Buscar

Cotidiano e Vida Material no Império

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 40 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 40 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 40 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

História do Brasil Império: 
Aspectos Formativos
Responsável pelo Conteúdo:
Prof.ª Dra. Milena Fernandes Maranho
Revisão Textual:
Prof.ª Dra. Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
Cotidiano e Vida Material 
no Império (1822 – 1889)
 
 
• Apresentar as questões do cotidiano e da vida material do período do Império, Primeiro e 
Segundo Reinados, no intuito de analisar questões mais abrangentes para melhor compre-
ender a sociedade da época e suas transformações;
• Apresentar a cultura material, as alterações urbanas e arquitetônicas identificando mudanças 
históricas advindas com as novas possibilidades econômicas e políticas do Império;
• Apresentar a vida cotidiana, no que diz respeito aos bens identificados nos inventários, estes 
também apresentam sentidos diversos, conforme o período da sociedade e suas necessidades 
de representação e sociabilidade;
• Apresentar a história da alimentação, entender o que se come e como se come em uma 
sociedade, consistindo no entendimento mais profundo sobre as questões culturais;
• Apresentar a representação desta sociedade, tal como realizada por artistas e fotógrafos 
do século XIX, indentificando olhares externos sobre a mesma, de descrições e críticas, que 
auxiliam a elaborar uma interpretação mais reflexiva sobre o Império e o entendimento que 
os seus protagonistas tinham de si mesmos e de sua história. 
OBJETIVOS DE APRENDIZADO 
• Transformações da Arquitetura Urbana e Seus Reflexos no Mundo Rural;
• Inventários e Testamentos: Registros dos Significados Sociais 
dos Objetos;
• A Cultura Alimentar e seus Múltiplos Significados Culturais;
• A Fotografia e a Pintura do Cotidiano: Retratos de Historicidade.
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
Transformações da Arquitetura Urbana 
e Seus Reflexos no Mundo Rural
A maioria das descrições sobre o Rio de Janeiro do início do século XIX, indicava que 
a cidade era semelhante a certos bairros de Lisboa que não haviam passado por reformu-
lações após o terremoto de 1755, principalmente no que diz respeito às características dos 
“distritos mais porcos e imundos”. O Rio, na época, era mesmo uma cidade pequena, com 
um espaço urbano que compreendia apenas quatro freguesias: Sé, Candelária, São José e 
Santa Rita. Mas o termo da cidade era muito mais vasto e compreendia diversas freguesias 
rurais. Nesses locais, as casas eram dispersas, não havia arruamento e a chegada a esses 
lugares se fazia por caminhos que cortavam mato e mangues (CARVALHO, 2008).
O Rio de Janeiro não possuía grandes problemas com a regularidade do traçado de 
muitas de suas ruas, uma vez que a expansão para a várzea, ainda no século XVIII, ocorrera 
a partir da adoção de um traçado retilíneo. Entretanto, como nas outras cidades coloniais, 
várias ruas eram estreitas e havia, dentro da urbe, diversos espaços sem nenhuma cons-
trução, áreas de tamanho considerável. Havia igualmente muitos alagadiços e mangues, 
concentrados principalmente na região situada após o campo de Santana. Além de tudo 
isso, havia também a ideia da inferioridade colonial, a partir de comparações com as feições 
de cidades europeias. Era a imagem invertida da metrópole. Mas muitos desses aspectos já 
haviam sido discutidos após o terremoto, quando as cidades coloniais deveriam passar por 
transformações. Mas elas não foram suficientes para uma alteração radical das estruturas da 
cidade, e os problemas continuaram (CARVALHO, 2008).
O Rio de Janeiro, a partir de 1808, tornou-se a sede do Império português e estava 
sujeito ao constante desejo de “progresso”, presente no pensamento iluminista refor-
mado da época que reflete uma ideia de cidade que perpassa toda a discussão sobre 
as transformações do Rio de Janeiro àquela época e que incluem três conceitos-chave: 
beleza, higiene e circulação. Mas a chegada de cerca de 10.000 pessoas à cidade nas 
frotas daquele ano, impôs o problema da instalação imediata daqueles recém-chegados, 
para os quais os moradores tiveram de ceder suas próprias casas. Novas edificações logo 
tiveram de ser realizadas (CARVALHO, 2008).
O hábito citadino de construir casas térreas em grande quantidade era considerado 
inconveniente e insalubre, devido à ausência de luminosidade, pouca ventilação e pro-
ximidade ao chão úmido (aumentando a propagação de epidemias). Outro fator nocivo 
à expansão da nova corte, na visão contemporânea, eram os morros do Castelo e de 
Santo Antônio, posicionados na região central da cidade do Rio de Janeiro. A ideia era 
arrasar os morros para tornar a cidade mais plana, entulhando os charcos, os lugares 
baixos fazendo o ar circular mais facilmente pela cidade, e também para equilibrar o ex-
cessivo calor. Mas a efetiva demolição desses morros apenas ocorreu, respectivamente, 
nas décadas de 1920 e 1950.
A dimensão civilizadora que envolvia a transformação da cidade do Rio de Janeiro em 
uma nova corte também passava pela organização das ruas, já que a ampliação da largura 
das ruas tornou-se uma necessidade após a chegada da corte, o que era justificado para 
8
9
retirar o “abafamento” das ruas, deixando entrar “grandes colunas de ar”, além de facilitar 
a circulação das pessoas.
O Rio de Janeiro é uma cidade que passou por vários períodos de transformação, resgatados 
e apresentados em pranchas digitalizadas que nos mostram as profundas mudanças que 
a cidade vivenciou desde o período colonial até a Republica. Confira no link a seguir mais 
sobre o trabalho do artista gráfico Carlos Augusto Nunes Pereira, o Guta! 
Disponível em: https://youtu.be/whz-NltoUX8
Enfim, a construção de praças também foi um fator característico daquelas trans-
formações, elas deveriam existir enquanto elemento estruturador do traçado urbano, 
e deveria abrigar funções de centro, funcional ou formal. Deveriam conter também 
edificações nobres e chafarizes, construídos em pedra, sobre degraus e ornamentados 
com estátuas ao estilo parisiense. Assim, civilizar o espaço urbano da cidade do Rio de 
Janeiro significava implementar novas propostas estéticas correlacionadas às vigentes 
na Europa, ou seja, à civilização (CARVALHO, 2008).
No Brasil, a tradição clássica não surgiu após a chegada da Família Real ou com a de-
nominada “missão francesa” de 1816. Tais fatos foram certamente agentes catalizadores 
do processo de implantação desse repertório arquitetônico que, significativamente, só se 
difundiu após a independência. No entanto, desde o período colonial existiram exemplares 
com clara concepção neoclássica, entre eles a Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto, 
como vimos, a Igreja de Nossa Senhora da Candelária e o Real Teatro São João, ambos 
no Rio de Janeiro. A Candelária, reconstruída a partir de projeto do engenheiro militar 
Francisco João Roscio apresenta filiação direta com o Convento de Mafra (1717 – 1720), 
de João Frederico Ludovice, que já revelava a transição do barroco ao neoclassicismo em 
Portugal (MENDES et al., 2011).
Figura 1 – Igreja Nossa Senhora da Candelária RJ, 1811
Fonte: Wikimedia Commons
9
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
Uma série de artistas (pintores, escultores, gravadores e arquitetos) formados na Aca-
demia de Artes de Paris, no mais estrito estilo neoclássico, “se auto convidaram” para 
a função de representar oficialmente a nova condição do Brasil, e não chegaram como 
grupo. Mas tiveram o incentivo de muitas personalidades importantes no projeto de 
criar uma academia de belas artes, fundada dez anos após a sua chegada, em 1826, 
com muitas dificuldades.
O Neoclassicismo no Brasil, entretanto, apenas a partir do Primeiro Reinado, sob a 
égide de D. Pedro I, definiu-se como arquitetura oficial, assim como já havia ocorrido em 
alguns países da Europa, como França e Inglaterra. Afinal, após a Revolução Industrial, 
diversificaram-se os programas arquitetônicos, atendendo a funções específicas para abrigar 
entidades públicas, que privilegiavam o novoestilo como forma de representação. Os novos 
edifícios deveriam simbolizar dignidade, imponência, austeridade, verdadeiros símbolos de 
uma nova forma de poder para a qual o repertório clássico revisitado incorporava essas 
qualidades. Durante o período joanino, nenhum edifício residencial foi construído utilizando 
esse repertório erudito.
A maioria das obras, já que foram ocupadas em regime de urgência, foram adaptadas, 
por vezes, tentando introduzir algum novo elemento decorativo modernizador, como uma 
platibanda, ornatos de ferro coroando a fachada, entre outros. A arquitetura produzida 
para o governo e a nobreza foi basicamente influenciada por dois arquitetos franceses: 
Grandjean de Montigny, da Escola de Belas Artes e Pierre Pézerat, da Politécnica de Paris. 
O método utilizado por Montigny era inspirado na composição de grandes obras clássicas 
do passado. Mas muitas dessas edificações eram criticadas pelos contemporâneos que já 
tinham como preocupação os problemas de estabilidade, setorização e iluminação detec-
tados nos edifícios. Além disso, havia a maior valorização de aspectos relacionados à fun-
cionalidade e construção do que questões compositivas e estilísticas (CARVALHO, 2008).
Na Corte, a presença dos franceses e as novas influências iriam favorecer o emprego 
de construções mais refinadas, a partir de um novo tipo de residência: a casa de porão 
alto, representava uma transição entre os velhos sobrados e as casas térreas. Eram os es-
forços de adaptação às condições de ingresso do Brasil no mundo contemporâneo, sendo 
que, à princípio, essas casas eram feitas tendo em vista o mesmo partido arquitetônico do 
período anterior, com tímidas modificações de fachada. Mas a própria integração do país 
no mercado mundial, conseguida com a abertura dos portos, iria possibilitar a implantação 
de equipamentos que contribuiriam para a alteração da aparência das construções dos 
centros maiores do litoral. Além disso, a própria existência das obras de maior destaque, 
como as anteriormente citadas, fazia com que elas se tornassem exemplos para as demais. 
Mas a marca, no caso, seriam as platibandas e os porões altos (LEMOS, 1999).
A questão da sociabilidade alterou-se muito após a vinda da Corte e com a ocorrência 
do Império. O hábito de receber e promover festas dentro das residências foi o grande 
responsável pela extinção das varandas como espaço social. A setorização da casa neo-
clássica no Brasil aprimorou-se desde o Solar da Marquesa de Santos até o Palacete Nova 
Friburgo. O setor de serviços que, na casa da Marquesa, colocava a cozinha fora do perí-
metro da edificação, no Catete, volta a juntar-se ao perímetro da edificação através de uma 
passagem coberta, que unia a casa à área de serviço. Os setores social e íntimo que, na 
casa da Marquesa, no Paço de São Cristóvão, estavam juntos, no palacete Nova Friburgo, 
dispunham-se separadamente, em andares distintos (MENDES et al., 2011).
10
11
Figura 2 – Palácio da Marquesa de Santos em São Cristóvão, RJ
Fonte: Wikimedia Commons
A essas transformações no campo da arquitetura correspondiam modificações signifi-
cativas nos centros urbanos. Nas cidades de maior importância, como São Paulo, multipli-
cavam-se ruas calçadas e apareciam os primeiros passeios junto às casas. Construíram-se 
também jardins, ao gosto europeu, imitando o passeio público do Rio de Janeiro, cercados 
por altas grades de ferro, reservando seu uso para as camadas mais abastadas. Mas usos, 
moradas e cidades alteravam-se lentamente. Seria preciso a substituição da escravidão 
pela imigração para que modificações de maior importância nessa arquitetura citadina 
ocorressem (LEMOS, 1999).
Na capital do Império, os engenheiros militares Joaquim Cândido Guillobel e José Jacin-
to Rebelo, ambos diplomados no Rio de Janeiro, e arquitetos como Araújo Porto-Alegre e 
Bethencourt da Silva, ex-alunos e professores da Academia, desenvolviam vários projetos. 
Mas, a partir de 1884, a formação de engenheiros apenas deveria ocorrer a partir da Es-
cola Politécnica (criada em 1810 com o nome de Academia Real Militar) e não mais pela 
Academia de Belas Artes (criada em1826 a partir da Missão Francesa). Nesse momento, a 
eficiência técnica deveria superar as formas. A arquitetura passa a ser impregnada de racio-
nalismo, economia e austeridade estética. Assim, a arquitetura oficial do Império nos seus 
últimos anos incorporou uma série de novas tendências presentes na Europa, indicando, 
inclusive, a influência do Neogótico e do Ecletismo nesta arquitetura (MENDES et al., 2011).
As características culturais e arquitetônicas das cidades começaram a influenciar a 
área rural no período do café, que teve seu período de expansão relacionado à trans-
ferência da corte portuguesa ao Brasil em 1808 e com a Independência em 1822. As 
elites que comandaram esse processo originaram-se, em sua maior parte, na região 
Centro-Sul. Elas viram no novo produto uma taboa de salvação, principalmente tendo 
em vista a estagnação ou o declínio das vendas internacionais do açúcar, algodão e ta-
baco. Assiste-se então à conversão à grande produção cafeeira, por parte de numerosos 
fazendeiros, comerciantes ou mesmo burocratas (MENDES et al., 2011).
Após algumas experiências com o café no século XVIII, a planta que dá origem aos 
preciosos grãos foi plantada na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, mas ainda não apre-
sentando resultados satisfatórios. Apenas em meados do século XIX, com a ocupação do 
11
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
Vale do Paraíba, a cultura do café tornou-se expressiva, farta na produção e nos lucros ela 
foi um dos símbolos mais importantes do Império. O “ciclo cafeeiro” firmou-se e muitas 
fazendas de café foram construídas. Muitas vilas e cidades surgiram enquanto pontos de 
reunião daquele novo segmento aristocrático que despontava: os “barões do café”. Em 
conjunto com essas transformações econômicas e sociais, era preciso viabilizar o trans-
porte da produção cafeeira aos portos, além da necessidade de interligar o vasto território 
nacional recém-consolidado a partir da Independência (MENDES et al., 2011).
Os primeiros agricultores do Vale do Paraíba, na maioria das vezes, eram homens rudes, 
ex-garimpeiros, pequenos comerciantes oriundos das Minas Gerais, e construíam simples 
abrigos rudimentares, anexos a depósitos e plantações, numa empírica ocupação diante das 
incertezas dos resultados. À medida que os lucros chegaram e delineava-se o sucesso desse 
investimento, o agenciamento de novas construções e de reformas das antigas se fazia ne-
cessário e iniciavam-se os modelos que seriam consagrados, posteriormente, nessa arquite-
tura de fazendas de café do século XIX. Dos primeiros abrigos junto às tulhas e às reduzidas 
plantações, evoluiu-se para uma implantação que se tornou definitiva: ao fundo de um vale 
de grandes dimensões, com edificações dispostas em quadras retangulares em torno de um 
grande pátio, espaço de lavagem e secagem dos grãos (MENDES et al., 2011).
Havia a casa-grande ou sede, de um ou dois pavimentos, capela, senzala em galeria, ca-
sas dos capatazes, depósitos e o local do beneficiamento, onde os grãos seriam descascados, 
separados e torrados. Esses edifícios dispunham-se no mesmo plano, em nível inferior às 
colinas arredondadas e circunvizinhas, onde os cafezais se avistavam por toda a paisagem. 
Nos primeiros tempos, a inspiração foi das casas dos engenhos litorâneos do século XVIII. 
Mas logo após a chegada da Corte portuguesa no Brasil, em 1808, gradativamente, as 
novas fazendas apropriaram-se das inovações da corte, incluindo a perda das varandas de 
entrada, tão características das edificações agrícolas rurais antecedentes. Surgiu um neo-
classicismo adaptado à mão de obra e aos materiais locais, acrescentando cada vez mais 
itens importados. 
No auge do ciclo do café, durante o Segundo Reinado, era possível encontrar muitas 
fazendas em condições de luxo e conforto que superavam ascasas mais ricas das cidades. 
Tudo o que pudesse ser transportado, faria parte de seu repertório construtivo e decorati-
vo: papéis de parede, mobiliário requintado, cristal, louças, pinturas que traziam a Europa 
para o Brasil, que simulavam janelas abertas para outras paisagens que não as das pró-
prias fazendas (MENDES et al., 2011).
Figura 3 – Fazenda Resgate, Bananal-SP (1855)
Fonte: Wikimedia Commons
12
13
As plantas das fazendas diferiam em números de aposentos, porém, mantinham a 
setorização básica herdada dos moldes coloniais, o partido aberto, que separava o traba-
lho da habitação, e que agora incluía uma questão a mais: o social. Dessa forma, havia 
uma área para receber, associada diretamente ao exterior, às vezes, por uma generosa 
varanda que aos poucos foi perdendo espaço, ou um setor íntimo, mais aconchegante. 
Mas a tradição das alcovas foi mantida, e o setor de serviços, com a cozinha aos fundos. 
À medida que o proprietário enriquecia e a família aumentava, o espaço de moradia 
servia para refletir essa opulência, e ia sendo modificado, com mais salas, biblioteca, 
escritórios, dormitórios com camarinhas e saletas, grandes cozinhas e despensas, apo-
sentos de escravos (MENDES et al., 2011)
O segundo andar era destinado às atividades mais nobres, sociais e de habitação, enquan-
to o térreo era destinado aos serviços. Em muitos exemplares, podiam ser verificados pátios 
internos, cercados de galerias e corredores envidraçados, ou mesmo confortáveis varandas 
alpendradas fechadas, além de jardins de inverno, que vieram com a europeização dos cos-
tumes. As antigas paredes brancas agora recebiam cores, amarelo, azul, rosa e enquadra-
mento dos vãos em pedra ou argamassa pintada e esquadrias com cores combinadas. Papéis 
de parede revestiam a taipa ou o adobe dos salões. Em alguns exemplares do final do século 
XIX, é possível encontrar estruturas metálicas, criando varandas e alpendres.
Sobre as fachadas, não é possível estabelecer um padrão adotado pelas diversas se-
des, distribuídas geograficamente por cenários tão distintos. A maioria herdou, em seus 
primórdios, elementos utilizados pelas fazendas e engenhos coloniais: pavimento térreo 
destinado ao serviço, composto de vãos rasgados na alvenaria, que suportava o peso 
de uma varanda superior para onde convergiam os acessos à moradia. A edificação era 
arrematada por generosos beirais a escoar a água constante das chuvas tropicais. Gra-
dativamente, esses partidos se alteraram, incluindo inovações estilísticas, encomendadas 
a arquitetos (MENDES et al., 2011). 
Varandas foram fechadas, tornando festas e reuniões mais privativas, platibandas 
escondiam os telhados, e até mesmo frontões surgiriam para marcar entradas. Era a as-
sociação ao poder por meio da arquitetura, tão comum naquele período e que também 
havia no campo, tanto quanto nas cidades.
Os primeiros exemplares mantinham os padrões construtivos tradicionais presentes 
desde o período colonial, calcados em três materiais básicos: pedra, madeira e barro, 
alterando-se à medida em que os laços se estreitavam as relações com a Europa. Se-
guindo as lições dos mestres construtores portugueses, as fundações em pedra e barro 
continuaram, paredes autoportantes no mesmo material ou em taipa de pilão, raramen-
te utilizando tijolos na primeira fase. Paredes internas em pau a pique, pisos em tabuado 
corrido apoiados em barrotes de madeira, forros em estuque, ou madeira, esquadrias 
em madeira maciça pintada, associadas a janelas em guilhotina e caixilhos miúdos em 
vidro (MENDES et al., 2011).
Na preparação do terreno para receber as edificações, há presença de tradições dos 
paulistas e dos mineiros ao mesmo tempo, pois se observam, na mesma fazenda, tanto 
o uso do terrapleno, com cortes e aterros, uma influência dos paulistas, quanto a cons-
trução de algumas edificações acompanhando o declive do terreno, uma técnica mais 
associada aos mineiros (BENINCASA, 2003). 
13
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
O “modo mineiro” foi mais utilizado nas casas-grandes, nas quais aproveitava-se o 
espaço resultante sob o piso – o porão – como depósito ou moradia de escravos. O 
modo paulista foi mais utilizado nas demais edificações, como senzalas, casas dos ad-
ministradores, entre outros. Para a implantação do núcleo central das fazendas, faziam-
-se grandes platôs, seguros por sólidos muros de arrimo de pedras ou tijolos, em toda 
a área destinada à locação dos edifícios, que apresentava uma lógica própria: moradia 
dos proprietários, edificações de beneficiamento de café, tulhas, terreiros, habitação dos 
trabalhadores (BENINCASA, 2003).
A partir do final do século XIX, as fazendas cafeeiras do centro-oeste paulista pas-
saram a apresentar uma distribuição mais lógica e racional de suas edificações, devido 
às influências do pensamento moderno. A lógica da escolha dos terrenos ainda era a 
mesma de tempos anteriores, apenas com a escolha mais frequente da meia encosta 
(declinação suave) para a implantação das edificações, além da presença da água, já que 
as máquinas ainda utilizavam a roda d´água (BENINCASA, 2003). 
A questão é que, em São Paulo, também é possível encontrar fazendas nas quais a 
água não estava disponível próximo às áreas das edificações, já que canais de irrigação, 
a céu aberto ou subterrâneos, eram construídos para atender essa demanda. Geral-
mente, os canais terminavam em um grande reservatório construído em alvenaria de 
pedra ou de tijolos, situado em cota mais alta que as demais edificações, possibilitando 
a criação e o abastecimento de vários canais secundários que seguiam em direção às 
moradias principais, terreiros, pomar, hortas, moinhos, monjolos, currais, estábulos, e 
outras instalações (BENINCASA, 2003).
Mesmo depois da chegada das ferrovias, quando se tornou mais cômoda a aquisição 
de alimentos por via das cidades, não se abandonou de todo a sua produção nas fazen-
das. A tradição da horta e do pomar manteve-se, revestindo-se, porém, de um caráter 
mais refinado e culto. No pomar, os fazendeiros plantavam mudas de variedades de fru-
tas e plantas exóticas, obtidas em suas viagens, exibidas com orgulho, enquanto prova 
de ilustração (BENINCASA, 2003).
Ainda hoje, em algumas fazendas, exibem-se espécimes incomuns na região. Os po-
mares eram protegidos por muros, delimitando um espaço de acesso restrito. Situados 
atrás das casas-grandes, em um nível mais elevado, com vários canais que irrigavam a 
área. O pomar, a horta e os jardins eram responsabilidade das mulheres. A partir dos 
últimos anos da década de 1880, os jardins começaram a ter um desenho mais elabora-
do, e passam a ser projetados junto com as casas de fazenda. Antes desse período, havia 
“jardins espontâneos” (BENINCASA, 2003). 
A arquitetura urbana já estava definida em moldes muito semelhantes, mas exemplos 
personalizados de arquitetura neoclássica passaram a ficar cada vez mais numerosos, 
era um “desejo modernizador” que impulsionava a arquitetura, consolidando as casas 
fornidas de coisas supérfluas, indicando uma nova ambientação, suplantando hábitos 
antigos (LEMOS, 1999).
14
15
Faça um tour virtual pelo Museu do Café! Localizado em Santos – SP no prédio da antiga 
Bolsa Oficial do Café, o Museu possui um acervo museológico, bibliográfico e arquivístico 
que conta a história do café no Brasil a partir de objetos, fotografias e documentos, entre 
muitos outros vestígios. Conheça o lugar onde muitas decisões importantes sobre o comér-
cio do café foram realizadas, no link, disponível em: https://bit.ly/3CUMXHW
Inventários e Testamentos: Registros 
dos Significados Sociais dos Objetos
Fernand Braudel afirmou certa vez que a economia das civilizações possui duas di-
mensões que se confrontam, combinam e se contradizem. Uma delas, segundo o autor, 
costuma ser preferencialmente descrita, é a chamada “economia de mercado”, ou dos 
mecanismos da produção e da troca. Essa economia corresponderia a realidades bem 
nítidas, facilmentecompreensíveis. 
A outra dimensão foi considerada por Braudel como uma “zona de opacidade”, difícil 
de se observar por falta de documentação histórica; ela seria a “outra metade informal da 
atividade econômica, a da autossuficiência, da troca dos produtos e dos serviços num raio 
muito curto”. Essa atividade econômica foi denominada por Braudel como civilização ou 
vida material (BRAUDEL, 1995, p. 12). Durante muito tempo, essa “atividade de base” 
que se encontra por toda a parte e se estende pelo mercado apresentando um “volume 
fantástico”, nas palavras de Braudel, obteve do estudo da história um interesse limitado. 
Porém, a partir de 1929 com a École des Annales e sua revista Annales d’Histoire 
Économique et Sociale, o domínio do historiador foi amplamente aberto, e nele intro-
duzido a cultura material. Fernand Braudel, membro da segunda geração dos Annales, 
foi o autor da primeira grande síntese sobre a história da cultura material, “Civilização 
Material, Economia e Capitalismo – séculos. XV a XVIII”, escrita entre 1967 e 1979 
(PESEZ, 1993). 
Contudo, segundo Jean-Marie Pesez, é preciso admitir que a vida material fez um in-
gresso ainda bastante tímido na história, pois ela ainda não soube forjar seus conceitos, 
nem desenvolver todas as suas implicações. Ainda segundo o autor, as únicas premissas 
que podemos reter dos estudos realizados sobre a história da civilização material, são 
aquelas relacionadas com as ideias sobre a cultura material enquanto uma história da 
maioria. Além disso, a história da civilização material permite a compreensão da rela-
ção entre vida material e vida econômica, “intimamente ligadas e nitidamente distintas” 
(PESEZ, 1993, p. 184). 
Para Peter Burke, ao apresentar os pontos fortes e fracos da Nova História – a terceira 
geração dos Annales – certos problemas são identificados quando se trata do estudo de 
15
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
novas fontes e novos métodos para as análises históricas. Segundo o autor, as novas pergun-
tas elaboradas buscavam outros tipos de fontes até o momento não explorados. Especifica-
mente no caso da cultura material, Burke considerou que seu estudo é baseado menos nos 
artefatos do que nas fontes literárias. Podemos citar como exemplo, os relatos dos viajantes 
e os inventários de propriedades, os quais ainda precisam de uma sofisticação crítica para 
sua leitura que tem sido praticada também pelos estudiosos dos testemunhos orais e icono-
gráficos (BURKE, 1992). 
Todavia, para Peter Burke, apesar das dificuldades encontradas com a documenta-
ção, as descrições oferecidas pelos viajantes ou pelos inventários podem esclarecer pon-
tos sobre “a vida social dos objetos – ou mais exatamente [...] a vida social dos grupos, 
revelada por seu uso dos objetos” (BURKE, 1992, p. 29). Dessa forma, como esclareceu 
Pesez, apesar dos estudos relacionados aos usos dos objetos serem considerados muitas 
vezes como “retórica da curiosidade”, nem por isso a cultura material se mostrará me-
nos necessária, “porque apresenta o interesse de reintroduzir o homem na história por 
intermédio da vivência material” (PESEZ, 1993, p. 210). 
De acordo com o debate sobre as novas formas da história e do estudo da vida mate-
rial a partir de novas fontes, estudar a “vida social dos objetos” e “reintroduzir o homem 
na história por intermédio da vivência material”, constituem elementos indispensáveis 
para compreensão do significado dos bens materiais. Os Inventários e Testamentos 
constituíram documentos essenciais para a realização de uma análise dos padrões de 
vida devido ao caráter descritivo da vida material que eles encerram. Além disso, por 
meio do caráter serial dessa documentação, é possível recuperar vários personagens que 
em conjunto formam grupos sociais (FRAGOSO; PILTZER, 1988). 
A descrição dos bens presente nas avaliações nos possibilita “compreender e distin-
guir a condição de vida dos inventariados e de seus familiares”. Também possibilita a 
análise e o estudo das condições da vida social e econômica da época, além de oferecer 
“material precioso para o estudo [...] da composição da família [...] e da evolução do nível 
de vida daqueles nossos antepassados” (RIBEIRO, 1948, p. 19). Essa documentação 
apresenta duas partes: o testamento e o inventário. O testamento, elaborado antes da 
morte do inventariado, correspondia às últimas designações em vida sobre o destino de 
seus bens, de seus índios, a enumeração de alguns bens e dívidas, e o principal: suas 
disposições após a morte – número de missas e preferências para o acompanhamento 
e sepultamento do corpo. A partir do estudo dos testamentos, podemos analisar alguns 
aspectos da percepção de mundo do testador.
O inventário, por sua vez, correspondia ao levantamento dos bens de uma pessoa 
após a sua morte, visando a “uma exata demonstração da situação econômica [...] a fim 
de serem apurados os resultados que irão ser objeto da partilha”. No inventário, os bens 
são discriminados em móveis – os utensílios – e imóveis, ou de raiz – as casas, terrenos 
e roças. Os bens móveis em especial permitem precisar a diferença social no interior da 
sociedade, e os bens imóveis indicam as atividades desenvolvidas pelos indivíduos e as 
possibilidades de rendimento ao serem avaliados no local em que se situam. Os inven-
tários e testamentos também constituem o “testemunho de uma realidade complexa” 
e permitem, através de sua análise, “compreender as mudanças nas formas de riqueza 
social” (CREDDO, 1996, p. 11).
16
17
Vale lembrar que, nos inventários, também encontramos quitações de dívidas, leilões 
de bens, questões de tutoria de órfãos e averiguações acerca do cumprimento dos le-
gados. O formato dessa documentação sofreu poucas transformações no correr de três 
séculos, entre o XVII e o XIX, proporcionando o mesmo tipo de informação e a pos-
sibilidade de detectar mudanças no cotidiano do uso dos objetos. O uso dos bens para 
dotes de casamentos também foi um item muito presente nos inventários e testamentos, 
que sofreu alterações com o passar dos séculos, o que demonstra alteração da mesma 
forma no conceito de propriedade e no modo como se adquirem e conservam os bens 
(NAZZARI, 2001). 
As mudanças sofridas pela sociedade brasileira que ajudam a explicar a 
decadência e o desaparecimento do dote são muitas das mesmas trans-
formações que têm sido observadas nas regiões mais centrais do mun-
do ocidental. Passando por um longo processo que se iniciou no século 
XVIII e continuou até o início do século XX, o Brasil mudou, de uma 
sociedade hierárquica, tipo ancien régime, na qual eram primordiais a 
posição social, a família e as relações clientelistas, para uma sociedade 
mais individualista, em que, cada vez mais, passaram a dominar o contra-
to e o mercado. (NAZZARI, 2001, p. 22)
Era uma sociedade verticalmente repartida em clãs familiares que se transformou 
gradativamente em uma sociedade dividida horizontalmente em classes. Dessa forma, 
entre o século XVII e o final do XIX, desenvolveu-se um novo conceito de propriedade 
privada. A família deixou de ser a protagonista da produção e consumo, para se tornar 
principalmente o foco do consumo, ao mesmo tempo em que o poder da família exten-
sa entrou em decadência e a família conjugal tornou-se mais importante e o casamento 
transformou-se, de questão predominantemente de propriedade, em relacionamento re-
conhecido como “de amor”, cujos esteios econômicos já não eram mais explicitados. 
Essas transformações tiveram lugar no Brasil de maneira gradual e complexa, de tal 
modo que tanto as características antigas quanto as novas muitas vezes coexistiram em 
determinados momentos, por vezes, até dentro da mesma família. À medida que essas 
mudanças ocorreram, a prática do dote se alterou (NAZZARI, 2001).
Na segunda metade do século XIX, quando ocorreu um repúdio ideológico ao dote, a 
sua prática já havia declinado drasticamente, fazendo prever seu desaparecimento final. 
No iníciodo século XVII, nenhuma filha de proprietários ia para o casamento sem uma 
contribuição em bens para o sustento do novo casal. A maioria das filhas recebia um 
dote. As poucas que se casavam sem dote já haviam perdido um dos genitores e, por-
tanto, levavam sua herança para o casamento. Um século depois, quase três quartos das 
mulheres da classe proprietária iam para o casamento sem levar bens consigo. Mesmo 
que fossem herdar mais tarde, já não contribuíam com um dote para o sustento inicial 
da família. Embora os bens ainda pudessem ter um papel importante a desempenhar no 
casamento dos indivíduos, já não constituíam a pedra fundamental para que o casamen-
to se concretizasse, negócios e família passaram a ser coisas distintas. Mudou também o 
significado dos bens nas relações não apenas familiares, mas sociais (NAZZARI, 2001). 
Durante o período colonial, em todos os aspectos, os brancos procuraram impor 
a sua cultura material, muito embora num ou noutro detalhe se deixassem também 
17
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
influenciar pelas populações indígenas e africanas (SILVA, 1993). As vestimentas eram 
um dos itens mais valiosos nos inventários, já que a sociedade do Antigo Regime, tan-
to em Portugal como no Brasil, manteve-se sempre vigilante para que o exercício de 
determinadas funções e a representação das posições sociais fossem simbolizados por 
práticas vestimentárias próprias. Os principais adereços nesse sentido eram constituídos 
pelas joias, ou enfeites da moda francesa feitos em plumas e penas arranjadas como se 
fossem flores em ramos e guirlandas enfeitando os vestidos no início do século XIX (SIL-
VA, 1993). Tecidos de algodão, seda, casimira, cetins e veludos, tafetás de várias cores, 
galões de ouro e de prata, meias compunham trajes que tentavam ao máximo copiar as 
modas europeias.
Figura 4 – Trajes femininos do início do século XIX (Roque Gameiro, Quadros da História de Portugal, 1917)
Fonte: Wikimedia Commons
Uma multidão de caixeiros viajantes passou a percorrer várias áreas para levar as 
novidades europeias, que haviam se consagrado na Corte do Rio de Janeiro. Sedas 
espessas francesas, cambraias finíssimas de linho ou algodão e incontáveis casemiras 
de lã inglesa, rendas e bordados de Flandres e da Irlanda, chapéus de feltro e seda, fitas 
e pentes para cabelos, cintos, sapatos, botas e botinas eram consumidos com avidez e 
compunham os artigos mais luxuosos que passaram a percorrer as estradas do interior, 
em direção às ricas fazendas de café ou engenhos de açúcar (SETÚBAL, 2008). 
18
19
No canal do Youtube “A modista do Desterro”, a moda brasileira do século XIX é desvendada 
a partir de exemplares de revistas de moda e jornais femininos, que republicavam no Brasil 
as tendências da moda europeia. No entanto, o tão comentado atraso da moda brasileira 
com relação aos costumes da moda na Europa não era tão grande assim... Descubra o por-
quê no link, disponível em: https://youtu.be/IoV-DuSD9nk
A moda napoleônica masculina que também dominava Portugal daria espaço aos 
padrões ingleses mais sóbrios rígidos e inspirados em roupas militares ou de montaria, 
lãs cada vez mais escuras, chapéus contidos, sapatos escuros e sóbrios. Os excessos de 
cor, plumas e perucas caíram em desuso com o passar do século, quanto às mulheres, 
a moda dos vestidos leves e acinturados sob o busto, mais simples, ornados com rendas 
e com muitas joias. A partir das décadas de 1860, as imensas saias balão, armadas com 
hastes de metal para deixar as saias rodadas. A partir de 1880, a silhueta feminina vol-
ta a ser esguia, com espartilhos e corpetes muito justos, acentuando o busto, bastante 
comuns até a Primeira Guerra Mundial. Influências trazidas de Portugal para o Brasil 
(SETÚBAL, 2008).
A partir do início do XIX, muitos brasileiros viajam e estudam na Corte, principalmente 
os filhos dos grandes latifundiários, e, quando eles retornam, trazem as influências da Corte 
portuguesa em todos os âmbitos da vida privada. No latifúndio e na cidade, aos poucos, 
vai se introduzindo uma transformação nos modos de vida e visão do mundo (SETÚBAL, 
2008). Modificam-se o mobiliário, os móveis suntuosos dos salões das elites, como as me-
sas de pés torneados, chamados bufetes, e os de sentar, como as cadeiras de jacarandá ou 
vinhático, estavam ao alcance apenas das famílias mais ricas. Durante o século XVII e parte 
do XVIII, eram especialmente cobiçadas as chamadas cadeiras de estado, com assento e es-
paldar de couro lavrado, chamado também de sola ou tamboretes. Os encostos podiam ser 
assim adornados com gravações de motivos vegetais, arabescos e brasões, ostentados por 
poucos. Caixas, baús, canastras e arcas compunham o mobiliário de guardar até a vulgari-
zação dos armários, já na segunda metade do século XIX (SETÚBAL, 2008).
A fabricação de redes foi apreendida com os indígenas, sendo realizada normalmente 
por mulheres, ditas rendeiras, que teciam em teares verticais igualmente nativos. Sua 
produção tradicional manteve-se em diversos locais até meados do século XX, princi-
palmente no Sudeste, como resíduo do grande consumo associado às feiras de tropas 
de muares, alguns de linho e a maioria de algodão, e também colchas e cobertores de 
lã, embora, com exceção desses últimos, devem ter sido próprios apenas das famílias 
mais ricas, devido ao seu alto valor. À rouparia da casa somavam-se também diversos 
outros objetos, de prata ou metais como o cobre e o ferro, cerâmica, além da madeira 
(SETÚBAL, 2008).
Os objetos mais comuns nas residências eram as salvas (espécie de prato ou bacia 
amplo e raso), pratos e talheres lisos ou com ornamentação barroca. Já as camadas po-
pulares se contentavam com objetos de estanho e madeira. Porcelanas orientais e louças 
europeias, praticamente inexistentes no período colonial, tornam-se abundantes no XIX. 
Nas cozinhas, eram comuns os tachos, caçarolas, caldeiras, caldeirões e frigideiras de me-
tais como o cobre e o ferro, além de muitos recipientes de cerâmica (SETÚBAL, 2008). 
19
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
Algumas novidades começam a parecer nos Oitocentos: relógios de parede, louças 
de Macau, serviços de cristal, espelhos e peças com assentos e encosto de palhinha, 
destronando os móveis de jacarandá. Tanto nas fazendas como nas moradas urbanas, 
as salas receberam móveis neoclássicos tardios: cadeiras, poltronas e sofás de palhinha, 
com assentos e encostos de medalhão oval com as finas tiras de palha trançada, sendo 
essa a tendência de maior impacto no mobiliário oitocentista. Eram móveis leves em um 
padrão que se repetia nas ricas moradias, tal como os móveis de madeira encurvada 
chamados Thonet, produzidos na Áustria e posteriormente no Rio de Janeiro, tiveram 
grande popularidade no Brasil. Cadeiras desse padrão, algumas delas com enfeites flo-
rais entalhados presos no alto do encosto, eram frequentemente encontradas nas áreas 
cafeicultoras (SETÚBAL 2008).
Figura 5 – Acervo do Museu Visconde de Mauá: liteira, cama, cristaleira e relógio
Fonte: Wikimedia Commons
O aumento das atividades econômicas decorrentes do café nas cidades, o crescente 
número de emigrados europeus e a regularização das viagens marítimas saídas de Santos 
ou do Rio de Janeiro em direção à Inglaterra intensificaram as mudanças nas práticas e 
costumes. Ao observarmos as transformações ocorridas nos interiores das residências 
no século XIX a partir da cultura material, compreendemos de que forma o aumento na 
oferta e no consumo do mobiliário, de objetos de decoração de estilo europeu e de utensí-
lios domésticos, estava relacionado com a modernização cultural, social e econômica das 
sociedades (ABRAHÃO, 2010).
As casas bem cuidadas e luxuosas procuravam individualizar-se, expressando o êxito 
econômico, o gosto, as preferências culturais de seu proprietário, transformando-se em 
um cartão de visita de seus moradores sendo as salas os espaços de representação so-
cial, iluminadospor lustres de cristais Baccarat. A altivez dos salões dos sobrados, suas 
suntuosas residências urbanas, era exibida à nata da sociedade nos jantares, saraus e 
bailes a partir da sedução pela projeção social possibilitada por ter salas bem decoradas 
(ABRAHÃO, 2010).
20
21
Nas casas aristocráticas, a sala de visitas era o espaço onde os anfitriões re-
cepcionavam seus amigos. Construída na parte frontal da residência, nesse 
cômodo eram expostos os móveis mais luxuosos e elegantes. A forma de 
disposição das cadeiras e dos sofás induzia implicitamente a um caráter 
de distinção e hierarquia. O arranjo dos móveis formava um U, ficando a 
poltrona de encosto alto e com braços de uso do chefe da casa em uma das 
extremidades, ladeado por um sofá, canapé ou cadeiras de palhinha sem 
braços. A esposa sentava-se à direita de seu marido [...] havia cadeiras para 
todos os convidados e familiares. (ABRAHÃO, 2010, pp. 105-106)
Nas salas, cristaleiras e aparadores-guarda-louça eram dispostos nas salas de jantar, guar-
necendo as paredes que cercavam as longas mesas para mais de uma dúzia de pessoas. 
Pelos vidros nas portas desses móveis, muitas vezes lapidados com delicados motivos florais 
ou com o monograma do proprietário, as famílias podiam ostentar a louça e as porcelanas, 
bem como os cristais e serviços de chá em prata. A antiga primazia mantida pela porcelana 
asiática na Época Moderna, quando era importada com enorme custo pelo Ocidente, foi 
profundamente abalada pela fabricação de louça e também de porcelana na Europa, com-
pradas abundantemente pelos fazendeiros de café (SETÚBAL, 2008). 
É preciso diferenciar a louça da porcelana, aquela geralmente uma faiança de mate-
rial de cor terrosa revestida de uma capa de material vitrificado, pode ser com facilidade 
identificada virando-se a peça para baixo, o ponto onde esta toca no forno revela o 
material interno. O tipo mais comum procurava imitar a chamada porcelana de Macau, 
isto é, tinha seu revestimento externo nas cores azul e branca, tentando reproduzir os 
motivos orientais do produto chinês. O padrão decorativo mais usual foi aquele no Brasil 
chamado de “azul-pombinha”, pois traz no centro a figura das aves voando sobre uma 
paisagem litorânea na qual se passa uma lenda chinesa (SETÚBAL, 2008, p. 149).
Muito mais cara do que a louça, a porcelana era feita de uma mistura de caulim, uma 
substância terrosa esbranquiçada, mais quartzo e feldspato, que endurece quando cozida 
e se torna translúcida. Difere, portanto, da faiança, que é opaca. Os fazendeiros de café 
paulistas estiveram entre os grandes consumidores brasileiros da porcelana francesa; 
muito disputadas, essas porcelanas indicam claramente a rápida sintonia entre os hábi-
tos que se queria implantar nas fazendas e sobrados ou palacetes urbanos com aqueles 
costumes das elites europeias do Oitocentos. A nova sociabilidade dos salões, que a 
projeção econômica e social exigia de muitos rudes produtores de café, era alimentada 
por um rol de consumo sofisticado das elites sociais que existiu antes da Primeira Guerra 
Mundial (SETÚBAL, 2008).
Os artefatos funcionavam como elementos de diferenciação social nas residências, 
já que as casas deveriam corresponder à riqueza de seus proprietários e as atividades 
sociais constituíam momentos de consolidação das posições na sociedade e nas famílias. 
Nos jantares cerimoniosos, os anfitriões posicionavam-se nas cabeceiras das mesas e os 
convidados acomodavam-se nas laterais, de acordo com o grau de amizade ou afinida-
des políticas mantidas entre convidados e anfitriões. Nos jantares em família, a senhora 
posicionava à direita de seu marido, mas, em todas as ocasiões, as mulheres possuíam 
papel fundamental e dominavam esse ambiente. Não apenas na decoração da mesa, 
com “delicados arranjos [...] toalhas de linho crivadas impecavelmente engomadas e os 
21
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
guardanapos dobrados em forma de leques” (ABRAHÃO, 2010, p. 107), mas também 
na escolha do cardápio para os jantares e festas, acompanhando de perto todos os pro-
cessos realizados nas cozinhas amplas e espaçosas das casas da elite.
No “Dicionário da Língua Portuguesa”, em uma edição publicada em 1832, a palavra rouparia 
significa um baú ou armário no qual se guardam as roupas. No entanto, dois séculos antes, rou-
paria significava a roupa de cama e mesa, encontrada comumente nos inventários. A filologia 
identifica tais transformações no sentido das palavras, conforme transformavam-se também 
os hábitos das famílias e a quantidade de peças de vestimentas. 
Nas cozinhas das famílias abastadas, amplas e espaçosas, circulavam apenas os mem-
bros das famílias e os serviçais. Tachos de cobre, pilão de mão, gamelas, raladores, penei-
ras, colheres de pau, alguidares, pratos e talheres de uso diário eram utensílios indispensá-
veis nas cozinhas. Além do fogão a lenha e, em algumas residências, também era utilizado 
o forno de barro para torrar grãos e para os assados, pães e biscoitos. Entre o final do 
século XIX e o início do XX, as cozinhas deixariam de ser mal cheirosas e feias para se 
tornarem belas, limpas e claras. Ocorreram modificações nos utensílios, passou a receber 
louças vidradas, faianças portuguesas e inglesas, além de utensílios como batedeira de 
ovos e de manteiga manuais e o moinho de café substituindo o pilão (ABRAHÃO, 2010).
Todos esses utensílios eram descritos nos inventários, tanto quanto nos séculos ante-
riores, ao final do XIX demonstrando as novidades como chocolateira, fogões de ferro 
fundido e toda a “bateria” ou “trem” de cozinha. Ambientes dos cheiros e dos sabores, 
as cozinhas desde os tempos coloniais tornaram-se espaços da transmissão das tradi-
ções alimentares, que, no caso brasileiro, contou com o rico entrelaçamento de “saberes, 
sabores e paladares de várias culturas” (ABRAHÃO, 2010, p.132). 
Os dados dos inventários demonstram que o interior das casas se transformou confor-
me as cidades foram vivenciando crescimento econômico, bem como o significado social 
dos bens. Dessa forma, os estratos intermediários da sociedade das sociedades seguiam os 
mesmos padrões comportamentais das elites pois desejavam fazer parte dela, frequentar 
os seus salões. Tais mudanças na cultura material e nos hábitos não alcançaram todos os 
estratos da sociedade, mas é certo que, no século XIX, o cotidiano já havia mudado em 
vários sentidos se comparado ao período colonial, mesmo que não tenha ocorrido na 
mesma intensidade ou velocidade. O mundo do café produziu seu impacto, sentido em 
maior ou menor intensidade pelas pessoas dependendo da sua relação com este mundo.
A Cultura Alimentar e seus 
Múltiplos Significados Culturais
Nenhuma cidade alimenta a si mesma. Diferentemente da aldeia ou da vila, uma cida-
de depende de uma grande quantidade de gente de fora para plantar ou cultivar alimen-
tos e, sobretudo, para transportá-los, e de intermediários para comprá-los e revendê-los 
aos consumidores. Quando as cidades mais importantes, ao final do século XVIII e início 
22
23
do XIX, são examinadas, é notável a variedade de seus moradores, assim como a sua 
estreita e multifacetada interconectividade (GRAHAM, 2013). 
Os que distribuíam e vendiam alimentos – fossem eles humildes vendedores ambulan-
tes ou substanciais merceeiros, açougueiros ou comerciantes de gado, marujos comuns 
ou mestres de embarcações (nas cidades litorâneas) que traziam alimentos de pontos ao 
longo da costa atlântica – estavam ligados a quase todos na cidade. Grandes produto-
res, comerciantes internacionais ou de escravos, pessoas de tipo mediano, umas mais 
abastadas do que as outras, assim como algumas muito pobres e as escravizadas, todas 
elas se dedicando intensamente no trabalho, enchiam a cidade e a faziam funcionar. 
Esse ambiente urbano proporcionou a formação de um grande setor intermediário de 
comércio (GRAHAM, 2013).
Escravos e livres, negros e brancos, mulheres e homens, pobres e não tãopobres rela-
cionavam-se entre si, simultaneamente exemplificando a ordem hierarquizada da sociedade, 
deixando de ver nessas relações apenas a dicotomia exploradores e explorados, a partir da 
compreensão de que todos são serem humanos complexos, com múltiplas preocupações e 
relações variadas, ainda que alguns fossem privilegiados e muitos severamente oprimidos. 
“Essas pessoas ocupavam posições sociais num continuum, e não em grupos separados de 
maneira nítida”. Nas práticas reais, há categorias em que as pessoas necessariamente não 
viam a si mesmas como pertencentes a elas, o que significa que as relações socias era muito 
mais complexas do que imaginado (GRAHAM, 2013, p. 23). No entanto, havia muitas ma-
neiras de diferenciar-se socialmente, uma das mais comuns era pelos bens materiais, o que 
inclui a possibilidade financeira de consumir alimentos caros.
O comércio de alimentos se encaixa no contexto mais amplo que ia além de meramente 
saber como a comida chegava à mesa das pessoas. Pelo menos, desde os tempos medie-
vais, uma das tarefas do governo de uma cidade na maior parte do mundo ocidental era 
assegurar aos moradores urbanos o suprimento adequado e seguro de alimentos, a preços 
acessíveis. Ao final do século XVIII, havia críticas a essa visão mais antiga de controle estatal 
restringindo a atividade econômica dos comerciantes superprotegendo os compradores. As 
instituições públicas que orientavam o comércio de alimentos influenciaram as ações de 
muitas pessoas, em relações marcadas por conflitos, negociação e flexibilidade (GRAHAM, 
2013). A maior parte dos habitantes tinha a sua dieta dividida principalmente entre a farinha 
– de mandioca ou trigo – e a carne, principalmente do gado, mas também os suínos e aves, 
entremeadas pelos temperos, frutas e doces vendidos pelos escravos de ganho.
A riqueza proporcionada pelo cultivo do café em vastas áreas do sudeste acabou por 
afetar também as práticas alimentares. No que diz respeito às bebidas, o café reinava, 
mas também o mate era consumido em muitas regiões. Além da infusão do mate, o chá 
oriental também teve seu espaço, a relevância das relações com a Inglaterra no século 
XIX também foi responsável pela introdução do chá como prática de sociabilidade em 
todo o Ocidente. Outros itens relacionados aos momentos de sociabilidade relativos às 
mesas e os momentos de alimentar-se eram os doces.
Alguns vindos dos tempos coloniais continuaram a serem consumidos, doces de fru-
tas como marmelada, goiabada e bananada, doces de tubérculos, como abóbora e bata-
ta-doce, ou doces de origem portuguesa como a ambrosia, feito com gemas queimadas. 
Bolos de arroz, bolinhos de chuva, arroz-doce, biscoitos de polvilho, pão de ló, cremes 
23
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
de ovos, que permaneceram nas mesas e nos cadernos de receitas do século XIX, só 
foram substituídos por produtos industrializados no século XX (SETÚBAL, 2008).
No que diz respeito aos alimentos salgados, o tripé colonial mandioca, carne seca e 
feijão continuou a compor a dieta principal da maioria da população, mas também passou 
a dividir espaço com muitas novidades que foram introduzidas na culinária tanto pela eu-
ropeização das elites quanto pela imigração. Os pescados de água doce, as carnes secas 
ou de caça, o cuscuz, o quibebe (bolo de carne seca e abóbora) e as farinhas tradicionais 
passaram a perder espaço nas mesas dos fazendeiros em relação aos produtos importa-
dos, sobretudo, após as ferrovias conectarem o interior com os portos (SETÚBAL, 2008). 
Presuntos e outros embutidos, queijos, peixes salgados, lombos de porco e condimen-
tos estiveram entre os alimentos importados que podiam ser comprados nos empórios 
espalhados pelas cidades mais ricas. Vinhos, licores e conhaques passaram a frequentar 
os copos e cálices de cristal, disputando espaço com os sucos de frutas dos pomares, 
como o de jabuticaba e o de carambola (SETÚBAL, 2008).
Em São Paulo, houve uma presença massiva de imigrantes a partir de 1860 que 
contribuíram no gosto alimentar dessa região, a partir de uma combinação de gostos 
da Itália, Japão, Sírios e Libaneses, em uma demonstração do paladar multiétnico que 
acabou por tomar conta das cidades paulistas entre os séculos XIX e XX, dessa forma:
As massas de macarrão, as polentas do Vêneto, as mortadelas e as broas 
são as contribuições alimentares mais disseminadas em São Paulo pela 
presença dos imigrantes italianos, além das pizzas napolitanas [...] Foram 
esses também os responsáveis pelo incremento na produção das hortaliças 
como tomates, pimentões e rúculas. [...] Os japoneses difundiram [...] além 
do chá [...] as plantações de arroz, sobretudo no Vale do Ribeira, além de 
terem se especializado na produção de produtos americanos, como a ba-
tata. [...] Sírios e Libaneses [contribuíram com] [...] esfihas e quibes foram 
paulatinamente sendo apropriados – algo semelhante às inúmeras barracas 
ambulantes de tapioca nordestina. (SETÚBAL, 2008, p. 137).
Os traços alimentares estão entre as maiores referências culturais oriundas da presença 
dos imigrantes em São Paulo. Mantida como na origem ou reelaborada segundo as con-
dições e sugestões locais, a culinária por eles introduzida, justapôs-se à herança vinda do 
período colonial, aos alimentos apreendidos da europeização (SETÚBAL, 2008). Mas a 
bebida que passou a unir todas as preferências a partir do século XIX foi realmente o café, 
acompanhando as transformações na alimentação, imigrantes, paulistas ou brasileiros de 
forma geral se renderam e frequentavam estabelecimentos que ofereciam não apenas a 
bebida da sociabilidade, mas também bolos e outros quitutes de acompanhamento.
Ainda em São Paulo, havia lugares simples que faziam de maneira artesanal não 
apenas o café, mas também os acompanhamentos, tais como quitutes, bolos de fubá, 
broinhas de polvilho e bolinhos de tapioca. Esses locais passaram a dividir espaço no 
último quartel do século XIX com novas casas mais sofisticadas nas quais eram servidos 
junto com o café docinhos franceses, bombons, sorvetes de chocolate, pudins caramela-
dos e pão com manteiga, consumida apenas por aqueles que podiam pagar pelos altos 
preços do trigo e da manteiga importada (MONTELEONE, 2010).
24
25
Ouça as histórias dos descendentes de italianos de São Paulo contando sobre as receitas e 
costumes alimentares que passaram de geração para geração. 
Disponível em: https://youtu.be/SQEaO2hNcL8
Tomar café nesses locais não significava apenas sorver o líquido. O café e o local 
onde ele era consumido tornaram-se indissociáveis, estimulando as conversas sobre o 
cotidiano e as discussões entre estudantes, políticos, artistas, negociantes e empregados 
do comércio. À moda europeia, os estabelecimentos brasileiros adotaram um ar sofisti-
cado, mas continuaram como locais de difusão das notícias e de debates. A introdução 
das máquinas já no início do século XIX criou os expressos, a princípio recebidos com 
reservas (MONTELEONE, 2010). 
Aos poucos, o público se habituou aos estabelecimentos que serviam os expressos, 
onde não havia cadeiras nem mesas e todos tinham que se encostar no balcão para 
beber seu café. O hábito de tomar café ao final das refeições em casa também inicia 
durante o século XIX, em um momento de sociabilidade que finalizava o ato social dos 
jantares e almoços (MONTELEONE, 2010).
Na sociedade da época era de bom tom que as anfitriãs cuidassem pessoalmente da 
elaboração do cardápio a ser oferecido nos jantares e banquetes, além da sua supervisão 
direta na feitura dos pratos e doces que seriam servidos aos convivas. Nas cidades, já 
existiam docerias, confeitarias e padarias prontas para atender a demanda das festas da 
sociedade (ABRAHÃO, 2010).
A preparação cuidadosa dos cardápios pelas 
senhoras deveria considerar o tipo de reunião a 
ser oferecida. Isso porque elas poderiam prever 
as escolhas alimentares, as combinações de pra-
tos, com o intuito de agradar o maior número 
deconvivas. Esses cardápios eram enviados aos 
convidados em forma de convites e discriminavam 
todos os serviços em suas respectivas ordens, da 
entrada à sobremesa, as bebidas e, em alguns ca-
sos, constavam cigarros e charutos. Findo o jan-
tar, os anfitriões encaminhavam seus convidados 
para outras salas próximas à sala de jantar, locais 
onde eram servidos o café e os licores, cerimô-
nias com muitas influências inglesas e francesas 
(ABRAHÃO, 2010).
Nessas salas, existiam mesas com tampos de 
mármore, ricamente decoradas onde eram colo-
cadas fruteiras de cristal com as frutas de época, 
muitas vezes colhidas dos próprios pomares. Ao 
redor dessas fruteiras, era disposta uma variedade 
de doces secos envoltos em papéis de cores variadas, bolos, cocadas, pudins, compotas e 
queijos. A tradição da doçaria e os cuidados com a alimentação eram passados de geração 
Figura 6 – Página do cardápio do último 
Baile da Ilha Fiscal (1889), Arquivo Nacional
Fonte: Wikimedia Commons
25
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
para geração, a partir dos cadernos de receitas escritos pelas senhoras. A sociabilidade 
praticada pela elite por certo não chegou aos lares dos demais estratos da sociedade. As 
festas para as camadas mais pobres resumiam-se às festividades religiosas, aos eventos 
políticos, aos enterros de personalidades e às suas reuniões de família (ABRAHÃO, 2010).
No entanto, eram essas pessoas das camadas mais pobres, que, de fato, cozinhavam, 
em conjunto com as escravas da elite. Qualquer refeição era resultado de horas de tra-
balho, segundo o relato de alguns viajantes. O mais simples feijão tinha que ser posto a 
secar, ser batido, abanado, catado antes de ir ao fogo. O café depois de colhido, tinha que 
secar ao sol, ser abanado, limpo e depois torrado e moído. Polvilho e fubá, muito usados 
no lugar do trigo, exigiam ralação de mandioca, depuração e secagem do polvilho, ou a 
moagem do milho realizada com pesadas mós de pedra. A conservação da carne também 
dava trabalho: retalhavam-se as peças que eram postas a secar ao sol, ou fritas. A banha 
era recolhida e armazenada para utilização em diversas receitas (PRIORI, 2016).
A produção de queijos, hábito originado de Minas Gerais, também exigia atenção, 
sendo virados e revirados para não incharem. O requeijão, por sua vez, nascia da coa-
lhada frita em manteiga, apurada e batida com força sobre o fogo até virar massa elás-
tica e ser lavada com leite. Os doces também consumiam trabalho e tempo, preparos 
elaborados tiravam o amargor dos cítricos, a seguir, ferviam-se por horas as frutas até 
obterem o ponto certo. Para usar o fogão, eram necessários saberes específicos. O 
controle da temperatura, a lenha sempre à mão, o tempo de cada receita, o manuseio 
dos utensílios e da matéria-prima, tudo isso requeria os conhecimentos de uma pessoa 
em especial: o cozinheiro ou cozinheira. Na transição do trabalho escravo para o livre, 
houve muita rotatividade desse tipo de empregado, devido também à falta de regulamen-
tação do tipo de serviço (PRIORI, 2016).
Em Síntese
As novas tecnologias das cozinhas oitocentistas não apenas mudaram os hábitos ali-
mentares, mas também alteraram as características do trabalho doméstico relativo a 
esta atividade, que sempre havia pertencido aos escravos].
Na cozinha do século XIX, outros personagens foram o fogão de ferro, a lenha e o 
carvão. O fogão de ferro útil não só para cozinhar, mas também para aquecer os am-
bientes, era importado da Inglaterra e dos Estados Unidos. Os imigrantes italianos se 
encarregaram de difundi-lo, compacto e econômico, ele utilizava menos lenha do que os 
de barro ou tijolos. Nas casas populares e cortiços, a cozinha era coletiva e precária, mas 
eram elas que preparavam as refeições da maioria da população, o que era iniciado com 
o café da manhã, pães, café, ovos quentes, mungunzá (milho cozido com leite de coco), 
cuscuz de milho, farinha de mandioca com rapadura picada e açúcar, jerimum, beiju e 
broas de milho. Leite era raro. Na segunda metade do século XIX, os ricos tinham mais 
opções, chá, café ou chocolate, e um copinho de licor francês, pães diversos, frutas, 
biscoitos e sorvetes (PRIORI, 2016).
Os almoços ocorriam ainda na parte da manhã e poderiam ser realizados apenas 
entre homens, os jantares eram mais formais e ainda havia uma ceia ou lanche da noite 
com chá, bolos, pão de ló e torradas. Ao contrário de tanto refinamento, nas mesas dos 
26
27
mais pobres, modos grosseiros, tais como o comer com as mãos e sonoros arrotos ao 
final das refeições, lambuzando-se com a carne seca, o feijão, a farinha de mandioca, 
o arroz, o pão o angu, alguns peixes, enquanto alimentação exclusiva de boa parte da 
população (PRIORI, 2016).
Em contraste com as elites, pelas quais eram importados muitos produtos e os pratos 
eram sofisticados, incluindo “faisão assado”, “línguas de rouxinol”, “perdiz à milanesa”, en-
tre outros acepipes frios e delicados, verduras, cremes e natas, além dos bombons france-
ses, além de muitas regras de etiqueta e manuais de boas maneiras. No almoço, iam para 
as mesas todas as comidas, inclusive as compoteiras de doces, os licores, as garrafas de 
vinho e as moringas d´água. A refeição tinha início com pratos quentes, assados antes dos 
peixes, entradas frias com embutidos apenas após 1870, vinho do porto ou café encerrava 
a refeição. As novidades gastronômicas incluíam whisky, gin, presunto, salmão, queijos e 
manteiga importados, além de frutas cristalizadas (PRIORI, 2016).
A substituição de produtos in natura pelos industrializados, usados com a mesma fi-
nalidade, indicam mudanças nas relações sociais e econômicas. Por exemplo, deixava-se 
de procurar a botica para comprar bicarbonato para ir ao armazém adquirir o fermento 
“Royal”. Mas a aquisição dos ingredientes não consistia atividade banal e aleatória, re-
querendo conhecimentos sobre os produtos que se estava adquirindo. Envolvia a ritu-
alidade que foi se perdendo ao longo dos anos. As autoras dos cadernos de receitas e 
suas ajudantes, quando iam às compras, com olhares atentos identificavam os legumes 
e frutas bons para o produto do consumo (ABRAHÃO, 2019). A alimentação associada 
à representação da condição social identifica que o que se comia e as formas de comer 
diferenciavam as pessoas, em um mundo no qual essas relações estavam constantemente 
se transformando, em conjunto com os hábitos e as novas formas de entender e o mundo.
A Fotografia e a Pintura do 
Cotidiano: Retratos de Historicidade
Vivermos em um mundo perpassado por imagens, cercados e dominados por elas. 
Imagens nos fascinam, povoam a memória que remete ao passado, elas também ocu-
pam o nosso universo mental quando ativamos nossa capacidade de criar, transformar 
e pensar em mundos diferentes daqueles em que vivemos. A s imagens são frutos da 
ação humana, que interpreta e recria o mundo como representação, elas são visuais e 
carregam consigo essa condição especial que se realiza no plano dos sentidos, são, pois, 
traços de uma experiência sensorial e emotiva (PESAVENTO, 2008). 
Mas, para além da instância das sensações que produzem o efeito visual, as imagens 
são mentais, pois são f ruto de uma percepção, o que nos remete aos processos da esfera 
cognitiva de reconhecimento, identificação, classificação e atribuição de significados. As 
imagens apreendidas pela vista recebem uma carga de sentido que as permite perdurar 
na memória, podendo ser recuperadas pelo pensamento criando, assim, uma memória 
de imagens, constituída pelas representações visuais e mentais do mundo, transmitindo 
as tensões, conflitos e a base dos comportamentos sociais (PESAVENTO, 2008). 
27
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
Nesse sentido, a fotografia introduziu um novo tipo de ver e dar a ver a diversidade do 
mundo moderno. Ela transformou o modo como as sociedades passaram a perceber e lem-
brar de suas próprias realidades (KOSSOY, 2001). Mas, antes da fotografia,que é um invento 
contemporâneo do século XIX, já existiam diversas tentativas de apreensão da realidade por 
parte da iconografia, mais especificamente em desenhos e pinturas. Aproximações podem 
ser realizadas entre esses dois momentos quando tomamos ciência de que intencionalidades 
estão presentes tanto no ato de retratar/pintar, quanto no ato de fotografar.
Com relação aos desenhos e pinturas da era moderna, a história do olhar sobre as 
populações fora da Europa começou no continente sul-americano, sendo a obra de Frans 
Post a contribuição mais marcante do período colonial para o conhecimento por imagens 
da realidade brasileira. Mas é preciso reconhecer que, apesar de Post, durante os primei-
ros séculos dessa exploração, os preconceitos religiosos e culturais dominantes não deixa-
ram muito lugar à investigação precisa, ou seja, a um olhar científico. A partir do século 
XVIII, houve um avanço com a multiplicação das viagens de exploração, nas quais havia 
se difundido a tradição própria aos marinheiros de longo curso de escrever diários sobre 
as populações, lugares, flora e fauna das terras percorridas (LEENHARDT, 2008). 
A precisão dessas descrições dá ideia do espírito de curiosidade intelectual difundido na 
época das grandes viagens exploratórias da segunda metade do século XVIII. O interesse 
pela investigação científica adentrou também o século XIX, dando continuidade às viagens 
de exploração e observação científica. A ocorrência de publicações de muitos desses es-
tudos deram um enquadramento intelectual novo às empresas da descoberta que iam ter, 
igualmente, influência decisiva no campo das artes, uma vez que se colocavam em face 
das exigências de precisão documental ainda inéditas na época (LEENHARDT. 2008) 
Além disso, havia uma questão estética que precisava lidar entre a visão tradicional 
do ensino acadêmico, ainda sob as regras do neoclassicismo, e a exigência de exatidão 
que se tinha desenvolvido por ocasião das expedições. Essas expedições foram, na 
verdade, ocasião de feliz encontro entre artistas, formados no desenho e na pintura nas 
academias de belas artes e dos desenhistas científicos habituados à disciplina descritiva 
da botânica ou da zoologia (LEENHARDT, 2008). 
As regras da arte acadêmica encontraram-se, pois, confrontadas com as 
exigências não mais da “bela natureza”, como se gostava de dizer, mas sim-
plesmente da natureza, com suas próprias leis de organização. A questão 
ultrapassava em muito a única exatidão na relação das formas e das maté-
rias (escamas, peles, cores, tecidos cutâneos). A nova verdade da natureza 
exigia uma verdadeira especificação da planta ou animal [...] que substituiria 
a “bela paisagem” por “um meio de vida”. Essas exigências, estranhas à 
tradição do paisagista clássico, constituem para os pintores uma espécie 
de campo contraditório. Durante um longo tempo, entre digamos 1780 e 
1860 [...] pode-se dizer que a evolução do desenho documental, e mais ain-
da etnográfico, será determinado pela maneira segundo a qual cada artista 
se comportará com relação aos códigos da aprendizagem acadêmica da 
arte aos quais se filia. (LEENHARDT, 2008, p.37)
Do mesmo modo que as perspectivas do mundo físico e natural dos trópicos, as ima-
gens que os estrangeiros construíram das gentes do Brasil ganharam os seus contornos 
28
29
básicos durante o período colonial. As narrativas oitocentistas, precisamente aquelas fei-
tas depois da abertura do país à visitação e à permanência dos estrangeiros, iniciada em 
1808, incluem mais riqueza de detalhes nas descrições sobre as gentes mencionadas. 
Entre os que desembarcam pouco depois da abertura dos portos e permanecem longos 
períodos em terras brasileiras, é comum a percepção de que, dia após dia, o brasileiro, 
graças ao contato cada vez mais próximo com os “civilizados” hábitos e costumes da Eu-
ropa – se tornava mais e mais distante da “selvageria americana” (FRANÇA, 2010, p. 10).
O vídeo da palestra da pesquisadora do Instituto de Artes da UNICAMP, Claudia Valadão. Na 
sua fala, as ligações entre a política e a pintura de paisagem no Brasil do século XIX ficam 
explicitas nas obras de artistas como Debret, Rugendas e Hércule Florence. Em destaque o 
trabalho do pintor Felix Emilie Taunay, ao demonstrar como a pintura de paisagem se rela-
cionava com projetos políticos específicos. Disponível em: https://youtu.be/hhChGN1Krnw
Contudo, já na metade do século XIX, os visitantes estrangeiros passaram a demons-
trar certa impaciência e frustração com a adesão dos habitantes locais aos “regeneradores 
e progressistas” hábitos civilizados vindos da Europa. Inúmeras são as narrativas do perío-
do que apontam quão relativa era essa adesão: os indivíduos de posses de fato cultivavam 
modos europeus, mas eram todos postiços, desprovidos de “lastro moral”; outros, a maior 
parte da população, especialmente o enorme contingente negro que a compunha, viviam 
no mais completo “obscurantismo, desconhecendo preceitos básicos de civilidade”, visão 
que não seria abandonado até o final dos oitocentos. (FRANÇA, 2010, p. 10)
Mas não são somente descrições e críticas à população do Brasil ou observações 
científicas que estão presentes na produção dos viajantes. Durante a época do Reinado, 
a corte portuguesa convoca artistas franceses ao Rio de Janeiro, que se reúnem em 
torno do Projeto da Academia de Belas Artes e ali sedimentam práticas derivadas do 
recente neoclassicismo francês. Entretanto, é a pintura de retratos que fixa a presença 
da corte e da aristocracia imperial após a Independência. E é a paisagem histórica, re-
novada pela retórica neoclássica, que qualifica a imagem política da bravura e do grande 
feito (BELUZZO, 1994).
Do mesmo modo, surgem novas oportunidades artísticas pela decoração e arqui-
tetura que redefinem o cenário urbano. Se o aparecimento da paisagem histórica no 
século XIX conta com tradições paisagísticas herdadas do cerimonial público e de cenas 
de luta e ocupação, a pintura paisagística do século XIX se associa a outras tradições, 
provenientes, de um lado, dos mitos edênicos e do culto à natureza e, de outro, do 
conhecimento da natureza e de sua dessacralização. Muitas vezes, as representações 
visam promover a imagem do Brasil no exterior, enquanto alguns artistas movidos pelo 
sentimento existencial atingem a mais pura contemplação (BELUZZO, 1994).
Um dos exemplos clássicos e mais conhecidos da produção artística dos viajantes, e 
que contém muitas características que foram citadas, é a produção do artista Jean Bap-
tiste Debret, presente na Viagem pitoresca e Histórica ao Brasil, produzido ente 1816 
e 1831 (LEENHARDT, 2008). Ainda que voltado sobretudo para a pintura histórica, 
Jean Baptiste Debret tinha, sem dúvida, conhecimento dos processos artísticos em voga 
29
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
na Europa antes de partir para o Brasil em 1816. Os desenhos elaborados por Debret, 
utilizados na obra Viagem pitoresca foram escolhidos por ele após sua volta à França, 
e o texto é redigido a partir das figuras, em linguagem de relatório, para a publicação 
em fascículos entre 1827 e 1835. 
A obra é proposta a partir do ponto de vista da Missão Artística Francesa no Brasil, 
traduzindo, portanto, um projeto civilizador de extensão cultural. Debret trata de centrar 
a atenção no estado geral da sociedade, buscando apreendê-la com base no entendi-
mento da transformação da natureza em cultura, do natural em civilizado. A concepção 
procede da Ilustração francesa, acrescida do interesse pelas particularidades dos povos 
(BELUZZO, 1994). 
O discurso histórico construído promove a identificação entre história, nação e civiliza-
ção. Na perspectiva histórica de Debret, a natureza é a base e a cultura o coroamento, sendo 
que a obra Viagem pitoresca segue o “traçado lógico da civilização no Brasil”. O primeiro 
volume apresenta os “selvagens e os aspectos da floresta”, o segundo volume “detém-se 
genericamente nas modalidades detrabalho agrário, na presença do negro escravo e do 
pequeno artesão urbano; e o terceiro abrange a esfera pública dos usos e costumes popu-
lares, acontecimentos políticos, práticas culturais e hábitos domésticos do Rio de Janeiro” 
(BELUZZO, 1994, p. 84). 
Figura 7 – Jean Baptiste Debret – Lavadeiras do Rio das Laranjeiras, 1826 (detalhe)
Fonte: Wikimedia Commons
Existem várias afinidades entre o livro de Debret e o de Johann Moritz Rugendas, in-
titulado Viagem pitoresca ao Brasil (1835), principalmente no que diz respeito ao tema 
central: o espetáculo natural vivido pelo viajante e a vida humana em sociedade a partir 
de um ponto de vista que pretende ser objetivo. “Não resta dúvida que os artistas reali-
zaram empréstimos da prática científica para a configuração de cenas da vida humana 
na floresta, da sociabilidade urbana, das atividades rurais”. Se existe uma diferença entre 
as concepções dos artistas, é porque, para Rugendas, “a paisagem natural é a própria 
instância particularizadora que define o homem local. Na percepção de Debret, são as 
interrelações sociais que constituem o lugar, e o espaço não passa de cenário para o 
encontro e o confronto da sociedade” (BELUZZO, 1994, p. 76). 
O foco de Debret é a sociedade agindo sobre a natureza e o de Rugendas é a natureza 
da sociedade. De qualquer modo, tanto no álbum de Debret como no de Rugendas pre-
30
31
dominam as figuras humanas ambientadas no seu próprio habitat, ou articuladas pela 
ação que narra algum costume, lembrando que os textos do Viagem pitoresca não são 
de autoria de Rugendas, mas sim baseados em cartas suas reescritas em tom jornalístico 
(BELUZZO, 1994, p. 76).
Figura 8 – Johann Moritz Rugendas, A dança do lundu no Brasil (1835)
Fonte: Wikimedia Commons
Rugendas possuía outro diferencial que explica a sua associação mais direta à paisagem 
natural; a participação nos preparativos e, nos primeiros meses da expedição do barão 
Langsdorff, entre os anos de 1822 e 1825, contando um período de quatro meses em 
que o artista deixou o acampamento que ficava em uma fazenda, a dois dias em barco 
e a cavalo do Rio de Janeiro para onde se dirigiu e conheceu várias pessoas, incluindo 
Debret, com o qual desenvolveu uma sólida amizade. A expedição partiu em 1824, mas 
Rugendas a abandonou, pois desentendeu-se com o autoritarismo do barão, apesar de 
Langsdorff ter se impressionado com a habilidade do jovem Rugendas. O tempo em que 
passou com a expedição conviveu com outros desenhistas, como, por exemplo, Hercule 
Florence, que continuou até o final da expedição em 1829, quando Langsdorff adoeceu 
(PRADA, 2003).
O grupo foi para Santos de navio e seguiu para a Amazônia pelo interior do país. 
De 1826 a 1829, percorreu os atuais Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Gros-
so, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Amazonas e Pará. Florence realizou uma série de 
desenhos e aquarelas, nos quais retratou a fauna, a flora, a paisagem e a população dos 
locais visitados. Só em 1849, Hercule Florence retomou suas anotações e começou a 
escrever o diário completo sobre a viagem científica. Esse diário, atualmente em posse 
de seus descendentes, foi publicado em 1977 sob o título Viagem Fluvial do Tietê ao 
Amazonas pelas Províncias Brasileiras de São Paulo, Mato Grosso e Grão-Pará 
(1825-1829). Foram 17 mil km percorridos, mas devido aos vários percalços ocorridos 
na expedição, só 12 dos 39 integrantes sobreviveram, incluindo Hercule Florence, um 
dos desenhistas (PRADA, 2003).
31
UNIDADE Cotidiano e Vida Material no Império (1822 – 1889)
Com o fim de seu trabalho como segundo desenhista, o artista radicou-se a partir de 
1830, na Vila de São Carlos, atual Campinas, em São Paulo, onde constitui família e 
tornou-se fazendeiro, mas sem deixar a arte e as questões científicas de lado. Continuou 
registrando a paisagem e as transformações pelas quais passou a região no decorrer do 
século XIX. Documentou o incremento da lavoura de cana-de-açúcar e café, o trabalho 
escravo nos engenhos, as queimadas e derrubada das matas para plantio e, em menor 
número, a capital paulista (ENCICLOPÉDIA, 2021). 
Por essa produção, é reconhecido como um dos pioneiros da iconografia paulista. 
Hercule Florence é precursor também em outro campo: o dos processos químicos de re-
produção de imagens. Em busca da simplificação dos procedimentos comuns na época 
(restritos aos diferentes tipos de gravura, como a litografia e a xilogravura), inventa, em 
1830, o que chama de polygraphie [poligrafia], método de impressão em cores seme-
lhante ao atual mimeógrafo (ENCICLOPÉDIA, 2021). 
A partir de 1832, começou a investigar as possibilidades de fixação da imagem uti-
lizando a câmera escura por meio de um elemento que mude de cor pela ação da luz. 
Com a ajuda do boticário Joaquim Correa de Mello, realiza experiências fotoquímicas 
que dão origem a imagens batizadas de photographie [fotografia] em 1833. Ou seja, 
na mesma época que Joseph Nicéphore Niépce (1765 – 1833) e Louis Jacques Mandé 
Daguerre (1781 – 1851), na França, e William Henry Fox Talbot (1800 – 1877), na In-
glaterra, e sob condições científicas muito diversas, Florence produz cópias fotográficas 
de desenhos (ENCICLOPÉDIA, 2021). 
De característica autodidata, relatava suas experiências em diários, e lá constava 
também a associação realizada entre alguns produtos químicos e os sais de prata para 
obtenção e reprodução de imagens pela ação da luz a partir da Câmara escura. Entre es-
sas imagens, estavam rótulos de farmácia e diplomas, mas não fotografias de lugares ou 
pessoas. No entanto, suas realizações ficaram à sombra de reconhecimento. Somente a 
partir do final do século XIX, Florence começou a ser considerado enquanto desenhista. 
E quanto à sua experiência fotográfica, essa teve de esperar cento e quarenta anos, até 
o início da década de 1970 e as pesquisas de Boris Kossoy, ao mandar refazer em labo-
ratório as experiências das anotações dos diários, que confirmaram seus feitos, obtendo 
reconhecimento mundial. Quando de suas primeiras experiências, em 1833, Florence 
tentou contatar diversas autoridades para dar a conhecer o seu invento, mas não obteve 
sucesso (KOSSOY, 2006).
A fotografia como um novo meio de conhecimento do mundo possui enorme acei-
tação nas sociedades. O seu consumo crescente traz o aperfeiçoamento da técnica fo-
tográfica e permite o conhecimento mais preciso e amplo de outras sociedades e de si 
mesmo. O mundo vai aos poucos sendo substituído por sua imagem fotográfica, o que 
inclui as intenções presentes em temas e enquadramentos. 
Os primeiros fotógrafos no Brasil eram homens comuns – desenhistas e gravuristas 
autodidatas, caricaturistas e pintores desconhecidos. Não possuíam vínculo direto com 
as academias. Focava-se o homem comum, a partir de novos e distintos critérios: olhar 
para fazer tomadas de acontecimentos sociais, além de paisagens. Cada indivíduo define 
não apenas o que merece ser registrado, mas também sob qual ângulo as ações sociais 
de seus cotidianos devem ser apreendidas. O que identifica a marca das intencionalida-
32
33
des. Com a fotografia, passava-se a obter a representação visual de um fragmento do 
real, e o congelamento dessa ação foi possível graças à gravação diretamente pela ação 
da luz sobre determinada superfície sensibilizada quimicamente (KOSSOY, 2002).
A fotografia representou novas formas de identidade e distinção que estavam de 
acordo com as expectativas de grupos sociais em ascensão. O costume de retratar-se a 
si mesmo era uma forma de privilégio e distinção social, que passou a ser disseminada 
entre um número muito maior de pessoas do que aquelas que tinham as suas fisiono-
mias pintadas por grandes retratistas. Outra forma inicial e de muito sucesso que as 
fotografias tiveram em seus primórdios, estava relacionada à retratação de paisagens e 
de temas de viagem. Era o conhecimento do mundo por meio da imagem. A produção 
dessas vistas era muito lucrativa e utilizada para documentar cidades. A

Outros materiais