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TÉCNICA VOCAL AULA 1 Profª Luciana Mendes da Silva 2 CONVERSA INICIAL Imagine que você se propôs a aprender um instrumento musical. O primeiro passo a ser tomado é adquirir esse instrumento, observar as partes e os componentes dele, descobrir onde e como se deve segurá-lo, onde suas mãos e/ou pés devem ser posicionados, e quais teclas/válvulas/cordas devem ser pressionadas, dedilhadas ou sopradas para que o som seja produzido. Agora, imagine que o instrumento não é visível e você aprenderá a tocá- lo sem poder segurá-lo em suas mãos. A sua voz é esse instrumento. Ele está dentro de você. Você não pode ver esse instrumento ou tocar em seus componentes. A voz é um dos instrumentos mais complexos que existem, por essa razão. Tudo o que você precisa para aprender para usá-la está baseado em sensações internas, sendo necessário o uso da sua imaginação e a percepção para “visualizar” o que está acontecendo no seu instrumento, para aprimorar o seu uso. Felizmente, com muita dedicação, prática e disciplina, é possível dominar o seu instrumento como se de fato pudesse vê-lo e segurá-lo nas mãos. Precisamos começar entendendo a importância da respiração na técnica vocal, porque esse é um conhecimento primordial e necessário. Se não respirarmos corretamente, a produção de som será incorreta e inferior. O ar que passa pelo aparelho fonador durante a expiração é o que aciona as pregas vocais, responsáveis pela voz. Sem ar, as pregas vocais não vibram, e, portanto, não produzem a fala ou o canto. A respiração correta também é responsável pela qualidade de nossa voz cantada: notas afinadas ou desafinadas; frases sólidas ou falhas; tons brilhantes e claros, ou opacos; uma voz saudável com longevidade, ou uma voz fatigada e rouca, podendo chegar até a sua perda. O ar é o combustível essencial para a produção da voz, e se não for utilizado corretamente, pode causar danos à toda sua estrutura vocal, assim como deixar a desejar durante uma apresentação musical. Se você se comprometer a trabalhar no seu aparato respiratório desde o início, vai presenciar mudanças benéficas na sua voz, seja cantada ou falada. Você vai poder confiar numa voz que não vai falhar em certos trechos musicais mais difíceis; também notará que pode cantar por horas a fio sem cansar a voz, ou perdê-la. Respirar bem ao cantar faz toda a diferença! 3 TEMA 1 – FISIOLOGIA DO SISTEMA RESPIRATÓRIO É importante compreendermos como o nosso sistema respiratório funciona por meio do exame de sua anatomia, assim podemos visualizar corretamente nossa inspiração e expiração, bem como aprender a sentir os músculos corretos usados na produção da voz. Vamos ressaltar mais uma vez que uma respiração adequada é necessária para qualquer estilo de canto – desde ópera até heavy metal. 1.1 Pulmões e diafragma Em seu livro Canto – Equilíbrio entre corpo e som, Claudia Pacheco e Tutti Baê explicam as funções dos pulmões e do diafragma na respiração, fazendo uma distinção importante: os pulmões são os principais órgãos do aparelho respiratório; já o diafragma é o principal músculo da respiração. (Baê/Pacheco, 2006 p.17-18). Figura 1 – Pulmões e diafragma Crédito: Javier Regueiro/Shutterstock. Observe como os pulmões estão apoiados no topo e nas laterais do diafragma e sua localização dentro da caixa torácica, além de quais costelas eles abrangem. Assim você pode visualizar onde o diafragma está situado no seu corpo e como movimenta os pulmões no processo de respiração. 4 O diafragma é um dos músculos responsáveis pelo movimento de expansão e retração dos pulmões. Ele tem o formato de domo, ou cúpula (imagine um paraquedas ou um desentupidor de vaso sem o cabo), e está situado entre a cavidade torácica e a cavidade abdominal. Figura 2 – Localizando o diafragma Crédito: Flávio Smile. Figura 3 – Forma do diafragma Crédito: Flávio Smile. Tendão central Domo direito Entrada para o esôfago Entrada para a aorta Costelas Domo esquerdo Músculo do diafragma O diafragma tem a forma de um paraquedas 5 Na inspiração, o diafragma se contrai movendo-se para baixo, empurrando os órgãos abdominais para baixo, para a frente e para os lados. Ao mesmo tempo, ele puxa os pulmões para baixo, o que os faz se expandirem e encherem-se de ar. Na expiração natural (não-controlada), o diafragma relaxa, volta para cima – sua posição de repouso – e faz com que os órgãos do abdômen e os pulmões retornem para suas posições iniciais. Essa expiração natural ocorre de forma relativamente rápida e automática, sem resistência de qualquer músculo. Figura 4 – Inspiração e expiração Expiração Inspiração Crédito: Flávio Smile. 1.1 Músculos intercostais – externos e internos Os músculos intercostais são classificados como intercostais externos e intercostais internos. Eles também são responsáveis pela expansão e retração do tórax, e consequentemente, dos pulmões. Na inspiração, os músculos intercostais externos abrem a caixa torácica, permitindo que os pulmões se expandam e se encham de ar. Cavidade torácica se contrai Músculos intercostais externos se relaxam Diafragma relaxa Cavidade torácica se expande Músculos intercostais externos se contraem Diafragma contrai Diafragma 6 Figura 5 – Músculos intercostais I Crédito: Flávio Smile. Na expiração, os intercostais internos são ativados e comprimem a caixa torácica de volta à sua posição inicial. Clavicle Ribs Pectoralis major (dissected) Internal intercostal Sternum External intercostal Pectoralis minor Serratus anterior Intermost intercostal Internal intercostal External intercostal 7 Figura 6 – Músculos intercostais II Crédito: Flávio Smile. Teste seu conhecimento! • Coloque as mãos nos lados das suas costelas e inspire fundo. • Sinta e visualize os músculos intercostais externos puxando as suas costelas para fora, expandindo o seu torso. • Depois expire lentamente e visualize os músculos intercostais internos tomando o lugar dos externos, e puxando as costelas de volta para dentro, encolhendo o seu torso de volta à sua posição inicial. • Essas visualizações são muito importantes para se aprender a respirar corretamente ao cantar. • Faça este exercício várias vezes ao dia, sempre que lhe vier à memória. Clavicle Ribs Pectoralis major (dissected) Internal intercostal Sternum External intercostal Pectoralis minor Serratus anterior Intermost intercostal Internal intercostal External intercostal 8 Figura 7 – Exercício Crédito: Chajamp/Shutterstock. Posicione suas mãos de modo similar à foto acima, um pouco mais para cima, sobre as costelas. Inspire fundo e sinta a expansão de todo o seu tórax, nos lados e nas costas. 1.2 Músculos abdominais Assim como o diafragma, músculos intercostais e pulmões (todos situados acima da cavidade abdominal), os músculos do abdômen são fundamentais para uma respiração controlada ao cantar. A cinta abdominal é composta de vários desses músculos, conectados entre as costelas e a região púbica. Esses músculos serão nosso foco principal ao aprendermos a inspirar e expirar corretamente para cantar. Vamos nos concentrar nessa cinta abdominal, como mostra a ilustração abaixo: 9 Figura 8 – Músculos abdominais Crédito: Flávio Smile. Pacheco e Baê ressaltam: “na expiração, os músculos da cinta abdominal são os mais ativos no momento do canto” (Baê; Pacheco, 2006, p. 20). Isso será confirmado quando começarmos a praticar os exercícios de apoio. No caso do canto, portanto, a expiração precisa ocorrer de maneira controlada (com apoio). Assim, é possível aplicar a pressão do ar necessária para ativar as pregas vocais e impedir que o ar seja expelidorápido demais, como é o caso de uma expiração natural. TEMA 2 – FUNDAMENTOS DA RESPIRAÇÃO: INSPIRAÇÃO PARA O CANTO A inspiração é um ato muito importante, por razões óbvias, sem ar não podemos viver muito tempo. Para o cantor, é imprescindível aprender a inspirar de modo consciente e correto, garantindo que tenha todo o ar de que precisa para executar cada frase musical e que o ar vá para o lugar certo no seu corpo, oferecendo o suporte adequado para o canto. Veja a figura a seguir para entender os processos básicos que ocorrem na inspiração. Reto abdominal Transverso abdominal Oblíquo interno Oblíquo externo Ponto de apoio 10 Figura 9 – Inspiração Crédito: Flávio Smile. Importante: se você sofre de medo de palco (stage fright em inglês), vai precisar prestar mais atenção do que o normal na sua respiração, porque o stress e a tensão fazem o aparelho respiratório “travar” inconscientemente. Quando estamos nervosos ou tensos, nos esquecemos de respirar adequadamente; a inspiração profunda é a primeira coisa a funcionar mal nessas situações de insegurança e nervosismo. Desenvolva desde já mecanismos para lembrar-se de, conscientemente, tomar fôlegos cheios e profundos nessas situações. Você verá a diferença. 2.1 Inspiração abdominal versus peitoral A inspiração natural – o modo como respiramos no dia a dia, ou durante atividades físicas – é geralmente muito “rasa”, ou seja, uma inspiração que enche somente a área do peito, mas não é profunda suficiente para expandir a caixa torácica ou mover o diafragma o suficiente para baixo. Esse tipo de inspiração é útil para atividades físicas que requerem respiração rápida para o desempenho cardiovascular alto, mas não funciona para cantar. Cavidade torácica se expande Músculos intercostais externos se contraem Diafragma contrai Diafragma 11 A respiração “rasa” será referida como respiração peitoral em nossa aula, para fins de entendermos a localização e sensação dela. Nosso objetivo será aprender uma respiração abdominal – na qual o ar é direcionado para baixo, para o estômago e o abdômen. Esta é uma respiração profunda e adequada para cantores. Teste o seu conhecimento! Faça o teste em você mesmo e verifique se a sua respiração é abdominal (correta) ou peitoral (incorreta): • Coloque uma mão no peito e a outra, no abdômen. • Inspire fundo como normalmente faria – no consultório médico, por exemplo, quando o doutor está fazendo o exame de estetoscópio em você. • Se o seu peito subir e o seu abdômen encolher, você está respirando incorretamente – respiração peitoral. • Tente novamente e faça com que o ar vá para baixo – para que o seu abdômen se expanda para fora (como uma barriga cheia), enquanto o seu peito continua na mesma posição. Este é o modo correto de se inspirar: a respiração abdominal. • É claro que o peito sempre vai se movimentar um pouco, mas o importante é que o abdômen se movimente mais do que o peito, e você tenha a sensação de que o ar está enchendo sua barriga. • Para melhor sentir a diferença, repita este exercício deitado no chão, de estômago para cima. Você poderá sentir melhor os seus músculos intercostais nessa posição. • Respire várias vezes, consciente de que o seu abdômen deve fazer o trabalho, em vez do peito. 2.2 Abrindo e expandindo o corpo: músculos intercostais e abdômen No famoso livro Cantando Para Leigos (Singing For Dummies), a autora Pamelia S. Philips descreve o que significa abrir ou expandir o corpo no momento da respiração para obter-se os melhores resultados: “quando você cantar, deve ficar seguro de que consegue tomar ar e então usá-lo eficientemente para cantar uma música. Saber como abrir seu corpo para a inspiração é simples: abra seu corpo e o ar correrá para dentro dele” (Philips, 2013, p. 42). 12 Continue praticando o reconhecimento e a conscientização de como você respira – ao cantar, ao falar, ao estar em silêncio. Deite-se no chão para sentir as suas costas se expandirem. Encoste-se contra a parede para descobrir a mesma sensação estando de pé. Segure as costelas em volta das costas para visualizar e gravar a memória muscular de suas costelas se expandindo. Coloque suas mãos abaixo do umbigo e pratique o inflar de seu abdômen. Quanto mais familiaridade você tiver com esses músculos e com o que está acontecendo ao encher seus pulmões de ar, melhor será o seu intake (recebimento interno) de ar, sempre que precisar, o quanto precisar. Abrir e expandir o corpo não é difícil; é apenas uma questão de se acostumar com uma abordagem diferente à sua inspiração como cantor. 2.3 Inspiração pelo nariz e pela boca Muitas pessoas têm essa dúvida: devo respirar pelo nariz ou pela boca para cantar? A resposta é sim! Deve-se respirar pelo nariz e pela boca ao mesmo tempo. Essa é a maneira mais aberta e relaxada para se inspirar, utilizando as duas formas. Respirar somente pelo nariz para cantar não é recomendado, pois o cantor não consegue receber uma quantidade de ar adequada em uma fração de segundo como precisa. Outro problema é que qualquer nível de congestionamento nasal implicaria a eficiência da respiração pelo nariz. Isso seria ruidoso. Importante: quando não se está cantando, prefira respirar pelo nariz, e não pela boca. O nariz é o filtro natural do corpo, e por ele o ar passa por uma filtragem e purificação, assim também como uma umidificação, antes de passar pela faringe, laringe e traqueia, chegando aos pulmões. Respirar pela boca como atividade normal não é recomendado, e aqueles que o fazem sofrem de garganta seca e estão suscetíveis a doenças respiratórias transmitidas por vírus e bactérias do ar – dois inimigos fatais do cantor. Por isso, para o canto, é melhor aprender a técnica de inspiração por ambos, nariz e boca, porque assim recebe- se todo o ar necessário, e boa parte dele passará pela filtração e umidificação da cavidade nasal. Você vai perceber que sua garganta não ficará tão seca ou irritada dessa forma. O ar condicionado e o sistema de aquecimento em lugares fechados (como estúdios) são muito prejudiciais para as vias respiratórias a 13 longo prazo. Tenha um umidificador ou difusor de óleos essenciais por perto, se você precisa cantar por muitas horas nestes ambientes não-arejados. Teste seu conhecimento! Você pode tentar agora mesmo inspirar pelo nariz e pela boca ao mesmo tempo. Apenas relaxe e inspire utilizando as duas cavidades, de forma suave e contínua, até que o seu abdômen e costelas sintam-se cheios de ar. Respire fundo dessa maneira várias vezes. Gradualmente, tente respirar mais rápido, em prazos mais curtos, concentrando-se em receber a maior quantidade de ar possível, mas sem produzir muito ruído pela boca – o ruído que normalmente fazemos quando somos surpreendidos ou assustados por algo. TEMA 3 – FUNDAMENTOS DA RESPIRAÇÃO: EXPIRAÇÃO PARA O CANTO Se a inspiração correta é essencial para o canto (pois é o que prepara o nosso corpo para produzir os sons), mais importante é a expiração, o mecanismo que proporciona a produção de sons nas nossas pregas vocais, e nos permite controlar notas, frases musicais, dinâmicas e ritmos. Vamos examinar em detalhes todos os passos necessários para uma expiração de qualidade. Figura 10 – Expiração Crédito: Flávio Smile. Cavidade torácica se contrai Músculos intercostais externos se relaxam Diafragma relaxa 14 3.1 Expiração: lenta, controlada e contínua A expiração para o canto pode ser caracterizada como um “escape de ar” controlado. O objetivo dela é que seja lenta e controlada; que o fluxo de ar seja contínuo, não liberando o ar em excesso, tampouco prendendo-o enquanto canta. Os dois são prejudiciais à voz: permitir muito ar escapando pela laringe, ou não o suficiente. O único lugar do seu corpo onde você deve sentir pressãoao cantar é no abdômen. Se você sente essa pressão na sua garganta, é porque não está apoiando a sua voz como deve, e em decorrência disso outras áreas de seu aparelho fonador estão tencionando para compensar a falta de suporte. Relaxe a sua face, mandíbula, garganta, ombros e parte superior do tórax. Concentre a pressão do ar do diafragma para baixo, mais precisamente no seu ponto de apoio, abaixo do umbigo. Parece um ponto muito baixo e que nada tem a ver com a voz, mas você descobrirá que, pelo contrário, estes músculos farão toda a diferença na produção da voz cantada. 3.2 Apoio: foco principal nos músculos abdominais inferiores Vamos examinar mais uma vez a cinta abdominal e o seu papel na respiração de apoio – essencial para o canto. Figura 11 – Cinta abdominal Crédito: Flávio Smile. Reto abdominal Transverso abdominal Oblíquo interno Oblíquo externo Ponto de apoio 15 Vejamos o que as autoras Pacheco e Baê têm a dizer sobre os músculos que formam essa teia de sustentação, responsáveis por movimentar as paredes abdominal e torácica: Na expiração, os músculos da cinta abdominal são os mais ativos no momento do canto. O oblíquo externo localizado na parte lateral e frontal do tórax inferior e do abdômen contrai e puxa as costelas para baixo, empurrando o conteúdo abdominal para dentro. Este músculo apresenta contração imediatamente antes da produção do som e podemos perceber sua movimentação especialmente nos vocalizes realizados em Staccato (destacando cada nota). O oblíquo interno, localizado mais profundamente do que o oblíquo externo, ao se contrair também empurra a parede abdominal para dentro e abaixa as costelas. O reto abdominal é um músculo que se localiza paralelamente à linha média do abdômen e insere-se inferiormente no osso pubiano e superiormente nas 5ª, 6ª e 7ª costelas. A contração deste músculo também empurra o conteúdo abdominal para dentro, baixando o externo e as costelas. O transverso do abdômen localiza-se abaixo do músculo oblíquo interno, na região mais profunda abdominal, inserindo-se no púbis. (Baê; Pacheco, 2006, p. 20-21) Como podemos observar, cada um desses músculos contribui para a expansão e retração da caixa torácica, o que proporciona a quantidade de ar necessária para a produção da voz, seja cantada ou falada. O ponto de apoio se encontra na parte mais baixa do reto abdominal, mais ou menos quatro dedos abaixo do umbigo, na região pélvica. Esse é um músculo potente no nosso arsenal. O foco do cantor deve ser movimentar – contrair e expandir – essa musculatura mais baixa, a fim de controlar o fluxo de ar e as notas cantadas em sua duração, timbre e intensidade. Fazemos isso colocando pressão no ponto de apoio, de maneira controlada e dependente da frase musical – se é mais longa ou mais curta, mais suave ou mais forte, com notas mais graves ou mais agudas. O reto abdominal é o principal músculo que contraímos no processo de expiração para o canto. O movimento para contraí-lo é o mesmo que usamos para “esconder a barriga”. Ele empurra os órgãos abdominais para dentro e leva as costelas para a sua posição inicial, levemente para trás e para baixo. Essa contração do reto abdominal empurra o ar para fora do corpo de forma controlada – aplicando-se mais ou menos pressão, mais ou menos velocidade – de acordo com o que cada frase musical requere. 16 Teste seu conhecimento! • Inspire e contraia o reto abdominal para dentro um pouco mais forte do que o normal (“esconda a barriga”). Sinta o ar sendo expulso primeiro pelo nariz; repita o processo, deixando que o ar saia pela boca. • Agora contraia o reto abdominal em vários pulsos curtos e rápidos; é assim que produzimos o som staccato (notas curtas e separadas umas das outras). O reto abdominal é um músculo muito forte; observe como todo o seu tórax se move ao se contrair esse músculo de modo staccato. • Tente também a risada o papai noel: HO, HO, HO, HO! • Você deve produzi-la ao pulsar o reto abdominal na sua parte mais baixa para cada sílaba. • Note como o que impulsiona o som não é a sua garganta, mas sim o seu abdômen. A pressão deve se originar neste músculo, sempre. Este é o apoio respiratório para o canto, que previne a tensão muscular e o mau uso da caixa de voz – a laringe. 3.3 Método de apoio: método de encolher Esse exercício que você acabou de fazer é um bom exemplo do método de apoio conhecido como o método de encolher: encolhemos a barriga gradualmente, para aplicar o apoio que controla a pressão do ar passando pelas pregas vocais. Esse é o método que vamos usar na maior parte do tempo ao cantarmos. No entanto, existe outra maneira de se usar este músculo abdominal, particularmente quando precisamos cantar uma nota bem mais longa que o normal, ou com uma dinâmica bem controlada, suave, sem vibrato, por exemplo, cantar straight tone, em inglês. 3.4 Método de apoio: método de expandir Este movimento também é importante e útil no apoio respiratório. Em vez de encolher a barriga, você vai usar este mesmo músculo para mantê-la expandida enquanto libera o ar de forma controlada. Parece contra intuitivo, mas funciona. Talvez isso lhe faça rir, mas este é o mesmo movimento que fazemos quando precisamos fazer o “número dois” no banheiro. Você pode fazer o 17 seguinte teste e notar que este movimento proporciona ao mesmo tempo expansão, resistência e controle. Teste seu conhecimento! • Inspire, e contraia o reto abdominal desta vez para fora, como se estivesse no banheiro. Não se constranja, tente-o. Seus músculos sabem o que fazer! • É por isso que às vezes quando você precisa “forçar” um pouco no banheiro, involuntariamente sua voz faz um grunhido. Esse músculo está conectado com a sua habilidade de produzir sons. • Cante uma nota confortável, usando a sílaba “aaaahhhh”. Sustenha esta nota o máximo que puder, fazendo essa pressão para fora. • É uma sensação estranha no início, mas será de grande ajuda quando combinada com o método de encolher, a seguir. 3.5 Combinando os dois métodos de apoio: expandir e encolher Na prática, você usará estes dois métodos em conjunto. Vamos praticar seu uso conjunto cantando uma nota bem longa. Para este próximo teste, tenha um cronômetro com você, para descobrir quanto tempo consegue segurar uma nota utilizando estes métodos. Teste seu conhecimento! • Inspire, e contraia o reto abdominal para fora, cantando “aaaaahhhhhhhh”. Mantenha esse movimento o tempo mais longo possível. • Quando sentir que não consegue mais contraí-lo para fora, reverta o movimento e comece a encolher a barriga de forma controlada e contínua. A nota “aaaaahhhhhh” continua sem interrupção, entre os dois movimentos abdominais. • Use um cronômetro e veja quanto tempo conseguiu segurar a nota longa. Bem mais do que você normalmente conseguia, certo? • Continue praticando este método de apoio duplo. De agora em diante, sempre que precisar cantar uma frase longa sem respirar, utilize-o. • Lembre-se de preparar-se bem para isso com uma inspiração cheia e relaxada, em que o ar seja direcionado para baixo e para o “tanque” intercostal. Nada mais de respirações peitorais rasas! 18 TEMA 4 – EXPANDINDO SUA CAPACIDADE RESPIRATÓRIA Ao praticar exercícios de respiração diariamente, você vai desenvolver uma capacidade maior de retenção e gerenciamento de ar para o canto. Assim como nadadores e mergulhadores melhoram sua resistência praticando e respirando de acordo com a sua técnica, e como atletas e pessoas que fazem exercícios aeróbicos expandem sua capacidade cardiorrespiratória ao correr e levantar pesos respirando como demanda a sua técnica, esses exercícios são o workout (fitness) do cantor, para expandir sua capacidade de utilizar a caixa torácica para os melhores resultados possíveis. 4.1 Gerenciamento de ar Uma vez que o cantorcompreende e pratica esses métodos de respiração adequada, o próximo passo será aplica-los à música cantada. Cada frase musical requere uma quantidade diferente de ar em virtude de sua duração, altura das notas, volume e intensidade. O objetivo é iniciar a frase musical com todo o ar de que é preciso, e ao fim da frase, terminar com o “tanque vazio”, para respirar novo ar. Este processo de reaprendizagem pode deixar o cantor cansado ou um pouco tonto no início, pela falta de prática em segurar o gás carbônico dentro do corpo por mais tempo (devido ao processo de expiração para o canto ser mais lento do que o natural). Mas, com a repetição constante e o tempo dedicado a aprender essas técnicas, essa forma de respiração e gerenciamento do ar vai se tornar uma atividade normal ao cantar. Bocejar constantemente durante estes exercícios também é normal, pelo fato de a oxigenação do corpo estar elevada. 4.2 Resistência e pressão do ar na expiração A pressão que se sente quando se prende a respiração com os pulmões cheios de ar é a sensação com a qual você deve se familiarizar. Essa pressão deve ocorrer na região do diafragma e músculos intercostais, e de maneira nenhuma na região da garganta. Lembre-se: não se segura a respiração ao cantar – o fluxo de ar deve ser contínuo e controlado – mas para fins de se aprender como posicionar o ar para criar resistência e pressão, vamos prender o fôlego por alguns segundos antes de realizar cada exercício. 19 Durante este momento de segurar a respiração, mantenha a garganta (glotis) aberta e relaxada. Mantenha a pressão o mais baixo possível, em direção ao seu abdômen. Você pode fazer isso forçando o estômago para fora, como feito no método de expandir. Essas são ferramentas essenciais para se aprender a cantar sem tensão nos músculos do pescoço, mandíbula e face, como também produzir notas e frases musicais sólidas, consistentes, e potentes, sem causar danos às pregas vocais. Uma técnica excelente de respiração e gerenciamento de ar é o segredo de sua longevidade vocal. TEMA 5 – EXERCÍCIOS DE RESPIRAÇÃO: AQUECIMENTO E RESISTÊNCIA A seguir, vamos pôr em prática uma lista de exercícios recomendados a serem feitos diariamente, até que você domine a técnica de respiração e apoio. Após esse período, você poderá escolher os seus exercícios preferidos e mais úteis para o aquecimento diário antes de cantar, e revisitar os demais quantas vezes achar necessário. Assim como a voz deve ser aquecida antes de ser usada, da mesma forma o diafragma e os músculos envolvidos na respiração precisam de seu próprio aquecimento. Quanto mais exigente é o período a se cantar ou o repertório cantado, mais tempo deve ser dedicado a um aquecimento adequado de todo o seu sistema respiratório e fonador. Preste atenção especial e tome tempo para fazê-lo, antes de apresentações musicais que requerem muita concentração e energia prolongadas, como: óperas, musicais, shows ao vivo, cantatas, noites de louvor e acampamentos, conferências, concertos vocais, cantando em turnês todos os dias ou noites enquanto viaja, cantando em bares e locais públicos e barulhentos etc. Também faça uso destes exercícios sempre que estiver estressado ou nervoso para falar ou cantar em público. 5.1 Surpresa/Susto Objetivo: continuar praticando a inspiração abdominal; experimentar com os músculos da máscara facial, e formato da boca; aprender a inspirar rapidamente, tomando o máximo de ar possível em uma fração de segundos. Metrônomo: não utilizado. 20 • Fique de pé com os pés um pouco distanciados para um bom equilíbrio. • Coloque uma mão no peito e a outra no lado, entre as costelas e o abdômen. • Expire e esvazie os pulmões completamente. • Imagine que você acabou de encontrar um grande amigo que não via há tempo; inspire pelo nariz e a boca, e eleve os músculos da face para demonstrar alegria e surpresa. Sua inspiração deve ser rápida, e o ar deve encher o abdômen, e não o peito. • Segure o ar por cinco segundos, mantendo a pressão no diafragma, e não na garganta. • Expire e relaxe a face e o diafragma. • Repita este exercício cinco vezes seguidas. 5.2 “Pneu furado” [TSSSS]: 4/4/4 – 4/4/8 – 4/4/16 – 4/4/máx Objetivo: Controlar o tempo de expiração – controlar a pressão do ar necessária para um fluxo contínuo de ar pela laringe e pregas vocais. Metrônomo: Semínima = 100 bpm. • Comece esvaziando os pulmões completamente. • Inspire por quatro pulsações (nariz e boca). • Segure o ar por quatro pulsações. • Expire utilizando o som tssss por quatro pulsações. Ao fim da expiração, os pulmões devem estar completamente vazios. • Repita duas vezes cada grupo: 4 segundos, 8 segundos, 16 segundos, e por último o máximo de tempo que conseguir. • Ao fim de cada grupo, os pulmões devem estar vazios. • No último grupo, expire devagar, o máximo de tempo que conseguir controlar a saída de ar lenta. Quando sentir que não pode mais, pressione o abdômen para soltar todo o resto do ar antes de respirar de novo. 21 Figura 12 – “Pneu furado” 5.3 “Pneu staccato” [TSS-TSS-TSS]: 4/4/4 – 4/4/8 – 4/4/16 Objetivo: acionar e trabalhar os músculos abdominais inferiores – aumentar sua resistência, capacidade de apoio e controle da pressão do ar na expiração. Metrônomo: semínima = 100 bpm. • Comece esvaziando os pulmões completamente. • Inspire por quatro pulsações (nariz e boca). • Segure o ar por quatro pulsações. • Expire pressionando os músculos pubianos com acentos fortes e curtos, em staccato: [tss-tss-tss-tss] por quatro pulsações. • Repita duas vezes cada grupo. Ao fim de cada repetição, os pulmões devem estar completamente vazios. • Aumente o tempo de expiração como indicado em cada grupo: 8 pulsações e por último 16 pulsações. 22 Figura 13 – “Pneu staccato” 5.4 Técnica de canudo – no copo de água Objetivo: controle de expiração, com resistência similar à do canto. Controlando as bolhas de água formadas por soprar no canudo, para que não sejam muito turbulentas, mas que sejam calmas e constantes ao decorrer da expiração. O canudo também ajuda a estreitar e focalizar o fluxo de ar para um ponto específico, contribuindo para expiração homogênea, econômica, com a pressão adequada para as pregas vocais. Metrônomo: não utilizado. Utilize um canudo não muito largo. Quanto mais estreito o canudo, melhor, porém, no início, você deve começar com um canudo não tão estreito para desenvolver a própria pressão e resistência gradualmente. Tenha em mãos dois ou três canudos de diâmetros diferentes para sentir a diferença na pressão. Utilize um copo transparente com um líquido colorido dentro – um suco, por exemplo –, para visualizar as bolhas de água com mais facilidade. Encha o copo com este líquido até a metade. • Inspire pelo nariz e pela boca ao mesmo tempo, sem o canudo. Lembre- se da inspiração abdominal, não peitoral. • De forma controlada e uniforme, sopre pelo canudo e faça bolhas de água no copo. • Não deixe que as bolhas sejam turbulentas (transbordando fora do copo, ou espirrando no seu rosto). 23 • Certifique-se também de que o fluxo de ar seja contínuo e uniforme, durante toda a expiração. Controle as bolhas para que tenham a mesma altura e frequência durante todo o sopro. • Sopre devagar até esvaziar os pulmões completamente. O máximo de tempo que você conseguir. • Repita este processo oito vezes. Lembre-se de inspirar novamente pelo nariz e pela boca, sem o canudo. Variação: depois de fazer uma série apenas soprano ar no copo, repita- a, mas dessa vez cante uma nota grave, – como uma vogal contínua uuuuuuuuuu – pelo canudo, criando as bolhas com o sopro e o som ao mesmo tempo. Variação 2: Alterne sopro e cantando uuuuuuuuuu no mesmo fôlego. Mantenhas as bolhas idênticas, quer você esteja vocalizando ou não. Este exercíciopode parecer fácil, mas não é. A técnica de canudo para o canto tem sido recomendada pelos melhores professores de canto no mundo, porque é eficaz para aquecimento, manutenção e reabilitação de vozes. Nas futuras aulas, vamos continuar a trabalhar com canudos em vários exercícios. Figura 14 – Técnica do canudo Crédito: Flávio Smile. 5.5 Vibração labial (BRBRBR): com ar – 4/4/16 –4/4/24 – 4/4/máx Objetivo: controle de expiração, com resistência similar à do canto. A vibração labial causa um relaxamento natural do aparato fonador, auxiliando a eliminação de tensão muscular na face e na garganta. Metrônomo: semínima = 80 bpm 24 • Comece esvaziando os pulmões. • Inspire por quatro pulsações: (nariz e boca) de forma relaxada e o mais baixo possível (abdômen). • Segure o ar por quatro pulsações. • Utilize a vibração labial – sem som – para expirar o ar controladamente, por 16 pulsações (duas vezes); 24 pulsações (duas vezes); e, por último, o máximo de tempo que conseguir. Figura 15 – Vibração labial I 5.6 Vibração labial: escala de 5 notas: 1-2-3-4-5-4-3-2-1------ Objetivo: controle de expiração, com resistência similar à do canto. A vibração labial causa um relaxamento natural do aparato fonador, auxiliando a eliminação de tensão muscular na face e na garganta. Experimente o exercício com fonação (som). Metrônomo: semínima = 60 bpm. • Comece esvaziando os pulmões. • Inspire por quatro pulsações: de forma relaxada e o mais baixo possível (abdômen). • Segure o ar por quatro pulsações. • Utilize a vibração labial – desta vez cantando as primeiras cinco notas das escalas diatônicas. Cada nota deverá ser de dois tempos (mínimas). • Se o tempo sugerido for muito lento, você pode ajustar para um pouco mais rápido. À medida que for expandindo a sua capacidade de gerenciamento de ar, pode ajustar de volta para o tempo mais lento. 25 Variação: Se você não consegue vibrar os lábios dessa maneira – muitas pessoas não conseguem – faça esse exercício com o canudo no copo com líquido. De fato, mesmo se consegue vibrar os lábios, produzir estes sons (notas) no canudo com líquido é um ótimo exercício para controle do ar na fonação. Veja o diagrama a seguir para o exercício – as escalas estão escritas para vozes femininas (na clave de Sol), e masculinas (na clave de Fá). Figura 16 – Vibração labial II NA PRÁTICA Faça todos os exercícios respiratórios desta aula todos os dias. Nossa recomendação é fazê-los de manhã após se levantar; e também à noite, deitado 26 na cama e com o corpo relaxado (com exceção do canudo no copo de água, é claro). Esses exercícios podem auxiliar no relaxamento e no cair no sono, já que oxigenam bem o corpo e produzem efeitos similares à meditação respiratória. Você notará duas coisas: Primeiro, você provavelmente vai bocejar muitas vezes ao realizá-los, pois o volume de oxigenação elevado causa bocejos. Não se preocupe, isso é normal e esperado. Boceje com vontade e de forma relaxada, porque isso faz muito bem para a técnica vocal. Talvez se sinta até um pouco tonto – por causa do excesso de oxigênio correndo pelo seu corpo. Se isso acontecer, faça intervalos entre os exercícios; sente-se até a tontura passar. Em segundo lugar, esses exercícios trabalham o abdômen como ginásticas abdominais; você poderá sentir esses músculos doloridos e bem cansados. Se não estiver sentindo o cansaço e aquela dorzinha de workouts, então, é porque não fez os exercícios corretamente. “Malhe” o seu diafragma agora, para não precisar pensar nisso mais tarde – todos esses movimentos se tornarão naturais com o tempo. FINALIZANDO Respirar é a atividade mais natural do mundo. Do momento em que você acorda até o momento em que você dorme, você pode praticar muitas dessas técnicas em público, em qualquer lugar, sem alterar suas atividades: em frente ao computador, no carro, transportes públicos, na fila do caixa, na igreja, na escola, assistindo à TV, jogando videogame, no restaurante, caminhando etc. Além de beneficiar a sua voz cantada, respirar bem traz muitos benefícios para a sua saúde. A oxigenação do corpo alivia o stress e a ansiedade, ajuda a dormir melhor, auxilia o metabolismo e até previne doenças. Respirar de forma aberta, completa e controlada deve tornar-se o seu modo de operação padrão. Felizmente, não é difícil dominar essa atividade. A atenção à respiração é algo imperativo. Quando estamos nervosos para falar ou cantar em público, não importa o nível de esperteza ou experiência, a respiração é a primeira coisa que “foge pela janela”. Lembre-se disso e esteja consciente, prestando ainda mais atenção em situações de nervosismo, ao se apresentar em público. Lembre-se sempre de respirar fundo durante a introdução da música, e em todos os intervalos instrumentais possíveis. Esse pequeno ato vai reativar 27 seu sistema de memória muscular, e todo o trabalho colocado funcionará como uma máquina bem calibrada. 28 REFERÊNCIAS PHILIPS, P. S. Canto Para Leigos. 2. ed. Rio de Janeiro: Starlin Alta Editora e Consultoria Eireli, 2013. BAÊ, T.; PACHECO, C. C. Equilíbrio entre corpo e som – princípios da fisiologia vocal. São Paulo: Irmãos Vitale Editores Ltda., 2006.
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