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Era fim do dia e estávamos chegando da Obra

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Era fim do dia e estávamos chegando da Obra, já estacionando os veículos (de ré) quando nos deparamos com uma roda de colegas de trabalho próximos ao estacionamento. Sabe esses momentos em que nos reunimos para bater um papo descontraído, aproveitando para limpar o suor e a poeira das botas, rirmos um pouco, conversar fiado (e também falarmos sobre as preparações para executar o trabalho de amanhã) enquanto combinamos o nosso próximo evento? Nessas horas, só queremos saber quem vai fazer o quê e, onde será o nosso próximo jantar. 
Não seria nenhuma novidade que numa roda de conversa como esta, nos deparemos com a verdadeira pluralidade. Afinal de contas, num ambiente multicultural, onde cada profissional tem suas múltiplas habilidades, diferentes formações, inúmeras maneiras de pensar de cada um, diferenças regionais e, cada um puxando sardinha para suas respectivas áreas de expertise, seria desnecessário dizer que já houve um tempo em que Pluralidade era representada pela convivência em um ambiente tão rico e vasto quanto os canteiros e alojamentos de uma Obra (Pasmem). 
Com tamanho exercício de convivência com pessoas tão diferentes de nós, é notável como estes ambientes formam Grandes Companheiros de Profissão para a implantação dos mais diversos tipos de Projetos. 
Companheiros que se formam através da confiança do exercício profissional e seguem ao longo de uma vida inteira! 
Já “nos finalmente” da conversa e começando o entardecer, determinamos que cardápio seria tracajá na brasa. Definimos o local, e cada um dos companheiros ficou responsável por uma tarefa. 
Mas antes de seguirmos para nossas acomodações e aposentos, eis que, de repente, um de nossos nobres colegas resolve botar pra fora os seus anseios de empreendedor nato que sempre fora. 
- “Pessoal, eu tive uma ideia brilhante para deixarmos de ser peão e nos tornarmos donos de uma Grande Empresa de Engenharia!” Disse nosso amigo.
Embora tenhamos ficado ansiosos por ouvir que ideia brilhante seria essa, não conseguíamos segurar o riso e as chacotas sobre a vida dura e frustrada que nosso amigo vinha tendo. 
	- “Vocês podem me zoar o quanto quiserem. Mas tenho certeza que se vocês ouvissem as técnicas que eu desenvolvi, e as praticarem, constituiremos uma empresa indubitável e retilínea em seus propósitos. Ganharemos muito dinheiro e desbancaremos os concorrentes!” Reforçou ele.
A turma ainda hesitava, quando ele com um tom mais áspero e já impaciente, insistiu:
	- “Vou falar a primeira técnica! Se alguém discordar, que fale em alto e bom tom seu contraponto e, tendo razão, eu me calarei diante de todos.” Estabeleceu ele. 
Todos nós havíamos percebido que nosso colega realmente falava sério e, como um profissional de respeito que sempre fora, resolvemos nos dispor a ouvi-lo com a maior atenção que pudéssemos, apesar do nosso cansaço. Então, concordamos que se alguém discordasse com fatos e dados, ele não mais prosseguiria neste assunto. 
	- “Muito bem.” Disse ele. 
	- “Vou iniciar o plano. E vou começar falando que a primeira coisa para constituirmos uma Grande Empresa é formar, um de nós aqui presentes nesta obra, um Líder estratégico. E de preferência um que seja mais novo, que seja mais fácil moldá-lo e aculturá-lo com nossos valores e ideais. Será, digamos assim, uma extensão de nossa empresa, porém do lado do Cliente. Afinal de contas, os macacos velhos já estão cheios de manias e vícios. Precisamos de alguém que possa ser forjado!”
Todos nós nos entreolhamos e começamos a pensar o quão maquiavélico ele poderia ser e começamos a supor até onde ele poderia ir com tal história. O preâmbulo deste plano aguçou a todos nós e, desta vez, já estávamos a todos ouvidos.
	- “Conte nos mais, não nos esconda nada!” Disse um outro colega, muito ansioso.
	- “OK. Vou continuar...” disse ele. 
	- “O nosso primeiro objetivo é darmos condições suficientes para que um dos nossos possa alavancar na sua carreira e, quando ele tiver se tornado chefe da porra toda, num futuro próximo, irá contratar a nossa empresa para prestarmos serviços de qualidade para ele. Afinal de contas, ele terá uma pequena dívida conosco.” Complementou ele. 
	- “E pagaremos essa dívida com o nosso total e irrestrito apoio ao nosso querido jovem e, futuro Sponsor. 
E continuou. – “Desde que, ele nos contrate para realizarmos serviços digamos, um pouco mais nobres do que estes trabalhos de gerenciamento ou de projetistas que são desenvolvidos por aí. O que precisamos é vender Inteligência de Engenharia”. Afirmou. 
	- “E esta Inteligência de Engenharia, deve começar com um escopo de serviços mais qualificados, estudos e análises estratégicas muito bem delineadas, que sejam executadas por nós, Profissionais Qualificados e distintos da grande maioria. Que é para termos certeza que jamais nos confundirão com essas Gerenciadoras e Projetistas vulgares que existem por aí. Seremos uma empresa com uma Marca Reconhecida neste tipo de prestação de Serviços Qualificados.”
	 - “E para que tenhamos certeza que conseguiremos evidenciar o quão qualificados seremos, a nossa empresa será 99% composta apenas de Engenheiros. E não qualquer engenheiro, mas sim Engenheiros Coordenadores, Engenheiros de Orçamento e Planejamento, Engenheiro Supervisor e tantas outras funções compostas, que é para dar mais credibilidade ao nosso time.” 
	- “Mas e se o Ministério do Trabalho nos acionar em função de sermos elitistas em demasia, sem dar oportunidade para outros níveis de formação?”. Logo questionou um dos nossos que sempre era o do contra... 
	- “Se o MT, Crea ou quem quer que seja ousar nos perturbar com uma coisa dessas, diremos que o tipo de trabalho que desenvolvemos só pode ser desenvolvido por Engenheiros Qualificados e, se não colar, ofereceremos uma vaga para Técnico lá nos confins da pqp, com condições tão nefastas e inaceitáveis que ninguém se interessará pela oportunidade. E, em caso de alguém a aceitar, colocá-lo-emos para ser secretário de um dos nossos Engenheiros Coordenadores. Espero ter esclarecido.” Afirmou ele com um tom de que não queria ser novamente perturbado com perguntas idiotas. 
	- “Se estamos entendendo bem, você quer formar alguém aqui de dentro que, no futuro irá contratar a nós mesmos para prestarmos serviços de consultoria estratégica (como gerarmos mais dinheiro) e de Inteligência de Engenharia (para trabalhar só com “o filé”), deixar o osso para as Projetistas e Gerenciadoras roerem e, ainda por cima, seremos vendidos como 2 em 1 ?” Um colega quis ratificar o entendimento. 
	- “Exatamente! E não é só isso.” Exclamou ele, bastante empolgado.
	- “Teremos que proteger nosso Sponsor e, para isso, teremos cargos 2 em 1, trabalharemos apenas com Inteligência de Projetos e, ainda por cima, para justificarmos nossa contratação, nosso Sponsor se beneficiará com a irresistível cláusula do nosso contrato que contemplará o Rateio do Risco de Atrasos em Projeto. “
	- “Hã? Como assim??? Dividiremos o Custo de Atrasos? Com que dinheiro??? Você ficou louco?”
	- “Sim. Dividiremos sim! Mas quem disse que o Projeto vai atrasar e que teremos que pagar alguma coisa? E quem disse que será nossa responsabilidade?”
	- “Mas estamos nos comprometendo em contrato...”
	- “Veja bem, nós estamos dividindo os Riscos de Projeto. E o maior risco é não ter a nossa empresa prestando serviços. Se você fosse o Diretor, você preferiria ter uma empresa realizando os serviços de Inteligência, por profissionais com atuações compostas, que divida o risco e ainda por cima o protegerá ou preferirá confiar em seus subordinados diretos tanto quanto desarticulados, sem qualquer compartilhamento de risco e que executem apenas ordens?”
	- “É... seria muito frágil né? Saquei! Que ideia genial!” Disse um. 
	- “Mas não para por aí!” Retrucou ele. A essa altura, todos já estavam estupefatos com tamanha genialidade do nosso colega (agora CEO da nossa futura empresa) e ansiosos para ouvirmos cada vez mais. Nem pensávamos no tracajá assado e já estávamos sentindo o Orgulho de nos tornarmos o “Crèm de la Crèm” no mundo daEngenharia. 
	- “Como venderemos serviços de inteligência, vamos obter inúmeras informações do Projeto. Informações que vão nos apresentar mais e mais possibilidades de vendermos ainda mais serviços...”
	- “Então usaremos informações privilegiadas?”
	- “Sim e não. Afinal de contas, serão informações produzidas por profissionais mundanos. E nós, sob o propósito de assegurar que nosso Sponsor esteja realmente protegido e bem calçado, nossa atuação composta nos proporcionará resultados compostos: tanto exploraremos as informações em busca de mais serviços como também auditaremos as informações providas com o intuito de evidenciar possíveis deficiências. Detectaremos vulnerabilidades tanto do trabalho como de quem o fez.”
	- “Nós mapearemos a Organização?”
	- “Mas é claro! Detectaremos quem são nossos Promotores e quem são os Detratores e possíveis ofensores à conduta da nossa empresa e atingimento dos nossos propósitos comerciais. Afinal de contas, no fim do dia, estaremos apenas cumprindo nosso contrato, que será cuidadosamente elaborado com palavras abrangentes para que ao mesmo tempo que nos subsidie de possibilidades para ampliar nosso campo de atuação, também nos resguarde sempre que oportuno for.”
	- “Genial! Mas como faríamos isso?”
	- “Sempre que detectarmos um detrator, esta será a próxima posição que ocuparemos. E para isso, primeiro observaremos cuidadosamente o trabalho desenvolvido por este detrator. E na sequência, influenciaremos nosso Sponsor, disseminando as possíveis dúvidas, fragilidades e pontos de vista ambíguos sobre os resultados apresentados. Com a dúvida implantada, aparelharemos com um dos nossos profissionais. Duplicaremos a função do detrator com um par nosso, a fim de coibirmos eventuais vulnerabilidades das entregas dele, além é claro, de criarmos redundância.”
	- “Mas, se o detrator é um dos nossos clientes e, como nós criaremos uma redundância do cargo dele, pela lógica ele será nosso chefe direto. Certo?”
	- “Completamente errado! Pelo nosso Contrato, que abordará serviços de inteligência, teremos a prerrogativa de avaliar o trabalho dele. E quando ele menos esperar, nos tornaremos clientes da informação dele para que possamos garantir acurácia e consistência de um trabalho integrado que nossa empresa proverá ao Sponsor “.
	- “Como os subordinados normalmente não tem o compromisso com o engajamento e, tampouco dividem o risco do Projeto, os resultados informados serão sempre imparciais e isolados. E essa imparcialidade poderá comprometer tanto a responsabilidade dos envolvidos no Projeto, quanto o Responsável pelos envolvidos, que é o Sponsor”.
	- “E com isso, sem muito esforço, as vulnerabilidades e os riscos ficarão cada vez mais evidentes e, assim o será até que alguém do nosso time assuma de fato a posição do nosso (agora ex) Detrator. Afinal de contas, com a atuação articulada do nosso time, que proverá serviços de inteligência com o objetivo de dividir o risco e proteger o nosso Sponsor (lembrando que o risco real sempre será da não realização do trabalho por algum profissional nosso), nós asseguraremos que nenhuma falha ou erro que possa ser imputável ao nosso Sponsor seja evidenciado de fato.”
	- “Então você quer dizer que enquanto estivermos responsáveis diretos pelo trabalho, o projeto sempre estará positivo?” Questionou um colega ressabiado.
	- “Exato! Precisamos passar a imagem de que o Projeto estará positivo, se estiver sob o nosso controle. Afinal de contas, teremos uma atuação Composta e de Inteligência. Não tem como ser diferente, não é?”
	- “Mas isso não seria maquiar os resultados?”
	- “É óbvio que não! Lembrem-se de que o risco é o trabalho não ser executado por um dos nossos profissionais. Se o trabalho for de responsabilidade nossa, sempre estará positivo. E nosso Sponsor permanecerá protegido e com instrumentos para imputar e cobrar pelas responsabilidades dos outros envolvidos, seja da gerenciadora, da projetista ou do próprio time interno.”
 	- “Você é um Gênio e a partir de hoje, já é nosso CEO!”
	- “Obrigado. Temos muito o que fazer

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