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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ELIÉSER ANTONIO DURANTE FILHO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO ESCOLAR BIGUAÇU 2010 ELIÉSER ANTONIO DURANTE FILHO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO ESCOLAR Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão de Polícia Comunitária, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Biguaçu. Orientador: Prof. Dr. Sandro Sell. BIGUAÇU 2010 ELIÉSER ANTONIO DURANTE FILHO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO ESCOLAR Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Especialista em Gestão de Polícia Comunitária e aprovada pelo Curso de Pós-Graduação da Universidade do vale do Itajaí, Centro de Educação de Biguaçu. Área de Concentração: _______________________ Biguaçu, 21 de agosto de 2010. Prof. Dr. Sandro Sell UNIVALI – CE de Biguaçu Orientador Prof. _________________ UNIVALI – CE de _______ Membro Prof. __________________ UNIVALI – CE de ________ Membro Dedicatória Ao meu bom Deus pela oportunidade e constante iluminação. À minha doce e amada Lilian pelo esforço dispensado durante os milhares de quilômetros viajados, sempre demonstrando distinta paciência, companheirismo e extrema alegria que serviram de fonte de inspiração para que este trabalho pudesse acontecer. E à minha querida mãe pelo apoio e especial atenção conferidos durante a elaboração desta monografia. Agradecimento Ao amigo e Professor Dr. Sandro Sell, pessoa excepcional que soube compartilhar de modo inteligível do seu conhecimento transcendente e visão distinta em relação ao universo social contemporâneo. Agradeço sinceramente a este grande mentor que, ao abrilhantar os momentos de orientação, lapidou as idéias deste aluno, potencializando produção de conhecimentos e possibilitando compreender a importância da inovação ideológica sobre a arte de se pensar e fazer polícia. RESUMO O trabalho tem por finalidade demonstrar que a estratégia institucional de Polícia Comunitária é uma alternativa possível aos métodos tradicionais de combate ao crime (policiamento tradicional) e sugerir o Policiamento Comunitário Escolar como intervenção policial especializada. Com base na percepção e experiência do autor corroborada pelo levantamento bibliográfico e análise de conteúdos, os dados e a discussão demonstram que a Polícia Comunitária é o modelo preventivo que está em sintonia com os ideais de um Estado Democrático de Direito, que melhor representa o novo paradigma da democracia participativa e possibilita restabelecer a credibilidade da polícia. Apesar de não existir um consenso na doutrina em relação aos resultados efetivos de diminuição da criminalidade por falta de análises acuradas dos resultados e políticas públicas continuadas, conclui-se que o Policiamento Comunitário Escolar é uma real possibilidade de reaproximação cidadã entre polícia e comunidade. Prova ser uma estratégia inteligente de implementar o policiamento comunitário para formar comunidades escolares autossustentáveis em segurança, incluindo no seu repertório de êxitos a prevenção do crime, a redução do medo e a construção de práticas legítimas de segurança. Palavras-chave: Escola. Polícia Comunitária. Polícia Militar. Segurança Pública. ABSTRACT This study aims to demonstrate that the institutional strategy of a Community Police is a possible alternative to the traditional methods of combating crime (traditional policing) and to suggest the Scholastic Community Policing as a cop specialized intervention. Based on perception and the author´s experience helped by literature review study and content´s analysis, the data and discussion show us that Community Policing is the preventing model that is in sintony with the ideals Democratic State of Right, which better represents the new paradigm of participatory democracy and allows restoration of police credibility. Although there is no consensus on the doctrine in relation to actual results of reduced crime due to lack of a accurate analysis of results and public policy continued, it is concluded that the Scholastic Community Policing is a real possibility of rapprochement citizen between police and community. It proves to be a smart strategy to implement community policing as a form to achieve self-sustainable security in school communities, including in their repertoire of successes: crime prevention, reduction of fear and building legitimate security practices. Keywords: School. Community Policing. Military Police. Public Safety. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................10 2 POLÍCIA MILITAR E A SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ....................................................................................................................12 2.1 SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .............................12 2.2 POLÍCIA MILITAR E SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS...................................14 2.3 ATUAÇÃO POLICIAL MILITAR....................................................................17 2.3.1 Polícia Ostensiva Preventiva .................................................................17 2.3.2 Polícia Ostensiva Repressiva ................................................................18 2.4 SEGURANÇA PÚBLICA E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA ........................20 2.4.1 Polícia Comunitária: Convergindo Para Uma Nova Ideologia ...............23 3 POLÍCIA COMUNITÁRIA: UMA FILOSOFIA EM ASCENSÃO...........................25 3.1 POLÍCIA, PODER DE POLÍCIA E COMUNIDADE ......................................25 3.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA E POLICIAMENTO COMUNITÁRIO ...................30 3.3 MODELO TRADICIONAL VERSUS COMUNITÁRIO...................................35 3.3.1 Filosofia de Origem................................................................................36 3.3.2 Missão Policial e a Importação de Modelo ............................................37 3.3.3 O Mito policial e as ocorrências do cotidiano.........................................38 3.3.4 Origem da Informação ...........................................................................42 3.3.5 Atuação Policial .....................................................................................42 4 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO ESCOLAR ....................................................44 4.1 COMUNIDADE ESCOLAR COMO FOCO DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO.........................................................................................................44 4.1.1 Educação Social e o Papel Pedagógico do Policial...............................51 4.1.2 Possíveis Desvios por Parte da Polícia, da Escola e da Comunidade ..57 4.2 SUGESTÕES DE MACROINTERVENÇÕES ..............................................60 4.3 SUGESTÕES DE MICROINTERVENÇÕES................................................66 5 CONCLUSÃO .....................................................................................................68 6 REFERÊNCIAS ..................................................................................................71 10 1 INTRODUÇÃO Não há dúvida de que se está vivenciando um importante momento de intensas mudanças no cenário social contemporâneo. Um contexto de extrema relevância no desenvolvimento da sociedade, que enseja superação de paradigmas, especialmente nas questões de Segurança Pública. Invariavelmente, uma ocasião deveras complexapara as organizações policiais, particularmente para as Polícias Militares - talhadas dentro de uma lógica digna de um Estado de Polícia - uma vez que se solidifica a idéia de democracia participativa, fruto de um legítimo Estado de Direito. Tradicionalmente as Polícias Militares de toda Federação adotam como principal estratégia institucional de policiamento o combate profissional do crime. Forças de combate tipicamente militares, disciplinadas e tecnicamente sofisticadas, caracterizam-se por serem reativas e atuarem precipuamente sob o enfoque de controle do crime enquanto missão exclusiva da polícia. Operacionalmente sua principal tecnologia é o rádiopatrulhamento – patrulha motorizada suplementada por rádio transmissor – que atua de modo a criar uma sensação de onipresença, cuja eficiência é medida pelo tempo de resposta aos chamados emergenciais. Contudo, percebe-se que o modelo tradicional de polícia não tem respondido às expectativas de uma sociedade genuinamente democrática, cuja dinâmica social atual não permite mais a inércia dos segmentos policiais em insistirem na manutenção de um ciclo vicioso de prestação de serviço com qualidade duvidosa. Nesse aspecto, o policiamento tradicional vem mostrando-se bastante falho na sua capacidade de controlar, prevenir e analisar as causas do crime, levando a efeito o distanciamento entre polícia e comunidade. Observando as diversas experiências das organizações policiais de países modernos de tradição democrática, e mesmo nos países de cultura oriental, e seus esforços no sentido de buscarem mecanismos alternativos ao policiamento convencional, o presente trabalho busca permear o avanço em relação à mudança de paradigma institucional das Polícias Militares, defender a Polícia Comunitária como a filosofia de trabalho que melhor coaduna com os preceitos constitucionais de segurança cidadã e, perante a forte tendência das forças policiais em se 11 especializarem cada vez mais, propor o Policiamento Comunitário Escolar como forma de instrumentalização específica de intervenção policial nos moldes comunitário. 12 2 POLÍCIA MILITAR E A SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITU IÇÃO FEDERAL DE 1988 2.1 SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Com a redemocratização do país, período pós-1985, e o surgimento de um Estado Democrático de Direito, amplas conquistas ascenderam, dentre elas o nascimento da Constituição da República de 1988, também batizada de “Constituição Cidadã”. Assim chamada por Ulysses Guimarães1, a nova Carta Magna, quantificou sobremaneira direitos e garantias fundamentais, priorizando o cidadão brasileiro e revelando seu verdadeiro espírito democrático. Não obstante, a Constituição de 1988 elevou a matéria “Segurança” ao status de direito e garantia fundamental, conforme caput do art. 5º 2. Souza Neto, (2008) assevera que o direito à segurança deve ser universalizado equitativamente, ou seja, estar indistintamente ao alcance de todos. Esse entendimento se extrai da leitura do caput do art. 144 da CF/88, que alude ser segurança pública dever do estado, razão de ser direito e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Sob essa ótica, pode-se afirmar que Segurança Pública , enquanto direito inalienável do ser humano, é uma necessidade, uma aspiração básica de qualquer pessoa e de fundamental importância na sensação de bem estar. Está intimamente ligada ao processo de desenvolvimento de uma nação, a sua qualidade de vida e na consecução do Bem Comum3. 1 Ulysses Silveira Guimarães (nascido em 6 de outubro de 1916, na cidade de Itirapina, São Paulo, falecido em 12 de outubro de 1992, no litoral de Angra dos Reis, Rio de Janeiro) foi um político e advogado brasileiro que teve grande papel na oposição à ditadura militar e na luta pela redemocratização do Brasil. Exerceu a presidência da Câmara dos Deputados em três períodos (1956-1957, 1985-1986 e 1987-1988), presidindo a Assembléia Nacional Constituinte, em 1987 à 1988. A nova Constituição, na qual Ulysses teve papel fundamental, foi promulgada em 5 de Outubro de 1988, tendo sido por ele chamada de Constituição Cidadã, pelos avanços sociais que incorporou no texto. 2 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (Constituição Federal de 1988) 3 Os valores da preeminência da pessoa, da liberdade individual, da igualdade fundamental entre os homens e da fraternidade foram, portanto, os inspiradores do conceito de Bem Comum , materializando uma visão tomista que conduz ao seguinte entendimento: Ideal de convivência que, transcendendo à busca do bem-estar, permite constru ir uma sociedade onde todos, e cada um, tenham condições de plena realização de suas po tencialidades como pessoa e de 13 De acordo com o Manual Básico da Escola Superior de Guerra, conceitua-se Segurança Pública 4 como sendo a garantia da manutenção da Ordem Pública, mediante a aplicação do Poder de Polícia, prerrogativa do Estado. Por sua vez, a expressão Ordem Pública 5 é tida por muitos juristas como sendo de definição etérea (vaga e ampla), que varia no tempo e no espaço, sendo mais fácil a sua percepção na vida social. De acordo com o Decreto nº 88.777/83, que aprova o Regulamento para as Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares, Ordem Pública define-se como sendo o conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.6 Apesar da dificuldade de aferição dos conceitos de Ordem Pública e de Segurança Pública , o constituinte soube inter-relacioná-los de maneira adequada. Portanto, guardada a correta grandeza entre estes conceitos jurídicos imprecisos, pode-se concluir que a atividade de Segurança Pública , associada à da Tranquilidade Pública e da Salubridade Pública , compõe aspectos ou elementos fundamentais da Ordem Pública . Nota-se, ainda, que o constituinte passou a dispensar maior preocupação com a Segurança Pública, quando no Título V da Carta Magna, que cuida “Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, dedicou o Capítulo III, “Da Segurança Pública”, integralmente ao tema, conforme redação dada pelo art. 144. conscientização e prática de valores éticos, morais e espirituais. (MANUAL BÁSICO DA ESG, 2009, p.12-13) 4 A Segurança Pública pressupõe, portanto, a participação direta do Estado, da Sociedade e de seus membros, observadas as normas jurídicas que limitam e definem suas ações. Entende-se como componentes do Estado o conjunto de todos os níveis de competência da Administração Pública – Federal, Estadual e Municipal . (MANUAL BÁSICO DA ESG, 2009, p.60) 5 A garantia do exercício dos direitos individuais e a manutenção da estabilidade das instituições, bem como o bom funcionamento dos serviços públicos e o impedimento de danos sociais, caracterizam a Ordem Pública , objeto da Segurança Pública. Os serviços públicos incluem todas as atividades exercidas pelo Estado, com ênfase nas administrativas, de polícia, de prestação de serviços, judiciárias e legislativas. Ordem Pública é a situação de tranqüilidade e norma lidade cuja preservação cabe ao Estado, às Instituições e aos m embros da Sociedade, consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas. (MANUAL BÁSICO DAESG, 2009, p.60) 6 Nº 21, do art. 2º, do Decreto nº 88.777, de 30 Set. 83. 14 Outrossim, “deu dignidade constitucional a órgãos policiais até então inexistentes em termos constitucionais, como a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal e as Polícias Civis.” (LAZZARINI, 1999, p. 70) O aludido artigo 144 preceitua, ainda, que a Segurança Pública do país será realizada pela Polícia Federal (inc. I), Polícia Rodoviária Federal (inc. II), Polícia Ferroviária Federal (inc. III), Polícias Civis (inc. IV), Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares (inc. V) e, por assemelhação, as Guardas Municipais (§ 8º), desta forma atendendo duplamente “aos reclames sociais e a redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna”. (MORAES, 2000, p. 623) A previsão constitucional dos órgãos policiais é taxativa, sendo vedada, em qualquer esfera estatal, a criação de qualquer outro organismo policial encarregado pela Segurança Pública, além dos existentes. Por outro lado, o escalonamento dos segmentos policiais, previstos no texto legal, não indica, em absoluto, condição hierárquica entre os órgãos policiais, não havendo qualquer relação de subordinação entre eles. (LAZZARINI, 1999). Dessa leitura dinâmica que se faz do art. 144 da CF/88 é que se pode vislumbrar as diferentes competências dos órgãos policiais, que se encontram bem definidas no aludido artigo, proporcionando aos seus respectivos membros a correspondente autoridade na área de sua atuação. 2.2 POLÍCIA MILITAR E SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS A Polícia Militar, instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e disciplina militares, possui atribuições definidas na Constituição Federal de 1988 e legislação infraconstitucional complementar. Basicamente, as organizações Policiais Militares são estruturadas em órgãos de Direção, de Execução e de Apoio, de acordo com as finalidades essenciais do serviço policial e as necessidades de cada unidade da federação.7 7 Art. 5º, do Decreto-Lei nº 667, de 02 Jul. 69. 15 Os órgãos de Direção realizam o comando e a administração da Corporação, competindo-lhes, em regra, a organização da Polícia Militar, bem como, a coordenação, controle e fiscalização dos demais órgãos estruturais. Os órgãos de Apoio realizam as atividades-meio 8 da Corporação, atendendo às necessidades de pessoal, de animais e de material de toda Polícia Militar, enquanto que, os órgãos de Execução são constituídos pelas unidades operacionais e realizam as atividades- fim 9 da Polícia Militar.10 Da combinação da leitura dos §§ 5º e 6º, do art. 144 do texto constitucional, tanto a Polícia Militar quanto o Corpo de Bombeiro Militar são consideradas forças auxiliares e reserva do Exército. E, junto com as Polícias Civis, subordinam-se aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Ainda nesse sentido, observa-se a dimensão da missão constitucional Policial Militar no contexto da Segurança Pública do país, a qual cabe a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Ao abordar a atribuição constitucional da Polícia Militar, Álvaro Lazzarini é categórico ao afirmar que, da “exegese do art. 144 da Carta, na combinação do caput com o seu § 5º, deixa claro que na preservação da ordem pública a competência residual de exercício de toda atividade policial de segurança pública, não atribuída aos demais órgãos, cabe à Polícia Militar”. (LAZZARINI, 1999, p. 104) Permeando o universo jurídico, a função Policial Militar caracteriza-se, em regra, pela atividade de polícia administrativa, agindo a priori, preventivamente. De acordo com a legislação infraconstitucional, a Policial Militar foi instituída para a manutenção da ordem pública e a segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal.11 Não obstante a competência constitucional da Polícia Militar, a legislação específica definiu uma série de outras atribuições. Dentre elas, destaca-se a de executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças 8 São aquelas que, embora não constituindo a finalidade da Corporação, são indispensáveis como apoio à consecução dos seus objetivos. Denominam-se ainda de institucionais, adjetivas ou instrumentais. Exemplos: pessoal, logística, ensino, dentre outras. (VALLA, 1999, p. 205) 9 São aquelas que dizem respeito diretamente aos objetivos específicos da Corporação, e aos propósitos que determinam a sua criação e que justificam a sua existência. Denominam-se ainda funcionais e substantivas, como por exemplo: os órgãos intermediários de comando, as unidades operacionais de policiamento ostensivo, de busca, salvamento e combate a incêndios. (VALLA, 1999, p. 205) 10 Arts. 6º, 7º e 8º, da Lei Estadual nº 6.774, de 08 Jan. 76 (Lei de Organização Básica da PMPR) 11 Art. 3º, do Decreto-Lei nº 667, de 02 Jul. 69. (Redação alterada pelo Decreto-Lei nº 2.010/83). 16 Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos.12 Compete ainda ao referido órgão policial, atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem13 e atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas.14 Loureiro, (2004) em seu artigo “As Polícias Militares na Constituição Federal de 1988: polícia de segurança pública ou forças auxiliares e reserva do Exército?”, denomina a função de “força auxiliar e reserva do Exército” como sendo uma função eventual e secundária. De acordo com esse entendimento, a Polícia Militar deverá também atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial.15 Poderá, ainda, ser convocada, em seu conjunto, a fim de assegurar à Corporação o nível necessário de adestramento16 e disciplina. Dessa composição textual, observa-se que há um sistema de competências da União e dos Estados-Membros em relação à ordem pública do país, ligado às condições dos governos estaduais, ante situações de agravamento interno, de manterem a ordem pública nos estados em nível desejável ao bem estar coletivo. Tanto é a importância do papel das Polícias Militares, dentro do Sistema de Segurança Pública Nacional, que nos casos de falência operacional dos demais órgãos policiais, que os tornem inoperantes ou incapazes de dar conta de suas atribuições, como nos casos de greve, paralisação, etc., a competência da Polícia Militar, na preservação da ordem pública, será estendida, englobando a competência dos demais órgãos. (LAZZARINI, 1999) 12 Letra “a”, do art. 3º, do Decreto-Lei nº 667, de 02 Jul. 69. (Redação alterada pelo Decreto-Lei nº 2.010/83). 13 Letra “b”, do art. 3º, do Decreto-Lei nº 667, de 02 Jul. 69. (Redação alterada pelo Decreto-Lei nº 2.010/83). 14 Letra “c”, do art. 3º, do Decreto-Lei nº 667, de 02 Jul. 69. (Redação alterada pelo Decreto-Lei nº 2.010/83). 15 Letra “d”, do art. 3º, do Decreto-Lei nº 667, de 02 Jul. 69. (Redação alterada pelo Decreto-Lei nº 2.010/83). 16 Atividade destinada a exercitar o policial militar individualmente e em equipe, desenvolvendo-lhe a habilidade para o desempenho das tarefas para as quais já recebeu a adequada instrução. (nº 2, do art. 2º, do Decreto nº 88.777, de 30 Set. 83) 17 Assim, pode-se afirmar convictamente que a Polícia Militarpossui valiosa importância no contexto da Segurança Pública do país. Como assevera Lazzarini, (1999) é verdadeira força pública da sociedade e constitui órgão de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial. 2.3 ATUAÇÃO POLICIAL MILITAR 2.3.1 Polícia Ostensiva Preventiva Compete exclusivamente à Polícia Militar, órgão de preservação da ordem pública, desenvolver a atividade de polícia ostensiva, preventiva, fardada, portanto, administrativa, ressalvadas exceções constitucionais expressas, como as referentes às polícias rodoviárias e ferroviárias federais (art. 144, §§ 2º e 3º da CF/88). “O adjetivo ostensivo refere-se à ação pública da dissuasão, característica do policial fardado e armado, reforçado pelo aparato militar utilizado, que evoca o poder de uma corporação eficientemente unificada pela hierarquia e disciplina”. (LAZZARINI, 1999, p. 104) “O policial-militar desenvolve sua missão de forma a ser identificado. Observado, previne delitos, intimida a ação do marginal, que vendo sua presença e a força que representa, não encontra condições de agir”. (ARDUIN, 2001, p. 2) “Para o exercício da polícia preventiva, não resta dúvida, é conditio sine qua non a ostensividade”. (LAZZARINI, 1999, p. 103) Portanto, de modo invariável, é incongruente se falar em atividade operacional da Policia Militar dissociada da idéia de ostensividade. Essa característica é de importância tal que, além de inibir a atuação criminosa, propicia uma rápida e fácil identificação deste aparato de Segurança Pública colocada à disposição da sociedade. É justamente através da ação de presença combinada com a identificação do armamento, equipamento, viatura e aprestos, que são formas complementares de reconhecimento (ostensividade), é que a Polícia Militar, quando da realização do policiamento ostensivo preventivo, intenta transmitir à comunidade a tão almejada 18 sensação de segurança, pela certeza da cobertura policial-militar, buscando resultados concretos de prevenção. Nessa mesma linha de raciocínio, o legislador não discordou ao prever que compete às Polícias Militares executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos.17 Dentre as variáveis de policiamento ostensivo realizado pelas Polícias Militares, também previstas em legislação específica, pode-se destacar: ostensivo geral, urbano e rural; trânsito urbano e rodoviário, estes nas rodovias estaduais, observadas as condições fixadas pelo Código de Trânsito Brasileiro, e portuárias; florestal, de mananciais e de preservação ambiental; guarda das sedes dos poderes estaduais; segurança externa dos estabelecimentos penais dos estados; radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial (a pé, montado, motorizado, embarcado e aerotransportado); a polícia judiciária militar; prestação assistencial e socorro em geral. Isto explica o porquê da Polícia Militar estar presente em todos os Estados e na maioria de seus municípios. É o órgão de Segurança Pública que se vê diuturnamente. De todas as polícias, a militar é a que está mais próxima da população, a qual, quer seja pelo seu caráter ostensivo ou pelo conhecido número emergencial (o 190), torna-se referência de socorro à população diante do abalo de sua segurança (VALLA, 1999). 2.3.2 Polícia Ostensiva Repressiva Como bem salientado no tópico anterior, “a atuação policial militar, como polícia administrativa, é eminentemente preventiva, objetivando dissuadir a quebra da ordem pública”. (VALLA, 1999, p. 86) 17 Letra “a”, do art. 3º, do Decreto-Lei nº 667, de 02 Jul. 69. (Redação alterada pelo Decreto-Lei nº 2.010/83). 19 No entanto, haverá casos em que a Polícia Militar deverá restabelecer a ordem pública, chamada também de repressão imediata, que pode também ser considerada uma forma indireta de prevenção. Tão logo haja a manifestação da ruptura da ordem pública, a Polícia Militar, de imediato, deverá amparar o cidadão que teve seus direitos e garantias violados, procedendo as diligências necessárias à captura dos delinquentes. Para Álvaro Lazzarini, esta atuação repressiva por parte da Polícia Militar situa-se no segundo segmento do Ciclo de Persecução Criminal, que ocorre entre o instante da quebra da ordem pública e sua restauração: [...] é o de menor duração no ciclo, mas nem por isso menos importante, pois é nele que tem início a persecução criminal [...] a quebra da ordem ocorrerá quando um ou mais elementos – segurança, tranqüilidade e salubridade – for prejudicado. [...] Em havendo infringência de dispositivo tipificado nas leis penais, inicia-se a atividade de polícia judiciária, que pode ser comum ou militar, estadual ou federal, dependendo da esfera de poder e competência do órgão judicial que apreciará o fato [...] ocorrendo o ilícito penal, os atos de polícia que incidirem sobre eles serão de polícia judiciária, conhecida por polícia repressiva, que, na verdade auxilia a repressão criminal, privativa do Poder Judiciário e feita através da imposição da pena. [...] neste caso o policial civil ou militar rege-se pelas normas do Direito Processual Penal, estando ações sob a égide do Poder Judiciário, destinatário final da ocorrência, além do controle externo pelo Ministério Público, [...] A atitude policial é de repressão imediata. As medidas tomadas pela Polícia são de ofício, pois independem de autorização superior e visam, em qualquer hipótese, restabelecer a ordem pública, sendo utilizadas, sempre, ações de contenção. (LAZZARINI, 1999, p. 94-95) A Polícia Militar, além de atuar repressivamente no combate a macrocriminalidade e ao crime organizado, na hipótese de agravamento do quadro ou quebra da ordem, com ameaças à integridade física da sociedade, riscos sob as propriedades públicas ou privadas, comprometendo o cumprimento das leis, alterando o clima pacífico e harmonioso de convivência social, sob a direção do Governo Estadual, compete também a adoção de medidas repressivas que visem o restabelecimento da ordem, fazendo valer o seu caráter e sua condição de força militar estadual (VALLA, 1999). 20 2.4 SEGURANÇA PÚBLICA E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA Conforme inovação constitucional, o texto legal da Constituição Federal de 1988 deu uma nova dimensão à temática “Cidadania e Segurança Pública”. Dimensão esta que nasceu em contrapartida ao antigo regime de governo ditatorial, que se caracterizava, conforme Zaffaroni, (2003) pelo latente Estado de Polícia. Época em que participação popular era secundária e prevalecia a submissão do povo às imposições de um poder maior18. Contudo, conforme enfatizado em 2.1, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, inaugurou um novo cenário social, intitulado Estado Democrático de Direito. Regime no qual se pretende prover a paz social, na medida em que se resolvem melhor os conflitos sociais e a incidência do Estado de Polícia é contida19. Por consequência, um quadro relativamente mais complexo para as instituições Policiais, em especial para as Polícias Militares dos Estados, pois caracteriza-se justamente pelo antagonismo ao regime de governo anterior, responsável pelos principais estigmas que assolam a imagem das corporações militares20. Sobre este novo quadro, Marcineiro se posiciona: [...] fruto das liberdades individuais, da livre manifestação da pluralidade cultural e das garantias pessoais, entre outras, fazendo com que as organizações encarregadas de preservar a ordem pública tenham que desenvolver estratégias que incluam o cidadão no processo de construção da ordem desejada, que respeitemos direitos e garantias individuais, mesmo daqueles que tenham infringido o código de convivência social, enfim, que seja garantida a condição de cidadão. (MARCINEIRO, 2009, p. 76-77) Portanto, é crível que diante desta inovada conjuntura social, o grande desafio das organizações policiais, seja pautar seu mister sobre a idéia da 18 O estado de direito é concebido como o que submete todos os habitantes à lei e opõe-se ao estado de polícia, onde todos os habitantes estão subordinados ao poder daqueles que mandam. (ZAFFARONI, 2003, p. 41) 19 O volume de conflitos suspensos por um estado será o indicador de sua vocação de provedor de paz social e, por conseguinte, de sua força como estado de direito. (ZAFFARONI, 2003, p. 42) 20 No artigo “A Crise de Identidade das Policias Militares Brasileiras: Dilemas e Paradoxos da Formação Educacional”, a autora, ao comentar sobre a mobilização das agencias policiais no combate aos virtuais “inimigos do regime militar”, corrobora, em nota, sobre a conseqüente fragilização da auto-imagem da corporação policial que foi, em boa medida, contaminada pela memória ainda viva dos duros anos de repressão política. (MUNIZ, 2001) 21 Democratização da Segurança Pública. Estreitar laços de confiança com a sociedade civil, com o escopo de garantir a participação popular através do livre exercício da cidadania e da construção de um Estado efetivamente Democrático. No preâmbulo constitucional, a Carta Magna institui o Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. E em seu art. 1º e § único, além de estabelecer o fortalecimento da Federação, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, declarar seus princípios fundamentais e ratificar a soberania popular, instituiu a democracia participativa como um novo paradigma a ser quebrado. Essa inovação constitucional pode ser considerada um avanço no processo de alargamento da democracia, podendo ser observado, inclusive, nas questões afetas à Segurança Pública. A constituição passou a tratar do assunto de maneira a envolver os cidadãos na participação da construção de uma sociedade mais segura, que viva em pleno equilíbrio e em busca do desenvolvimento e do bem comum. (MARCINEIRO, 2009) O art. 144 da CF/88 abarca essa idéia visionária ao expressar, taxativamente, que a Segurança Pública, que sempre foi um dever do Estado e direito de todo cidadão, seja também responsabilidade de todos. “Não é, portanto, só o Estado que tem responsabilidade sobre a segurança pública”, mas “toda comunidade de cidadãos tem tal responsabilidade nos limites constitucionais e infraconstitucionais”. (LAZZARINI, 2003, p. 228) Além de identificar a contribuição de cada segmento policial na preservação da ordem pública, observa-se que o aludido artigo reafirma a idéia de exercício de cidadania, de participação popular na construção da paz social, ratificando, assim, a idéia de que exercício de cidadania e participação popular coexistem sobremaneira, sendo indissociáveis uma da outra. “O legislador, ao incluir no texto constitucional que todos, além de terem direito à segurança pública, também têm responsabilidade, divide com a sociedade o ônus do Estado de garantir que a ordem pública seja preservada.” (MARCINEIRO; PACHECO, 2005, p. 45) 22 Ao esmiuçar o art. 144 da CF/88, percebe-se a importância da compreensão de alguns termos transcritos no dispositivo legal. Dessa forma permite-se contextualizar a base legal e a nova tendência de se fazer polícia, facilitando assim seu correto direcionamento. Assim, o primeiro a ser destacado é o termo preservação. Um termo que foi incluído pelo legislador pela primeira vez na Constituição, em substituição ao termo manutenção. Possui maior propriedade e amplitude, e abrange tanto os termos manutenção, como os de prevenção e de restauração da ordem pública. (LAZZARINI, 1999) Adiante, é importante saber a que conceito preservação se refere, ou seja, ao conceito de ordem pública. Na seção 2.1, a ordem pública pode ser também compreendida pelo uso do termo sensação de segurança. Nesse enfoque, pode-se afirmar que a pretensa ordem pública nada mais é do que a ausência de desordens e, quando devidamente assegurada, garante também a tranqüilidade, a segurança e a salubridade públicas. Assim, de forma mais ampla e prática, Nazareno Marcineiro conceitua ordem pública, considerando sua forma justa de construção, fruto da parceria existente entre os agentes da preservação e membros da comunidade: A ordem pública, portanto, não é algo que se impõe. Ela deve ser construída numa parceria sinérgica de todos os atores sociais, onde os agentes públicos de segurança participam como catalisadores do sistema, valendo-se do conhecimento técnico-profissional que dispõe e das informações do ambiente em que está inserido e onde deve agir. (MARCINEIRO, 2009, p. 82) Compreendida a composição do termo preservação da ordem pública, o legislador inclui, ainda, no texto do art. 144, que além de direito, a Segurança Pública é responsabilidade de todos, sugerindo ao cidadão uma co-responsabilidade pela preservação da ordem pública. Para Marcineiro, (2009) essa responsabilidade social mais abrangente, sugerida pelo legislador, está ligada à visão de que a quebra da ordem pública é decorrente do modelo social concebido em nossa sociedade, da qual todo cidadão faz parte. Sendo indispensável a participação e o comprometimento coletivo em todo e qualquer processo de transformação. 23 Neste caso, o cidadão é sutilmente responsabilizado pela Lex Major. Sem imposição, o cidadão é incentivado a reconhecer na participação social e na conjugação de esforços o verdadeiro caminho para se alcançar a qualidade de vida da comunidade. 2.4.1 Polícia Comunitária: Convergindo Para Uma Nova Ideologia Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal de 1988 marca o início de um novo cenário social, começa a se delinear a idéia de Democratização da Segurança Pública, talvez o mais recente e maior desafio das organizações policiais, onde a participação do cidadão na construção de uma sociedade mais segura reafirma a idéia do exercício de cidadania. Esta nova dimensão dada pela Carta Magna sobre “Cidadania e Segurança Pública”, é uma idéia extraída da compreensão do caput do art. 144, que sugere ao cidadão uma co-responsabilidade pela preservação da ordem pública. Este turbilhão de idéias converge para uma nova forma de se fazer polícia. Uma tendência que tem se firmado no Brasil e no mundo, embora ainda em processo de transformação. Fica nítido que a busca deste despertar para se trabalhar o exercício de cidadania e a consecução da Segurança Pública é mesmo atribuição dos órgãos de segurança, através do incentivo desta nova ideologia, intitulada no Brasil e em outros lugares do mundo como Polícia Comunitária. Abordando a questão da mudança ou transformação da cultura dos segmentos policiais brasileiros e apontando para a Polícia Comunitária como a nova tendência da arte de se fazer polícia, Ricardo B. Balestreri, em sua obra “Direitos Humanos: coisa de polícia”, assim assevera: As forças de segurança pública no Brasil, muito mais do que mudanças (e elas estão paulatinamente sendo realizadas e consistem em encaminhamentos importantes), precisam de transformação, de construção de uma cultura nova, que resgate profundamente significados e que aclare aos seus operadores - e à sociedade – a missão singular que lhes foi democraticamente reservada. [...] Um passo bastante intuitivo e feliz nessa direção foi a eleição do modelode polícia comunitária como o mais desejável para a polícia brasileira [...] (BALESTRERI, 2003, p. 49) 24 A adoção desta nova filosofia de trabalho busca romper os antigos paradigmas do policiamento tradicional – reativo e focado nos chamados emergenciais – para um novo paradigma, onde comunidade, polícia e demais segmentos da sociedade unem esforços na busca pela solução dos problemas de Segurança Pública. As evidências atuais demonstram que as organizações policiais de excelência haverão de envidar todos os esforços na busca pelo estreitamento de laços de confiança mútua com as comunidades, para que, através de parcerias estabelecidas, respeitando-lhes as peculiaridades, percepção e características sócio-econômicas e culturais, identifiquem, priorizem e ajam criativamente sobre os problemas locais de segurança. Explicitando seu entendimento sobre o papel da polícia no século XXI, Marcineiro e Pacheco, (2005) afirmam que os tempos atuais impõem às instituições policiais a necessidade de atuarem dentro de uma filosofia de trabalho baseada na busca da garantia dos direitos e da dignidade da pessoa humana, capaz de constituir parcerias para construção de uma comunidade mais segura e menos violenta. Portanto, falar em exercício de cidadania e em Democratização da Segurança Pública implica em observar as entrelinhas constitucionais. A própria CF/88, de forma subliminar, aponta para a direção da adoção do modelo de Polícia Comunitária, justamente por apresentar-se como uma nova ideologia que entende como essencial o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, visando a construção de uma sociedade mais segura através da parceria sincera e de confiança entre a polícia e a comunidade. (MARCINEIRO, 2009) 25 3 POLÍCIA COMUNITÁRIA: UMA FILOSOFIA EM ASCENSÃO 3.1 POLÍCIA, PODER DE POLÍCIA E COMUNIDADE Da célebre frase de Honoré de Balzac, “os governos passam, as sociedades morrem, a polícia é eterna”, pressupõe-se que sociedade e Estado são indissociáveis da idéia de Polícia. Desde que se têm notícias, os grupos humanos organizam alguma forma de instituição para limitarem os atos considerados avessos a ordem. Podemos afirmar que o nascedouro da instituição comumente chamada de Polícia foi originário dessa necessidade social de segurança. (MARCINEIRO; PACHECO, 2005) “Desde que o homem concebeu a idéia de Governo, ou de um poder que suplantasse o dos indivíduos, para promover o bem-estar e a segurança dos grupos sociais, a atividade de polícia surgiu como decorrência natural.”21 Para os autores José Maria Rico e Luis Salas, a idéia de Polícia, dentro do contexto de sua evolução histórica, pode ser assim definida: A polícia é, [...] uma instituição social cujas origens remontam às primeiras aglomerações urbanas, motivo pelo qual ela apresenta a dupla originalidade de ser uma das formas mais antigas de proteção social, assim como a principal forma de expressão da autoridade. Encontra-se, portanto, intimamente ligada à sociedade pela qual foi criada, e seus objetivos, a sua forma de organização e as suas funções devem adaptar-se às características sócio-políticas e culturais da comunidade em que ela deverá atuar. (apud MARCINEIRO; PACHECO, 2005, p. 22) A Polícia, vista através da nova conjuntura social brasileira, vai muito além do fiscalizar e do garantir o cumprimento da lei. Representação do braço forte do Estado no controle legítimo das transgressões à ordem e instituída para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, a Polícia tem um papel social primordial no desenvolvimento da qualidade de vida e na busca pela corporização dos direitos e garantias consignadas na Constituição e em leis que os materializam. Numa sociedade policiada “há de estar garantida a convivência pacífica de todos os cidadãos de tal modo que o exercício dos direitos de cada um não se 21 CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA, 2008, p. 24. 26 transforme em abuso e não ofenda (...) o exercício dos direitos alheios”. (CAETANO apud LAZZARINI, 1999, p. 239) Para que a Polícia possa então, definitivamente, exercer o papel social que lhe compete, o Estado lhe confere o Poder de Polícia, fundamento básico para as ações das polícias. Sobre o tema, Álvaro Lazzarini assim leciona: Daí dizermos que o Poder de Polícia, que legitima o poder da polícia e a própria razão desta existir, é um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público e indelegável aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades. (LAZZARINI, 1999, p. 239) Neste mesmo diapasão, Helly Lopes Meirelles conceitua Poder de Polícia como sendo “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. (MEIRELLES, 2003, p. 127) De maneira mais simples, Di Pietro também assevera que poder de polícia é “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”. (DI PIETRO, 2000, p. 110) Percebe-se, portanto, que da necessidade de regular a vida do homem em sociedade, nasce o Poder de Polícia. E por consequência, a Polícia, sob a forma de organização, é a mais perfeita manifestação do poder público do Estado, atuando com o fim de assegurar a estabilidade estatal e preservar a ordem social, prevenindo e reprimindo delitos e suprindo a necessidade básica do direito a segurança. Sob a nova perspectiva constitucional, tendo por base o Estado Democrático de Direito, Lazzarini, (2002, p. 228) leciona que “voltou-se ao tempo em que Polícia e a comunidade se integravam para, em conjunto, produzir segurança pública”. Coadunando com a temática, MARCINEIRO, (2009) ao expressar sua convicção pessoal sobre a evolução para a filosofia de Polícia Comunitária, afirma que a essência deste trabalho está em perfeita sintonia com o exercício do poder de polícia num Estado Democrático de Direito, onde as ações estão voltadas para a preservação da ordem pública e engajada na construção de comunidades mais seguras e solidárias. Sob estas perspectivas, necessário se faz ter uma breve noção de comunidade e como esta se inter-relaciona com a polícia, sob a ótica da 27 Democratização da Segurança Pública, apregoada no art. 144 da Constituição Federal de 1988. Embora muitos utilizem o termo comunidade como sinônimo de sociedade, organização social, etc., não há efetivamente uma concordância quanto a sua natureza. Veja a definição dada para comunidade, segundo o dicionário de sociologia digital: É essencialmente ligada ao solo, em virtude dos seus componentes viverem de maneira permanente em determinada área, além da consciência de pertencerem, ao mesmo tempo, ao grupo e ao lugar, e de partilharem o que diz respeito aos principais assuntos das suas vidas. Têm consciência das necessidades dos indivíduos, tanto dentro como fora do seu grupo imediato e, por essa razão, apresentam tendência para cooperar estritamente22. Na Grande Enciclopédia Larousse Cultural, comunidade pode ser definida de algumas formas, dentre as quais se destacam: 1. Estado do que é comum; paridade; comunhão, identidade: comunidade de sentimentos. – 2. Conjunto de provas unidas por interesses, hábitos ou opiniões comuns. - 3. Conjunto de cidadãos de um Estado, de habitantes de uma cidade com afinidades socioeconômicas ou geográficas. [...] – Sociol. Agrupamento social que se caracteriza por acentuada coesão baseada no consenso espontâneo dos indivíduos que o constituem.23 Ou ainda: Uma coletividade podeser definida como C. quando os seus membros agem reciprocamente e em relação aos outros que não pertencem à coletividade sobrepondo, mais ou menos conscientemente, os valores, as normas, os costumes, os interesses da coletividade, considerada como um todo, àqueles pessoais ou do próprio subgrupo ou de outras coletividades; ou quando a consciência de interesses comuns, ainda que indeterminados, o senso de pertencer a uma entidade sociocultural positivamente avaliada e à qual se adere afetivamente, e a experiência de relações sociais que envolvem a totalidade da pessoa, se tornam, de per si, fatores desencadeantes de solidariedade. Isso não exclui a presença de conflitos da coletividade considerada, nem de formas de poder ou de dominação. (GALLINO, 2005, p. 139) O que se observa é que alguns autores concordam que a comunidade tem um locus territorial específico, geralmente limitado. Mas essa perspectiva geográfica, 22Disponível em <http://www.prof2000.pt/users/dicsoc/soc_c.html#comunidade>. Acessado em: 28 mar. 2010. 23 Rocha, R. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. Ed. Universo Ltda. 1988, p. 1550. 28 por si só, não é suficiente para compreender sua complexidade em termos de Polícia Comunitária. Arrisca-se, inclusive, a traçar algumas características comuns de comunidade para que se possa compreendê-la na prática: forte solidariedade social, aproximação dos homens e mulheres em frequentes relacionamentos interpessoais, discussão e soluções de problemas comuns e sentido de organização possibilitando uma vida social durável.24 Contudo, Marcineiro (2009), após algum tempo de militância na mobilização de comunidades na implantação do policiamento comunitário, percebeu que os critérios de definição de comunidade tradicionais não atendem às demandas da construção da segurança com a participação de todos. Concluiu que, para que se tenha êxito nas ações de Polícia Comunitária, as ações devem estar focadas no que ele denomina de comunidade de interesse da segurança pública, que nada mais são do que as pessoas que impactam e são impactadas pelas posturas e ações das pessoas envolvidas nos problemas de segurança. Objetivamente, a comunidade pode englobar “todo mundo, desde os líderes comunitários formais e informais, tais como os presidentes de associações cívicas, sacerdotes e educadores, até os organizadores de atividades comunitárias e até os cidadãos comuns da rua”. (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 2003, p. 3) Contudo, apesar de todas as variações que a noção de comunidade pode apresentar, é crível que a criminalidade, a desordem e o medo do crime possam gerar uma comunidade de interesses dentro de uma comunidade geográfica. Essa comunidade de interesses, quando devidamente incentivada e enfatizada dentro daquele locus territorial, pode servir de porta de entrada dos policiais comunitários naquela geografia, na mesma medida em que contribui para que os moradores daquela localidade trabalhem em forma de parceria com a polícia. É a partir do estímulo dessa comunidade de interesses e do trabalho conjunto com as autoridades cívicas eleitas, da comunidade de negócios, da mídia e de outras instituições, que se encontra o caminho do êxito da Polícia Comunitária. Através dessa reunião de esforços entre polícia, cidadãos e segmentos sociais, é que se proporcionará uma melhoria da qualidade de vida social dos indivíduos que 24 CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA, 2008, p. 38. 29 integram uma comunidade geográfica, criando um sentimento verdadeiro de pertencimento. Entretanto, sabe-se que a atual sociedade, essencialmente imediatista e consumista, sob a influência do Sistema Capitalista, está cada vez mais egocêntrica e de difícil mobilização na busca por melhorias sociais.25 E é, neste complexo cenário social hostil que o policial se apresenta como articulador social, incumbido da nobre tarefa de contribuir com a resolução dos problemas comunitários. Mas, isoladamente, a Polícia não atinge resultados satisfatórios no enfrentamento à criminalidade e no resgate da sensação de segurança, tanto quanto se agisse em parceria com a comunidade. Neste aspecto, Skolnick e Bayley, (2006) ensinam que a participação da comunidade é indispensável para a redução da criminalidade e para o aumento da sensação de segurança. O maior desafio era justamente tornar a polícia e as comunidades por ela policiadas co-produtoras da prevenção do crime, uma vez que os métodos tradicionais de policiamento não estavam sendo eficientes. Os autores explicam, com base em pesquisas realizadas nos Estados Unidos26, que algumas atitudes como o aumento de número de policiais, o patrulhamento motorizado ao acaso, a composição de viaturas com dois policiais, a diminuição do tempo de resposta das chamadas emergenciais, entre outros, não eram medidas suficientes para atender às necessidades e aos anseios da população. (SKOLNICK; BAYLEY, 2006) Sobre o tema, James K. Stewart, nomeado em 1982, pelo então Presidente Americano Ronald Reagan, para ser Diretor do Instituto Nacional de Justiça, escreveu: Não se pode esperar que a polícia controle sozinha o crime. Os cidadãos são uma parte essencial da equação [...] o papel das pessoas na ajuda da manutenção da paz é crucial. A não ser que a vítimas e as testemunhas relatem os crimes, tragam informações, acompanhem o caso todo, e participem ativamente dos esforços organizados para a prevenção do crime, nosso sistema de justiça não pode funcionar como ele deveria. (STEWART apud SKOLNICK; BAYLEY, 2006, p. 69) 25 O artigo “Modernidade Líquida: análise sobre o consumismo e seus impactos na Sociedade” busca, reportando-se ao pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, mais especificamente do Capítulo II (Individualidade), do livro “Modernidade Líquida”, investigar os impactos provocados nas mais variadas esferas pessoais carreados pela passagem do “antigo mundo” para a pós-modernidade e, de modo mais pontual, no que tange aos padrões comportamentais marcados pelo individualismo e, sobretudo, pelo consumo. 26 SKOLNICK, Jerome H.; Bayley, Davis H. Nova Polícia: Inovações na Polícia de Seis Cidades Norte-Americanas. São Paulo: Edusp, 2006. (Série Polícia e Sociedade, nº 2) 30 Construir um elo de confiança com a comunidade não é tarefa fácil. Exige uma abordagem especial. Lidar com a repressão da criminalidade é mais fácil para Polícia do que saber ouvir as reclamações e sugestões da comunidade e se posicionar diante da participação popular nas tomadas de decisões no processo de democratização da segurança. Mas é somente através desta efetiva participação social, através da cooperação dos cidadãos integrantes da comunidade e da polícia, unidos por um interesse comum, é que se tornará possível a construção de uma sociedade melhor e mais segura. 3.2 POLÍCIA COMUNITÁRIA E POLICIAMENTO COMUNITÁRIO Vivemos atualmente num quadro social de extrema complexidade, onde até mesmo as necessidades básicas dos cidadãos são difíceis de serem atendidas dignamente. De um lado, desigualdades latentes na distribuição de renda com a consequente marginalização das economias emergentes. De outro, o ressurgimento de ódios ideológicos, a segregação e o isolamento social dos indivíduos nos grandes centros. Toda essa conjuntura desequilibrada, de pobreza, má distribuição de renda, desestrutura familiar, etc., desagregam as pessoas, aumentam as distâncias e o individualismo, e acentuam as crises nas relações interpessoais, provocando cada vez mais conflitos sociais, tensões, disputas e, por consequência, a aniquilação da sociedade. Esse teatro atual de desigualdade social, onde opulência convive lado a lado com miséria, dando publicidade notória às injustiçassociais, faz com que a violência, resultado lógico de tanta dissiparidade, ganhe intensidade e proporcione um aumento da criminalidade, trazendo reflexos diretamente nas questões de Segurança Pública. 27 27 Sociedades desiguais não são necessariamente criminógenas, assim como pobreza, sozinha, não gera crime. Mas ambas são condicionantes que, somados a outros fatores criminógenos, influenciam no crescimento da criminalidade e violência. 31 Diante desse delicado contexto social, as organizações policiais vêm envidando esforços no sentido de buscarem mecanismos alternativos ao policiamento convencional, com o escopo de fazer frente à criminalidade e melhor atender às necessidades e os anseios sociais. Neste momento, sob a égide do novo regime democrático, os diversos segmentos policiais brasileiros avançam em relação à mudança de filosofia de trabalho. Mudança esta intitulada mundialmente de Polícia Comunitária. Filosofia praticada em diversos países do mundo, que acabou ganhando força no Brasil nos anos 90. Polícia Comunitária, portanto, é o novo paradigma a ser implementado pelas instituições policiais. Isoladamente não se pode atingir resultados satisfatórios no combate à criminalidade e no aumento da sensação de segurança dos cidadãos apenas focando suas energias no policiamento reativo e sem a participação ativa da própria comunidade policiada. Para compreendermos a magnitude do tema, Skolnick e Bayley, fazendo uma leitura global de suas experiências com o policiamento comunitário do cenário mundial, assim concluem: O policiamento comunitário é a nova filosofia do policiamento profissional nas democracias industriais do mundo. De Londres a Perth [na Austrália], de Detroit a Cingapura, os administradores da polícia estão falando nele. Representa progresso e inovação. Onde quer que haja mudança, o policiamento comunitário é a palavra de ordem. Segundo seus defensores, o policiamento comunitário gera segurança pública e diminui as taxas de criminalidade, reduz o medo do crime e faz o público se sentir menos desamparado, refaz a conexão da polícia com públicos desinformados, levanta o moral policial, e torna a polícia mais sujeita à prestação de contas. O policiamento comunitário surgiu como a principal alternativa estratégica para as práticas tradicionais, que, em toda parte, atualmente são consideradas um fracasso. (SKOLNICK; BAYLEY, 2006, p. 119) Neste diapasão, observa-se que a Constituição Federal de 1988, no caput do art. 144, concebe a Polícia Comunitária como nova filosofia de trabalho e modelo a ser adotado pelas instituições policiais brasileiras, ao expressar que Segurança Pública, além de dever do Estado e direito de todo cidadão, também é responsabilidade de todos. Assim, observa-se a perfeita sintonia e conexão da filosofia de Polícia Comunitária com o exercício de cidadania e a democratização da Segurança 32 Pública. O texto legal reafirma estes ideais e sugere a construção da paz social através de esforços conjugados entre polícia e comunidade. Observa-se, entretanto, que as expressões Polícia Comunitária (filosofia de trabalho) e Policiamento Comunitário (ato de policiar junto à comunidade) são usadas eventualmente na doutrina de forma indistinta, quando na prática representam termos técnicos diferentes com definições próprias. Para elucidar a confusão existente entre os termos, socorremo-nos dos ensinamentos de Bondaruk e Souza, (2007), extraída da obra “Polícia Comunitária: polícia cidadã para um povo cidadão”: A atividade de Polícia Comunitária é um conceito mais amplo que abrange todas as atividades voltadas para a solução dos problemas que afetam a segurança de uma determinada comunidade, que devam ser praticadas por órgão governamental ou não. A Polícia Comunitária envolve a participação das seis grandes forças da sociedade, frequentemente chamadas de “os seis grandes”. São eles a polícia, a comunidade, autoridades civis eleitas, a comunidade de negócios, outras instituições e a mídia. Já o Policiamento Comunitário é uma atividade específica da polícia, compreendendo todas as ações policiais decorrentes desta estratégia. (BONDARUK; SOUZA, 2007, p. 48-49) O núcleo existencial da Polícia Comunitária está na possibilidade de estreitar laços mútuos de confiança entre os profissionais da segurança e a comunidade como um todo, desde o profissional liberal, comerciantes, membros da comunidade escolar, moradores do bairro, etc., para juntos trabalharem essa parceria, de forma planejada, em prol da melhoria da qualidade de vida bairrista. Já o Policiamento Comunitário, por sua vez, é uma forma de policiar junto às comunidades, tendo por premissa a prevenção e a inibição de práticas delituosas pela presença ostensiva do emprego policial e, quando necessário for, pelo emprego de ações reativas. Finalizando a questão sobre o eventual uso indistinto dos termos Polícia Comunitária e Policiamento Comunitário, trazemos à baila o posicionamento esclarecedor de Nazareno Marcineiro: A expressão “Policia Comunitária” remete a um significado mais abrangente, ou seja, contém todas as atividades relacionadas à resolução dos problemas que comprometem a qualidade de vida de uma comunidade. (...) O policiamento comunitário também pode ser chamado de policiamento de proximidade e constitui-se de um primeiro estágio para se evoluir para a filosofia da policia comunitária que, repito, busca engajar a 33 todos na construção de espaços de vida em sociedade mais tranqüilos e pacíficos. (MARCINEIRO, 2009, p. 111-112) Assim, entendemos que a utilização do termo Polícia Comunitária emprega- se melhor tecnicamente para se referir de maneira mais abrangente à nova ideologia de trabalho policial que está se formando. A própria utilização da palavra comunitário acaba por despertar as atenções das instituições policiais para com suas relações com as comunidades. Ao adicionar a palavra comunitário ao policiamento, lembramos às polícias que a comunidade é um importante recurso a ser atingido para se alcançar objetivos de redução da criminalidade e do medo, restaurar a civilidade nos espaços públicos, garantir os direitos individuais e coletivos dos cidadãos e criar comunidades realmente democráticas. (TONRY; MORRIS, 2003) Portanto, para dar uma real concepção da Polícia Comunitária, no Brasil e no mundo, apresentamos alguns conceitos e definições que ajudam a elucidar o tema e a contextualizá-lo. Para os pioneiros Robert Trojanowicz e Bonnie Bucqueroux, autores do livro “Policiamento Comunitário: como começar”, que serviram de fontes de estudos e inspiraram aqueles que se propuseram a estudar a filosofia de Polícia Comunitária no Brasil, assim consagram: Policiamento Comunitário é uma filosofia e estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos tais como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da comunidade. (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 2003, p. 4) Na obra “O que faz a polícia: sociologia da força pública”, Dominique Monjardet assim pontua: A polícia comunitária é primeiro a vontade de renovar a relação entre polícia e população fazendo das expectativas, demandas e necessidades expressas por ela, localmente, no quarteirão, bloqueio ou no bairro, o principio de hierarquização das prioridades policias. (MONJARDET, 2002, p. 260) Doutrinariamente, na Polícia Militar do Paraná, a Polícia Comunitária pode ser assim compreendida: 34 [...] como a conjugação de todas as forças vivas da comunidade (a própria comunidade, a comunidadede negócios, as autoridades cívicas eleitas, as polícias todas, as outras instituições e autoridades e a mídia), sob a coordenação de policiais especialmente designados, no sentido de preservar a segurança pública, prevenindo e inibindo os delitos ou adotando as providências para a repressão imediata. Deve ser entendida também como uma filosofia de atuação da Polícia Militar, marcada pela intensa participação da comunidade na resolução dos problemas afetos à Segurança Pública. (DIRETRIZ N.º 002/2004 - PM/3) Para Ferreira, (1995) Polícia Comunitária resgata a essência da arte de polícia, pois a recíproca de apoio entre polícia e comunidade se traduz verdadeira. Acolhe as expectativas de uma sociedade democrática e pluralista, onde as responsabilidades pela mais estreita observância das leis e da manutenção da paz não incumbem apenas à polícia, mas, também a todos os cidadãos. O próprio autor (FERREIRA, 1995, p. 56-57) apresenta outras definições bastante esclarecedoras, que assim seguem: Polícia Comunitária é uma atitude, na qual o policial, como cidadão, aparece a serviço da comunidade e não como uma força. É um serviço público, antes de ser uma força pública. (Chief Inspector MATHEW BOGGOT, Metropolitan London Police Department) Polícia Comunitária é uma filosofia organizacional assentada na idéia de uma Polícia prestadora de serviços, agindo para o bem comum para, junto da comunidade,criarem uma sociedade pacífica e ordeira. Não é um programa e muito menos Relações Públicas. (Chief CORNELIUS J. BEHAN, Baltimore County Police Department) Polícia Comunitária é o policiamento mais sensível aos problemas de sua área, identificando todos os problemas da comunidade, que não precisam ser só os da criminalidade. Tudo o que se possa afetar as pessoas passa pelo exame da Polícia. É uma grande parceria entre a Polícia e a Comunidade. (Chief BOB KERR, Toronto Metropolitan Police) Marcineiro (2009), sob a ótica das mais diversas obras por ele citada no livro “Teoria de Polícia Comunitária”, faz uma síntese sobre o tema: [...] polícia comunitária é um conceito amplo, compreendendo o emprego de todos os meios possíveis para a solução de problemas, que de alguma maneira afetam a segurança de uma comunidade, sendo que esses meios podem ser de origem governamental ou não. Vemos, ainda, que a polícia comunitária trabalha com o envolvimento de alguns segmentos da sociedade, como a comunidade, comerciantes, mídias, outras instituições, autoridades civis e a própria polícia. (MARCIENEIRO, 2009, p. 112) 35 À luz das concepções de Polícia Comunitária, até então citadas, é possível vislumbrar a oportunidade de as instituições imbuídas da preservação da ordem pública, estreitarem os laços com os diversos segmentos da sociedade e convergirem suas energias na promoção da segurança. Em perfeita harmonia com os princípios de uma sociedade democrática, tendo por base o livre exercício da cidadania, a Polícia Comunitária se traduz numa forma democrática de fazer segurança, visto que a responsabilidade pela preservação da ordem pública e a rigorosa observância das leis não são responsabilidades apenas dela, mas de todos os cidadãos. Baseando-se no estreitamento honesto e duradouro do relacionamento entre polícia e comunidades policiadas, proporcionando uma parceria para promoção e resolução preventiva dos problemas de segurança, tornando as comunidades mais seguras e atrativas para se viver, percebe-se Polícia Comunitária como uma nova forma de se pensar e se fazer polícia. Uma estratégia organizacional alternativa e inteligente para se formar comunidades autossustentáveis em segurança, cujo resultado transpassa a capacidade da polícia de combate ao crime, incluindo no seu repertório de êxitos a redução do medo e a efetiva preservação da ordem pública. 3.3 MODELO TRADICIONAL VERSUS COMUNITÁRIO De acordo com o que se observa dos estudiosos em Polícia Comunitária, fica cada vez mais claro de que não há um consenso muito grande sobre o que vem a ser especificamente essa nova ideologia. No entanto, como a concepção de Policia Comunitária é algo que ainda está sendo construído, observa-se que em alguns pontos o Policiamento Comunitário rompe com o modelo tradicional de policiamento. Nesse processo construtivo da nova identidade policial, na busca por aperfeiçoar a arte de policiar, não se pode perder de vista a pedra angular da Polícia 36 Comunitária, que dentro de um Estado Democrático de Direito, é formar a comunidade autossustentável em segurança.28 Seguimos, portanto, traçando um paralelo entre Policiamento Tradicional e Policiamento Comunitário, com o intuito de destacar os contrastes existentes entre os dois modelos, possibilitando uma melhor visualização e compreensão das nuances que os separam. 3.3.1 Filosofia de Origem Dentro da abordagem da filosofia de origem do policiamento tradicional, o modelo militar de organização profissional e de estruturação predominantemente verticalizado, destaca-se como característica que serve até hoje como fonte de inspiração das Polícias Militares. Pode-se dizer que as Polícias Militares, ao longo de suas histórias particulares, caracterizam-se muito mais como corporação militar do que uma organização policial propriamente dita, sendo mais empregadas para os fins de segurança interna e de defesa nacional, do que para as funções de preservação da ordem pública. (MUNIZ, 2001) Em contrapartida, a filosofia de origem do policiamento comunitário se aproxima muito mais de uma polícia de defesa social, do que um órgão prestador de segurança do Estado. É a polícia que transcende as questões de segurança e passa a permear em outras áreas do campo social, em perfeita sintonia com a ideologia de Estado de Direito. 28A idéia de formar comunidades autossustentáveis em segurança (comunidades competentes para solucionar seus próprios problemas) é uma possível interpretação dada ao art. 144 da CF/88, que norteia o trabalho da Polícia Comunitária. 37 3.3.2 Missão Policial e a Importação de Modelo A militarização das Polícias possui em suas raízes o modelo organizacional importado do Exército. Conforme MUNIZ, (2001) a militarização foi muito além da simples assimilação deste modelo, pois desde o Segundo Império é que as Policiais Militares foram empregadas como forças auxiliares do exército regular tanto nos esforços de guerra, quanto nos conflitos internos, além das operações no controle de fronteiras da nação. Neste sentido, as polícias foram se transformando gradativamente em forças aquarteladas, deixando os serviços de proteção da sociedade e suas atividades propriamente policiais em segundo plano, e focando cada vez mais sua missão nas questões de defesa do Estado. 29 Claramente, observa-se que o modelo advindo do Exército é extremamente autoritário e centralizador, que faz sentido dentro de um Estado de Polícia, onde persiste a idéia do intervencionismo como solução para os problemas. Neste contexto, a polícia anseia manter um controle social imposto de fora para dentro e norteia e tutela a população ao invés de construir com ela alternativas de combate a criminalidade e de construção de uma sociedade mais segura. No modelo tradicional, pressupõe-se o antagonismo das idéias de controlar ou servir a sociedade. Caso a sociedade se comporte como um ente estanque, pacífica, que não se rebela, a idéia de servir à boa sociedade é latente. Contudo, se a lógica partir do pressuposto de que a sociedade é “inimiga do Estado”, comportando-se de forma a não mais se submeter a este poder autoritário, a idéia de controlar vem à tona, como nos anos de chumbo da ditadura militar.30 O policiamento comunitário, no viés contrário, caracteriza-se como sendo um modelo democrático de SegurançaPública, um modelo compartilhado entre polícia e comunidade, típico de um Estado de Direito. Sua missão primordial é formar a 29 “As cartas constitucionais republicanas anteriores a 1988, não deixam dúvidas quanto à principal função das PMs. Tratava-se, primeiro, de salvaguardar a “Segurança Nacional” mobilizando seus esforços para a “segurança interna e manutenção da ordem” do Estado. (MUNIZ, 2001, p. 183) 30 “Não é difícil concluir que o que estava em jogo era, fundamentalmente, a sustentação de uma lógica que pressupunha o “Estado contra a sociedade”, ou melhor, uma concepção autoritária da ordem pública que excluía os cidadãos de sua produção, uma vez que eles eram percebidos como “inimigos internos do regime” que “ameaçavam à tranqüilidade e a paz pública”. [...] cabia às PMs, ir para as ruas “manter” a segurança do Estado através da disciplinarização de uma sociedade rebelde à “normalidade” e a “boa ordem”. (MUNIZ, 2001, p. 183) 38 comunidade policiada para sua missão constitucional de segurança, repartindo e gerenciando políticas de intervenção. O modelo contingencial opõe-se a idéia de dirigismo estatal. Como alternativa ao tradicional, a idéia de comunidade autossustentável de segurança, onde persevera a co-responsabilidade social, induz ao ideal de uma sociedade melhor, na medida em que o cidadão, através do efetivo exercício de cidadania, contribui com sua cota parte constitucionalmente prevista no art. 144 da Carta Magna. Dentro da lógica de democratização da segurança e da formação da comunidade autossustentável em segurança, o modelo comunitário, por ser bairrista na sua essência, é descentralizado para que se tenha a flexibilidade indispensável para amoldar as estratégias policiais nos diferentes locais de atuação. Por ser um modelo de policiamento que exige adaptação à realidade de cada comunidade individualmente, à medida que os laços de relacionamento entre polícia e comunidade vão se estreitando e se fortalecendo, a descentralização de comando passa a potencializar as atuações policiais, ao mesmo tempo em que transforma as responsabilidades, aumentando a autogestão no nível dos subordinados e encorajando as iniciativas disciplinadas por parte dos superiores. (SKOLNICK; BAYLEY, 2006) 3.3.3 O Mito policial e as ocorrências do cotidiano O modelo organizacional das Policiais Militares importado do Exército, cuja origem filosófica é proveniente de um modelo essencialmente militar, esconde por de trás um mito.31 O mito do policial individual herói, muitas vezes valorizado nos filmes hollywoodianos. 31 “Um mito é uma história sobre experiência humana envolvendo o SAGRADO. Nos sistemas de crenças religiosas, o mito é muitas vezes usado para explicar as origens de tradições religiosas, como nas narrativas sobre o nascimento, vida e morte de Jesus, ou a difícil jornada espiritual de Buda. É usado também para ilustrar as muitas maneiras como valores e crenças religiosas fundamentais se aplicam às experiências da vida diária. Em suma, o mito serve freqüentemente como uma maneira ritualística de afirmar um senso comum do “de onde viemos e como chegamos aqui”. Em sentido relacionado e mais amplo, pode ser usado para legitimar sociedades inteiras. Mitos heróicos sobre figuras decisivas na formação de nações-estado (tais como heróis revolucionário), por exemplo, desempenham papel importante na glorificação e perpetuação de arranjos sociais correntes. O 39 O modelo militar, introjetado no policiamento tradicional, não raras vezes é equivocadamente direcionado para esta idéia do mito do heroísmo policial. Pois mesmo tendo como um dos mais importantes valores militares a premissa do “espírito de corpo”, o modelo militarista acaba valorizando sobremaneira aqueles que dentro do grupo se destacam individualmente pelos grandes feitos. Como existe uma tendência natural dos policiais a identificarem-se com a vida militar e o papel que desempenham perante a sociedade, acabam, consequentemente, incorporando aos seus comportamentos as características da instituição, passando a agir de acordo com este modelo. Destarte, convém destacar que no modelo tradicional, o policial carrega em seu âmago o peso da responsabilidade idealizada com base no heroísmo policial, que é, pela sociedade e por sua instituição, exigida através do sacrifício da própria vida em prol da comunidade, da dedicação exclusiva ao trabalho inclusive em períodos de folga, do pleno controle emocional, etc., e até mesmo pela auto- cobrança, pois muitas vezes o sujeito ingressa na corporação pela identificação infantilizada com a figura do super-herói. Parafraseando Lima, (2005) o arquétipo de herói por ele idealizado, na figura do “guerreiro”, se assemelha muito ao policial comunitário. Pois é o sujeito que irá pautar-se na Lex Major, assegurando ao cidadão todos os seus direitos, esteja ele figurando na condição de vítima ou vilão. Não irá impor a sua verdade, mas irá basear-se na prática do diálogo e no respeito às diferenças para encontrar soluções mais adequadas para resolução dos problemas, envidando todos os seus esforços no sentido de resgatar o delinquente para o convívio social. Contudo, ressalva que o lado bom do arquétipo do “guerreiro”, lado que se assemelha ao perfil do comunitário, pode ser transformado em exterminador, recaindo no direcionamento do modelo tradicional. Neste caso, seja pelo medo mal trabalhado ou pelo peso do mito carregado, o policial acreditando estar fazendo o melhor para a sociedade, verá na pessoa do deliquente um inimigo a ser aniquilado. antropólogo Claude LÉVI-STRAUSS argumentava que a função principal do mito pouco tem a ver com a explicação ou justificação da realidade social, mas serve, sim, para corporificar categorias lingüísticas básicas , que são fundamentais para qualquer compreensão cultural da realidades. Dualidades como amor/ódio, homem/ mulher, bem /mal, alto/baixo situam-se no núcleo da ordem cultural que usamos para extrair sentido da realidade. O mito, de acordo com Lévi-Strauss, aplica-se a essas categorias de maneiras que as reafirmam como forma legítima de pensar sobre o mundo.” (JOHNSON, 1997, p. 137) 40 Essa idéia do mito, do herói que se destaca individualmente, que direciona suas energias para grandes ações (focado no destemido), que ilude o sujeito a ponto de fazê-lo acreditar que têm que ser um Capitão Nascimento32, está completamente obsoleto em relação à maior parte dos desafios que a polícia enfrenta no seu dia-a-dia. Esses desafios, que na sua grande maioria, estão intimamente ligados aos verdadeiros anseios da comunidade e às ocorrências corriqueiras, são tratados pelo modelo tradicional como “policiamento de bagatela”, de menor importância, pois o convencional é caracterizado pelas respostas rápidas aos crimes sérios, priorizando, por exemplo, roubos a banco e assaltos à mão armada, homicídios e sequestros, e todos aqueles delitos envolvendo violência. De maneira paradoxal, no policiamento comunitário prevalece a idéia de união de esforços, de coletividade trabalhando para um mesmo fim. Aqui reside a idéia de que a polícia é o público e o público é a polícia: os policiais são aqueles membros da população que são pagos para dar atenção em tempo integral às obrigações dos cidadãos. Dentro dessa premissa, o policial comunitário se dilui enquanto comunidade, fugindo à concepção do individualismo convencional, e ambos, polícia e comunidade em forma de parceria, passam a fazer parte do processo de transformação para uma sociedade de não-violência autossustentada. Em sintonia com a filosofia de origem do policiamento comunitário, que se caracteriza
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