o que haviam feito
e ensinado” (v. 30).
Essa viagem missionária deve ter sido exaustiva, e,
quando terminaram de compartilhar tudo o que tinham no
coração, os discípulos estavam esgotados. Jesus cuidou
deles com compaixão amorosa, oferecendo descanso e
recuperação das energias. Ele disse a seus discípulos:
“Saiam sozinhos para um lugar solitário e descansem um
pouco”. Marcos passa a especificar porque esses homens
precisavam “desligar” por uns momentos: “Muitos estavam
indo e vindo, e eles não tinham tempo livre nem mesmo
para comer” (v. 31).
Qualquer um que já tenha servido a pessoas necessitadas
sabe que o ministério abomina a ausência de atividade.
Sempre existem mais pessoas que precisam de mais ajuda,
e às vezes precisamos apenas dar uma escapada. Então,
Jesus e seus discípulos “foram embora sozinhos no barco
para um lugar isolado” (v. 32).
A essa altura, é difícil não invejar Filipe e Bartolomeu e os
demais discípulos pelo aprazível privilégio de ir embora
com Jesus para descansar por algum tempo. Infelizmente,
as coisas não transcorreram exatamente como esperavam.
Afinal, Jesus era o homem mais popular em Israel. Assim,
havia uma demanda constante de seu ensino e ministério
de cura. As pessoas iam atrás de Jesus da mesma maneira
que os paparazzi vão atrás dos artistas de cinema, exceto
pelo fato de que iam sem as câmeras. Quando as pessoas
olharam para o outro lado do lago e viram a familiar vela
do barco de Jesus no mar azul, elas correram ao longo da
costa para chegar ao lugar onde o barco dele iria atracar:
“Ora, muitos os viram indo e os reconheceram e, vindos de
todas as cidades, correram até ali lá a pé e chegaram ali à
frente deles” (v. 33).
Creio que dá para desculpar os discípulos, caso tenham
ficado um pouco decepcionados ao verem as multidões se
reunirem mais uma vez ao longo da margem do lago.
Quando teriam uma chance de descansar? Ainda assim,
Jesus foi direto para a praia e, quando viu a multidão, “teve
compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor. E
começou a lhes ensinar muitas coisas” (v. 34). Essa sessão
de ensino durou o dia inteiro, como acontecia com
frequência. Jesus continuava falando, e, quanto mais ele
falava, mais exaustos e famintos os discípulos ficavam.
Finalmente, “quando ficou tarde”, eles vieram e disseram a
Jesus: “Este é um lugar deserto, e a hora já está avançada.
Manda-os embora para que vão à região rural e a vilarejos
ao redor e eles mesmos comprem algo para comer” (v.
35,36).
De uma perspectiva puramente humana, essa sugestão
parece perfeitamente razoável e totalmente prática. Sem
dúvida, as pessoas estavam ficando com fome. Os
discípulos com certeza estavam! Lembre-se de que eles não
tinham nem mesmo tempo para comer. Também estava
chegando perto do fim do dia. Logo seria tarde demais para
todas essas pessoas — milhares delas — encontrarem algo
para comer em qualquer lugar da vizinhança. Na verdade,
era hora de voltarem para casa!
Assim mesmo, por mais razoáveis que as palavras deles
pudessem soar, os discípulos estavam ficando irritados e
exasperados. A impaciência deles vinha crescendo durante
horas, até que finalmente irrompeu, como acontece com a
ira. Quando, enfim, vão falar com Jesus, interrompendo seu
sermão (!), eles se dirigem a ele com uma ordem: “Manda-
os embora”. O tom deles torna fácil imaginar o que vinham
pensando consigo mesmos e talvez dizendo uns para os
outros, antes de finalmente dizerem a Jesus o que fazer —
coisas do tipo: “Estou morrendo de fome!”, ou: “Por que
essas pessoas não nos deixam em paz?”, ou: “Será que
Jesus não sabe quando deve parar?”.
Jesus tinha uma ideia diferente de como reagir, e, quanto
mais olharmos para aquilo que ele disse e fez nesse dia,
mais veremos seu coração amoroso. Primeiro, Jesus
devolve a exigência para os discípulos: “Deem vocês a eles
algo para comer” — ele disse (v. 37). Se os discípulos
queriam assumir o comando, por que eles mesmos não
providenciavam o jantar? É claro que os discípulos
pensaram que a ideia era absurda. A resposta meio
sarcástica é outra indicação da irritação deles: “Será que
devemos ir e comprar duzentos denários de pão e dar para
que comam?” (v. 37).
É claro que, no final, foi Jesus quem providenciou o jantar
para todos, pegando cinco pães e dois peixes, invocando a
bênção de seu Pai e depois multiplicando a comida até que
“todos comeram e ficaram satisfeitos” (v. 42) — todos os
cinco mil do povo. Dessa maneira, Jesus providenciou pão
para seu povo. Em vez de ficar irritado com a multidão
carente ou com seus discípulos insistentes, Jesus lhes deu
maná no deserto.
UMA ANATOMIA DA IRRITABILIDADE
O que podemos aprender com essa história? Antes de
olharmos para o amor de Jesus, vamos começar com os
discípulos e examinar mais de perto a irritação deles,
porque seu exemplo negativo pode nos ensinar muitas
coisas sobre nossa própria irritação.
Em primeiro lugar, os discípulos nos mostram quem fica
irritado: todo mundo fica, inclusive as pessoas que estão
ocupadas servindo ao Senhor. Lembre-se de que, quando
Paulo disse aos coríntios que o amor “não é irritável”, ele
estava escrevendo a crentes em Cristo que eram ativos em
sua igreja local. Os cristãos têm tanta probabilidade de
ficar irritados quanto qualquer outra pessoa.
Os discípulos são um exemplo perfeito (ou talvez eu deva
dizer um exemplo imperfeito). Eles vinham servindo ao
Senhor, realizando milagres e pregando o reino. Agora,
sentados na primeira fileira, estavam observando Jesus
trabalhar mediante seu ensino e operação de milagres.
Mas, antes mesmo que acabasse aquela experiência de
enlevo espiritual, eles ficaram irritados com a situação e
exasperados com Jesus.
Se um apóstolo consegue ficar irritado enquanto passa
seu tempo com Jesus, então nós também conseguimos. Não
importa quem somos ou o que fazemos para Deus, a ira
pode ser um problema espiritual real para nós. Sempre que
começamos a ficar exasperados, devemos ver esse
problema como realmente é: um fracasso em amar.
Sabemos disso porque o Capítulo do Amor nos diz que o
amor não é irritável. Portanto, quem fica irritado? Eu fico,
se sou honesto sobre o pecado do meu coração sem amor.
Os discípulos também nos ensinam quando é provável que
fiquemos irritados. Eles foram tentados a cometer esse
pecado no final de um dia cheio de atividades, depois de
uma longa viagem, quando estavam cansados e com fome.
Isso acontece com todos nós. A fraqueza física nos coloca
no caminho do perigo espiritual. De modo que, se virmos
que estamos ficando mais irritados do que o habitual,
talvez precisemos dar um passo pequeno, mas bem prático,
de conseguir algo para comer e beber ou descansar um
pouco. Isso também é algo que os pais devem ter em mente
quando seus filhos estão ficando irados: cuidar
devidamente deles os ajudará a lutar contra o pecado.
Observe também que os discípulos foram tentados a ficar
irritados logo depois que tinham sido bem-sucedidos emservir ao Senhor. Isso também vale para a vida cristã,
conforme qualquer pessoa no ministério pode dar
testemunho. Algumas das tentações mais fortes vêm logo
depois de termos andado ocupados fazendo a obra do reino,
e o diabo está desesperado em recuperar o terreno
perdido.
Por isso, se queremos resistir à tentação da irritação,
precisamos prever quando será provável que estaremos
física ou espiritualmente fracos e, portanto, precisando
especialmente de oração e da ajuda do Espírito Santo.
Missionários devem orar pedindo graça depois de um
período de ministério frutífero. Estudantes devem orar
pedindo graça para o dia depois de uma longa noite de
estudo. Pais e mães devem orar pedindo graça antes de
entrarem pela porta de casa depois de um longo dia de
trabalho. Quando estamos fracos, podemos ser fortes
somente pelo poder de Deus.
Outra lição a aprender com os discípulos é como a
irritabilidade trata as outras pessoas. Basicamente, a
irritabilidade não quer nada com elas. Quando os discípulos
ficaram irritados por terem de esperar pelo jantar por um
tempo tão grande, quiseram que Jesus mandasse todo
mundo embora. Essa não foi a única vez que os discípulos
tentaram manter as pessoas longe de Jesus: fizeram a
mesma coisa quando mães estavam trazendo seus bebês
para Jesus abençoar (veja Lc 18.15-17). Quando estamos
irritados, queremos nos afastar de outras pessoas —
membros da nossa família, nossos vizinhos, nossos colegas
de classe, nossos colegas de trabalho —, mesmo que isso
também signifique manter outras pessoas longe de Jesus.
Observe também que os discípulos esperavam que as
pessoas usassem seus próprios recursos para resolver seus
problemas. Em vez de pedir ajuda a Jesus ou de oferecer
seu próprio serviço como parte da provisão de Deus para
suprir as necessidades práticas de outras pessoas, os
discípulos mandaram embora as pessoas carentes. Eles se
importaram menos com o genuíno bem-estar de pessoas
necessitadas e mais com o impacto que os problemas das
outras pessoas estavam tendo neles. É possível que a ideia
de mandar embora as multidões tenha sido apresentada
como uma forma de elas conseguirem algo para comer, mas
(surpresa, surpresa!) também foi uma forma de os
discípulos conseguirem o que queriam (a saber, um pouco
de paz e tranquilidade). Às vezes, até mesmo nossa
maneira de ajudar alguém acaba sendo um pouco egoísta.
É assim que a irritabilidade trata os outros: colocando o
que queremos à frente daquilo que eles precisam e, se
possível, tentando evitar totalmente atender às suas
necessidades. O verdadeiro problema somos nós, não eles.
Precisamos ser honestos quanto a isso, porque com
frequência culpamos as pessoas ao nosso redor pela
maneira de reagirmos. “Ele realmente me deixa louco!”,
dizemos, como se alguém fora de nós fosse direta e
totalmente responsável pela nossa atitude pecaminosa. Isso
não quer dizer que as outras pessoas nunca sejam
importunas. Às vezes elas são. Mas, para mim, a questão
espiritual não é quanto as outras pessoas são irritantes,
mas, sim, quanto eu sou irritável.
Se nós somos facilmente provocados, se tendemos a ficar
irados da maneira errada por motivos errados e se nossa
ira é desproporcional à situação, isso é prova clara de um
coração sem amor. Jonathan Edwards estava certo quando
disse que “o amor vai no sentido contrário da ira e não
cede a ela em ocasiões triviais”.6 De modo que, se ficamos
mesmo irados por causa de trivialidades — por exemplo,
sobre a maneira de alguém dirigir, ou sobre algo que
alguém nos pede para fazer, ou sobre algo que alguém
esqueceu de limpar ou guardar, ou sobre qualquer coisa
que outra pessoa fez (ou não conseguiu fazer) e que deixa
nossas vidas um pouco menos cômodas —, o problema é o
nosso próprio fracasso em amar. Em vez de colocar a culpa
em alguma outra pessoa (“Se ela fizer isso mais uma vez,
juro que vou fazê-la se arrepender pelo resto da vida, e ela
terá de culpar só a si mesma!”), precisamos confessar
nossa própria necessidade de mais do amor de Jesus.
Mais uma coisa para aprendermos com os discípulos é
como a irritabilidade reage a Deus. Nossa exasperação não
é apenas um fracasso em amar outras pessoas, mas
também um fracasso em amar a Deus. Conforme já vimos,
os discípulos tentaram dizer a Jesus o que ele devia fazer e
em seguida falaram com ele com bastante sarcasmo. Em
vez de aprender o que ele estava tentando lhes ensinar — a
saber, que ele sempre tem os recursos para prover nossas
necessidades —, eles fizeram um comentário mordaz.
A irritabilidade é assim: faz uma ideia negativa de Deus.
Recusando-se a procurar a ajuda de Deus, a irritabilidade
prefere, em vez disso, ficar irada. Se o dinheiro está
acabando, ou se o tempo está acabando, ou se problemas
estão saindo do controle, a pessoa que cede à irritação não
confia que Deus providenciará o que é necessário. Em lugar
de nos voltarmos para Deus naquele momento, exageramos
nossos problemas e ficamos exasperados com Deus.
Para nos ajudar a ver o que essa irritabilidade faz com a
nossa alma, Lewis Smedes faz uma paráfrase de um famoso
dito de Agostinho: “Somos irritáveis, ó Senhor, até que nos
reconciliemos contigo”.7 A irritabilidade está diretamente
ligada ao nosso relacionamento com Deus, o que é uma das
principais razões pelas quais ela é um problema espiritual
tão sério. A ira não apenas machuca outras pessoas; ela
também impede nosso próprio relacionamento com Deus.
UMA DEMONSTRAÇÃO DE AMOR
O que pessoas irritáveis precisam — o que nós precisamos
— é de mais do amor de Jesus. Felizmente, vemos esse
amor na história de Marcos sobre a alimentação dos cinco
mil. O que vemos não é apenas um exemplo a seguir, mas
também um Salvador a receber em nossa vida, um Salvador
que tem o poder de transformar a ira em amor.
Tudo o que Jesus fez nessa história é exatamente o oposto
do que seus discípulos fizeram. Isso se deve ao fato de que
Jesus é tudo o que não somos. Ele é a demonstração viva da
não irritabilidade, que é simplesmente outra forma de dizer
que Jesus é amor.
Com toda probabilidade, Jesus estava igualmente cansado
e com tanta fome quanto seus discípulos. Com frequência,
Jesus ficava esgotado em razão dos esforços árduos de seu
ministério. Dessa vez, ele tinha pregado e curado o dia
todo. Era um trabalho duro, como qualquer pregador pode
dar testemunho. Certa vez, ouvi um professor de homilética
afirmar que uma hora de pregação consome energia física
equivalente a quatro horas de trabalho físico pesado. Ainda
assim, em vez de querer que as multidões fossem embora e
de ficar irritado quando elas se recusaram a partir, Jesus
continuou a abençoá-las. Quando nós o vemos alimentando
os cinco mil, tanto com o pão de cada dia quanto com a
Palavra de Deus, vemos o que o amor é capaz de fazer
quando não é irritável.
Observe o jeito como Jesus ama. Seu amor é atraído por
pessoas necessitadas. Em vez de afastá-las, que é o que os
discípulos fizeram, Jesus as trouxe para perto. Ele fez isso
quando, logo no início, viu a multidão se ajuntando na praia
e decidiu deixar a privacidade de seu barco e ir até ela.
Marcos nos diz que Jesus fez isso por causa de seu amor:
“Ele teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem
um pastor” (Mc 6.34). Jesus considerou a carência deles
mais importante do que sua própria necessidade de
recuperar as energias. É isso o que amor faz: permite que
as necessidades dos outros determinem nossas prioridades,
em vez de deixar que nossas prioridades limitem quanto
estamos dispostos a servir, em especial quando nosso
serviço pode dar às pessoas uma oportunidade de ouvir a
palavra de Deus. Quaisquer limites que decidamos colocar
em nosso serviço não devem ser determinados por nossos
desejos egoístas, mas pela vontade de Deus, por outros
chamados legítimos que temos e por aquilo que é
verdadeiramente misericordioso com as pessoas que estão
pedindo nossa ajuda.
Um exemplo bem conhecido de comoo amor nos move na
direção de pessoas necessitadas vem da vida de Madre
Teresa. A primeira vez que ela resgatou um leproso que
estava morrendo nas ruas de Calcutá — acolhendo-o,
alimentando-o e limpando-o —, o homem perguntou a ela
por que estava fazendo isso. “Porque eu amo você”, ela
disse.8 Isso é o que o amor faz: ele nos move na direção de
outras pessoas, não para longe delas, mesmo quando as
necessidades delas são imensas.
Com compaixão amorosa e sacrifício incansável, Jesus
continuou ensinando as pessoas o dia todo. Mesmo quando
era hora de jantar e os discípulos lhe disseram para
mandar todos para casa, Jesus ainda se sentia atraído por
elas, com um coração amoroso. De modo que realizou sua
multiplicação miraculosa, alimentando a multidão com
cinco pães e dois peixinhos. Jesus fez isso olhando para seu
Pai no céu com confiança, o que é outra coisa que o amor
faz: crê que Deus providenciará o que é necessário. Uma
das principais razões por que os discípulos queriam
mandar as pessoas embora — e por que falaram com Jesus
com tanto sarcasmo — era que estavam pensando apenas
da perspectiva de seus próprios recursos. Não é preciso
dizer que eles não tinham em mãos pão suficiente para
alimentar cinco mil pessoas. Jesus também não tinha, mas
ele confiou que o Pai lhe daria o poder miraculoso de suprir
as necessidades.
A lição a aprender com essa história verdadeira não é
que, se tiver o número certo de pães e peixes, você
conseguirá operar milagres. Em vez disso, veja onde o
amor encontra a força para servir: ao confiar no poder e na
graça de Deus. Quando as pessoas vêm até nós com
problemas que estão além de nossa capacidade — fazendo
perguntas que não sabemos responder, ou pedindo algo
que não temos, ou esperando que façamos algo que não
temos força para fazer —, é fácil ficar irritado com elas por
nos buscarem. Mas o amor toma aquilo que tem em mãos,
ergue os olhos para o céu e pede a Deus para tornar nossa
vida uma bênção para as pessoas de uma maneira que vai
bem além do que somos capazes de oferecer. É desse jeito
que Jesus ama: confiando no Pai. Em dependência do
Espírito Santo e em conversa com Deus Pai por meio de
oração, Jesus abriu seu coração para ser preenchido com a
afeição triúna de Deus.
AMANDO PESSOAS DIFÍCEIS DE AMAR
Também é dessa maneira que Jesus nos chama a amar.
Onde aprendemos a amar com amor terno, pacificador e
não irritável? Aprendemos esse amor ao confiarmos no
amor do Pai e ao pedirmos a ajuda do Espírito Santo, tal
como Jesus fez. Também o aprendemos vendo o amor que
Jesus tem por nós. Uma das coisas notáveis sobre essa
história no Evangelho de Marcos é como Jesus trata seus
próprios discípulos. Quando eles demonstram irritação com
Jesus, este não fica irritado com eles, mas os trata com a
mesma compaixão que tinha por todos.
Os cinco mil não foram as únicas pessoas que comeram
pão e peixe naquele dia. Quando Marcos diz que “todos
comeram e ficaram satisfeitos” (v. 42), é bem possível que
aí estivessem incluídos os discípulos. Contudo, mesmo que
não estivessem incluídos, eles com certeza tiveram sobras
em abundância! Depois que todos haviam sido alimentados,
os discípulos “encheram doze cestos com pedaços de pão e
de peixe” (v. 43). Essa foi uma lição prática e inesquecível
sobre o poder e a provisão de Deus: um cesto por discípulo.
Portanto, talvez devêssemos chamar esse incidente de “A
alimentação dos cinco mil e doze”, e não de “A alimentação
dos cinco mil”. Aqueles discípulos irritáveis e irritantes
foram bem alimentados porque também eram amados pelo
amor de Jesus.
Jesus tem o mesmo amor por todos os seus discípulos.
Mesmo depois de todas as vezes em que fiquei irritado ou
exasperado com Deus por causa daquilo que ele tem ou não
tem feito em minha vida, ele nunca fica irritado ou cansado
demais para tratar comigo, mas continua me amando.
Todos os meus irritantes pecados estão cobertos pela cruz
onde Jesus morreu pelos meus pecados. Os seus pecados
também estão cobertos por causa do amor de Jesus.
Agora somos chamados a amar do jeito que Jesus ama,
com um amor não irritado e não irado. Com certeza,
algumas pessoas vão nos irritar todo santo dia. Quando
fizerem isso, como reagiremos? Reagiremos com amor,
caso peçamos a Jesus para que coloque seu amor em nossa
vida — uma oração que ele adora responder. Conforme
Henry Drummond disse sabiamente: “As almas se tornam
agradáveis não por meio da retirada de fluidos cáusticos,
mas mediante a introdução de algo — um grande amor, um
novo espírito, o Espírito de Cristo. Cristo, por meio de seu
Espírito, ao interpenetrar o nosso espírito, torna agradável,
purifica, transforma tudo”.9
O doce amor de Jesus nos fará desejosos de sermos
importunados por problemas de outras pessoas, inclusive
os problemas de pessoas que nem mesmo conhecemos, que
estão sofrendo em bairros pobres e esquecidos, em
orfanatos caindo aos pedaços e em regiões devastadas pela
guerra em um planeta caído. Esse amor nos capacitará e
nos dará condições de amar mesmo quando achamos que
não temos nada para dar. E isso nos ajudará a continuar
confiando em Deus, quando somos tentados a estar tão
irados com ele quanto com qualquer outra pessoa.
Quando temos o amor de Jesus, cada irritação se torna
mais uma oportunidade de amar do jeito como ele ama. Em
seu livro The four loves, C. S. Lewis observa que os “atritos
e frustrações” diários com que deparamos em nossas
relações cotidianas comprovam que nosso amor natural não
é suficiente, que precisamos de algo mais. Em geral
pensamos que o que precisa mudar é tudo aquilo que nos
irrita na outra pessoa. Lewis dá vários exemplos. “Se ao
menos eu tivesse tido mais sorte com meus filhos”, as
pessoas dizem. Mas Lewis ressalta que “todas as crianças
às vezes são extremamente desagradáveis”. “Se ao menos
meu marido fosse mais atencioso, menos preguiçoso”, diz a
mulher; ao que o marido responde: “Se ao menos minha
esposa tivesse menos momentos de mau humor e mais bom
senso”.10 E assim por diante. Em cada um de nós existem
atitudes e ações que com certeza irritarão alguém. Mas
isso não significa que tenhamos de responder com ira. Se
ficamos irados, então o que precisa mudar é o nosso
coração, que precisa ser de novo enchido com o amor
pacificador de Jesus.
Uma ilustração simples, mas maravilhosa, de amor não
irritável aconteceu em um jogo de beisebol entre os times
do Philadelphia Phillies e do Washington Nationals, durante
a temporada de 2009. Steve Montforto, um torcedor do
Philadelphia Phillies, estava sentado com Emily, a filha de
três anos de idade, quando uma bola fora começou a vir na
direção da arquibancada superior. Montforto inclinou-se
sobre o parapeito para apanhar a primeira e única bola fora
de sua vida — o sonho de todo torcedor. Mas, quando ele
deu a bola para a pequena Emily, ela imediatamente a
jogou de volta, por cima do parapeito, para a arquibancada
inferior. Todo mundo ficou chocado. Ao vê-la jogar fora a
bola, o próprio Montforto ficou tão surpreso quanto todos
os demais. Mas, em vez de ficar irritado com sua garotinha,
ele fez o que um pai amoroso deve fazer: envolveu a filha
em um abraço carinhoso.
É desse jeito que Deus nos ama. Ele coloca presentes em
nossas mãos que jamais conseguiríamos alcançar por nós
mesmos. Sem perceber o que estamos fazendo, às vezes
nós os jogamos fora. Ainda assim, em vez de ficar irritado
conosco, ele nos ama novamente. E então ele nos dá a
liberdade de ir amar outra pessoa com o mesmo tipo de
amor. Ele mesmo nos dá a graça de voltar até as pessoas
que jogam fora o nosso amor e amá-las de novo em todos os
aspectos.
Quem são as pessoas sem amor que Deus está o
chamando para amar? Você vai amá-las do jeito que Jesus
ama?
GUIA DE ESTUDO
Pense na última vez em que você ficou irritado com alguém
a quem ama. É provável que você consiga se lembrar
exatamente daquilo que ele ou ela fez para aborrecê-lo,
mas pode ser mais difícillembrar com honestidade qual foi
sua reação. É possível que, depois de o incidente ter
passado, você não tenha pensado muito em como reagiu.
Mas a Bíblia nos considera responsáveis por nossa
irritabilidade, mesmo que tenhamos uma “justificativa
realmente boa” para nosso pavio curto. Com frequência,
desculpamos nossos acessos de raiva dizendo que fomos
provocados ou estávamos cansados. Contudo, lá pelo meio
de 1Coríntios 13, Paulo nos lembra de que o amor e a
irritabilidade são mutuamente exclusivos. Nossa explosão
de irritação foi, na verdade, um ato de ódio.
1. É fácil ficar irritado com os outros, sobretudo com
aqueles que vivem ou trabalham bem próximos de nós.
Quais os fatores que contribuem para você ficar irritado
com os outros?
2. Qual das definições de irritabilidade apresentadas nas
páginas 60-2 é mais útil para você? Por quê? Que outros
sinônimos ou exemplos de irritabilidade você
acrescentaria para completar estas frases: “O amor não é
_______” ou: “O amor não ______”?
3. Leia Marcos 6.30-32. Jesus e seus discípulos estavam
saindo de um período movimentado no ministério. O que
os discípulos estavam aguardando com bastante
expectativa?
4. Leia Marcos 6.33-37. Em vez de desfrutar de um retiro,
Jesus e seus discípulos foram recebidos por mais
multidões necessitadas. Que indícios você vê nesses
versículos de que os discípulos estavam ficando irritados,
em vez de amarem? Que fatores podem ter contribuído
para o pavio curto deles?
5. Leia Marcos 6.38-40. A partir de uma perspectiva
meramente humana, quais motivos Jesus teria para estar
aborrecido com as multidões? Mas, em vez disso, como
ele reagiu?
6. Depois de tudo o que os discípulos viram e
experimentaram ao conviverem e trabalharem com Jesus,
seria de esperar que eles tivessem manifestado um pouco
mais de paciência e compaixão. Mas em parte alguma de
Marcos 6.30-40 Jesus os censurou pelo pavio curto. Como
Jesus ajudou os discípulos a superarem a ira?
7. Se você estivesse no lugar dos discípulos, como sua
atitude teria mudado entre o início e o final desse
episódio?
8. O que podemos aprender, com base em Marcos 6.38-40,
sobre demonstrar compaixão em meio a circunstâncias
difíceis?
9. Que estratégias práticas você pode implementar para
ajudar asi mesmo a ser menos irritável? Como você pode
ajudar a atenuar situações estressantes, de modo que
outras pessoas também tenham controle sobre o próprio
temperamento?
10. Descreva uma ocasião quando você ou alguma outra
pessoa demonstrou irritação e, em seguida, pediu
desculpas. Depois de descontrolar-se com alguém, o que
você pode dizer ou fazer para restabelecer o
relacionamento?
1James Hope Moulton; George Milligan, The vocabulary of the Greek
Testament: illustrated from the papyri and other non-literary sources (Grand
Rapids: Eerdmans, 1963), p. 496.
2Charles Hodge, An exposition of the First Epistle to the Corinthians (reimpr.
London: Banner of Truth, 1958), p. 270.
3Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1052.
4David E. Garland, First Corinthians, Baker Exegetical Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Baker, 2003), p. 618.
5Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s view of 1 Corinthians 13
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 60.
6Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr. Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 196 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
7Smedes, Love within limits, p. 58.
8Essa história é contada por Brad S. Gregory em “Saints’ lives decoded?”,
Books and Culture (Jul/Aug 2009): 12.
9Henry Drummond, The greatest thing in the world (New York: Grosset &
Dunlap, s.d.), p. 24 [edições em português: A maior coisa do mundo, tradução
de Almir dos Santos Gonçalves (Rio de Janeiro: JUERP, 1969); Amor: a melhor
coisa do mundo, tradução de Edson Bini (São Paulo: Via Leitura, 2014)].
10C. S. Lewis, The four loves (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1961),
p. 154 [edição em português: Os quatro amores, tradução de Paulo Salles (São
Paulo: Martins Fontes, 2005)].
4
O AMOR E SUA SANTA ALEGRIA
O amor não se alegra com as más ações, mas se alegra com
a verdade.
(1CO 13.6)
Então, virando-se para a mulher, disse a Simão: “Vê esta
mulher? Entrei em sua casa; você não me deu água para os
pés, mas ela molhou meus pés com suas lágrimas e os
secou com os cabelos. Você não me deu beijo, mas, desde o
momento em que entrei, ela não parou de beijar meus pés.
Você não ungiu minha cabeça com óleo, mas ela ungiu
meus pés com unguento. Portanto, digo a você que os
pecados dela, que são muitos, estão perdoados — porque
ela muito amou. Mas quem é pouco perdoado, pouco ama”.
(LC 7.44-47)
O ano de 2009 assinalou os quinhentos anos do nascimento
de João Calvino, o famoso reformador cuja pregação levou
a verdade, a misericórdia e a alegria à cidade de Genebra.
Naquele verão, centenas de cristãos vindos de todo o
mundo se reuniram na antiga catedral de Calvino, a
catedral de Saint Pierre, no alto da colina, com vistas para
o lago Genebra. Eles se reuniram para adorar a Deus e
ouvir de novo as grandes verdades que a Reforma
recuperou para a Suíça e para o mundo — verdades como a
soberania de Deus, a autoridade única e suprema da
Escritura e a salvação apenas pela graça e somente por
meio da fé em Cristo, e apenas nele.
Na véspera do aniversário de quinhentos anos de Calvino,
uma festa bem diferente estava acontecendo lá embaixo, às
margens do lago, onde trezentos mil foliões dançavam
pelas ruas na Marcha do Lago, que ocorre todos os anos na
cidade. O clima não era de despreocupação e diversão, mas
de desordem e rebeldia. O álcool circulava à vontade. A
embriaguez levou a nudez e obscenidades, tanto por parte
de gays quanto de héteros. Na manhã seguinte, havia lixo
por toda parte e — deitados no lixo — os corpos prostrados
de festejantes confusos demais para pegar o caminho de
casa.
O contraste entre as duas festas era gritante. Uma delas
estava focada em Deus e deixou as pessoas mais bem
equipadas para viver para Cristo em meio aos sofrimentos
de um mundo caído. A outra estava focada no prazer
pessoal e deixou as pessoas vazias e solitárias. Fui
testemunha ocular disso e, enquanto dava minha corrida ao
longo da margem do lago no dia seguinte, com o sol bem
cedo de manhã cintilando na água, um jovem com os olhos
vermelhos estava gritando no celular com a voz no volume
máximo. Ele tinha estado fora a noite toda e não estava
nada contente com a situação, possivelmente porque seus
supostos amigos o haviam deixado para trás.
O que você vai escolher festejar e onde essa festa deixará
você? Quando você vê outras pessoas fazendo a escolha
errada e depois se deleitando nisso, acaso você fica
contente com a oportunidade de se sentir moralmente
superior ou você fica com o coração partido por causa do
pecado e desejoso de compartilhar o evangelho? Quando a
Bíblia fala sobre essas decisões, ela diz que o que faz a
diferença é o amor, pois o amor “não se alegra com as más
ações, mas se alegra com a verdade” (1Co 13.6).
DOIS TIPOS DE ALEGRIA
O apóstolo Paulo escreveu essas palavras para os primeiros
cristãos em Corinto. À semelhança dos genebrinos dos dias
de hoje, os coríntios eram conhecidos por sua prosperidade
material e sexo sem compromisso. Portanto, mesmo depois
que vieram a Cristo, eram tentados a se alegrar com as
coisas erradas. De modo que Paulo lhes ensinou sobre a
escolha que o amor faz pela santidade.
Os termos más ações e verdade são tão amplos, que é
difícil saber com exatidão por que Paulo os incluiu em seu
retrato do amor. Jonathan Edwards assim parafraseou o
versículo: “A caridade é contrária a tudo o que é mau na
vida e na prática, e se inclina a tudo o que é bom”.1 De
modo parecido, Gordon Fee entende más ações e verdade
como doislados de uma mesma realidade geral. O amor é a
favor de tudo o que é piedoso e contra tudo o que é ímpio.
Ele escreve:
A pessoa cheia de amor divino se alegra, junto com
outras, com o comportamento que reflete o evangelho —
por cada vitória alcançada, cada perdão oferecido, cada
ato de bondade. Essa pessoa se recusa a ter prazer no
mal, tanto em suas formas mais globais — guerras, a
violência contra os pobres — quanto naquelas mais
próximas — a queda de um irmão ou irmã, o mau
comportamento de uma criança. [...] Ele não se alegra
quando outra pessoa cai.
2
Quando a Bíblia fala sobre a verdade, ela não está falando
apenas sobre o que nós sabemos, mas também sobre o que
fazemos. Em geral achamos que o contrário de verdade é
falsidade. Contudo, a Bíblia comumente contrapõe verdade
e más ações. Esse não é um “erro de categoria”, como um
filósofo o chamaria, mas simplesmente um reconhecimento
de que a verdade é algo que vivemos, e não apenas algo em
que acreditamos. Os cristãos são chamados a “praticar a
verdade” (1Jo 1.6) e a andar na verdade (3Jo 3). “Não
podemos fazer nada contra a verdade”, Paulo escreveu
mais tarde, “mas apenas a favor da verdade” (2Co 13.8).
“A verdade” é, portanto, tudo o que é certo e bom, na fé e
na prática. De acordo com Edwards, “ela indica toda
virtude e santidade, incluindo tanto o conhecimento e o
acolhimento de todas as grandes verdades das Escrituras
quanto a conformidade a elas na vida e na conduta”.3 Essa
verdade se opõe à injustiça, à imoralidade ou a qualquer
outra forma de má ação.
Quando consideramos o significado de 1Coríntios 13.6,
precisamos indagar por que alguém iria “se alegrar com as
más ações”. A resposta mais óbvia é que quem comete más
ações ama as más ações que comete. O fofoqueiro adora
contar um segredo; o ladrão gosta de tomar aquilo que
pertence a outra pessoa; o atormentador tem prazer em
ferir as pessoas; o pecador sexual ama o ato lascivo que
traz prazer físico; e assim por diante. O que o pecador
festeja é o pecado em si.
No entanto, a redação exata do versículo 6 aponta para
um significado diferente. Paulo diz que o amor não se
alegra “com” (epi) as más ações. Se ele estivesse falando
sobre o fato de o pecador comemorar seu próprio pecado,
talvez pudéssemos esperar que dissesse que o amor não se
alegra “nas” (en) más ações. Em vez disso, ao dizer que o
amor não se alegra “com” as más ações, ele coloca o
pecado em algum lugar fora da pessoa que está se
alegrando.4 Portanto, nesse contexto, o que o amor se
recusa a fazer é festejar o pecado de alguma outra pessoa.
Às vezes as pessoas festejam os pecados dos outros
porque isso lhes dá liberdade para cometer os mesmos
pecados. Essa era parte da dinâmica da Marcha do Lago de
Genebra quando todos os outros estão agindo de forma
obscena ou se embriagando, é fácil se unir ao grupo
naquele momento. Mas essa não é a escolha que o amor
faz, porque o amor verdadeiro se importa com a santidade
de Deus e, portanto, toma cuidado para evitar ser tentado
pelos prazeres do pecado.
Mas é possível que Paulo tivesse algo mais específico em
mente. Lembre-se de que, ao escrever aos coríntios, ele
estava se dirigindo a pessoas que iam à igreja. Com certeza
os cristãos são tentados a ter prazer em muitos pecados
que são odiosos para Deus. Mas também somos tentados —
talvez mais do que a maioria das pessoas — a ter uma leve
sensação de satisfação quando alguém faz algo de errado,
em especial alguém de quem discordamos. Por exemplo,
quando um pastor de uma denominação diferente ou de um
ministério rival cai em pecado gritante, ou quando um líder
da extremidade oposta do espectro político é apanhado em
uma situação comprometedora, é difícil não se sentir pelo
menos um pouco moralmente superior. Há um sentimento
vanglorioso de felicidade pecaminosa que só surge quando
alguém é apanhado fazendo o tipo de coisa que sempre
suspeitamos que ele fizesse.
O amor, contudo, jamais se sentiria assim, porque o amor
não se alegra com as más ações. “Não tem prazer”,
escreveu Henry Drummond, “em expor a fraqueza dos
outros”.5 Em vez disso, o que o amor faz é “se alegrar com
a verdade”. Aqui a palavra traduzida por alegrar-se não é a
mesma usada anteriormente no versículo com relação às
más ações, mas, sim, algo mais intenso (sunchairein). Em
suma, a pessoa que se alegra com a verdade — não
“diante” da verdade, mas “com” a verdade — tem maior
alegria. O sentimento que vem por conhecer e viver com
sinceridade absoluta eleva o espírito e traz profundo
deleite à alma. Essa é a santa alegria do amor, a alegria
que só vem por buscar o que é certo e verdadeiro, mas
nunca em consequência de estar feliz com as más ações.
Alguns comentaristas dizem que aqui Paulo usa o artigo
definido porque está falando mais especificamente sobre o
evangelho.6 Nessa interpretação, o que a pessoa amorosa
festeja não é apenas uma verdade qualquer, mas a verdade
— a verdade evangélica de que Jesus morreu por nossos
pecados na cruz e ressuscitou com a promessa de vida
eterna. O problema com essa interpretação é que ela corre
o risco de forçar uma conclusão com base no artigo
definido a. O que a Bíblia parece ter em vista não é
simplesmente a verdade do evangelho, mas a verdade em
todas as suas formas, com que a pessoa amorosa sempre se
alegra. Isso inclui a verdade sobre o caráter de Deus, a
saber, que ele é um Deus amoroso, santo, gracioso e justo.
Há a verdade da Palavra de Deus, de que cada parte de
cada versículo do Antigo e do Novo Testamento é total,
absoluta e inerrantemente verdadeira. Isso também inclui a
verdade da criação, que em todos os lugares dá testemunho
do poder e da beleza de Deus. Em seguida, existem todas
as grandes verdades da fé cristã: a soberania de Deus; o
ser triúno do Pai, do Filho e do Espírito Santo; o destino
glorioso de um novo céu e de uma nova terra; e assim por
diante.
Ainda assim, no âmago da fé cristã existe uma verdade
em particular que faz mais em produzir santa alegria do
que todas as outras verdades. É uma verdade para ser
obedecida e uma verdade que possibilita amar — uma
verdade para festejar. Essa verdade é a graça de Deus a
pecadores perdidos e necessitados. A graça de Deus talvez
não seja a única verdade que Paulo tinha em mente quando
disse que o amor “se alegra com a verdade”, mas nenhuma
verdade proporciona mais santa alegria a um coração
amoroso.
SIMÃO E A MULHER PECADORA
Um bom texto para ver essa verdade na vida de Cristo — e
ver a diferença entre alegrar-se com as más ações e
alegrar-se com a verdade — é a história do que aconteceu
certa noite, por ocasião de um jantar. É a história de Simão
e a mulher pecadora, e a pergunta a se fazer sobre a
história é: “Onde me situo com relação a Jesus?” Será que
sou mais como a pessoa religiosa dessa história ou mais
como a pecadora? À medida que vemos a interação de
santidade, verdade e alegria, o relato abre nosso coração
para a graça de Deus e nos ajuda a ver o que o amor pode
fazer.
De acordo com Lucas, um dos fariseus — um homem de
nome Simão — convidou Jesus para jantar. Não sabemos
todas as razões para Simão fazer esse convite, mas fica
óbvio que ele estava tentando decidir se Jesus era um
verdadeiro profeta da parte de Deus (o que é claro que
era). Também sabemos que Jesus aceitou o convite, “entrou
na casa do fariseu e reclinou-se à mesa” (Lc 7.36).
Essa era uma situação familiar para Jesus. Com
frequência os Evangelhos mostram Jesus à mesa de jantar.
Mas o incomum nesse caso em particular foi os dois tipos
inteiramente diferentes de pessoas estarem lado a lado.
Era frequente Jesus comer com dirigentes de uma sinagoga
ou outros líderes religiosos locais — homens que estavam
intrigados com seu ministério e queriam conversar sobre
teologia, embora nem sempre com a melhor das intenções.
Em muitas outras ocasiões, Jesus comeu com cobradores
de impostos e outras conhecidas pessoas de má fama, que
os cidadãos de respeitotentavam evitar. Pessoas
desesperadas por amor sempre se sentiam atraídas por
Jesus, o “amigo de [...] pecadores” (v. 34).
Normalmente os fariseus e os cobradores de impostos
não se relacionavam. Mas, em certa mesa de jantar, os dois
mundos se chocaram. Aqui o relato ganha ritmo com uma
cena inesquecível:
E eis que uma mulher da cidade, que era pecadora,
quando soube que ele estava reclinado à mesa na casa do
fariseu, trouxe um frasco de alabastro com unguento e,
ficando atrás dele, a seus pés, chorando, ela começou a
molhar os pés dele com as lágrimas e os secou com os
cabelos; e beijou-lhe os pés e os ungiu com o unguento (v.
37,38).
Lucas nos conta que Jesus estava “reclinado à mesa.” Em
outras palavras, ele estava jantando no estilo formal da
época da Bíblia, inclinando-se em um lado e com os pés
esticados para fora da mesa. Para nós talvez cause
surpresa que alguém não convidado apareça no jantar, mas
uma refeição como essa deve ter acontecido em um pátio
ao ar livre, não em alguma sala de jantar sem acesso.
Portanto, a mulher se aproximou, como as pessoas muitas
vezes faziam, de modo parecido como hoje em dia alguém
que está passando observa o movimento de uma festa na
rua.
O que a mulher fez a seguir foi uma das coisas mais
extraordinárias que alguém chegou a fazer para Jesus. Com
toda a probabilidade ela tinha ouvido Jesus pregar. Talvez
estivesse no meio da multidão que pouco antes o tinha
ouvido falar sobre João Batista e o reino de Deus (veja v.
24-30). De alguma maneira, a mulher tinha ouvido falar que
Jesus estava à mesa de jantar. Rapidamente, ela correu
para casa para apanhar seu bem mais precioso: um frasco
de alabastro com um perfume marcante. Ela teve uma
ideia. Enquanto Jesus jantava, ela banhou os pés dele com
o perfume delicioso, dando-lhe o bem mais custoso que ela
podia dar.
Enquanto estava ali, a mulher ficou tão tomada de amor e
de alegria que começou a chorar. Imagine como as
lágrimas dela devem ter vertido em profusão a ponto de ela
sentir a necessidade de secar os pés de Jesus. No entanto,
foi isso que aconteceu. Emoção liquefeita escorria pelo
rosto da mulher e molhava os pés de seu Salvador.
Imediatamente ela pegou os longos cabelos e começou a
secar as lágrimas. Então começou a beijar e a beijar seus
pés (Lucas usa um verbo intensivo que indica ação
repetida).
Para entender a natureza pessoal e a humildade desse
encontro, precisamos saber que, naquela época, cuidar dos
pés de alguém era uma tarefa servil, reservada para
escravos. Também existe alguma razão para crer que,
naquela época, uma mulher de respeito jamais soltava os
cabelos em público. Isso era algo que ela fazia apenas na
privacidade do seu quarto de dormir, na sagrada
companhia de seu amado marido.7 Por isso, o que essa
mulher ofereceu a Jesus foi muito mais que seu perfume.
Tudo o que ela fez — desde ficar aos pés de Jesus até beijá-
los — foi feito com santo descomedimento. Era como se ela
e Jesus fossem as duas únicas pessoas no mundo. Seu bem
precioso, suas lágrimas, seu cabelo, seus lábios — era tudo
para ele. A mulher estava dando vazão a seu coração com a
fragrância do amor que tinha.
SIMÃO FALA
Simão ficou escandalizado com tudo isso. O que Jesus
aceitou como sagrado na intimidade amorosa daquele
gesto, o fariseu considerou algo inoportuno e que ia além
dos limites. Embora ele fosse demasiado cortês para dizer
isso em voz alta, por dentro sentiu-se ofendido e
constrangido. Lucas nos diz o que Simão estava dizendo
para si mesmo, dentro da privacidade moralista de seu
coração crítico: “Se esse homem fosse profeta, saberia
quem é essa mulher que o está tocando e que tipo de
mulher que é, pois é uma pecadora” (v. 39). Essas palavras
duras devem nos lembrar para ter cuidado quanto ao que
dizemos dentro do nosso coração, onde até mesmo um
único e rápido comentário pode nos condenar de mil
maneiras.
Ao fazer essa análise, o fariseu estava dizendo algo
acerca de Jesus, a saber, que ele não era nenhum profeta
de Deus. É claro que Simão estava completamente errado
em sua avaliação, mas, com base em suas suposições, essa
era uma dedução lógica. Ele supôs que, se Jesus soubesse
quem era essa mulher, ele não a aceitaria. Portanto,
quando Simão viu Jesus deixar que ela o tocasse e o
beijasse, só podia concluir que Jesus não sabia que tipo de
mulher ela era, e, nesse caso, não tinha nenhum acesso
especial a Deus nem qualquer conhecimento revelado da
verdade.
Simão também estava dizendo algo sobre a mulher. Lucas
já nos dissera que ela era “uma mulher da cidade”, o que
talvez seja uma maneira indireta de dizer que era uma
prostituta. Com certeza era uma pecadora — todos
concordam com isso. Quando Lucas a chama de pecadora
(v. 37), ele não coloca o termo entre aspas, mas nos diz a
plena verdade sobre sua impiedade. Também Simão a
chamou de pecadora (v. 39), e a mulher tinha consciência
disso. Foi exatamente por isso que ela se sentiu atraída por
Jesus: ela sabia que precisava ser perdoada. Jesus sabia a
mesma coisa. Aliás, ele foi ainda mais longe, dizendo que os
pecados dela eram “muitos” (v. 47).
De modo que, de certa maneira, Simão estava certo sobre
a mulher e suas más ações, ainda que estivesse errado
sobre Jesus. Mas o fariseu também dizia algo sobre si
mesmo, e é aqui que ele talvez tenha cometido o erro mais
grave de todos. Ao identificar a mulher como uma
pecadora, ele a colocou em uma categoria separada da sua,
afirmando de modo sutil, mas inconfundível, sua própria
virtude religiosa. Observe que as palavras que usa para
descrever a mulher são extremamente depreciativas. Ele se
refere a ela dizendo “tipo de mulher” (v. 39), que é outra
maneira de dizer “não uma pessoa justa como eu”.
Entenda o que Simão estava realmente fazendo: Estava se
alegrando com as más ações da mulher. Não estava se
alegrando no sentido de querer participar do pecado dela,
necessariamente, mas no sentido de que estava feliz em
usar o pecado dela como uma maneira de confirmar sua
avaliação de justiça pessoal. Ele se alegrou com as más
ações dela e deixou que isso alimentasse seu orgulho
espiritual. Enquanto houver alguém por aí que pareça ser
um pecador maior do que eu, fico feliz em dizer para mim
mesmo que sou bom o suficiente para Deus.
Ora, se alguém tivesse dito a Simão que ele estava se
alegrando com más ações, ele teria protestado em voz alta
de que ninguém ficava mais ofendido com a conduta
imprópria do que ele. Isso talvez transpareça no linguajar
que ele usa no versículo 39, em que reclama de como a
mulher estava “tocando” (haptetai) os pés de Jesus. Às
vezes, esse termo tem conotações sexuais (e.g., 1Co 7.1).
Talvez, da perspectiva do fariseu, portanto, ela não
estivesse apenas tocando os pés de Jesus; estava
acariciando-os. Em vez de se alegrar com esse tipo de
coisa, ele foi ágil em condená-la.
No entanto, apesar de toda a sua aparente indignação, o
próprio Simão estava cometendo um pecado — um pecado
muito mais mortal do que a prostituição: o pecado do
orgulho. Ele estava declarando os méritos de sua própria
justiça, negando que pessoalmente precisasse da graça e,
portanto, deixando de mostrar amor pelos perdidos ou de
festejar a verdade da graça de Deus aos pecadores
necessitados. Até onde Simão conseguia ver, algumas
pessoas não eram suficientemente boas nem para ser
perdoadas. Ao se ofender com algo que Jesus considerou
sagrado, a única pessoa que ele realmente condenou foi a
si mesmo.
O FARISEU SEM AMOR
Se existe uma verdade que eu gostaria de poder comunicar
com mais clareza, é a abundância da graça que Deus tem
para qualquer um que tenha caído em pecado. Jesus tinha o
mesmo desejo. O objetivo de todo o seu ensino — um
objetivo que ele alcançou de forma plena e final ao morrer
na cruz e ressuscitar com perdão para o mundo — era
ajudar as pessoas a se afastarem de seu pecado e
aceitarem a livre graça de Deus. Ele fez a escolha que o
amor faz, jamais sealegrando com as más ações, mas
sempre se alegrando com a verdade.
Vemos esse tipo de amor aqui — não apenas na maneira
de Jesus perdoar à mulher pecadora e a defender, mas
também na maneira de questionar esse fariseu moralista.
Jesus estava totalmente comprometido com a verdade,
inclusive a verdade sobre Simão e seu coração sem amor.
Ele queria que Simão visse a graça que Deus tem para os
pecadores e experimentasse o amor que sua graça produz
na vida de qualquer pessoa cujos pecados são perdoados.
Para ajudar o fariseu a ver isso, Jesus contou uma
pequena parábola que teve o poder de virar o mundo
daquele homem de cabeça para baixo. A história era assim:
“Certo agiota tinha dois devedores. Um devia quinhentos
denários, e o outro, cinquenta. Quando não puderam pagar,
ele cancelou a dívida de ambos. Agora qual deles o amará
mais?” (v. 41,42).
A resposta era óbvia, mas, sempre que alguém faz uma
pergunta assim tão fácil, geralmente começamos a
suspeitar que é uma cilada. Podemos dizer, com base na
resposta hesitante de Simão, que ele estava preocupado em
não cair em uma pegadinha: “Aquele, suponho, de quem ele
cancelou a dívida maior” (v. 43). Mesmo com toda sua
desconfiança, Simão estava certo: a dívida dos dois homens
foi perdoada, mas aquele que devia quase dois anos de
salário amaria mais o agiota.
Jesus estava dando uma aula de economia espiritual,
mostrando a transação direta entre perdão e amor: aqueles
que mais foram perdoados também amam mais. Mas Jesus
não parou por aí. Ele passou a aplicar a parábola de uma
forma pessoal, como um bom pregador sempre faz. A
história do agiota e dos dois devedores era na realidade
sobre Jesus e os dois pecadores à mesa de jantar, um dos
quais era o fariseu Simão (quer ele soubesse, quer não).
Jesus começou sua aplicação pessoal com uma pergunta
irônica. “Vê esta mulher?”, Jesus perguntou. É claro que ele
vira a mulher! O olhar de Simão tinha se fixado nela desde
o momento em que a viu. Então Jesus estabeleceu um
contraste entre o que a mulher fez e o que o fariseu deixou
de fazer: “Entrei em sua casa; você não me deu água para
os pés, mas ela molhou meus pés com suas lágrimas e os
secou com os cabelos. Você não me deu beijo, mas, desde o
momento em que entrei, ela não parou de beijar meus pés.
Você não ungiu minha cabeça com óleo, mas ela ungiu
meus pés com unguento” (v. 44-46).
O contraste era total. Um bom anfitrião teria beijado os
convidados nas duas faces e ungido a cabeça deles com
óleo. Simão não tinha cumprido nenhum dos deveres da
hospitalidade normal. Por outro lado, a mulher pecadora
tinha feito coisas que eram um serviço mais humilde e
revelavam uma afeição mais desmedida. Em vez de usar
uma toalha e uma bacia, ela banhou os pés de Jesus com as
lágrimas e os secou com os cabelos. Em vez de beijar Jesus
na face, beijou-lhe os pés — um gesto radical de amor
submisso. Em vez de ungir Jesus com óleo, ela havia lhe
dado um perfume delicioso.
O que tudo isso dizia sobre essas duas pessoas? O que
seus atos revelam sobre a condição do coração de cada
um? De acordo com Jesus, a diferença foi o amor, e o que
provocou a diferença foi o perdão. Foi isso que ele disse a
Simão para que todos ouvissem: “Portanto, digo a você que
os pecados dela, que são muitos, são perdoados — porque
ela muito amou. Mas quem é pouco perdoado, pouco ama”
(v. 47).
Quando falou sobre alguém que ama pouco e, portanto,
necessariamente foi pouco perdoado, Jesus estava falando
de Simão. O coração do fariseu estava totalmente exposto.
Apesar de toda sua teologia e moralidade, o homem
simplesmente não sabia como amar. Sabemos disso porque
ele não recebeu Jesus como alguém que ama receberia.
Também sabemos disso porque ele se alegrou com as más
ações da mulher, que é algo que o amor nunca faz. Simão
nunca havia experimentado de verdade a graça de Deus em
sua própria vida e, por isso, era incapaz de festejar essa
graça na vida de outro pecador. É assim que Paul Miller
explica o raciocínio daquele homem: “Seu choque com essa
mulher é resultado da crença de que (1) ele jamais faria
algo tão mau quanto o que ela fez e, portanto, (2) ele é
melhor do que ela, de modo que (3) ele não precisa de nada
do que Jesus talvez tenha a oferecer”.8
Se formos honestos, temos de admitir que nosso próprio
coração pode, em todos os aspectos, ser de várias maneiras
sem amor. Durante esta semana, você fez pelo menos uma
única coisa que mostrasse a Jesus o amor desmedido de um
pecador perdoado? Você se alegrou com a presença dele na
oração, beijando-o com louvor? Você lhe ofereceu algum
bem precioso que foi custoso dar ou lhe prestou algum
serviço que só um escravo prestaria? Todas essas são
coisas que o amor faz quando se alegra com a verdade.
Pense também como tem tratado outras pessoas. Você já
não suporta mais “o pecador” que está no seu caminho?
Será que você é compreensivo com as fraquezas
pecaminosas dele? Ou será que, lá no íntimo, você está
contente por não ter os problemas que ele tem nem ceder
às tentações que ele enfrenta? Será que você desistiu
daquilo que Deus pode fazer na vida do outro pecador? E
qual é sua atitude para com pessoas que são pobres e
necessitadas? Será que sua tendência é pensar que elas são
responsáveis pela própria situação e, portanto, não
merecem que você as trate com misericórdia? Tudo isso
são coisas que o amor nunca faria, porque ele se recusa a
se alegrar com as más ações.
DE ONDE VEM O AMOR
Ao considerarmos quão pouco amor existe em nosso
coração, devemos passar para algumas perguntas práticas:
Onde posso encontrar mais amor? Que preço pagarei para
crescer no meu amor por Deus e por outras pessoas? Como
posso aprender a amar do jeito que Jesus ama?
Com base no que Jesus disse a Simão, sabemos que o
amor começa quando somos totalmente honestos em
relação ao nosso pecado. Simão não amava muito porque
não tinha sido muito perdoado. Mas o motivo de não ter
sido muito perdoado era o fato de que ele não achava que
tinha muitos pecados para serem perdoados. O mesmo vale
para nós: se não amamos, é porque não somos
suficientemente honestos sobre nosso pecado a ponto de
levá-lo até a cruz. O resultado é um moralismo que atrofia
nossa alma.
O que Simão precisava — o que todos nós precisamos — é
da mesma experiência que a mulher pecadora teve no final
desse incidente em que Jesus a amou o bastante para
perdoá-la. Alegrando-se com a verdade da graça de Deus,
ele disse: “Seus pecados estão perdoados” (v. 48). Então,
certo de sua fé, ele lhe disse que fosse para casa, levando
consigo a promessa de paz que ele dava e o chamado
alegre de amar outras pessoas do jeito que ela mesma
havia sido amada. “Sua fé a salvou”, disse Jesus. “Vá em
paz” (v. 50).
Sou atraído por esse amor, ou pelo menos quero ser. Você
é atraído por esse amor? Entenda que Jesus tem tanto amor
por nós quanto teve pela mulher pecadora e por Simão, a
quem ele amou o bastante para revelar o segredo de seu
coração sem amor. Jesus não se alegra com as más ações,
mas se alegra na verdade da graça de Deus. Com esse
propósito, ele oferece o perdão que tocará seu coração e
encherá seus olhos de lágrimas. Tudo de ruim que você já
fez — incluindo as coisas secretas que ninguém mais sabe e
as coisas tão erradas que você mal consegue reunir
coragem para pensar a respeito — foi pregado na cruz
quando Jesus morreu.
A partir do momento em que sabe o que significa ser
perdoado— perdoado de verdade —, você nunca mais
precisa olhar com desprezo para qualquer outra pessoa.
Agora você pode enfrentar a verdade sobre si mesmo,
porque sabe — sabe de verdade — que não é justo de modo
algum. Você não precisa fingir que é melhor do que alguma
outra pessoa para compensar os sentimentos negativos que
tem em relação a si mesmo por não atingir as expectativas.
Sua aceitação por Deus lhe dá a graça de aceitar os outros.
A partir do momento em que você sabe que Deus o ama
do jeito que é, vocêfica livre para fazer a escolha que o
amor faz: não se alegrar com as más ações, mas se alegrar
com a verdade de que Deus tem graça para outros
pecadores. Você também está pronto para fazer o que o
amor faz: está pronto para perdoar, pronto para servir e
pronto para derramar para Jesus o bem precioso que é seu
coração.
GUIA DE ESTUDO
A vida é uma sequência de festas e comemorações. Depois
do Natal vem o Ano-Novo e, mais tarde, a Páscoa, com
aniversários entre uma comemoração e outra, porque a
festa não pode parar.
É maravilhoso poder celebrar com a família e os amigos.
Mas às vezes, no íntimo do coração, nos alegramos com
coisas erradas. Experimentamos um prazer secreto quando
alguém não consegue um emprego ou deixa de ganhar um
prêmio. Ou ficamos contentes com o fato de que o filho
“perfeito” do fulano e da sicrana não foi bem no jogo,
enquanto nosso filho foi um sucesso. Ou, pior ainda,
celebramos o pecado. Ficamos felizes em poder
testemunhar a queda moral de alguém de cuja política ou
teologia discordamos. Ou participamos da folia desenfreada
de promiscuidade e de autogratificação. Nesses momentos,
estamos nos regozijando com as más ações, algo que o
amor verdadeiro nunca faz.
1. Descreva uma experiência pessoal em que uma
celebração se transformou em algo ímpio ou maligno.
Como você se sentiu com isso?
2. Dê alguns exemplos de ocasiões em que o cristão pode
ser tentado a “se alegrar com as más ações”. Que
atitudes do coração nós exibimos, caso nos alegremos
nessas ocasiões?
3. Quando você se alegrou com a verdade? Quais eram as
circunstâncias e quais verdades você estava celebrando
com alegria piedosa?
4. Leia Lucas 7.36-38. Como você descreveria essa mulher
e suas ações?
5. Leia Lucas 7.39-50. O fariseu proporciona um contraste
gritante com a mulher. Como as ações dele demonstram
que ele foi tão pecador quanto a mulher em todos os
aspectos?
6. O fariseu na história de Lucas pensava que a reação de
Jesus à mulher provava que ele não era profeta, quando
na realidade o inverso foi verdadeiro — a reação de Jesus
provou que ele era profeta. Que elementos nessa
passagem comprovam que Jesus era o verdadeiro Profeta
de Deus?
7. Em Lucas 7.36-50, Jesus contrapõe o amor inferior do
fariseu ao amor desmedido da mulher pecadora. O que o
fariseu tinha negligenciado em fazer por Jesus, e como a
mulher compensou cada dever negligenciado? Quais
virtudes ela exibe?
8. O que podemos aprender com essa passagem sobre
regozijar-se com as más ações e regozijar-se com a
verdade?
9. Em que aspectos você é parecido com a pessoa religiosa
na história de Lucas e em que outros aspectos é parecido
com a pecadora? Em que área você vê mais necessidade
de crescer na forma de reagir ao grande perdão de Deus?
10. Pense em como você reage aos que cometem pecados
“maiores” ou mais óbvios do que os seus. Você é
compreensivo com a fraqueza deles ou, no íntimo, fica
contente porque “jamais faria algo assim”? Descreva uma
situação em que você reagiu de maneira piedosa e outra
em que não reagiu dessa forma. Pensando em como reage
a pessoas que cometem pecados mais óbvios, como você
pode melhorar nesse aspecto de regozijar-se com a
verdade?
11. De acordo com a história em Lucas, onde o amor
começa? Como você pode experimentar mais
profundamente o perdão de Deus para poder amar mais
profundamente? Cite algumas características exteriores
que mostrarão que você realmente sabe que não é mais
justo do que qualquer outra pessoa?
1Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr. Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 221 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
2Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 639
[edição em português: 1Coríntios: comentário exegético, tradução de Marcio
Loureiro Redondo (São Paulo: Vida Nova, 2018)].
3Edwards, Charity, p. 222.
4Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1054.
5Henry Drummond, The greatest thing in the world (New York: Grosset &
Dunlap, s.d.), p. 27 [edições em português: A maior coisa do mundo, tradução
de Almir dos Santos Gonçalves (Rio de Janeiro: JUERP, 1969); Amor: a melhor
coisa do mundo, tradução de Edson Bini (São Paulo: Via Leitura, 2014)].
6E.g., Fee, First Epistle, p. 639.
7Veja Paul E. Miller, Love walked among us: learning to love like Jesus
(Colorado Springs: NavPress, 2001), p. 51 [edição em português: O amor andou
entre nós, tradução de Eulália Pacheco Kregness (São Paulo: Vida Nova,
2011)].
8Ibidem, p. 52-3.
5
O AMOR ESPERA
O amor é paciente.
(1CO 13.4)
Ora, Jesus amava Marta, sua irmã e Lázaro. Então, quando
soube que Lázaro estava doente, ficou mais dois dias no
lugar em que estava.
(JO 11.5,6)
O idoso e a esposa estavam lá na garagem sentados no
banco dianteiro do carro. Estavam sentados e conversando,
como haviam feito tantas vezes nos últimos sessenta anos.
Mas agora a mulher tinha Alzheimer, então muitas vezes
sua mente vagueava de volta à adolescência, quando a mãe
dela tinha morrido e todas as noites ela acendia as luzes e
colocava comida na mesa para o pai fazer a refeição
quando chegava em casa do trabalho ou do bar ali perto.
Essa noite ela estava insistindo em voltar para casa e
cuidar do pai.
— Bem, minha querida — o marido estava lhe dizendo
com todo carinho —, você sabe o que eu vou lhe dizer?
— Sei — ela respondeu. — Você vai me dizer que meu pai
morreu há cinquenta anos. Mas sinto em meu coração que
ele vai estar esperando por mim. Não vou sair do carro até
você me levar para casa.
— Mas, minha querida — o marido insistiu —, nós
estamos em casa. Temos um lindo apartamento aqui com
nosso filho.
— Não! — ela respondeu com firmeza. — Aqui não; já
para casa!
Assim, a conversa continuou, até que por fim o filho deles
chegou em casa e os encontrou sentados ali na garagem.
— Há quanto tempo vocês estão aqui, pai? — ele
perguntou.
— Ah — o pai respondeu —, umas duas horas.1
Muitas pessoas, quando explicam algo, têm dificuldade
em manter a paciência por dois minutos, quanto mais por
duas horas. Mas esse homem tinha aprendido algo que
pode se levar a vida inteira para aprender, se é que
chegamos a aprender. Ele tinha aprendido a paciência do
amor.
LONGANIMIDADE
O apóstolo Paulo começou o retrato do amor que fez para
os coríntios dizendo: “O amor é paciente” (1Co 13.4). O
maior desafio para nós aqui não é entender o que Paulo
quis dizer, mas o que ele disse. Por isso, eu me lembro de
um dos comentários geniais de Mark Twain: “Não são
aquelas partes da Bíblia que não consigo entender que me
incomodam; são as partes que eu entendo!”. O que o
apóstolo diz sobre a paciência do amor parece bastante
fácil de entender, por mais difícil que seja pôr isso em
prática. No entanto, antes de vermos esse aspecto do amor
exemplificado na vida de Cristo, um amor cujo poder nos é
dado pelo Espírito Santo, é importante ter certeza de que
entendemos o que Paulo quis dizer quando afirmou que “o
amor é paciente”.
De acordo com a King James Version, “o amor sofre por
longo tempo”, isto é, tem um ânimo longo. Isso aponta para
uma tradução legítima da palavra bíblica para “paciência”
(makrothumei): o amor é “longânimo”. Em outras palavras,
ele “suporta com paciência a provocação e não é ágil em
fazer valer seus direitos nem em se ressentir de uma
ofensa”.2 Esse é o tipo de amor que Jesus quer que
demonstremos pelos nossos inimigos, e falaremos mais a
respeito dele quando chegarmos ao versículo 7, que nos diz
que o amor “tolera todas as coisas” e “suporta todas as
coisas”.
Contudo, a longanimidade não é só para os inimigos; é
também algo que precisamos ter com os nossos amigos. O
principal tipo de paciência que Paulo tem em mente,
escreveLeon Morris, é a “paciência com as pessoas”.3 É a
capacidade de suportar, sem nos queixarmos, as
frustrações que enfrentamos todas as vezes que nos
relacionamos com alguém que é tão falho e em todos os
aspectos tão pecador como nós. Um bom sinônimo é
tolerância. Anthony Thiselton preferiria usar a expressão
pavio longo, isto é, a qualidade de alguém que mantém a
calma sob pressão, e lamenta o fato de a expressão não
existir em nosso idioma.4 É de presumir que a ausência
dessa expressão ocorra porque muitos de nós não têm
muita tranquilidade, isto é, temos pavio curto, de maneira
que a ideia de alguém ser “pavio longo” nem mesmo nos
ocorre!
Na definição de paciência, é importante lembrar que
todas as virtudes listadas em 1Coríntios 13 são verbos, não
apenas substantivos ou adjetivos. Por isso, a paciência que
Paulo tem em mente é ativa. Talvez a melhor tradução diga
algo assim: “O amor espera pacientemente”. A Bíblia
ensina a mesma verdade em outras passagens. Nós a
descobrimos em passagens como Eclesiastes, que diz que
“o paciente de espírito é melhor do que o orgulhoso de
espírito” (7.8). Também a encontramos no Novo
Testamento. Em sua Primeira Carta aos Tessalonicenses, o
apóstolo Paulo exortou seus irmãos de ministério a
“admoestarem os ociosos, encorajarem os desanimados,
ajudarem os fracos, serem pacientes com todos eles” (1Ts
5.14).
Ao nos dizer que devemos exercitar a paciência, a Bíblia
está simplesmente nos chamando a imitar o caráter de
nosso Deus, que é paciente tanto no sentido de demorar
para se irar quanto no sentido de esperar pelo momento
certo para fazer alguma coisa. Em sua Carta aos Romanos,
Paulo diz que “a tolerância e a paciência” de Deus fazem
parte de sua “bondade”, a qual visa a nos levar ao
arrependimento (Rm 2.4). Por isso, a paciência não apenas
é um dos atributos essenciais de Deus, mas nossa própria
salvação depende dela.
Como Deus é paciente conosco! Ele não age com
parcialidade em relação a nós por causa de nossos pecados
— louvado seja Deus! —, nem nos condena pela nossa falta
de paciência, nem nosdestrói antes de termos uma chance
de nos arrepender. Em vez disso, aguarda com paciência
que peçamos que nossos pecados sejam perdoados. Paulo
tinha experimentado na própria vida essa tolerância divina.
Embora anteriormente tivesse odiado o evangelho e se
revoltado contra o reino de Deus, por fim o Espírito Santo
revelou o Cristo ressuscitado a ele. Portanto, quando Paulo
dava testemunho da obra de Deus em sua vida, ele
descrevia aquela obra como uma exibição da “paciência
perfeita” de Jesus Cristo, a qual conduz os pecadores à vida
eterna (1Tm 1.16).
Você já experimentou a paciência do amor de Deus? Não
se acomode por causa da longanimidade divina, mas deixe
que ela o constranja a entregar sua vida a Jesus Cristo.
Então obedeça ao chamado de Deus para ser paciente
como ele é.
Será que preciso dizer como isso é difícil de fazer? É
provável que não. A maioria de nós sabe como somos
impacientes. Por isso, aquilo de que precisamos, mais do
que da convicção de nosso pecado, é da ajuda do Espírito
Santo.
Contudo, caso precisemos ser lembrados de como ficamos
impacientes, John Sanderson tem algumas perguntas a
fazer sobre as frustrações da vida. Ele pergunta: “Por que
será que os pneus ficam murchos quando estamos com
pressa para um compromisso? Ou por que o aspirador de
pó para de funcionar justo no dia em que vamos receber
visitas?”. Então, ele faz a pergunta mais importante de
todas: “Por que ficamos tão infelizes e frustrados quando
essas coisas ocorrem?”.5
Seria fácil acrescentar mais perguntas à lista de
Sanderson: por que colocaram no meu quarto um colega
que é tão bagunceiro (ou alguém tão fanático por limpeza)?
Por que minha filha espera até as nove da noite da véspera
do dia em que tem de entregar um projeto importante para
me pedir se posso levá-la até a papelaria para comprar
cartolina? Por que a pessoa mais difícil de se relacionar no
meu emprego foi promovida para o cargo de minha
supervisora? E, num nível ainda mais sério, por que as
pessoas que mais precisam de mudança espiritual parecem
menos abertas à obra santificadora do Espírito Santo? E a
pergunta mais importante de todas: “Por que Deus não se
apressa e não põe tudo em ordem neste mundo?”
Com certeza os coríntios devem ter se debatido com
perguntas parecidas. Por que Paulo começaria pela
paciência sua lista de virtudes do amor, se não pelo fato de
eles precisarem crescer nessa área? É de presumir que os
coríntios eram tão impacientes quanto nós. Eram rápidos
em julgar uns aos outros (veja 1Co 4.5), mas lentos em
aguardar a realização da obra do Espírito neste mundo
cansativo. Por isso, tal como nós, eles precisavam ser
lembrados de que o amor é paciente.
UM ATRASO QUE CUSTOU CARO
Um bom texto para aprender a paciência do amor é a
história de Lázaro e o túmulo vazio. Em João 11, Jesus não
teve pressa e deixou um homem morrer antes de trazê-lo
de volta à vida. Em meio a tudo isso, ele exibe sua
paciência amorosa para nos mostrar por que também
devemos ser pacientes.
A história começa com um homem no leito de morte.
Lázarode Betânia, irmão de Maria e Marta, estava com uma
doença fatal. Então, suas irmãs mandaram uma mensagem
para Jesus, a qual dizia: “Senhor, aquele que você ama está
doente” (v. 3). Essa não era uma simples constatação, mas
um pedido de ajuda urgente. Mariae Marta queriam que
Jesus largasse o que quer que estivesse fazendo e viesse
salvar seu irmão. Elas tinham toda a expectativa de que ele
viria o mais rápido possível, porque sabiam que Lázaro era
alguém que Jesus amava.
Apesar disso, em vez de reconhecer a urgência da
situação, Jesus deu uma resposta aparentemente
indiferente, quase de pouco caso. “Essa doença não leva à
morte”, ele disse. “Ela é para a glória de Deus, para que o
Filho de Deus seja glorificado por meio dela” (v. 4). Mas, se
com isso Jesus quis dizer que Lázaro não tinha uma doença
fatal, estava totalmente enganado, porque de fato Lázaro
morreu.
Portanto, como deve ter sido exasperante que Jesus
esperasse dois dias inteiros antes de começar a voltar para
Betânia, onde, por fim, chegou com quatro dias de atraso.
De uma perspectiva meramente humana, os versículos 5 e
6 dificilmente parecem fazer sentido: “Ora, Jesus amava
Marta, sua irmã e Lázaro. Então, quando soube que Lázaro
estava doente, ficou mais dois dias no lugar em que
estava”. Seria de esperar que o versículo 6 nos contasse
que, quando soube que Lázaro estava doente, Jesus fora
direto para Betânia. Se Jesus amava essas pessoas, então
com certeza ele se apressaria em ajudá-las! Em vez disso,
ele se atrasou de propósito, o que resultou em sofrimento e
morte. Jesus também estava plenamente satisfeito com
isso. Ele disse a seus discípulos: “Lázaro morreu, e por
causa de vocês estou contente porque eu não estava ali” (v.
14,15).
Se eu fosse um dos discípulos, teria ficado agitadíssimo
de preocupação, desesperado para que Jesus se apressasse
e chateado pelo fato de que, ao que parece, ele chegara
tarde demais para salvar Lázaro. A primeira parte de João
11 é como uma cena de filme de suspense em que uma das
personagens demora tanto para fazer o que precisa ser
feito com urgência que os espectadores começam a gritar
para a tela do cinema, tentando fazê-la ir mais rápido.
João não nos diz se os discípulos ficaram impacientes,
mas com certeza Maria e Marta ficaram. A recriminação
delas é patente. Quando Jesus chegou à casa, as primeiras
palavras saídas da boca de Marta foram: “Senhor, se
tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (v. 21).
A grande fé de Marta em Jesus e em seu poder de curar se
misturava com o lamento pelo fato de que ele tinha perdido
a oportunidade de salvar seu irmão. Nesse ínterim
Mariapermanecia dentro de casa, talvez para tratar Jesus
com frieza. Mas, quando ela finalmente chegou a falar,
disse exatamente o que a irmã tinha dito. Durantedias,
Maria e Marta tinham visto seu irmão ficar cada vez pior, e
ficavam imaginando quando Jesus se apressaria e iria para
Betânia. Quando ele não chegou a tempo, elas lhe disseram
exatamente o que pensavam de sua demora, cujo preço
havia sido tão alto: a vida do irmão.
Em meio a tudo isso, Jesus não teve nenhuma pressa.
Com paciência, ele esperou dois dias inteiros antes de
partir para Betânia. Com paciência, explicou que, mesmo
que Lázaro estivesse morto, ele ainda tinha um plano para
glorificar a Deus e ajudar seus discípulos a crerem em seu
nome. Com paciência, Jesus dissea Marta que seu irmão
ressuscitaria, confirmando a fé que ela depositava na
ressurreição final dos mortos e, ao mesmo tempo,
anunciando seu próprio poder sobre a sepultura. Com
paciência, consolou Maria, deixando que as lágrimas dela
provocassem tristeza no coração dele.
A essa altura, uma multidão já havia se reunido em torno
do túmulo. Essas pessoas também criticaram Jesus por
chegar tarde. “Será que aquele que abriu os olhos do cego
também não poderia ter evitado que esse homem
morresse?” (v. 37). Sim, Jesus poderia ter evitado que o
homem morresse — caso tivesse chegado cedo, em vez de
ficar enrolando por dois dias!
No entanto, quando Jesus finalmente ficou na frente do
túmulo deu a primeira de suas ordens memoráveis, nenhum
dos resultados daquele atraso continuou importando por
um momento sequer: “Tirem a pedra”. Preocupada com o
fato de que ele estava atrasado demais, Marta disse a Jesus
que ele havia perdido a oportunidade: “Senhor, a esta
altura haverá mau cheiro, pois ele morreu há quatro dias”
(v. 39). Com paciência, o mestre de Martarespondeu: “Eu
não lhe disse que, se você cresse, veria a glória de Deus?”
(v. 40). Para prová-lo, Jesus deu sua segunda ordem:
“Lázaro, venha para fora” (v. 43). Com seu poder
milagroso, apenas com o som de sua voz, Jesus trouxe o
morto para fora do túmulo. Então, o que parecia ter sido
um atraso com um preço tão alto acabou sendo o arranjo
perfeito para um milagre de dádiva de vida: Lázaro foi
posto em liberdade!
O que isso prova não é apenas a paciência de Jesus, mas
também seu amor. Há testemunhos de seu amor ao longo
de todo o capítulo 11 de João: seu amor por Lázaro, por
Marta e Maria e por seus discípulos. Se fôssemos tentados
a duvidar daquele amor quando Jesus deixou Lázaro
morrer, teríamos de voltar a crer, no final do capítulo, ao
ver o morto voltar do túmulo. Quaisquer que tenham sido
os motivos que Jesus teve para o atraso, isso não significa
que ele não se importava. Na verdade, perto do final da
história, sua paciência acaba sendo uma expressão de sua
afeição. Conforme James Boice diz em seu comentário
sobre essa passagem, no final os atrasos de Cristo se
tornam os atrasos do amor.6
DEUS ESTÁ NO CONTROLE
A passagem de João 11 faz algo mais do que nos mostrar a
paciência amorosa de Jesus Cristo. Ela também nos ajuda a
entender por que nós devemos ser pacientes — pacientes
com Deus, pacientes com as circunstâncias de nossa vida e
pacientes com outras pessoas.
Por que o amor espera? Em primeiro lugar, porque Deus
está sempre no controle. Na perspectiva de Maria e Marta,
tudo parecia fora de controle. Seu irmão estava morrendo,
e qualquer ajuda que Deus pudesse dar chegara tarde
demais para fazer diferença.
Da mesma maneira, nossa própria impaciência
normalmente desponta sempre que algo está fora de nosso
controle. As crianças ficam impacientes com os pais: “Vocês
nunca me deixam fazer o que eu quero!”. Os pais ficam
impacientes com os filhos: “Quando é que eles vão
aprender?”. Na escola, ficamos impacientes com o tempo
que levamos para aprender tudo o que temos que aprender
antes de podermos sair e fazer o que Deus nos chamou
para fazer. No trabalho, ficamos impacientes com os
colegas que mais atrapalham do que ajudam. No mundo
dos negócios, ficamos impacientes com pessoas
preguiçosas ou incompetentes. No fim de semana, ficamos
impacientes com nossos amigos, quando seus interesses
não combinam com os nossos planos. Isso acontece sempre
que outras pessoas deixam de respeitar nossas prioridades
ou de atender às nossas exigências de eficiência: em vez de
esperar que Deus opere, tentamos “fazer o papel de Deus”
para outras pessoas.
Por trás de nossa impaciência com outras pessoas está
nossaimpaciência com Deus. Quando verdadeiramente
entregamos nossos lares, nossos empregos e nossos
relacionamentos ao senhorio de Jesus Cristo, somos
capazes de esperar pacientemente pelo tempo dele. Mas,
até lá, estamos sempre lutando por mais controle e ficamos
muito impacientes quando deixamos de obtê-lo.
O texto de João 11 pode nos ajudar, mostrando-nos que
Deus está sempre no controle, mesmo quando parece que
não está. Ao longo dessa passagem, Jesus está no controle
total. Desde o início, ele conhece o fim da história. Então,
quando fica sabendo que Lázaro está doente, afirma que
sua doença não é para morte. Dois dias depois, Jesus
também está no controle, mesmo que Lázaro tenha
morrido. Ele diz: “Nosso amigo Lázaro dormiu, mas vou
acordá-lo” (v. 11). Outras pessoas estavam dizendo: “De
que adianta? Lázaro já está morto!”. Mas o Senhor da vida
estava ocupado pondo seu plano em prática, mesmo que
fosse preciso um milagre. Nem mesmo a morte é capaz de
desafiar seu governo soberano. Crer nisso é não só
conhecer a Deus, mas também amá-lo. Como disse
Jonathan Edwards, amar a Deus nos predispõe “a ver sua
mão em tudo; a tê-lo como o governador do mundo e como
o diretor da providência; e a reconhecer que ele dispõe
tudo o que acontece”.7
Essa é uma das principais coisas de que devemos nos
lembrar, sempre que começamos a ficar impacientes: Deus
ainda está no controle. O verdadeiro amor tem paciência
para enxergar isso. De acordo com John Sanderson: “Nosso
ressentimento é contra o cronograma que o soberano Deus
nos impôs, baseado em um plano que em geral
desconhecemos. É esse desconhecimento que produz nossa
frustração, a aparente falta de sentido do atraso, da perda
ou do fracasso. Mas esse é o motivo pelo qual a
impaciência é uma erva daninha tão nociva: ela deixa Deus
fora do nosso raciocínio”.8
Não deixe Deus fora do seu raciocínio! Ao contrário, creia
sempre que Deus ainda está no controle. Creia nisso
porque, conforme James Boice disse certa vez, “ainda que
nós não consigamos ver como a situação acabará ou porque
ela nos sobreveio, sabemos que ela é resultado do amor de
Cristo e é controlada por ele”.9 Uma vez que saibamos
disso e aprendamos a viver de acordo com isso, estamos
prontos a amar as pessoas com a paciência que é
consequência de confiar que Deus está no controle.
DEUS ESTÁ TRABALHANDO
Esse é outro motivo para sermos pacientes: o amor espera
porque Deus está trabalhando. Não é apenas que Deus está
no controle, mas também que está fazendo algo bom na
vida de seu povo. Deus está realizando coisas para o nosso
bem e para a sua glória.
No início dessa história, quando soube que Lázaro estava
doente, Jesus disse que essa doença era “para a glória de
Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por meio
dela” (v. 4). No final da história, quando Marta insistiu que,
sem nenhuma sombra de dúvida, seu irmão estava morto e
que duvidava que Jesus pudesse fazer alguma coisa a
respeito, ele tornou a dizer: “Eu não lhe disse que, se você
cresse, veria a glória de Deus?” (v. 40). Todos os
acontecimentos de João 11 são dirigidos pelo mesmo
objetivo que dirige o universo, a saber, a glória de Deus.
Se cressem nesse fato, as pessoas veriam isso: Deus está
sempre trabalhando para exibir sua glória. Para começar,
ele estava trabalhando em seus discípulos, que aprenderam
sobre a paciênciae o poder de Jesus. Esse episódio todo foi
uma oportunidade para que crescessem na fé. O motivo
pelo qual Jesus ficou contente que Lázaro tivesse morrido
foi justamente o fato de que sua morte deu aos discípulos a
oportunidade de crer no poder dele sobre a sepultura.Deus também estava trabalhando na vida de Marta.
Houve uma ocasião em que a impaciência dela com a irmã
tomou conta, e ela despejou sobre Jesus tudo o que estava
errado com Maria (veja Lc 10.38-42). Mas agora ela estava
pronta a aprender de Jesus e a crescer na fé. “Mesmo
agora”, — mesmo agora que seu irmão estava morto —, ela
disse a Jesus, “eu sei que o que quer que pedires de Deus,
Deus te dará” (Jo 11.22).
Jesus também estava ensinando a Marta sobre a
ressurreição. Ela achou que os mortos seriam ressuscitados
apenas em algum momento no futuro, mas Jesus queria que
ela soubesse que ele mesmo, em sua própria pessoa,
detinha no presente o poder sobre a morte. Jesus disse: “Eu
sou a ressurreição e a vida; quem quer que creia em mim,
embora venha a morrer, ainda assim viverá, e todo aquele
que vive e crê em mim nunca morrerá” (v. 25,26). Em
resposta, Marta fez sua grande confissão de fé. Ela creu em
Jesus? O Espírito Santo estava operando fé dentro da
mente e do coração dela? “Sim, Senhor, eu creio”, ela disse.
“Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que está
vindo ao mundo” (v. 27).
Deus também estava trabalhando na vida de Maria.
Quando viu Jesus chorar junto ao túmulo do irmão, ela
aprendeu sobre a aflição de seu Salvador por todos os que
sofrem. Houve também todas as coisas que os enlutados
dali aprenderam. Deus estava igualmente trabalhando na
vida deles, mostrando-lhes sua glória por meio de um dos
maiores milagres que Jesus realizou.
Deus está sempre trabalhando. Ele está, sim, no controle,
mas também está trabalhando para nos mostrar sua glória,
ajudando-nosa conhecê-lo como ele é. Isso é algo para nos
lembrarmos sempre que ficarmos impacientes. Mesmo que
não compreendamos o que Deus está fazendo, cremos que
ele ainda está trabalhando. Confiar na bondade soberana
de Deus nos ajudará a voltar nossa atenção para os outros
com amor, em vez de focá-la em nossas próprias
frustrações.
Mesmo quando a vida parece fora de controle, Deus ainda
está trabalhando. Isso acontece todos os dias. Um casal
tem problemas com o carro em uma praia isolada e os dois
ficam presos ali por um dia inteiro — um dia em que fazem
um novo amigo e têm a oportunidade de compartilhar o
evangelho. Mãe e filha vão de papelaria em papelaria,
frustradas porque não encontram os materiais escolares
necessários — mas, na última papelaria, elas acabam em
uma fila ao lado de uma mulher que está ansiosa com o
primeiro dia do filho na nova escola e precisa de
encorajamento espiritual. E existem também todas aquelas
maneiras pelas quais Deus está trabalhando em nossa vida.
Muitas vezes, queremos que Deus opere urgentemente na
vida de alguma outra pessoa, quando na verdade ele está
ocupado querendo fazer algo em nós.
Portanto, em vez de ficarmos impacientes com nossos
problemas e com pessoas problemáticas, precisamos
praticar a presença de Deus. Faça uma oração como esta:
“Senhor, neste momento estou tão impaciente, que quase
não estou aguentando. Mas lá no fundo sei que tu estás
nesta situação, e não fora dela, e que estás fazendo algo de
bom aqui. Ajuda-me a ver o que estás fazendo, ou pelo
menos a crer que sabes o que estás fazendo, ainda que eu
não consiga ver”. Deus está sempre ocupado fazendo mais
bem espiritual do que sabemos e levando mais glória ao
seu nome do que jamais conseguiríamos imaginar. Se
formos sábios, esperaremos com paciência que ele faça seu
trabalho, não deixando que nossa impaciência tome conta
de nós, mas permitindo que o amor de Jesus opere por meio
de nós para a glória de Deus.
SOFREDORES, MAS AINDA AMADOS
Deus está no controle. Deus está trabalhando. Tudo isso é
verdade, mas conhecer essas verdades não significa que
não sofreremos. Essa é outra lição que o texto de João 11
nos ensina sobre a paciência: o amor espera em meio ao
sofrimento.
Lembre-se de que uma boa maneira de traduzir
1Coríntios 13.4 é dizer: “O amor sofre por longo tempo”.
Aliás, um dos motivos pelos quais temos de ser tão
pacientes é a grande quantidade de sofrimentos por que
passamos na vida. Deus usa esses sofrimentos para, por
meio deles, produzir paciência e esperança (veja Rm 5.3,4).
Vemos em João 11 alguns dos sofrimentos mais dolorosos
da vida: doença, morte e aflição. Todos nessa história
sofreram. Lázaro sofreu em seu leito de aflição. Suas
queridas irmãs sofreram a agonia de vê-lo morrer e, em
seguida, lutar para entender por que Deus deixou isso
acontecer. Os amigos de Lázaro partilharam dessas
tristezas como comunidade enlutada. Todos eles sofreram
essas coisas apesar do fato de que — aliás, por causa do
fato de que — Jesus os amava. Essa é, em si mesma, uma
lição espiritual: o fato de passarmos por sofrimento não
significa que não sejamos amados por Deus.
No entanto, de todas as pessoas que sofrem em João 11,
nenhuma sofreu mais do que Jesus. Vemos isso na maneira
de ele interagir com Maria: “Quando Jesus a viu chorar e
viu que os judeus que tinham vindo com ela estavam
chorando, ficou profundamente tocado em seu espírito e
bastante perturbado” (v. 33). O coração do Salvador foi
tocado pelas dores de seus amigos. Aqui o vocabulário
indica uma emoção de extrema intensidade. A tristeza que
Jesus sentiu por essa perda e a fúria dele contra os
horrores da morte vieram das profundezas de sua alma.
Desse modo, sua reação emocional seguiu seu curso
natural, conforme vemos no versículo mais curto da Bíblia
— também um dos mais extraordinários: “Jesus chorou” (v.
35). A razão das lágrimas do Salvador não deixou de ser
percebida por aqueles que também pranteavam ali, que
disseram: “Vejam como ele o amava!” (v. 36).
É claro que nada disso teria sido necessário se Jesus
tivesse simplesmente voltado para Betânia logo que soube
que Lázaro estava doente ou se o tivesse curado à
distância. Mas Jesus estava esperando pacientemente pela
glória de Deus, mesmo que em meio ao sofrimento. O
atraso teve um preço tão alto para ele quantopara quase
todo mundo. Mas o amor espera.
Ver Jesus sofrer nos ajuda a ter mais paciência em nossos
próprios sofrimentos. Enquanto esperamos que nosso
sofrimento chegue ao fim, nesse mesmo tempo estamos
sendo cobertos pelo amor de Jesus. Jesus entende. Ele sabe
o que é experimentar um atraso com um preço tão alto.
Então, quando Deus nos chama a esperar com paciência
em meio ao sofrimento, o Salvador que ele envia para nos
ajudar e nos consolar é um Salvador que entende. Essa é
mais uma coisa para lembrar sempre que ficarmos
impacientes: Jesus conhece nossas lutas terrenas e se
importa com elas. Portanto, temos de aprender a
interpretar nossas circunstâncias à luz de seu amor e a não
julgar, com base em nosso sofrimento, os motivos dele.10
TUDO É BOM QUANDO ACABA BEM
Um último motivo para sermos pacientes é que Deus
garantirá que no final tudo acabe bem. Então, o amor
continua esperando e esperando pelo dia em que Deus
enxugará todas as nossas lágrimas.
Na Bíblia, a ressurreição de Lázaro é um dos sinais mais
claros de que Deus tem o poder de fazer tudo certo. Jesus
poderia ter operado um milagre imediatamente, no
momento em que soube que Lázaro estava doente. Mas
esse só teria sido um milagre de trazer de volta a saúde,
não um milagre de trazer de volta a vida. Deus tinha um
plano de expor seu imenso poder de um modo mais
completo. Então, Jesus esperou por seu Pai com uma fé
total e absoluta. Quando chegou o momento certo de
revelar sua glória, ele agradeceu ao Pai por ouvir sua
oração e ordenou a Lázaro que saísse do túmulo (v. 41-43).
É claro que essa não foi a ressurreição final, porque
Lázaro voltaria a morrer. Mas foi um sinal inconfundível do
poder de Deus sobre a morte — um testemunho de que, no
último de todos os dias, os filhos de Deus ressuscitarão com
esplendor imortal, para nunca mais voltarem a morrer.
Essa é a esperança evangélica que Jesus confirmou
mediante sua própria ressurreição. Primeiro Jesus morreu
na cruz para pagar o preço de todosos nossos pecados.
Depois, no terceiro dia, ressuscitou com o poder da vida
eterna por todos aqueles que creem nele.
Quando o Senhor Jesus ressuscitado vier de novo, os
mortos serão ressuscitados e tudo será endireitado. Cada
injustiça será corrigida. Cada boa ação será recompensada.
Cada gesto de bondade resultará na glória de Deus. Cada
pecado que foi confessado e levado à cruz será perdoado.
Cada um que morre em Cristo ressuscitará. E isso tudo
acabará melhor do que jamais esperamos ou imaginamos.
O apóstolo Tiago nos diz para sermos “pacientes, portanto,
irmãos, até a vinda do Senhor” (Tg 5.7).
Quando esse dia chegar, será difícil para nós até mesmo
nos lembrarmos de como era sofrer na terra ou por quanto
tempo tivemos de esperar para que Jesus voltasse. Isso
deve ter acontecido com Maria e Marta. Alexander
Maclaren descreve como o atraso deve ter parecido longo
enquanto elas estavam esperando ansiosamente que Jesus
viesse socorrê-las. “Durante dois dias, durante quarenta e
oito horas, ele adiou a resposta”, escreve Maclaren, “e para
elas isso foi uma eternidade, enquanto as longas horas se
arrastavam e elas só diziam: ‘Como isso cansa! Ele não
chega’”. Então, houve os longos dias de luto que se
seguiram, quando Maria e Marta colocaram o irmão no
túmulo e prantearam sua morte. Mas Maclaren fica
imaginando: “Quanto tempo será que esse sofrimento
pareceu durar para elas, até receberem Lázaro de
volta?”.11
Assim que Lázaro voltou dos mortos, o sofrimento deles
tinha ficado para trás, e Maria e Marta descobriram que as
palavras do salmista são verdadeiras: “O choro pode
demorar a noite toda, mas a alegria vem pela manhã” (Sl
30.5). Assim que nossos sofrimentos chegam ao fim, a dor é
apenas uma lembrança, e nós somos envolvidos na alegria
que Deus faz surgir.
Isso também é algo para se lembrar sempre que ficarmos
impacientes: Deus fará tudo dar certo no final. Jesus nunca
está adiantado e nunca está atrasado, mas sempre na hora
certa. Ele não fica indiferente ao sofrimento de um mundo
caído, assim como não ficou indiferente a Lázaro e suas
irmãs. Em seu amor, ele tem um plano para dar fim a todos
os nossos sofrimentos. Seu grande dia virá exatamente no
momento certo. Quando esse dia vier, veremos a glória de
Jesus. Então saberemos que ele esteve no controle o tempo
inteiro, trabalhando todas as coisas para o bem, mesmo por
meio do sofrimento, e que nunca houve absolutamente
nenhum motivo para ficarmos impacientes.
GUIA DE ESTUDO
Quando somos crianças, queremos crescer. Quando já
somos crescidos, queremos algo mais ou algo diferente —
um emprego melhor, outro diploma, ter nossa própria
família, segurança financeira etc. Mas com frequência Deus
nos faz esperar por aquilo que ele quer que tenhamos, e
age assim sempre com bons motivos. O amor de Deus por
nós é paciente e, porque ele nos ama tanto, também nos
pede que sejamos pacientes, para nosso bem maior e para
sua glória suprema.
1. Qual é sua maior queixa, aquilo que o deixa mais
impaciente com seus entes queridos? Como você expressa
sua impaciência (um suspiro profundo, voz alta, alguma
outra coisa)?
2. Leia Romanos 2.4; 1Timóteo 1.16; 2 Pedro 3.9. O que
esses versículos nos dizem sobre a paciência de Deus?
3. Leia João 11.1-16. Que detalhes no início da história
apontam para a urgência da situação? Por que causa
surpresa o fato de Jesus ter demorado mais dois dias,
antes de ir até seu amigo enfermo? Por que ele esperou?
4. A resposta de Jesus diante da preocupação dos
discípulos com a segurança dele (Jo 11.9,10) é, de certo
modo, enigmática. O que você acha que ele quis dizer?
5. Leia João 11.17-44. Que indícios você vê do amor
paciente de Jesus?
6. O que Maria e Marta aprenderam sobre Jesus e seu amor
nesse acontecimento narrado no Evangelho de João?
7. Que desejo pessoal intenso torna você mais impaciente?
Por que é tão difícil esperar?
8. Qual é a relação entre a paciência e a confiança em Deus
e entre a paciência e o amor de Deus?
9. A paciência de Jesus em João 11 causou muito
sofrimento. Como, por sua vez, o sofrimento pode levar a
uma paciência maior? (veja Rm 5.3,4). Como você tem
visto essa verdade testada ou demonstrada em sua
própria experiência?
10. De que maneira entender a paciência de Deus com você
pode ajudá-lo a ter mais longanimidade com outros?
11. Medite sobre João 11.40-44. Quando você se sente
tentado a ficar impaciente com as coisas que demoram a
acontecer em sua vida, como esses versículos podem
ajudá-lo a se regozijar com o tempo de Deus e com a
glória que isso traz para ele?
1Essa história é contada pela família de Kimberly Wynne, cujo marido,
Carroll, foi por muitos anos meu colega de ministério na Décima Igreja
Presbiteriana de Filadélfia.
2Charles Hodge, An exposition of the First Epistle to the Corinthians (reimpr.
London: Banner of Truth, 1958), p. 269.
3Leon Morris, The First Epistle of Paul to the Corinthians, Tyndale New
Testament Commentaries (Grand Rapids: Eerdmans, 1958), p. 184 [edição em
português: 1Coríntios: introdução e comentário, tradução de Odayr Olivetti,
Série Cultura Bíblica (São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1981)].
4Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1046.
5John W. Sanderson, The fruit of the Spirit (1972; reimpr., Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1985), p. 88.
6James Montgomery Boice, The Gospel of John: those who received him: John
9—12 (Grand Rapids: Baker, 1999), vol. 3, p. 826.
7Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 79-80 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
8Sanderson, Fruit of the Spirit, p. 88.
9Boice, Gospel of John, p. 826.
10James Montgomery Boice apresenta uma ideia parecida em seu comentário
sobre João (p. 828).
11Alexander Maclaren, Expositions of Holy Scripture (Grand Rapids:
Eerdmans, 1959), vol. 7: St. John chapters 9-14, p. 78.
6
O AMOR EM TODA A SUA AMPLITUDE
O amor não inveja nem se vangloria; não é arrogante nem
grosseiro.
(1CO 13.4,5)
Jesus, sabendo que o Pai havia entregado todas as coisas
em suas mãos e que ele viera de Deus e estava voltando
para Deus, levantou-se da mesa da ceia. Ele colocou de
lado seu manto e, apanhando uma toalha, amarrou-a ao
redor da cintura. Então pôs água em uma bacia e começou
a lavar os pés dos discípulos e a secá-los com a toalha que
estava enrolada em volta dele.
(JO 13.3-5)
Um trabalhador é definido pelas ferramentas de seu ofício.
No teste oral que um dos meus filhos teve de fazer para
obter uma vaga no jardim de infância, perguntaram-lhe
qual era a profissão de seu pai. “Ele trabalha com
computadores”, disse o menino. Era verdade: ao me
preparar para pregar, eu fazia a maior parte do meu
trabalho em um notebook. Hoje em dia, quase todo mundo
trabalha com computadores, mas as ferramentas para
alguns ofícios são mais tradicionais. Um arquiteto trabalha
com lápis, régua e mesa de desenho. Um encanador
trabalha com um balde e um conjunto de chaves. Um
exímio violinista trabalha com um Stradivarius. Todo ofício
tem suas ferramentas.
Quando Jesus era menino, trabalhando com o pai, que era
carpinteiro, as ferramentas que usava todos os dias eram o
martelo e o formão. No final da vida, quando chegou a hora
de morrer, a única ferramenta de que precisou foi uma cruz
velha e áspera. Mas, pouco antes de sua paixão, Jesus usou
as ferramentas de trabalho de um servo humilde. Amarrou
uma toalha em volta da cintura, apanhou uma bacia com
água e lavou os pés sujos de seus discípulos.
Com esse gesto simples de infinita concessão, o Senhor
do universo demonstrou o caráter abnegado de sua obra
salvadora e chamou cada um de seus discípulos a uma vida
de serviço humilde.
GENEROSIDADE, HUMILDADE, CORTESIA
Em seu gesto extraordinário e afetuosode lavar os pés dos
discípulos, Jesus ilustrou a definição que o apóstolo Paulo
dá acerca do amor em 1Coríntios 13: “O amor não inveja
nem se vangloria; não é arrogante nem grosseiro” (1Co
13.4,5). Expressos de modo afirmativo, esses termos
estreitamente relacionados nos chamam à generosidade, à
humildade e à cortesia — um estilo de vida que considera
as outras pessoas mais importantes do que nós mesmos.
Cada termo é cuidadosamente escolhido. Conforme
veremos, Paulo usou as mesmas palavras anteriormente
nessa epístola, quando estava criticando os coríntios pela
maneira que estavam tratando uns aos outros. Eram
invejosos, presunçosos, arrogantes e grosseiros — tudo o
que o amor não é.
Essas palavras têm algo em comum: todas estão ligadas à
nossa maneira de lidar com as coisas boas que acontecem
na vida.1 Todo mundo sabe como é difícil lidar com as
coisas difíceis que acontecem — as adversidades, os
desânimos e as decepções —,mas às vezes é igualmente
difícil lidar com o sucesso. A inveja é uma reação
pecaminosa ao sucesso de outros, ao passo que presunção,
arrogância e grosseria são reações pecaminosas a qualquer
sucesso pessoal.
Comecemos com o sucesso dos outros. A palavra do Novo
Testamento para inveja (zelos) significa, mais literalmente,
“queimar ou ferver”. É por isso que Anthony Thiselton
traduz da seguinte maneira: o amor “não arde de inveja”.2
A inveja é a dor que sentimos com a prosperidade de outra
pessoa. É “ressentimento em relação a algo de bom que
acontece com outra pessoa, somado à enorme vontade de
arruiná-lo”.3 Em vez de alegrar-se com aqueles que se
alegram, a inveja tem aquilo que Jonathan Edwards
descreveu como “um espírito de insatisfação com a
prosperidade e a felicidade dos outros e de oposição a elas,
quando as comparamos com nossa própria prosperidade e
felicidade”.4
A inveja é, na realidade, uma forma de hostilidade. Não é
apenas o desejo de ter algo que outra pessoa tem, que é o
pecado da cobiça (veja Êx 20.17). É, na verdade, o desejo
de ver nossos rivais perderem o que têm. Citando de novo
Jonathan Edwards: “Em vez de se alegrar com a
prosperidade dos outros, o homem invejoso ficará
incomodado com ela. Para seu espírito, será motivo de
ressentimento vê-los subir tão alto e alcançar tanto
reconhecimento e progresso”.5
Um exemplo claro é a história de José e seus irmãos, que
ficaram tão invejosos da posição do seu irmão como o filho
favorito, que o atiraram dentro de uma cova profunda e
escura. Outro exemplo é encontrado na história de Hamã, o
agagita. Hamã tinha quase tudo o que qualquer homem
poderia chegar a desejar. No reino da Pérsia, era a segunda
pessoa mais importante, ficando atrás apenas do próprio
rei Assuero. Ainda assim, Hamã ficou profundamente
ressentido quando o judeu Mardoqueu se recusou a
prestar-lhe a honra que ele achava que merecia. Não
satisfeito com sua própria posição de destaque, Hamã quis
derrubar Mardoqueu. Então, quando o rei decidiu escolher
Mardoqueu para receber uma honra especial, Hamã ficou
tão invejoso que imaginou um plano nefasto para fazer com
que Mardoqueu fosse morto.
Um exemplo mais simples de animosidade invejosa é visto
nas páginas da revista New Yorker, em uma charge que
mostra dois cães conversando enquanto tomam um
drinque. Um deles diz: “Não é só que os cães têm de
ganhar; os gatos têm de perder!”.
Os coríntios eram culpados desse tipo de inveja. No
capítulo 3, o apóstolo os havia acusado de inveja e
contenda. Em uma comunidade que se caracterizava por
nítidas diferenças sociais e teológicas, os coríntios eram
tentados a ter um espírito de competição com membros da
igreja que tinham dons espirituais diferentes dos seus. Em
vez de verem o lado bom das outras pessoas, criticavam os
dons dos outros e menosprezavam suas habilidades.
Isso é algo que o amor nunca faz. O verdadeiro amor “não
ambiciona a posição e a honra do outro, mas tem prazer no
sucesso do outro, por amor a ele”.6 Amar é não fazer “nada
por ambição egoísta ou por presunção”, mas com a
humildade que considera os outros “mais importantes” do
que nós mesmos (Fp 2.3). Quando outra pessoa ganha uma
promoção, recebe um elogio ou progride de alguma
maneira, a pessoa amorosa está plenamente satisfeita com
sua própria situação -e, por isso, pode ter alegria e
satisfação com o sucesso do outro. Como você realmente se
sente quando alguém com capacidade igual ou menor que a
sua progride mais do que você? Esse é um teste em que a
inveja sempre falha e no qual só o amor consegue passar.
Também existem alguns pecados que precisamos evitar
quando experimentamos nosso próprio sucesso na vida. Por
mais difícil que possa ser observar alguma coisa boa
acontecer com um de nossos rivais, pode ser igualmente
difícil lidar de forma piedosa com nosso próprio êxito. A
Bíblia diz que o amor não se vangloria nem se gaba. Em
outras palavras, a pessoa amorosa não exige atenção para
suas próprias realizações. Aliás, é impossível amar e
vangloriar-se ao mesmo tempo. Porque, quando nos
vangloriamos, exigimos ser o centro das atenções, ao passo
que o amor redireciona a atenção para um dos outros
atores no drama da vida.
A diferença entre amar e vangloriar-se ficou bem clara
para mim no final do meu segundo ano de faculdade,
quando meu novo parceiro de debates e eu vínhamos tendo
uma série de vitórias. Depois de derrotar algumas das
melhores equipes de faculdade no estado, esperávamos ter
ainda mais sucesso no torneio estadual. Não me lembro o
que foi exatamente que eu disse, mas sem dúvida foi
alguma coisa de vanglória, porque um dos meus
treinadores de debate disse: “Phil, não fique contando
vantagem. Deixe que eu fale para os outros como você é
bom”. É claro que meu treinador estava me dizendo para
não me vangloriar, mas também me deu um bom exemplo
do que o amor faz, porque sua repreensão deixou claro que
ele se importava comigo e queria o meu bem.
Vangloriar-se é um pecado da língua pelo qual usamos
nossas palavras para garantir que as pessoas reparem
como somos importantes. Lewis Smedes chama a vanglória
de “nossa agência particular de publicidade, nossa pequena
campanha para divulgar uma imagem de nós mesmos”.7
Mas “o que sai da boca procede do coração” (Mt 15.18), de
modo que Paulo também se assegura de mencionar a
arrogância, que é um pecado de atitude. A imagem por trás
da palavra neotestamentária para arrogância (phusiosis) é
de algo que está inchado. De modo que a tradução de
Anthony Thiselton talvez seja a melhor: o amor não “infla
sua própria importância”.8
Aqui está outra coisa que o amor não faz: comportar-se
com grosseria ou de forma ofensiva. A palavra grosseiro
(aschemonei) pode ser usada para se referir a praticamente
qualquer forma de comportamento impróprio ou
inadequado — qualquer coisa, desde maus modos até
pecado sexual vergonhoso. Nesse contexto específico, em
que Paulo vem falando sobre a inveja e a arrogância,
parece que ele está usando a palavra para descrever a
maneira negativa de tratarmos as pessoas quando achamos
que somos melhores do que elas. Citando Lewis Smedes,
mais uma vez: “A arrogância nos leva a ser grosseiros com
as pessoas que não têm nada a nos oferecer, nada que nos
ajude a melhorar nossa imagem”.9 Ter maus modos pode
parecer uma falha pequena, se é que chegamos a pensar
que é uma falha. Mas a Bíblia diz que, quando não tratamos
bem e adequadamente as pessoas, estamos falhando em
amar, o que é sempre o nosso chamado, mesmo nas
pequenas coisas.
Muito do que Paulo disse nessa carta deixa evidente que
os coríntios eram culpados exatamente desses pecados.
Alguns deles se vangloriavam de sua sabedoria e
conhecimento superiores (1Co 3.18;14.2) ou se
vangloriavam de ser mais espirituais do que seus irmãos e
irmãs (14.37). Outros membros da igreja tinham um
sentimento exagerado de sua própria importância. Ao longo
de sua carta, vez após vez, Paulo usa termos associados a
arrogância para mostrar como estavaminchados de
orgulho. “Vocês são arrogantes!”, ele disse (5.2).
Ao usar as mesmas palavras no capítulo 13, Paulo estava
mostrando aos coríntios que a raiz de seu problema
espiritual era falta de amor. Esse também é nosso
problema. Por que ficamos morrendo de inveja quando
outra pessoa consegue o que quer? Por que para nós é tão
importante que outras pessoas elogiem as nossas
realizações? Por que somos grosseiros com determinadas
pessoas em certas situações? É porque amamos a nós
mesmos ao máximo e às vezes mal chegamos a amar os
outros.
AMOR ETERNO
O que precisamos é de mais do amor de Jesus: uma
consciência mais profunda de seu amor por nós e uma
medida crescente do seu amor em nós, à medida que
aprendemos a amar outras pessoas. Vemos esse amor em
cada página dos Evangelhos, mas em parte alguma vemos
isso com mais clareza do que na cena incrível que Jesus
protagonizou para seus discípulos em João 13.
No final de sua vida, apenas horas antes de seu
sofrimento, morte e sepultamento, Jesus se reuniu com
seus discípulos para jantar. João nos diz que, “quando Jesus
soube que havia chegado sua hora de partir deste mundo
para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo,
ele os amou até o fim” (Jo 13.1).
Esse versículo dá testemunho do amor eterno de Jesus
Cristo. No que diz respeito ao passado, João nos diz que
Jesus havia mostrado seu amor pelos seus discípulos. Ele
havia amado os seus, ao operar milagres, tais como a
alimentação dos cinco mil e doze. Ele os havia amado ao
perdoar seus pecados, tal como no caso da mulher que
ungiu os pés de Jesus com suas lágrimas. Ele até mesmo os
havia amado ao ressuscitar os mortos de volta à vida, tal
como fez com Lázaro. Enquanto esteve neste mundo, Jesus
amou seus próprios discípulos.
No entanto, agora que havia chegado o momento de sua
partida — agora que era hora de Jesus morrer na cruz por
nossos pecados, ser ressuscitado da sepultura com o poder
da vida eterna e voltar para a glória à destra do Pai —,
Jesus mostraria a seus discípulos ainda mais do seu amor.
Ele iria “amá-los até o fim”, ou, como menciona a New
International Version (1984), lhes mostraria “toda a
magnitude do seu amor”.
O que significa o Filho de Deus amar seus discípulos até o
fim? Não significa simplesmente até o fim da vida dele ou
até o fim de nossa vida, embora as duas coisas sejam
verdadeiras. Significa algo mais: Jesus nos amará até o fim
de todas as coisas.10 A palavra usada por João para “fim”
também é a palavra grega para perfeição (telos). O amor
eterno que Jesus tem por nós nunca acabará. A perfeição
desse amor é eterna.
Mas como é que Jesus nos mostra esse amor
especificamente? A passagem de João 13.1 assinala um
ponto crucial na história do evangelho. Jesus havia acabado
de fazer sua entrada triunfal na cidade de Jerusalém, o
lugar aonde foi para morrer. O capítulo 12 terminou com
ele anunciando que tinha vindo para “salvar o mundo” (v.
47). Então Jesus passou a fazer exatamente isto: salvar o
mundo, dando sua vida como expiação pelos pecados. De
maneira que, no início do capítulo 13, quando João diz que
Jesus “lhes mostrou a plena magnitude do seu amor”, ele
estava se referindo em termos amplos à obra salvadora de
nosso Salvador na cruz, à sua passagem pela sepultura e à
sua ascensão aos céus.
Quando Jesus morreu e ressuscitou por seus discípulos,
também fez essas coisas por nós. Todos somos dele — cada
um de nós que nasceu de novo pelo Espírito Santo, crê em
Jesus Cristo como Salvador e Senhor e está destinado a
viver com Deus para sempre. Se somos dele, isso significa
que Jesus nos ama, nos amou e nos amará até o fim.
Quando Jesus fez o que fez para nossa salvação — a cruz, o
túmulo vazio e o trono glorioso —, tudo isso foi por amor.
Foi tudo “por causa do grande amor com que nos amou” (Ef
2.4). Aliás, não existe amor maior do que este: “que alguém
dê a vida por seus amigos” (Jo 15.13) e em seguida
ressuscite para lhes dar glória eterna.
AMOR DE JOELHOS
Tudo isso faz parte do contexto mais amplo de João 13.1,
que serve de introdução a tudo o mais que se segue.
Quando João disse que Jesus amou os seus até o fim, estava
falando sobre o amor que ele mostrou na obra completa da
salvação. Mas há também um contexto mais imediato para
a afirmação de João. A plena magnitude do amor do
Salvador está resumida exatamente naquilo que Jesus fez
em seguida. Por isso, a passagem de João 13.1 faz algo
mais do que resumir a segunda parte do Evangelho. Ela
também serve de introdução perfeita para aquilo que Jesus
fez por seus discípulos à mesa de jantar.
Dizem que ações falam mais alto do que palavras. É
possível que sim. Lorne Sanny serviu no ministério The
Navigators durantemais de cinquenta anos, principalmente
como líder na área de discipulado pessoal. Seu ensino fez
diferença para Cristo na vida demilhares de pessoas. Mas,
quando por acaso ouvi membros de sua igreja falarem de
seu ministério, eles se lembravam de algo que havia tido
um impacto mais profundo neles do que qualquer coisa que
Sanny havia dito: eles se lembravam de uma manhã de
domingo em que, depois do culto da igreja, ele tirou o
paletó e a gravata e trocou o pneu vazio do carro de uma
mãe solteira. Às vezes, até mesmo um simples gesto de
serviço humilde pode ajudar a confirmar a verdade daquilo
que dizemos.
O ministério de Jesus era assim: ele não apenas dizia, mas
fazia o que dizia. Vemos isso em João 13, quando nosso
Salvador tomou uma toalha e uma bacia para lavar os pés
dos discípulos. Jesus estava sendo uma parábola viva que
mostrava sua generosidade, humildade e cortesia. Estava
fazendo uma exibição impactante da não arrogância e da
não grosseria de seu amor não invejoso, o qual nunca
inveja quaisquer das coisas boas que temos, mas sempre
continua nos dando mais e mais.
Quando Jesus realizou esse ato humilde de serviço, não
estava se esquecendo de quem era. Pelo contrário, ele fez o
que fez “sabendo que o Pai havia entregado todas as coisas
em suas mãos e que ele viera de Deus e estava voltando
para Deus” (v. 3). Jesus sabia que era o único e
incomparável Filho divino de Deus, que tinha vindo da
glória e voltaria para a glória. Mas, longe de se apegar à
sua posição com orgulho ou de tratar as pessoas com
grosseria e arrogância, Jesus prestou um serviço humilde
aos seus discípulos. João nos conta que Jesus “levantou-se
da mesa da ceia. Ele colocou de lado seu manto e,
apanhando uma toalha, amarrou-a ao redor da cintura.
Então, pôs água em uma bacia e começou a lavar os pés
dos discípulos e a secá-los com a toalha que estava
enrolada em volta dele” (v. 4,5).
Nenhuma dessas ações devia ser habitual para quem
oferecia um jantar. O dono da casa não ficava de pé junto à
mesa de jantar; ele se reclinava com luxo majestoso. O
dono da casa não tirava a roupa a ponto de ficar só com a
roupa de baixo; ele usava belíssimos mantos. O dono da
casa não derramava água nem segurava uma toalha. Com
certeza não lavava os pés de ninguém! Aliás, se alguém
merecia ter os pés lavados, essa pessoa era Jesus, cujos pés
foram lavados pela mulher na casa de Simão (Lc 7.37,38) e
mais tarde por Maria de Betânia (Jo 12.1-3). De modo que
Jesus estava tomando todas as expectativas normais e
pondo-as de pernas para o ar. O Senhor se tornou o servo.
Pedro viu tudo isso acontecer. Viu Jesus andando ao redor
da mesa de jantar, lavando os pés de todos. Mas, quando
chegou a hora de seus próprios pés serem lavados, Pedro
questionou o que Jesus estava fazendo: “Senhor, tu lavas os
meus pés?” (Jo 13.6). Parafraseando: “Senhor, você não vai
lavar os meus pés, certo?”. Como resposta, Jesus deu a
Pedro uma indicação de que, embora não entendesse o que
Jesus estava fazendo, no final tudo faria sentido (v. 7). Mas
Pedro não quis aceitar. Ele disse a Jesus: “Jamais lavarás os
meus pés” (v. 8).
Isso era típico de Pedro, que sempre falava o que
pensava. Mas, dessa vez, as palavras de Pedro
denunciaram o orgulhode um coração arrogante. Ele foi
grosseiro com Jesus, dizendo-lhe o que ele devia fazer. Em
sua arrogância, era orgulhoso demais para deixar Jesus
servi-lo. Estava se vangloriando de que estava limpo
demais para precisar de alguma limpeza. Em outras
palavras, Pedro era tudo o que o amor não é. Nas palavras
de James Boice, ele foi “suficientemente humilde para
sentir o disparate de seus pés serem lavados por Jesus”,
mas não “suficientemente humilde para se abster de dizer a
seu mestre o que não fazer”.11
Como resposta, Jesus explicou a Pedro que estava
encenando uma parábola da salvação: “Se eu não o lavar,
você não tem nenhuma parte comigo” (v. 8). A essa altura
Jesus já não estava falando em termos literais; estava
falando sobre a necessidade de seu discípulo purificar-se
do pecado. O que ele disse a Pedro vale para todos: temos
de ser inteiramente lavados do nosso pecado.
No fundo, Pedro sabia que era um pecador. Aliás, foi por
isso que ele começou a seguir Jesus, afinal de contas.
Então, com uma bravata típica, disparou: “Senhor, não
apenas os pés mas também as mãos e a cabeça!” (v. 9). No
que dizia respeito a Pedro, se isso era algo que valia a pena
fazer, então quanto mais melhor. Um instante antes ele
tinha dito a Jesus para não lhe tocar os pés; agora ele
queria ser lavado da cabeça aos pés.
Com amor, Jesus disse a Pedro que ele ainda não tinha
entendido: “Quem já se banhou não precisa se lavar, com
exceção dos pés, mas está totalmente limpo. E você está
limpo” (v. 10). Para entender essa comparação, é
esclarecedor conhecer os costumes da época da Bíblia.
Quando alguém era convidado para jantar, essa pessoa
tomava um banho e vestia roupas limpas e bonitas antes de
pôr as sandálias e ir a pé para o jantar. Quando chegava, o
corpo ainda estava limpo, mas os pés estavam sujos do
caminho empoeirado. Então, a primeira coisa que um bom
anfitrião faria era providenciar que seus servos lavassem os
pés dos convidados.
Jesus usou esse costume para abordar uma verdade
espiritual profunda. Quando disse que Pedro estava limpo,
estava dizendo que Pedro já estava justificado perante Deus
(ao contrário de Judas, que não estava nada limpo; v.
2,10,11). Mas isso não significava que Pedro nunca voltaria
a pecar. À semelhança do restante de nós, Pedro voltaria,
sim, a pecar e, quando pecasse, precisaria de uma nova
limpeza — não da cabeça aos pés, porque sua justiça estava
completa pela fé, mas em qualquer área da vida em que
ainda estivesse se envolvendo em pecado. James Boice
explicou da seguinte maneira: “Pedro é uma pessoa
justificada e, portanto, precisa apenas de limpeza dos
efeitos contaminantes do pecado, e não do perdão do
castigo do pecado”.12 Tal como alguém convidado para um
jantar que havia banhado o corpo, mas depois seguiu a pé
por um caminho poeirento, Pedro estava fundamentalmente
limpo, mas ainda assim precisava de purificação.
Enquanto ouvimos essa conversa, devemos ver quanto
amor Jesus tinha por Pedro e também como é grande seu
amor por nós. Quando Pedro entendeu errado o que seu
Senhor estava fazendo, Jesus lhe explicou com paciência.
Quando Pedro lhe disse para parar, Jesus não ficou irritado,
mas continuou servindo. Quando Pedro voltou a entender
errado e disse a Jesus para lavar-lhe as mãos e o rosto, e
não apenas os pés, com bondade Jesus lhe assegurou sua
salvação. Em resumo, Jesus fez o que a Bíblia diz que o
amor faz: Jesus foi paciente e bondoso; ele não era irritável.
Além disso, quando passou a lavar os pés de Pedro, Jesus
demonstrou que não era arrogante, nem presunçoso, nem
grosseiro, mas generoso e humilde. Ali estava o amor de
joelhos,13 aquele exato amor que estenderia os braços para
oferecer a vida por nossos pecados. Em breve, Jesus
mostraria a plena magnitude de seu amor ao morrer na
cruz, mas seu amor já estava em exibição quando ele pôs
uma toalha em volta da cintura, encheu uma bacia de água
e começou a fazer o trabalho de um escravo.
Jesus nos trata da mesma maneira amorosa. Ele não fica
impaciente com nossas perguntas equivocadas nem irritado
com nossos repetidos erros. Ele vem para nós com amor,
corrigindo-nos bondosamente, explicando pacientemente o
caminho da salvação, nos purificando graciosamente e
servindo humildemente a cada uma de nossas
necessidades.
ASSUMINDO A POSIÇÃO MAIS BAIXA
Em seguida, Jesus nos chama a viver com o mesmo serviço
amoroso e humilde. Quando Jesus lavou os pés de seus
discípulos, estava dando um exemplo deliberado,
mostrando-nos como amar. Depois disso, Jesus tornou a
vestir o manto, ocupou seu lugar à mesa e disse: “Vocês
entendem o que fiz por vocês? Vocês me chamam de
Mestre e Senhor, e estão certos, pois eu sou. Então, se eu,
o Senhor e Mestre de vocês, lavei seus pés, vocês também
devem lavar os pés uns dos outros. Pois eu lhes dei um
exemplo para que vocês também façam exatamente como
eu fiz” (v. 12-15).
Jesus estava usando o argumento da autoridade. Ele é o
Senhor, conforme Pedro e os outros discípulos
corretamente o chamaram. Jesus Cristo é o governante
supremo de tudo o que existe, o Senhor Deus do céu e da
terra. No entanto, apesar de sua sublime e majestosa
grandeza — ou talvez por causa dela —, ele assume a
posição mais baixa. Essa é a maior concessão possível: o
Filho de Deus e Senhor do universo se ajoelha para servir
e, então, curva-se para salvar.
Se Jesus fez isso por nós, então devemos fazer o mesmo
pelos outros. A conclusão lógica e prática daquilo que Jesus
fez e disse é que somos chamados a servir da mesma
maneira que o Maior serviu e a amar do jeito que ele ama.
Jesus estruturou seu argumento da seguinte maneira: “Em
verdade, em verdade, eu lhes digo que um servo não é
maior que seu senhor, nem um mensageiro é maior do que
aquele que o enviou. Se vocês sabem essas coisas, são bem-
aventurados se as praticarem” (Jo 13.16,17).
Não somos maiores do que Jesus. Na verdade, somos
muito menores. Não somos divinos, mas humanos, não
somos infinitos, mas finitos, não somos sem pecado, mas
pecadores. Por isso, é ainda mais adequado que assumamos
a posição mais baixa. Se somos os seguidores de um
Salvador que lava os pés dos outros, então nenhum ato de
serviço poderia estar abaixo de nossa dignidade.
Contudo, não basta simplesmente saber essas coisas.
Nosso chamado é praticar essas coisas, pondo de lado
nossa arrogância, dedicando nossa vida ao serviço amoroso
e dessa forma recebendo a bênção que Jesus prometeu dar.
“Na origem de todo serviço cristão no mundo”, escreve
Donald English, “está o Senhor crucificado e ressuscitado,
que morreu para nos libertar para esse serviço”.14
Entenda que, quando Jesus nos disse para seguir seu
exemplo, ele não estava instituindo o lava-pés como um
sacramento da igreja cristã (embora alguns cristãos
pratiquem o lava-pés como um lembrete da humildade do
seu Salvador), mas nos chamando a todo um estilo de vida
de serviço humilde. Ele não estava necessariamente nos
entregando uma toalha e uma bacia, mas nos convidando a
pegar as ferramentas de serviço onde quer que as
encontremos. Colocar-se sob o senhorio de Jesus Cristo é
seguir seu exemplo de atitude de servo.
Jamais faremos isso se estivermos cheios de inveja,
porque, na nossa inveja, só pensamos no que podemos
obter, não no que podemos dar. A inveja quer levar o outro
a ficar de joelhos. Também não serviremos se formos
presunçosos e arrogantes, porque vamos esperar que
outras pessoas se ajoelhem e nos sirvam, e não o contrário.
Só ficaremos de joelhos para servir quando formos
suficientemente humildes para ir até a cruz, confessar
nossos pecados e então pedir a Jesus que nos ajude a amar
do jeito que ele ama.
Quais são as ferramentas de nosso ofício de servo?
Servimos os outros com nossas palavras quando não
monopolizamos a conversa e não ficamos chamando a
atenção sobre nós mesmos, mas usamos o que dizemos
para encorajar e edificar, voltando a atenção para os outros
e, em última instância,para a graça de Deus. Servimos
quando falamos menos e ouvimos mais. Em vez de dizer
coisas grosseiras e presunçosas, tais como: “Olhe para
mim!” ou “Não entendo por que deram aquele prêmio para
ela”, somos chamados a dizer coisas mais humildes, como:
“Fiquei feliz por você ter tido uma promoção” ou “Admiro
seus dons e talentos e como você os usa”.
Servimos os outros com nossas mãos, como Jesus fez.
Alguns de nós são chamados a servir em casa, com uma
esponja de lavar louça ou um cesto de roupa. Alguns de nós
servem na cozinha, usando panelas e frigideiras para
fazerem refeições para os sem-teto. Alguns de nós servem
empurrando cadeiras de rodas e tocando instrumentos
musicais para pessoas no lar de idosos. Alguns de nós
servem construindo um lar para órfãos, ou abraçando uma
criança com necessidades especiais, ou pondo um
estetoscópio no peito de um menininho ou menininha que
de outra forma jamais receberia cuidados médicos.
Existem milhões de maneiras de servir, se estivermos
dispostos. Que papel tem na sua vida o serviço que mostra
a humildade do seu Salvador? Procure todas as
oportunidades de servir. Assuma a posição mais baixa. Não
pense que determinado serviço é trabalho para alguma
outra pessoa, e não um chamado para você, porque, no
momento em que disser isso, estará afirmando ser maior
que seu Senhor. Lembre-se do serviço de Jesus, com uma
toalha em volta da sua cintura e seu amor de joelhos.
Então, tome em suas mãos as ferramentas do ofício de
servo.
GUIA DE ESTUDO
Há dias em que é fácil fazer coisas bondosas pelos nossos
entes queridos. Somos dominados por um sentimento de
afeição por eles e, quando temos um pouquinho de tempo
sobrando, queremos fazer coisas legais para lhes mostrar
quanto os amamos. Mas, em outros dias, não é assim tão
fácil. Não queremos ouvir nossos entes queridos se
queixarem de seus problemas. Estamos cansados e não
queremos lavar a louça depois do jantar. Estamos ofendidos
e não queremos tomar a iniciativa e pedir desculpas pela
nossa parte em um desentendimento. Mas é nesses
momentos que podemos mostrar a plena magnitude do
nosso amor, apanhando uma bacia e toalha para lavar os
pés deles, tal como Jesus fez.
1. Descreva uma ocasião em que você assistiu a um gesto
surpreendente e humilde de serviço, feito em seu favor ou
em favor de outra pessoa. Que impacto esse serviço teve
na pessoa que o recebeu?
2. Cite algumas situações que lhe causam inveja. Em que
casos você se sente mais tentado a ter inveja da bênção
ou do favor recebido por outra pessoa e, por
consequência, ficar secretamente ressentido com isso ou
querer arruinar o que a pessoa recebeu?
3. Às vezes, ao recebermos dons de Deus, ficamos tentados
a nos vangloriar e a nos deixar levar pelo orgulho. Cite
algumas maneiras de nos precavermos contra essa
tentação.
4. Como a inveja, a vanglória, a arrogância e a grosseria
estão relacionadas? Por que são a antítese do amor
bíblico?
5. Leia João 13.1-11. Que palavras você usaria para
descrever as ações de Jesus aqui? O que é surpreendente
no que ele fez?
6. Por que inicialmente Pedro não quis que Jesus lavasse
seus pés? Por que depois ele quis que também suas mãos
e cabeça fossem lavadas? Por que era desnecessário,
tanto física quanto espiritualmente, que Jesus lavasse a
cabeça e as mãos de Pedro?
7. João 13.11 nos diz que Jesus sabia que Judas iria traí-lo.
O que o fato de ele ter lavado os pés de Judas junto com
os dos outros discípulos mostra a respeito do amor de
Jesus? O que isso significa para nós?
8. Como Jesus mostrou toda a magnitude do seu amor?
Quais características do amor, conforme descrito em
1Coríntios 13, são exibidas nas ações de Jesus em João
13?
9. Essa cena acontece pouco antes de Jesus ir para a cruz.
Como isso prepara o palco para o que iria acontecer na
cruz?
10. De que modo o ato de servir a outra pessoa, e não a nós
mesmos, nos ajuda a vencer os pecados de inveja,
vanglória, arrogância e grosseria?
11. Leia João 13.12-17. Como você pode imitar o exemplo
de amor de Jesus, que se dá totalmente? Mencione um ato
de serviço humilde que você pode fazer esta semana.
Dentre as várias formas de servir, qual foi a que Deus o
chamou a escolher e usar em favor de alguém que talvez
não pareça merecê-la?
1Devo esse insight a Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr.,
Edinburgh: Banner of Truth, 2005), p. 111 [edição em português: A caridade e
seus frutos: uma exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha
(s.l.: KDP, 2016)]. Em seus comentários sobre 1Coríntios 13.4, Edwards faz
distinção entre nossa reação ao “bem possuído pelos outros” e ao “bem
possuído por nós mesmos”.
2Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1048.
3Cornelius Plantinga Jr., Not the way it’s supposed to be: a breviary of sin
(Grand Rapids: Eerdmans, 1995), p. 169.
4Edwards, Charity, p. 112.
5Ibidem, p. 113.
6Thiselton, First Epistle, p. 1048.
7Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s view of 1 Corinthians 13
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 28; grifo no original.
8Thiselton, First Epistle, p. 1048.
9Smedes, Love within limits, p. 33.
10James Montgomery Boice, The Gospel of John (Grand Rapids: Baker, 1999),
vol. 4: Peace in storm: John 13—17, p. 999.
11Ibidem, p. 1011.
12Ibidem.
13“Love on its knees” [O amor de joelhos] é o título que James Boice dá a
uma de suas exposições de João 13.2-15. Ibidem, p. 1007.
14Donald English, The message of Mark: the mystery of faith (Downers
Grove: InterVarsity, 1992), p. 182.
7
O AMOR TEM ESPERANÇA
O amor espera todas as coisas.
(1CO 13.7)
Pai, eu desejo que eles também, os quais me deste, estejam
comigo onde eu estou, para verem a minha glória, que me
deste porque me amaste antes da fundação do mundo.
(JO 17.24)
No ano de 1453, a grande cidade de Constantinopla estava
sitiada. Ao longo de sua história de mil anos, a capital do
Império Bizantino tinha resistido a incontáveis ataques,
mas todos sabiam que dessa vez era diferente: a cidade iria
cair.
O invasor — o sultão otomano Maomé II — tinha mais de
cem mil soldados treinados em seu exército turco,
enquanto o imperador cristão, Constantino XI, não chegava
a ter sete mil homens para proteger sua cidade. Apesar de
todas as suas defesas naturais e as construídas pelo
homem, tanto por terra quanto por mar, não havia
nenhuma maneira de proteger Constantinopla do
supercanhão alemão dos otomanos, que conseguia atirar
balas de quase quinhentos quilos para mais de um
quilômetro e meio de distância, com uma precisão mortal e
um impacto enorme, ou contra o caminho de quase dois
quilômetros e meio que Maomé abriu nas colinas da
Galácia para contornar o bloqueio feito por Constantino e
levar seus navios de guerra direto para a península do
Chifre de Ouro. Logo “a cidade eterna”, como
Constantinopla era chamada, cairia sob controle islâmico.
Maomé II planejou o assalto final para o dia 29 de maio.
Enquanto o sultão fazia seus preparativos militares, os
cidadãos de Constantinopla estavam com um terrível
pressentimento. Mas, na noite anterior ao dia fatídico da
queda da cidade, eles se reuniram para um dos mais
extraordinários cultos de adoração da história do mundo.
Havia muitos cristãos em Constantinopla, oriundos de
muitos lugares e de muitas tradições eclesiásticas. Havia
bispos, sacerdotes, monges, freiras e leigos provenientes
da Grécia, de Roma, da Rússia e da Terra Santa. Embora
todos declarassem Jesus Cristo como Salvador e Senhor,
estavam tão profundamente divididos na doutrina e na
prática, que nenhum deles jamais adorava junto com os
demais. No entanto, na noite de 28 de maio de 1453, todos
eles se reuniram na catedral de Santa Sofia, que por mais
de um milênio tinha sido o lar espiritual da igreja bizantina.
O imperador começou o culto, pedindo perdão aos bispos
de várias igrejas presentes. Então, todoscelebraram o
sacramento da ceia do Senhor, proclamando a morte
expiatória do Cristo ressuscitado e demonstrando sua
comunhão uns com os outros como membros do corpo
espiritual de Cristo.1
O culto terminou à meia-noite. Poucas horas depois, o
silêncio da cidade foi destroçado pelo som do ataque
otomano, e, no fim da manhã, Constantinopla havia se
tornado Istambul, a cidade dos turcos muçulmanos.
Istambul continua islâmica até hoje. Mas, por um breve
momento, antes da queda da cidade, o mundo testemunhou
uma resposta específica à oração esperançosa de Jesus
Cristo pela unidade da igreja — a oração que ele fez a seu
Pai na noite anterior ao dia fatídico de sua crucificação.
Que eles “todos sejam um”, Jesus orou; “assim como tu, ó
Pai, estás em mim e eu em ti, que eles também estejam em
nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo
17.21).
A ESPERANÇA DO AMOR
A oração que Jesus fez em João 17 comprova a verdade de
algo que Paulo disse em 1Coríntios 13: “O amor espera
todas as coisas” (v. 7). Quem quer que ouse ter esperança
de ver a unidade da igreja, assim como Jesus ousou, é
capaz de esperar por qualquer coisa, e tem disposição para
isso!
Lembre-se da abordagem que estamos adotando neste
livro: para aprender a amar do jeito que Jesus ama,
estamos estudando 1Coríntios 13, olhando cada frase em
seu contexto e em seguida vendo como esse aspecto
particular do amor é demonstrado na pessoa e obra de
Jesus Cristo. Desta vez, analisaremos uma oração que Jesus
fez pouco depois de ter lavado os pés de seus discípulos e
pouco antes de ser traído — uma oração que nos ensina a
esperança do amor.
Perto do final de seu elogio ao amor, quando seu poema
chega ao clímax, Paulo diz: “O amor sofre todas as coisas,
crê em todas as coisas, espera todas as coisas, suporta
todas as coisas” (v. 7). Esse versículo é intrigante, porque
no início parece estar dizendo algo falso ou até mesmo
ímpio. Faz sentido dizer que o amor “sofre todasas coisas”
e “suporta todas as coisas”, porque o amor verdadeiro é
longânimo. Mas como a Bíblia pode diz que o amor “crê em
todas as coisas” ou “espera todas as coisas”? Será que isso
significa que o amor crê em coisas que são falsas ou espera
em vão por coisas que jamais acontecerão?
De jeito nenhum! Paulo não está dizendo que o amor crê
em algo irracional ou espera algo irreal, como se o amor
fosse “infinitamente crédulo e, total e indiscriminadamente,
cresse em qualquer coisa e esperasse qualquer coisa”.2 Em
vez disso, está dizendo que, por causa do poder e da graça
de Deus, o amor espera em todas as situações, inclusive
situações que parecem totalmente sem esperança. Segundo
Gordon Fee explica: “Paulo não quer dizer que o amor
sempre crê que o melhor acontecerá com tudo e com todos,
mas que o amor nunca deixa de ter fé; ele nunca perde a
esperança”.3 Por isso, poderíamos traduzir assim
1Coríntios 13.7: O amor “nunca se cansa de dar apoio,
nunca perde a fé, nunca esgota a esperança, nunca
desiste”.4
Outra maneira de traduzir a palavra grega usada para
“todas as coisas” (panta) é “sempre”.5 O amor nunca perde
a esperança, mas sempre é esperançoso quanto à bondade
de Deus e ao seu poder de operar na vida de alguém. Aqui
alguns comentaristas dão ênfase à espera em Deus e na
misericórdia que ele nos dá em Cristo Jesus. Mas, tendo em
vista o contexto, no qual Paulo vem falando basicamente
sobre nosso amor uns pelos outros, parece provável que ele
também esteja pensando nas esperanças que temos em
relação a outras pessoas (com base, é claro, naquilo que
Deus pode fazer nelas e por elas). Foi assim que João
Crisóstomo (que por muitos anos serviu como pastor da
catedral de Santa Sofia) entendeu o versículo, quando
pregou que a esperança “não desiste do amado, mas, ainda
que ele seja indigno, continua a corrigi-lo, a prover-lhe as
necessidades, a cuidar dele”.6
No que diz respeito ao amor, não há nenhum caso sem
esperança. Esse é um dos motivos pelos quais o apóstolo
Paulo continuou oferecendo esperança para os coríntios.
Apesar de todo o pecado que via na vida deles e apesar de
todos os problemas que eles tinham na igreja, ele ainda os
amava o suficiente para dizer: “Nossa esperança em vocês
é inabalável” (2Co 1.7; veja também 10.15).
Na vida não existe nenhuma situação que seja tão
sombria ou tão desesperadora que a esperança não esteja
lá, se tão somente tivermos o amor de Jesus. O amor não
desiste das pessoas quando elas estão passando por
percalços. Não cede ao desespero em face da dificuldade
extrema. Não afirma que o coração de alguém jamais
poderá mudar ou que uma comunidade dividida nunca
poderá ser curada. De modo que, quando uma voz
desanimadora (talvez a nossa própria) diz: “Não existe
esperança”, o amor responde: “Ah, existe, sim. Eu sei que
existe. Sempre existe esperança em Jesus!”.
O amor espera todas as coisas. Entenda que, sempre que
desistimos da esperança, isso é na realidade um fracasso
em amar, porque o amor espera. O amor espera que
alguém perdido no pecado venha a crer no evangelho.
Espera que um relacionamento despedaçado experimente
reconciliação. Espera que, pela graça de Deus, o pecado
seja perdoado e perdoado ainda mais uma vez. Espera que,
mesmo depois de uma longa luta, ainda haja progresso
espiritual. Espera que alguém que caiu e se afastou possa
ser restaurado para prestar serviço útil no reino de Deus.
Espera até mesmo que, quando um corpo fica doente e
morre, ele seja ressuscitado no último dia.
O amor espera todas essas coisas, e então oferece essa
esperança para as pessoas que ama. O amor está disposto a
esperar porque deseja o melhor na vida da outra pessoa. É
capaz de esperar porque coloca sua derradeira confiança
no Deus de amor e em sua graça em favor das pessoas
necessitadas.
A ORAÇÃO MAIS ESPERANÇOSA DO MUNDO
Quero mais uma vez ilustrar esse aspecto do amor
considerando a vida e o ministério de Jesus Cristo, cujo
espírito foi sustentado pela atitude esperançosa de seu
amor. Vemos isso na oração que talvez tenha sido a mais
esperançosa que alguém já fez.
Era a última noite da vida mortal do nosso Salvador na
terra. Se parece estranho que já estejamos chegando perto
do final, lembre-se da estrutura dos Evangelhos bíblicos,
que dedicam um terço de seu conteúdo para tratar
unicamente da morte de Jesus e de todos os
acontecimentos imediatos que levaram a ela.
Na noite em que foi traído, pouco depois de participar da
Última Ceia, Jesus orou pedindo a bênção de Deus sobre
seus discípulos. Ele intercedeu diante de seu Pai, fazendo
pedido após pedido em favor das pessoas que amava.
Quando ouvimos nosso Salvador orar no texto de João 17,
ouvimos o que ele esperava — não no sentido de um desejo
impossível, mas no sentido de confiar plenamente naquilo
que seu Pai faria.
Então, o que Jesus esperava? Ele esperava que fosse
glorificado. Antes de o Filho de Deus se fazer homem, ele
vivia na glória do céu, onde era adorado por anjos. Ao se
colocar na pele de nossa humanidade, Jesus pôs de lado
essa glória celeste. No entanto, ele esperava voltar a ela.
Ele tinha toda a esperança de que, depois que morresse,
seu corpo mortal se tornaria radiante de esplendor imortal.
De modo que Jesus orou:
Pai, chegou a hora; glorifica teu Filho para que o Filho te
glorifique, visto que lhe deste autoridade sobre toda a
carne, para dar vida eterna a todos que lhe deste. E a
vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste. Eu te
glorifiquei na terra, tendo realizado o trabalho que me
deste para fazer. E agora, Pai, glorifica-me em tua
presença com a glória que eu tinha contigo antes que o
mundo existisse (Jo 17.1-5).
Esses versículos dão testemunho da glória mútua da
Trindade, de que o Pai e o Filho vivem para glorificar um ao
outro dentro da Divindade. Eles falam do poder e da
autoridade que Jesus tem de conceder vida eterna, a qual
ele dá apenas àqueles que o conhecemde maneira pessoal
e confiante. Mas esses versículos também nos mostram a
esperança de Jesus de receber glória eterna. Esse é
necessariamente um homem que espera todas as coisas,
porque esperava até mesmo que, depois de morrer, fosse
glorificado.
Em seguida Jesus voltou seus pensamentos para seus
discípulos — especificamente os discípulos originais que
testemunharam seu ministério terreno e estiveram com ele
na Última Ceia. Enquanto Jesus orava ao Pai, contou o que
havia feito por seus discípulos:
Manifestei teu nome àqueles que do mundo me deste.
Eram teus, e tu os deste para mim, e eles têm guardado a
tua palavra. Agora sabem que tudo o que me deste vem
de ti. Pois eu lhes dei as palavras que me deste, e eles as
receberam e vieram a conhecer de verdade que vim de ti;
e creram que tu me enviaste. Estou orando por eles. Não
estou orando pelo mundo, mas por aqueles que me deste,
pois são teus (v. 6-9).
Jesus deixou claro que não estava orando por todos. Não
estava intercedendo em favor do mundo em geral, mas
especificamente pelos seus. Estava orando pelas pessoas
que seu Pai lhe deu: aqueles que tinham a Palavra de Deus
e criam em Jesus como o Filho de Deus, aqueles que
pertenciam a Deus.
Assim que identificou seus discípulos, Jesus começou a
orar por eles, transformando em petições suas esperanças
amorosas. Jesus esperava que os seus perseverassem.
Portanto, orou para que Deus os guardasse em segurança
até o fim:
Todos os meus são teus, e os teus são meus, e neles sou
glorificado. Eu não estou mais no mundo, mas eles estão
no mundo, e eu estou indo para ti. Pai Santo, guarda-os
em teu nome, que me deste, para que sejam um, assim
como nós somos um. Enquanto estava com eles, eu os
guardei em teu nome, que me deste. Eu os tenho
resguardado, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da
destruição, para que a Escritura se cumprisse. Mas agora
estou indo para ti, e essas coisas falo no mundo, para que
eles tenham a minha alegria cumprida neles. Eu lhes dei
a tua palavra, e o mundo os odiou porque eles não são do
mundo, assim como eu não sou do mundo. Não peço que
os tires do mundo, mas que os guardes do mal (v. 10-15).
Durante seu ministério terreno, Jesus protegeu seus
discípulos do perigo espiritual. Mas agora, quando estava
deixando o mundo — um mundo que em todos os aspectos
odiaria seus discípulos tanto quanto o havia odiado —,
Jesus tinha a esperança amorosa de que seu Pai os
guardaria contra o Maligno, mantendo-os em segurança.
Depois de orar pela proteção dos seus, Jesus passou a
orar pela santificação deles. Jesus esperava que seu povo
fosse santo. De maneira que orou assim: “Eles não são do
mundo, assim como eu não sou do mundo. Santifica-os na
verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como me
enviaste ao mundo, da mesma maneira eu os enviei ao
mundo. E por causa deles eu me consagro, para que eles
também sejam santificados na verdade” (v. 16-19).
Por mais preocupado que estivesse em fazer com que os
seus chegassem até o fim, Jesus estava igualmente
preocupado com o tipo de pessoas que eles se tornariam ao
longo do caminho. Esperava que crescessem em santidade
pessoal. Com esse objetivo, orou para que seu Pai usasse
sua Palavra para realizar sua obra na mente e no coração
de cada um deles. Enquanto orava, Jesus tinha a esperança
amorosa de que a Bíblia faria aquilo para o que fora
concebida e tornaria santo o povo dele.
O versículo 20 assinala uma mudança importante na
oração de nosso Salvador. Até aqui, Jesus vinha orando bem
especificamente por seus discípulos originais. Contudo, nos
versículos 20 a 23, começou a orar por todos os discípulos
que viriam depois. Na noite que antecedeu sua morte por
nossos pecados, ao se dirigir a seu Pai em oração, o
Salvador do mundo pensou em nós. Jesus esperava que
fôssemos um. De modo que orou por nossa unidade
espiritual:
Não peço apenas por estes, mas também por aqueles que
crerão em mim por meio da palavra deles, para que todos
sejam um; assim como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti,
que eles também estejam em nós, para que o mundo creia
que tu me enviaste. A glória que me deste eu a dei a eles,
para que sejam um assim como nós somos um, eu neles e
tu em mim, para que se tornem perfeitamente um, a fim
de que o mundo saiba que me enviaste e os amaste, da
mesma maneira que me amaste (v. 20-23).
Essas petições se baseiam na unidade da Trindade. Da
mesma maneira que o Pai, o Filho e Espírito Santo são um
em propósito e amor, Jesus orou para que fôssemos unidos
a ele e uns aos outros. Hoje em dia é frequente vermos a
igreja dividida pela doutrina e pela prática, mas Jesus orou
para que fôssemos unidos em nosso amor uns pelos outros
e em nosso sagrado chamado de mostrar ao mundo que
Jesus é o Filho amado que Deus enviou para salvar a
humanidade. Quando cristãos adoram juntos sem ficar
presos às suas denominações, quando cooperam em
esforços de evangelização para alcançar a cidade toda ou
quando reagem a catástrofes naturais com um esforço
coordenado de ajuda humanitária, nós nos tornamos a
resposta à oração de nosso Salvador pela unidade cristã.
Jesus terminou sua oração intercedendo por nossa
salvação eterna. Ele esperava que um dia participássemos
de sua glória. Foi assim que Jesus orou por nossa entrada
no lar eterno e por nossa aceitação eterna no amor de
Deus:
Pai, desejo que eles também, os quais me deste, estejam
comigo onde eu estiver, para verem a minha glória que
me deste, porque me amaste antes da fundação do
mundo. Ó Pai justo, ainda que o mundo não te conheça,
eu te conheço, e estes sabem que tu me enviaste. Eu fiz
conhecido a eles o teu nome e continuarei a fazê-lo
conhecido, para que o amor com que me amaste esteja
neles, e eu neles (v. 24-26).
Foi dessa maneira que Jesus orou por nós e por todos os
seus discípulos. Orou por nossa proteção, nossa
santificação, nossa unificação e nossa glorificação. O
motivo pelo qual chamo essa oração de “a oração mais
esperançosa do mundo” é que nenhuma dessas coisas é
remotamente possível sem o trabalho sobrenatural do Deus
todo-poderoso. Somos fracos demais para nos mantermos a
salvo das tentações de Satanás, pecadores demais para nos
santificarmos, divididos demais para nos unirmos e mortais
demais para nos elevarmos à vida eterna. Apesar disso,
Jesus ousou esperar que nos tornássemos uma igreja una,
santa e amorosa, guardada em segurança até o fim dos
tempos, quando viveríamos por toda a eternidade no amor
de Deus.
ONDE DEUS ESTÁ PRESENTE, HÁ ESPERANÇA
Qual era a base para essa esperança? O que permitiu que
Jesus orasse por tantas coisas aparentemente impossíveis?
Se conhecemos 1Coríntios 13, então sabemos a resposta. É
o amor que espera todas as coisas. Por esse motivo, Jesus
necessariamente tinha a esperança que vem apenas do
amor de Deus.
O texto de João 17 está repleto de esperança porque está
repleto de amor. Considere quanto Jesus deve nos amar
para orar por nós como orou. Às vezes temos dúvidas se
chegaremos até o fim. Temos o receio de que cairemos e
nos desviaremos ou de que Satanás nos arrancará da mão
de Deus. Mas Jesus nos ama demais para nos levar só até a
metade do caminho que leva à glória e depois deixar que
voltemos para trás. Por esse motivo, ele ora amorosamente
por nossa proteção. Temos dúvidas parecidas sobre nossa
santificação. Às vezes achamos difícil crer que algum dia
chegaremos a ficar livres de algum pecado específico. Mas
Jesus nos ama demais para nos deixar em escravidão, de
modo que ora para que sua palavra nos torne santos. Além
disso, há ainda todas as dúvidas que temos sobre o céu e a
ressurreição. É mesmo verdade que Deus ressuscitará
nosso corpo do pó e nos levará para sua glória eterna? A
verdade é que Jesus nos ama demais para nos deixar
morrer e apodrecer. De modo que ora para que estejamos
com ele para sempre. Jesus faz todas essas orações
esperançosas com um coração amoroso.
Há outra afeição esperançosa que permeiaessas orações:
é o amor do Pai. Anteriormente, Jesus havia garantido a
seus discípulos: “Assim como o Pai me amou, da mesma
maneira eu os amei” (Jo 15.9). Era por conhecer esse amor
que Jesus podia orar com esperança. Vemos isso com
clareza em João 17.24, em que ele diz ao Pai: “Tu me
amaste antes da fundação do mundo”. Aqui temos um
vislumbre da intimidade do amor triúno de Deus. Desde
antes do início do tempo, o Pai sempre amou o Filho. Jesus
confiou que esse amor continuaria, de modo que, quando
desse a vida pelos nossos pecados, o Pai o faria ascender de
volta com glória. A esperança que Jesus tinha de sua
ressurreição não era um desejo impossível; estava baseada
no amor do Pai.
Mas isso não é tudo. Ao amar o Filho, o Pai também ama
todos os discípulos de seu Filho. Conforme Jesus diz a seu
Pai no versículo 23: “Tu os amaste da mesma maneira que
me amaste”. Tanto o Pai quanto o Filho desejam nos atrair
para o amor de Deus.
Para apresentar uma analogia imperfeita, ouvir Jesus orar
ao Pai é como uma criancinha apanhar os pais se beijando
junto da pia da cozinha e, dessa maneira, ter um vislumbre
do amor que mantém a família unida. Com encantamento e
prazer, a criança sente as profundezas ocultas do amor que
seus pais partilham e, ao mesmo tempo, é atraída para
aquele amor e quer se unir àquele abraço. Embora a
criança não possa participar de cada afeição partilhada por
seus pais, ainda assim ela participa do amor deles.
Assim é com o amor eternamente partilhado pelo Pai e
pelo Filho. Nós estamos incluídos no amor do Pai. Isso
explica por que Jesus ousou fazer essa oração tão
esperançosa. Sua oração estava fundamentada no caráter
amoroso de Deus. Jesus tinha a confiança certa e segura de
que seu Pai ouviria e responderia a essas orações porque
sabia quanto o Pai nos ama. É o amor que espera todas as
coisas, e a esperança que encontramos em João 17 está
alicerçada no amor do Pai e do Filho.
OFERECENDO ESPERANÇA
Agora o poder do amor de Deus coloca essa mesma
esperança em nosso coração. Quando amamos do jeito que
Jesus ama, somos capazes de “esperar todas as coisas” na
vida das pessoas que amamos.
Encontramos essa esperança no mesmo lugar em que
Jesus a encontrou: no amor do Pai — amor que recebemos
por meio do Espírito Santo. O motivo pelo qual nossa
“esperança não nos envergonha” é que “o amor de Deus foi
derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos
foi dado” (Rm 5.5). Esse presente de amor flui do coração
do Pai. De acordo com Jonathan Edwards: “O amor tende a
esperar, pois o espírito de amor é o espírito de uma
criança, e, quanto mais uma pessoa sente dentro de si esse
espírito em relação a Deus, mais natural será que ela olhe
para Deus e busque a Deus como seu Pai”.7 Você está
esperando no amor do Pai? Jesus disse: “O próprio Pai os
ama” (Jo 16.27). Essa promessa é suficientemente sólida
para servir de alicerce para a vida. Por isso, você já
aprendeu a ir a Deus em busca de ajuda da mesma maneira
que uma criancinha vai até um pai amoroso?
Henry Drummond conta a história de um pastor escocês
que foi visitar um menino em idade escolar que estava
acamado, à beira da morte. Na hora de sair do quarto, o
pastor simplesmente colocou a mão na fronte do menino
que sofria e disse: “Rapazinho, Deus ama você”. O garoto
se levantou e, com toda a força que ainda conseguia reunir,
começou a gritar para todos na casa: “Deus me ama! Deus
me ama!”.8 Como filho de Deus, ele estava deslumbrado
com o amor do Pai, e isso o encheu de uma nova esperança.
Nossa esperança vem do amor de Deus Pai e do amor de
Jesus, o Filho. Jesus nos amou o suficiente para orar por
nós, pedindo que víssemos a sua glória. Mais do que isso,
Jesus nos amou o suficiente para morrer por nós, dando sua
vida por nossos pecados na cruz em que foi crucificado.
Nossa esperança jorra eternamente da fonte de seu amor
imperecível.
Essa esperança não nos decepcionará porque flui do Deus
de amor. A esperança não é um simples desejo ilusório. Ela
não depende de as coisas funcionarem do jeito que
planejamos ou de conseguir que nossos problemas sejam
resolvidos quando queremos que isso aconteça. Pelo
contrário, nossa verdadeira esperança é o próprio Jesus e
as promessas de seu amor. Lewis Smedes escreve:
Lá no fundo, a esperança olha além da cura de uma
doença, da solução de um problema, da fuga da dor,
buscando a garantia da parte de Deus de que a vida tem
objetivo e sentido, apesar das doença, do problema e da
dor. A esperança contempla a promessa da vitória final de
Jesus Cristo sobre tudo o que fere e mata. Essa é a
esperança que dá a alguém a coragem para louvar hoje e
enfrentar o amanhã com expectativa, mesmo quando não
espera uma solução para o problema.
9
Essa é também a esperança que oferecemos aos outros. Na
maioria das vezes, está além do nosso alcance resolver
qualquer um dos grandes problemas que surgem na vida
das pessoas que amamos. Os crentes continuam lutando
com o pecado. As famílias ainda têm dificuldades
financeiras. Pais brigam; crianças falham; amigos sofrem
doença e morte. Mas, se amarmos as pessoas, não
desistiremos daquilo que Deus pode fazer.
Quando temos o amor de Jesus em nós, conforme ele orou
para que tivéssemos, então fazemos pelos outros aquilo que
ele fez por nós. Nós não apenas desejamos o melhor, mas,
por ausa da esperança que temos em Jesus, vamos orar
pelo melhor. Oraremos pelos outros, pedindo as mesmas
coisas que Jesus pediu ao orar por nós em João 17.
Oraremos por proteção, para que Deus guarde do Maligno
as pessoas que amamos. Também oraremos pela
santificação delas, pedindo a Deus que use as atuais
tribulações para produzir fé e esperança e todas as outras
graças da piedade. Finalmente, oraremos pela glorificação
delas, pedindo a Deus que as exalte no último dia. Eu me
pergunto: alguma vez você já orou especificamente por
alguém para que veja a glória de Deus? Isso faz parte
daquilo que “espera todas as coisas” quer dizer em relação
às pessoas que amamos.
Enquanto aguardamos para ver a glória de Jesus,
podemos até mesmo esperar ver a resposta às suas orações
esperançosas pela unidade e pela glória da igreja. Quando
viajei para a Turquia, tive a experiência incrível de estar ali
na galeria da catedral de Santa Sofia e olhar para o
santuário ali embaixo, onde no passado milhares de crentes
cultuaram em nome de Cristo — o exato lugar onde cristãos
de toda Constantinopla se reuniram para orar como um
único povo de Deus, na noite que antecedeu a queda da
cidade em mãos muçulmanas.
Enquanto estava ali naquele santuário, fiquei triste ao ver
que a catedral de Santa Sofia não é mais usada para cultos
cristãos. Enormes medalhões com o nome de Alá e Maomé
pairam sobre o santuário. O altar, na frente, foi colocado
em um ângulo distorcido, voltado para Meca — um sinal
inconfundível de que honra e glória foram desviadas do
único e verdadeiro Deus e, em vez disso, foram dadas a um
falso profeta.
Não fiquei apenas entristecido com o que vi; fiquei irado.
Neste mundo caído, há muitas coisas para nos deixar
tristes e irados. Mas, enquanto eu refletia sobre aquilo que
vi, comecei a ter uma esperança que veio do amor. Minha
esperança foi que um dia meus irmãos e irmãs na Turquia
consigam que Santa Sofia volte a sua legítima e devida
finalidade — que consigam abrir suas portas para que
pessoas de todas as nações a encham de louvor a Jesus
Cristo.
Quais são as coisas aparentemente impossíveis que você
está esperando, não apenas em sua própria vida, mas
também na vida das pessoas que ama? Que esperanças
você tem para o ministério de sua igreja, ou para regiões
da cidade dominadas pela pobreza, ou para o avanço do
evangelho em terras distantes? Se sua esperança está no
Deus de amor, então você não está simplesmente
“esperando o impossível”, mas esperando do jeito que Jesus
espera, porque você ama do jeito que Jesus ama, enquanto
espera ver o que Deus fará.
GUIA DE ESTUDOMuitas vezes, logo no início de um romance, as pessoas
enxergam apenas o lado bom de seus amados. Mas, com o
passar do tempo, a realidade começa a se impor.
Percebemos que às vezes a pessoa que amamos fica
irritada ou intransigente com certas coisas. Ele ou ela tem
hábitos irritantes ou discorda de nós em questões
essenciais. É então que o verdadeiro amor começa a
esperar e a orar por coisas boas para a pessoa amada.
Amar do jeito que Jesus ama significa desejar intensamente
o bem daqueles a quem amamos e manter a fé de que eles
se tornarão mais semelhantes a Cristo. Isso significa jamais
abandonar a esperança de que, pelo poder do Espírito
Santo, eles podem vencer os pecados com que se debatem.
1. Cite uma coisa que você espera que venha a acontecer
com você durante os próximos doze meses. Cite uma
coisa que espera que venha a acontecer na vida de um
ente querido.
2. Você já se sentiu tentado a desistir de ter esperança na
transformação de alguém porque a mudança que você
tanto deseja que aconteça nele ou nela parecia
impossível? Descreva essa experiência. Como Romanos
5.2-5 estimula você a orar por amigos e familiares sem
desistir?
3. A passagem de 1Coríntios 13.7 nos diz que o amor
espera todas as coisas. O que a palavra esperança
significa nessa definição de amor? Por quais tipos de
coisas o verdadeiro amor espera?
4. Como o amor de Jesus inspira o nosso amor e nos
capacita a ter esperança?
5. Leia Hebreus 6.18,19. Como a esperança bíblica é
diferente da esperança do mundo?
6. Leia João 17.1-19. O que Jesus estava esperando ou
confiando que Deus fizesse? De que formas a oração de
Jesus tem sido respondida em sua vida? Você já a viu ser
respondida na igreja?
7. De que maneira o amor de Jesus é evidente em sua
oração por seus discípulos em João 17.6-19?
8. Leia João 17.20-26. Qual é a oração de Jesus em nosso
favor? Qual é a base para esse pedido?
9. Em João 17.20-26, qual é a missão ou propósito final da
unidade que Jesus quer para nós? Como sua oração
reorienta ou redireciona as esperanças que você tem para
si mesmo ou para seus entes queridos?
10. De que maneira o exemplo da oração de Jesus em João
17 influencia nossas próprias orações?
11. Como podemos ter um amor mais esperançoso por
aqueles que estão à nossa volta? Que coisas práticas
podemos fazer para lhes mostrar que o nosso amor
espera por coisas boas para eles?
1James R. Edwards narra esses acontecimentos em “The one time the church
was one”, in: The Edwards Epistle (Summer 2009), vol. 18, p. 1-2.
2Richard B. Hays, First Corinthians, Interpretation (Louisville: John Knox,
1997), p. 228.
3Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 640
[edição em português: 1Coríntios: comentário exegético, tradução de Marcio
Loureiro Redondo (São Paulo: Vida Nova, a ser publicado)].
4Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
International Greek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1057.
5Tertullian [Tertuliano], Apology (3:39), in: David E. Garland, First
Corinthians, Baker Exegetical Commentary on the New Testament (Grand
Rapids: Baker, 2003), p. 619.
6John Chrysostom [João Crisóstomo], Homilies on the Epistles of First
Corinthians, tradução para o inglês de Talbot W. Chambers, in: Philip Schaff,
org., Nicene and Post-Nicene Fathers, First Series (1889; reimpr., Peabody:
Hendrickson, 1994), p. 198 [edição em português: Comentário às cartas de São
Paulo, tradução de Monjas Beneditinas do Mosteiro de Maria Mãe de Cristo,
Série Patrística (São Paulo: Paulus, 2010), vol. 27/2].
7Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 271 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
8Henry Drummond, The greatest thing in the world (New York: Grosset &
Dunlap, s.d.), p. 32 [edições em português: A maior coisa do mundo, tradução
de Almir dos Santos Gonçalves (Rio de Janeiro: JUERP, 1969); Amor: a melhor
coisa do mundo, tradução de Edson Bini (São Paulo: Via Leitura, 2014)].
9Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s view of 1 Corinthians 13
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 103.
8
O AMOR NÃO É EGOÍSTA
Amor não insiste em que as coisas sejam feitas à sua
maneira.
(1CO 13.5)
Indo um pouco mais adiante, caiu prostrado e orou,
dizendo: “Meu Pai, se for possível, que este cálice passe de
mim; no entanto, não seja como eu quero, mas como tu
queres”.
(MT 26.39)
Foi um momento de honestidade chocante e inesperada.
Um amigo cujo nome não vou dizer — tudo bem, foi meu
cunhado, Jeff — estava em um culto cantando o mais alto
que podia. Mas, quando as pessoas começaram a olhar
para ele de modo estranho, ele percebeu que alguma coisa
estava errada. Não era sua voz, que é agradável e
melodiosa, mas a letra. Todos os outros estavam cantando o
hino clássico de Adelaide Pollard: “Seja à tua maneira, ó
Senhor! Seja à tua maneira, ó Senhor!”. Mas, sem
perceber, Jeff estava usando um pronome diferente e
provavelmente sendo mais honesto. “Seja à minha maneira,
ó Senhor!”, ele estava cantando com toda a força. “Seja à
minha maneira, ó Senhor!”
Pedindo desculpas a Walt Whitman, autor do poema Song
of myself [Canção de mim mesmo], as palavras cantadas
pelo meu cunhado são a verdadeira “Canção de mim
mesmo” — aquela que pecadores egoístas adoram cantar,
mesmo que em geral tentemos não cantá-la na igreja. Com
toda honestidade, há momentos na vida em que nós
preferiríamos que as coisas fossem feitas da nossa maneira,
e não da maneira de Deus. Caso tivéssemos escolha,
preferiríamos assumir o controle total de nossa aparência,
nossa saúde, nossas notas na escola, nosso salário e
qualquer situação na vida que nos estivesse criando grande
dificuldade. Se nosso coração pudesse reescrever a canção,
ela diria algo como
Como eu quero, Senhor, sou meu.
Oleiro e barro, ambos sou eu.
Nada precisas fazer; enfim,
minha vontade se cumpra em mim.
O ALTRUÍSMO DO AMOR
A forma egoísta e egocêntrica como a maioria de nós
costuma viver é diretamente contrária ao amor, o qual a
Bíblia diz que “não insiste em que as coisas sejam feitas à
sua maneira” (1Co 13.5). “O espírito de caridade”, escreveu
Jonathan Edwards, “é o oposto de um espírito egoísta”.1 Foi
assim que o grande teólogo caracterizou o contraste: “O
egoísmo é um princípio que encolhe o coração e o limita a
si mesmo, ao passo que o amor o amplia e o estende aos
outros”.2
Infelizmente muitas de nossas atitudes e ações são
exatamente o oposto daquilo que deveriam ser, e, em
consequência disso, nosso coração se torna menor. Essa é
uma das razões pelas quais 1Coríntios 13 é um desafio tão
grande para nós. Todas as coisas que essa passagem nos
diz que o amor faz são quase impossíveis de cumprirmos,
ao passo que todas as coisas que ela nos diz que o amor
nunca faz nós fazemos o tempo todo. Isso acontece porque
amamos a nós mesmos mais do que amamos outras pessoas
ou até mesmo a Deus. Ponderando sobre tudo o que Paulo
diz a respeito do amor em 1Coríntios 13, David Garland
comenta com sabedoria que “cada coisa que o amor faz é
algo em que o ego não domina”, mas “cada coisa que o
amor não faz é algo em que o ego domina”.3 Por isso, se
achamos difícil fazer o que o Capítulo do Amor nos diz para
fazer e para amar outras pessoas, esse é um sinal claro de
que nossa vida é dominada por sentimentos egoístas.
É claro que, em um sentido limitado, devemos amar a nós
mesmos. Quando Jesus nos disse para amar o próximo
como a nós mesmos (veja Mt 19.19), ele pressupôs que
teríamos o bom senso de cuidar de nós mesmos. Mas ele
também se recusou a deixar que limitássemos nosso amor
ao horizonte de nossos interesses pessoais. Além disso, ele
insistiu em que precisamos propositadamente amar os
outros e resistir às muitas tentações de nos colocarmosem
primeiro lugar. Uma maneira de amar os outros é não fazer
questão de que as coisas sejam feitas da nossa maneira.
Existem várias formas de traduzir e interpretar 1Coríntios
13.5. Dizer que o amor “não insiste em que as coisas sejam
feitas à sua maneira ” é dizer que o amor “não é
interesseiro” (NIV). O amor não procura satisfazer a
ambições egoístas nem busca sua própria vantagem às
custas de outras pessoas. Gordon Fee diz que o amor “não
se sente fascinado por obter recompensas, justificar-se aos
olhos dos outros, nem alimentar a autoestima”.4 À lista de
Fee poderíamos acrescentar outras frases que destacam a
ideia de pensar só em si. O amor não vive para satisfazer a
interesses pessoais ou obter vantagens pessoais. Ele não
busca a autossatisfação, mas, em vez disso, pratica a
negação de si mesmo.
Este é um bom momento para distinguir entre diferentes
tipos de amor, todos eles encontrados no Novo Testamento.
Eros é o amor do desejo. Não é um amor altruísta, mas um
amor que deseja obter algo de outra pessoa. Isso explica
por que em geral a mitologia retrata Eros (ou Cupido) como
um caçador armado com um arco e flecha; seu amor é
possessivo. Philia, ou amor fraterno, é um afeto de família.
Seu amor se baseia em uma conexão pessoal com pessoas
que pertencem à mesma família, igreja, cidade ou nação. E
existe, então, o tipo específico de amor que Paulo aborda
em 1Coríntios 13, que é chamado agape e às vezes é
traduzido por “caridade”. Agape é um tipo de amor que é
particularmente parecido com Cristo. Sua afeição não se
baseia no apego romântico, como eros, ou na conexão de
família, como philia, mas tem um desejo puramente
altruísta de abençoar outras pessoas.
Com toda franqueza, essa era uma área em que os
coríntios se debatiam. Eles não amavam uns aos outros
com um amor altruísta, mas com frequência insistiam em
satisfazer sua própria vontade. Agiam assim quando tinham
discordâncias teológicas, tais como a disputa deles sobre a
idolatria (veja 1Co 10). E, quando celebravam a ceia do
Senhor, alguns membros da igreja se apressavam em
comer, sem esperar por seus irmãos e irmãs (1Co
11.21,22). Algo parecido acontecia em seus cultos: algumas
pessoas continuavam falando quando era a vez de outra
pessoa falar (1Co 14.26-33). De modo que, no capítulo 10,
Paulo disse aos coríntios, usando palavras quase idênticas
às do capítulo 13: “Ninguém procure seu próprio bem, mas
o bem do próximo” (v. 24). Questões como quem tem
preferência, quem diz a última palavra, ou quem está certo
ou errado em assuntos não essenciais de prática cristã não
são mais importantes do que nossa maneira de amar as
outras pessoas.
Ao darem um mau exemplo, os coríntios nos oferecem
algumas boas formas de testar nossos afetos. Quando estou
envolvido em uma discussão, será que estou disposto a
admitir que a outra pessoa esteja certa? Quando os
recursos são limitados, será que costumo deixar que outras
pessoas sejam as primeiras? Quando outra pessoa tem algo
a dizer, será que sou capaz de me calar e ouvir?
Infelizmente, a maioria de nós tem tantos problemas
nessas áreas quanto os coríntios. O egoísmo está tão
profundamente arraigado na cultura ocidental, que muitas
pessoas consideram o amor narcisista uma virtude; colocar
nossas próprias necessidades em primeiro lugar é sinal de
saúde mental. Nas palavras de um influente psicólogo,
nossa suprema vocação na vida é “cuidar de nós mesmos
com muito carinho”.5
O amor perpétuo por nós mesmos é o único caso amoroso
que a maioria de nós nunca abandona. Vemos esse amor na
maneira em que as pessoas se empenham em suas
carreiras, sempre tentando estar à frente de alguma outra
pessoa. Vemos esse amor em como gastam seu dinheiro,
usando-o para o prazer pessoal, e não para o bem público.
Vemos esse amor na maneira de tratarem suas famílias:
negligenciando os filhos (ou então controlando-os
implacavelmente), abandonando seus cônjuges, internando
os idosos. As pessoas vivem dessa maneira porque estão
apaixonadas por si mesmas. Ninguém expressou isso
melhor do que a atriz Shirley MacLaine, que certa vez disse
ao jornal Washington Post:
O único envolvimento amoroso permanente é com você
mesma. [...] Quando você olha para trás na vida e tenta
descobrir onde esteve e para onde está indo; quando olha
para seu trabalho, seus casos amorosos, seus casamentos,
seus filhos, sua dor, sua felicidade — quando examina
tudo isso de perto, o que realmente descobre é que a
única pessoa com quem você realmente vai para a cama é
você mesma. A única pessoa que você realmente veste é
você mesma. A única coisa em que você está trabalhando
é o aperfeiçoamento de sua própria identidade. E isso é o
que venho tentando fazer a minha vida inteira.
6
O apóstolo Paulo adotou uma perspectiva bem diferente,
não só em 1Coríntios 13.5 mas também em 2Timóteo 3.2,
em que identificou o fato de pessoas se apaixonarem por si
mesmas como um sinal do juízo vindouro. De sua parte, o
apóstolo tentou viver de modo diferente. Conforme disse
aos coríntios: “Tento agradar a todos em tudo o que faço,
não buscando vantagem própria, mas a de muitos, para que
possam ser salvos” (1Co 10.33). Isso foi a chave da filosofia
de ministério de Paulo e o segredo de seu sucesso na
evangelização. Ele não estava vivendo para si, mas para os
outros, e então, em vez de promover seus próprios
interesses, conseguia levar o evangelho adiante. Somos
chamados a viver da mesma maneira altruísta, pois, como
Paulo diz mais à frente: “Sejam meus imitadores, assim
como eu sou de Cristo” (1Co. 11.1).
NO JARDIM
A exortação de Paulo a imitar Cristo nos leva de volta à
obra salvadora e ao exemplo perfeito de Jesus, cuja vida é o
próprio amor. Cada parte do retrato do amor em 1Coríntios
13 aparece em cores vivas quando o vemos exibido em
Jesus Cristo. Conforme já vimos, o amor de Jesus é o mais
paciente e bondoso, o menos invejoso e presunçoso de
todos os amores possíveis. Também é o menos egoísta de
todos os amores e o mais persistente na busca do bem dos
outros. O “amor doação” de Deus, escreve C. S. Lewis,
“deseja aquilo que é simplesmente melhor para o amado”.7
Jesus nunca insistiu em satisfazer sua própria vontade,
mas seguiu o caminho que levaria à nossa salvação. Essa
foi a história de toda a sua vida. Em Filipenses 2, quando o
apóstolo Paulo disse: “Que cada um de vocês não olhe
apenas para seus próprios interesses, mas também para os
interesses dos outros” (v. 4), ele passou a reconstituir a
história do Cristo encarnado como o exemplo perfeito de
como viver para os outros, e não para nós mesmos. Jesus
não se apegou a todas as glórias do céu. O Filho de Deus se
fez homem e, embora fosse Senhor, aceitou o chamado de
servo. Em vez de salvar sua vida, ele a ofereceu,
humilhando-se “até o ponto de morrer, e morrer em uma
cruz” (v. 8). De modo que, se indagarmos em que instante
nosso Salvador se recusou a insistir em que as coisas
fossem da sua maneira, a resposta é “em todos os
instantes!”. Ele viveu a vida inteira para os outros, e não
para si.
Apesar disso, existe um momento em particular nos
Evangelhos em que Jesus enfrentou a decisão deliberada de
fazer ou não as coisas à sua maneira. Quando confrontado
com essa decisão, fez a escolha que só o amor faz. Vemos
Jesus fazer essa escolha em solo sagrado, no jardim do
Getsêmani.
Foi na noite antes de morrer — na mesma noite em que
partilhou a Última Ceia com seus discípulos, lavando seus
pés e fazendo sua oração esperançosa pela unidade e
pureza da igreja. Em breve, Jesus seria traído e morto.
Mas, antes de passar pelo sofrimento e a morte na cruz,
teve de fazer uma escolha.
Mateus descreve a cena, dizendo-nos que Jesus e seus
discípulos foram “a um lugar chamado Getsêmani” (Mt
26.36). Getsêmani é o jardim no monte das Oliveiras que dá
vista para a cidade de Jerusalém. Quando chegaram a esse
lugar isolado, Jesus disse a seus discípulos: “Sentem-se
aqui, enquanto vou ali orar”(v. 36). Então, ele foi mais para
dentro do jardim, junto com Pedro, Tiago e João.
Essa não foi uma reunião comum de oração. Logo Jesus
“começou a ficar entristecido e perturbado” (v. 37) —
palavras que indicam emoção extrema. Ele disse aos
discípulos que estavam perto dele: “A minha alma está
muito entristecida, a ponto de morrer; fiquem aqui e vigiem
comigo” (v. 38).
Naqueles momentos angustiantes de oração, enquanto
Jesus era confrontado com o terrível sofrimento que o
aguardava, podemos ter um vislumbre de quanto custou ao
nosso Senhor nos salvar. Jesus estava encarando as dores
da morte por crucificação, que, por definição, era uma
maneira dolorosíssima de morrer. Mais ainda, ele estava
encarando a dor psicológica de separar-se de seu Pai. Logo
ele tomaria sobre si o peso da culpa dos pecados da
humanidade. Enquanto Jesus sofresse esse fardo, seu Pai o
abandonaria, amaldiçoando-o até a morte e condenando-o a
ela. Por isso, o puritano Richard Baxter concluiu que a
agonia de nosso Salvador “não foi resultado do medo da
morte, mas da sensação da profunda ira de Deus contra o
pecado, a qual ele, como nosso sacrifício, deveria suportar
em uma dor maior do que apenas a de morrer”.8
Portanto, quando Jesus disse que sua alma estava
entristecida a ponto de morrer, ele não estava exagerando.
Ao descrever a mesma cena, Lucas nos diz que, enquanto
Jesus orava, “seu suor se tornou como grandes gotas de
sangue caindo ao chão” (Lc 22.44). Quando Jesus disse que
estava “entristecido a ponto de morrer”, era como se
dissesse que quase morreu no Getsêmani antes de ir para o
Calvário. “Naqueles momentos extremos”, escreveu B. B.
Warfield, “nosso Senhor expressou a mais profunda
angústia humana [...]. Diante dessa angústia mental, as
torturas físicas da crucificação vão para um segundo plano,
e podemos muito bem crer que nosso Senhor, embora tenha
morrido na cruz, ainda assim não morreu por causa da
cruz, mas por causa de um coração partido, isto é, da
tensão de seu sofrimento mental”.9
SEJA FEITA A TUA VONTADE
Enquanto estava sob a tensão desse sofrimento supremo,
Jesus fez o que tinha vindo fazer no Getsêmani e começou a
orar: “E, indo um pouco mais adiante, caiu prostrado e
orou, dizendo: ‘Meu Pai, se for possível, que este cálice
passe de mim; no entanto, não seja como eu quero, mas
como tu queres’” (Mt 26.39).
Não sabemos todos os motivos pelos quais Jesus
perguntou a seu Pai se havia, talvez, alguma alternativa
para a cruz, mas a palavra “cálice” nos dá uma pista. As
Escrituras do Antigo Testamento mencionavam dois tipos
bem diferentes de cálice. Um era o cálice de bênção, como
é o caso do cálice que “transborda”, no salmo 23, ou “o
cálice da salvação”, no salmo 116. O outro era um cálice de
maldição, tal como o cálice da ira que Jerusalém bebeu nos
dias do profeta Isaías (Is 51.17) ou como o cálice de juízo
que Jeremias profetizou para as nações (Jr 25.15). Esse era
o mesmo cálice que Jesus beberia até a última gota: a
bebida amarga do juízo de Deus.
Portanto, não é de estranhar que Jesus tenha perguntado
se havia alguma alternativa. Ele estava totalmente sozinho.
Seus discípulos mais próximos eram fracos demais para
permanecer acordados com ele e orar — mesmo que fosse
por uma hora. Jesus estava com medo — é claro que não
com o medo pecaminoso, mas naturalmente com medo das
dores da morte e com medo do sofrimento que viria por
suportar a ira de Deus contra nosso pecado. O sofrimento
físico da crucificação seria tão doloroso para ele quanto
para qualquer outra pessoa, mas o pavor espiritual e
psicológico seria ainda pior. Logo Jesus seria abandonado:
o Pai veria nossos pecados na cruz e se afastaria.
Na véspera de sua crucificação, Jesus poderia ter
insistido em que as coisas fossem da sua maneira. Se
pudesse escolher, ele teria preferido não suportar o peso
dos nossos pecados, não sofrer a ira de Deus e não ser
morto na cruz. Apesar disso, o Filho, em sofrimento,
rendeu-se à vontade do Pai, demonstrando a submissão do
amor.
Jesus fez isso quando orou do mesmo jeito que nos
ensinou a orar: “Seja feita a tua vontade” (Mt 6.10). Jesus
orou assim três vezes. Primeiro orou: “Meu Pai, se for
possível, que este cálice passe de mim; no entanto, não seja
como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26.39). Sua
oração no versículo 42 é parecida, mas não idêntica: “Meu
Pai, se isto não pode passar a menos que eu o beba, seja
feita a tua vontade”. Mais tarde, Mateus nos diz que Jesus
“afastou-se e orou pela terceira vez, voltando a dizer as
mesmas palavras” (v. 44).
A repetição dessa petição deixa claro que Jesus, sem
sombra de dúvida, não queria morrer. No que diz respeito à
sua vontade humana, ele teria preferido alguma outra
forma de salvação. Contudo, não havia nenhuma outra
maneira. A única forma de expiar nossos pecados era
oferecendo um sacrifício de sangue perfeito. Então, Jesus
se rendeu à vontade de seu Pai. Ele não insistiu em que as
coisas fossem do seu jeito, mas decidiu a luta de sua
vontade humana optando por satisfazer seu Pai.
Vemos a rendição do nosso Salvador no desenvolvimento
progressivo de sua oração — não há apenas repetição, mas
também um desenvolvimento. Inicialmente, Jesus diz: “Se
for possível”. Mas, na segunda vez, ele diz: “Se isto não
pode passar”. É possível que nesse segundo caso o se não
seja condicional. Aliás, às vezes se na verdade significa
“visto que”. Por exemplo, uma criança pode dizer: “Se é
hora de eu ir para a cama, você pode ler uma história para
mim?”. Nessa frase, o se significa “visto que”. Foi o que
aconteceu no jardim do Getsêmani, quando, na prática,
Jesus disse para seu Pai: “Visto que este cálice não pode
passar a menos que eu o beba, seja feita a tua
vontade”.Com essas palavras, ele avançou, parando de
querer explorar as possibilidades para ver que havia
apenas uma coisa a ser feita.
Enquanto ouvimos Jesus orar, não podemos simplesmente
permanecer como observadores desinteressados, porque
nossa salvação depende disso. Jesus jamais teria chegado
ao Calvário caso não tivesse primeiramente passado pelo
Getsêmani. Se jamais tivesse chegado ao Calvário, jamais
chegaríamos à glória, que é justamente o motivo por que
Jesus orou da maneira que orou. Nosso Salvador estava
comprometido em fazer o que fosse preciso para nos salvar.
Por quê? Porque ele nos ama. De acordo com 1Coríntios, o
que nos capacita a não insistir em nossa própria vontade é
o amor. Então, quando vemos Jesus escolhendo fazer a
vontade do Pai, sabemos que ele está agindo por amor. Há
apenas uma força no mundo que escolhe abrir mão de seus
direitos, de seus planos, de seus confortos e desejos, até
mesmo da própria vida, e essa força é o amor como o amor
de Jesus.
OS OUTROS EM PRIMEIRO LUGAR
Agora Jesus nos dá a capacidade e o poder de viver com o
mesmo tipo de amor — amor que não insiste em que sua
vontade seja feita, mas põe as outras pessoas em primeiro
lugar. João Calvino disse: “É bem óbvio [...] que aquele que
vive e se esforça pensando o mínimo possível em seu
próprio bem é aquele que tem a vida melhor e mais santa, e
que ninguém vive de maneira pior ou mais nociva do que
aquele que vive e se esforça pensando apenas em si e tem
em mente e busca apenas o seu próprio bem”.10
Infelizmente, o que Calvino chamou de “a vida melhor e
mais santa” é extremamente raro. A maioria de nós se
esforça pensando o máximo possível em nosso próprio bem,
pensando sobre nós mesmos, tendo em mente a nós
mesmos quase o tempo todo e buscando nosso bem sempre
que pudermos obtê-lo. Isso é tão verdadeiro na igreja
quanto em qualquer outro lugar. Quando Paulo elogiou o
ministério do jovem pastor Timóteo, teve de admitir com
tristeza: “Não tenho ninguém como ele, que está
sinceramente preocupado com o bem-estar de vocês.
Porque todos buscam seus interesses, não os de Jesus
Cristo” (Fp 2.20,21).
Para mostrar os limites de nosso amor, C. S. Lewis
gostava de citar a mais curta resenhaque tinha visto um
crítico fazer de uma obra literária. William Morris escreveu
um poema com o pretensioso título Love is enough [O amor
é suficiente]. Um crítico reagiu com apenas duas palavras:
“Não é”.11 O que o crítico quis dizer é que o mero amor
humano nunca é suficiente. Pessoas deixam de amar todos
os dias. Achamos difícil continuar amando quem não
retribui nosso amor. Ficamos esgotados cuidando de
pessoas com necessidades muito grandes. Mesmo quando
tentamos amar as outras pessoas da maneira certa, o amor-
próprio continua interferindo.
Nosso amor narcisista é como um enorme sofá-cama que
é grande demais para um apartamento quitinete. Não
importa quantas vezes mudemos a posição dos móveis, o
sofá-cama ainda é grande demais. É assim com nosso amor
narcisista. Mesmo quando tentamos pôr outras pessoas em
primeiro lugar, ainda há muitíssimo de nós interferindo.
O que precisamos é de mais do amor de Jesus.
Precisamos doamor que Amy Carmichael pediu, conforme
registrado em seu diálogo com a palavra de Jesus por meio
da oração:
Amados, amemos.
Senhor, o que é o amor?
Amor é aquilo que inspirou minha vida, e me conduziu
à
minha cruz, e me manteve na minha cruz.
Amor é aquilo que fará com que tua alegria seja dar tua
vida
por teus irmãos.
Senhor, dá-me sempre desse amor.
12
Podemos dar aos outros apenas aquilo que nós mesmos
recebemos. Louvado seja Deus porque somos objeto de
uma afeição desmedida! O Filho de Deus pôs de lado sua
própria vontade para fazer o trabalho de nossa salvação.
Agora, no poder e na presença do seu Espírito, podemos
mostrar seu amor aos outros. Aliás, é isso o que significa
amar: é ser “propício com os outros da mesma maneira que
Deus em Cristo tem sido propício conosco”.13 Jesus disse
isso repetidas vezes: “Este é meu mandamento: que vocês
se amem uns aos outros assim como eu os amei” (Jo 15.12);
“Um novo mandamento lhes dou: que vocês se amem uns
aos outros; assim como eu os amei, vocês também devem
amar uns aos outros” (Jo 13.34).
Quando Jesus chamou isso de um “novo mandamento”,
não estava dizendo que Deus nunca tinha dito a seu povo
para amar. O que ele estava dizendo é que nosso chamado
a amar vem com um novo poder — o poder de sua pessoa e
obra. Jesus morreu na cruz para pagar o preço de todos os
nossos pecados egoístas. Depois, voltou da sepultura para
vencer o nosso pecado para sempre. Agora, com base em
sua crucificação e ressurreição, o Espírito de Jesus nos dá o
poder de amar.
Amar do jeito que Jesus ama significa ser menos
insistente em ter a minha vontade satisfeita e mais
persistente em pôr outras pessoas em primeiro lugar.
Temos inúmeras oportunidades de fazer isso diariamente.
Colegas de quarto podem mostrar amor por meio do que
decidem deixar na geladeira ou por aquilo que
propositadamente não deixam no balcão da cozinha. Uma
criança pode demonstrar amor deixando que o irmão ou a
irmã receba algo de bom antes dela, deixando que um
amigo decida qual o próximo jogo ou brincadeira ou
parando imediatamente o que quer que esteja fazendo e
indo fazer o que a mãe ou o pai querem que ela faça.
Maridos e esposas podem mostrar amor quando
reorganizam a vida para ajudar um ao outro. No final de
um longo dia de trabalho ou de um longo dia em casa, você
está basicamente esperando que seu cônjuge faça algo por
você ou você está procurando descobrir o que pode fazer
por seu cônjuge?
Praticamos o mesmo tipo de amor na igreja, ou pelo
menos deveríamos praticar. Podemos ter nossas próprias
ideias sobre o que deve acontecer no ministério, mas será
que temos amor suficiente para reconhecer quando
precisamos parar com nossa insistência e deixar que outra
pessoa resolva um problema do jeito dela, em vez de
resolvê-lo do nosso jeito?
Não insistir na nossa vontade tem implicações no que
fazemos com nosso dinheiro e nossos bens. Aliás, uma
tradução legítima de 1Coríntios 13.5 é: “[O amor] não
procura suas próprias coisas”. No entanto, isso é
exatamente o que a maioria de nós tem: uma quantidade
excessiva das próprias coisas. Nos Estados Unidos,
segundo quase todas as estatísticas a esse respeito, os
cristãos têm cada vez mais, porém dão cada vez menos.14
Nunca antes um número tão grande de pessoas teve tantas
coisas e, apesar disso, deu tão pouco. O que nossa
mesquinhez mostra é um fracasso em amar. Quanto menos
insistimos em obter coisas da nossa maneira e quanto mais
pomos as outras pessoas em primeiro lugar, menos
gastaremos conosco e mais daremos para o ministério da
igreja, para as necessidades dos pobres e para o trabalho
do reino de Deus ao redor do mundo. Jonathan Edwards
disse que é “o espírito de caridade” que nos predispõe,
“por causa dos outros, a renunciar às nossas próprias
coisas e abrir mão delas”.15
Não insistir na nossa vontade também tem implicações
para a forma de usarmos nosso tempo, que pode ser o mais
precioso de todos os nossos bens. Conforme você analisa
sua agenda, faça esta pergunta: quanto do meu tempo é
dedicado aos meus próprios objetivos e ambições e quanto
dele é separado para fazer algo por alguma outra pessoa
porque eu amo essa pessoa mais do que a mim mesmo?
Enquanto tentamos amar do jeito que Jesus ama — não
insistindo na nossa vontade —, devemos orar do jeito que
Jesus orou: não “seja feita a minha vontade”, mas “seja
feita a tua vontade”. Foi esse tipo de oração que inspirou
Adelaide Pollard a escrever seu famoso hino de rendição a
Deus. Em 1902, Pollard tinha esperança de ir para a África
como missionária, mas não conseguia levantar fundos
suficientes para fazer a viagem. Todos os seus planos sobre
sua maneira de servir ao Senhor tinham caído por terra.
Profundamente desanimada, ela participou de um culto de
oração em que ouviu uma senhora idosa orar: “Na verdade
não importa o que fazes conosco, ó Senhor. Apenas age da
tua maneira em nossas vidas”.16 Naquela noite, Pollard foi
para casa e escreveu:
Como tu queres, Senhor, sou teu.
Tu és o Oleiro, o barro sou eu.
Quebra e transforma até que, enfim,
tua vontade se cumpre em mim.
Esse é o desejo do coração de todo aquele que quer amar
do jeito que Jesus ama: que ele viva em nós de forma tão
completa, que seu amor flua por meio de nós até a vida de
outras pessoas. Isso nunca acontecerá enquanto
continuarmos insistindo na nossa própria vontade, mas só
quando fizermos o que Jesus fez e nos rendermos à vontade
ao Pai.
GUIA DE ESTUDO
As crianças são naturalmente egocêntricas. Têm de ser
ensinadas, bem gradualmente, a compartilhar e a pensar
nas necessidades dos outros. Como adultos, é fácil pensar
que já entendemos essas lições. Afinal, nós fazemos de fato
coisas pelos outros e tentamos ter consideração por suas
necessidades. Mas quantas vezes nós realmente nos
esforçamos em favor dos outros a ponto de restringir
nossas próprias necessidades e desejos? E quantas vezes
nos sacrificamos em favor de um estranho ou de um
inimigo?
1. Cite algumas situações em casa, na escola, no trabalho
ou na igreja em que você pode dizer que, lá no fundo, está
amando mais a si mesmo do que aos outros. Quais
circunstâncias revelam seu egoísmo, em vez de sua
autonegação?
2. Pense sobre a vida de Jesus e destaque algumas
situações em que ele abriu mão de suas preferências e
conforto por causa de seu amor pelos outros.
3. O ato altruísta supremo de nosso Salvador foi morrer
pelos nossos pecados. Leia sobre o momento de decisão
de Jesus, em Mateus 26.36-46. Que palavras a passagem
usa para mostrar a intensidade da angústia de Jesus? Cite
alguns dos motivos dessa grande angústia. Destaque o
que se pode descobrir sobre Jesus com base nessa
passagem e em outras.
4. Que desenvolvimento gradual você vê na oração de
Jesus, entre Mateus 26.39 e 42?
5. Com base em Mateus 26.36-46, que princípios podemos
aprender sobre a oração?
6. Por que é tão difícil amarmos os outros mais do que a
nós mesmos? Cite alguns obstáculos que podem nos
impedir de amar os outros de formadesinteressada.
7. Como a morte de Jesus na cruz se relaciona com nosso
amor pelos outros? De que modo a consciência do amor
de Jesus pode nos ajudar a amar os outros de forma mais
altruísta?
8. Pense em seus compromissos para os próximos sete dias.
Quanto do seu tempo é dedicado a você mesmo — ao seu
bem-estar, objetivos, conforto e prazeres pessoais?
Quanto do seu tempo é separado para os outros? Você
está satisfeito com essa proporção? Em caso negativo, o
que pode fazer para mudar essa situação?
9. Considere como gasta seu dinheiro. Você é mesquinho ou
generoso quando toma consciência de pessoas com
necessidades financeiras? Pense na última vez em que,
para suprir as necessidades de outra pessoa, você teria
que abrir mão de algo que desejava para si. O que você
fez e por quê?
10. Cite uma maneira prática pela qual você pode pôr a si
mesmo e a seus interesses de lado, para amar as pessoas
que Deus colocou em seu caminho. Cite algo que você
pode fazer para colocar alguém em primeiro lugar esta
semana.
1Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 157 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
2Ibidem, p. 172.
3David E. Garland, First Corinthians, Baker Exegetical Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Baker, 2003), p. 616.
4Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 638
[edição em português: 1Coríntios: comentário exegético, tradução de Marcio
Loureiro Redondo (São Paulo: Vida Nova, a ser publicado)].
5Erich Fromm, citado em Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s
view of 1 Corinthians 13 (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 46.
6Entrevista de Shirley MacLaine ao jornal Washington Post em 1977, citada
em Charles R. Swindoll, Growing deep in the Christian life: essential truths for
becoming strong in the faith (Grand Rapids: Zondervan, 1995), p. 89.
7C. S. Lewis, The four loves (New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1960), p.
177 [edição em português: Os quatro amores, tradução de Paulo Salles (São
Paulo: Martins Fontes, 2005)].
8Richard Baxter, citado em J. C. Ryle, Expository thoughts on the Gospels,
Luke (1858; reimpr., Cambridge: James Clarke, 1976), 2:427.
9Benjamin Breckinridge Warfield, “The emotional life of our Lord”, in:
Samuel G. Craig, org., The Person and work of Christ (Philadelphia:
Presbyterian and Reformed, 1950), p. 132-3.
10John Calvin [João Calvino], citado em Alan Jacobs, org., Original sin: a
cultural history (New York: Harper Collins, 2008), p. 170-1.
11Citado em Lewis, Four loves, p. 163.
12Amy Carmichael, If (London: SPCK, 1938), p. 82.
13Fee, The First Epistle, p. 631.
14Veja Christian Smith; Michael O. Emerson; Patricia Snell, Passing the plate:
why American Christians don’t give away more money (Oxford: Oxford
University Press, 2008).
15Edwards, Charity, p. 171.
16A história por trás do hino Have thine own way [Seja da tua maneira] é
narrada em: “Sarah Pollard didn’t like her name”, Glimpses of Christian
history, disponível em: http://www.christianity.com/ChurchHistory/11630530,
[versão em português: Hinos do povo de Deus comentados, hino 194, disponível
em www.luteranos.com.br/textos/hinos-do-povo-de-deus-comentados].
9
O AMOR SUPORTA TODAS AS COISAS
O amor suporta todas as coisas, persevera em todas as
coisas.
(1CO 13.7)
Então, os soldados do governador levaram Jesus para o
palácio [...] e cuspiram nele e apanharam a vara e bateram
em sua cabeça. E, depois de terem zombado dele,
despiram-lhe o manto e o vestiram com suas próprias
roupas e o levaram embora para o crucificarem.
(MT 27.27,30,31)
Como diz o título do best-seller que é a autobiografia
espiritual do evangelista romeno Richard Wurmbrand, o
autor foi torturado por amor a Cristo. Judeu de nascimento,
Wurmbrand entregou a vida a Jesus Cristo já perto dos
trinta anos de idade e começou a pregar o evangelho
alguns anos mais tarde, quando a União Soviética ocupou a
Romênia e o comunismo empurrou o cristianismo para a
clandestinidade.
Indiferente ao perigo, Wurmbrand continuou pregando o
evangelho. Pouco depois, foi sequestrado pela polícia
secreta enquanto estava indo para a igreja, sendo mandado
para a prisão, onde passou um total de catorze anos em
cativeiro comunista. Ao longo dos inúmeros períodos no
cárcere, Wurmbrand experimentou sofrimentos terríveis.
Foi ridicularizado e espancado, foi submetido a
queimaduras e congelamento, sofreu lavagem cerebral e
todo tipo de violência. Por horas a fio os comunistas lhe
diziam: “Ninguém mais ama você, ninguém mais ama você,
ninguém mais ama você”.
Apesar de seus muitos sofrimentos, Richard Wurmbrand
se recusou a desistir de sua fé no evangelho, de sua
esperança em Jesus Cristo ou de seu amor pelos próprios
comunistas que o mantinham preso sob condições brutais.
O que é que lhe permitiu suportar toda essa perseguição e
perseverar em todo esse sofrimento? Simplesmente isto: o
amor de Jesus. Aqui está é o que Wurmbrand escreveu
sobre o que chamava de “derrotar o comunismo por meio
do espírito amoroso de Cristo”:
Presos na solitária, não conseguíamos mais orar como
antes. Nossa fome era inimaginável; havíamos sido
dopados até que ficamos como idiotas. Éramos só pele e
osso. A Oração do Senhor era longa demais para nós. Não
conseguíamos nos concentrar o suficiente para dizê-la.
Minha única oração, repetida vez após vez, era: “Jesus, eu
te amo”. E, então, em um dia glorioso, recebi a resposta
de Jesus: “Você me ama? Agora eu lhe mostrarei como eu
o amo”. Naquele instante, senti em meu coração uma
chama que ardia como o sol [...] Eu conheci o amor
daquele que deu sua vida na cruz por todos nós.
1
Wurmbrand observou o mesmo amor agindo na vida dos
companheiros de prisão que também declaravam seguir a
Cristo:
Nas prisões comunistas, vi cristãos com correntes de 50
quilos presas nos pés, torturados com barras de ferro
incandescentes, forçados a engolir colheradas de sal,
sendo depois disso mantidos sem água, morrendo de
fome, chicoteados, sofrendo de frio e orando com fervor
pelos comunistas. Isso é humanamente inexplicável! É o
amor de Cristo, que foi derramado em nosso coração.
2
O QUE O AMOR SOFRE
O apóstolo Paulo poderia dar o mesmo testemunho, com
base em experiências parecidas de sofrimento por causa de
Cristo. Ele também foi posto na prisão por pregar o
evangelho. Paulo foi espancado e maltratado, escarnecido e
torturado. No entanto, em meio a tudo isso, ele cria que era
um privilégio sofrer por amor ao seu Salvador. O apóstolo
nunca parou de viver para Cristo nem de conduzir
amorosamente as pessoas até o reino de Deus. De modo
que aquilo que escreveu aos coríntios era uma verdade que
havia comprovado por experiência própria: “O amor
suporta todas as coisas” e “persevera em todas as coisas”
(1Co 13.7).
Essas palavras aparecem perto do fim do retrato que
Paulo faz do amor no Capítulo do Amor na Bíblia. Nos
versículos 1 a 3, o apóstolo começou declarando que não
somos nada sem o amor. Ele prosseguiu, nos versículos 4 a
6, relacionando algumas das coisas que o amor faz e outras
que ele não faz. Então, no versículo 7, ele nos diz que o
amor está disposto a sofrer.
A palavra “suportar” (gr., stegei) tem gerado bastante
debate entre os estudiosos, porque existem várias maneiras
diferentes de traduzi-la. Charles Hodge explicou assim
duas das principais possibilidades: “Isso pode significar que
aguenta em silêncio todos os aborrecimentos e problemas,
ou então que oculta todas as coisas, no sentido de esconder
ou desculpar as falhas dos outros, em vez de ter prazer em
divulgá-las”.3
Consideremos primeiramente a segunda possibilidade. A
palavra grega stegei pode significar “cobrir” ou “manter
escondido”, pois é um verbo estreitamente ligado ao
substantivo “telhado”. Nessa interpretação,a ideia seria
que o amor sabe quando deve manter as coisas ocultas ou
em sigilo. Embora Pedro não tenha usado a mesma
terminologia, expressou uma ideia parecida quando
escreveu: “Acima de tudo, continuem amando com
empenho uns aos outros, visto que o amor cobre uma
multidão de pecados” (1Pe 4.8).
É claro que existem momentos em que o pecado precisa
ser exposto publicamente para a glória de Deus e para o
verdadeiro bem da pessoa que pecou. Para dar um exemplo
bíblico bem conhecido, quando Acã pecou por roubar bens
que pertenciam a Deus, depois da batalha de Jericó, Josué
expôs o pecado cometido e lhe deu oportunidade de
glorificar a Deus mediante uma confissão pública (veja Js
7).
Contudo, há também muitas ocasiões em que o amor
exige que tratemos com o pecado de uma forma mais
privada. É nesses momentos, escreve Lewis Smedes, que “o
amor tem o bom senso de quando deve manter a boca
fechada”.4 Isso explica por que uma parte tão grande do
trabalho de pastores e outros líderes espirituais acontece a
portas fechadas. O amor oculta as coisas, não com o
objetivo de esconder o que deveria ser revelado, mas de
proteger alguém que precisa de tempo para se curar; daí a
tradução bastante livre na New International Version: “O
amor sempre protege”.
Essa, no entanto, não é a única maneira de traduzir o
versículo. A palavra stegei também pode significar
sustentar, no sentido de transportar uma carga pesada.
Nessa interpretação, o amor sustenta ou apoia outras
pessoas em tempos de dificuldade. É capaz de suster “todos
os fardos, privações, problemas, dificuldades e labutas
criados por outros”.5 Quando as outras pessoas estão
lutando, o amor as sustenta, assim como paredes e vigas
sustentam o telhado de um prédio. Com certeza, esse é o
tipo de amor que Deus mostrou por nós em Jesus Cristo,
que “suportou nossas aflições e levou nossas tristezas” (Is
53.4). Jesus realizou o trabalho pesado da nossa salvação. A
Bíblia diz que “ele suportou o pecado de muitos” (v. 12) e
que “ele próprio levou nossos pecados em seu corpo no
madeiro” (1Pe 2.24). Jesus nos amou quando carregou o
peso do nosso pecado para que pudéssemos ser perdoados.
Os dois significados que consideramos até aqui são
possíveis, mas uma terceira interpretação é a mais provável
de todas. Ela interpreta que a palavra grega stegei significa
“suportar”, no sentido de sofrer pacientemente todas as
dificuldades resultantes de lidar com outras pessoas,
inclusive pessoas que tentam nos fazer mal. Uma coisa é
estar ao lado das pessoas para ajudá-las a carregar seus
fardos, como o amor certamente faz. Outra coisa — com
frequência mais difícil — é enfrentar com paciência todas
as dores que surgem em nosso caminho quando as pessoas
nos atacam. Ainda assim, o amor consegue aguentar
qualquer coisa e continuar amando. Está disposto, disse
Jonathan Edwards, “a se submeter a todos os sofrimentos
por amor a Cristo”.6
Essa é a tradução mais provável, porque é como Paulo
usa o termo stegei em todas as outras passagens, inclusive
anteriormente em 1Coríntios. Lá atrás, no capítulo 9,
enquanto explicava e defendia seu ministério, Paulo disse:
“Perseveramos em todas as coisas, em vez de colocar
obstáculo no caminho do evangelho de Cristo” (v. 12). Ao
dizer isso, Paulo não estava falando de carregar os fardos
de outras pessoas, mas de suportar críticas pela causa de
Cristo. O amor está pronto a aguentar todas as coisas por
causa do evangelho.
O que Paulo diz no final de 1Coríntios 13.7 é semelhante:
o amor “persevera em todas as coisas”. Existe alguma
diferença real entre “suportar todas as coisas” e
“perseverar em todas as coisas”? As ideias estão
intimamente relacionadas, mas, se há uma diferença, é
possível que Charles Hodge estivesse certo quando disse
que suportar todas as coisas tem relação com
“aborrecimentos e problemas”, ao passo que perseverar em
todas as coisas está relacionado com “sofrimento e
perseguições”.7
Hodge também destacou que a palavra traduzida por
“perseverança” — o verbo grego hypomenei — é um termo
militar que significa “permanecer firme diante do ataque de
um inimigo”. A pessoa com esse tipo de amor é capaz de
resistir aos “ataques de sofrimento ou perseguição, no
sentido de permanecer firme diante deles e perseverar
neles com paciência”.8 Muitos comentaristas têm
destacado que essa persistência não é meramente passiva,
mas também exige coragem ativa. Ela “não é uma
aquiescência paciente e resignada, mas uma força moral
ativa e positiva. É a resistência do soldado que, no ardor da
batalha, não se deixa abalar”.9 É “a capacidade de viver
com vitalidade, se não vitoriosamente, em face do mal”.10
Esse tipo de resistência aparece em outras passagens das
epístolas do Novo Testamento, tipicamente no contexto de
perseguição que só é possível perseverar com grande
coragem. Em sua carta seguinte aos coríntios, Paulo
escreve que ele mesmo havia perseverado nas “aflições,
dificuldades, perdas, espancamentos, prisões, tumultos,
labutas, noites sem dormir, fome” (2Co 6.4,5). Mas ele
também lhes diz como foi capaz de perseverar em tudo
aquilo: pelo “Espírito Santo” e por “amor genuíno” (v. 6).
Isso mesmo, é o amor que nos capacita a perseverar: amor
a Deus e aos nossos inimigos, que jamais virão a Cristo, a
menos que lhes mostremos o seu amor. Como Paulo
escreveu posteriormente a Timóteo, ao explicar por que
jamais cedeu nem desistiu, mas continuou servindo ao
Senhor até o fim da vida: “Suporto todas as coisas por
causa dos eleitos, para que eles também obtenham a
salvação que está em Cristo Jesus com glória eterna” (2Tm
2.10).
Por causa do evangelho, o amor sempre persevera. O
amor “não falhará”, disse Jonathan Edwards, “mas
prosseguirá [...]. Quaisquer que sejam as agressões feitas
contra ele, ainda assim e apesar de tudo, ele permanece e
persevera, e não cessa, mas continua firme e prossegue
com constância, perseverança e paciência”.11
O SALVADOR EM SOFRIMENTO
Jamais houve e jamais haverá um exemplo mais claro ou
mais convincente de amor perseverante do que o amor que
Jesus mostrou quando foi para a cruz. Já que 1Coríntios 13
é lido com tanta frequência em cerimônias de casamento,
muitas pessoas associam a passagem ao casamento. Apesar
disso, quanto mais estudamos o que esses versículos
ensinam sobre o amor, mais claro se torna que na realidade
eles tratam de morte e sacrifício. A imagem
predominantemente associada a esses versículos não é o
vestido de noiva, mas a cruz.12 Quando João Crisóstomo
pregou sobre 1Coríntios 13.7, ele disse que “o amor
suporta todas as coisas, ainda que causem aflição ou
angústia, ainda que sejam insultos, açoites ou mesmo a
morte”.13 Essas são justamente as coisas que Jesus sofreu
por nós enquanto caminhava para a cruz e na própria cruz,
onde deu a vida pelos pecados do mundo.
De uma certa perspectiva, a vida toda de Cristo foi
marcada pelo sofrimento: sua descida da glória, seu
nascimento em um estábulo improvisado, seu exílio no
Egito, a tentativa de homicídio em sua própria cidade natal
e depois suas andanças na terra sem ter onde se abrigar.
Por fim, seus passos exaustos o levaram até o jardim do
Getsêmani, onde, em suor sangrento, ele sofreu
profundamente com a crucificação que se aproximava.
Jesus sofreu a vida inteira, mas os maiores horrores
foram reservados para a última noite de sua vida mortal e
para o dia em que morreu. Enquanto orava no jardim com
seus discípulos adormecidos, Jesus foi traído com um beijo.
Embora fosse bem no meio da noite, a polícia do templo o
arrastou até a presença do sumo sacerdote para enfrentar
um julgamento judaico. Ali, foi acusado falsamente e
condenado injustamente sob a acusação de blasfêmia.
Em seguida, na primeira luz do alvorecer, Jesus foi levado
à presença de Pôncio Pilatos, o governador romano. Pelo
que Pilatos conseguia perceber, Jesus era inocente. Ainda
assim, os judeus continuaram gritando para que fosse
condenado, de maneiraque o governador o mandou para o
rei Herodes, que tinha jurisdição sobre a Galileia. Antes
que Pilatos se desse conta, Jesus estava de volta ao seu
palácio. Todo mundo estava gritando: “Crucifique!
Crucifique!”. Por fim, o governador cedeu:
Então, quando Pilatos viu que não estava ganhando nada,
mas que, na verdade, estava se iniciando um tumulto, ele
pegou água e lavou as mãos diante da multidão, dizendo:
“Sou inocente do sangue deste homem; cuidem vocês
mesmos disso”. E todo o povo respondeu: “Seu sangue
caia sobre nós e nossos filhos!”. Em seguida, ele lhes
soltou Barrabás e, tendo açoitado Jesus, o entregou para
ser crucificado (Mt 27.24-26).
Poucas coisas causam sofrimento maior do que a
condenação injusta de um inocente. Contudo, isso é apenas
parte daquilo que nosso Salvador teve que suportar,
daquilo em que seu amor foi obrigado a perseverar pela
nossa salvação. Até mesmo seu juiz sabia que ele era
totalmente inocente. No entanto, Jesus foi considerado
culpado de um crime passível de morte e condenado à
execução.
Ao longo dos seus vários julgamentos, Jesus foi submetido
a tortura física. Mateus nos conta que Pilatos mandou que
fosse açoitado. Talvez o governador esperasse aplacar os
líderes judeus ao torturar Jesus, em vez de matá-lo. Nesse
caso, o açoite romano era um instrumento ideal de maus-
tratos, um castigo cruel (talvez incomum). Pedaços de
metal ou osso eram amarrados em tiras de couro, e esse
chicote vergastava as costas do preso, dilacerando-as. A
tortura era tão intensa que alguns presos morriam antes de
ser crucificados.14
O que havia acontecido com Jesus até esse momento era
um erro judicial tão grande, que é difícil encontrar palavras
adequadas para descrever o horror do que ele sofreu. Mas
o que aconteceu em seguida foi ainda pior: Jesus foi
pública, verbal, emocional e fisicamente maltratado por um
batalhão inteiro de soldados.
Quando eu era criança, muitas vezes folheava um livro de
pinturas que retratavam a vida de Cristo. Uma das obras-
primas exercia enorme fascínio sobre mim: uma pintura
com imagens disformes, feita por Hieronymus Bosch,
intitulada Christ mocked (Crowning with thorns) [Cristo
ridicularizado (Coroação com espinhos)]. Os homens ao
redor do Cristo de Bosch têm uma expressão cruel no rosto.
Um soldado com um punho de ferro segura uma coroa de
espinhos, que ele está prestes a enterrar na cabeça
inocente de Jesus. Um velho enrugado olha para cima, para
o Salvador, com olhos ávidos, ansiosos por vê-lo sofrer.
Outro homem pega a ponta de seu manto, pronto para
arrancá-lo e deixar Jesus nu. Com óleo sobre madeira,
Bosch procurou transmitir a cena repulsiva que Mateus
descreveu em seu Evangelho:
Então, os soldados do governador levaram Jesus para o
palácio e reuniram o batalhão inteiro diante dele. Eles o
despiram, puseram nele um manto de cor escarlate,
fizeram uma coroa de espinhos entrelaçados, a qual
puseram em sua cabeça, e colocaram uma vara na sua
mão direita. E, ajoelhando-se diante dele, zombaram dele,
dizendo: “Salve, rei dos judeus!”. E, cuspindo nele,
apanharam a vara e bateram com ela em sua cabeça (v.
27-30).
Para entender o que o Filho de Deus amorosamente
suportou por nossa salvação, é preciso nos determos em
alguns desses detalhes. A situação toda tinha o propósito
de intimidar e aviltar o preso, submetendo-o a maus-tratos
físicos e à ridicularização pública. Quando o batalhão
inteiro estava reunido, os soldados sabiam que estavam ali
para o que chamavam de “diversão”.
Primeiro despiram Jesus, deixando-o totalmente nu. Na
carne desnuda de sua verdadeira humanidade, o Filho de
Deus ficou totalmente vulnerável à dor física. Golpeiem sua
carne, e ela ficará machucada. Furem sua cabeça, e ela
sangrará. Acrescente-se a isso o sofrimento emocional de
estar nu diante de uma multidão perversa.
Então, os soldados começaram a zombar de Jesus,
ridicularizando sua afirmação de ser rei. Um rei deve usar
uma coroa, então eles apanharam alguns espinhos e
improvisaram um diadema. Enterrando-o em sua cabeça,
arrancaram sangue de sua fronte real. Um rei deve ter um
manto, então eles o cobriram de cor escarlate. Um rei deve
segurar um cetro, então colocaram uma vara comprida em
sua mão direita. Um rei deve ter súditos para governar,
então os soldados se ajoelharam, fingindo prestar honras, e
disseram: “Salve, rei dos judeus!”.
Dessa maneira, os soldados ridicularizaram Jesus por ser
quem realmente era: o rei de Israel. Essa é a tática mais
cruel do intimidador. Quando um calouro sofre trote por ser
calouro, quando o membro de um grupo é ameaçado por
ser membro do grupo, quando alguém baixo ou gordo ou
deficiente físico é caçoado por ser baixo ou gordo ou
deficiente físico, não existe nenhuma defesa. Quando
alguém é ridicularizado por ser quem é, não lhe resta
nenhuma alternativa, exceto sofrer mais maus-tratos.
Contudo, a zombaria que Jesus recebeu não se limitou ao
seu ministério régio. À medida que acompanhamos seus
sofrimentos, nós o vemos ser ridicularizado por quase todos
os aspectos centrais de sua pessoa e obra. Jesus foi
escarnecido como profeta. Quando estava sob custódia dos
judeus, os guardas da prisão vendaram seus olhos, deram
socos nele e então disseram: “Profetize! Quem é que o
golpeou?” (Lc 22.64). Mais tarde, ele foi ridicularizado por
ser filho do Pai. Seus importunadores disseram: “Se você é
o Filho de Deus, desça da cruz” (Mt 27.40). Em seguida
zombaram dele pelos seus milagres e poder salvador.
“Salvou os outros”, disseram os líderes religiosos, mas “não
consegue se salvar” (v. 42). Zombaram até mesmo de sua
fé: “Ele confia em Deus; se Deus lhe quer bem, que o livre
agora” (v. 43).
Todos esses eram motivos para Jesus ser exaltado, não
humilhado! Jesus é o Rei dos reis, o profeta do Deus
Altíssimo, o operador de milagres, o Filho de Deus, o
Salvador. Todavia, em vez de ser louvado por sua régia
majestade e poder salvador, o verdadeiro Filho de Deus
sofreu insultos cruéis de homens perversos. Por isso,
quando nós mesmos somos ofendidos com palavras, não
devemos jamais imaginar que ninguém consegue entender
o que já passamos. Jesus entende. O Homem de Dores
suportou o mesmo tipo de sofrimento enquanto seguia para
a cruz.
A etapa seguinte foram as cusparadas. Alguém já cuspiu
em sua cara? Cuspir é um sinal universal de menosprezo. É
um dos atos mais repulsivos, humilhantes e desrespeitosos
que alguém pode cometer contra outrem. No entanto, foi
exatamente assim que o Filho de Deus foi tratado quando
se fez homem. Ponha isso na nossa conta, juntamente com
todos os outros pecados hediondos da raça humana: nós
cuspimos na cara de Jesus.
Mas isso não é tudo. Por fim, os soldados de Pilatos,
cansados de apenas ofender com palavras e imitar uma
coroação, tornaram-se violentos. Isso é característico de
quem maltrata: a menos que alguém interfira, o agressor
machuca cada vez mais, até que finalmente passa a
ameaçar a própria vida de sua vítima. De maneira que os
soldados tomaram a vara que haviam dado a Jesus — seu
cetro improvisado — e começaram a bater com ela em sua
cabeça. Esses homens eram brutais, sádicos e desumanos.
SOFRENDO IGNOMÍNIA, MAS SEM PECADO
Você consegue ver o régio Filho de Deus de pé, diante dos
soldados cruéis, com seu manto escarlate, com uma coroa
na cabeça e com sangue e cuspe no rosto? Mas nem isso foi
o pior de tudo, porque, “depois de terem zombado dele,
despiram-lhe o manto, vestiram-no com suas próprias
roupas e o levaram embora para o crucificarem” (v. 31).
Tudo o mais que Jesus sofreu foi apenas um prelúdio de
seu maior sofrimento, que ele suportou na cruz. A
crucificação era uma maneira dolorosa de morrer — uma
das formas mais cruéis de execução já inventadas. Pregos
foram fincados nas mãos e nos pés do Salvador. Em
seguida, ergueram a cruz áspera de madeira e a deixaram
se encaixar pesadamente no chão. Jesus ficou ali
pendurado até que seus pulmões foram esmagadose o
sangue foi drenado de seu corpo.
A crucificação também era uma maneira vergonhosa de
morrer. As pessoas condenadas à cruz eram crucificadas
nuas para mostrar que a sociedade as desprezava. Mas a
lei de Deus dizia algo ainda pior, como qualquer judeu
devoto devia saber. De acordo com Deuteronômio, qualquer
um que for pendurado em um madeiro é amaldiçoado por
Deus (21.22,23; veja também Gl 3.13). Essa foi a maldição
que Jesus experimentou na cruz, quando foi abandonado
por seu Pai. Foi a maldição do juízo de Deus, a qual ele
suportou para nossa salvação. Nas palavras de um hino
clássico de autoria de Philip Bliss: “Suportando vergonha e
zombaria grosseira, em meu lugar ele foi condenado, com
seu sangue selou meu perdão: Aleluia! Que Salvador!”
Jesus aguentou a dor e a vergonha de sua crucificação
com coragem majestosa. A Escritura diz que ele “suportou
a cruz, desprezando a vergonha” e aguentou “a
reprovação” (Hb 12.2; 13.13). Jesus não apenas sofreu
essas coisas, mas corajosamente as suportou, indo até o
fim, até a morte, sem pecar ou se queixar. Conforme
predito pelo profeta Isaías: “Ele foi oprimido e estava aflito,
mas ainda assim não abriu a boca” (53.7). E isso foi
confirmado pelo apóstolo Pedro: “Ele não cometeu nenhum
pecado, nem se achou engano em sua boca. Quando foi
insultado, não revidou com ofensa; quando sofreu, não
ameaçou” (1Pe 2.22,23).
A obediência de nosso Senhor para perseverar em todas
essas coisas sem pecado é apresentada com doçura nas
palavras de um cântico afro-americano:
Crucificaram meu Senhor,
e ele nunca disse uma palavra de resmungo.
Crucificaram meu Senhor,
e ele nunca disse uma palavra de resmungo.
Nem uma palavra — nem uma palavra — nem uma
palavra.
15
O silêncio de Jesus foi fundamental, porque, para expiar
nossos pecados, ele tinha de oferecer um sacrifício perfeito.
Desse modo, perseverar sem queixas era uma parte
necessária da obediência a Deus que ele ofereceu para a
nossa salvação. Foi também a prova de seu amor. Por que
Jesus sofreu a dor e a vergonha da cruz? Ele fez isso
porque nos ama. Foi necessariamente por amor, porque a
Bíblia diz que existe uma única coisa em todo o mundo que
tem o poder de suportar tudo e perseverar em tudo, assim
como fez Jesus, e tal coisa é o poder do amor.
PERSEVERANDO COMO JESUS
Se somos os destinatários do amor perseverante do Filho
de Deus, qual deve ser nossa reação?
Devemos, antes de tudo, reagir com fé salvadora, crendo
de modo pessoal que, quando Jesus morreu na cruz, ele o
fez por nós, tanto quanto por todos os demais. Não temos
de aguentar a culpa de nossos próprios pecados, mas pela
fé podemos transferir esse fardo para o Filho de Deus, que
“nos amou e se entregou por nós” (Ef 5.2). Uma troca
aconteceu — a troca do amor —, com a qual Jesus deu sua
vida por nossos pecados. Creia nisso, e pela fé você
receberá o dom gratuito da vida eterna.
Em segundo lugar, devemos reagir com gratidão amorosa.
Para agradecer devidamente a Jesus por nossa salvação,
precisamos incluir mais do que apenas a cruz. Precisamos
incluir toda a violência e maus-tratos que ele suportou
enquanto ia para cruz: o despimento e o espancamento, a
zombaria e as cusparadas. Você já agradeceu
especificamente a Jesus pela humilhação régia que ele
sofreu por você?
No livro The hiding place, Corrie ten Boom escreve sobre
a lição de gratidão evangélica que ela e sua irmã Betsie
aprenderam quando estavam na fila para a inspeção
médica semanal em um campo de concentração nazista:
Eu tinha lido milhares de vezes a história da prisão de
Jesus — como os soldados o esbofetearam, riram dele,
chicotearam-no. Agora esses acontecimentos tinham
rostos e vozes.
A sexta-feira era o dia da recorrente humilhação da
inspeção médica [...] [Nuas,] tínhamos de nos manter
aprumadas com as mãos uma em cada lado, enquanto
passávamos lentamente por um grupo de guardas com
largos sorrisos. [...]
Mas foi em uma dessas manhãs, enquanto esperávamos
e tremíamos de frio no corredor, que mais uma página da
Bíblia ganhou vida para mim.
Ele estava pendurado nu na cruz.
Eu não tinha entendido — eu não tinha pensado. [...] As
pinturas, os crucifixos esculpidos mostravam pelo menos
um pedaço de pano. Mas isso — de repente percebi — foi
por respeito e por reverência por parte do artista. Mas
ah! — quando o fato realmente aconteceu, naquela outra
manhã de sexta-feira — não houve nenhuma reverência.
Não houve mais reverência do que a que agora eu via nos
rostos ao nosso redor.
Inclinei-me na direção da Betsie, à minha frente na fila.
Suas omoplatas, angulosas e delgadas, se destacavam
debaixo de sua pele com manchas azuladas.
— Betsie, eles tiraram as roupas dele também.
Ouvi um pequeno suspiro à minha frente.
— Ah, Corrie! E eu nunca agradeci a ele.
16
Assim como Betsie ten Boom entendeu instantaneamente,
sermos verdadeiramente gratos pelo dom da nossa
salvação significa dizer a Jesus como somos gratos por tudo
o que suportou. É dizer: “Eu te amo, Jesus, pelos
espancamentos e machucados que suportaste para a minha
redenção. Obrigado pelo sangue em tua fronte, pelo cuspe
em teu rosto e pelo amor imperecível em teu coração!”.
Finalmente — e esta talvez seja a parte mais difícil —,
reagimos ao amor de Jesus amando outras pessoas do jeito
que ele ama. Como poderíamos chegar a suportar a
perseguição ou perseverar na opressão sem o amor de
Jesus? Se somos capazes de perseverar no sofrimento pela
causa de Cristo, esse é um sinal claro de que a graça de
Deus Espírito Santo está operando de maneira poderosa,
dando-nos o amor de Jesus. O apóstolo Pedro disse que, se
perseveramos no sofrimento por causa de Jesus, isso é algo
precioso aos olhos de Deus (1Pe 2.20).
Isso não significa que todos nós somos chamados a dar a
vida da mesma maneira que Jesus deu, ou que é errado
usarmos formas piedosas para nos protegermos de maus-
tratos pecaminosos. Mas significa, sim, que o amor é capaz
de aguentar muitas dificuldades e suportar muitos
sofrimentos por amor de Jesus. Em seguida, Pedro disse:
“Pois para isso vocês têm sido chamados, porque Cristo
também sofreu por vocês, deixando-lhes exemplo, para que
vocês possam seguir em seus passos” (v. 21).
Qual é a circunstância de vida que Deus está chamando
você a suportar? Para alguns cristãos, seu chamado para
sofrer é debaixo da opressão de um governo hostil ao
evangelho. Alguns de nós sofrem na escola, onde somos
ridicularizados por seguir a Cristo. Alguns de nós sofrem no
trabalho, onde pessoas cultivam atitudes de queixas
constantes que são difíceis de suportar ou fazem
comentários maldosos que são penosos e nos quais é difícil
perseverar. E existem também todos aqueles problemas
que temos em nossas famílias — com nossos pais, nossos
cônjuges, nossos filhos — ou em outros relacionamentos
próximos. Há pessoas que nos têm prejudicado. Elas nos
têm ferido com palavras maldosas e nos agredido com
golpes dolorosos, quer físicos, quer psicológicos. Como
seria possível suportar essas pessoas a ponto de amá-las?
Só o amor de Jesus pode nos capacitar a continuar amando
as pessoas quando é doloroso amá-las.
As pessoas às vezes dizem: “Sei que Deus nunca me dará
mais do que consigo suportar”. Na verdade, há momentos
em que Deus nos dá, sim, mais do que achamos que
conseguimos suportar. Mais cedo ou mais tarde, todos nós
sofremos perdas insuportáveis, ou enfrentamos problemas
insolúveis, ou temos de lidar com pessoas impossíveis. Mas,
embora Deus possa nos dar mais do que podemos suportar,
ele nunca nos dá mais do que ele consegue suportar.
Não estamos sozinhos. Jesus está conosco — o Salvador
que sofreu todo tipo de maus-tratos, inclusive a morte por
tortura. Isso não diminui necessariamente nossa dor nem
resolve todos os nossos problemas imediatamente, mas
com certeza significa que não temos de suportar sozinhos
todas as coisas nem perseverar sozinhos em todas as
coisas. O amor de Jesus nos ajudará a perseverar.Quanto
mais conhecemos seu amor — o amor do nosso Rei sofredor
e salvador —, mais somos capazes de suportar todas as
coisas por ele.
GUIA DE ESTUDO
Amar os outros é suportá-los, perdoando-os pelas feridas
que nos infligem, tanto consciente quanto
inconscientemente. Às vezes, a tolerância não exige nada
mais do que ignorar a grosseria ou o comportamento
desrespeitoso deles. Outras vezes, o custo é muito maior.
Ao nos dizer que o amor suporta as coisas, Paulo aborda
todo o espectro de sofrimentos que talvez tenhamos de
suportar nas mãos de outros.
1. O capítulo 9 oferece dois sentidos possíveis para
“suportar todas as coisas”: aguentar em silêncio
aborrecimentos e incômodos e esconder e perdoar as
falhas de outra pessoa, em vez de expô-las. Descreva uma
ocasião em que alguém amorosamente aguentou as suas
falhas. Como você se sentiu com isso? Que impacto isso
teve em seu relacionamento?
2. O mais provável é que 1Coríntios 13.7 esteja falando do
amor que suporta com paciência as feridas que fazem
parte da maioria dos relacionamentos. Que ofensas e
injustiças específicas você tem de suportar? Quais fardos
são mais difíceis de carregar?
3. Leia Mateus 26.45-50,59-68 e Mateus 27.27-31. O que
Jesus suportou por nós em suas horas finais, antes da
crucificação? Faça uma lista de todos os sofrimentos,
tanto físicos quanto psicológicos, descritos nessas
passagens.
4. De acordo com Mateus 26.45-50,59-68 e Mateus 27.27-
31, por que motivo zombaram de Jesus?
5. A pior maldição que Jesus suportou foi a cruz, talvez a
forma mais dolorosa de tortura jamais concebida e uma
maneira vergonhosa de morrer (veja Dt 21.22,23). Leia
Isaías 53.2-12. Que palavras são usadas nessa passagem
para descrever o que Jesus aguentou por nossos pecados?
De acordo com essa passagem, como Jesus reagiu a esses
insultos e sofrimentos?
6. Que coisas boas Isaías profetiza que seriam resultado do
sofrimento de Jesus na cruz?
7. Como Isaías 53.2-12 pode nos incentivar e desafiar,
quando sofremos por causa de mágoas causadas pelos
outros?
8. Você já agradeceu a Jesus por todas as coisas que ele
aguentou por você na cruz? Volte a Isaías 53 e agradeça a
Jesus especificamente por todo sofrimento e angústia que
ele suportou em seu lugar.
9. Às vezes, não é um gesto verdadeiramente amoroso
suportar em silêncio as falhas dos outros. Algumas coisas
precisam ser expostas para que possam ser devidamente
tratadas, e por vezes precisamos nos proteger de atos que
constituem puro abuso. Quais são os critérios que
devemos usar na hora de decidir quando levar os
problemas de um ente querido a uma terceira pessoa —
um pastor, um conselheiro ou alguma outra pessoa que
esteja envolvida na situação?
10. Quando você tem de suportar golpes que parecem
impossíveis de suportar, o que lhe dá condições de ir em
frente? No nível prático, quais estratégias você emprega
para ajudá-lo a lembrar-se de confiar em Jesus?
1Richard Wurmbrand, Tortured for Christ (1967; reimpr., Glendale: Diane
Books, 1976), p. 58 [edição em português: Torturado por amor a Cristo:
narrativa dos sofrimentos e do testemunho da igreja secreta nos países atrás da
Cortina de Ferro, 7. ed., tradução de Israel Gueiros Filho (São Paulo: A. D.
Santos, 1998)].
2Ibidem, p. 57.
3Charles Hodge, An exposition of the First Epistle to the Corinthians
(reimpr., London: Banner of Truth, 1958), p. 271; grifo no original.
4Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s view of 1 Corinthians 13
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 86.
5H. A. W. Meyer, citado em Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the
Corinthians, New International Greek Testament Commentary (Grand Rapids:
Eerdmans, 2000), p. 1058.
6Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 251 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
7Hodge, Exposition, p. 271.
8Ibidem.
9Leon Morris, The First Epistle of Paul to the Corinthians, Tyndale New
Testament Commentaries (Grand Rapids: Eerdmans, 1958), p. 186 [edição em
português: 1Coríntios: introdução e comentário, tradução de Odayr Olivetti,
Série Cultura Bíblica (São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1981)].
10Smedes, Love within limits, p. 112.
11Edwards, Charity, p. 286.
12Josh Moody destacou essa ideia em um sermão pregado em 19 de setembro
de 2010, na igreja College Church, em Wheaton, nos Estados Unidos.
13John Chrysostom [João Crisóstomo], “Homilies on the Epistles of Paul to the
Corinthians”, 32.6, citado em Gerald Bray, org., New Testament,1—2
Corinthians, Ancient Christian Commentary on Scripture (Downers Grove:
InterVarsity, 2003), vol. 7, p. 133.
14James Montgomery Boice, The Gospel of Matthew, (Grand Rapids: Baker,
2001), vol. 2: The triumph of the King: Matthew 18-28, p. 610.
15Esse spiritual, tipo de hino ou canção de louvor cantada por negros do sul
dos EUA, é citado por John Lovell Jr. em Black song: the forge and the flame
(New York: Paragon, 1972), p. 467.
16Corrie ten Boom; John Sherrill; Elizabeth Sherrill, The hiding place
(Washington Depot: Chosen, 1971), p. 178-9 [edição em português: O refúgio
secreto, 2. ed., tradução de Myrian Talitha Lins, Clássicos Betânia (Belo
Horizonte: Betânia, 2000)].
10
O AMOR CONFIA
O amor crê em todas as coisas.
(1CO 13.7)
Então, Jesus, gritando em alta voz, disse: “Pai, em tuas
mãos entrego o meu espírito!”. E, tendo dito isso, deu seu
último suspiro.
(LC 23.46)
Você ainda confiaria em Deus se...?
Você ainda confiaria em Deus se tivesse de deixar a
família para trás e viajar para o outro lado do mundo a fim
de seguir o chamado de Deus para a sua vida? E se você
seguisse esse chamado e seus planos de servir a Deus
fracassassem? Nessa situação você ainda confiaria nele? O
que aconteceria se você fosse abandonado e acabasse
sozinho? E se você tivesse que morrer uma morte
miserável? Então, como ficaria? Você ainda confiaria em
Deus se estivesse a ponto de perder tudo o que tinha na
vida, inclusive a própria vida?
Em 7 de setembro de 1850, sete missionários britânicos
zarparam de Liverpool. Liderados pelo capitão Allen
Francis Gardiner — um condecorado veterano da Real
Marinha Britânica —, o destino deles era a Patagônia, no
extremo sul da América do Sul. Tinham provisões para seis
meses e grandes esperanças para a obra do evangelho e do
reino de Deus. Apesar disso, a viagem terminou em
fracasso total. Os nativos eram hostis. O clima era severo e
implacável. O navio de reabastecimento não conseguiu
chegar antes que fosse tarde demais. Os missionários
morreram, um a um, de fome.
O médico do grupo era Richard Williams, e, quando seu
corpo foi mais tarde resgatado, a equipe de busca
encontrou também o seu diário. A última página era o
testemunho agonizante da fé imortal do médico em Jesus
Cristo. Imagine o homem encolhido no casco de seu
pequeno bote, sofrendo de escorbuto e escrevendo as
seguintes palavras como seu derradeiro testamento:
Caso alguma coisa me impeça de acrescentar algo a isso,
quero que meus queridos lá em casa tenham certeza de
que eu estava feliz, muito mais do que consigo expressar,
na noite em que escrevi essas linhas e de que eu não
trocaria minha situação pela de nenhum homem. Que
também tenham a certeza de que minhas esperanças
estavam transbordando de imortalidade; de que o céu e o
amor e Cristo, que são a mesma coisa divina, eram a
minha alma; de que a esperança da glória enchia todo o
meu coração de alegria e satisfação; e de que para mim o
viver é Cristo e o morrer é ganho.
1
Richard Williams confiava em Deus, não importava o que
viesse a acontecer. Nenhum se na vida ou na morte jamais
o forçaria a abandonar sua fé. Até o fim, ele creu no amor
de Deus, na glória de Jesus Cristo e na esperança da vida
eterna. Seu diário é, portanto, um testemunho duradouro
da verdade de 1Coríntios 13.7: o amor sempre crê.
TODAS AS COISAS, DE TODAS AS MANEIRASA tradução bíblica English Standard Version diz: “O amor
[...] crê em todas as coisas”. Isso não significa que o amor
vai acreditar em tudo, sem exceção. O amor não é tão
ingênuo a ponto de acreditar em algo que é logicamente
impossível, ou que engana a fé, ou que é contra a santa
vontade de Deus.
Pelo contrário, é a pessoa que não ama a Deus que tem
maior probabilidade de ser enganada por falsidade
espiritual. Quando as pessoas deixam de crer no único
Deus verdadeiro, isso não quer dizer que passaram a não
crer em absolutamente nada, mas que creem em quase
tudo! Ainda tendo esperanças de vida eterna, creem, por
exemplo, em reencarnação ou em preservação criogênica.
Quer imaginem que voltarão à vida como alguém
totalmente diferente, quer imaginem que cientistas futuros
conseguirão reaquecê-las e trazê-las de volta à existência, o
fato é que creem em qualquer coisa que lhes dê a
esperança da imortalidade. Ou, para dar outro exemplo,
muitos ateus acreditam que a ciência é o único meio de
chegar ao conhecimento e que os seres humanos não têm
alma — mas apenas substâncias químicas no cérebro. Ao
crerem nisso, deixam de lado muitas outras coisas
imateriais que também dão sentido à vida.
Então, o que a Bíblia quer dizer quando afirma que “o
amor crê em todas as coisas”? Alguns comentaristas
pensam que esse versículo nos ensina a amar outras
pessoas o suficiente para acreditar no melhor a respeito
delas. Essa interpretação remonta a Agostinho. Em vez de
simplesmente aceitar cada palavra de rumores maliciosos
que chegam até nós, devemos proteger a reputação das
pessoas que somos chamados a amar, inclusive de nossos
inimigos. Dizer que o amor “crê em todas as coisas”,
escreve Leon Morris, é dizer que o amor “está sempre
pronto a levar em conta as circunstâncias e enxergar o
melhor nos outros”.2 O amor dá às pessoas o benefício da
dúvida. Em vez de supor o pior sobre elas e de chegar a
nossas próprias conclusões sobre os motivos ocultos, o
amor sempre tenta crer no melhor.
Por esse motivo, Lewis Smedes contrasta o amante com o
cético, que basicamente se recusa totalmente a crer em
qualquer coisa, mas sempre suspeita o pior a respeito das
outras pessoas. Quando vê pessoas fazerem algo altruísta,
o cético tende a pensar que elas estão agindo por interesse
próprio. Em vez de correr o risco de que outros o firam ou
tirem vantagem dele, o cético se abstém de amar
verdadeiramente outras pessoas. Mas o texto de 1Coríntios
13.7 diz que devemos nos tornar mais vulneráveis e estar
prontos a crer em outras pessoas. De acordo com Smedes,
“o amor é um poder que tem fé, um impulso que nos move
a confiar nas pessoas”.3 O cínico nos adverte a não confiar
demais em outras pessoas, mas, por sua vez, o amante
prefere confiar demais do que de menos e, por conseguinte,
crê em tudo em que se deve crer.
Existe, contudo, outra maneira de interpretar esse
versículo, que é adotada pela maioria dos comentaristas.
Em vez de interpretar a palavra “todos” (gr. panta) como
substantivo, isto é, com o sentido de “todas as coisas”,
podemos interpretá-la como advérbio, com o sentido de
“sempre”.4 Essa interpretação evita qualquer equívoco em
relação àquilo em que o amor crê ou não crê. O versículo
não é sobre o objeto da fé do amor (aquilo em que cremos);
mas, sim, sobre a perseverança da fé do amor (em que
circunstâncias continuaremos crendo).
O amor é capaz de continuar acreditando em meio às
situações mais extremas de dificuldades e sofrimento.
Gordon Fee se expressa assim: “Inspirado por sua absoluta
confiança no futuro,o amor tem no presente uma
tenacidade que permite à pessoa viver em todo tipo de
circunstância e continuamente dar-se em favor de outros”.5
Não há limite para a confiança do amor. Ele “nunca perde a
fé”.6
MEU DEUS!
Encontramos a perfeição desse amor, e de todo o amor, na
vida de Jesus Cristo. Já aprendemos que seu amor é
humilde e paciente, esperançoso e altruísta.
Acompanhamos o amor de Jesus ao longo de sua vida.
Testemunhamos esse amor em seus ensinos e em seus
milagres, em suas conversas com pessoas comuns e em
suas orações a seu Pai no céu. Vimos seu coração amoroso
na maneira em que se rendeu à vontade de Deus no jardim
do Getsêmani e depois, com coragem e sem pecado, sofreu
maus-tratos enquanto seguia para a cruz. Observamos seu
amor na própria cruz, quando, para nossa salvação,
aguentou a dor e suportou a vergonha da crucificação.
O que ainda não vimos é a fé das afeições de Jesus, a
maneira em que seu amor sempre confia. Talvez o melhor
lugar para ver isso seja na própria crucificação, quando
Jesus experimentou o sofrimento humano em seu grau
máximo. Portanto, voltamos a olhar para a cruz e a ouvir as
últimas palavras do Filho de Deus como um testemunho de
sua fé no Pai.
Os relatos dos Evangelhos acerca da crucificação não são
descrições exageradas, mas frugais. Lucas simplesmente
nos diz que, “quando chegaram ao lugar chamado a
Caveira, ali o crucificaram” (Lc 23.33). Não é preciso dizer
nada sobre as dores mortais desse ato bárbaro, exceto
aquilo que já dissemos: do ponto de vista do sofrimento
físico, essa era uma maneira extremamente dolorosa de
morrer. Nesse aspecto, a morte de Jesus dificilmente
poderia ser considerada exclusiva. Muitos homens foram
crucificados na época do Império Romano. Aliás, pelo
menos dois outros homens foram executados da mesma
maneira no mesmo dia, um de cada lado de Jesus.
O que foi, no entanto, exclusivo foi o tormento psíquico
que Jesus suportou — o sofrimento de sua alma. Na cruz
aconteceu uma transferência espiritual. Pela vontade de
Deus e de acordo com sua própria intenção deliberada,
Jesus, o Filho de Deus, assumiu a culpa de nossas
transgressões. Como vítima de um sacrifício expiatório, ele
carregou nosso pecado. Por esse motivo, nas horas em que
esteve pendurado na cruz, o Filho foi separado do Pai.
Aqui nos deparamos com um grande mistério de pecado e
culpa, de juízo e sacrifício, e do ser triúno de Deus.
Enquanto sufocava lentamente, Jesus citou o salmista e
gritou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”
(Mt 27.46).
Essas palavras procedem do versículo inicial do salmo 22,
no qual Davi, sob ameaça iminente de morte, sofre a
angústia da oração sem resposta. Ao tomar essas palavras
em seus lábios, Jesus estava declarando que estava
enfrentando uma morte em total abandono por Deus.
Durante toda a eternidade passada, o Deus Filho tinha
vivido em comunhão ininterrupta com o Pai. Mas, quando
tomou nossos pecados sobre seus ombros, ele sofreu a ira e
a maldição do juízo divino contra o pecado humano.
Parte dessa maldição consistiu em o Filho ser separado
do Pai. Essa realidade psicológica encontrou um símbolo
natural nas trevas que caíram sobre a face da terra. É
assim que Lucas descreve o milagre turvo que foi o sinal
exterior da realidade de ficar espiritualmente separado de
Deus: “Agora era a hora sexta, e houve trevas sobre toda a
terra até a nona hora, enquanto a luz do sol falhava” (Lc
23.44,45).
A crucificação de Cristo foi uma morte sombria. Durante
três longas horas, o sol se recusou a brilhar.
Independentemente de suas causas materiais, a descida
dessas trevas demonstrava que Jesus estava sofrendo a
maldição de Deus contra o nosso pecado. Isso foi para
cumprimento de uma antiga profecia feita por Sofonias:
“Um dia de ira é aquele dia, um dia de aflição e angústia,
um dia de ruína e devastação, um dia de trevas e escuridão,
um dia de nuvens e trevas espessas” (Sf 1.15). Essas trevas
e escuridão simbolizavam a ira de Deus contra o nosso
pecado. Isaac Watts expressou-o muito bem em um dos
seus hinos sobre a crucificação:
Bem pôde o sol na escuridão se esconder
e conter sua glória,
quando Cristo, o poderoso Criador, morreu
pelo homem, pelo pecado da criatura.
Perto do fim daquelas horas de escuridão Jesus abriu uma
janela de sua alma, permitindo que vislumbrássemos o que
estava sofrendo lá dentro. Essa éa única vez na Bíblia em
que Jesus chegou a falar com Deus sem chamá-lo de “Pai”.
Todas as suas outras orações começaram da maneira que
ele nos ensinou a orar, com a palavra Pai. Jesus orou dessa
maneira junto ao túmulo de Lázaro, quando levantou os
olhos para o céu e disse: “Pai, eu te agradeço porque tens
me ouvido” (Jo 11.41). Orou da mesma maneira depois da
Última Ceia: “Pai, chegou a hora; glorifica teu Filho para
que o Filho te glorifique” (Jo 17.1).
Contudo, quando Jesus estava à beira da morte, enquanto
suportava o peso morto de nosso pecado na hora em que
estava morrendo na cruz, ele gritou para seu Pai e o
chamou de “Deus”. Isso foi em parte para cumprir o salmo
22, mas também revelou a ruptura no relacionamento
deles, a separação entre Pai e Filho, enquanto Jesus tinha
uma morte em total abandono por Deus.
A FÉ DE JESUS
Para alguém que se sente abandonado, é
desesperadamente difícil continuar confiando em Deus.
Qualquer um que já tenha tido essa experiência sabe disso.
Quando Deus parece ausente e você teme que ele não
esteja nem aí, pode ser quase impossível orar. Quando tudo
fica escuro, é somente pela fé — não pela visão — que
somos capazes de nos apegar a Deus.
Foi assim com Jesus na cruz. O céu estava em trevas. Em
sua alma ele se sentiu abandonado pelo Pai. Mas sua
declaração de estar abandonado não foi a última coisa que
disse. Depois de dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?”, suas palavras finais foram: “Pai, em tuas
mãos entrego meu espírito!” (Lc 23.46). Foi só então que
Jesus deu seu último suspiro.
Essas palavras são outra citação de Salmos. Elas vêm do
salmo 31, em que Davi orou para que Deus o livrasse de
todos os seus inimigos. “Em tua mão entrego meu espírito”,
Davi disse e, em seguida, expressou sua confiança total de
que Deus o salvaria: “Tu me redimiste, ó Senhor, Deus fiel”
(Sl 31.5).
Lucas nos diz que Jesus exclamou essas palavras “em alta
voz” (Lc 23.46). Esse não foi, portanto, um pedido tímido e
com dúvidas, mas uma petição ousada e confiante. Aliás, foi
uma confissão da fé do Salvador. Tal como Davi, Jesus cria
na redenção. Ele tinha o tipo de amor descrito em
1Coríntios 13.7: um amor que sempre crê. O apóstolo
Pedro deu um testemunho mais explícito dessa fé quando
disse que, enquanto estava sofrendo por nossos pecados,
Jesus “continuou se confiando aos cuidados daquele que
julga com justiça” (1Pe 2.23). Mesmo nas circunstâncias
mais desesperadoras, com a morte iminente, quando foi
abandonado pelo Pai e esmagado pelo peso execrável do
juízo divino, Jesus ainda confiou no amor de seu Pai.
Considere algumas das coisas em que nosso Salvador
cria. Primeiro, Jesus cria que Deus estava ali. Ele tinha de
crer nisso para chegar a orar. Mesmo quando se sentiu
abandonado e não conseguiu sentir a presença de Deus, ele
continuou crendo que Deus estava ali para ouvir sua oração
e, por consequência, intercedeu.
Em segundo lugar, Jesus cria em Deus como Pai. Sendo o
Filho eterno, ele tinha conhecido o Pai já antes de o mundo
existir. Mas, na fraqueza de sua humanidade, enquanto
estava tendo uma morte com total abandono por Deus, ele
se sentiu distante do Pai. Ainda assim, orou a Deus como
seu Pai. Antes tinha sido “Meu Deus, meu Deus”, mas agora
de novo era “Pai”. Essa forma de tratamento era um
testemunho claro de sua fé na paternidade de Deus.
Em terceiro lugar, Jesus cria na vida após a morte. Ao
entregar o espírito ao Pai, estava declarando que a morte
por crucificação não seria o fim para ele, porque sua alma
continuaria vivendo, imortal. Ao citar o salmo 31,
expressou sua confiança de que Deus faria por ele o que
outrora havia feito por Davi e redimiria da sepultura a sua
vida. Pela fé, Jesus creu que há uma vida vindoura.
Em quarto lugar, Jesus cria no amor do Pai. Ao colocar
seu espírito sob a guarda do Pai, estava colocando sob os
cuidados do Pai tudo o que lhe era caro. Jesus só poderia
fazer isso se tivesse plena confiança no amor do Pai.
Quando entregou o espírito ao Pai, Jesus, o Filho,
acreditava ter com o Pai um relacionamento amoroso que
prosseguiria por toda a eternidade.
Em quinto lugar, Jesus cria que sua morte expiaria o
pecado. Ele não disse isso de forma tão clara, mas essa
certeza estava implícita em sua oração. Quando pediu ao
Pai para recebê-lo, pediu também que aceitasse o sacrifício
que havia feito pelos nossos pecados ao morrer na cruz. Ele
estava deixando sua obra de salvação nas mãos de Deus,
confiando que o Pai ressuscitaria da sepultura o seu corpo
e concederia perdão a todo o seu povo. Com suas últimas
palavras, Jesus expressou sua plena confiança de que
seríamos salvos.
Quando vemos Jesus na cruz, vemos um homem nos
mostrando como crer em todas as coisas. O que lhe
permitiu crer em todas essas coisas foi o amor: o amor por
seu Pai e o amor por nós. Não é apenas a fé que tem o
poder de confiar, mas também o amor. Quando temos o tipo
de relacionamento amoroso que Jesus tinha com o Pai,
somos capazes de confiar totalmente até a morte e além
dela. O Pai sempre havia declarado que Jesus era seu
“Filho amado”. O próprio Filho tinha dito isso, quando orou
ao Pai: “Tu me amaste antes da fundação do mundo” (Jo
17.24). E, quando chegou a hora de morrer, foi esse amor
que o sustentou.
NAS MÃOS DE DEUS
Você tem o tipo de amor de que Paulo fala em 1Coríntios 13
— o amor que crê em todas as coisas e que Jesus
demonstrou na cruz?
Ter esse tipo de amor começa com a consciência do
quanto Deus o ama. Quando Jesus testemunhou do amor do
Pai em João 17 — em sua oração esperançosa pela unidade
da igreja —, ele também orou para que conhecêssemos o
amor do Pai. Jesus disse que o Pai nos ama da mesma
maneira que ama seu único Filho. Pense nisto: em tudo
Deus Pai o ama tanto quanto ama seu único e amado Filho!
E o próprio Filho orou para que conhecêssemos esse amor,
para que o amor do Pai pelo Filho também vivesse em nós.
Conhecer o amor do Pai fortalece nossa fé. Lewis Smedes
estava certo quando disse que “o motivo mais profundo
para crer é a consciência de ser amado por Deus”.7 Por
isso, se temos dificuldade de confiar em Deus, precisamos
voltar até sua Palavra e considerar tudo o que ela diz sobre
o amor dele. Ali leremos estas palavras transformadoras de
vida: “O próprio Pai ama vocês” (Jo 16.27). Também
veremos a prova dessas palavras na dádiva do Filho de
Deus, que veio a este mundo para nos mostrar seu amor.
É dessa maneira que Deus nos transforma em crentes: ele
nos dá seu amor. Quanto mais experimentarmos o amor do
Pai, mais aprenderemos a confiar nele, mesmo em épocas
de extrema necessidade e total desamparo. Aprenderemos
a orar com fé do jeito que Jesus orou: “Pai, nas tuas mãos
entrego...”.
Em tempos de necessidade financeira, quando não
sabemos onde conseguiremos o dinheiro de que precisamos
para pagar a escola ou o aluguel, ou consertar o carro, ou
fazer as compras de supermercado, ou cobrir as despesas
médicas, ou bancar o plano de aposentadoria, oramos: “Pai,
em tuas mãos entrego minhas finanças”. Oramos dessa
maneira porque cremos que, em seu amor, Deus
providenciará aquilo de que precisamos.
Oramos da mesma maneira em nossa luta contra o
pecado. Podemos nos sentir derrotados por alguma
transgressão específica — um pecado repetido que o diabo
nos tenta a pensar que jamais conseguiremos vencer. Mas o
amor de Deus nos convence a dizer: “Pai, em tuas mãos
entrego a minha santificação. Por teu amor, livra-me do
Maligno e dá-me teu poder sobre esse pecado!”.
É desta maneira que oramos acerca de nossa saúde (ou
da saúde das pessoas que amamos): “Pai, em tuas mãos
entrego este corpo, pedindo que cures essa enfermidade e
consoles essa alma em sua luta com a dor física”. Também
é desta forma que oramos a respeito de nossos estudos:
“Pai, em tuas mãos entrego a lição de casa que eu não
entendo, as notas que não consigo alcançar, o ano com que
estou preocupado porque acho que vou repetir”.Podemos orar assim por tudo na vida: “Pai, em tuas mãos
entrego o meu casamento (ou o fato de ser solteiro)”; “Em
tuas mãos entrego minha família, com todos os seus
problemas”; “Em tuas mãos entrego o meu ministério —
seja como for que queiras que eu te sirva”; “Em tuas mãos
entrego a comunidade que me chamaste a amar, com todos
os seus problemas”; “Pai, em tuas mãos entrego o meu
futuro, com todas as suas esperanças e medos”.
E quando, por fim, chegarmos ao final da vida, estaremos
prontos para fazer a mesma petição que Jesus fez quando
chegou a hora de morrer: “Pai, em tuas mãos entrego o
meu espírito” (Lc 23.46). Muitos cristãos fizeram dessas
exatas palavras sua oração final. O primeiro a fazê-la
provavelmente foi Estêvão. Quando o digno diácono foi
martirizado por sua fé em Jesus Cristo, ele disse: “Senhor
Jesus, recebe meu espírito” (At 7.59). Um século depois,
quando o bispo Policarpo foi martirizado, ele morreu com
as mesmas palavras nos lábios. Houve outros: Martinho
Lutero, Filipe Melanchthon, Jerônimo de Praga, João Huss.
Quando Huss foi condenado pelo Concílio de Constança em
1415, o bispo que presidia a reunião disse: “E agora
entregamos tua alma ao diabo”. Ao que Huss respondeu
com toda calma: “Entrego o meu espírito em tuas mãos,
Senhor Jesus Cristo; a ti entrego o meu espírito, que
redimiste”.8
Outro exemplo notável é Lady Jane Grey (1536-1554), que
foi rainha de Inglaterra por apenas dezesseis dias. Porque
se recusou a renunciar à sua fé em Cristo, Lady Grey foi
condenada à execução. Ao subir ao cadafalso, ela se dirigiu
aos espectadores, dizendo as seguintes palavras: “Morro
como mulher verdadeiramente cristã e aguardo ser salva
por nenhum outro meio que não a misericórdia de Deus e o
sangue de seu Filho, Jesus Cristo”. Então, ela se ajoelhou e
recitou o salmo 51 como confissão de seus pecados. O
carrasco sentiu-se levado a se ajoelhar com ela e a pedir-
lhe perdão, que ela concedeu de bom grado. Então ela
disse: “Por favor, acabe logo comigo”. Tendo amarrado um
lenço ao redor de seus olhos, tateou até achar o cepo de
madeira e ali deitou a cabeça para ser decapitada,
pronunciando as palavras “Senhor, em tuas mãos entrego
meu espírito”. Lady Jane Grey tinha apenas dezessete anos
de idade.9
A maioria de nós terá uma morte menos violenta.
Contudo, morreremos (a menos que Jesus venha primeiro)
e, quando morrermos, precisaremos de toda a fé que
pudermos ter. Precisaremos de fé para saber que, quando
passarmos desta vida para a próxima, confiando na morte
que Jesus experimentou por nossos pecados, também
passaremos para as mãos amorosas de um Pai amoroso que
está esperando para nos receber de braços abertos. Crendo
nisso, seremos capazes de orar: “Pai, em tuas mãos entrego
o meu espírito”.
Alan Paton orou dessa maneira quando sua querida
esposa Dorrie estava morrendo, depois de uma longa luta
contra o enfisema. Enquanto participava da luta de vida ou
morte da esposa, o escritor sul-africano escreveu uma
versão ampliada da oração feita por Jesus na cruz:
Senhor, dá-me a graça de morrer na tua vontade.
Prepara-me para qualquer lugar ou condição que me
aguarda.
Deixa-me morrer fiel àquelas coisas que acredito serem
verdadeiras
e não permitas que por algum medo e que da morte eu
me afaste
de ti.
Senhor, dá-me também a graça de viver na tua vontade.
Ajuda-me a dominar qualquer medo, qualquer desejo que
me
impeça de viver na tua vontade.
Faze-me, ó Senhor, o instrumento de tua paz,
para que eu conheça a vida eterna.
Em tuas mãos entrego o meu espírito.
10
É preciso fé para orar dessa maneira. A chave para crescer
nessa fé é conhecer mais do amor de Jesus, que não apenas
nos ensinou a viver, mas também nos mostrou como morrer.
Quando conhecemos o amor de Jesus, confiamos nele em
tudo: tudo na vida, tudo na morte e tudo acerca da vida
vindoura.
GUIA DE ESTUDO
Confiança e amor são praticamente inseparáveis, porque é
quase impossível amar aqueles em quem não confiamos. A
confiança que depositamos em pessoas que amamos se
baseia no que cremos a seu respeito. Acreditamos que não
nos farão mal, que manterão as promessas que nos fizeram
e que se comportarão de acordo com certas expectativas.
Em última instância, ninguém é totalmente confiável,
exceto Deus. Por conseguinte, ele é o único que cumpre
totalmente o “sempre crer” que caracteriza o verdadeiro
amor em 1Coríntios 13.7.
1. Você conhece alguém que confiou em Deus em
circunstâncias difíceis? Descreva como a história dessa
pessoa influenciou você ou outros a confiarem em Deus.
2. Pense de novo na história de Richard Williams (veja p.
205-6), que confiou em Deus o tempo todo até o final
desesperador de sua vida. Você seria capaz de confiar em
Deus em circunstâncias assim? Qual é a situação extrema
que, caso aconteça, você pede a Deus para ser capaz de
suportar com total confiança nele?
3. Leia Mateus 27.45,46 e Salmos 22.1-5. O que Jesus
estava dizendo sobre seu relacionamento com o Pai
naquele momento? Por que isso é importante para nossa
salvação?
4. As últimas palavras de Jesus são encontradas em Lucas
23.46. Leia esse versículo junto com Salmos 31.1-5, texto
do salmo que Jesus estava citando. O que Jesus estava
afirmando crer a respeito de Deus Pai e de seu próprio
sofrimento? Por que é importante que ele tenha
terminado sua vida terrena com as palavras de Lucas
23.46, em lugar das palavras de Mateus 27.46?
5. Com base em Salmos 31.1-5, em que devemos crer em
relação ao Deus que nos ama?
6. Qual deve ser o impacto de nossas crenças em relação ao
amor de Deus sobre nossos relacionamentos com os que
nos rodeiam? Em que aspectos o amor de quem que não
ama a Deus é diferente do amor de quem o ama de
verdade?
7. Ser tão ingênuo a ponto de crer somente em coisas boas
sobre aqueles a quem amamos não é amar de verdade.
Portanto, o que Paulo quer dizer quando afirma que o
amor “sempre crê”? Em que tipo de coisas devemos crer
a respeito daqueles que amamos?
8. Charles Spurgeon disse certa vez: “Tomei a decisão de
que, se todos os meus sentidos contradisserem a Deus,
prefiro negar cada um deles a acreditar que Deus possa
mentir”. Já aconteceu de seus sentidos parecerem
contradizer a Deus? Você negaria seus sentidos e, em vez
disso, creria em Deus? Explique sua resposta.
9. Em épocas de sofrimento, às vezes descobrimos que a
maior dificuldade que enfrentamos não são as próprias
circunstâncias ou a dor física, mas a dúvida ou a
depressão espiritual. Você já se sentiu abandonado por
Deus? Naqueles momentos sombrios, o que você fez para
manter a fé?
10. Que coisas de sua vida você precisa entregar a Jesus
agora mesmo, a fim de seguir o exemplo dele na entrega
de sua alma ao Deus que o ama? Finanças? Saúde?
Hábitos pecaminosos? Problemas familiares? Os desafios
que você enfrenta no ministério? Gaste algum tempo
orando pelas circunstâncias atuais de sua vida de uma
maneira que demonstre sua confiança em Deus.
1Ian MacPherson, The punctuality of God (Manchester: Puritan, 1946),
disponível em: http://www.christianity.co.nz/life_death9.htm.
2Leon Morris, The First Epistle of Paul to the Corinthians, Tyndale New
Testament Commentaries (Grand Rapids: Eerdmans, 1958), p. 185 [edição em
português: 1Coríntios: introdução e comentário, tradução de Odayr Olivetti,
Série Cultura Bíblica (São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1981)].
3Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s view of 1 Corinthians 13
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 99.
4David E. Garland, First Corinthians, Baker Exegetical Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Baker, 2003), p. 619.
5Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 640
[edição em português: 1Coríntios: comentário exegético, tradução de Marcio
Loureiro Redondo (São Paulo: Vida Nova, a ser publicado)].
6Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, New
InternationalGreek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000),
p. 1057.
7Smedes, Love within limits, p. 96.
8Esses exemplos são narrados por James Montgomery Boyce em The heart of
the cross (Wheaton: Crossway, 1999) [edição em português: O coração da cruz
(São Paulo: Cultura Cristã, 2008)].
9 Disponível em: http://www.christianity.com/ChurchHistory/11629983/.
10Alan Paton, Journey continued: an autobiography (New York: Collier, 1988),
p. 275.
11
O AMOR PERDOA
O amor não fica ressentido.
(1CO 13.5)
Ele lhe disse pela terceira vez: “Simão, filho de João, você
me ama?”. Pedro se entristeceu porque ele havia lhe dito
pela terceira vez:
“Você me ama?”, e respondeu: “Senhor, tu sabes todas as
coisas; tu sabes que eu te amo”. Jesus lhe disse: “Apascente
as minhas ovelhas” .
(JO 21.17)
Que sensação deliciosa é ter sede de vingança! Embora
seja moralmente inaceitável e em última instância não
traga satisfação, é intenso o puro prazer que se tem ao
alimentar o rancor. Quando alguém nos faz mal, nossa ira
arde lentamente, e, para dizer a verdade, nós temos prazer
nesse sentimento. Aliás, algumas pessoas alimentam seu
ressentimento a vida inteira. Elas dizem: “Jamais vou
esquecer o que essa pessoa fez comigo!”, e jamais
esquecem, porque, por mais que odeiem o que lhes
aconteceu, ainda assim têm prazer em lamber suas feridas.
Quem é a pessoa que você considera mais difícil de
perdoar? Você já deixou todos os ressentimentos irem
embora, ou ainda está predisposto contra alguém por causa
de alguma coisa? Se você tem um apetite por vingança —
se gosta daquele acentuado sabor agridoce de um antigo
ressentimento —, precisa saber que, além de torná-lo
culpado diante de Deus, deixar de perdoar também vai
corroê-lo por dentro.
Os médicos Daniel Amen, Marian Diamond e Caroline
Leaf descreveram o que os sentimentos de vingança fazem
ao cérebro humano. Com base em pesquisa na área de
bioquímica, esses neurocientistas documentaram a enorme
quantidade de produtos químicos tóxicos que nosso corpo
libera no cérebro sempre que temos pensamentos
maldosos. As microfotografias que eles tiraram mostram
como os produtos químicos que são liberados vão
queimando e, assim, abrindo túneis até as ramificações de
nossas células nervosas.1
A dra. Leaf chama esses neurônios queimados de
“buracos negros emocionais”. São espaços vazios no
cérebro, produzidos pelos ressentimentos irados de uma
alma amargurada. Ainda assim, o que é surpreendente, é
possível que o cérebro faça crescer fibras nervosas que
preenchem esses buracos negros. Novas memórias podem
substituir as antigas. E uma das virtudes que, de acordo
com a dra. Leaf, mais traz cura é o perdão.2
LIVRANDO-SE DO RESSENTIMENTO
O apóstolo Paulo dá testemunho do poder do perdão em
seu retrato do amor, em que nos diz que o amor “não fica
[...] ressentido” (1Co 13.5). Ou, expressando a mesma
verdade de um modo afirmativo, o amor perdoa.
A tradução King James, em sua versão mais antiga, diz:
“O amor não pensa mal”. Essa maneira de expressar dá a
impressão de que Paulo está nos dizendo para não termos
maus pensamentos sobre outras pessoas. O amor não vive
pecaminosamente em suspeita. Se isso é verdade, então o
motivo pelo qual temos uma atitude tão negativa com
algumas pessoas tem de ser que nós não as amamos. Nas
palavras de Jonathan Edwards, o amor “é contrário à
tendência de pensar nos outros ou de julgá-los sem ser
caridoso”.3
Outros comentaristas veem uma semelhança verbal entre
1Coríntios 13.5 e um versículo do profeta Zacarias do
Antigo Testamento, o qual disse: “Não planejeis em vossos
corações o mal uns contra os outros” (8.17). Com certeza é
verdade que o amor não é maquinador; ele não elabora
planos escusos contra outras pessoas. No entanto, um
estudo cuidadoso da terminologia de 1Coríntios 13.5 revela
que não é contra pensar mal ou planejar o mal que Paulo
está alertando os coríntios. Sua preocupação não é com o
mal que estamos pensando em fazer aos outros; pelo
contrário, sua preocupação é com o que pensamos sobre o
mal que os outros nos fizeram.
O verbo grego que Paulo usa em 1Coríntios 13.5
(logizomai) é relativamente comum em todos os seus
escritos. Tem origem no mundo dos negócios —
especificamente na área da contabilidade. Significa
“calcular” ou “pôr na conta de alguém”. Por exemplo, em
sua Segunda Carta aos Coríntios, Paulo declarou que “Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, sem
computar suas ofensas contra eles” (5.19). Ao calcular o
saldo de nossos registros espirituais, Deus decidiu não
computar nossos pecados contra nós, mas, em vez disso,
considerou que foram pagos na cruz. Usando o linguajar
dos teólogos, Deus imputou nossos pecados a seu Filho,
tirando-os de nós e colocando-os na conta de Jesus Cristo.
Além de não computar nossos pecados contra nós, Deus
também decidiu computar a justiça de Cristo em nosso
favor. Paulo usa o mesmo verbo para descrever essa
transação em Romanos, em que a justiça é calculada em
favor de Abraão e de nós, com base na fé (e.g., Rm 3.28;
4.3,5). Então, a ideia de pôr algo na conta de alguém ajuda
a explicar tanto a doutrina da expiação quanto a doutrina
da justificação — o pagamento de nossos pecados na cruz e
o dom gratuito da justiça imputada de Jesus Cristo.
Quando voltamos nossa atenção para 1Coríntios 13.5,
encontramos o mesmo verbo, mas usado para uma
contabilidade do mal. Literalmente, o amor “não calcula o
mal”, com o sentido de que o amor não “põe o mal na conta
de alguém”. A ideia não é que o amor ignora o mal por
completo, como se ele nem sequer existisse. A ideia é que o
amor se recusa a computar aquele mal contra as pessoas.
De acordo com David Garland: “A imagem é de manter
registros de erros, com o intuito de retribuir com algum
dano”.4 Nesse caso, a New International Version tem talvez
a melhor tradução, porque usa um termo da área de
contabilidade: o amor “não mantém nenhum registro de
erros”.
Em outras palavras, o amor não guarda uma lista dos
erros dos outros para poder acertar as contas mais tarde.
Em vez disso, oferece o perdão, que pode ser definido como
“abrir mão de nosso direito de continuar irado e desistir de
nossa pretensão a um reembolso futuro do prejuízo que
sofremos”.5 Eis uma definição mais completa:
Uma pessoa perdoadora é alguém que, por uma profunda
consciência de que Deus lhe concedeu o perdão de uma
grande dívida, pede perdão facilmente a outra pessoa; é
alguém que repudia a ira, a amargura e o desejo de
vingança, a fim de iniciar uma abordagem amorosa de
quem quer que o tenha ferido; e é alguém que
voluntariamente se oferece para perdoar e esquecer o
dano sofrido, com a esperança de que a reconciliação seja
alcançada.
6
Essa é uma área em que todos nós temos dificuldades.
Quando as pessoas fazem algo que nos fere, tendemos a
nos lembrar disso para sempre, e, se tivermos uma
oportunidade, vamos lhes fazer alguma coisa que seja em
todos os aspectos tão ruim, se não um pouco pior. No
mínimo, nós as lembraremos daquilo que nos fizeram,
guardando essa informação e usando-a contra elas. Dessa
maneira, podemos nos sentir moralmente superiores, ao
mesmo tempo em que desculpamos nosso próprio pecado
de não estarmos dispostos a perdoar.
Como é difícil deixar para trás um ressentimento antigo!
Lewis Smedes define ressentimento como “a irritação de
ontem, riscada a faca nas membranas sensíveis de nossa
memória”.7 Os riscos são profundos e, em alguns casos,
ainda sangram. Alguém traiu nossa confiança ou abusou de
sua autoridade sobre nós. Disse palavras ferinas que nunca
conseguimos esquecer. Prejudicou nossa saúde ou feriu
nosso corpo. Fez com que perdêssemos tempo, desprezou
nosso carinho ou roubou nossa felicidade. Quando essas
coisas más acontecem, muitas pessoas acham mais fácil se
apegar à dor do que deixá-la passar. Elas se recusam a
desistir do direito de ferir a outra pessoa por tê-las ferido.
Continuam assistindo novamente, na telado computador
interno de sua mente e coração, aos males que sofreram. A
menos que tudo seja completamente resolvido e totalmente
reconciliado, e até que isso aconteça, elas nunca
perdoarão.
Quando o ressentimento ergue tal tipo de barreira, só o
amor tem o poder de derrubar esse muro e libertar “a
memória de ficar presa ao mal do passado”.8 O amor não
ignora a iniquidade; ele está dolorosamente consciente de
qualquer mal que tenha sido feito. Ainda assim, em vez de
retribuir mal com mal, procura vencer o mal com o bem. O
amor “atura o mal sem avaliar como retaliar”.9
Que mal Deus está chamando você a aturar? Que
lembranças Deus está lhe dizendo para deixar ir embora?
Que pessoa ele está chamando você a amar? É um membro
da família? Um colega de trabalho? Um colega de classe?
Um vizinho? Um membro ou líder de sua igreja local? Em
vez de arder lentamente por causa de um ressentimento
antigo ou de desejar vingança, o amor tem o poder de
renovar as coisas. Conforme Lewis Smedes explica: “O
amor deixa o passado morrer. Leva as pessoas a um novo
começo, sem acertar contas com o passado. O amor não
tem de esclarecer todos os mal-entendidos. [...] O amor
prefere amarrar firmemente no perdão todas as pontas
soltas de erros e acertos do passado — e nos empurra para
um novo começo”.10
Em resumo, o amor perdoa.
A QUEDA DE PEDRO
Ao ligarmos esse aspecto do amor à pessoa e obra de Jesus
Cristo, é natural que tornemos a voltar nossa atenção para
a cruz. Em suas horas finais, Jesus perdoou os próprios
homens que o ridicularizaram e crucificaram. Ele disse:
“Pai, perdoa-os” (Lc 23.34). Ao dizer isso, Jesus estava nos
mostrando o poder que o amor tem de perdoar. Estava
perdoando seus inimigos pela traição cruel, pela injustiça
irracional, pela tortura brutal e pelo tratamento covarde,
para não mencionar o mal ultrajante de assassinar o Filho
de Deus.
Existe ainda outro ato de perdão que pode nos afetar
mais de perto e tocar mais fundo no nosso coração. Não
foram apenas os seus inimigos que Jesus perdoou —
inclusive estranhos que mal o conheciam —, mas também
seus amigos. Em geral, as mágoas mais profundas são
causadas pelas pessoas que estão mais próximas de nós, e
para Jesus isso incluía seus discípulos. Refiro-me
especificamente a Pedro e à ocasião em que Jesus o
perdoou.
Pedro foi o primeiro e o mais ousado dos doze discípulos
originais. Foi o primeiro que Jesus chamou para ser
discípulo, o primeiro e único a sair do barco e andar sobre
a água e o primeiro a reconhecer que Jesus é “o Cristo, o
Filho do Deus vivo” (Mt 16.16). Foi o primeiro a jurar que
seguiria Jesus até a morte. Pedro foi o primeiro no
discipulado, o primeiro na obediência, o primeiro na fé e o
primeiro no sacrifício.
Pedro também foi o primeiro a ter uma queda. A história
é contada de maneira honesta e dolorosa em todos os
quatro Evangelhos bíblicos. Depois que Jesus foi preso,
Pedro foi suficientemente corajoso para segui-lo até seu
julgamento perante o sumo sacerdote Caifás. Enquanto ele
estava esperando lá fora no pátio, uma serva que estava
perto da porta disse: “Você também é um dos discípulos
desse homem, não é mesmo?” (Jo 18.17). Essa pergunta
inesperada deu a Pedro uma chance de apoiar Cristo na
hora da sua maior provação. Em vez disso, ele negou ser
discípulo. “Não sou”, ele disse.
Logo em seguida Pedro se encontrava junto à fogueira em
que soldados e servos estavam se aquecendo, em uma fria
noite de primavera. Naturalmente a conversa girava em
torno de Jesus. Eles disseram a Pedro: “Você também é um
dos discípulos desse homem, não é mesmo?” (v. 25). De
novo, Pedro negou. Não demorou muito para que negasse
mais uma vez, quando outro servo perguntou: “Por acaso
não vi você no jardim com ele?” (v. 26). Pedro respondeu,
dizendo: “Homem, não sei de que você está falando” (Lc
22.60). Mateus acrescenta o detalhe incriminador de que,
para tornar sua terceira negação mais convincente, Pedro
invocou maldições sobre si mesmo (Mt 26.74).
Para entender o que custou a Pedro ser perdoado de
todas essas negações, é importante compreender a
natureza e a magnitude de seu pecado. Geralmente
pensamos que Pedro cometeu três vezes um único pecado,
mas na verdade ele foi culpado de muitos pecados, que
cometeu repetidamente.
É óbvio que Pedro foi culpado de traição; ele traiu seu
compromisso com Cristo, negando que tivesse
absolutamente qualquer relacionamento com Jesus. Em
parte, esse foi um pecado de mentir. Em vez de dizer o que
era verdade, Pedro deu testemunho de algo falso. Também
foi um pecado de blasfêmia: ao invocar maldições, estava
tomando o nome do Filho de Deus em vão. Acrescente-se a
isso o pecado de idolatria: Pedro deu mais valor à sua
própria segurança e proteção do que à adoração do único
Deus verdadeiro. Seu pecado também foi o de deixar de
evangelizar. Pedro estava tão ocupado tentando salvar o
próprio pescoço, que perdeu a oportunidade de dar
testemunho do poder salvador e da misericórdia graciosa
de Jesus Cristo. Poderíamos até mesmo dizer que foi
cúmplice de um assassinato, porque, em vez de defender
um homem inocente que estava prestes a morrer, Pedro
não quis ter nada que ver com ele.
Tudo isso é acentuado pelo fato de que Pedro tinha o
dever de saber. O que ele fez já seria bastante ruim para
um recém-convertido, mas Pedro era um dos discípulos
mais antigos e estimados de Jesus. Por isso, dificilmente
poderia alegar que desconhecia aquilo que Deus exigia.
Pelo contrário, muitas vezes ouviu o que Jesus afirmou
sobre dizer a verdade, adorar a Deus e compartilhar o
evangelho. Porque tinha sido tão bem instruído, Deus o
consideraria alguém com uma responsabilidade duas ou
três vezes maior. Além disso, Pedro tinha sido
explicitamente advertido de que corria perigo espiritual.
Anteriormente, naquela mesma noite, Jesus lhe tinha dito:
“Em verdade, em verdade eu lhe digo que o galo não
cantará até que você me negue três vezes” (Jo 13.38).
Apesar disso, Pedro seguiu em frente e cometeu aquele
exato pecado que fora avisado para não cometer. Para
piorar as coisas, a pessoa que Pedro negou foi o próprio
Filho de Deus. Em certo sentido, todo pecado é obviamente
um pecado contra Deus, mas nesse caso esse fato é
especialmente inegável. Pedro pecou contra Deus.
Quando consideramos a natureza exata e toda a
magnitude do pecado de Pedro, devemos reconhecer que
dentro de nós existe bem mais do que um Pedrinho. Você já
cometeu o mesmo pecado duas vezes? Três vezes? Você já
disse algo que não era verdade simplesmente para fazer
melhor figura na frente de outras pessoas? Você já teve
uma boa oportunidade de compartilhar o evangelho, mas
mudou de assunto porque não tinha certeza sobre o que
dizer ou como as pessoas reagiriam? Você já usou
linguagem vulgar que incluía ofender o nome de Deus? E
você já fez essas coisas mesmo sabendo que não devia?
Nesse caso, então, você fez a mesma coisa que Pedro e
negou seu Salvador.
O ARREPENDIMENTO E O PERDÃO DE PEDRO
Como você acha que Jesus deveria ter reagido com Pedro?
Muitas pessoas — talvez a maioria delas — teria acabado
com o relacionamento naquela mesma hora. Se os
discípulos fossem empregados, Pedro poderia ter sido
despedido por justa causa. Afinal, o homem era
irresponsável, desleal e era alguém em quem não se podia
confiar. Quando você quis que ele ficasse do seu lado, ele se
virou contra você. Quando você precisou de que ele
permanecesse firme, ele caiu. Por isso, Jesus teria tido
plena razão, caso decidisse que Pedro não era digno de ser
um de seus discípulos.
Jesus poderia dizer a mesma coisa sobre cada um de nós,
porque nós também temos falhado com ele de muitas
maneiras. Há pecados que sua Palavra nos advertiu para
não cometermos, mas assim mesmo fomos em frente e os
cometemos. Houve pessoas que tentamos amar em nome
dele, mas ficamos tão cansados de lidar com elas, que
desistimos. Tivemos oportunidades de nos posicionar em
defesa de seu evangelho,mas, em vez disso, nos
acovardamos. Então, quando vemos Pedro falhar, também
precisamos ver como Jesus reagiu, porque isso dirá se
existe alguma esperança de que nossos pecados sejam
perdoados.
O que Jesus fez? A primeira coisa que ele fez foi
simplesmente olhar para seu discípulo. No exato momento
em que proferiu sua terceira e última negação, Pedro ouviu
o som que congelou a sua alma: o primeiro cantar do galo
ao amanhecer. Pedro tinha sido advertido de que, antes que
o galo cantasse, ele negaria Jesus três vezes. Naquele exato
momento — esse é um detalhe que Lucas registra com
cuidado em seu Evangelho — “o Senhor se virou e olhou
para Pedro” (Lc 22.61). Lucas não nos diz qual expressão
Jesus tinha no rosto, mas podemos inferir que ele olhou
para Pedro com amor. Jesus sabia exatamente o que seu
discípulo tinha feito. Mas, em vez de querer magoar Pedro
por isso, estava começando a ajudá-lo. O olhar que Jesus
deu para seu discípulo foi um chamado ao arrependimento.
Imediatamente Pedro saiu e chorou por aquilo que havia
feito. Eram lágrimas de tristeza? É muito provável que
fossem, porque seu Senhor estava nas mãos dos homens
maus. Eram lágrimas de confusão? Talvez fossem; quem
sabia o que aconteceria com Jesus? Eram lágrimas de
desespero? De jeito nenhum. O discípulo que morreu em
desespero foi Judas, que lamentou o que havia feito, mas
nunca se arrependeu. Pedro também pecou contra Jesus,
mas depois disso ele se arrependeu pelo que tinha feito.
Suas lágrimas brotavam de um coração que estava
realmente triste pelo pecado. O olhar amoroso de Jesus era
tudo de que Pedro precisava para saber que tinha que se
arrepender.
No entanto, Jesus fez mais por Pedro do que
simplesmente chamá-lo a se arrepender. Poucas horas
depois, ele foi para a cruz e pagou o preço dos pecados de
seu discípulo. Jesus morreu por Pedro e por sua tríplice
negação, da mesma maneira que morreu pelo pecado de
qualquer outra pessoa. Esse foi o evangelho que Pedro
pregou pelo resto da vida: por meio da cruz, existe perdão
para o pior dos pecadores. Depois disso, Pedro pregou que
Cristo “sofreu uma única vez pelos pecados, o justo pelos
injustos, para que pudesse nos levar a Deus” (1Pe 3.18). E,
quando se referiu aos “injustos”, Pedro estava se incluindo
como o discípulo que negou Jesus na noite anterior à
crucificação. Ele sabia que fora perdoado por meio da cruz.
Nós também somos. O perdão que Pedro recebeu como
pecador arrependido é o mesmo perdão que ele pregou
para todo mundo. Ele proclamou que Jesus havia sido
crucificado e morto pelas mãos de homens iníquos, antes
de ser ressuscitado e exaltado à destra de Deus (At
2.23,32,33). Em seguida, Pedro nos exortou a fazer
exatamente o que ele fez em relação a isso: arrepender-nos
para perdão de nossos pecados (At 2.38).
A RESTAURAÇÃO DE PEDRO
Quando nos arrependemos de verdade, recebemos o que
Pedro recebeu. Não importa o que fizemos, seremos
totalmente perdoados. Sabemos disso porque o que Jesus
fez por Pedro na cruz — o que ele fez por todos nós —
preparou o terreno para a notável reconciliação que
ocorreu entre os dois amigos, depois que Jesus voltou dos
mortos.
Aconteceu na margem do mar da Galileia. Os discípulos
haviamdecidido ir pescar, com Pedro, como de costume, à
frente. Pescaram a noite toda, mas não apanharam nada
até que um estranho na praia lhes disse para lançarem as
redes do outro lado, quando então apanharam uma
quantidade tão grande de peixes, que não conseguiam nem
mesmo trazê-los para dentro do barco. Assim que Pedro
percebeu que o estranho era Jesus, pulou do barco e nadou
até a praia. Esse simples gesto já foi uma clara indicação
do arrependimento de Pedro. Ele não estava se movendo
para longe de Jesus, mas na direção dele, que é o que
sempre devemos fazer quando sabemos que pecamos. Não
devemos permanecer longe de Jesus, como se
conseguíssemos lidar sozinhos com o pecado, mas, em vez
disso, devemos ir direto até o Salvador em busca de graça,
misericórdia e perdão.
Logo, todos os discípulos estavam de volta a terra com a
pesca do dia. Servindo com amor, Jesus havia feito uma
fogueira e preparado uma deliciosa refeição matinal com
pão e peixe. Depois disso, Pedro e Jesus tiveram uma
conversa sincera à beira do lago, a qual para Pedro foi mais
como uma cirurgia de coração.
Vale a pena notar o que Jesus não disse. Ele não
condenou Pedro por suas negações. Não lhe disse que teria
de fazer por merecer sua volta ao discipulado. Não falou
com Pedro de modo algum para feri-lo ou demonstrando
ressentimento, que é como a maioria das pessoas falaria,
caso alguém as tivesse tratado tão mal quanto Pedro tratou
Jesus.
O fato de que Jesus não disse nenhuma dessas coisas
demonstrou que Pedro estava perdoado, no sentido pleno e
bíblico da palavra. Jesus não estava mantendo um registro
permanente dos erros de Pedro. Ele não estava predisposto
contra Pedro por causa de seu pecado, mas, em vez disso,
estava mostrando seu amor sem nenhum ressentimento.
Em vez de pôr a transgressão de Pedro na conta do próprio
Pedro, Jesus considerou que a conta de Pedro tinha sido
totalmente paga na cruz, na qual ele mesmo havia morrido
pelos pecados de Pedro.
Em consequência disso, Pedro experimentou o perdão
amoroso que Deus mostra a todos que nele creem. Ele
recebeu a bênção do homem descrito no Salmo 32, “cuja
transgressão é perdoada, cujo pecado é coberto” e “contra
quem o SENHOR não computa nenhuma iniquidade” (Sl
32.1,2). Depois disso, Pedro pôde dar o mesmo testemunho
que o salmista: “Se tu, ó SENHOR, registrasses as iniquidades,
quem conseguiria suportar, ó Senhor? Mas contigo há
perdão, para que sejas temido” (Sl 130.3,4).
Portanto, o que Jesus de fato disse a Pedro? Ele só fez
uma simples pergunta: “Você me ama?”; e deu uma simples
ordem: “Apascente as minhas ovelhas”. Jesus fez essa
pergunta não uma nem duas vezes, mas três. Está claro
que isso visava a lembrar Pedro de sua tríplice negação —
não porque Jesus estivesse predisposto contra ele por
causa daquele pecado, mas porque queria que Pedro
experimentasse o tipo de perdão que poderia motivá-lo
para o ministério.
Na primeira vez em que Jesus fez a pergunta, ele disse:
“Simão, filho de João, você me ama mais do que esses?” (Jo
21.15). Quando disse “mais do que esses”, é bem possível
que Jesus estivesse se referindo aos outros discípulos.
Anteriormente, Pedro havia tentado afirmar que, mesmo
que os demais discípulos abandonassem Jesus, ele seria fiel
até o fim. O que ele diria agora, depois de não ter
conseguido cumprir a promessa de que tinha anteriormente
se vangloriado? Desta vez, Pedro se recusou a fazer
qualquer comparação insensata, mas simplesmente disse:
“Sim, Senhor; tu sabes que eu te amo” (v. 15).
Pedro deu a mesma resposta uma segunda vez: “Sim,
Senhor; tu sabes que te amo” (v. 16). Mas a terceira vez foi
diferente. A Bíblia nos diz que “Pedro se entristeceu porque
ele lhe disse pela terceira vez ‘Tu me amas?’” (v. 17). É
evidente que Pedro se entristeceu porque as três perguntas
o lembraram das três negações. Assim mesmo, ele
permaneceu firme na declaração de seu amor: “Senhor, tu
sabes todas as coisas; tu sabes que eu te amo” (v. 17).
Pedro não teve medo de dizer que, apesar de toda sua
fraqueza, ele de fato amava Jesus. Ele tinha o tipo de amor
que a graça incita.
É isso o que o amor de Jesus pode fazer por qualquer um
de nós. Primeiro ele apanha nossos fracassos e os perdoa.
Isso nos dá uma gratidão tão grande que, em retribuição,
começamos a amar Jesus. Mas isso não é tudo. O amor de
Jesus nos permite, então, servir aos outros com o mesmo
tipo de amor.
Pedro não apenas foi perdoado e em seguida teve o
pecado esquecido, mas também foi chamado para o serviço
de amor. Três vezes Jesus lhe ordenou que pastoreasse o
povo de Deus — ou seja, que amasse esse povo. “Alimente
meus cordeiros”, disse Jesus (v. 15). “Cuide de minhas
ovelhas” (v. 16). “Apascente minhas ovelhas”(v. 17). O
fracasso de Pedro não o desqualificou para o serviço do
Senhor. Na verdade, Jesus estava confiando a ele seu bem
mais precioso: os filhos de Deus comprados com sangue.
Pedro foi chamado a cuidar das ovelhas que Jesus ama,
alimentando-as com a Palavra de Deus e vigiando-as com
amor, como um bom pastor faria.
PERDOANDO DO JEITO QUE JESUS PERDOA
A restauração de Pedro nos ajuda a entender nosso
próprio chamado a amar. Basicamente, “ter amor” é “ter
com os outros a atitude que Deus em Cristo tem tido
conosco”.11 Isso inclui oferecer-lhes o mesmo tipo de
perdão que temos recebido.
Amar do jeito que Jesus ama sempre começa com o
entendimento do quanto Deus nos tem amado. Quando se
trata de perdão, descobrimos que ele não computa nossos
pecados contra nós, mas nos perdoa por meio da cruz de
Cristo. Temos negado Jesus mais vezes do que Pedro
chegou a negar, mas ainda assim somos perdoados.
Conforme Pedro escreveu mais tarde, “o amor cobre uma
multidão de pecados” (1Pe 4.8).
Quando Pedro disse isso, não estava pensando
basicamente no perdão de nossos pecados, mas no perdão
que oferecemos pelos pecados dos outros. Agora, somos
chamados a amar os outros com o mesmo amor de Jesus.
Tendo sido perdoados, somos chamados a perdoar. Embora
talvez não sejamos chamados a servir como pastores
espirituais como Pedro, todos nós somos chamados a amar.
Somos chamados a viver e a distribuir aquilo que
recebemos graciosamente: o amor e o perdão de Jesus.
Se falharmos em perdoar, então falharemos em pôr em
prática as implicações do perdão que nós mesmos
recebemos por meio do evangelho. Amy Carmichael aplicou
esse princípio à sua condição de discípula, com uma série
de declarações condicionais:
Se eu não tenho compaixão de meus conservos, ainda que
meu Senhor tenha tido compaixão de mim, então não
conheço nada do amor do Calvário.
Se não conheço quase nada de sua compaixão, se não
conheço quase nada de seu incentivo à esperança para os
realmente humildes e arrependidos, então não conheço
nada do amor do Calvário.
Se jogo na cara de uma pessoa arrependida um pecado
confessado e abandonado, e deixo que minha lembrança
daquele pecado afete meu pensamento e alimente minhas
suspeitas, então não conheço nada do amor do Calvário.
Se fico ofendida com facilidade, se me sinto satisfeita em
continuar com uma fria animosidade, embora a amizade
seja possível, então não conheço nada do amor do
Calvário.
Se digo: “Sim, eu perdoo, mas não posso esquecer”, como
se o Deus que lava a areia de todas as praias do mundo
duas vezes por dia não pudesse lavar essas memórias de
minha mente, então não conheço nada do amor do
Calvário.
12
Em contraste com isso, se temos de fato compaixão, se
demonstramos de fato misericórdia, se buscamos de fato a
reconciliação, se perdoamos e esquecemos de fato, então
estamos mostrando aos outros o mesmo tipo de amor que
Jesus nos mostrou quando morreu por nossos pecados no
Calvário.
Você está aprendendo a amar? Você consegue perdoar?
Ou você ainda está ardendo de ressentimento contra todas
as pessoas que “lhe têm feito mal”? Talvez você possa se
identificar com as palavras de John Newton, que, pela
incrível graça de Deus, foi resgatado de sua vida de pecado
como traficante de escravos. “Tanto perdão”, Newton disse,
mas “tão pouco, tão pouco amor. Tanta misericórdia, tão
pouca retribuição. Privilégios tão grandes e uma vida tão
lamentavelmente abaixo deles”.13
Infelizmente, nosso amor não é o que poderia ser, e nosso
perdão não é o que deveria ser. No entanto, ainda há
esperança para nós em Jesus. Vemos essa esperança na
vida de Kim Phuc. Embora talvez você não a reconheça
pelo nome, é possível que a reconheça por sua foto. Kim
Phuc é a menina nua de nove anos de idade em uma famosa
foto da guerra do Vietnã, que mostra pessoas aterrorizadas
fugindo de um ataque de napalm perto de Saigon. O que se
segue é o que ela escreveu sobre aquele ataque, sobre suas
consequências dolorosas e sobre a graça de Deus que a
capacitou a perdoar:
Em 8 de junho de 1972 eu saí correndo do templo
caodaísta em Trang Bang, meu vilarejo no Vietnã do Sul.
Vi um avião diminuindo de altitude e então quatro
bombas caindo. Vi fogo por todo lado ao meu redor. Então
vi o fogo no meu corpo, especialmente no meu braço
esquerdo. Minhas roupas tinham sido totalmente
queimadas pelo fogo.
Eu tinha 9 anos, mas ainda me lembro de meus
pensamentos naquele instante: Eu ficaria feia, e as
pessoas iriam me tratar de modo diferente. Minha foto foi
tirada naquele momento na Rodovia1, que ia de Saigon a
Phnom Penh. Depois que um soldado me deu algo para
beber e jogou água no meu corpo, fiquei desacordada.
Vários dias depois percebi que estava no hospital, onde
passei 14 meses e fui submetida a 17 cirurgias. Foi um
momento muito difícil para mim quando saí do hospital e
voltei para casa. Nossa casa estava destruída; perdemos
tudo e íamos apenas sobrevivendo dia a dia. A raiva
dentro de mim era como um ódio tão grande quanto uma
montanha. Eu odiava minha vida. Eu odiava todas as
pessoas que eram normais, porque eu não era normal. Na
verdade, muitas vezes eu quis morrer.
Eu passava o dia na biblioteca, lendo uma porção de
livros religiosos para encontrar um propósito para minha
vida. Um dos livros que li foi a Bíblia Sagrada. No Natal
de 1982, aceitei Jesus como meu salvador pessoal. Foi
uma virada incrível na minha vida. Deus me ajudou a
aprender a perdoar — a mais difícil de todas as lições.
Isso não aconteceu da noite para o dia, e não foi fácil.
Mas, por fim, entendi.
O perdão me libertou do ódio. Ainda tenho muitas
cicatrizes no corpo e fortes dores quase todos os dias,
mas meu coração está limpo. Napalm é muito poderoso,
mas a fé, o perdão e o amor são muito mais poderosos.
Se aquela garotinha da foto consegue fazê-lo, pergunte
a si mesmo: Você consegue?
14
Sim, pela graça de Deus, você consegue fazê-lo! Você
pode receber o perdão de seus pecados por meio de Jesus
Cristo. Então, o Espírito de Jesus o libertará do
ressentimento e lhe dará seu amor, que tem o poder de
perdoar.
GUIA DE ESTUDO
Quando as pessoas nos fazem mal, às vezes queremos ficar
relembrando o dano que sofremos para poder justificar
nossa ira. Lá no subconsciente, temos a sensação de que,
se deixarmos nosso ressentimento ir embora, estamos
deixando que a pessoa se safe com demasiada facilidade.
Por isso, ficamos pensando horas e horas sobre o assunto e
contamos a outros a respeito, para justificarmos nossa ira.
Mas o verdadeiro amor não mantém um registro de erros.
Devemos perdoar e não aceitar alimentar ressentimentos
contra os que nos prejudicaram.
1. Quando você fica realmente irado com alguém, como lida
com isso? Descreva uma ocasião em que não lidou bem
com a ira. Quais foram os resultados de suas ações?
2. Quando decidimos perdoar alguém, que ações precisam
vir em seguida à nossa decisão para podermos executá-
la? Que passos práticos são uma parte necessária do
perdão?
3. A palavra usada em 1Coríntios 13.5 para perdão significa
“pôr na conta de alguém”. Que dimensões o uso do
vocabulário comercial acrescenta às nossas definições
comuns de perdão? De que maneira pensar da
perspectiva de uma conta bancária nos ajuda a perdoar
mais plenamente?
4. Leia Mateus 26.30-35,69-75. De que pecados Pedro foi
culpado?
5. Com base em Mateus 26.30-35,69-75, que palavras você
usaria para descrever Pedro? De que maneira você se
identifica com ele?
6. Como você tem negado Jesus? Sua negação pode ser um
incidente específico de seu passado ou ações diárias que,
se você realmente refletir a respeito delas, são pequenas
formas de negar a Cristo.
7. Leia João 21.1-8. Qual foi a reação de Pedro à atitude de
Jesus?Que emoções podemos inferir que ele estava
sentindo?
8. Leia João 21.9-19. Como Jesus mostra a Pedro que ele
está perdoado? Faça uma lista das ações e palavras de
Jesus que devem ter tido um significado especial para o
Pedroarrependido.
9. Que princípios podemos extrair do perdão de Jesus e de
sua restauração de Pedro e que também se aplicam à
maneira que Jesus nos trata? O que podemos aplicar
dessa história para nos ajudar a perdoar da maneira
certa?
10. Quais são os benefícios que o perdão traz para aquele
que perdoa? Quais são os resultados negativos de nos
apegarmos à ira e ao ressentimento?
11. Lewis Smedes escreve: “O amor deixa o passado
morrer. Leva as pessoas a um novo começo, sem acertar
contas com o passado. O amor não tem de esclarecer
todos os mal-entendidos. [...] O amor prefere amarrar
firmemente no perdão todas as pontas soltas de erros e
acertos do passado — e nos empurra para um novo
começo”. Quem vem à sua mente quando você lê essa
citação? Que passos você quer dar para perdoar de
verdade essa pessoa?
1Disponível em: http://www.amenclinic.com, “Brain disorder research”.
2A pesquisa científica sobre buracos negros emocionais está resumida em
Tom White, “Holes in your head — or helmet of salvation?”, Voice of the
Martyrs (September, 2008): 2.
3Jonathan Edwards, Charity and its fruits (1852; reimpr., Edinburgh: Banner
of Truth, 2005), p. 204 [edição em português: A caridade e seus frutos: uma
exposição clássica sobre o amor, tradução de Tiago F. Cunha (s.l.: KDP, 2016)].
4David E. Garland, First Corinthians, Baker Exegetical Commentary on the
New Testament (Grand Rapids: Baker, 2003), p. 618.
5Brian J. Dodd, Praying Jesus’ way: a guide for beginners and veterans
(Downers Grove: InterVarsity, 1997), p. 101.
6Eric E. Wright, Revolutionary forgiveness (Auburn: Evangelical Press,
2002), p. 147.
7Lewis B. Smedes, Love within limits: a realist’s view of 1 Corinthians 13
(Grand Rapids: Eerdmans, 1978), p. 67.
8Ibidem, p. 67.
9Garland, First Corinthians, p. 619.
10Smedes, Love within limits, p. 71.
11Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, New International
Commentary on the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), p. 631
[edição em português: 1Coríntios: comentário exegético, tradução de Marcio
Loureiro Redondo (São Paulo: Vida Nova, a ser publicado)].
12Amy Carmichael, If (London: SPCK, 1938), p. 4, 11, 19, 36, 40.
13John Newton, citado em Steve Turner, Amazing Grace: the story of
America’s most beloved song (New York: HarperCollins, 2002), p. 110.
14Kim Phuc com Anne Penman, “The long road to forgiveness”, Canadian
Broadcasting Corporation (30 jun. 2008).
12
O AMOR NUNCA FALHA
O amor nunca acaba.
(1CO 13.8)
Porque estou certo de que nem a morte nem a vida, nem
anjos nem governantes, nem coisas presentes nem coisas
futuras, nem poderes, nem a altura nem a profundidade,
nem qualquer outra coisa em toda a criação conseguirá nos
separar do amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor.
(RM 8.38,39)
Qual é a sua experiência com o amor de Jesus? Uma coisa é
ouvir sobre o seu amor, outra é experimentar o poder dele
na própria vida. Então, você encontrou o amor de Jesus e
aprendeu a viver de acordo com ele? Você já o recebeu e
começou a partilhá-lo?
Para Agostinho, que foi um dos principais teólogos da
igreja antiga, chegar à fé em Jesus Cristo era como
apaixonar-se depois de procurar em todos os lugares
errados. “Foi tarde que eu te amei”, lamentou Agostinho
em sua famosa obra Confessions, escrevendo sobre os anos
que desperdiçou fugindo de Deus: “Foi tarde que eu te
amei, uma beleza tão antiga e tão nova, tarde eu te amei!
[...] Eu te procurei e, na minha maldade, lancei-me nas
belezas que fizeste. Tu estavas comigo, e eu não estava
contigo. Essas belezas exteriores me mantiveram longe de
ti”.1
Como foi que Agostinho chegou a encontrar o amor de
Cristo? Apenas pela graça de Deus, que o alcançou e o
salvou. É assim que Agostinho descreve como recebeu o
amor de Deus: “Tu chamaste, tu gritaste, tu despedaçaste
minha surdez; tu cintilaste, tu brilhaste, tu dispersaste
minha cegueira; exalaste perfume, e eu aspirei e fiquei
ofegante por ti; eu experimentei e estou faminto e sedento;
tu me tocaste, e eu ardi desejando tua paz”.2
Nem todo mundo descreveria sua conversão da mesma
maneira que Agostinho, mas o que ele capta tão
profundamente é a forma que o amor de Jesus penetra
nossos sentidos físicos. Conhecer Jesus é ouvir seu amor,
ver seu amor, sentir o gosto de seu amor e ser tocado por
seu amor.
AMOR ETERNO
Uma das melhores formas de aprender mais do amor de
Jesus é estudar 1Coríntios 13 junto com os Evangelhos. Em
Mateus, Marcos, Lucas e João, descobrimos que tudo o que
o apóstolo Paulo disse aos coríntios sobre o amor é
ilustrado de forma magistral na vida perfeita, na morte
expiatória e na ressurreição gloriosa de Jesus Cristo.
Jesus nunca faz nada sem amor. Na verdade, o amor de
Jesus é tudo o que o Capítulo do Amor diz que o amor deve
ser. É paciente com os pecadores e bondoso com estranhos.
Não inveja nem se vangloria, mas se oferece em serviço
humilde. Não insiste em sua própria vontade, mas se
submete ao Pai. É capaz de perdoar, confiar, esperar e
perseverar.
Em outras palavras, o amor de Jesus é tudo o que não
somos. Retratamos isso lá no início de nosso estudo de
1Coríntios 13, substituindo a palavra “amor” pelos nossos
próprios nomes e, em seguida, substituindo pelo nome
“Jesus”. Quando inserimos nossos próprios nomes na
passagem, obtemos declarações estranhas, tais como
“Philip é paciente e bondoso”, ou “Philip suporta todas as
coisas”. Mas, quando tentamos usar o nome de “Jesus”, a
passagem toda fica esplêndida: “Jesus não é arrogante nem
grosseiro”; “Ele não insiste em que as coisas sejam feitas à
sua maneira”; e assim por diante. Jesus Cristo é o amor
vivo e perfeito.
Em nenhuma outra passagem o contraste entre nosso
amor e o amor de Jesus é mais absoluto do que no início do
versículo 8, quando a Escritura diz que o amor “nunca
acaba” ou “nunca falha” (NIV). Caso fôssemos colocar
nossos nomes no início desse versículo, acabaríamos com
uma impossibilidade lógica, porque o nosso amor sempre
falha. Mas o versículo é verdadeiro no que diz respeito a
Jesus: seu amor nunca falha.
Se lermos 1Coríntios 13.8 um pouco mais literalmente, o
versículo diz que “o amor nunca cai”. De acordo com David
Garland,“Existem diferentes tipos de quedas. Paulo pode
estar querendo dizer que o amor nunca sai derrotado, que
nunca é destruído, que nunca fracassa, que nunca é
insatisfatório ou que nunca deixa de ter algum resultado”.3
O verdadeiro amor nunca deixa nenhuma dessas coisas
acontecer; ele nunca decepciona. Mas, com base no que
Paulo diz em seguida, fica evidente que ele está pensando
basicamente em como o amor continua amando, não em
como o amor se mantém. Os versículos seguintes
descrevem vários dons que “cessarão” ou “passarão”, em
contraste com o amor, que “nunca acaba”, mas “continua”
para sempre (v. 8,10,13).
Para deixar isso claro, o apóstolo menciona vários dons
espirituais que estavam provocando controvérsia em
Corinto porque algumas pessoas os estavam transformando
no elemento mais importante da vida cristã. O argumento
de Paulo é simplesmente que, por mais úteis que possam
ser, esses dons são temporários e transitórios e, portanto,
não são tão importantes quanto o amor, que durará para
sempre.
Veja a profecia, por exemplo. A profecia é um dos maiores
dentre todos os dons espirituais. Quando o profeta fala, até
mesmo o rei tem de ouvir. Mas, “quanto a profecias”, Paulo
diz que elas “passarão” (v. 8). O profeta fala
antecipadamente o que Deus fará. Os profetas do Antigo
Testamento aguardavam com expectativa a vinda de Cristo.
A profecia do Novo Testamento é sobre a volta de Cristo.
Mas, quando ele voltar, a história chegará ao fim e não
haverá necessidade de nenhuma profecia.
O mesmo vale para o dom de línguas, que era ponto de
controvérsia em Corinto. Alguns membros da igreja
pareciam pensar que, por falarem a língua do céu, “já eram
participantes do estado final da existência espiritual”.4 Não
é bem assim, disse o apóstolo: “quantoa línguas, elas
cessarão” (v. 8).
Até mesmo o conhecimento “passará” (v. 8) — não o
conhecimento no sentido de compreender a verdade, o qual
durará para sempre, porém o conhecimento como um dom
espiritual para compreender mistérios que no momento
estão além da nossa compreensão, mas que um dia serão
revelados. Esse significado fica claro a partir do que Paulo
diz nos versículos seguintes: “Pois conhecemos em parte e
profetizamos em parte; mas, quando o que é perfeito vier, o
que é parcial passará” (v. 9,10). Um dia, Jesus virá para
tornar perfeitas todas as coisas; quando esse dia chegar,
não mais precisaremos de dons espirituais — tais como
conhecimento e profecia —, que nos ajudam a nos
prepararmos para a vinda dele. Mas ainda precisaremos de
amor.
AGORA E MAIS TARDE
Paulo mostra a diferença entre como as coisas são agora e
como serão quando Deus tornar tudo perfeito; para isso,
ele usa duas analogias: a da criança e a do espelho.
“Quando eu era criança”, ele diz, “falava como criança,
pensava como criança, raciocinava como criança. Quando
me tornei homem, desisti dos modos infantis. Porque agora
vemos obscuramente em um espelho, mas então veremos
face a face. Agora conheço em parte; então conhecerei
plenamente, assim como tenho sido plenamente conhecido”
(v. 11,12).
O que uma criança entende sobre o mundo é verdadeiro
até certo ponto. Mas, quando se trata de entender como as
coisas funcionam, há uma enorme diferença entre a
infância e a idade adulta. Também há uma enorme
diferença entre ver o reflexo de alguém em um espelho e
encontrar alguém pessoalmente. A cidade de Corinto
produzia alguns dos melhores espelhos de bronze do
mundo antigo.5 No entanto, mesmo o melhor espelho só
nos dá uma percepção indireta; não pode substituir um
relacionamento real nem a interação pessoal face a face.
Paulo faz essas comparações para mostrar que qualquer
conhecimento que obtenhamos por meio de quaisquer dos
dons espirituais que temos é apenas parcial, quando
comparado com o conhecimento perfeito que teremos na
eternidade, quando virmos Jesus face a face. Quando a
perfeição de Jesus finalmente vier, tudo o que não é
permanente passará. Isso inclui os dons de profecia, de
conhecimento e de línguas, que Deus planejou para se
tornarem obsoletos. De modo que, em vez de fazer dos
dons espirituais nossa prioridade principal, devemos
aprender a amar, que é algo que durará para sempre. Mark
Dever exprime lindamente o pensamento: “Embora a
profecia e o conhecimento passem, o amor permanecerá,
ainda que na rarefeita atmosfera celestial da presença
direta de Deus”.6
De fato, o que Paulo diz sobre os dons espirituais vale
para todas as coisas terrenas: tudo desaparecerá. Até
mesmo o próprio mundo será destruído com fogo (2Pe 3.7).
Mas o amor sobreviverá a todas as coisas. A afeição divina
preencherá todas as coisas em “um novo céu e uma nova
terra” (Ap 21.1), inclusive nosso próprio coração e vida.
Como escreveu Jonathan Edwards: “Então, em cada
coração, esse amor que agora parece ser apenas uma
faísca será aceso até se tornar uma chama brilhante e
incandescente, e cada alma resgatada será como se
estivesse em uma labareda de amor divino e santo e, por
toda a eternidade, permanecerá e crescerá nessa perfeição
e bem-aventurança gloriosa!”.7 Já que o próprio Deus é
amor, o amor continuará para sempre.
É acima de tudo o poder duradouro do amor que explica a
declaração triunfante e apoteótica na conclusão do
Capítulo do Amor: “De modo que agora permanecem a fé, a
esperança e o amor, esses três; mas o maior deles é o
amor” (1Co 13.13). O amor é superior até mesmo às
virtudes cardeais da fé e da esperança. Para citar o título
de um famoso e antigo sermão sobre essa passagem, o
amor é “a maior coisa do mundo”.8 O que o torna tão
grande é o fato de que nunca terminará. De acordo com
Charles Hodge, o amor “não é projetado nem adaptado
apenas para o estado presente da existência, mas também
para nossa existência futura e imortal”.9 A durabilidade do
amor é inigualável. Não é apenas para agora; é para
sempre.
A PROVA DO AMOR DE DEUS
Se 1Coríntios 13 é um retrato do amor, então é
necessariamente um retrato de Jesus Cristo, que é o amor
encarnado. A perfeição de todos os aspectos do amor se
encontra no afeto de Jesus Cristo. Vivenciar o Capítulo do
Amor é aprender a amar do jeito que Jesus ama. Só o amor
dele é constantemente paciente e perfeitamente bondoso.
Só o amor dele nunca inveja e nunca se vangloria, mas
sempre coloca as outras pessoas em primeiro lugar. Só o
amor dele nunca se irrita pecaminosamente e nunca fica
injustamente irado, mas sempre serve e sempre perdoa. Só
o amor dele tem a força para aguentar todas as coisas, a fé
para crer em todas as coisas e a perseverança para
suportar todas as coisas. Agora podemos acrescentar isto a
tudo mais que dissemos sobre o amor de Jesus: seu amor é
todas essas coisas... para sempre. O amor de Jesus nunca,
jamais falha.
Onde fica a melhor passagem da Bíblia para provar isso?
Em sua promessa no final nos Evangelhos, Jesus nos diz
que estará conosco “até o fim dos tempos” (Mt. 28.20).
Mas, no final de Romanos 8, Paulo estende essa promessa
para além do final da história, para mostrar que o amor que
Deus tem por nós em Jesus nunca acabará:
Se Deus é por nós, quem conseguirá ser contra nós?
Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou
por todos nós, como também não nos dará graciosamente
com ele todas as coisas? Quem trará alguma acusação
contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica.
Quem os há de condenar? Jesus Cristo é o único que
morreu — mais do que isso, que ressuscitou —, que está à
destra de Deus, que está de fato intercedendo por nós.
Quem nos separará do amor de Cristo? Acaso será a
tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou
a nudez, ou o perigo, ou a espada? Conforme está escrito:
“Por tua causa estamos sendo mortos o dia inteiro; somos
considerados ovelhas para o abate”. Não, em todas essas
coisas somos mais do que vencedores por meio daquele
que nos amou. Porque estou certo de que nem a morte
nem a vida, nem anjos nem governantes, nem coisas
presentes nem coisas futuras, nem poderes, nem a altura
nem a profundidade, nem qualquer outra coisa em toda a
criação conseguirá nos separar do amor de Deus em
Cristo Jesus, nosso Senhor (v. 31-39).
Há momentos na vida em que somos tentados a pensar
que Deus se voltou contra nós, ou a ter medo de que ele
nos abandone, ou a nos preocupar de que ele possa deixar
de nos amar. Existem muitas razões pelas quais temos
esses pensamentos e medos. Às vezes, nossos sofrimentos
são tão grandes, que não conseguimos ver como Deus
poderia de alguma maneira ser amoroso. Às vezes, a culpa
do nosso pecado leva à sensação de que o amor de Deus
está bem distante. Às vezes, nossos receios levam a melhor
sobre nós, e ficamos preocupados com coisas que, lá no
fundo, sabemos que não correspondem à verdade da
Palavra de Deus. Mas sempre que somos tentados a
duvidar do amor de Deus, o que devemos buscar é a
passagem final de Romanos 8, em que o apóstolo Paulo
apresenta um argumento decisivo e contundente para
provar que nada jamais poderá nos separar do amor de
Jesus.
MAIS DO QUE VENCEDORES
Paulo começa com o argumento de que quem pode o mais,
pode o menos. “Aquele que não poupou seu próprio Filho,
mas o entregou por todos nós, como também não nos dará
graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8.32).
Acompanhe a lógica de Paulo. Deus Pai já nos deu a maior
dádiva do mundo: seu próprio Filho para ser nosso
Salvador. Ele não poupou o Filho, mas por meio de seu
sofrimento e morte o deu para nossa salvação. Se Deus nos
ama o suficiente para nos dar seu Filho — é o raciocínio da
Escritura —, então ele fará por nós toda e qualquer outra
coisa amorosa de que possamos precisar — tudo, desde nos
adotar como filhos até nos levar para nosso lar na glória (v.
29,30).
Ainda assim,poderemos ser tentados a duvidar do amor
de Deus. Portanto, o apóstolo lista algumas coisas que
talvez pudessem roubar esse amor. Nos versículos 33 e 34,
ele contempla a possibilidade de problemas legais. Algumas
pessoas se preocupam com a possibilidade de ser
moralmente desqualificadas. Seus pecados são tão grandes,
que elas têm medo que Satanás (aquele promotor
inteligente) possa aparecer um dia, acusando-as, e elas
sejam banidas para sempre da presença de Deus. Mas a
Bíblia diz que não! Se confiamos em Jesus para o perdão de
nossos pecados,então o próprio Deus — o Deus infinito e
todo-poderoso — declarará que somos justos. Portanto,
quem “trará alguma acusação contra os eleitos de Deus? É
Deus quem os justifica” (v. 33).
Mesmo que ninguém faça uma acusação legal contra nós,
talvez ainda assim sejamos condenados pelo próprio Juiz.
Paulo responde a essa dúvida com uma pergunta retórica:
“Quem os há de condenar?” A resposta é: “Ninguém!”. Se
Deus não nos condena, então ninguém mais pode fazê-lo,
porque Deus governa o mundo. Deus prometeu não nos
condenar porque somos cobertos pela justiça de Jesus
Cristo. Neste exato momento, Jesus está orando—
eficazmente — pela nossa salvação. De modo que Paulo
responde à sua própria pergunta retórica, dizendo: “Jesus
Cristo é o único que morreu — mais do que isso, que
ressuscitou —, que está à destra de Deus, que está de fato
intercedendo por nós” (v. 34). Quem, portanto, teria a
possibilidade de nos condenar, se o próprio Jesus — que
morreu por nós e foi ressuscitado dentre os mortos para a
nossa justificação — está lá para nos defender contra toda
acusação de crime?
Em seguida, o apóstolo deixa para trás problemas legais e
passa a tratar de outros problemas da vida. Eis outra
pergunta retórica: “Quem nos separará do amor de Cristo?
Acaso será a tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou
a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?” (v. 35).
Todos esses são perigos sérios, conforme Paulo bem sabia,
porque ele mesmo os havia enfrentado. Aqui ele descreve
os tipos de perigos físicos a que toda a humanidade está
sujeita, mas especialmente o povo de Deus, pois realiza a
obra do reino e por vezes sofre pela causa de Cristo. Há
tribulação e perseguição, pobreza e fome, guerra e
violência — todas essas coisas, chegando até mesmo ao
martírio. Essa tem sido a experiência do povo de Deus ao
longo dos séculos. Paulo demonstra isso ao citar um dos
antigos salmos de Davi, em que ele vê o mesmo tipo de
sofrimento: “Por tua causa estamos sendo mortos o dia
inteiro; somos considerados ovelhas para o abate” (v. 36).
Quando nós mesmos sofremos esses problemas, é
tentador pensar que certamente Deus não nos ama. Caso
contrário — é o nosso raciocínio —, ele não estaria
deixando isso acontecer conosco! Mas a Bíblia insiste em
que, se tentarmos interpretar as afeições de Deus com base
em nossas atuais circunstâncias, estamos fadados a
interpretar de forma errada as intenções dele. Não importa
aquilo pelo que estamos passando, Deus está nos amando o
tempo todo. Não há nenhum problema ou dificuldade que
realmente nos separe do amor de Deus. “Não”, diz o
apóstolo, “em todas essas coisas somos mais do que
vencedores por meio daquele que nos amou” (v. 37).
Esse tem sido o testemunho de crentes sofredores, mas
vencedores, ao longo dos séculos. Pela graça de Deus e
pela obra do Espírito Santo, esse será nosso próprio
testemunho em todas as duras lutas da vida. Quando somos
tentados a duvidar do amor de Deus, precisamos pregar o
evangelho a nós mesmos, dizendo: “Deus, meu Pai, não se
poupou de me dar seu próprio Filho. Meu Senhor Jesus
Cristo sacrificou a vida pelos meus pecados e agora mesmo
está orando pela minha salvação. Portanto, pela obra de
seu Espírito em minha vida, nada pode nunca, jamais, me
separar do amor de Deus”.
No final da vida, com o corpo envelhecido e frágil, Caspar
Oleviano, um dos teólogos da Reforma, permanecia cheio
de fé no amor que Deus tinha por ele em Jesus Cristo.
Mesmo quando os órgãos dos sentidos já estavam quase
incapazes de perceber o mundo ao redor, Oleviano não
perdeu sua compreensão do amor de Deus. Seu testemunho
à beira da morte foi: “Minha audição se foi, meu olfato se
foi e minha visão está indo; minha voz e minhas sensações
já quase se foram; mas a benignidade de Deus ainda é a
mesma e nunca se afastará de mim”.10
AMOR INVENCÍVEL
Você crê que o amor de Deus nunca o deixará? O apóstolo
Paulo com certeza cria. Ele estava absolutamente
convencido de que sua vida inteira — até mesmo com todo
o sofrimento — estava debaixo do amor de Deus. De modo
que, à medida que sua defesa do amor inelutável de Deus
caminhava na direção de seu ápice lógico e retórico, Paulo
relacionou cada obstáculo que conseguiu imaginar e, então,
disse que nenhum deles jamais poderia interferir no amor
de Deus por nós em Jesus. Ele disse: “Porque estou certo
de que nem a morte nem a vida, nem anjos nem
governantes, nem coisas presentes nem coisas futuras, nem
poderes, nem a altura nem a profundidade, nem qualquer
outra coisa em toda a criação conseguirá nos separar do
amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor” (v. 38,39).
Paulo começa com a morte, que em outra passagem ele
chama de “o último inimigo” (1Co 15.26). A morte é o mais
temível de todos os causadores de divisão, porque tem o
poder de nos separar daqueles a quem amamos. Mas a
morte não pode nos separar do próprio amor, porque, para
aqueles que creem em Cristo, a morte é uma porta para a
presença de Deus. Nosso Salvador Jesus Cristo “aboliu a
morte e trouxe à luz vida e imortalidade por meio do
evangelho” (2Tm 1.10). Por conseguinte, a morte não nos
afasta do amor de Deus, mas de fato nos une a Deus e a seu
amor para sempre. Nas palavras de Alexander Maclaren:
“O que separa se torna aquilo que une; ela nos arranca do
mundo para poder ‘nos levar a Deus’”.11
A incapacidade da morte de nos separar do amor de Deus
é ilustrada pelo testemunho de um jovem pastor chamado a
visitar uma senhora idosa que estava acamada e já no final
de seus dias. Quando tentou consolá-la, murmurando algo
sobre como ele estava triste porque ela ia morrer, a idosa o
interrompeu. “Deus o abençoe, meu jovem”, ela disse. “Não
há nada para ter medo. Vou apenas atravessar o Jordão em
poucas horas, e meu Pai é o proprietário das terras dos dois
lados do rio”.12
A morte não consegue nos separar do amor de Deus, mas
que dizer da vida? Se essa parece uma pergunta estranha
para se fazer, então você é realmente abençoado, porque
muitas pessoas sabem que a vida pode ser mais cruel que a
morte. Ainda assim, a Escritura nos assegura que não
importa o que sofremos na vida: Deus ainda está conosco.
Jesus sabe o que é sofrer, porque ele próprio sofreu, e em
nosso sofrimento ele continua a nos mostrar seu amor.
Tendo considerado as grandes questões da vida e da
morte, em seguida Paulo passa a tratar de várias
autoridades. Ele está convencido de que “nem anjos nem
governantes” conseguem nos separar do amor de Deus.
Não está claro se “anjos” é referência a anjos bons ou a
anjos maus, que são os demônios que caíram em pecado
junto com Satanás e estão sempre tentando perturbar o
povo de Deus. Na verdade, a palavra grega para “diabo”
(diabolos) significa “separador” ou “criador de discórdia”.
Também não está claro se governantes é referência a
poderes terrenos ou a poderes celestiais — a governos ou a
deuses.
Quem quer que sejam esses governantes, eles não
conseguem nos separar do amor de Deus. Por mais
poderosos que sejam, o máximo que os demônios
conseguem fazer é nos tentar a pensar que Deus não nos
ama. Mas eles não conseguem impedir Deus de realmente
nos amar, como ele sempre ama. Os poderes terrenos são
ainda mais fracos. Eles podem fechar igrejas, expulsar
Deus dos tribunais e mantê-lo fora da escola pública, mas
não podem impedi-lo de amar o seu povo, da mesma
maneira que fechar a janela ou baixar a persiananão
consegue impedir o sol de brilhar. O amor de Deus é
sempre vitorioso contra todos os “poderes que existem”.
Em seguida, Paulo considera o tempo e a eternidade.
“Nem coisas presentes nem coisas futuras” conseguirão
jamais nos separar do amor de Deus. No tempo presente,
os problemas não têm fim. Quanto ao futuro, sentimos todo
tipo de incerteza. Mas Jesus Cristo é o Senhor da história.
Ele é quem governa tanto esta vida quanto a vida vindoura.
Portanto, somos, desde agora e para sempre, amados com
um amor eterno.
Já vimos o suficiente no que diz respeito ao tempo —
aquilo que alguns chamam de “a quarta dimensão”. No
versículo 39, Paulo passa a tratar da segunda e da terceira
dimensões: “nem a altura nem a profundidade”. Aqui o
apóstolo fala em termos espaciais para mostrar que não há
em todo o universo nenhum lugar que esteja fora do amor
de Deus. Não importa aonde vamos, Deus está lá (veja
também Sl 139.7-10). É isso que dá a algumas pessoas a
coragem de ir aos lugares mais perigosos do mundo,
incluindo aqueles em que eles não têm um único amigo, e
compartilhar o evangelho. O amor de Deus está em toda
parte.Portanto, sempre que nos sentimos solitários,
podemos dizer: “Senhor Jesus, eu me sinto solitário, mas
sei que estás aqui comigocom todo o teu amor”.
Vida e morte, anjos e demônios, presente e futuro, no alto
e embaixo — existe alguma dimensão do amor de Deus que
Paulo tenha deixado de mencionar? Aparentemente não,
mas, só para ter certeza, ele termina dizendo “nem
qualquer outra coisa em toda a criação”. Em outras
palavras, não há absolutamente nada que jamais consiga
nos separar do “amor de Deus em Cristo”. “Criação” inclui
tudo o que existe, com exceção do próprio Deus, pois, antes
de mais nada, ele é aquele que criou todas as coisas. De
modo que, se Deus é por nós, não há absolutamente nada
que consiga nos manter longe dele. Seu amor nunca nos
deixará ir. Estamos presos ao Deus vivo, escreveu James
Montgomery Boice, “por um amor gracioso, imutável,
eterno e indestrutível”.13
Esse é um amor sobre o qual podemos construir nossa
vida, do início ao fim. Esse ponto está ilustrado com
perfeição no testemunho do pactualista escocês Robert
Bruce, quando estava à beira da morte. Na manhã de sua
morte, Bruce sentou para tomar o café da manhã com a
família. De repente, ele gritou: “Espere, filha, espere. Meu
mestre está me chamando”. Bruce pediu, então, uma Bíblia
e a abriu em Romanos 8. Sua vista estava falhando, então
ele citou de memória o final do capítulo. À semelhança do
apóstolo Paulo, ele deu testemunho de que estava “certo de
que nem a morte nem a vida, [...] nem qualquer outra coisa
em toda a criação conseguirá nos separar do amor de Deus
em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Depois de ler essas
palavras para a família, Bruce pediu que colocassem seu
dedo nessas exatas palavras da Bíblia. Então ele disse:
“Deus esteja com vocês, meus filhos. Tomei café da manhã
com vocês e jantarei com meu Senhor Jesus esta noite.
Morro crendo nessas palavras”.14
Robert Bruce tinha descoberto o que todo crente
descobre: o amor de Jesus que dura por toda a vida estará
ali conosco no momento da morte e depois prosseguirá por
toda a eternidade.
BUSQUE O AMOR!
Visto que somos amados dessa maneira, somos chamados a
viver dessa maneira — amando do jeito que Jesus ama.
Deus não nos deu o seu amor para que o guardemos só
para nós mesmos, e sim para que o partilhemos com
outros. Jesus disse: “Este é meu mandamento: que vocês se
amem uns aos outros como eu os amei” (Jo 15.12). Quanto
mais conhecermos o amor inseparável e indivisível de
Jesus, mais esse amor fluirá por meio de nosso coração
para alcançar a vida de outras pessoas.
O texto de 1Coríntios 13 termina com uma ordem simples
que deve motivar e inspirar tudo o que vimos aprendendo
sobre o amor de Jesus. A ordem aparece no início do
capítulo 14, mas, na realidade, serve de conclusão prática
para o Capítulo do Amor. É uma ordem que todo cristão
deve levar a sério. A ordem é simplesmente esta: “Busquem
o amor” (v. 1). Traduzindo o versículo mais literalmente:
“Sigam o amor”, “Corram atrás do amor” ou até mesmo
“Persigam o amor”. O verbo grego (diokete) descreve
alguém que busca o amor com empenho.
Essa ordem nos apresenta uma maneira simples de testar
nosso compromisso com Cristo. Um cristão é alguém que
tem experimentado o amor de Jesus e, por isso, busca o
amor no relacionamento com outras pessoas. Então, a
pergunta é: Eu estou buscando o amor? Estou buscando o
amor com empenho? Tornei o amor meu propósito de vida?
Jonathan Edwards disse: “Se o amor é uma coisa tão
destacada no cristianismo, tão essencial e tão
característica — isso mesmo, a exata soma de todas as
virtudes cristãs —, então, com certeza, aqueles que se
professam cristãos devem viver em amor e abundar nas
obras do amor”.15
Qualquer um que tenha lido e estudado 1Coríntios 13
deve ter alguma ideia de como é viver na busca impetuosa
do amor. Significa ser paciente com as falhas de outras
pessoas. Significa ser bondoso com as pessoas, mesmo
quando elas não parecem merecer. Significa não promover
a nós mesmos, nem nos vangloriarmos de nossas
conquistas, nem insistir em que a nossa vontade seja feita.
Significa dar menos importância a nós mesmos e mais aos
outros. Significa perdoar as pessoas quando elas nos
ofendem e não aceitar ficar irados com elas quando nos
irritam. Significa crer na melhor verdade acerca de outras
pessoas e não na pior mentira. Significa que, mesmo nas
circunstâncias mais desesperadoras, somos capazes de
continuar crendo, continuar tendo esperança e continuar
amando.
Esse é o sublime chamado do amor de Jesus — um
chamado para a vida inteira em que, é claro, todos
fracassamos vergonhosamente. Quando lemos que o amor
nunca falha, sabemos imediatamente que ficamos muito
aquém da perfeição de Deus. Achamos tão difícil amar
outras pessoas, que desistimos muito antes de Deus parar
de exigir nosso amor ou de outras pessoas pararem de
precisar dele. Ficamos cansados de correr atrás do amor;
nossos afetos diminuem de velocidade, primeiro ficando
mais como um trote, em seguida como uma caminhada,
antes de finalmente desistirmos totalmente de persegui-lo.
Nosso amor com frequência falha. Aliás, falhamos em amar
assim como falhamos em todas as demais coisas da vida.
Quando ficamos sem amor, é aí que mais precisamos nos
lembrar do amor infalível de Jesus. Quando a Escritura diz
que nada consegue nos separar do amor de Deus, isso
inclui nossos próprios e frágeis esforços de amar como
Jesus. Enquanto tentamos amar e continuamente
fracassamos nisso, ao mesmo tempo estamos sendo amados
por Deus, porque jamais poderemos ser separados daquele
amor! Por conseguinte, nunca deveríamos dizer: “Não me
sobrou nenhum amor para dar”, porque, no exato momento
em que dizemos isso, ainda estamos sendo amados pelo
amor invencível de Jesus. Em cada área da vida em que
achamos difícil amar, o amor de Jesus está ali para nos
ajudar. Nem mesmo um coração sem amor consegue nos
separar do amor dele. Pela fé no Filho de Deus, estamos o
tempo inteiro conectados a uma fonte de amor que nunca
falhará, e, por esse motivo, nosso amor pode voltar a se
renovar.
Então, busque o amor! Continue aprendendo a amar do
jeito que Jesus ama, reconhecendo essa jornada como um
processo que levará a vida inteira. Viva com esperança
naquele dia em que, pela graça de Deus e pela obra do
Espírito Santo, sem nenhum constrangimento, você poderá
escrever seu próprio nome no Capítulo do Amor: “O Phil é
paciente e bondoso; a Carina não inveja nem se vangloria;
o Júlio não é arrogante ou grosseiro. A Daniele não insiste
em fazer tude de seu próprio jeito; o Ibraim não fica
irritado nem ressentido; a Renata não se alegra com o mau
procedimento, mas se regozija com a verdade. O Davi sofre
todas as coisas, a Rose crê em todas as coisas, o Carlos
espera todas as coisas, a Elizabete suporta todas

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