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160 Unidade III Unidade III 7 SISTEMA RENAL 7.1 Morfologia funcional do rim O organismo humano apresenta dois rins, órgãos com a forma de feijão situados na região lombar, de ambos os lados da coluna vertebral. Os rins são órgãos que filtram o sangue e produzem a urina, uma solução aquosa que contém grande número de substâncias dissolvidas, muitas delas produtos do metabolismo celular que são excretados, como ureia, ácido úrico, creatinina e outros, mas também eletrólitos como NaCl, KCl, ácidos, bases como o bicarbonato, íons cálcio, fosfato, sulfato, entre outros, cuja excreção urinária contribui para a regulação da constituição hidrossalina do meio interno, particularmente do meio extracelular. Portanto, a partir da filtração sanguínea, as duas funções principais do rim são: • eliminar produtos tóxicos provenientes da degradação de moléculas do metabolismo celular; • regular a constituição do meio interno, por meio da regulação da reabsorção ou secreção de vários componentes desse meio (CURI; PROCOPIO, 2009). Veia cava inferior Rim Ureter Bexiga urinária Uretra Próstata Artéria aorta Rim Figura 71 – Anatomia do aparelho excretor Acervo Unip/Objetivo. 161 ANATOMOFISIOLOGIA O rim é composto de uma parte mais externa ou superficial, o córtex renal, e a porção interna, a medula renal, constituída por pirâmides, cuja ponta está envolvida pelos cálices; eles, por sua vez, vão juntar‑se na pélvis renal, estrutura membranosa que vai coletar a urina liberada na ponta das pirâmides e levá‑la ao ureter. Os dois ureteres, um proveniente de cada rim, terminam na bexiga, e de lá a urina será levada ao exterior pela uretra, cujo meato ou abertura externa está localizado na ponta da glande do pênis, no homem, e na região vulvar, na mulher (CURI; PROCOPIO, 2009). Rim completo Veia interiobular Papila da pirâmide Pirâmide Ureter Pélvis (ou bacinete) Veia renal Hilo Sangue Artéria renal Medula Córtex Cápsula Cápsula glomerular (ou cápsula de Bowman) Glomérulo Corpúsculo renal (ou corpúsculo de Malpighi) Néfron Ducto coletor Ducto coletor maior (ou duto de Bellini) Árvore cortical Cálice menor Cálice maior Glomérulos justamedulares Glomérulos Artéria interilobular Figura 72 – Anatomia interna do rim humano Acervo Unip/Objetivo. A circulação renal é iniciada com a artéria renal, entrando no rim pelo hilo, em proximidade ao ureter, e daí divide‑se em artérias interlobares e arqueadas. Dessas artérias, originam‑se as artérias interlobulares, das quais partem as arteríolas aferentes dos glomérulos renais, estruturas responsáveis pela ultrafiltração do sangue. As arteríolas eferentes dos glomérulos dão origem aos capilares peritubulares, que vão irrigar os túbulos renais, e por fim vão originar as vênulas e as veias renais. As arteríolas e os capilares mais profundos, próximos à medula renal, podem dar origem a longas alças capilares que se aprofundam na medula, podendo atingir a ponta das pirâmides renais. Somente depois de completar esse percurso de volta ao córtex é que essas alças vão formar vênulas e veias. Tais vasos capilares longos são chamados vasos retos (vasa recta) e têm grande importância no sistema contracorrente da medula renal, responsável pela concentração da urina e formação de urina hipertônica. Há também vasos retos formados diretamente a partir das artérias interlobulares, que não passam pelo glomérulo. Cada um dos glomérulos, por sua vez, dá origem a um néfron: uma estrutura tubular que vai modificar o ultrafiltrado do sangue por reabsorção da sua maior parte e por secreção de algumas substâncias. 162 Unidade III A urina final formada será levada pelos ductos coletores até a ponta das pirâmides renais e daí à pélvis renal, ao ureter, à bexiga e, por meio da uretra, ao exterior. Em seu conjunto, os dois rins contêm cerca de dois milhões de néfrons, tendo cada néfron a capacidade de formar urina por si só. Por conseguinte, na maioria dos casos, não é necessário considerar todo o rim, mas apenas a função de um único néfron, para explicar a função desse órgão. O néfron é constituído basicamente por: • um glomérulo, pelo qual o líquido é filtrado do sangue; • um longo túbulo no qual o líquido filtrado é transformado em urina no seu trajeto até a pélvis renal (CURI; PROCOPIO, 2009; GUYTON; HALL, 2011). Arteríola eferente Cápsula glomerular Túbulo contorcido proximal Túbulo contorcido distal Glomérulo renal Arteríola aferente Alça néfrica Ducto coletor Figura 73 – Estrutura do néfron: a unidade funcional do rim Acervo Unip/Objetivo. As características dos néfrons diferem ligeiramente, dependendo de sua profundidade no interior da massa renal. Os néfrons cujos glomérulos ficam situados próximo à superfície do rim são denominados néfrons corticais. Esses néfrons possuem segmentos delgados muito curtos em suas alças de Henle (alça néfrica), e as alças penetram apenas por uma distância muito pequena na porção externa da medula. Cerca de um quinto a um terço dos néfrons apresenta glomérulos localizados na profundidade do córtex renal, próximo à medula; esses néfrons são denominados néfrons justamedulares. 163 ANATOMOFISIOLOGIA Possuem alças de Henle muito longas com segmentos delgados especialmente longos que penetram profundamente na zona interna da medula; algumas seguem até a ponta dos cálices renais. A primeira estrutura que faz parte do néfron é o glomérulo, em que ocorre o processo de ultrafiltração; em seguida, o ultrafiltrado penetra em um sistema de túbulos renais, o primeiro dos quais é o túbulo contorcido proximal, repleto de convoluções que lhe aumentam o comprimento e a área. Segue‑se a parte reta do túbulo proximal, aprofundada linearmente em direção à medula renal. Essa parte reta já integra a alça de Henle, seguindo‑se o ramo descendente delgado dessa alça, que é longa nos néfrons justamedulares, percorrendo a faixa interna da medula externa e toda a medula interna, mas que é quase inexistente nos néfrons corticais, nos quais não penetra na medula interna. Após a dobra da alça, inicia‑se o ramo ascendente delgado da alça de Henle, seguido pelo ramo ascendente grosso ou espesso da alça. A alça de Henle é a estrutura mais importante na geração da hipertonicidade urinária, que é baseada na disposição em contracorrente desta. Esse ramo ascendente aproxima‑se novamente ao glomérulo renal, e é nesse local que se situa a mácula densa, estrutura diferenciada do túbulo que funciona como um detector de variações na concentração iônica do lúmen tubular, sendo parte de um mecanismo de regulação da reabsorção de sal. Em seguida, já de volta ao córtex renal, inicia‑se o túbulo contorcido distal, ao qual se segue um curto segmento denominado túbulo conector. Começa em seguida o ducto coletor cortical, que é formado pela junção de vários néfrons, e que se aprofunda em direção à medula renal. Seguem‑se o ducto coletor medular externo, na medula externa, e o coletor medular interno, na medula interna, o qual se abre na ponta da pirâmide renal. O coletor medular externo pode ser subdividido em segmentos da faixa externa e da faixa interna da medula renal (CURI; PROCOPIO, 2009; GUYTON; HALL, 2011). Uma característica fundamental da circulação renal é a capilarização na própria circulação arterial, isto é, entre as arteríolas aferente e eferente do glomérulo. A arteríola aferente subdivide‑se em um tufo capilar, um novelo de capilares, e esses capilares juntam‑se novamente para formar a arteríola eferente, e esta agora vai formar os capilares peritubulares, equivalentes aos dos outros tecidos do organismo. A consequência dessa disposição é que a pressão nos capilares glomerulares é muito mais elevada (45‑50 mmHg) que aquela nos peritubulares (10‑15 mmHg). Isso possibilitará a ultrafiltração do plasma nos capilares glomerulares. Esses capilares são cobertos por uma camada de células epiteliais, que constituem o folheto visceral da cápsula de Bowman (figura a seguir),estrutura que envolve o tufo capilar. O ultrafiltrado que é formado nesse local permanecerá inicialmente entre esse folheto visceral e a parede externa da cápsula de Bowman, o seu folheto parietal, também constituído por uma camada de células epiteliais. O glomérulo também consta de uma membrana filtrante que, de dentro do capilar para fora, consta do endotélio capilar, que não é contínuo, mas fenestrado, com espaços livres entre suas células. Abaixo dessas células encontra‑se a membrana basal, estrutura constituída de material fibroso, predominantemente de proteínas ligadas a hidratos de carbono. Por fora, estão as células epiteliais, denominadas podócitos, que apresentam prolongamentos em forma de pés (pedicélios), que se inserem na membrana basal (CURI; PROCOPIO, 2009). 164 Unidade III Figura 74 – Detalhe das estruturas que compõem o néfron Acervo Unip/Objetivo. Em volta dos capilares e na base em que se começa a formar o tufo capilar há um conjunto de células, as células mesangiais, que têm características contráteis e apresentam fibrilas musculares semelhantes àquelas das células do músculo liso, e são sensíveis a peptídeos como angiotensina e peptídeo atrial natriurético, que podem elevar a sua contração ou dilatação, respectivamente, modificando a dinâmica do filtrado glomerular. Por outro lado, no ângulo entre as arteríolas aferente e eferente, está um conjunto de células denominado aparelho justaglomerular, composto pela mácula densa, conjunto de células especializadas da parede do início do túbulo contorcido distal, que se opõe ao glomérulo nesse local. Fazem parte do aparelho justaglomerular também as células situadas no ângulo entre as arteríolas, constituindo a almofada polar, e células musculares lisas modificadas da parede da arteríola aferente, portadoras de grânulos de renina, uma enzima que participa da formação do peptídeo angiotensina, regulador do tônus vascular que causa a elevação da pressão arterial por constrição de arteríolas em todo o organismo, por exemplo, quando há perda de sangue ou retração do volume extracelular. O aparelho justaglomerular, apesar de não se conhecerem ainda todos os mecanismos de sua atuação, é um importante componente da regulação da função renal, incluindo a magnitude do ritmo de filtração glomerular (RFG) e da reabsorção de água e sal ao longo do néfron. Arteríola eferente Túbulo proximal Túbulo coletor Alça de Henle Veia renal Artéria renal Túbulo distal Arteríola aferente Glomérulo de Malpichi Cápsula de Bowman 165 ANATOMOFISIOLOGIA O túbulo contorcido proximal é constituído de três segmentos principais, S1, S2, e S3, com características celulares próprias. A porção inicial do túbulo, S1, é constituída por células ricas em mitocôndrias e com orla em escova bem desenvolvida, demonstrando uma grande capacidade de reabsorção de fluido. O segmento S2 constitui a maior parte do túbulo contorcido proximal (cortical), e o S3 constitui principalmente a porção reta descendente desse segmento tubular. Esses segmentos tendem a ter cada vez menos mitocôndrias em direção à alça de Henle, e orla em escova menos desenvolvida (CURI; PROCOPIO, 2009). Os ramos delgados da alça de Henle têm células muito achatadas, com poucas mitocôndrias, demonstrando assim pouca atividade metabólica e de transporte. Mas têm, mesmo assim, muita importância no sistema de concentração e diluição da urina. O segmento mais importante desse sistema é o ramo ascendente grosso, de células cuboides, ricas em mitocôndrias, e responsáveis por uma parcela importante da reabsorção de sal, embora esse segmento seja impermeável à água. Na região medular, na faixa externa, está o coletor medular externo e, na interna, o coletor medular interno. Na porção terminal da pirâmide renal, denominada papila, está o coletor papilar, mais grosso que os demais devido à junção de vários coletores mais externos. A partir do segmento de conexão situam‑se pelo menos dois tipos celulares, as células principais, responsáveis pela absorção de NaCl e pela secreção de K+, e as células intercaladas, responsáveis pela acidificação da urina, por meio da secreção de H+ e da reabsorção ou secreção de bicarbonato. Nos coletores medulares interno e papilar, a atividade de transporte torna‑se mais limitada, ocorrendo no fim somente um tipo celular responsável pelos vários tipos de transporte. Uma característica interessante das células do ducto coletor é sua permeabilidade à água, que, na ausência do hormônio antidiurético, é muito baixa, levando à produção de uma urina muito diluída (hipotônica). No entanto, sua permeabilidade à água eleva‑se significativamente na presença desse hormônio, o que causa reabsorção de água e formação de urina hipertônica (concentrada). A permeabilidade à água dos segmentos tubulares deve‑se à presença de canais de água em suas membranas celulares, que são moléculas proteicas, denominadas aquaporinas, inseridas nessas membranas. As modificações de permeabilidade devem‑se à remoção ou inserção desses canais de água. Uma característica importante do epitélio tubular renal é a densidade de ligação entre as células, que depende da presença das zônulas de oclusão (tight junctions), que são moléculas proteicas localizadas próximas à superfície apical e que ligam células adjacentes. Tais complexos limitam o movimento de fluido e substâncias entre as células, pela assim denominada via paracelular, cuja permeabilidade varia consideravelmente nos vários segmentos do néfron (CURI; PROCOPIO, 2009). Cerca de 20‑25% do volume de sangue bombeado pelo coração passa pelos rins por unidade de tempo. Eis uma magnitude de irrigação tecidual muito maior que aquela de todos os demais tecidos, e reflete a característica particular dessa circulação; o sangue que irriga o rim não tem unicamente a função nutriente, mas majoritariamente uma função de depuração desse sangue, além de regular a constituição do meio interno. Sendo, no humano, o fluxo sanguíneo renal (FSR) de cerca de 1.200 mL/ 166 Unidade III min e o débito cardíaco de 5.000 mL/min, em aproximadamente 4 minutos todo o sangue do organismo será distribuído pelos aproximadamente 2 milhões de néfrons dos dois rins, onde será filtrado. A partir da pressão média da artéria renal, da ordem de 100 mmHg, igual à pressão sistêmica, há uma queda desta ao longo da arteríola aferente, um vaso de resistência, até 50 mmHg no capilar glomerular. Ao longo dele, há pouca modificação da pressão, que cai novamente ao longo da arteríola eferente até cerca de 15 mmHg, valor agora semelhante ao dos capilares de outros tecidos, decrescendo depois para os valores venosos. A característica fundamental dessa circulação é a interposição de uma capilarização entre duas arteríolas, que mantém a pressão elevada, base para a formação do ultrafiltrado glomerular. A formação desse ultrafiltrado depende essencialmente das forças descritas por Starling, isto é, do equilíbrio de pressão hidrostática intracapilar, empurrando o fluido por meio da sua parede e da pressão oncótica ou coloidosmótica, que tende a manter o fluido (água e solutos dissolvidos) dentro dos capilares. As proteínas são as únicas moléculas que mantêm pressão osmótica em relação à parede capilar por terem uma massa molecular elevada, não sendo a parede dos capilares permeável a elas, ao contrário das demais moléculas, bem menores, como íons, glicose, aminoácidos etc. Em consequência, o ultrafiltrado é uma solução de características semelhantes ao plasma, porém quase sem proteínas. 7.2 Filtração glomerular A filtração glomerular é o processo que inicia a formação da urina. Nesse evento, cerca de 20% do plasma que entra no rim e alcança os capilares glomerulares é filtrado, atingindo o espaço de Bowman. Os 80% de plasma restante, que não foram filtrados, circulam ao longo dos capilares glomerulares, atingindo as arteríolas eferentes, dirigindo‑se para a circulação capilar peritubular e retornando àcirculação geral (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009). Arteríola aferente Cápsula de Bowman Túbulo proximal Filtrado Glomérulo Arteríola eferente Figura 75 – Filtração glomerular Acervo Unip/Objetivo. 167 ANATOMOFISIOLOGIA O fluido filtrado é um ultrafiltrado do plasma e contém todas as substâncias existentes no plasma, exceto a maioria das proteínas e substâncias que se encontram ligadas a elas, como é o caso dos cerca de 40% do cálcio circulante. As células do sangue também não passam pelo processo de filtração glomerular. Como água e soluto são filtrados em proporções iguais, a composição e a concentração do filtrado glomerular são quase iguais às plasmáticas. Consequentemente, a composição e a concentração do fluido que atinge a arteríola eferente também são iguais às plasmáticas, porém sua concentração proteica é mais elevada. Em humanos, o valor da filtração glomerular é cerca de 120 mL/ min (CURI; PROCOPIO, 2009). A barreira de filtração glomerular determina a composição do ultrafiltrado plasmático, restringindo a filtração de moléculas com base em seu tamanho e carga elétrica. Em geral, moléculas neutras, com raio menor a 20 Å, são filtradas livremente, moléculas com mais de 42 Å não são filtradas, e moléculas com raio entre 20‑42 Å são filtradas em graus variáveis. Por exemplo, a albumina plasmática, proteína com raio de 35,5 Å, é pouco filtrada, e normalmente é reabsorvida com avidez pelo túbulo proximal – na prática, não se nota albumina na urina. Para qualquer raio molecular, as moléculas catiônicas são filtradas com mais facilidade que as aniônicas. A menor intensidade de filtração das moléculas aniônicas explica‑se pela presença de glicoproteínas com carga negativa na superfície de todos os componentes da barreira de filtração glomerular. Essas glicoproteínas com carga negativa repelem moléculas com carga semelhante. Como a maior parte das proteínas plasmáticas tem carga negativa, as cargas negativas da barreira de filtração restringem a filtração de proteínas, com raio molecular de 20‑40 Å ou mais (KOEPPEN; STANTON, 2009). As forças responsáveis pela filtração glomerular do plasma são as mesmas que estão presentes em todos os leitos capilares. A ultrafiltração ocorre porque as forças de Starling (pressões hidrostática e oncótica) impulsionam o líquido da luz dos capilares glomerulares por meio da barreira de filtração para o espaço de Bowman. A pressão hidrostática do capilar glomerular (PCG) está orientada para promover o movimento de líquido do capilar glomerular para o espaço de Bowman. Como o ultrafiltrado glomerular é desprovido de proteínas, a pressão oncótica do espaço de Bowman (πEB) aproxima‑se a zero. Portanto a PCG é a única força que favorece a filtração. A pressão hidrostática no espaço de Bowman (PEB) e a pressão oncótica do capilar glomerular (πCG) se opõem à filtração (KOEPPEN; STANTON, 2009). Existe uma pressão efetiva de ultrafiltração (PUF) de 17 mmHg na extremidade aferente do glomérulo; já na extremidade eferente seu valor é de 8 mmHg (em que PUF = PCG – PEB – πCG). É importante frisar dois pontos adicionais com relação às forças de Starling e a essa variação de pressão. Em primeiro lugar, a PCG diminui ligeiramente ao longo do capilar devido à resistência ao fluxo, causada pelo comprimento do capilar. Em segundo, a πCG aumenta ao longo do capilar glomerular. Como a água é filtrada e as proteínas continuam no capilar glomerular, aumenta a concentração de proteínas no capilar e, também, a πCG (KOEPPEN; STANTON, 2009). A intensidade de filtração glomerular (IFG) é proporcional à soma das forças de Starling existentes por meio dos capilares da seguinte forma: IGF = Kf [(PCG – PEB) – (πCG – πEB)] 168 Unidade III em que Kf é o produto da permeabilidade intrínseca do capilar glomerular pela área de superfície glomerular disponível para a filtração. A intensidade da filtração glomerular é consideravelmente maior nos capilares glomerulares que nos sistêmicos, principalmente, porque o Kf é cerca de 100 vezes maior nos capilares glomerulares. Além disso, a PCG é em torno de duas vezes maior que a pressão hidrostática nos capilares sistêmicos. A IFG pode ser alterada modificando‑se o Kf ou qualquer uma das forças de Starling. Em pessoas saudáveis, a IFG é regulada por alterações na PCG, mediadas, principalmente, por alterações na resistência das arteríolas aferente ou eferente. A PCG pode ser afetada por três maneiras: • variações da resistência da arteríola aferente, em que a redução da resistência aumenta a PCG e a IFG, e o aumento da resistência as reduz; • variações da resistência da arteríola eferente, em que a redução da resistência reduz a PCG e a IFG, e o aumento da resistência as eleva; • variações da pressão arteriolar renal, em que o aumento da pressão arterial aumenta, transitoriamente, a PCG (o que eleva a IFG), e a redução da pressão arterial diminui, transitoriamente, a PCG (o que reduz a IFG). O fluxo sanguíneo renal (FSR) executa diversas funções importantes: • determina, indiretamente, a IFG; • modifica a intensidade da reabsorção de solutos e de água pelo túbulo proximal; • participa da concentração e da diluição da urina; • fornece O2, nutrientes e hormônios às células do néfron e devolve CO2, bem como o líquido e os solutos reabsorvidos à circulação geral; • transporta substratos que serão excretados na urina (KOEPPEN; STANTON, 2009). As arteríolas aferentes e eferentes e as artérias interlobulares são os principais vasos de resistência dos rins, determinando, dessa forma, a resistência vascular renal. Assim como na maioria dos órgãos, os rins regulam seu fluxo sanguíneo, ajustando a resistência vascular, em resposta às alterações da pressão arterial. Esses ajustes são tão precisos que o fluxo sanguíneo permanece relativamente constante, enquanto a pressão varia entre 90‑180 mmHg. A IFG também é regulada ao longo dessa mesma faixa de pressões arteriais. O fenômeno pelo qual o FSR e a IFG se mantêm relativamente constantes, chamado autorregulação, é executado por modificações de resistência vascular, principalmente pelas arteríolas aferentes dos rins. A autorregulação do FSR e da IFG se dá por meio de dois mecanismos. Um deles responde a alterações da pressão arterial, e outro a alterações da concentração de NaCl no líquido tubular. Ambos regulam 169 ANATOMOFISIOLOGIA o tônus da arteríola aferente. O mecanismo sensível à pressão, chamado mecanismo miogênico, está relacionado à propriedade intrínseca da musculatura lisa vascular de se contrair quando distendida. Da mesma forma, quando a pressão arterial se eleva e a arteríola aferente se distende, a musculatura lisa se contrai. Como o aumento da resistência arteriolar contrabalança o aumento da pressão, o FSR e a IFG permanecem constantes. O segundo mecanismo é conhecido como feedback tubuloglomerular. Esse mecanismo envolve uma alça de feedback na qual a mácula densa do aparelho justaglomerular afere a concentração de NaCl no líquido tubular, convertendo‑a em um ou mais sinais que afetam a resistência da arteríola aferente e, portanto, a IFG. Quando a IFG aumenta, elevando a concentração de NaCl no líquido tubular, mais NaCl penetra nas células da mácula densa, o que leva ao aumento da formação e liberação de ATP e adenosina (um metabolito do ATP) por essas células, provocando a vasoconstrição da arteríola aferente. Essa vasoconstrição, por sua vez, faz com que a IFG retorne ao nível normal. Por sua vez, quando a IFG e a concentração de NaCl no líquido tubular diminuem, menos NaCl penetra nas células da mácula densa, reduzindo a produção e a liberação de ATP e adenosina. A queda da concentração de ATP e adenosina causa a vasodilatação da arteríola aferente, normalizando a IFG. O óxido nítrico (NO), vasodilatador produzido pela mácula densa, atenua o feedback tubuloglomerular, e a angiotensina II o estimula. Portanto a mácula densa pode liberar vasoconstritores e um vasodilatador que executamações opostas sobre a arteríola aferente (KOEPPEN; STANTON, 2009). 7.3 Absorção, excreção e formação da urina A formação de urina envolve três processos básicos: • a ultrafiltração do plasma pelo glomérulo; • a reabsorção de água e eletrólitos do ultrafiltrado; • a secreção dos solutos selecionados para o fluido tubular. Após a sua formação, o filtrado glomerular circula pelos túbulos renais, e a sua composição e volume são modificados pelos mecanismos de reabsorção e secreção tubular existentes ao longo do néfron. É chamado reabsorção tubular renal o processo de transporte de uma substância do interior tubular para o capilar sanguíneo que envolve o túbulo; o mecanismo no sentido contrário é denominado secreção tubular. Pelos processos de reabsorção e secreção, os túbulos renais modulam o volume e a composição da urina, que, por sua vez, permitem que os túbulos controlem precisamente volume, osmolaridade, composição e pH dos compartimentos dos fluidos extracelular e intracelular. Finalmente, a excreção renal é o processo pelo qual a urina é eliminada pela uretra (AIRES, 2012; KOEPPEN; STANTON, 2009). Portanto o processo de depuração renal, além de se dar pela filtração glomerular, pode também ser feito por meio da secreção tubular, já que o sangue que passou pelos glomérulos e não foi filtrado atravessa uma segunda rede capilar, peritubular. Por outro lado, graças à reabsorção tubular, muitas substâncias depois de filtradas voltam ao sangue que percorre os capilares peritubulares entrando na circulação sistêmica pela veia renal que sai do órgão. 170 Unidade III A reabsorção e a secreção dos vários solutos por meio do epitélio renal são feitas por mecanismos específicos, passivos ou ativos, localizados nas membranas da célula tubular. Todos os sistemas de transporte são interdependentes. Por exemplo, um mecanismo importante como a reabsorção de Na+, que utiliza uma fração significativa de energia, exerce uma grande influência no gradiente eletroquímico através do epitélio tubular, o que acaba afetando o transporte dos demais solutos pela parede tubular. Além disso, a reabsorção de sódio e cloreto, os mais abundantes solutos existentes no filtrado glomerular, estabelece gradientes osmóticos através do epitélio tubular que permitem a reabsorção passiva de água. Ela passa do interstício para a circulação peritubular por meio de um balanço entre as pressões oncótica (exercida pelas proteínas plasmáticas) e hidrostática (existentes no interior dos capilares peritubulares). A reabsorção de água aumenta a concentração dos solutos dentro do túbulo; portanto a reabsorção de água modifica o gradiente químico que medeia o transporte passivo de determinados solutos por meio do epitélio, como no caso da ureia (AIRES, 2012). Quantitativamente, a reabsorção de NaCl e água representa a principal função dos néfrons. Aproximadamente 25.000 mEq/dia de Na+ e 179 L/dia de água são reabsorvidos nos túbulos renais. Além disso, o transporte renal de muitos outros solutos importantes está ligado direta ou indiretamente à reabsorção de Na+ (KOEPPEN; STANTON, 2009). 7.4 Túbulo proximal O túbulo proximal reabsorve em termos aproximados 67% da água filtrada, Na+, Cl−, K+, e outros solutos. Além disso, o túbulo proximal reabsorve quase toda a glicose e aminoácidos, filtrados pelo glomérulo. O elemento‑chave na reabsorção no túbulo proximal é a Na+/K+‑ATPase (bomba de sódio e potássio) na membrana basolateral (membrana em contato com os capilares) que transporta ativamente três íons sódio para fora da célula e dois íons potássio para dentro dela. O Na+ é reabsorvido por diferentes mecanismos na primeira e na segunda metade do túbulo proximal. Na primeira metade, o Na+ é reabsorvido, principalmente, com bicarbonato e diversos outros solutos (glicose, aminoácidos, fósforo e lactato). Em contrapartida, na segunda metade, o Na+ é reabsorvido, em sua maior parte, com Cl. Tal disparidade é mediada pelas diferenças nos sistemas de transporte, na primeira e na segunda metade do túbulo proximal, e nas diferenças da composição do fluido tubular nessas regiões (KOEPPEN; STANTON, 2009). Qualquer Na+ que entre na célula por meio da membrana apical (a que está em contato com os túbulos) deixa a célula e entra no sangue via Na+/K+‑ATPase. Resumidamente, a reabsorção de Na+ na primeira parte do túbulo proximal é acoplada à do bicarbonato e a diversas moléculas orgânicas. A reabsorção de muitas moléculas orgânicas é tão ávida que elas são quase completamente removidas do fluido tubular na primeira metade do túbulo proximal. A reabsorção de bicarbonato de sódio e do sódio com solutos orgânicos estabelece um gradiente osmótico transtubular (onde a osmolaridade do fluido intersticial que banha o lado basolateral das células é mais alto que a osmolaridade do fluido tubular), o que gera a força que impulsiona a reabsorção passiva de água por osmose. Como mais água do que Cl− é reabsorvido na primeira metade do túbulo proximal, a concentração de Cl− no fluido tubular aumenta ao longo do comprimento no túbulo proximal. 171 ANATOMOFISIOLOGIA Na segunda metade do túbulo, o Na+ é reabsorvido em sua maior parte com Cl− pelas vias transcelular (através das células) e paracelular (entre as células). O Na+ é, em sua maioria, reabsorvido com Cl−, em vez de ser reabsorvido com os solutos orgânicos ou bicarbonato (como ânion) que o acompanha, porque os mecanismos de transporte de Na+ na segunda metade diferem dos da primeira (KOEPPEN; STANTON, 2009). O túbulo proximal reabsorve 67% de água filtrada. A força propulsora para a reabsorção de água é o gradiente osmótico transtubular estabelecido pela reabsorção de solutos (NaCl, glicose‑Na+). A reabsorção de Na+ com os solutos orgânicos, bicarbonato e Cl− do fluido tubular no espaço lateral intercelular reduz a osmolaridade do fluido tubular e aumenta a osmolaridade do espaço intercelular lateral. Como as membranas apical e basolateral das células do túbulo proximal expressam canais de água (aquaporinas), a água é principalmente reabsorvida através das células do túbulo proximal. Uma pequena porcentagem de água também é reabsorvida através das junções fechadas (via paracelular). O acúmulo de fluidos e de solutos no espaço intercelular lateral aumenta a pressão hidrostática nesse compartimento. A pressão hidrostática aumentada força o fluido e os solutos para os capilares. Assim, a reabsorção de água segue a reabsorção de solutos no túbulo proximal. Observação O nome da doença diabetes melito deve‑se à presença de açúcar na urina (de mellitus, em latim, que significa mel), pela saturação do transporte renal glicose‑Na+, em decorrência da hiperglicemia. As poucas proteínas filtradas pelo glomérulo são reabsorvidas no túbulo proximal. Os hormônios peptídicos, pequenas proteínas e pequenas quantidades de proteínas grandes, como a albumina, são filtrados pelo glomérulo. Assim, apenas uma pequena porcentagem de proteínas passa pelo glomérulo e entram no espaço de Bowman. Entretanto a quantidade de proteína filtrada por dia é significativa, porque a IFG é alta (KOEPPEN; STANTON, 2009). As proteínas entram nas células por endocitose intactas ou são parcialmente degradadas pelas enzimas na superfície de células do túbulo proximal. Uma vez que proteínas e peptídeos estão na célula, as enzimas as digerem nos aminoácidos constituintes, que, então, deixam a célula, por meio da membrana basolateral pelas proteínas de transporte, e são devolvidas para o sangue. Normalmente, esse mecanismo reabsorve quase todas as proteínas filtradas, e, assim, a urina fica livre de proteínas. Entretanto, como esse mecanismo é facilmente saturado, o aumento das proteínas filtradas causa proteinúria (presença de proteínas na urina). A ruptura da barreira de filtração glomerular às proteínas aumenta a filtração de proteínas e resulta em proteinúria, um quadro visto com frequência nas doenças do rim. As células do túbulo proximal também secretam cátionse ânions orgânicos. A secreção de cátions e ânions orgânicos pelo túbulo proximal desempenha um papel‑chave na limitação do corpo aos compostos tóxicos derivados de reservas endógenas e exógenas (isto é, xenobióticos). Muitos dos ânions e cátions 172 Unidade III secretados pelo túbulo proximal são os produtos finais do metabolismo, que circulam no plasma. O túbulo proximal também secreta numerosos compostos orgânicos exógenos, incluindo numerosos fármacos e compostos tóxicos. Muitos desses compostos orgânicos podem ligar‑se às proteínas plasmáticas, e não são prontamente filtrados. Portanto apenas uma pequena proporção dessas substâncias potencialmente tóxicas são eliminadas do corpo via excreção após apenas sua filtração. Tais substâncias são também secretadas dos capilares peritubulares para o fluido tubular. Esses mecanismos secretórios são muito potentes e removem quase todos os ânions e cátions orgânicos do plasma que entram nos rins. Assim, essas substâncias são removidas do plasma por filtração e secreção (KOEPPEN; STANTON, 2009). 7.5 Alça de Henle A alça de Henle reabsorve aproximadamente 25% do NaCl filtrado e 15% da água filtrada. A reabsorção de NaCl, na alça de Henle, ocorre em ambos os segmentos ascendente fino e ascendente grosso. O ramo descendente fino não reabsorve NaCl. A reabsorção de água ocorre exclusivamente no ramo descendente fino via aquaporinas. O ramo ascendente é impermeável à água. Além disso, Ca2+ e o bicarbonato são também reabsorvidos na alça de Henle. O segmento ascendente fino reabsorve NaCl por um mecanismo passivo. A reabsorção de água, mas não de NaCl no ramo descendente fino, aumenta a NaCl no fluido tubular que entra pelo ramo ascendente fino. Como o fluido rico em NaCl move‑se em direção ao córtex, o NaCl difunde‑se para fora do fluido tubular, por meio do ramo ascendente fino, para o fluido intersticial medular, ao longo do gradiente de concentração, dirigido do fluido tubular para o interstício. O elemento‑chave para a reabsorção de soluto pelo segmento ascendente espesso é a Na+/ K+‑ATPase na membrana basolateral. Como ocorre com a reabsorção no túbulo proximal, a reabsorção de cada soluto pelo ramo ascendente espesso é ligado à Na+/K+‑ATPase. Essa bomba mantém baixa a concentração de Na+ intracelular, o que gera um gradiente químico favorável para o movimento de Na+ do fluido tubular para a célula. O movimento de Na+ através da membrana apical à célula é mediado pelo simporte 1Na+‑1K+‑2Cl− (NKCC2) que acopla o movimento de um Na+ ao de um K+ e dois Cl−. Usando a energia liberada pelo movimento descendente de Na+ e Cl−, esse simporte direciona o movimento K+ para o interior da célula. O canal de K+ na membrana plasmática apical desempenha um papel importante na reabsorção de NaCl pelo ramo ascendente espesso. Esse canal de K+ permite que o K+ seja transportado para a célula via NKCC2 para reciclá‑lo de volta no fluido tubular. Como a concentração de K+ no fluido tubular é relativamente baixa, esse K+ é necessário para a operação contínua do NKCC2. Um antiporte de Na+‑K+ (saída de Na+ e entrada de K+ na célula) na membrana apical da célula também medeia a reabsorção de Na+, assim como a secreção H+ (por meio da reabsorção de bicarbonato) no segmento ascendente espesso. O Na+ deixa a célula por meio da membrana basolateral via Na+/ K+‑ATPase, enquanto o K+, Cl− e o bicarbonato deixam a célula pela membrana basolateral, por vias distintas (KOEPPEN; STANTON, 2009). A voltagem no decorrer do ramo ascendente espesso é importante para a reabsorção de diversos cátions. O fluido tubular tem carga positiva, em relação ao sangue, devido à localização única das proteínas de transporte, nas membranas apical e basolateral. Dois pontos são importantes: 173 ANATOMOFISIOLOGIA • o transporte aumentado de NaCl pelo ramo ascendente espesso aumenta a amplitude da voltagem positiva no lúmen; • essa voltagem é uma força impulsionadora importante para a reabsorção de diversos cátions, incluindo Na+, K+, Mg2+ e Ca2+, pela via paracelular (KOEPPEN; STANTON, 2009). A osmolaridade fisiológica no fluido tubular é de 300 mOsm/kg de água. Dependendo do segmento do néfron, essa osmolaridade pode ser aumentada (hipertonicidade) ou diminuída (hipotonicidade). E a reabsorção de NaCl no ramo ascendente espesso ocorre pelas vias transcelular e paracelular. Cinquenta por cento da reabsorção de NaCl é transcelular, e 50% é paracelular. Como o segmento ascendente espesso não reabsorve água, a reabsorção de NaCl e de outros solutos reduz a osmolaridade do fluido tubular para menos de 150 mOsm/kg de água. Assim, como o ramo ascendente espesso produz um fluido que é diluído em relação ao plasma, o segmento ascendente da alça de Henle é chamado segmento diluidor. Resumidamente, as características funcionais específicas de cada ramo da alça de Henle são: • o ramo descendente fino: — é altamente permeável à água, que é reabsorvida passivamente a favor do gradiente osmótico existente entre o fluido tubular e o interstício hipertônico que o envolve; — por estar envolto em um interstício hipertônico e por ter uma alta permeabilidade a sais e ureia, a concentração do fluido no lúmen aumenta em direção às papilas, tanto por saída de água como por entrada passiva de solutos. • os ramos ascendentes fino e grosso: — têm baixa permeabilidade à água; — possuem alta reabsorção de sais gerada pela alta atividade da Na+/K+‑ATPase; — o fluido no interior desses ramos é diluído à medida que sobe para a região cortical, daí serem chamados segmentos diluidores (AIRES, 2012). 7.6 Túbulo distal e túbulo coletor O túbulo distal e o túbulo coletor reabsorvem cerca de 8% do NaCl filtrado, secretam quantidades variáveis de K+ e H+ e reabsorvem quantidades variáveis de água (8‑17%). O segmento inicial do túbulo distal (começo do túbulo distal) reabsorve Na+, Cl− e Ca2+ e é impermeável à água. A entrada de NaCl na célula por meio da membrana apical é mediada por um simporte de Na+‑Cl−. O Na+ deixa a célula via ação da Na+/K+‑ATPase, e o Cl− deixa a célula via difusão pelos canais de Cl−. Assim, a diluição do fluido tubular começa no segmento ascendente espesso da alça de Henle e continua no segmento inicial do túbulo distal. 174 Unidade III O último segmento do túbulo distal e do ducto coletor são compostos de dois tipos de células: as principais e as intercaladas. As células principais reabsorvem NaCl e água e secretam K+. As células intercaladas secretam H+ ou bicarbonato e são, assim, importantes na regulação do balanço ácido‑base. Células intercaladas também reabsorvem K+ pela H+‑K+‑ATPase, localizada na membrana apical. A reabsorção de Na+ e a secreção de K+ pelas células principais dependem da atividade da Na+/K+‑ATPase na membrana basolateral. Pela manutenção de baixa concentração de Na+ intracelular, essa bomba gera um gradiente químico favorável para o movimento de Na+ do fluido tubular para a célula. Como o Na+ entra na célula através da membrana apical via difusão pelos canais seletivos ao Na+ nas células epiteliais (ENaCs), na membrana apical, a carga negativa dentro da célula facilita a entrada de Na+. O Na+ deixa a célula por meio da membrana basolateral e entra no sangue via ação da Na+/K+‑ATPase. A reabsorção de Na+ gera voltagem negativa no lúmen no final do túbulo distal e do ducto coletor, que gera uma força propulsora para a reabsorção de Cl− pela via paracelular. Quantidade variável de água é reabsorvida pelas células principais no final do túbulo distal e do ducto coletor. A reabsorção de água é mediada por aquaporinas (diferentes daquelas que agem na alça de Henle), localizadas na membrana plasmática apical e pelos canais aquaporinas localizadas na membrana basolateral das células principais. Na presença do hormônio antidiurético (ADH), a água é reabsorvida. Em contrapartida, na ausência do hormônio ADH, o túbulo distal e o ducto coletor reabsorvem pouca água (KOEPPEN; STANTON, 2009). O K+ é secretadodo sangue para o fluido tubular pelas células principais, em duas etapas: • a captação de K+ por meio da membrana basolateral é mediada pela ação da Na+/K+‑ATPase; • o K+ deixa a célula via difusão passiva. Como a concentração de K+ no interior das células é alta (150 mEq/L) e no fluido tubular é baixa (10 mEq/L), o K+ difunde‑se, diminuindo seu gradiente de concentração, por meio dos canais de K+, na membrana apical das células, para o fluido tubular. Embora o potencial negativo nas células tenda a reter o K+ na célula, o gradiente eletroquímico, por meio da membrana apical, favorece a secreção de K+ da célula para o fluido tubular. A reabsorção de K+ pelas células intercaladas é mediada por H+‑K+‑ATPase, localizadas na membrana apical da célula (KOEPPEN; STANTON, 2009). 7.7 Regulação da reabsorção de NaCl e água Existem vários hormônios que regulam a reabsorção de NaCl e, portanto, a excreção urinária de NaCl. Entre eles, estão: a angiotensina II, a aldosterona, as catecolaminas e os peptídeos natriuréticos. Outros mecanismos que participam da reabsorção e excreção do NaCl são as forças de Starling e o fenômeno do balanço glomérulo‑tubular. O ADH é o único hormônio que regula diretamente a quantidade de água excretada pelos rins. A angiotensina II é um hormônio que age como um potente estimulador da reabsorção de NaCl e água no túbulo proximal. Ele também é encarregado de estimular a reabsorção de Na+ no ramo ascendente fino da alça de Henle, assim como no túbulo distal e no ducto coletor. A diminuição do volume do fluido extracelular (LEC) ativa o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, aumentando a concentração plasmática de angiotensina II. 175 ANATOMOFISIOLOGIA A aldosterona é sintetizada pelas células da camada glomerulosa do córtex da suprarrenal e estimula a reabsorção de NaCl. Atua sobre o ramo ascendente espesso da alça de Henle, o túbulo distal e o ducto coletor. A maioria de seus efeitos sobre a reabsorção de NaCl reflete sua ação sobre o túbulo distal e o ducto coletor. A aldosterona também estimula a secreção de K+ pelo túbulo distal e ducto coletor e aumenta a quantidade de transportadores simporte Na+‑Cl− no começo do túbulo distal. Ela aumenta a reabsorção de NaCl pelas células principais, no túbulo distal e no ducto coletor por quatro mecanismos: • aumento da quantidade de Na+/K+‑ATPase na membrana basolateral; • aumento da expressão dos canais de Na+ (ENaC) na membrana apical da célula; • aumento indireto da expressão de ENaCs na membrana apical da célula através de uma enzima estimuladora de glicocorticoides no soro; • expressão de serina protease que também ativa ENaCs por proteólise. Esses mecanismos aumentam a captação de Na+ pela membrana apical da célula e facilita a saída de Na+ da célula para o sangue. O aumento da reabsorção de Na+ gera voltagem negativa no lúmen do túbulo distal e ducto coletor. Essa voltagem negativa do lúmen origina a força propulsora eletroquímica para a reabsorção de Cl− por meio das vias paracelulares no túbulo distal e no ducto coletor. A secreção de aldosterona é aumentada pela hipercalemia (aumento da concentração de K+) e pela angiotensina II (após ativação do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona). Pela sua estimulação da reabsorção de NaCl no ducto coletor, a aldosterona também aumenta indiretamente a reabsorção de água nesse segmento do néfron (KOEPPEN; STANTON, 2009). 7.8 Regulação de volume e osmolaridade pelo rim O íon sódio é o principal cátion do meio extracelular e ele exerce pressão osmótica efetiva, estando diretamente relacionado ao volume desse compartimento. Como o controle do balanço corporal de sódio é fundamental para a manutenção do volume do LEC, ele também é importante para o controle da pressão arterial. O organismo possui diferentes receptores para a detecção de alterações da volemia. Eles são: • receptores de volume localizados nas paredes das grandes veias; • receptores de pressão localizados nas paredes das grandes artérias; • receptores de pressão intrarrenais, localizados nas arteríolas aferentes, junto ao aparelho justaglomerular, que detectam alterações na perfusão sanguínea renal. 176 Unidade III Em situações de hipovolemia e queda da pressão arterial, ocorre o estímulo para a liberação de renina na circulação, ativando a cascata do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, o que aumenta a pressão arterial tanto pela intensa vasoconstrição sistêmica que provoca como pelo aumento da reabsorção renal de sódio e consequente elevação do LEC. Em situações de hipervolemia, a liberação de renina é inibida (CURI; PROCOPIO, 2009). Quando aumenta a pressão arterial, também aumenta o volume urinário excretado. Os processos de natriurese (excreção de sódio) e diurese (excreção de água) ocorrem em paralelo. Frente às alterações do LEC, em resposta aos sinais dos receptores descritos, são ativados diferentes sistemas efetores que podem causar aumento da volemia (mecanismos antinatriuréticos) ou a sua diminuição (mecanismos natriuréticos). O sistema renina‑angiotensina‑aldosterona é ativado a partir da liberação de renina pelas células do aparelho justaglomerular. Os principais estímulos para a liberação de renina são: hipoperfusão (diminuição do volume de sangue) ou isquemia (diminuição da quantidade de oxigênio) renal; estimulação adrenérgica (pela ativação do sistema simpático) e diminuição da concentração de NaCl no lúmen do túbulo distal reto percebida pelas células da mácula densa (mecanismo de autorregulação renal ou balanço tubuloglomerular). Na circulação, a renina cliva o angiotensinogênio (peptídeo produzido no fígado), dando origem à angiotensina I. A angiotensina I, pela ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), é clivada, originando a angiotensina II, que age nos seus receptores e provoca: • vasoconstrição arterial sistêmica; • vasoconstrição arterial renal; • aumento da reabsorção renal de sódio. Isso pode ocorrer diretamente, por aumento na reabsorção tubular de sódio no túbulo proximal, ou indiretamente, por estímulo da síntese e secreção de aldosterona, que promove a reabsorção distal de sódio; • indução da proliferação celular, por exemplo, dos fibroblastos. Esse efeito de substituição do tecido normal por fibroblastos prejudica o funcionamento de diversos tecidos, contribuindo para o estabelecimento de doenças (como as glomerulonefrites) (CURI; PROCOPIO, 2009). O hormônio antidiurético (ADH) ou arginina‑vasopressina está primariamente relacionado à regulação da osmolaridade do LEC, atuando nos mecanismos de concentração e diluição da urina. Nas situações de grande hipovolemia, pela ação da angiotensina II no SNC, ocorre estimulação não osmótica para a liberação de ADH. Esse hormônio atua em seus receptores, levando à vasoconstrição arterial sistêmica, diminuindo o ritmo de filtração glomerular e aumentando a reabsorção renal de água. 177 ANATOMOFISIOLOGIA Observação O álcool age inibindo a secreção de ADH, levando à diminuição da reabsorção de água (aumento da diurese) e à formação de uma urina mais diluída. A endotelina, o tromboxano A2 e a adenosina são substâncias produzidas nos rins que atuam nas células vizinhas ou na própria célula. Seus efeitos antinatriuréticos podem ser mediados por vasoconstrição ou por ação tubular direta, modulando a atividade de transportadores iônicos (CURI; PROCOPIO, 2009). O peptídeo natriurético atrial (ANP) é o mais importante. É sintetizado nos miócitos cardíacos e secretado em resposta ao estiramento do átrio decorrente do aumento do retorno venoso, que pode estar associado ao aumento da volemia. Hormônios como ADH, glicocorticoides e adrenalina também estimulam a secreção de ANP. Seus principais efeitos são: • aumento da natriurese/diurese por vasodilatação da arteríola aferente, levando ao aumento do ritmo de filtração glomerular, além da diminuição da hipertonicidade medular por vasodilatação dos vasos retos; • inibição do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona,do ADH e da endotelina, antagonizando seus efeitos antinatriuréticos; • vasodilatação sistêmica, favorecendo a hipotensão arterial e aumentando a permeabilidade vascular, o que leva à formação de edema (CURI; PROCOPIO, 2009). As prostaglandinas e o óxido nítrico são moléculas produzidas localmente com ação natriurética por relaxamento das células mesangiais, vasodilatação dos vasos retos, levando à diluição do interstício medular com perda da hipertonicidade, e diminuição da reabsorção de sódio por meio da modulação dos transportadores. Em situações em que o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona está ativado, causando intensa vasoconstrição sistêmica, as prostaglandinas são essenciais para manter a adequada irrigação sanguínea renal, agindo localmente no rim, garantindo a função desse órgão (CURI; PROCOPIO, 2009). Lembrete Quando aumenta a pressão arterial, também aumenta o volume urinário excretado. Os processos de natriurese (excreção de sódio) e diurese (excreção de água) ocorrem em paralelo. A formação de urina concentrada ou diluída depende dos segmentos distais do néfron, pois a reabsorção proximal de água é isosmótica. O plasma é ultrafiltrado no glomérulo aproximadamente 178 Unidade III a 300 mOsm/kg. No final do túbulo proximal, o fluido tubular mantém a mesma osmolaridade, em decorrência da reabsorção isosmótica de água, o que ocorre graças à presença de aquaporinas na membrana luminal dessas células. Na porção descendente da alça de Henle, altamente permeável à água, pela presença das mesmas aquaporinas, o fluido tubular vai se concentrando em equilíbrio com o meio hipertônico do interstício medular até alcançar seu valor máximo na dobradura da alça. No ramo fino ascendente e no túbulo distal reto, todavia, a membrana luminal é impermeável à água, onde não tem aquaporinas. Por causa disso, a reabsorção dos solutos nessa região faz com que o fluido tubular seja progressivamente diluído até alcançar 50‑100 mOsm/kg no final do túbulo distal reto. Por essa razão, são denominados segmentos diluidores do néfron. Se não houver reabsorção de água no túbulo coletor, a urina terá a mesma osmolaridade final em torno dos 50‑100 mOsm/kg, ou seja, hipotônica em relação ao plasma. Para a urina ser concentrada, a água deverá ser reabsorvida no túbulo coletor, e para isso é necessário tanto a hipertonicidade do meio intersticial como o túbulo cortical ser permeável à água. Nessas condições, a osmolaridade urinária pode atingir seus valores máximos, em torno de 1.200 mOsm/kg, ou seja, hipertônica ao plasma. A formação de um meio hipertônico na medula renal em decorrência da reabsorção de solutos que ocorre nos segmentos diluidores é fundamental para a reabsorção passiva de água no túbulo coletor. Esse segmento do néfron pode ser impermeável ou permeável à água, o que depende da inserção de aquaporinas nas membranas luminais, por meio da ação do hormônio antidiurético (ADH). Quando isso ocorre, a água é reabsorvida osmoticamente da luz tubular para o interstício hipertônico, retornando daí à circulação sistêmica pelos vasos retos. Lembrete A osmolaridade fisiológica no fluido tubular é de 300 mOsm/kg de água. Dependendo do segmento do néfron, essa osmolaridade pode ser aumentada (hipertonicidade) ou diminuída (hipotonicidade). Esse sistema é conhecido como sistema contracorrente multiplicador da alça de Henle. Tal modelo é baseado no fato da estrutura da alça proporcionar a possibilidade de o fluido tubular percorrer a segunda parte desse caminho em sentido oposto ao primeiro: a urina se concentraria no ramo descendente (permeável à água e impermeável aos solutos) e se diluiria no ramo ascendente (impermeável à água e permeável aos solutos). Esse modelo leva em consideração dois gradientes osmóticos: um gradiente vertical de osmolaridade observado no eixo córtico‑medular e um gradiente horizontal entre o ramo ascendente da alça de Henle e o interstício (CURI; PROCOPIO, 2009). A ureia concentra‑se na luz do túbulo coletor cortical graças à reabsorção de água pelas aquaporinas sujeitas à ação do ADH. Uma vez concentrada no túbulo coletor, ao atingir as regiões medular interna e papilar, pode ser reabsorvida para o interstício a favor de gradiente de concentração. Assim, estando concentrada no interstício medular, a ureia é secretada no ramo fino ascendente da alça de Henle. À medida que o sódio vai sendo reabsorvido ao longo da alça de Henle, a ureia vai tornando‑se um osmólito importante na luz tubular. Portanto a recirculação de ureia não só contribui com a 179 ANATOMOFISIOLOGIA geração de hipertonicidade medular por meio de seu transporte passivo, como permite uma maior reabsorção de sódio, também passivamente, a favor do seu gradiente de concentração, no ramo fino ascendente da alça de Henle, o que contribui igualmente para a formação da hipertonicidade medular. Esses mecanismos multiplicadores são diretamente dependentes do efeito unitário, derivado da reabsorção de NaCl, por meio do epitélio do túbulo distal reto, impermeável à água, pela associação do transportador na membrana luminal, à Na+/K+‑ATPase na membrana basolateral. A concentração de NaCl no fluido tubular no ramo fino ascendente da alça seria maior que no interstício, devido à absorção de água verificada ao longo do ramo fino descendente pela hipertonicidade do interstício. Isso é possível devido à alta permeabilidade à água desse epitélio, pela presença de aquaporinas na membrana luminal, associada à baixa permeabilidade à ureia. Por outro lado, a concentração de ureia seria maior no interstício do que no fluido tubular no interior do ramo ascendente fino da alça de Henle. Essa maior concentração de ureia deve‑se à sua recirculação. Assim, ocorre reabsorção passiva de NaCl para o interstício e secreção de ureia na luz tubular. Os vasos retos possuem papel importante na manutenção da hipertonicidade medular. Além do baixo fluxo sanguíneo direcionado à medula (menos de 10% do fluxo total), sua organização em ramos descendente e ascendente, semelhante à alça de Henle, também funciona como um sistema de contracorrente. Esse sistema denominado contracorrente permutador funciona da seguinte maneira: o sangue no ramo descendente perde água para o interstício hipertônico (por meio das aquaporinas) e ganha solutos, aumentando progressivamente a concentração de solutos no plasma, equilibrando‑se com o interstício. Então, no ramo ascendente, ocorre o inverso, com entrada de água no vaso e saída de solutos para o interstício. Como a entrada de água no ramo ascendente é maior que a saída no ramo descendente, a resultante do processo é a remoção de água e solutos para a circulação sistêmica, com manutenção do interstício hipertônico (CURI; PROCOPIO, 2009). Em resumo, ao longo do néfron, uma série de forças atua no sentido de modificar a concentração das substâncias presentes no filtrado glomerular, variando a quantidade de solutos que são excretados na urina final. A reabsorção de água tende a aumentar a concentração de todos os solutos do fluido tubular, havendo alguns cuja concentração intratubular varia apenas em função desse processo, não sendo reabsorvidos nem secretados. Nesse caso, a quantidade de soluto filtrado é igual à excretada na urina final. Entretanto, a maioria dos solutos encontrados no filtrado é reabsorvida ao longo do túbulo e volta ao sangue, sendo sua quantidade filtrada maior que a excretada, porém sua concentração na urina final pode ser maior ou menor que a encontrada no filtrado glomerular, dependendo da quantidade de água que for reabsorvida nos túbulos. Poucos solutos, como o potássio e o ácido úrico, além de serem filtrados, são reabsorvidos e secretados pelo epitélio tubular; dessa forma, suas quantidades excretadas apresentam grandes variações. A composição da urina difere da do fluido extracelular em vários aspectos. Enquanto 95% dos solutos do fluido extracelular são constituídos por íons, a urina tem altas concentraçõesde moléculas sem carga, principalmente ureia. Um indivíduo normal excreta mais sódio na urina quando sua dieta salina é elevada do que quando é baixa; porém, em ambas as situações, o equilíbrio entre ingestão e excreção de sódio é mantido. Similarmente, o volume urinário é maior em condições de sobrecarga de 180 Unidade III água em comparação com o quadro de restrição hídrica. Essas relações indicam que não existem valores normais absolutos para a excreção urinária de água e solutos, havendo uma gama de variações que reflete a ingestão diária (AIRES, 2012). Saiba mais A doença renal crônica é considerada um problema de saúde pública em todo o mundo. Leia sobre o assunto em: BASTOS, M. G.; BREGMAN, R.; KIRSZTAJN, G. M. Doença renal crônica: frequente e grave, mas também prevenível e tratável. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 56, n. 2, p. 248‑253, 2010. Disponível em: https://bit.ly/3BrF1zq. Acesso em: 29 jul. 2022. 8 SISTEMA ENDÓCRINO O sistema endócrino, assim como o nervoso, ajusta e integra as atividades dos vários sistemas corporais, tornando‑as apropriadas às demandas relativas aos ambientes externo e interno. O sistema endócrino atua por meio de sinais químicos que são secretados na corrente sanguínea por glândulas que não possuem ductos. Essas moléculas sinalizadoras são denominadas hormônios e regulam diversos processos metabólicos. Um hormônio, produzido por uma célula secretora e liberado na corrente sanguínea, age em uma célula‑alvo, que é capaz de reconhecer tal hormônio e alterar funções em resposta a esse hormônio. Uma célula‑alvo é capaz de reconhecer um hormônio a partir do momento em que expressa um receptor específico para esse hormônio. O receptor hormonal é fundamental para que haja uma resposta endócrina (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006). Um hormônio pode agir em uma célula‑alvo que está distante do seu local de produção; nesse caso, ele chega através do sangue. Esse sistema de ação hormonal é denominado endócrino. No sistema de ação parácrino, o hormônio difunde‑se no interstício agindo em células‑alvo vizinhas da célula secretora e, no sistema de ação autócrino, o hormônio, uma vez secretado, volta a agir na própria célula secretora (CURI; PROCOPIO, 2009). 8.1 Classificação dos hormônios Os hormônios podem ser classificados de acordo com a sua natureza química. Dependendo da composição química de um hormônio, ele pode ser classificado como hidrossolúvel ou lipossolúvel. Os hormônios hidrossolúveis são hidrofílicos, ou seja, possuem afinidade por moléculas polares, como a água; já os hormônios lipossolúveis são lipofílicos e possuem afinidade por moléculas apolares, como os lipídios presentes na membrana plasmática das células. A membrana plasmática representa uma barreira à passagem de moléculas hidrofílicas e, opostamente, moléculas que são lipofílicas solubilizam‑se na membrana plasmática, podendo 181 ANATOMOFISIOLOGIA atravessá‑la facilmente. Compreende‑se então que, dependendo da composição química de um hormônio, ele pode ser hidrossolúvel ou lipossolúvel e, consequentemente, o mecanismo de ação nas células‑alvo decorrerá dessa propriedade (CURI; PROCOPIO, 2009). Os hormônios hidrossolúveis, os mais abundantes, são proteicos ou peptídicos. Variam desde um único aminoácido modificado, passando por peptídeos simples até grandes proteínas, que podem formar cadeias de proteínas glicosiladas (possuem um radical açúcar ligado a um aminoácido) ou fosforiladas (possuem um grupo fosfato ligado a um aminoácido). Os menores hormônios hidrossolúveis são os aminoácidos modificados, por exemplo: a tirosina dá origem à adrenalina e à noradrenalina; a histidina dá origem à histamina; e o triptofano origina a serotonina. A síntese desses hormônios depende da disponibilidade intracelular do aminoácido precursor e da atividade das enzimas que são responsáveis pelo processo de modificação dos aminoácidos. Os demais hormônios, peptídicos e proteicos, são expressos por genes específicos e envolvem os mecanismos básicos de síntese proteica (transcrição gênica e tradução). Devido à característica polar dos hormônios hidrossolúveis, eles solubilizam‑se facilmente no interstício e no sangue, de forma que podem circular livres. Entretanto, algumas exceções são encontradas, como o hormônio do crescimento que circula ligado a uma proteína carregadora. A ligação de um hormônio a uma proteína circulante tem ao menos duas vantagens, além de propiciar o transporte até a célula‑alvo. • garante um reservatório hormonal circulante, minimizando flutuações nas concentrações plasmáticas do hormônio; • prolonga a meia‑vida de um hormônio na circulação (CURI; PROCOPIO, 2009). Observação Meia‑vida de uma molécula é definida como o tempo necessário para que sua concentração ou atividade seja reduzida à metade. O hormônio hidrossolúvel não entra na célula‑alvo, ele liga‑se a receptores que estão presentes na membrana plasmática da célula‑alvo. O fator determinante para que um tecido responda a um dado hormônio é a presença de um receptor e da maquinaria pós‑receptor na célula. Cada receptor reconhece um hormônio de forma específica e de alta afinidade, e transforma essa ligação (hormônio‑receptor) em um sistema de transdução específico que gera um efeito final (CURI; PROCOPIO, 2009). Alguns ligantes, quando interagem com seus receptores de membrana, podem causar alteração na condutância de canais iônicos. Porém, muitos outros ligantes, quando interagem com seus receptores, ativam mecanismos que envolvem mensageiros químicos intracelulares, que desencadeiam alterações da função celular. Os ligantes extracelulares (no caso, o hormônio hidrossolúvel) são denominados primeiros mensageiros, e os mediadores intracelulares são conhecidos como segundos mensageiros (GANONG, 2006). 182 Unidade III Os segundos mensageiros desencadeiam muitas alterações de curta duração na função celular; por exemplo, alteram a função enzimática, promovem a exocitose e, principalmente, alteram a transcrição de vários genes. Os segundos mensageiros exercem esses efeitos, em parte, ao ativar fatores de transcrição que já estão presentes na célula, e esses fatores ativados induzem à transcrição de outros genes, que, por sua vez, podem ativar outros genes, que causam efeitos mais prolongados (GANONG, 2006). Os hormônios lipossolúveis são sintetizados a partir de uma molécula precursora lipídica. A grande maioria desses hormônios deriva do éster de colesterol, e por isso são chamados de hormônios esteroides. Para que ocorra a síntese desse tipo de hormônio, é necessário que a célula secretora tenha um aporte do precursor lipídico e tenha, também, as enzimas específicas que metabolizam a molécula lipídica precursora até chegar à forma ativa. Por meio de conversões enzimáticas, vários metabólitos vão sendo gerados a partir do precursor, cada um deles com atividade biológica variável tanto na sua intensidade quanto no tipo de ação. Os hormônios esteroides podem ser gerados tanto no córtex da glândula adrenal quanto nas gônadas. O tipo de hormônio a ser sintetizado em cada território depende da presença de enzimas específicas na célula. Embora bioquimicamente esses hormônios sejam bastante parecidos, a atividade biológica é bastante diversa, incluindo‑se desde ações no metabolismo do carboidrato (glicocorticoides) e no balanço hidroeletrolítico (mineralocorticoides) até ações nas funções reprodutivas feminina (estrógenos) e masculina (andrógenos). Diferentemente dos hormônios hidrossolúveis, os lipossolúveis não são armazenados em grânulos; eles são secretados por difusão simples através da membrana plasmática à medida que vão sendo sintetizados. Dessa maneira, não há estoque na célula secretora, e a secreção hormonal é regulada diretamente pela maior ou menor atividade da enzima‑chave do processo de síntese hormonal (CURI; PROCOPIO, 2009). Por sua característica hidrofóbica, os hormônios lipossolúveis encontram dificuldadespara se deslocar no interstício e no meio sanguíneo, por isso, é fundamental que esses hormônios se liguem a proteínas (estas hidrossolúveis) que, englobando a molécula lipídica, confiram solubilidade ao meio aquoso, permitindo o deslocamento desses hormônios pelo plasma. Existem várias proteínas, em geral de formato globular e, portanto, chamadas de globulinas, que são ligantes específicos de vários hormônios lipossolúveis. Além disso, a albumina, proteína encontrada em maior quantidade no plasma sanguíneo, também é um ligante importante de hormônios lipossolúveis. Assim, hormônios esteroides circulam ligados a proteínas carregadoras. Em geral, 1% ou menos do hormônio total presente no plasma está na forma livre e, portanto, biologicamente ativo. Essa característica é extremamente importante, pois o efeito biológico dos hormônios lipossolúveis depende da quantidade de hormônio livre. Por sua solubilidade em lipídios, os hormônios esteroides conseguem atravessar diretamente a membrana plasmática das células. Quando livres, imediatamente se difundem pelo meio intracelular e vão agir em seus receptores intracelulares de suas células‑alvo. A ação dos hormônios lipossolúveis é desencadeada a partir de sua ligação a receptores intracelulares, cujo complexo 183 ANATOMOFISIOLOGIA hormônio‑receptor termina por se ligar em sítios específicos da região promotora de genes‑alvo, atuando como fatores transcricionais. 8.2 Regulação da secreção hormonal A secreção hormonal é regulada por retroalimentação, ou seja, baseia‑se no equilíbrio entre estímulo e inibição da síntese e secreção do hormônio. Esse equilíbrio tem uma importante base funcional: o mecanismo de feedback (retroalimentação), que pode ser negativo, como ocorre na maioria dos sistemas hormonais, ou positivo. No feedback negativo (figura a seguir), quando a concentração do hormônio aumenta, são ativados mecanismos inibidores da sua produção, que atuam tanto na síntese quanto na secreção, fazendo com que a concentração do hormônio diminua. Nesse caso, a diminuição do hormônio tireoidiano na corrente sanguínea leva à estimulação de sua produção através do aumento de tirotrofina. E, uma vez que a concentração do hormônio diminuir, serão ativados mecanismos estimuladores da sua produção, fazendo com que a concentração do hormônio aumente. Dessa maneira, ao longo do tempo, a concentração do hormônio se mantém oscilando em torno de um valor constante. Já o feedback positivo é menos comum nos sistemas hormonais, e ocorre quando um determinado hormônio tem sua concentração aumentada e são ativados mecanismos que fazem com que sua síntese e secreção aumentem mais ainda; há um aumento de sua concentração plasmática por meio da inibição de sua produção através da diminuição de tirotrofina. Nesse sistema, um estímulo recebido é amplificado, por exemplo, e as alças de retroalimentação positiva controlam os processos que levam à ruptura de um folículo através da parede ovariana ou à expulsão do feto de dentro do útero (CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009). Lembrete Na retroalimentação (feedback) negativa, a diminuição do hormônio tireoidiano na corrente sanguínea leva à estimulação de sua produção através do aumento de tirotrofina; já o aumento de sua concentração plasmática, por meio da inibição de sua produção através da diminuição de tirotrofina. 184 Unidade III Es tim ul a In ib e Tiroxina Tirotrofina (baixo) (alto) Hipófise Tireoide Figura 76 – Exemplo de retroalimentação (feedback) negativa Acervo Unip/Objetivo. Além dos mecanismos de retroalimentação negativa e positiva, existem variações periódicas na liberação dos hormônios influenciadas por mudanças sazonais, pelos estágios de desenvolvimento, envelhecimento e pelo ciclo sono‑vigília. Um exemplo é a correlação do hormônio de crescimento, o GH, com os estágios do sono. No início do sono, há aumento da secreção desse hormônio, porém, nos estágios mais avançados, há diminuição. Muitas dessas mudanças cíclicas hormonais estão relacionadas às alterações da atividade de vias neurais envolvidas no controle da liberação de hormônios (CURI; PROCOPIO, 2009). 8.3 Sistema hipotálamo‑hipófise O hipotálamo, apesar de constituir menos de 1% do volume cerebral, é um centro de integração de funções que visa manter a homeostase do organismo animal. Não existe função no organismo que, direta ou indiretamente, não seja controlada pelo hipotálamo. O hipotálamo localiza‑se na porção terminal anterior do diencéfalo, que repousa abaixo do sulco hipotalâmico e à frente dos núcleos interpedunculares. Divide‑se em uma variedade de núcleos e áreas nucleares, e tem conexões com diversas estruturas, entre elas a hipófise (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006). Embriologicamente, a hipófise surge como uma evaginação do assoalho do terceiro ventrículo e localiza‑se no interior da sela túrcica, no osso esfenoide na base do crânio, sendo conectada com o hipotálamo pela haste hipofisária. Também chamada de glândula pituitária, a hipófise é uma estrutura pequena, porém complexa. No ser humano, possui dois lobos com origens embriológicas distintas, um lobo epitelial chamado adeno‑hipófise (ou hipófise anterior) e outro lobo neural chamado neuro‑hipófise (ou hipófise posterior). A adeno‑hipófise constitui 80% do volume da 185 ANATOMOFISIOLOGIA glândula e é composta de cinco tipos de células que produzem e secretam seis tipos de hormônios, enquanto a neuro‑hipófise libera vários neuro‑hormônios. Todas as funções endócrinas da hipófise estão sob o comando do hipotálamo e são reguladas por alças de retroalimentação positiva e negativa (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006; KOEPPEN; STANTON, 2009). Hipotálamo Trato hipofisário Neuro‑hipófise (posterior) Hipófise intermediária Adeno‑hipófise (anterior) Figura 77 – Representação esquemática do sistema hipotálamo‑hipófise Acervo Unip/Objetivo. 8.4 Neuro‑hipófise (posterior) A parte neural da hipófise é denominada neuro‑hipófise e consiste em uma projeção para baixo do tecido hipotalâmico. Na extremidade superior da neuro‑hipófise, desenvolve‑se uma tumefação em forma de funil chamada de eminência mediana, que é a região onde a haste hipofisária se insere na base do hipotálamo. A neuro‑hipófise é uma estrutura neurovascular e corresponde ao local de liberação de neuro‑hormônios que foram produzidos no hipotálamo (CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009). Neurônios hipotalâmicos, cujos corpos celulares estão localizados nos núcleos supraópticos (NSP) e nos núcleos paraventriculares (NPV), projetam‑se para a neuro‑hipófise e secretam, em um rico leito de capilares fenestrados, os hormônios peptídicos antidiurético (ADH, ou arginina vasopressina) e a oxitocina. Os corpos celulares desses neurônios são denominados magnocelulares (corpos celulares 186 Unidade III grandes) e projetam seus axônios para baixo (até a neuro‑hipófise), pela haste infundibular, como tratos hipotalâmico‑hipofisários. A hipófise posterior é amplamente vascularizada, e seus capilares são fenestrados, o que facilita a difusão dos hormônios para dentro dos vasos. O hormônio antidiurético e a oxitocina são hormônios peptídicos, com apenas nove aminoácidos e com estrutura similar, que diferem entre si em apenas dois aminoácidos. O ADH e a oxitocina são liberados na neuro‑hipófise em resposta a estímulos detectados primeiramente pelos corpos celulares e dendritos de neurônios situados no NSO e NPV do hipotálamo. O estímulo leva à exocitose do ADH ou da oxitocina (dependendo do estímulo) que cai no líquido extracelular da neuro‑hipófise e tem, então, acesso à circulação periférica, podendo ser detectado no sangue. O ADH age primariamente nos rins, promovendo a retenção de água (antidiurese). A oxitocina age principalmente no útero de mulheres grávidas induzindo o parto e atua também nas células mioepiteliais das mamas, causando ejeção do leite durante a amamentação. 8.5 Adeno‑hipófise (anterior)A hipófise anterior é composta de cinco tipos de células endócrinas que produzem seis tipos de hormônios e, como mencionado anteriormente, suas secreções estão sob o controle do hipotálamo. Por isso, antes de analisarmos separadamente cada hormônio da adeno‑hipófise, é importante entender a organização estrutural e funcional desses eixos endócrinos (KOEPPEN; STANTON, 2009). Cada eixo endócrino é composto de três níveis de células endócrinas: • neurônios hipotalâmicos, que produzem os hormônios liberadores ou inibidores; • células endócrinas da adeno‑hipófise, que secretam hormônios tróficos; • glândulas endócrinas periféricas, que secretam hormônios periféricos. Os neurônios do hipotálamo secretam os hormônios liberadores hipotalâmicos específicos que chegam na adeno‑hipófise e estimulam, especificamente, a secreção dos hormônios tróficos da adeno‑hipófise. Os hormônios tróficos da adeno‑hipófise caem na circulação e vão agir em glândulas‑alvo endócrinas periféricas específicas, estimulando essas glândulas a liberar hormônios periféricos. Esses hormônios periféricos vão regular aspectos da fisiologia humana e vão, também, exercer uma retroalimentação negativa (na grande maioria dos casos) sobre o hipotálamo e a adeno‑hipófise, inibindo a produção e a secreção dos hormônios liberadores e tróficos, respectivamente (KOEPPEN; STANTON, 2009). 187 ANATOMOFISIOLOGIA Hipotálamo Epífase Glândula tireóidea Glândulas paratireóideas Timo Pâncreas Testículos Ovários Adeno‑hipófise Neuroipófise Hipotálamo Hipófase Adrenais Figura 78 – Representação das glândulas periféricas controladas pelo sistema hipotálamo‑hipófise Os grupos de neurônios hipotalâmicos que estimulam a adeno‑hipófise localizam‑se em várias regiões do hipotálamo, coletivamente chamadas região hipofisiotrófica. Os neurônios dessa região distinguem‑se dos neurônios magnocelulares dos NSO e NPV (que se projetam para a neuro‑hipófise) por terem corpos celulares pequenos, ou parvocelulares. Os neurônios parvocelulares projetam axônios para a eminência mediana e lá secretam, de suas terminações axônicas, hormônios liberadores. Os hormônios liberadores penetram em um plexo primário de capilares fenestrados e são, em seguida, conduzidos pelos vasos porta‑hipotalâmico‑hipofisários até um segundo plexo capilar localizado na adeno‑hipófise. No plexo secundário, os hormônios liberadores difundem‑se para fora dos vasos e ligam‑se a seus receptores específicos situados em tipos de células específicas dentro da adeno‑hipófise (KOEPPEN; STANTON, 2009). 188 Unidade III Observação Um vaso porta é definido como o que começa e termina nos capilares sem passar pelo coração. A conexão neurovascular (haste hipofisária) posicionada entre o hipotálamo e a hipófise é um tanto frágil e pode ser rompida por traumatismo físico, cirurgia ou doença hipotalâmica. A lesão da haste e o subsequente isolamento funcional da hipófise anterior provocam um declínio de todos os hormônios da hipófise anterior, exceto da prolactina (ver adiante). A adeno‑hipófise é constituída dos seguintes tipos de células endócrinas: corticotrofos, tireotrofos, gonadotrofos, somatotrofos e lactotrofos. Os corticotrofos estimulam o córtex da glândula adrenal e, junto ao hipotálamo, constituem o eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal. Os corticotrofos estão sob o controle do hipotálamo, de onde recebem estímulos para produzir o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH; também conhecido como corticotrofina). Um subgrupo de neurônios parvocelulares hipotalâmicos produz o hormônio liberador de corticotrofina (CRH). O CRH estimula de modo imediato a secreção de ACTH pelos corticotrofos (KOEPPEN; STANTON, 2009). O ACTH é um peptídeo com 39 aminoácidos sintetizado como parte de um pró‑hormônio maior, a pró‑opiomelanocortina (POMC). Por essa razão, os corticotrofos também são conhecidos como células POMC. A POMC alberga a sequência peptídica que originará o ACTH, o MSH (hormônio estimulante dos melanócitos), as endorfinas (opioides endógenos) e as encefalinas. O corticotrofo humano expressa apenas o pró‑hormônio convertase, que produz o ACTH, o único hormônio ativo secretado por essas células. O ACTH circula na forma de hormônio livre e tem uma meia‑vida curta, cerca de 10 minutos. Ele liga‑se ao receptor 2 da melanocortina (MC2R), localizado nas células do córtex da glândula adrenal. O ACTH aumenta de modo abrupto a produção de cortisol e andrógenos adrenais, aumenta a expressão dos genes das enzimas esteroidogênicas e, em longo prazo, promove tanto o crescimento quanto a sobrevida das camadas do córtex da adrenal. A secreção do ACTH tem um padrão diário pronunciado, com um pico no início da manhã e uma queda no final da tarde, refletindo no perfil de secreção do cortisol que, também, apresenta um pico de secreção no início da manhã. O eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal possui vários reguladores, e vários deles são mediados pelo SNC. Muitos tipos de estresse, tanto neurogênicos (por exemplo, medo) quanto sistêmicos (como infecção), estimulam a secreção do ACTH. A resposta a muitas formas de estresse intenso pode persistir, apesar da retroalimentação negativa desencadeada pelos altos níveis de cortisol. Isso significa que o hipotálamo tem a capacidade de redefinir o ponto de equilíbrio do eixo em resposta ao estresse. A depressão crônica, grave, é capaz de redefinir esse eixo como resultado da hipersecreção do CRH e causar uma hipersecreção de cortisol. Como o cortisol tem efeitos intensos no sistema imunológico, o eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal e o sistema imune estão intimamente associados (KOEPPEN; STANTON, 2009). As funções do cortisol são tratadas mais profundamente no tópico sobre a glândula adrenal, mais adiante. 189 ANATOMOFISIOLOGIA Os tireotrofos regulam a função tireoidiana por meio da secreção do hormônio estimulador da tireoide (TSH; também conhecida como tireotrofina); esse é o eixo hipotálamo‑hipófise‑tireoide. Os tireotrofos são estimulados pelo hormônio liberador de tireotrofina (TRH), que é produzido por um subgrupo de neurônios hipotalâmicos parvocelulares. O TRH é sintetizado como um pró‑hormônio maior que contém seis cópias do TRH em sua sequência e liga‑se ao receptor de TRH localizado nos tireotrofos. Sua liberação segue um ritmo diário de secreção, com níveis mais altos durante a noite e níveis mais baixos por volta da hora do jantar. A secreção de TRH é regulada por numerosos estímulos mediados pelo SNC; por exemplo, vários tipos de estresse (estresse físico, inanição e infecções) inibem a secreção de TRH. Quando o TRH se liga ao seu receptor nos tireotrofos, será estimulada a liberação de TSH, que é um hormônio glicoproteico composto de uma subunidade alfa (α‑GSU, subunidade glicoproteica) e uma beta (β‑TSH). Por sua vez, o TSH liga‑se ao seu receptor localizado nas células epiteliais da tireoide. Como será discutido mais adiante, a produção dos hormônios tireoidianos, T3 e T4, é um processo complexo e composto de muitas etapas. O TSH estimula praticamente todos os aspectos da função tireoidiana, tendo um forte efeito trófico, estimulando a hipertrofia, a hiperplasia e a sobrevida das células epiteliais da tireoide. Em uma situação patológica em que os níveis de TSH estão altos, ocorre um crescimento notável da glândula tireoide, condição denominada bócio. Uma vez sintetizados, os hormônios tireoidianos regulam sua própria produção através de uma retroalimentação negativa. Eles agem tanto nos tireotrofos, inibindo a expressão do β‑TSH e diminuindo sua sensibilidade ao TRH, quanto no hipotálamo, inibindo a produção e secreção de TRH (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os gonadotrofos secretam as gonadotrofinas, FSH (hormônio folículo‑estimulante) e LH (hormônio luteinizante), que regulam a função das gônadas em ambos os sexos ‑ eixo chamado hipotálamo‑gonadal. O FSH e o LH são armazenados em grânulos distintos e são secretados de maneira independente pelos gonadotrofos. Suas ações sobre a
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