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81 12 COMO PROMOVER UMA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL? Educação multicultural se refere à proposta educacional que prioriza a diversidade étnico-racial e inclui regularmente as perspectivas de diversos grupos culturais. Os defensores da implementação desse modelo de educação entendem que crianças pertencentes a grupos étnicos não hegemônicos e marginalizados devem ser habilitadas pelas instituições de ensino. A educação multicultural beneficiaria todos os estudantes, promovendo, dessa forma, a eliminação das diferenças de desempenho escolar entre os alunos de grupos étnico-raciais minoritários (SANTROCK, 2009; CAMPOS; GRANDO; PASSOS, 2015). O termo habilitar é entendido, no campo da educação, como sendo a proposta de capacitar os estudantes em níveis intelectual e de competição (SANTROCK, 2009). A habilitação desses estudantes tem como objetivo aumentar a possibilidade de indivíduos de grupos étnicos não hegemônicos se inserirem no mercado de trabalho, proporcionando oportunidades iguais a toda a sociedade. O ensino multicultural, quanto disciplina a ser ensinada, deve levar em conta questões como status socioeconômico, etnicidade e gênero, tendo como diretriz a justiça social. Dessa forma, os objetivos a serem focados são redução de preconceitos e pedagogia de equidade. A redução de preconceitos seria a supressão de visões estereotipadas do outro, enquanto que a pedagogia de equidade se caracteriza pela transformação do ensino, incorporando materiais e estratégias de aprendizagem mais apropriadas para o manejo tanto de meninos quanto de meninas, nos diversos grupos étnicos. Existem diversas propostas educacionais que visam à diminuição da diferença acadêmica entre os alunos. A seguir, listamos algumas dessas possibilidades que os educadores podem tentar implementar em suas salas de aula. 12.1 Práticas possíveis para a sala de aula O programa Quantum, desenvolvido pela Fundação Ford, nos Estados Unidos, em 1995 (CARNEGIE CONCIL ON ADOLESCENT DEVELOPMENT, 1995) tratou-se de uma experiência estadunidense na qual os estudantes eram assessorados por mentores particulares e recebiam um benefício em dinheiro ao se aplicarem em determinadas atividades. Para ter acesso ao programa, exigia-se que os estudantes 82 realizassem determinadas atividades fora do seu período de aula, as quais poderiam ser: atividades acadêmicas fora do período escolar, podendo incluir leitura, redação, matemática, ciências, estudos sociais, monitoria a colegas e informática; participação em serviços comunitários no território, incluindo monitoria de alunos de primeiro a quarto ano, limpeza das redondezas e trabalho voluntário em hospitais, casas de repouso e bibliotecas; atividades de conhecimento cultural e desenvolvimento pessoal, incluindo testes de aptidão, conhecimento sobre os cursos de formação superior que melhor se encaixam com seu perfil, habilidades para a vida, como cozinha e cálculo, planejamento familiar e de carreira. A avaliação final do programa Quantum constatou que 63% dos alunos que contavam com mentores concluíram o ensino médio, contra apenas 42% dos estudantes que não fizeram parte do programa; 42% dos estudantes que contavam com mentores estavam matriculados num curso superior, contra apenas 16% dos outros alunos; os estudantes que não participaram do programa Quantum também dependiam duas vezes mais da assistência social do que o grupo acompanhado de mentores; o índice de detenções também era maior entre os estudantes não participantes. A educadora Nieto (2005), ao descrever práticas que auxiliam a multiculturalizar a escola, deu as recomendações a seguir. A escola, sua equipe técnica e o currículo pedagógico devem ser claramente contra qualquer tipo de discriminação sócio-racial e, também, devem propiciar um espaço seguro para que os estudantes possam discutir sobre esses temas. A educação multicultural deve fazer parte intrínseca da escola, desde o currículo, os quadros de avisos, nos refeitórios, as reuniões de pais e mestres, até suas atitudes fora de sala de aula. Assim sendo, todo o estudante deve ser exposto à multiculturalidade. Isso inclui fazer com que todos sejam bilíngues e estudem diferentes perspectivas culturais. Os estudantes devem conseguir problematizar e ter conscientização acerca de suas próprias culturas. Isso envolve torná-los mais capacitados para analisar culturas e mais atentos aos fatores históricos, políticos e sociais que moldam sua visão sobre cultura e etnicidade. A meta é de que, ao serem expostos a essas discussões, os alunos se motivem a trabalhar por justiça econômica e política. 83 Conhecer a comunidade onde a escola está situada e de onde provêm os alunos é muito importante para se criar um currículo pedagógico que faça sentido para aqueles estudantes e melhore o entendimento da bagagem étnica e cultural deles. Santrock (2009) também dá algumas dicas de como os professores podem atuar de forma a promover uma educação multicultural em suas salas de aula. Ele cita alguns tópicos relevantes, os quais são apresentados a seguir: O ensino culturalmente relevante é um aspecto importante da educação multicultural — ou seja, deve buscar conexões entre os conteúdos de aula e os cotidianos fora da escola da origem dos alunos. A abordagem de recursos do conhecimento fala que os professores e educadores devem fazer visitas às residências dos alunos, no intuito de desenvolver relacionamentos sociais com seus familiares e aprender mais sobre a origem cultural e étnica deles — isso ajuda a melhor incorporar esse conhecimento em suas aulas. A educação centrada em análise de problemas é outra característica essencial da educação multicultural, pois os alunos são estimulados a problematizar sistematicamente questões que envolvem equidade e justiça social — isso implica em maior contato dos estudantes com seus valores, assim como na possibilidade de análise de alternativas e consequências de suas atitudes. A sala de aula quebra-cabeça é uma prática educativa que envolve ter estudantes de diversas origens culturais, socioeconômicas e étnicas, realizando cooperativamente diferentes partes de determinada atividade acadêmica para alcançar um objetivo comum. Contato pessoal positivo com outros alunos de diferentes origens culturais, projetos curriculares com enfoque em questões étnicas, grupos mistos de trabalho e educadores e diretores incentivadores e aliados ajudaram a melhorar as relações entre indivíduos (FOREHAND; RAGOSTA; ROCK, 1976). Ao conversar sobre questões pessoais, preocupações, interesses, etc., os estudantes tendem a aumentar o reconhecimento do outro como indivíduo, ao invés de pertencer a um grupo apenas. Com essa aproximação, há uma descoberta importante para o relacionamento interpessoal e o rompimento de barreiras étnicas — mesmo com diferentes origens, as pessoas compartilham sentimentos, esperanças, preocupações. Para o aumento da empatia com relação aos outros, os estudantes precisam adquirir perspectiva. Proporcione práticas, exercícios e projetos que os façam entrar 84 em contato e colocar-se a partir da perspectiva de outras culturas — isso ajuda a combater o preconceito e aumenta a flexibilidade cognitiva. O pensamento crítico sobre as relações interétnicas e a inteligência emocional refletem positivamente na redução do preconceito em relação aos outros. Em contrapartida, aqueles estudantes que apresentam pensamento mais raso acerca dessas questões, em geral, são também mais preconceituosos. Quando se aprende a fazer perguntas e pensar nas questões de forma crítica, substituindo a resposta automática que posterga o julgamento, os estudantes se tornam menos preconceituosos e mais abertos. (FOREHAND; RAGOSTA; ROCK, 1976). Algumas ferramentas que podem ajudar a reduzir, lidar ou, até mesmo, eliminar seu preconceitosão: trabalhar com imagens de crianças de diversos grupos culturais e étnicos — por meio da seleção de textos e histórias para os alunos também refletiram essa diversidade multicultural; priorizar materiais didáticos que valorizem e dissertem acerca do entendimento cultural e étnico — por meio do uso de dramatização para ilustrar papéis e famílias não estereotipados de diversas origens; ajudar os estudantes a desconstruir as ideias estereotipadas que têm de determinadas culturas — por meio da criação de uma regra rígida e clara na qual não serão toleradas nenhuma brincadeira de mau gosto ou exclusão de qualquer estudante devido à sua etnia; conversar com os pais sobre a importância da educação multicultural na sociedade — por meio da ajuda na compreensão das origens dos preconceitos e das ideias estereotipadas para que eles também possam promover uma educação multicultural em seus domicílios. Para aumentar a tolerância, promova discussões seguras para todas as opiniões e permita que seus alunos expressem as suas perspectivas culturais sobre determinados temas, salientando que o consenso sempre é a melhor estratégia. A escola e a comunidade devem ser vistas como uma equipe. A melhor maneira de se ter acesso aos estudantes, à sua cultura e ao seu cotidiano é fazendo com que a escola se torne parceira da comunidade. Dessa forma, os estudantes vão se sentir mais motivados para aprender, pois conseguirão enxergar onde os conteúdos vistos em sala de aula podem ser aplicados no seu dia a dia. 85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA BÁSICA ATHAYDE, A.; IKEDA, D. Diálogos: direitos humanos no século XXI. Tradução de Masato Ninomiya. RJ: Record, 2000. CANDAU, V. M. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Vozes, 2018. LEITE, G. S.; FERRAZ, C. V. Direito a diversidade. São Paulo: Atlas, 2015. SEMPRINI, A. Multiculturalismo. Tradução de Laureano Pelegrin. Bauru/SP: EDUSC, 1999. TUVILLA RAYO, J. Educação em direitos humanos: rumo a uma perspectiva global. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR BARROCO, M. L. O significado sócio-histórico dos direitos humanos e o serviço social. 2008. Disponível em: Acesso em: 12 nov. 2018. COSTA, F. C. F. S. O senso comum acerca dos direitos humanos no Brasil. Revista Brasileira de Direitos e Gestão Pública, v. 4, n. 1, p. 26-34, jan./dez., 2017. Disponível em: Acesso em: 12 nov. 2018 BRASIL. Constituição. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: Acesso em: 31 jan. 2018. GOMES, N. L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. 2012. Disponível em: Acesso em: 31 jan. 2018. GOMES, W. W. A diversidade cultural e o direito a igualdade e a diferença. Revista Observatório da Diversidade Cultural, v. 1, nº. 1, p. 141- 151, 2014. Disponível em: Acesso em: 18 jan. 2019. 86 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Artigo 1: Todos os seres humanos nascem livres e iguais. 2018. Disponível em: Acesso em: 12 dez. 2018. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2009. Disponível em: Acesso em: 11 dez. 2018 RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. UNESCO. Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais. Paris, 20 out. 2005. Disponível em: Acesso em: 18 jan. 2019. ZAMBONI, M. Marcadores sociais. 2015. Disponível em: Acesso em: 31 jan. 2018. WOLKMER, A. C.; LEITE, J. R. M. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003.
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