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CULTURA BRASILEIRA AULA 3 Profª Edna Gambôa Chimenes 2 CONVERSA INICIAL Olá! Seja bem-vindo a mais uma aula de nossa disciplina. Agora teremos a oportunidade de conhecer e discutir um pouco sobre a formação da identidade nacional e as correntes que influenciaram esse processo, analisando diversas características bastante relevantes. Além disso, utilizaremos algumas obras que retratam uma visão diferenciada dessa formação, possibilitando novos conceitos e novas visões acerca da construção da identidade nacional que conhecemos hoje. CONTEXTUALIZANDO A formação da identidade brasileira ocorreu, de acordo com o que nos foi apresentado em nossa vida escolar, a partir da influência dos colonizadores (portugueses), africanos, indígenas e outros povos europeus. Porém, esse processo, ao longo de sua construção sofreu fortes influências de correntes como o determinismo e evolucionismo, que buscavam a origem da nacionalidade e da raça brasileira, além de procurar distinguir os povos de acordo com suas características. Outra corrente que influenciou fortemente a identidade nacional foi o positivismo – bastante presente em várias “heranças” que encontramos ainda hoje na sociedade brasileira. Essa corrente foi responsável, por exemplo, pela implantação da ideia de “Ordem e Progresso”, que ainda faz parte da bandeira nacional. Na formação do Brasil, encontramos algumas obras que são bastante representativas para a análise e descrição desse momento, como é o caso dos textos de Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda. Ambos buscam apresentar uma nova reflexão sobre a formação do Brasil, desconstruindo a ideia de que tudo era baseado nos princípios e características portuguesas, e que este povo foi o salvador da nação, após “descobri-la”. Hoje, analisando as esferas políticas, econômicas, sociais e econômicas, toda essa influência é muito visível e traz marcas, inclusive, culturais. Ainda assim, esses aspectos não são capazes de garantir uma evolução da população, que ainda sofre com os ideais implantados anteriormente e que, apesar de toda mudança aparente, ainda estão atuantes entre as diferentes comunidades. 3 Pesquisa 1. A questão da identidade nacional no XIX: determinismo e evolucionismo; 2. A questão da identidade nacional no XIX: o positivismo; 3. A formação do Brasil I: Caio Prado Jr.; 4. A formação do Brasil II: Sérgio Buarque de Holanda; 5. A formação do Brasil: síntese e novos rumos. TEMA 1 – A QUESTÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NO XIX: DETERMINISMO E EVOLUCIONISMO No século XIX, a identidade nacional continua a ser formada e transformada com base em teorias científicas que passam a ser utilizadas para explicar alguns problemas sociais. A influência das teorias raciais, que foram sendo elaboradas nesse período, gerava a reconstrução de memórias sobre o significado da palavra raça no Brasil, tornando-se importante para debates atuais, como as cotas raciais nas universidades públicas, o cumprimento da Lei n. 10.639/2003 (que oficializa a obrigatoriedade do ensino de História da África e dos africanos a Educação Básica), entre outros. A Lei n. 10.639/2003, especificamente, busca garantir maior reconhecimento das diferentes influências sofrida pela cultura brasileira, mostrando que as características que conhecemos vai além do que foi trazido pelos colonizadores, como vemos na íntegra a seguir: Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B: "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. § 3o (VETADO)" "Art. 79-A. (VETADO)" "Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’." Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Nota-se, nesse contexto, a necessidade de se criar uma imagem diferente do Brasil, aos olhos da sociedade internacional, buscando um efetivo conceito 4 da origem da população, mesmo considerando que o país tenha raízes miscigenadas. As novas teorias e ideias que foram surgindo, sobre raça e etnia brasileira, estavam baseadas na compreensão das teorias que são usadas, esclarecendo bases étnicas, além de classificar e definir alguns padrões raciais da população. Ortiz (1986, p.16) evidencia essa distinção, afirmando que: Na realidade, meio e raça se constituíam em categorias do conhecimento que definiam o quadro interpretativo da realidade brasileira. A compreensão da natureza, dos acidentes geográficos esclarecia assim os próprios fenômenos econômicos e políticos do país. Chegava-se, desta forma, a considerar o meio como principal fator que teria influenciado a legislação industrial e o sistema de impostos, ou ainda que teria sido elemento determinante na criação de uma economia escravagista. O evolucionismo, por exemplo, propunha distinguir os povos primitivos dos mais complexos, fazendo com que uma sociedade mais simples evolua, de acordo com suas necessidades, transformando-se em uma nova sociedade, mais complexa. Esse processo de inserção das novas teorias, que conta com o determinismo também, buscava uma espécie de neutralização do negro na sociedade, assumindo-se uma ideia de inferioridade dessa raça dentro da sociedade. Atualmente, encontramos outro modo de “determinismo” – o genético –, que é capaz de gerar mecanismos que mantém o negro em uma posição rebaixada socialmente, mesmo com o alcance de alguns negros ao poder. Cria- se uma espécie de determinismo de inferioridade, com preconceito e determinações de poder, padronizando novamente o que já foi feito pelo determinismo biológico – classificar e alienar essas etnias. 1.1 Determinismo O determinismo foi criado por Hipólito Taine, que acreditava que o comportamento do indivíduo é determinado e caracterizado por três aspectos básicos – a raça, o meio e o momento histórico vivenciado. Tudo ocorreria com base em uma causa anterior fixada, e todos os fenômenos estariam, sempre, interligados uns aos outros; ou seja, as leis causais seriam responsáveis pelo controle de todos os movimentos, incluindo a mente do indivíduo. Nesta teoria, toda a ação do ser humano seria determinada por variáveis biológicas; não sendo livres as vontades e ações dos sujeitos, mas 5 resultantes desses mecanismos biológicos. Afirma-se que, de certa forma, quem nascer pobre, permanecerá na mesma condição; assim como quem nascer rico; e isso se deve ao fato de os indivíduos se acomodarem com sua situação e acreditarem que ela acaba sendo o destino de cada um. Assim, o determinismo é baseado em causas, e todos os acontecimentos são orientados pela determinação – um caráter natural; defende-se que as escolhas dos indivíduos não são frutos do livre-arbítrio, mas resultantes de relações de casualidade. O determinismo é bastante criticado entre filósofos e pesquisadores, que defendem a ideia de livre escolha, liberdade; segundo a qual o desejo, a alma, a escola e a vontade humana não são regidos por leis imutáveis. Porém, alguns autores, como Nietzsche, defendem que o determinismo e a “liberdade” não seriam realidades contraditórias, pois este não representa a livre escolha, mas, sim, a capacidadede criação. Já o livre-arbítrio ou livre escolha seria uma opção entre elementos que já foram pré-determinados, que já estão previamente criados. Saiba mais Para saber um pouco mais sobre o determinismo, de uma forma um pouco mais descontraída, acesse o vídeo: DETERMINISMO: o futuro já está escrito? Nerdologia, 11 maio 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uZZk67WjsEM>. Acesso em: 26 nov. 2018. 1.2 Evolucionismo Esta teoria busca explicar as mudanças que ocorreram ao longo da história nas diversas espécies de seres vivos e a relação que estabelecem com o meio onde vivem, como apresentado por Colares e Adeodato (2011, p. 40): Esta doutrina não se aplica unicamente aos seres vivos, mas a tudo, aos seres humanos, às instituições, às sociedades, em discordância com a teoria biológica, que abrange apenas os seres vivos. O evolucionismo tem como característica a definição da evolução como sinônimo de progresso, diversamente da teoria de Darwin. O principal representante desta teoria é Charles Robert Darwin, que publicou, em 1859, a obra conhecida como A Origem das Espécies, na qual desenvolve a teoria da seleção natural, segundo a qual a natureza ou o meio 6 eram responsáveis pela seleção de características individuais, fazendo com que os mais fortes sobrevivessem e os mais fracos fossem, automaticamente, eliminados. Nas pesquisas ocorridas no século XIX, buscava-se estabelecer uma comparação entre as espécies que habitavam as diferentes regiões. Percebeu- se que as características biológicas dos seres vivos passam por uma evolução dinâmica, com alterações dos organismos vivos, causadas por fatores naturais. Darwin defendia que a evolução só ocorreria mediante uma mudança biológica (não, necessariamente, para melhor), buscando a adaptação das espécies dentro dos meios onde vivem, o que configura a chamada “seleção natural”. Essa teoria causou muita polêmica entre os cientistas, principalmente pela afirmação de que os homens teriam um ancestral comum com determinadas espécies de macacos (como os chimpanzés, por exemplo); porém, pesquisas recentes mostram, por meio de decodificação do genoma, que há 98% de semelhança entre os genes dos humanos e dos chimpanzés – o que indica apenas um parentesco, e não descendência. TEMA 2 – A QUESTÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NO XIX: O POSITIVISMO A corrente do positivismo iniciou no século XIX, apresentando um conceito bastante abrangente entre as visões científicas e filosóficas. Augusto Comte, seu principal representante, iniciou a propagação desse novo conceito; até hoje, vemos muitos dos seus ensinamentos presentes em diversos lugares. Durante anos de discussões, o positivismo não teve o apoio da sociedade, principalmente por proliferar uma visão de que a metafísica e a teologia não deveriam mais fazer parte da vida humana, sendo afastadas do cotidiano e do desenvolvimento dos indivíduos. Essa corrente trazia tanto pensamentos filosóficos, quanto sociológicos e políticos, que surgiram em meados do século XIX, em especial na França. Tentava-se firmar a ideia de que o conhecimento científico apresentado por esta corrente seria o único conhecimento verdadeiro e válido para a sociedade. Assim, as superstições, religiões e todos os ensinos teológicos passariam a perder seus valores e serem ignorados, já que não seriam capazes de contribuir para o desenvolvimento da humanidade. 7 Os estudiosos dessa teoria também acreditavam que todos os indivíduos seriam atingidos por uma ciência cumulativa, independentemente da cultura em que estivessem inseridos ou do lugar onde se desenvolveram. No Brasil, o termo que encontramos na bandeira nacional – “Ordem e Progresso” – é fruto de ideias positivistas, com base em ideias de Comte, que ele afirmava que uma nação/povo deveria ter “amor como princípio, ordem como base e progresso como objetivo”. Foi uma corrente (escola) de grande influência no Brasil na virada do século XIX e XX. As ideias apresentadas pelo seu principal representante foram empregadas intensamente nos círculos republicanos brasileiros, sendo impostas pelo militar Benjamin Constant (1836-1891) – por exemplo, ajudando a criar a nova ordem social republicana, bastante visível no governo de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. O positivismo também contribuiu para a formação da identidade nacional, passando a ser estudado, na década de 1850, nas escolas superiores de Medicina, Engenharia ou de formação de militares brasileiros. Os professores pregavam ideias contrárias à monarquia, fortalecendo o formato republicano que estava se estabelecendo no país. Outras ações influenciaram o governo brasileiro, a partir de ideias trazidas pelo positivismo, como, por exemplo, as formas de tratamentos herdadas do Império – Vossa Excelência e Vossa Senhoria –, que passam a ser substituídas pelo uso do pronome “vós”. Além disso, alguns feriados nacionais, que até hoje constam em nosso calendário, foram criados com base nos princípios positivistas – dia da Independência (7 de setembro), dia de Tiradentes (21 de abril), dia da república (15 de novembro), entre outros. Assim, nota-se que a principal influência dessa corrente na formação da identidade nacional ocorreu no período republicano, quando houve a incorporação dessas ideias no referencial do povo brasileiro, desde o processo de abolição da escravatura até o processo de proclamação da república, com base na ideia da construção de uma sociedade fraterna, justa e progressista. De acordo com Viveiros (1958, p. 589-590), Cândido Manoel da Silva Rondon afirmava, dentro de sua “profissão de fé na ciência” que: o dogma do Positivismo é a própria ciência e, como esta, universal, relativo, demonstrável [...] Porque é, ao mesmo tempo, a religião do amor, a religião da ordem, a religião do progresso [...] Creio que a ciência, a arte e a indústria hão de transformar a terra em paraíso, para 8 todos os humanos, sem distinção de raças, crenças e nações [...]; Creio nas leis da sociologia, fundada por Auguste Comte, e, por isso, na incorporação do proletariado e das nações consideradas sem civilização à sociedade moderna [...]; Creio que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas desfavorecidas. Além disso, os positivistas acreditavam que os indivíduos nativos estavam no primeiro estágio mental da humanidade e, por esse motivo, seria necessário auxiliá-los, com a finalidade de que eles consigam chegar ao estágio mental da civilização, para se inserirem nela, o que acarreta na exigência de que eles “evoluam”, para fazerem parte desse grupo e para que ingressem no caminho do progresso. A partir do evento da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, mostra-se nula a participação de qualquer movimento popular que busque a queda do modelo imperial, já que esse novo evento representaria, para a maioria, uma forma libertária, com um governo da lei e ordem. O pensamento positivista, nesse contexto, surge na tentativa de manipular a classe popular, e isso se arrasta até os dias de hoje, na busca por realizar uma ligação entre a identidade histórica brasileira e a construção da República no Brasil. Isso ocorre porque, nessa corrente, as ideologias passam a ser mais fortes e abrangentes, formando uma nova identidade, pautada na situação da República. Nota-se a influência do positivismo em campos como a literatura, em obras como O Ateneu, de Raul Pompéia, e O Cortiço, de Aloísio de Azevedo. Essas obras apresentam uma natureza diferente da que era descrita na mesma época, nos romances; são isentas de qualquer idealização na maneira de apresentar o mundo, analisando e observando a sociedade de uma forma mais direta. Na política, outro exemplo da influência dessa corrente é no episódio da abolição da escravatura, na proclamação da república e, principalmente,na máxima “ordem e progresso”, apresentada na bandeira nacional, em busca de uma sociedade que fosse mais justa, fraterna e progressista. Leitura obrigatória Para ampliar seu conhecimento, leia: PRADO JR., C. Sentido da Colonização. In: _____. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1961. p. 14-22. 9 TEMA 3 – A FORMAÇÃO DO BRASIL I: CAIO PRADO JR. Caio Prado Jr. (1907-1990) foi um militante do Partido Comunista, formado em direito pela USP e atuante em alguns cargos em seu partido político. Escreveu seu primeiro livro, Evolução Política no Brasil, em 1933, mas apenas em 1942, com o lançamento de sua obra Formação do Brasil Contemporâneo, passou a ganhar maior destaque, contribuindo para o conhecimento acerca da formação do país. Foi um crítico marxista, e buscou desvendar a realidade brasileira, desde a época da colonização até a formação, efetiva, da nação. Conforme mencionado pelo autor (1961, p.9): O início do século XIX não se assinala para nós unicamente por estes acontecimentos relevantes que são a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil e os atos preparatórios da emancipação política do país. Ele marca uma etapa decisiva em nossa evolução e inicia em todos os terrenos, social, político e econômico, uma fase nova. A obra A Formação do Brasil apresenta grande importância no cenário nacional, por buscar entender a colonização portuguesa e a presença deste povo na América, considerando o contexto das grandes transformações europeias e seus reflexos na constituição da modernidade, incluindo a conquista e a colonização que ocorreram na época. Trata-se de um dos textos mais influentes sobre as relações entre nação e colônia, dentro do processo que consolidou, ao longo da história, a formação do Brasil. Apresenta um perfil clássico do pensamento social brasileiro, formando uma visão da origem e formação, desde a colonização do Brasil; permite entender o país e seu sentido da colonização – o Brasil é visto como fornecedor de produtos primários, mesmo após sua independência política. A preocupação central, para o autor, era analisar a formação da sociedade brasileira, principalmente os pontos que retratavam a transição entre o Brasil colônia e a nova nação. Além disso, procurava uma nova forma de compreender todo esse processo, interpretando-o e gerando uma reflexão sobre a real identidade brasileira, contrariando um idealismo que se formou na história, e conseguindo contrapor o Brasil ideal ao Brasil real. E, para conseguirmos compreender a formação do Brasil, é necessário, primeiro, analisar todo o período da colonização, já que, ainda nos dias atuais, encontramos heranças de todo esse processo, como, por exemplo, a 10 subordinação da economia a mercados internacionais, métodos utilizados na agricultura, entre outros aspectos. Caio Prado Jr. realiza uma análise de todo esse período, deixando de tratar a colonização como um fato isolado de toda a construção da nação, e apontando para o grande interesse de Portugal em explorar as riquezas que haviam no território nacional, sem que houvesse a necessidade de povoar essa nova terra. Nos lembra, sempre, que o descobrimento do Brasil é fruto de uma expansão marítima dos europeus. O autor ainda procurou analisar o Brasil em uma perspectiva materialista, considerando todo o momento histórico e dando ênfase à estrutura econômica, na tentativa de explicar a realidade que se encontrava no país. O autor faz referências ao período de colonização, mostrando as suas principais atividades econômicas, dentre as quais destacamos a agricultura, que é seguida por outras, como a mineração (que durou pouco tempo no Brasil) e a estratificação. Em todas elas, é notável o caráter exploratório rudimentar, mesmo quando em escalas menores, como é o caso do setor extrativo – atividade que não tinha a mesma importância que as demais na economia do Brasil colonial. Esses fatos foram responsáveis pela transformação da nova terra em colônia, sendo responsáveis pelo fornecimento de produtos e riquezas para os novos “donos” (europeus). Outro aspecto bastante importante em todo esse processo histórico é a análise econômica que pode ser feita, considerando as atividades inseridas, como grande lavoura, mineração, artes, pecuária, comércio, transporte etc., o que evidencia o caráter de subordinação, pois fortalecia-se a dependência ao destinar a produção ao fortalecimento do comércio europeu. Muitas dessas atividades eram fundamentais, e outras secundárias, como a pecuária, por exemplo; diante disso, não se poderia colocar todas em um mesmo plano, até porque, dentre essas atividades, todas as que não eram de interesse de Portugal eram fortemente reprimidas, como o caso da manufatura. Caio Prado Jr., nesse contexto, é decisivo para uma superação do pensamento ideológico sobre a formação do Brasil, pois busca, mais do que explicar a construção do país segundo raça, clima, escravidão, colonizadores etc., procura interpretá-la, com base em todos os sentidos da colonização e o que ela representou para o desenvolvimento do país. 11 A relação de desigualdade que começa a se instalar nesse período perdura até hoje, quando pensamos na divisão entre centro e periferia (antes, colônia e metrópole), e na necessidade e dependência externa, tema retratado pelo autor, que antecipa uma configuração que encontramos em nossa sociedade atual. Além dessa diferenciação visível, o autor ainda descreve que a administração colonial é marcada por grande desorganização e desleixo: a administração colonial nada ou muito pouco apresenta daquela uniformidade e simetria que estamos hoje habituados a ver nas administrações contemporâneas. Isto é, funções bem discriminadas, competências bem definidas, disposição ordenada, segundo um princípio uniforme de hierarquia e simetria, dos diferentes órgãos administrativos. [...] Com resultado, as leis não só eram uniformemente aplicadas no tempo e no espaço, como frequentemente se desprezavam inteiramente, havendo sempre, caso fosse necessário um ou outro motivo que justificava para a desobediência. (Prado Jr., 1961, p. 297) Também é importante abordar a escravidão e as relações provenientes dela. Segundo Caio Prado Jr., essa estrutura seria responsável pela formação e organização dos diferentes setores da sociedade. O cenário do escravagismo, junto à configuração do mercantilismo, foi um dos principais formadores da nação e, consequentemente, da configuração da sociedade contemporânea brasileira. Com isso em vista, é possível compreender a principal questão apontada no texto de Prado Jr.: a presença incisiva das características do passado colonial nos diferentes setores do país de 1942 (econômico, geográfico, social e político); momento em que o Brasil se apresentava como uma nação em constante transformação. Por isso, o autor enxergava a necessidade de analisar, minunciosamente, os três séculos de colonização, para que tenhamos elementos suficientes para compreender o Brasil contemporâneo, com suas particularidades e sua nova configuração. Dessa forma, ao pensarmos na história nova e velha, ou seja, contemporânea e colonial, dentro da formação social e econômica do Brasil, o autor apresenta uma interpretação, com traços marxistas, acerca da implantação do capitalismo, fazendo com que o novo/moderno se alimente do antigo, de modo que se complementam na via do desenvolvimento social. E, para completar esse quadro, é imprescindível mencionar a situação econômica brasileira do final da colonização, marcada por grande precariedade, 12 falta de autonomia para novas decisões e mudanças necessárias, além de uma forte subordinação à conjuntura internacional. Evidenciam-se, com isso, os aspectos da organização social, política e administrativa, e sua estrutura e estratificação, pautadaspela burocracia e posterior ênfase na prática do poder e nas dimensões políticas. O autor apresenta, também, as particularidades da formação econômica e social brasileira, juntamente à sua articulação com o sistema capitalista mundial. Isso tudo é bastante importante para a compreensão do Brasil atual, pois foi por meio de todo esse processo histórico que a sociedade em que vivemos se formou – a qual, apesar da negação por muitos, carrega, ainda, uma ampla herança dessas relações entre a colônia e a nação. Saiba mais Para entender um pouco mais sobre o autor Caio Prado Jr. e seu pensamento sobre a formação do Brasil e seus momentos históricos, leia o artigo: REIS, J. C. Anos 1960: Caio Prado Jr. e "a revolução brasileira". Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 19, n. 37, set. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 01881999000100012>. Acesso em: 26 nov. 2018. TEMA 4 – A FORMAÇÃO DO BRASIL II: SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) foi um intelectual, jornalista, sociólogo e historiador brasileiro, que buscou interpretar o Brasil, analisando sua estrutura política e social, com base nas raízes nacionais encontradas ao longo da história. Em 1925, formou-se em Direito, na extinta Universidade do Brasil, porém optou por continuar exercendo a função de jornalista, chegando a ser correspondente internacional na Europa. Foi para a Alemanha, onde presenciou a ascensão do nazismo; após retornar ao Brasil, em 1936, começou a lecionar História Moderna e Contemporânea na Universidade do Distrito Federal, mesmo ano em que publicou sua obra clássica – Raízes do Brasil, na qual apresenta um debate sobre a realidade cultural e política no processo de formação do Brasil. O autor, baseado em uma visão weberiana, procurava descrever o homem brasileiro ideal, apontando que o atraso histórico percebido no desenvolvimento do Brasil está diretamente relacionado ao “jeitinho brasileiro”, 13 também conhecido como “cordialidade”. Assim, a mentalidade dos portugueses (colonizadores) não era capaz de formar, diretamente, ou influenciar a configuração de uma civilização moderna brasileira. Em seu ensaio, Sérgio Buarque de Holanda pretendia mostrar uma nação livre das configurações raciais antigas – caciques rurais –, e apresentar um novo caminho a ser seguido em busca de uma nação mais moderna e democrática, articulando e analisando diferentes pontos de vista e desenvolvendo um diagnóstico sócio-histórico do Brasil. O texto trata de questões específicas da origem da colonização portuguesa, sempre afirmando que, apesar de ter sido, naturalmente, uma conquista, ela independe dos seus atores – ou seja, a colonização é realizada com base em muitas e graves falhas, um insucesso de outros colonizadores do Brasil (como, por exemplo, os holandeses). Assim, Sérgio Buarque de Holanda apresenta uma história de formação do Brasil baseada em um homem mais aventureiro, acreditando que sempre predominou um modelo familiar patriarcal, resultado de uma herança colonial, o que explicaria diversas relações políticas e sociais. Dessa forma, formam-se, também, as relações de funcionalismo do Estado, marcando a vida política, social e econômica brasileira do século XIX, por uma visão paternalista, que não compreende a distinção entre o modelo adotado no ambiente familiar e no Estado: O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição. [...] De acordo com esses doutrinadores, o Estado e suas instituições descenderiam em linha reta, e por simples evolução, da família. A verdade, bem outra, é que pertencem a ordens diferentes em essência. (Holanda, 1979, p. 101) A obra de Sérgio Buarque de Holanda, em especial, Raízes do Brasil (1936), marcou a década de 30, revelando a configuração da identidade brasileira e buscando compreender como se deu a formação e o desenvolvimento da sociedade brasileira, em um período em que o país estava em formação. O autor pretendia analisar e entender todo o processo formativo das estruturas sociais e econômicas do país, evidenciando a transformação da sociedade e criticando a estrutura antiquada do país, que ainda se baseava em modelos conservadores sustentados pelas elites, deixando de lado a grande massa e a população marginal brasileira. 14 Com isso, ele consegue desenvolver um raciocínio detalhado acerca da formação do Brasil, considerando a exploração do território brasileiro, que ocorreu de uma forma não racional: Em nosso próprio continente a colonização espanhola caracterizou-se largamente pelo que faltou à portuguesa: - por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio militar, econômico e político da metrópole sobre as terras conquistadas, mediante a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem ordenados. (Holanda, 1979, p. 86) Nesta perspectiva, o autor ainda apresenta uma diferenciação entre os colonizadores portugueses e espanhóis, na América, já que os lusitanos tinham o único interesse de explorar o novo território comercialmente, enquanto os outros buscavam transformar a “nova terra” em uma espécie de extensão do que eles tinham, originalmente, na Europa. Todo esse contexto possibilita a reestruturação da ideia de democracia e a ampliação da contribuição popular, excluindo a distância que existia entre a elite e o povo, assim como entre o interesse da população e do Estado. Além disso, todos esses argumentos e explicações evidenciam uma espécie de tentativa de superar a herança colonial, que ainda tem traços na cultura da sociedade moderna. O autor, em sua análise, acredita que, além de todas essas especificidades, ainda havia a predominância do modelo da família patriarcal no Brasil, característico de uma herança colonial – o que auxiliaria a explicar as relações políticas e sociais encontradas no Brasil, pois, ao longo dos anos, foi mantido o patriarcalismo, principalmente na vida política, na relação estabelecida entre os governados e seus governantes, a partir do modelo familiar patriarcal. Assim, no texto, é defendida a ideia de que o processo de colonização trazia, como principal característica, a exploração e a busca por riquezas, sem avaliar possíveis estragos que essas ações pudessem causar. Além disso, afirma-se que o Brasil é um país com bases rurais, marcado pelo paternalismo, e isso só começou a ser alterado quando da abolição da escravatura. Por fim, Holanda atribui a ocorrência de problemas políticos e sociais, encontrados no Brasil, a ações no período da colonização portuguesa, rejeitando, efetivamente, a ideia de que os portugueses eram bons dominadores; também aponta a mestiçagem como elemento fundamental para a democracia, como alternativa social. 15 Leitura obrigatória Para ampliar seus conhecimentos, leia: HOLANDA, S. B. Novos Tempos. In: _____. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1979. p. 153-167. TEMA 5 – A FORMAÇÃO DO BRASIL: SÍNTESE E NOVOS RUMOS Há uma forte discussão sobre a formação e a crise da sociedade e do trabalho no Brasil. Dentro de suas especificidades, revela-se uma espécie de ressurgimento do trabalho escravo no país, como consequência do colapso da modernização, um fenômeno mundial, e não mais específico do Brasil. Vários autores apresentam uma caracterização da economia colonial como reflexo do perfil que se encontra no Brasil, exercendo, atualmente, influência sobre todo esse processo. O Brasil não despertou, em Portugal, um interesse imediato para exploração, pois acreditava-se que era uma terra não produtiva e, portanto, não teria nada a oferecer aos colonizadores. Mas, diante dointeresse de outros países pela nova terra, essa situação foi mudando. Na sequência, com o desenvolvimento, principalmente, social e econômico, e com as transformações sofridas ao longo do século XIX no Brasil, chega-se à abolição da escravatura e a um novo ajuste da economia brasileira, perante o mercado internacional. Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda, em suas obras, mencionadas anteriormente, retratam o momento em que estão atuando, quando há uma grande preocupação quanto à construção de uma efetiva história e à configuração e desenvolvimento da nação brasileira, mesmo que, nessa época, não tivessem acesso a documentos, tecnologias, entre outros, que auxiliassem no estudo e análise. Outro aspecto bastante importante a ser destacado é a influência que a realidade social e política brasileira exerceram no momento de vinculação das obras dos dois autores mencionados. Busca-se o entendimento das características específicas da formação do Brasil, com análises diferentes das que encontramos em diversas obras vinculadas, principalmente, à formação básica nacional. No século XIX, herança de toda a história da formação brasileira, desde o período da colonização, a atividade de produção de café, em especial nos 16 estados do Sudeste, contribuiu, efetivamente, para o processo de urbanização, mudando a configuração social do país. Após todas essas reflexões, mudanças políticas, econômicas e sociais, e com base nas obras mencionadas nessa aula, nota-se que, dentro das políticas econômicas, ao longo de todo o processo histórica, o Estado passou a promover um caráter competitivo, com novas iniciativas, a partir de mudanças de leis e de configuração social, em busca de maior democratização, tanto no caráter social, quanto na formação de raças e etnias. Atualmente, o Brasil está se reposicionando globalmente, apresentando um vasto conjunto de mudanças que transformaram o país ao longo das últimas décadas. Essas mudanças se referem ao regime econômico, à composição patrimonial e à estrutura social, visando um novo padrão de desenvolvimento. Estamos em um momento em que a soberania das nações e dos povos (incluindo suas culturas) encontra-se em um impasse. Analisando o momento atual, vemos fortes marcas das novas tecnologias de informação e comunicação. Nesse âmbito, a cultura é bastante relevante, tanto na economia, quando na política e diplomacia contemporânea. Isso não necessariamente garante o desenvolvimento nas relações entre os diferentes povos ou o combate às desigualdades encontradas em todos os âmbitos da sociedade. Assim, o Estado precisa assumir uma postura de motivador do desenvolvimento, buscando uma estabilidade macroeconômica e social, incluindo os níveis de educação e a diversidade. A sociedade brasileira ainda não consegue compreender a importância e relevância que a cultura representa no processo de desenvolvimento social, político e econômico. É visível, ainda, uma grande desigualdade em todas as esferas (social, política e econômica), que traz um agravante ao considerarmos o fato de o Brasil ser um país com grande diversidade cultural, porém com pouco acesso garantido a ela. Isso tudo mostra que, mesmo com todas as mudanças, leis e políticas estabelecidas, ainda há muito que conquistar, para atingirmos algo mais próximo a uma igualdade coerente 17 Leitura obrigatória Para ampliar seu conhecimento, leia: PRADO JR., C. Organização social. In: _____. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1961. p. 269-297. TROCANDO IDEIAS Agora é o momento de trocar ideias com seus colegas! Como ficou visível ao trabalharmos com o tema da formação do Brasil, há várias vertentes que descrevem, de forma particular, a formação da cultura brasileira e sua influência na sociedade. Utilizando as duas obras mencionadas – a de Caio Prado Jr. e a de Sérgio Buarque de Holanda –, apresenta uma análise/discussão, ao longo da qual você adote uma das duas visões apresentadas, defendendo seu ponto de vista sobre a contribuição das diferentes raças para a construção da cultura nacional. Além disso, reflita como isso ainda influencia ações presentes na sociedade moderna. NA PRÁTICA A partir do conhecimento que você está construindo sobre a formação do Brasil, em especial sobre os aspectos culturais, faça uma breve entrevista com duas pessoas de seu cotidiano – uma mais velha, com idade superior a 40 anos; e uma mais jovem, com idade inferior a 16 anos –, perguntando como eles veem a formação da cultura, quais os povos que influenciaram mais a construção do que temos hoje, e como essa cultura influencia a sociedade atual. Você conseguirá notar uma grande diferença entre os dois discursos; a partir dele, faça uma análise, apontando reflexões e conclusões pessoais sobre o assunto. FINALIZANDO A formação do Brasil, em especial a construção da nossa cultura (que demonstra nossas características, costumes e personalidade), é um tema bastante discutido, com diferentes análises ao longo da história. Hoje, nota-se um reconhecimento maior e um esforço em mudar o discurso estagnado de exaltação extrema dos colonizadores. Todos os povos 18 contribuíram para a nossa formação; é necessário valorizar cada aspecto, na intenção de não descartar possíveis erros ou distorções que tenham sido feitos inicialmente, por conta da imposição de poder colonial. Assim, as obras de Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda têm o intuito de fornecer novos elementos, que possibilitem uma reflexão mais efetiva e clara, mesmo sendo obras mais antigas. O Brasil de hoje ainda preserva muito do que foi estabelecido, mesmo com todas as mudanças e evoluções. 19 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 10 jan. 2003. COLARES, C.; ADEODATO, J. M. A. Obra de Sílvio Romero no desenvolvimento da nação como paradigma: da dicotomia entre o positivismo e a metafísica à adoção do evolucionismo spenceriano na transição republicana. Prim@ Facie – Direito, História e Política, v. 10, n. 19, p. 36-66, jul.-dez. 2011. DEMO, P. Sociologia: uma introdução crítica. São Paulo: Atlas, 1985. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1979. ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1986. PRADO JÚNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1961. SADER, E. Que Brasil é este? Dilemas nacionais no séc. XXI. São Paulo: Atual, 1999. VIVEIROS, E. de. Rondon conta sua vida. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958.
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