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DAS PRÁTICAS COMERCIAIS

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DAS PRÁTICAS COMERCIAIS
INTRODUÇÃO
O CDC cuidou de positivar regras de produção que visam garantir no mercado de consumo a circulação de produtos e serviços com padrões de segurança que garantam a saúde dos consumidores. Ao regular as práticas comerciais o diploma consumerista, pretende regular a fase pós-produção, que implica na prática de atos pelos fornecedores que visam a retirada do produto de sua linha de produção até as mãos dos consumidores. Este capítulo teve a inspiração do Projet de Code de la Consommation: méthodes commerciales, do Professor Jean Calais-Auloy, do Fair Debt Collection Practices e do Fair Credit Reporting Act americanos.
Assim, Prática Comercial é qualquer ato pós-produção, que vise o escoamento de produtos. Para tanto, ante o mercado de massas caracterizado pelo anonimato dos agentes e pela informática, a utilização do marketing como ferramenta de trabalho passa a ser essencial para os fornecedores.
Temos então que o marketing é espécie do gênero práticas comerciais, constituindo todas as medidas que se destinam a promover a comercialização de produtos e serviços. Assim, constituem atividades de marketing a publicidade, os selos, as ofertas, concursos, descontos, promoções via telefone etc., ou seja, quaisquer mecanismos de incentivo à venda.
A regulação do marketing pode se dar diretamente por meio das específicas regras de marcas e patentes, direitos autorais, concorrência desleal e concentração de poder econômico no mercado. Pode também se dar indiretamente mediante preceitos estabelecidos no CDC.
Partindo do pressuposto de que, para a existência do consumidor e do regramento que o tutela, é necessário o mercado de massas com concorrência entre fornecedores, é preciso tratar deste tema tendo como parâmetro os princípios constitucionais já estudados da Informação, da Livre-Iniciativa e da Defesa do Consumidor.
CONSUMIDOR EXPOSTO ÀS PRÁTICAS COMERCIAIS (ART. 29)
Trata-se de modalidade de consumidor equiparado, já tratada anteriormente, aplicável aos institutos da Publicidade, Práticas Abusivas, Cobrança de Dívidas e Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores.
DA OFERTA
A oferta nas relações de consumo é informação pré-contratual, manifestação unilateral de vontade por meio da qual o fornecedor faz conhecer a intenção de contratar e as condições do contrato consubstanciadas em regra na venda ou locação de produtos e serviços, ou seja, nada mais é do que a proposta ou oblação do direito civil.
A teoria clássica sobre o tema trata a questão como mero “dolus bonus” inerente aos vendedores em geral. Parte de uma concepção arraigada ao direito civil, que não dá à proposta o efeito absolutamente vinculante. O Código Civil de 2002 trata da questão em seus arts. 427 e 428, introduzindo a regra de que a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela. Embora o Código Civil não exija forma para a proposta, a doutrina entende que ela deva ser precisa, firme (inequívoca) e dirigida ao seu destinatário. Como já dito, a doutrina e jurisprudência tratavam da oferta como “mero convite a contratar”, podendo ser revogada até a aceitação, a exemplo do que prescrevem os ordenamentos dos EUA, Inglaterra, Itália e França.
Porém, o CDC introduziu uma noção moderna sobre a oferta, partindo do pressuposto de que está, nas relações de consumo, intimamente ligada ao marketing.
Assim, nas relações de consumo a Oferta, Policitação ou Proposta tem valor contratual. A exemplo do sistema alemão e português, no Brasil o fornecedor está vinculado à sua oferta. Trata-se do Princípio da Vinculação à Oferta. Havendo veiculação da oferta com conteúdo suficientemente preciso, haverá vinculação. Atente-se que a prática dopuffing, em regra, não vincula o fornecedor, como nos casos em que se veicula: “a melhor pizza do bairro” ou “o melhor sabão em pó do mercado”. Todavia, se do anúncio constar: “a pizza mais barata do bairro”, e a afirmação não for verídica, o fornecedor incidirá em enganosidade, sujeita às penalidades penais, administrativas e civis. Se houver o aceite do consumidor, incorporada ao contrato estará a oferta.
As informações constantes das ofertas devem ser corretas, precisas, ostensivas e claras, sempre tendo como parâmetro o consumidor médio.
Caso o fornecedor se recusar à oferta, ao consumidor imputa-se a faculdade de exigir o cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto ou prestação equivalente, ou ainda requerer a rescisão contratual com restituição de quantias pagas monetariamente atualizadas e perdas e danos.
Assim, “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado” (art. 30 – Princípio da Vinculação e Integração ao Contrato).
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço2, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores3. Atente-se que a Lei 11.989, de 27 de julho de 2009, introduziu o parágrafo único ao art. 31 do CDC para determinar que no caso dos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, referidas informações serão gravadas de forma indelével.
A Lei 10.962, de 11 de outubro de 2004, regulamentada pelo Decreto 5.903, de 29 de junho de 2006, trata da oferta e formas de afixação de preços de produtos e serviços ao consumidor. A nova legislação admite novas formas de afixação de preços em vendas a varejo para o consumidor. Assim, no comércio em geral, a afixação pode se dar por meio de etiquetas ou similares afixados diretamente nos bens expostos à venda, e em vitrines, mediante divulgação do preço à vista em caracteres legíveis. Em autosserviços, supermercados, hipermercados, mercearias ou estabelecimentos comerciais onde o consumidor tenha acesso direto ao produto, sem intervenção do comerciante, pode se dar mediante a impressão ou afixação do preço do produto na embalagem, ou a afixação de código referencial, ou, ainda, com a afixação de código de barras. Nos casos de utilização de código referencial ou de barras, o comerciante deverá expor, de forma clara e legível, junto aos itens expostos, informação relativa ao preço à vista do produto, suas características e código. Caso haja a impossibilidade de afixação de preços, é permitido o uso de relações de preços dos produtos expostos, bem como dos serviços oferecidos, de forma escrita, clara e acessível ao consumidor.
Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. Cessadas a produção ou a importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei.
Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, devem constar o nome do fabricante e o endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial. Ressalte-se que a Lei 11.800, de 29 de outubro de 2008, acrescentou o parágrafo único ao art. 33 do CDC, para determinar que “é proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina”.
Por fim, o CDC positivou regra já existente no Código Civil que preceitua que “o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos” (art. 34).
DA PUBLICIDADE
A publicidade nada mais é do que uma espécie de marketing e a forma mais sofisticada de oferta. Criada com instrumentos tecnológicos modernos, a publicidade é altamente lúdica e persuasiva. Ao trabalhar com os sentidos humanos, busca o convencimento do consumidor para criar demanda e aumentar a produção e, consequentemente, as vendas. É instrumento poderoso que
cria expectativas legítimas que devem ser protegidas.
Como modalidade de oferta, a publicidade tem valor contratual. A sua má utilização sujeita fornecedores e publicitários à responsabilidade civil, penal e administrativa.
Devem ser sempre observadas a boa-fé e a transparência, pois, ao receber a publicidade, o consumidor está em estado de vulnerabilidade máxima, uma vez que recebe a mensagem unilateralmente, sem qualquer interlocução com o fornecedor. O consumidor é sempre mero expectador passivo do anúncio. A publicidade determina o comportamento contratual do consumidor sujeitando-o ao fornecedor.
Por essas razões o CDC criou um regramento rígido, inspirado na experiência acumulada com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, editado pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, em 1980, e que, embora não seja lei, é aplicável às pessoas envolvidas na atividade publicitária.
Desta feita, o CDC regulou a questão vedando a publicidade clandestina, enganosa e abusiva. Se não se enquadrar em uma dessas definições, a publicidade será perfeitamente regular.
Assim, a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. O princípio da Proibição de Clandestinidade surge para coibir principalmente o merchandising e a propaganda subliminar que atua no subconsciente das pessoas.
O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Trata-se do Princípio da Transparência da Fundamentação. Com os referidos dados é possível a verificação da enganosidade. Caso o fornecedor deixe de organizar os dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade, estará sujeito à pena de detenção de um a seis meses ou multa, nos termos do art. 69 do CDC.
Assim, é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Note-se que o CDC trata também da enganosidade por omissão, se faltar ao anúncio publicitário informação essencial do produto e do serviço que não induziria o consumidor a erro, como o preço real e a taxa de juros. O erro para a caracterização da enganosidade é fundamental. O consumidor não firmaria o negócio jurídico se não houvesse a veiculação da falsa informação, ou a omissão.
“É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança” (art. 37, § 2.º, do CDC). Nesta modalidade procura-se coibir a publicidade que viole os valores éticos e morais, de caráter social e cultural. A mensagem pode até ser verdadeira, mas se for abusiva, não poderá ser veiculada.
Por fim, por ser matéria tão importante, o CDC criou tipos penais aplicáveis à espécie. Assim, nos termos do art. 66 do CDC, fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços, sujeita o infrator à pena de detenção de três meses a um ano e multa. Incorre nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. Aqui, admite-se a modalidade culposa, com a pena de detenção de um a seis meses ou multa. Nessa esteira, o art. 67 do CDC prescreve que fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva, sujeita o infrator à pena de detenção de três meses a um ano e multa. Observe-se, ainda, que o art. 68 do CDC criou outro tipo com pena mais severa, voltado para certas modalidades de publicidade abusiva. Assim, nos termos do referido dispositivo legal, fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança, sujeita o infrator à detenção de seis meses a dois anos e multa.
Ocorrendo publicidade enganosa ou abusiva, é de se aplicar também sanção administrativa denominada contrapropaganda, para que o fornecedor repare a enganosidade ou a abusividade que cometera e com a mesma intensidade. Assim, prescreve o art. 60 do CDC que a imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator, e deverá ser divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.
Referido dispositivo concretiza o mandamento do inciso XII do art. 56 do CDC.
No âmbito civil aplica-se a regra de solidariedade – parágrafo único do art. 7.º do CDC. Assim, a agência de publicidade produtora do anúncio responde solidariamente com seu cliente fornecedor de produtos e serviços. No entanto, como bem assevera Rizzato Nunes, “há exceções que geram a desresponsabilização da agência. São as dos casos em que a enganosidade: a) não está objetivamente colocada no anúncio em si; b) depende da ação real, concreta e posterior do fornecedor anunciante, de maneira que a agência tenha participado como mera produtora de uma informação encomendada”. É o caso do fornecedor que anuncia durante a semana que no domingo um determinado produto estará 20% mais barato. Veiculado o anúncio, no domingo o preço do produto não sofre alteração. Nesse caso, a agência não é responsável pela enganosidade, pois ela se dá por ação real, concreta e posterior do fornecedor anunciante.
Por fim, em matéria publicitária o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. Portanto, esta regra foge ao mandamento geral do inciso VIII do art. 6.º do CDC, e é de aplicação obrigatória independente da verificação de ser o consumidor hipossuficiente ou de verossimilhança das alegações do consumidor.
DAS PRÁTICAS ABUSIVAS
O CDC, em seu art. 39, colacionou uma série de práticas consideradas abusivas. Inicialmente, é preciso verificar que o referido rol é meramente exemplificativo sendonumerus apertus, não exaustivo. Buscou abarcar o maior número de situações possíveis, de práticas exercidas no mercado de consumo. É evidente que a lei não pode tudo prever, principalmente num mercado que está em constante mutação. Assim, é preciso estabelecer alguns critérios que façam uma prática comercial tornar-se um ato de abuso do direito, prejudicando não só consumidores, mas também os fornecedores concorrentes. Aqui, mais uma vez, o CDC, ao regular as relações de consumo, vai indiretamente coibir a concorrência desleal, pois quem exerce prática abusiva desrespeita os fundamentos da ordem econômica inscritos na Carta Magna.
Será abusiva a prática comercial se ferir os princípios estatuídos pelo microssistema das relações de consumo, mormente aqueles inscritos nos arts. 1.º a 7.º. É o que se depreende do inciso XV do art. 51 do CDC. Será também abusiva a prática comercial que configurar o Abuso do Direito, que finalmente encontra-se positivado no art. 187 do Código Civil. Assim, também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
A Teoria do Abuso do Direito surgiu no século XIX como consequência da humanização e socialização do pensamento jurídico, sobretudo no direito civil. Parte de um pressuposto que é a busca da igualdade real e não formal. Assim, uma prática abusiva pode estar respaldada em cláusula
contratual e nem por isso será lícita. Por esse motivo, o CDC também elencou um rol de cláusulas abusivas em seu art. 51, que será adiante abordado.
Faz-se mister resgatar a lição de Heloísa Carpena ao afirmar que: “No exercício dos direitos, as fronteiras entre o jurídico e o antijurídico são determinadas não apenas pelas concretas proibições da lei, mas também pela incidência dos princípios. Ao transpor tais limites, seja por violação dos comandos da lei, seja por desatender o conteúdo valorativo do direito exercitado, o titular está ingressando no plano da antijuridicidade e sujeitando-se a sanções”7.
No campo das relações de consumo, o fornecedor que abusa do direito está sujeito às sanções penais, administrativas e civis.
Vejamos então o rol estatuído pelo art. 39 do CDC. São práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. Trata-se da “venda casada”, prática vedada por limitar diretamente a liberdade e a vontade do consumidor. Tal conduta, além de abusiva, configura crime por força do art. 36, § 3.º, XVIII, da Lei 12.529/2011. De outro lado, há a proibição da venda de produtos e serviços condicionados a limites quantitativos, o que só é permitido se houver justa causa, como, por exemplo, por força de política nacional de contenção de consumo de combustíveis realizada diante da falta de petróleo no mercado.
II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes. Busca essa regra garantir a isonomia entre consumidores havendo a disponibilidade de estoque pelo fornecedor. Trata-se também de regra que busca exigir o exercício da boa-fé nas relações de consumo. Tal constitui crime por força do inciso VI do art. 7.º da Lei 8.137/1990 e é infração à ordem econômica por força do inciso XI do § 3.º do art. 36 da Lei 12.529/2011.
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço. Prática bastante comum, é abusiva por limitar a vontade e a liberdade do consumidor. Muito corriqueiro é o envio de cartões de crédito sem que tenha sido promovida a competente solicitação. Mesmo que o fornecedor informe ser possível o seu cancelamento, configurada está a abusividade por imputar um ônus ao consumidor. Atente-se que os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, sem prévia solicitação, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento (art. 39, parágrafo único, do CDC).
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços. Trata-se de regra que reforça o mandamento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, e reconhece a maior fragilidade de determinados segmentos, tendo em vista saúde, idade e condição social. Visa proteger o livre consentimento dos consumidores no mercado de consumo.
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Tal prática exacerba o desequilíbrio já inerente entre fornecedores e consumidores, gerando desproporcionalidade. Exemplo típico dessa prática está na exigência que as instituições bancárias fazem para que o consumidor correntista assine nota promissória em branco nos contratos de abertura de crédito e conta-corrente. Por outro lado, o próprio CDC fixa os parâmetros da vantagem excessiva no § 1.º do art. 51, considerando, entre outros casos, a vantagem que ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. A 3.ª Turma do STJ, ao analisar sob a modalidade de Repetitivo o Recurso Especial 1.061.530/RS, que tem por objeto créditos ao consumidor e serviços bancários, consolidou o entendimento de que é “admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1.º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto”.
VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes. Tal regra exige a realização de orçamento prévio, uma vez que este formaliza a oferta, vincula o fornecedor e integra o futuro contrato. Atente-se que pelo art. 40 “o fornecedor de serviço será obrigado a entregar ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão de obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços”. Tal orçamento terá validade pelo prazo de dez dias, contado de seu recebimento pelo consumidor, salvo estipulação expressa em contrário. Uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das partes, não respondendo o consumidor por quaisquer ônus ou acréscimos decorrentes da contratação de serviços de terceiros não previstos no orçamento prévio. Por fim, a exigência de orçamento pode ser dispensada pelas práticas constantes exercidas entre consumidor e fornecedor. É o caso das pessoas jurídicas que constantemente utilizam determinados serviços, como o de manutenção em computação.
VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos. Tal regra visa garantir a boa utilização dos bancos de dados e cadastros de consumidores que serão analisados adiante. Também visa garantir a liberdade do consumidor para exercer seus direitos, como, por exemplo, a realização de pesquisa comparativa de preços.
VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro). Visa o presente dispositivo garantir padrões mínimos de segurança e de qualidade para os serviços e produtos fornecidos no mercado. A adequação às referidas normas não isenta o fornecedor das responsabilidades perante o consumidor, principalmente no que concerne à garantia legal de adequação.
IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais. Introduzido pela Lei 8.884/1994, relaciona-se com o inciso II já abordado. Esta regra é mais abrangente abarcando outros sujeitos não consumidores, como comerciantes, atacadistas, fabricantes e distribuidores.
X – elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços. Consoante o § 4.º do art. 173 da Carta Magna e os princípios da Lei Antitruste, este dispositivo pretende garantir regularidade de preços no mercado onde não há tabelamento. Relaciona-se com o inciso X do art. 51 do CDC, que considera nula cláusula contratual que permita ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral. Também encartar-se-ia aqui a conduta recentemente observada de manutenção de preços com a diminuição na quantidade de produtos, como ocorreu com biscoitos, papel higiênico, produtos de limpeza etc., sem que houvesse alteração dos respectivos rótulos, passando desapercebido aos olhos dos consumidores.
XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. Esta prática muito comum nas incorporações
imobiliárias gera profunda desproporcionalidade. Equivale a fixação unilateral do termo da prestação obrigacional pelo fornecedor. Ao consumidor caberá exigir o cumprimento da obrigação ou a rescisão contratual.
XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. Visa o dispositivo em tela garantir a estabilidade das relações e dos negócios jurídicos, vedando a modificação unilateral. Caso o fornecedor proceda dessa forma, ao consumidor assiste o direito de cobrar-lhe em dobro o indevido, por determinação do art. 42 do CDC.
Por fim, atente-se que, “no caso de fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada, podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis” (art. 41).
DA COBRANÇA DE DÍVIDAS
Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Tal prática configura crime no termos do art. 71. Assim, utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, ao ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer, sujeita o infrator à detenção de três meses a um ano e multa.
De outra parte, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
A Lei 12.039, de 1.º de outubro de 2009, introduziu o art. 42-A ao CDC, com a prescrição de que “em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente”.
OS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES
Dispõem os arts. 43 e 44 do CDC:
“Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1.° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§ 2.° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3.° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4.° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5.° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.
Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor.
§ 1.° É facultado o acesso às informações lá constantes para orientação e consulta por qualquer interessado.
§ 2.° Aplicam-se a este artigo, no que couber, as mesmas regras enunciadas no artigo anterior e as do parágrafo único do art. 22 deste código”.
Os bancos de dados no Brasil e o Código de Defesa do Consumidor
O tema relativo aos bancos de dados assume um importante papel, seja pelo fato de se tratar de matéria referente ao Direito do Consumidor, seja pelo fato de ser questão inerente à individualidade, honra e privacidade do cidadão.
Nosso propósito, nesse momento, é estabelecer um contato da matéria com o ordenamento jurídico brasileiro, delimitando os aspectos que em nosso entendimento são mais importantes e pertinentes com o desenvolvimento do presente trabalho.
Conforme já pontuado, a disciplina das relações jurídicas inerentes aos bancos de dados em nosso país ainda está por ser construída, muito embora a Constituição Federal tenha estabelecido ampla proteção à esfera de intimidade do cidadão, inclusive com a garantia constitucional do habeas data, o que, por si só, seria suficiente.
Porém, na prática, a tradição brasileira exige o surgimento de diploma que regule especificamente, como ocorrido em outros países, a manipulação dos dados de caráter pessoal em todos os seus aspectos. O autoritarismo vigente em nosso país durante anos a fio, ao lado do poder econômico e tecnológico daqueles que controlam os bancos de dados, aponta para essa necessidade.
No entanto, a situação brasileira não é tão sombria quanto possa parecer, seja pelo avanço de nossa Carta Magna, seja, como veremos, pelo advento do CDC, que regulou a matéria nas relações de consumo.
Bancos de dados de crédito e relações de consumo
Os bancos de dados que atuam na área de crédito têm por finalidade a coleta de informações que indiquem a condição econômica, financeira, bancária e até judicial das pessoas. A função destes órgãos é orientar no mercado aqueles que oferecem crédito. É de se consignar que esses bancos de dados também atuam no mercado de consumo, orientando fornecedores de produtos e serviços sobre o comportamento dos consumidores. Por intermédio dos dados prestados pelo banco de dados, o usuário poderá concluir se as pessoas com as quais está negociando são ou não “boas pagadoras”, ou melhor, “bons consumidores”.
Nesse caso específico, estão em jogo também os interesses daqueles que estão no mercado e que procurarão obter pela informática mais uma ferramenta que lhes garanta segurança na atividade negocial.
No entanto, consigne-se que esses interesses não podem se sobrepor aos direitos tratados anteriormente, que visam proteger a esfera íntima de cada cidadão, sendo certa a necessidade da busca do equilíbrio entre as vontades que no fundo perseguem o mesmo resultado, ou seja, o estabelecimento de negócios no mercado.
Assim, tanto aquele que empresta dinheiro como aquele que o receberá têm o mesmo interesse em que o negócio se realize. Da mesma forma presume-se na relação fornecedor-consumidor.
Os bancos de dados nas relações de consumo
Com a evolução do processo produtivo e a constituição da chamada “sociedade de massas”, as relações de consumo passam a se dar de forma complexa, com duas características básicas, quais sejam, a imprevisibilidade e a alta velocidade, com a presença de terceiros nas relações fornecedor-consumidor, isto é, os fornecedores de créditos e de informações e os publicitários.
Ao contrário do início do século, quando o mercado constituía-se de pequenos centros nos quais as pessoas se conheciam, ou onde era mais fácil conhecer a situação econômica e financeira das pessoas; quando os negócios, em pequena escala, se davam em ritmo lento, a sociedade que ingressa no novo milênio é marcada por um mercado globalizado, em que, por um lado, fornecedores realizam “incontáveis” negócios diários com centenas, e até milhares de consumidores, e, por outro, consumidores adquirem produtos e serviços por vezes sem conhecer ao certo seus fornecedores.
Fornecedor e consumidor não podem mais antever o estabelecimento de um negócio jurídico, pela alta velocidade das transações: “O que anteriormente devia ser intuído pelo empresário, para melhor conhecer a clientela por ele atendida, pode hoje ser objetivamente pesquisado,
ordenado e armazenado. A informação sobre o consumidor efetivo ou potencial é instrumento imprescindível para as decisões do empresário”
É pertinente a indagação acerca do que caracterizaria o mercado de consumo, uma vez que os bancos de dados e cadastro de consumidores constituem-se como decorrência direta desse mercado.
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin faz essa caracterização mediante quatro elementos básicos, quais sejam: “(...) a) o ‘anonimato’ de seus atores; b) a complexidade e variabilidade de seus bens; c) o papel essencial do marketing e do crédito; e, d) a velocidade de suas transações”.
Assim, os chamados arquivos de consumo, gênero do qual são espécies os bancos de dados e os cadastros de consumidores, conseguem superar o anonimato do consumidor, pois prestam informações sobre sua vida ao fornecedor; auxiliam na utilização do crédito e na velocidade das transações, possibilitando as realizações de outras relações de consumo, como as de bens, serviços etc.
Por esses arquivos os fornecedores verificam a veracidade das informações prestadas pelo consumidor e adquirem outras adicionais, que possibilitam uma breve análise crítica sobre os riscos do negócio efetuado.
Percebe-se, desde logo, que os arquivos de consumo invadem a esfera de privacidade do consumidor, por mais simples que sejam as informações prestadas, pois ele, que muitas vezes ignora o seu armazenamento, pode não querer vê-las difundidas.
De outra maneira, eventuais inexatidões podem levar o fornecedor a não efetivar negócio com o consumidor que teria todas as condições de realizá-lo. Se o consumidor ignora a negativa do negócio, ele não poderá reparar a inexatidão, que por sua vez pode induzir outros fornecedores a negá-lo, formando, então, uma reação em cadeia ferindo a esfera de privacidade e a honra do cidadão.
Nessa esteira, o empresário se arma para, na relação individual, conhecer melhor o consumidor, e na sua estratégia de inserção no mercado, a partir do estabelecimento do perfil de seus consumidores, municiar o marketing que irá orientar sua ação para atingir as massas. Nessa nova realidade, a principal arma empresarial é o banco de dados.
É certo que algumas empresas poderão possuir seu próprio banco de dados, ou, como prefere o CDC, seu cadastro de consumidores, sem excluir o acesso a outros bancos de dados, como a rede bancária e notarial, o distribuidor judicial etc.
No entanto, é comum que existam empresas especializadas em prestar serviços na área de informações. São bancos de dados autônomos prestadores de serviços. O maior banco de dados brasileiro dessa natureza é o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), vinculado à Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), que também atua na área de consumo orientando a concessão de crédito, seguido da Serasa (Centralização de Serviços dos Bancos S/A), vinculada à Febraban (Federação Brasileira de Bancos)
Tais bancos de dados não constituem propriamente um novo fenômeno em nosso país. O primeiro deles surgiu na década de 1950, em Porto Alegre, por intermédio da Associação Comercial local, objetivando a orientação de lojistas no estabelecimento de crediários. Em São Paulo, o órgão surgiu em 1955, e em 1962 já estava organizado nacionalmente.
O controle que esses arquivos de consumo exercem sobre os dados pessoais dos consumidores é grande, seja pela própria estrutura interna de cada um deles, seja pela interconexão existente entre os bancos de dados privados e os da Administração Pública em suas diferentes esferas de poder.
Nota-se, de um lado, o poder econômico e persuasivo que os bancos de dados exercem no mercado, e, de outro, vislumbra-se também a necessidade de sua existência, imposta pela demanda no mercado de consumo, para ampliar a circulação de produtos e serviços e diminuir os riscos do crédito, agilizando a sua concessão.
No entanto, essa atividade não pode ser exercida sem limites, em nome de uma suposta concretização do direito à informação dos fornecedores de serviços e bens. Justamente pela enorme proporção que tomaram, é que a regulação da atividade dos bancos de dados de consumo deve ser rígida, como forma de garantir a defesa da intimidade do consumidor e a incolumidade moral do cidadão. Tal postura não se dá pela ótica meramente individualista, e sim por toda a coletividade de consumidores, que estão “à mercê” dos bancos de dados. Assim, é a danosidade difusa e não individual que, em última análise, está em jogo. A operação dos bancos de dados, se não exercida dentro de certos limites, se transforma em dano social.
Foi essa, como veremos adiante, a postura adotada pelo CDC, que “atento à verdadeira avalanche de abusos cometidos nessa área – que iam da utilização irregular de informações para forçar o pagamento de débito até a inabilitação creditícia do interessado na via extraoficial, procurou inibir tais condutas abusivas” (ALMEIDA, João Batista de).
Assim, o CDC visa à defesa da intimidade do consumidor, impondo maior clareza na coleta, armazenamento e gerenciamento dos dados obtidos, fixando limite temporal para a mantença das informações, estabelecendo responsabilização e reparação de danos causados.
Bancos de dados e cadastros de consumidores: espécies do gênero arquivos de consumo
Antes de ingressarmos propriamente na análise do texto normativo adotado pelo CDC, em seu art. 43, faz-se necessária a diferenciação de duas expressões por ele utilizadas, quais sejam, bancos de dados e cadastros de consumidores.
Enquanto os bancos de dados caracterizam-se pela “ideia de informações organizadas, arquivadas de maneira permanente em estabelecimento outro que não o do fornecedor que diretamente lida com o consumidor; ali ficam, de modo latente, à espera de utilização”, os cadastros de consumidores, via de regra, são feitos pelo próprio consumidor junto ao seu fornecedor atual ou futuro, sendo que a organização e a permanência não são suas características básicas e necessárias.
O cadastro de consumidores, embora podendo ser transmitido para terceiros, geralmente é consultado apenas pelo fornecedor, para o estabelecimento de uma relação mais próxima com o seu consumidor. Tais cadastros são equiparados aos bancos de dados por poderem conter também informações inexatas ou falsas.
Destarte, para efeitos de aplicação da legislação pertinente à matéria não se deve fazer distinção entre bancos de dados e cadastro de consumidores, pois são espécies do gênero arquivos de consumo.
Por fim, atente-se que o diploma consumerista não diferencia aqueles bancos de dados e os cadastros de consumidores de caráter público daqueles de caráter privado. Assim, pouco importa se o arquivo de consumo se reveste do manto de uma pessoa jurídica de direito público ou privado. Nas duas hipóteses aplica-se o CDC. “A ratio do codificador, por conseguinte, foi abarcar com as duas denominações todas as modalidades de armazenamento de informações sobre consumidores, sejam elas privadas ou públicas, de uso pessoal do fornecedor ou aberta a terceiros, informatizadas ou manuais, setoriais ou abrangentes”
Temos então que os arquivos de consumo constituem-se em toda forma de armazenamento de informações pessoais e de consumo referentes aos consumidores. Tal armazenamento, usando os termos da lei, que pretende ser o mais genérico possível, pode ser feito por intermédio de bancos de dados, cadastros, fichas ou registros.
Nesse sentido, o fornecedor de produtos ou serviços poderá constituir seu próprio banco de dados, cujo aparelhamento é marcado pela complexidade de seu funcionamento, o que não é muito comum, ou optar por uma estrutura mais simples, por meio da constituição de seu próprio cadastro de consumidores, ou ainda apenas fichas ou registros e apontamentos sobre seus consumidores. De sorte, poderá ainda o fornecedor disponibilizar, ou não, tais informações para outros fornecedores ou interessados.
Ressalte-se novamente que, para efeito de aplicação do CDC, pouco importa se as informações são disponibilizadas ou visam apenas ao uso privativo do fornecedor.
O CDC regulamenta a atividade referente aos bancos de dados e cadastro de consumidores em seus arts. 43, 44, 72 e 73, sendo que no seu anteprojeto ainda figuravam os arts. 45 e 86, vetados pela Presidência da República.
O caráter público dos bancos de dados e cadastros de consumidores
A correta intelecção do tema exige o estabelecimento da natureza jurídica dos arquivos de consumo.
Assim, prescreve o § 4.º do art. 43 do CDC que os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
Ora, com tal redação não quer o CDC conferir a esses órgãos a personalidade de pessoas jurídicas de direito público, enquanto “entidades que exercem interesse imediato da coletividade, e, incorporadas ao organismo estatal, regem-se por princípios de direito público”. A personalidade jurídica dessas entidades continua sendo determinada no momento de sua criação, ou seja, quando não estatais, serão consideradas pessoas jurídicas de direito privado. Ocorre que, pela natureza da atividade desenvolvida, ou seja, manipulação de informações no mercado de consumo expondo constantemente à lesão a intimidade dos consumidores, conferiu-lhes o CDC caráter público, o que significa dizer que esses órgãos, quando não estatais, são pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, “entidades que se originam do poder criador da vontade individual, em conformidade com o direito positivo, e se propõem a realizar objetivos de natureza particular, para benefício dos próprios instituidores, ou projetadas no interesse de uma parcela determinada ou indeterminada da coletividade”, só que com caráter público.
Ora, se caráter público não significa conferir natureza de direito público, o que vem a ser essa expressão?
A questão pretendeu ser resolvida pela Lei 9.507, de 12.11.1997, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, ao estabelecer o conceito de registro ou bancos de dados de caráter público. No entanto, a tentativa restou infrutífera, como veremos.
Prescreve o referido diploma, in verbis: “Art. 1.º (Vetado) Parágrafo único. Considera-se de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações”.
Inicialmente, atente-se que a lei, assim como a Carta Magna e o CDC, utiliza a expressão registros ou banco de dados, e, a nosso ver, para exemplificar, referindo-se a toda forma de armazenamento de informações, e por conseguinte, também aos arquivos de consumo.
Ademais, em relação ao caráter público dos registros ou banco de dados a lei foi desastrosa, restringindo o seu significado ao consignar que esse caráter só será conferido aos bancos de dados ou registros que possuam pelo menos uma das duas características seguintes:
1.  Aqueles que possibilitem a publicidade de suas informações, ou seja, que elas possam ser potencialmente transmitidas para terceiros; ou
2.  Registro ou banco de dados contendo informações que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.
Embora as duas possibilidades venham convergir para um campo comum (afinal, quem não usa a informação privativamente, a leva ao conhecimento de outras pessoas, e, portanto, do público), elas não se coadunam com o caráter público da letra a, inc. LXXII, do art. 5.º, da Constituição Federal.
A lei do habeas data equivocou-se, e mediante precária técnica legislativa restringiu o sentido e alcance da expressão nas duas formas acima enumeradas. Conferiu aocaráter público o sentido de mera publicidade, em contraposição ao uso privativo da informação, sendo incompatível com o texto constitucional. 
O caráter público constitucional, cujo sentido acompanhou o CDC (art. 43, § 4.º), advém da gênese dos órgãos que manipulam informações, de sua própria essência. Ora, a garantia constitucional do habeas data, como veremos em capítulo próprio, em perfeita consonância com os arts. 1.º, II e III, e 5.º, X, da Constituição Federal, tem o condão de salvaguardar para o cidadão suas informações pessoais, ou melhor, as informações relativas à sua pessoa (impetrante), como as demais garantias constitucionais, visa proteger o cidadão contra o Estado atuando na esfera das liberdades públicas. Ocorre que o habeas data é o único remédio a ser utilizado também contra particulares, pelo fato de estar a serviço da defesa do direito personalíssimo à intimidade. Se o remédio foi estendido também em face dos particulares, isso se deu por alguma razão, ou seja, a natureza da atividade por eles desenvolvida.
Assim, o “caráter público” exsurge para todo arquivo (registro ou banco de dados) que manipule informações de caráter pessoal, independentemente de publicidade.
Pelo simples fato de manejarem informações de caráter pessoal, recai sobre esses órgãos o interesse público de controle de atividade, para a proteção da privacidade cidadã. Enfim, é da danosidade potencial que deriva o caráter público, e não da mera publicidade.
Se não fosse assim, haveria conflito entre o parágrafo único do art. 1.º da Lei 9.507/1997 e o § 4.º do art. 43 do CDC, pois o habeas data não poderia ser impetrado contra os cadastros de consumidores. Porém ele inexiste, seja pelo fato de a lei do habeas data ter restringido o que não poderia restringir, seja pelo fato de estarmos diante de um sistema revolucionário, no caso o CDC, pautado na ótica dos interesses difusos. “Ser de ‘caráter público’ significa, pois, que aos arquivos de consumo, afastando-se do regime jurídico válido para a maioria das empresas, são impostas obrigações e limitações adicionais, desenhado que foi um aparato legislativo próprio para sua disciplina. Tanto assim que o legislador resolveu confiná-los à geografia das liberdades públicas, válidas normalmente contra o Estado e seus apêndices, com isso assegurando-se de que, em termos de transparência, due process, rigor formal e conteúdo, os arquivos de consumo recebem similar tratamento”.
Por fim, temos que a terminologia caráter público empregada pelo CDC objetivou, por um lado, apontar o interesse público e até difuso de que a atividade dos arquivos de consumo seja dada nos estritos parâmetros do ordenamento jurídico, e, por outro, visou abrir ao cidadão consumidor as portas das ações constitucionais do mandado de segurança e habeas data em face de todos os arquivos de consumo que contenham informações pessoais ou de consumo dos consumidores.
O art. 43 do Código de Defesa do Consumidor
O art. 43 do CDC teve como fonte inspiradora o direito norte-americano e as propostas legislativas do National Consumer Law Center21.
O mandamento central de seu caput determina que o consumidor terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas fontes.
Note-se, o aspecto privilegiado é o do acesso às informações existentes nos arquivos independentemente de estarem armazenadas sob a forma de cadastros, fichas ou registros, e de fazerem referência a dados pessoais ou de consumo. As hipóteses não são taxativas e sim exemplificativas, com o intuito de abranger todos os arquivos de consumo, sejam eles complexos e informatizados ou não.
Logo de partida o CDC tutelou o acesso do consumidor a tais órgãos.
Outro aspecto referido no caput é o da fonte de informações. Quis o CDC garantir também ao consumidor o acesso às fontes das informações armazenadas nos arquivos de consumo.
É cediço que tais arquivos, fazendo-se valer da evolução tecnológica, utilizam todos os recursos informáticos que possibilitem a prestação de informações sobre um maior número de pessoas em um menor espaço de tempo. Para isso, estabelecem interconexões com os mais variados arquivos privados e públicos, que podem servir de fonte das informações referentes aos consumidores.
Tal garantia não teve como escopo a preocupação
com a origem da informação, pouco importando se ela é proveniente de um órgão público ou privado, afinal os órgãos públicos também são falíveis. O que importa é se a informação resulta de uma prática lícita ou ilícita, e se ela efetivamente corresponde à verdade dos fatos. Se resultante de uma prática ilícita, o ordenamento está de prontidão para reprimi-la, não só com os dispositivos do CDC, mas também com os instrumentos constitucionais e penais disponíveis. Se ela não corresponde à verdade, pode o consumidor, diante de uma informação falsa, obscura ou inexata, retificá-la, ou até mesmo excluí-la, não só do arquivo de consumo, mas também de sua fonte geradora.
Conhecer a fonte significa saber se a informação, mesmo correta e verdadeira, é, por exemplo, definitiva. É o que acontece nos casos de negativação de crédito pela existência de protestos, apesar de terem sido sustados, ou execuções judiciais em aberto, sem sentença judicial transitada em julgado.
Constitui ilícito o armazenamento de informações referentes a características pessoais, familiares, quanto ao modo de vida, convicção política e religiosa etc., até porque constituem o espectro de intimidade absoluta do cidadão.
As informações constantes de arquivos de consumo têm vida útil de cinco anos. Este é o tempo máximo que a lei entende ser necessário para que o mercado esqueça a conduta irregular do consumidor, se antes não prescreveu o prazo para a ação cambiária.
No § 1.º do art. 43, quis o CDC consignar que só as informações relativas ao mercado de consumo é que podem figurar nos arquivos. Dessa forma, outras informações estão vedadas, por isso a necessidade de que as informações sejam objetivas, claras e verdadeiras.
As informações dos arquivos só podem ser prestadas uma vez preenchidas duas condições, quais sejam:
a)   solicitação individual;
b)   que tal solicitação seja decorrente de uma necessidade de consumo.
Qualquer utilização que não obedeça a essas duas condições implicará mau uso, sujeitando os infratores às sanções contra a invasão da privacidade e dano à honra, ficando obrigados a prestar indenização ao consumidor na forma do art. 6.º, VII e VIII, do CDC.
É de se salientar que além da reparação de danos ao consumidor, sanções de natureza civil e de natureza penal, os arquivos de consumo estarão sujeitos às sanções administrativas previstas no art. 56 do CDC e no Decreto 2.181/1997.
Também como consequência do mau uso dos bancos de dados temos a previsão de aplicação das sanções penais nos arts. 72 e 73 do CDC, reprimindo o impedimento do acesso à informação por parte do consumidor, o mero embaraço e a negativa da correção de informação inexata.
Finalmente, importante noticiar a criação, em nosso país, do cadastro positivo nos sistemas de proteção ao crédito, por meio da Lei 12.414/2011. Defendida por setores importantes da economia brasileira, a medida promete baratear o crédito ao consumidor. Conforme o seu art. 1.º, a “Lei disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito, sem prejuízo do disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor”. O seu parágrafo único ressalva que “os bancos de dados instituídos ou mantidos por pessoas jurídicas de direito público interno serão regidos por legislação específica”. Considerando que o texto da lei em nada altera as disposições do CDC, se aplicam aos cadastros positivos todos os preceitos da matéria aqui estudados.
Os direitos de comunicação, acesso e retificação
A abertura de registro em bancos de dados pode se dar de três formas:
1)  por solicitação do próprio consumidor, como por exemplo mediante o preenchimento de fichas em bancos, planos de saúde, cartões de crédito e agências de viagens;
2)  por determinação da empresa interessada na realização do negócio de consumo;
3)  por decisão espontânea de um banco de dados.
O direito de que o consumidor seja informado acerca de informação sobre ele constante em bancos de dados está esculpido no § 2.º do art. 43 do CDC, constituindo-se em verdadeiro dever do órgão de armazenamento de informações. Da mesma forma, o direito de acesso aos bancos de dados está inserido no caput do art. 43, referindo-se aos cadastros, fichas e registros. Já o direito de retificação, e por conseguinte o dever por parte do arquivo de consumo, vem prescrito no § 3.º do art. 43.
Destarte, temos que, como consequência do dever de comunicação, surge o direito de acesso do consumidor às informações arquivadas em quaisquer bancos de dados ou cadastros de consumidores.
Como decorrência do direito de acesso surge o direito de retificação das informações incorretas. Assim, “O direito de acesso não diz respeito apenas aos dados arquivados, estende-se igualmente às suas fontes. Cria-se, por essa via, um dever para o banco de dados de sempre anotar a origem da informação que arquiva. Por duas razões: primeiro, para se precaver, pois a qualquer momento tal elemento pode ser contestado, fazendo-se necessária uma nova investigação; segundo, como forma de permitir ao consumidor postular perdas e danos contra quem deu origem à informação desconforme. (...) Não se exige que o consumidor faça prova negativa da veracidade ou desconformidade dos fatos corrigidos. Já que se trata de material recolhido à sua revelia, compete ao arquivista, a quem os dados aproveitam diretamente, produzir prova positiva de sua veracidade eatualidade. Uma vez que, após a reinvestigação, a informação seja confirmada, deixa de existir a obrigação de retificação e o dever de comunicação a terceiros”.
O art. 45 foi vetado pela Presidência da República e, a nosso ver, de modo extremamente equivocado. O fundamento do referido veto reside no fato de que “o art. 12 e outras normas já dispõem de modo cabal sobre a reparação do dano sofrido pelo consumidor. Os dispositivos ora vetados criavam a figura de ‘multa civil’, sempre de valor expressivo, sem que sejam definidas a sua destinação e finalidade”.
Ora, quis o legislador apontar a importância da matéria ora examinada, fixando multa civil e incidência de juros. Quis estabelecer dessa forma, e justamente por meio da imposição de valores expressivos a fim de que a honra e a privacidade do consumidor, ao serem ultrajadas, pudessem ser reparadas compativelmente.
Ora, evidente que nessas relações existem duas partes com características diferenciadas, quais sejam, de um lado o consumidor, que muitas vezes, pelas próprias condições econômicas e desigualdade social por que passa o país, vê-se em situação irregular no mercado de consumo, e de outro os bancos de dados e cadastros de consumidores, equipados com os mais modernos sistemas de informações, munidos de grande poderio econômico, e que por muitas vezes, aproveitando-se desse desequilíbrio, incorrem em irregularidades.
É cediço que o CDC nasceu para equilibrar as relações de consumo, e é por isso que se chama Código de Defesa. Quis o legislador com o art. 45 dar destaque à atividade de arquivos de consumo. Porém, pela própria sistemática estabelecida no CDC, tal veto não prejudicou o estabelecimento do equilíbrio na relação Consumidor × Banco de Dados, pois, além da reparação civil, existem as sanções penais e administrativas.
Note-se que as pessoas fornecedoras de crédito figuram na posição de consumidoras de informação, enquanto a empresa detentora do banco de dados na posição de fornecedora de serviços. Ressalte-se que o fornecedor, neste caso, perante o direito brasileiro, responde objetivamente pela exatidão, completude e atualização da informação. Qualquer lesão que o consumidor de informações vier a sofrer em razão da inexatidão, incompletude ou desatualização da informação será reparada objetivamente. Porém, atente-se que se nada de errado houver com a informação prestada, e o fornecedor de crédito (consumidor de informação) vier a sofrer lesão em decorrência do negócio estabelecido no mercado, o fornecedor de informações (banco
de dados) não terá responsabilidade alguma, pois responde pela informação e não pelo sucesso do negócio estabelecido por seu consumidor. Com a informação prestada o fornecedor de crédito assume sozinho o risco do negócio efetuado.
Pressupostos de legitimidade dos arquivos de consumo
Os arquivos, a partir da interpretação dos dispositivos do CDC, para exercerem regularmente suas atividades, devem preencher quatro pressupostos básicos. São eles:
a) Teleológicos ou finalísticos
O diploma consumerista visa, além da defesa, também à prevenção do consumidor. Por isso, todo arquivo de consumo deve indicar qual a finalidade da informação coletada, a qual objetivo ela se presta, afinal, nenhum arquivo de consumo pode se transformar em curador de dívidas não pagas; não é coletor de dívidas.
O rigor legal com esses órgãos deve-se à unilateralidade de sua atividade, pois vive à procura de novas informações sem o conhecimento da pessoa referida; à invasividadena privacidade alheia; à parcialidade com que transmite a informação sem atentar para o devido processo legal, principalmente quando faz da negativação do consumidor um instrumento de cobrança, desviando seu objetivo maior, que é a proteção da universalidade do crédito. Ao desviar seus objetivos, os arquivos de consumo ferem de uma só vez quatro cânones constitucionais, quais sejam, o direito ao crédito, a garantia do acesso à justiça, a proteção do consumidor e a proibição de penas infamantes.
Por fim, como salienta Carlos Adroaldo Ramos Covizzi em importante obra sobre as práticas abusivas da Serasa e do SPC, “desafortunadamente, a experiência de anos de atuação desses serviços, nos tem mostrado que, eles, como prestadores de informações, finalisticamente, valem muito mais como agentes opressores e inibidores das liberdades individuais, do que auxiliares da cadeia produtiva, visto que as informações negativas que fornecem tendem a se propagar e encontrar acolhida efetiva nos mais diversos segmentos sociais, para, generalizadamente, fixar conceitos pessoais e impossibilitar o livre exercício das atividades econômicas”
b) Substantivos
O arquivo deverá observar a natureza da informação manejada, o seu tipo e conteúdo, pois, como vimos, nem toda informação pode ser circulada, como as referentes à esfera de intimidade sensível.
Ademais, é necessário que o débito seja inquestionável, com a certeza e convicção da informação, sem os quais ela não pode ser circulada. Atente-se que qualquer débito discutido em juízo deixa de ter essas características, o que nos leva a concluir que o consumidor nessa condição não pode ser negativado. Desta feita, “não se pode esquecer que a negativação, como já se viu, gera efeitos concretos na sociedade contra a dignidade e a imagem do consumidor, e que nenhuma lesão ou ameaça está excluída da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5.º, XXXV). Donde forçosamente se conclui que pode o consumidor questionar a abusividade da cobrança e da dívida com todas as demais ações mais eficazes no que diz respeito ao constrangimento; sendo assim, a possibilidade de violação à dignidade e imagem do consumidor é, sem sombra de dúvida, a negativação nos serviços de proteção ao crédito. Por certo, deverá o magistrado, avaliando no caso concreto a verossimilhança das alegações do consumidor, decidir pelo impedimento da negativação ou seu cancelamento. Por isso, diga-se desde já, com todas as letras: se o consumidor questionar a dívida em juízo, não se pode mantê-lo ‘negativado’ (como se diz) nos serviços de proteção ao crédito”
Nesse sentido já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do ministro Rui Rosado Aguiar: “(...) conhecidos os efeitos negativos do registro em banco de dados de devedores; daí porque inadequada a utilização desse expediente enquanto pende ação consignatória, declaratória ou revisional, uma vez que, não obstante a incerteza sobre a obrigação, já estariam sendo obtidos efeitos decorrentes da mora. Isso caracteriza um meio de desencorajar a parte a discutir em juízo eventual abuso contratual”(STJ, 4.ª Turma, RE 172854-SC, j. 04.08.1998, v.u., DJU 08.09.1998).
A importância da questão é traduzida por Benjamin, ao asseverar que sem “garantias mínimas de segurança e validade do débito, todo sistema resvala para a constituição de tribunais privados de exceção, pois o credor, por desvio de função do instrumento, afasta o que sobra de constitucionalidade a tal prática, baseada na presunção de que o que se protege é o crédito, visto genericamente. Não sendo assim, terminamos com um mecanismo ilícito de cobrança, embasado no uso de coação social, constrangimento público, estigmação e execração do ‘homo economicus’”
Nos tempos modernos o crédito é instantâneo e mecanizado, em contraposição ao crédito isolado e circunstancial da era pré-informática.
A atividade dos arquivos de consumo sem a observação desse pressuposto configura prática abusiva, nos termos do art. 39, VII, do CDC.
Atente-se que o débito renegociado não pode ter o condão de manter registro em banco de dados. O extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo já se pronunciou nesse sentido (5.ª Câmara, Ap. Civ. 750151, Rel. Cunha Garcia, 21.10.1998).
Entendemos que cabe ao banco de dados a obrigação de buscar também essa informação, sob pena de responder pelas lesões causadas aos consumidores, pois a finalidade desses arquivos de consumo é garantir o mercado, o crédito em geral, e não o credor original.
Por fim, ressalte-se que as informações protegidas pelo manto constitucional da privacidade e que não digam respeito às relações de consumo não podem figurar nos arquivos de consumo.
c) Procedimentais ou formais
Estes aspectos limitam a atividade dos bancos de dados de consumo quanto à forma de atuação. Assim, não é qualquer pessoa que pode acessar um arquivo de consumo, já que para tanto é necessária a solicitação individual decorrente da atividade de consumo, como visto na análise do art. 43. Com isso, verifica-se que a informação só pode ser prestada mediante consulta.
d) Temporal
Por fim, resta o pressuposto da limitação temporal da informação, também já estudada, estabelecida nos §§ 1.º e 5.º do art. 43, ou seja, de cinco anos para as informações em geral, contados do momento do fato que deu origem ao dado e não de seu lançamento no arquivo, e o prazo prescricional para a ação de cobrança. Assim, se a prescrição para a ação de cobrança ocorre antes de cinco anos, a informação não pode ser consignada no arquivo.
Decorrido o limite temporal consignado nos dispositivos em comento, todos os dados, inclusive os documentais, devem ser apagados do arquivo.
Os cadastros de órgãos públicos
A diferenciação existente entre os cadastros de órgãos públicos, regulados pelo art. 44 do CDC, e os que foram até agora abordados consiste no conteúdo das informações arquivadas.
Assim, enquanto os arquivos referidos no art. 44 são exclusivamente do Estado, os outros têm natureza privada. Estes armazenam informações relativas aos consumidores, enquanto os arquivos dos órgãos públicos armazenam informações relativas aos fornecedores e seu comportamento no mercado, com o propósito de justamente orientar os consumidores. Exemplos: Decon, Procon, Departamento Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Esses órgãos constituem-se, como diz Luiz Antonio Rizzatto Nunes, no “troco” do CDC aos serviços de proteção ao crédito.
Tais informações precisam, necessariamente, ser divulgadas, para fazer cumprir o objetivo precípuo dos cadastros, que é o de auxiliar o consumidor.
A divulgação deve ocorrer pelo menos uma vez por ano, e de forma pública, com o fim de atingir os consumidores que se encontram de forma difusa no mercado de consumo. A lei possibilita o acesso à pessoa interessada, entendendo-se que todo consumidor é interessado.
Em relação ao fornecedor o mesmo não ocorre, pois este deve demonstrar o interesse legítimo da sua consulta, para que as informações não sejam utilizadas com o condão
de concorrência desleal.
No entendimento de Herman Benjamin no tocante à indenização por parte do órgão público ao fornecedor. Aplicamos tal entendimento analogicamente aos bancos de dados e cadastros de consumidores, ou seja, à medida que os arquivos de consumo se limitam a prestar informações objetivas, claras e precisas, dentro dos padrões estabelecidos no CDC – Comunicação, Acesso e Retificação de informações relativas ao mercado de consumo. Se por um lado os cadastros de órgãos públicos estãosimplesmente cumprindo um dever que lhe[s] é imposto por força de lei, os bancos de dados e cadastros de consumidores estão simplesmente exercendo uma atividade que é prevista e autorizada por lei. Nessa esteira, “a extraordinária rapidez com que os bancos de dados podem elaborar perfis de informação do indivíduo (no assim dito ‘tempo zero’), a possibilidade de desvio de finalidades na utilização dos próprios dados informativos e a falibilidade dos processos informáticos constituem potencial ameaça aos direitos da personalidade, na medida em que produzem (ou podem produzir) situações constrangedoras, das quais a pessoa só se pode liberar mediante meios modernos de tutela (entre os quais os agora previstos), dado que as soluções tradicionais se mostram ineficazes para garantir a sua segurança e tutelar adequadamente seus interesses”
Incidem subsidiariamente as regras dos arquivos de consumo privado aos cadastros de órgãos públicos, aplicando-se também o habeas data para os fornecedores, afinal essa ação constitucional também pode ser utilizada por pessoa jurídica.
Desta forma, o habeas data constitui-se em garantia fundamental, pois é um remédio processual que visa garantir a existência e o respeito de direitos fundamentais, exatamente como nos ensina o mestre J. J. Gomes Canotilho, ao apontar que: “Rigorosamente as clássicas garantias são também direitos, embora nelas se saliente o caráter instrumental de sua proteção”.
Como o habeas data não comporta pedido indenizatório e nem proporciona a discussão acerca da validade ou não do débito, outra alternativa ao consumidor é a proposição da ação de conhecimento com o pedido de antecipação da tutela para o levantamento da negativação, nos termos dos arts. 84 do CDC e 273 do CPC, inclusive com a cominação de astreintes para o caso de não cumprimento da ordem judicial.
O posicionamento mais recente do STJ
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a nosso ver, vem retrocedendo em sua posição sobre a matéria. Em julgado da lavra do Ministro César Asfor Rocha, o STJ tem adotado um posicionamento mais rígido para o levantamento da negativação que subsiste com o ajuizamento de ação judicial que questiona o débito.
Atente-se que sobre a matéria o STJ editou as seguintes súmulas:
•   Súmula 404, de 24.11.2009. É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros.
•   Súmula 385, de 08.06.2009. Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento.
•   Súmula 359, de 08.09.2008. Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.
•   Súmula 323, de 05.12.2005. A inscrição de inadimplente pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito por, no máximo, cinco anos, independentemente da prescrição da execução.
•   Súmula 2, de 18.05.1990. Não cabe o habeas data (CF, art. 5.º, LXXII, letra “a”) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.

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