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15 a mutilação de mulheres na África, a proibição ou não do aborto e tantas outras questões. De acordo com Dupré (2015, p. 210), “O relativismo em ética ou relativismo moral é a perspectiva de que o acerto ou o erro das ações é determinado pela cultura e pelas tradições (ou relativo a elas) de comunidades ou grupos sociais específicos”. Assim, como recomendou o Papa João Paulo II (1990, documento on-line), é importante que a Igreja atue como missionária e que tenha uma missão ad gentes. Torna-se necessário, porém, precaver-se contra o risco de nivelar situações muito diferentes, e reduzir ou até fazer desaparecer a missão e os missionários ad gentes. A afirmação de que toda a Igreja é missionária não exclui a existência de uma específica missão ad gentes, assim como dizer que todos os católicos devem ser missionários não impede — pelo contrário, exige- -o — que haja missionários ad gentes, dedicados por vocação específica à missão por toda a vida. Nesse sentido, talvez seja importante, em vez de “relativizar”, dialogar sobre essas práticas culturais e religiosas que são distintas das nossas. Deve-se buscar encontrar uma forma de manter não apenas a memória e a história dos povos, mas seus adeptos, com uma visão mais atual e compreensiva acerca da humanidade e, também, não ferindo os direitos humanos. Isso, de fato, é bem difícil. 4 A CULTURA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE Desde os primórdios da história, o homem e a mulher se confrontam com a necessidade de conhecer, a fim de explicar os fatos e fenômenos, dominar a natureza ou facilitar sua existência. A humanidade construiu conhecimentos a partir dos desafios necessários à sua sobrevivência. O conhecimento surgiu e foi acumulado em decorrência das experiências vividas (FREIRE, 1984). A dimensão histórica e social do tempo permite a compreensão da história como produção do ser humano, na dinâmica das relações sociais e de diferentes conjunturas, em épocas diferentes. Trabalhar a noção de tempo nessa dimensão possibilita analisar o contexto de diferentes épocas e localizar, no tempo, o modelo de sociedade no qual está inserido; permite ao indivíduo o esclarecimento da sociedade atual como uma evolução histórica de um processo político, social, cultural e 16 econômico que se originou no passado e que continua a ser construído no seu dia a dia, por meio da ação dos sujeitos na história. De acordo com Freire (1999), o homem cria a cultura na medida em que, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre ela e dá respostas aos desafios que encontra pelo caminho. A construção da Cultura é todo resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem e da mulher, de seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens e mulheres. Nessa expectativa, cultura é tudo que resulta da criação humana, o sujeito cria, transforma e é afetado por essas transformações. O sujeito, ao produzir cultura, produz-se a si mesmo, ou seja, ele se autoproduz. Logo, não há cultura sem o sujeito, como não há sujeito sem cultura. A cultura, pois, não somente envolve o sujeito, mas penetra-o, modelando sua identidade, personalidade, maneira de ver, pensar e sentir o mundo. Para Brandão (2002), a cultura existe nas diversas maneiras por meio das quais criamos e recriamos os tecidos sociais de símbolos e de significados que atribuímos a nós próprios, às nossas vidas e aos nossos mundos. Criamos os mundos sociais em que vivemos e só sabemos viver nos mundos sociais que criamos ou onde reaprendemos a viver, para sabermos criarmos com os outros os seus outros mundos sociais – e isso é a cultura que criamos para viver e conviver. A cultura não é, pois, algo que existe fora do sujeito; ela faz parte do seu íntimo. Se somos o que somos é porque temos contato com outros seres humanos, dentro de uma realidade específica que se torna nossa verdade, mas que se desenvolve apenas na interação entre os indivíduos. O ser humano não nasce “ser social”, ele se torna um “ser social” em contato com outras pessoas (DALLARI, 1984). O grande desafio da escola, hoje, é contribuir para a formação de cidadãos críticos, conscientes e atuantes (TRINDADE, 2000). Trata-se de uma tarefa complexa que exige da escola um movimento que ultrapasse temas, conteúdos e programas. Nessa realização, percebemos o verdadeiro sentido da palavra cidadania. 17 Fonte: https://factrem2s.com.br/ 4.1 Manifestações culturais no desenvolvimento educacional da humanidade A cultura é histórica; pensar em cultura é pensar em conhecimento, significado e formas de interpretar o mundo e nosso cotidiano. A construção de uma cultura é baseada no que fomos agregando ao longo da história para transformar e transmitir nosso pensamento, nossas formas de ser e sentir. Conhecer, aprender, ver as diferenças, como somos e como nos relacionamos é se apropriar do conhecimento. Para entender o conhecimento, tem-se que refletir sobre os inúmeros fatores pelos quais somos influenciados, tais como: o que assistimos na TV, o que temos como hábito de leitura, de saberes adquiridos, de técnicas corporais incorporadas, entre outros. As manifestações culturais se apresentam de diversas formas. De uma forma clara e objetiva, a cultura pode se manifestar de diferentes maneiras, ela é complexa e dinâmica e pode ser compreendida de acordo com a origem de quem a produz. Podemos conhecê-la como, conforme Coelho (1986): Cultura erudita: é produto da leitura, do estudo e da pesquisa. É a cultura aprendida nos ambientes formais de educação. Para que se produza cultura erudita, é necessário que se tenha vasto conhecimento sobre um determinado assunto. 18 Cultura de massa: é a cultura produzida e /ou transmitida pelos meios de comunicação a um grande número de pessoas, por meio de intermédios impressos ou eletrônicos, como jornais, revistas, televisão e internet. Cultura popular: pode ser compreendida como a soma dos valores tradicionais de um povo, expressos em forma artística, como danças, ou em crendices e costumes gerais. A cultura popular é coletiva, marcada pelo anonimato. O conceito de cultura é amplo, de maneira que é interessante estabelecer conhecimento entre os conceitos de cultura erudita, de massa e popular. Essa diferenciação tem objetivos apenas didáticos, até mesmo porque existem articulações e relações entre os “tipos culturais”, e estabelecemos contato com elas o tempo todo, pois são mutáveis e dinâmicas, ou seja, as manifestações acompanham as sociedades onde se expressam, transformando-se, permanecendo ou adaptando-se a cada realidade. Outro aspecto importante a destacar é que convivemos com as diferentes manifestações culturais, pois a cultura é variável no tempo e vai transformando-se na vivência e no processo de comunicação e transmissão de sua existência. Elementos como modo de agir, vestir, caminhar, comer se alteram diante das novas necessidades constituídas entre as gerações, localizadas em um tempo e espaço de vivência, produzindo bem-estar para alguns e, para outros, uma metamorfose imposta e, portanto, de grande violência simbólica. Ribeiro (1987) insiste na ideia de que, embora a cultura seja um produto da ação humana, ela é regulada pelas instituições de modo que se lapida a ideia a ser manifestada segundo os interesses ou valores de crenças de determinado grupo social. A cultura, para Ribeiro (1987), também é uma herança que se resume a um conjunto de saberes que são passados a partir das gerações, saberes manifestados e experimentados pelo ancestral. Quando se trata de cultura e educação, podemos dizer que são esses fenômenos intrinsecamente ligados, a cultura e a educação, que, juntos, tornam-se elementos socializadores, capazes de modificar a forma de pensar dos educandos e dos educadores; quando adotamos a culturacomo uma aliada no processo de ensino- aprendizagem, estamos permitindo que cada indivíduo que frequenta o ambiente escolar se sinta participante do processo educacional, pois ele nota que seu modo de ser e vestir não é mais visto como “antiético” ou “imoral”, mas sim como uma forma 19 de ele socializar com os demais colegas. Alguns autores defendem a ideia de que a educação não pode sobreviver sem a cultura e nem a cultura sem a educação. Candau (2003, p. 160) afirma que: “A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural [...]” 4.2 A relação entre as culturas O avanço das tecnologias permite ultrapassar fronteiras de modo mais rápido e em maior frequência. Se você for de São Paulo a Porto Alegre de ônibus, o percurso levará por volta de 24 horas, mas se você for de avião, a duração da viagem é menor do que duas horas, o que facilita e oportuniza o deslocamento. Ainda que diferentes lugares do mundo estejam mais acessíveis, em grandes metrópoles, você pode escolher conhecer culturas que estão mais próximas, e isso não significa que elas sejam tão semelhantes às suas. Esse contato pode evidenciar elementos culturais que você considere estranhos, causando certo estranhamento sobre o modo de vida do outro. Às vezes, pode até mesmo achar engraçado o modo como as pessoas de outras sociedades falam, se vestem ou mesmo dançam. Estranhar, em um primeiro momento, é como não entender direito o porquê a pessoa age de determinada forma, fala diferente ou mesmo come algum tipo de prato típico da região. A diferença entre as culturas acarreta em diferenças conceituais. Fonte: Ruas (2012). Isso acontece por que somos etnocêntricos, ou seja, entendemos que o nosso modo de vida é o certo, correto, adequado, já que, para nós, é a nossa cultura e o que 20 faz sentido nela é o que está no centro do nosso entendimento. Assim, a referência do que é certo e errado é dada pela cultura na qual nascemos. Então, podemos dizer que nascemos etnocêntricos e, com o passar do tempo, podemos aprender a relativizar o que temos como referência. Nesse sentido, o comportamento etnocêntrico pode até ser depreciativo em relação aos padrões culturais diferentes dos seus, julgando-os como imorais, aberrações ou equívocos. (BARROSO, 2018). Deste modo, temos de cuidar para que não apreendamos atitudes discriminatórias de diferentes ordens com a cultura do outro. Entendemos que, em um mundo que possibilita cada vez mais encontros, temos de saber conviver, relativizar e entender os diferentes modos de vida. Nem todos vão ter o mesmo certo e o mesmo errado, e, então, para que sejamos respeitados nos nossos pensamentos é preciso que respeitemos o certo e o errado do outro. Com o tempo e com o convívio cultural, o que era diferente pode se tornar compreensível quando analisado a partir de outros modos de vida. O meu certo e meu errado podem ser diferentes do certo e do errado do outro. Por isso, o nosso contato pode permitir uma negociação de sentidos, entendimentos e leituras sobre a sociedade que nos possibilite ampliar a formas de ver o mundo. (BARROSO, 2018). 4.3 Universalismo, relativismo e multiculturalismo Temos algumas correntes de pensamento que elucidam possibilidades de encontrar acordos universais, e outras que entendem que esses acordos devem considerar as diferenças culturais. Vamos tentar entender o que propaga cada uma delas e como podemos nos apropriar de suas discussões, para pensarmos a relação entre as culturas. 4.3.1 Universalismo Em um cenário pós-segunda guerra, depois das crueldades cometidas pelo nazismo, o Movimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos se organizou para instituir alguns parâmetros éticos da ordem internacional. Coube, assim, evidenciar alguns direitos considerados universais que perpassassem a condição geral da pessoa humana, independente de especificidades culturais. Desse modo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi o documento adotado pela 21 Organização das Nações Unidas (ONU) e que reconheceu a dignidade humana de todos os seres humanos, sem levar em consideração as diferenças entre as culturas. A partir deste contexto histórico, o universalismo ganhou adeptos, principalmente, através de um discurso de proteção do homem, como diz Silva e Pereira (2013, p. 500): Com a universalização, portanto, buscou-se proteger o indivíduo simplesmente por ser um ser humano, independe de seu país, de sua cultura. Apenas a condição de ser humano é que interessa ao universalismo cultural, já que tais direitos decorrem inescusavelmente da própria dignidade humana, entendida como valor indissociável da condição de ser humano. É delicado o tema de adoção de princípios universalistas para que não seja tomada de forma radical, impondo que alguns países possam decidir pelos outros o que é considerado universal ou não. Ainda mais em um contexto de imperialismo, de globalização e de disputa por hegemonia econômica o argumento universalista pode ser utilizado como um pretexto para interferência nas práticas culturais diversas visando a dominação e até a aculturação dos povos. 4.3.2 Relativismo O relativismo cultural aposta na manutenção das diferenças culturais, preservando as identidades e a diversidade das inúmeras sociedades existentes. Neste pensamento, cabe considerar como parâmetro o respeito à autonomia de cada nação ou povo para definir sua forma de vida, conforme seus valores e crenças. E assim, opõe-se à criação de um parâmetro do universalismo, porque entendem que, se defini-lo como tal, pode buscar se sobrepor aos princípios e fundamentos de sociedades que não consideram esse parâmetro como legítimo. A intepretação de Silva e Pereira (2013, p. 506) sobre os relativistas é que, para eles: [...] assim como há diversas culturas, há diversos sistemas morais, pelo que restaria impossível o estabelecimento de princípios morais de validade universal que comprometam todas as pessoas de uma mesma forma (PIOVESAN, 2006, p. 45). Ou seja, os que aderem a esta posição, a cultura é a única fonte válida do direito e da moral, capaz de produzir seu próprio e particular entendimento sobre os direitos fundamentais. 22 Logo, não haveria como propor um princípio universal entre os povos e sociedades existentes. A cultura torna-se preponderante para acessar, conhecer e até questionar práticas culturais consideradas absurdas. 4.3.3 Multiculturalismo Para sair dessas correntes de pensamentos dicotômicos, uma nova proposta se apresenta: o multiculturalismo. Esse conceito entende que deve haver harmonia na convivência da pluralidade cultural. Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 19) propõe uma definição mais aprofundada: O multiculturalismo, tal como eu entendo, é pré-condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra- hegemônica de direitos humanos no nosso tempo. Deste modo, deve-se levar em consideração os princípios de igualdade e o reconhecimento das diferenças, para pensar em uma concepção de direitos humanos aglutinadora, híbrida e agregadora. Assim, não se deseja opor universalismo e relativismo, mas compor um diálogo entre essas teorias para defesa dos direitos humanos, sem descaracterizar as particularidades das diversas culturas. 4.4 As manifestações concretas e os aspectos principais da cultura O antropólogo Mércio Pereira Gomes (2008, p. 36) nos ensina que: [...] cultura é o modo próprio de ser do homem em coletividade, que se realiza em parte consciente, em parte inconsciente, constituindo um sistema mais ou menos coerente de pensar, agir, fazer, relacionar-se, posicionar-se perante o absoluto, e, enfim, reproduzir-se. Durante muito tempo, lidou-se com a ideia de que era a capacidade de desenvolvertrabalho que distinguia o ser humano como produtor de cultura; no entanto, animais desenvolvem essa atividade e alguns grupos realizam trabalhos de alta complexidade. Por outro lado, as sociedades humanas desenvolveram uma capacidade sofisticada de linguagem — que não se repete nas demais espécies animais — marcada por reprodução instintiva no decurso de sua existência. 23 A linguagem constitui um sistema simbólico, sendo o ser humano o único animal capaz de produzir símbolos e, por isso, cultura. Desse modo, devido ao amplo universo da linguagem, o aparato cultural é formado tanto por elementos tangíveis, que são materiais (caso das máquinas, galpões, automóveis, geladeiras, entre tantos outros que fazem parte da vida material de uma sociedade), quanto intangíveis, ou seja, imateriais e abstratos (como o próprio sistema simbólico de uma sociedade, a arte e os sistemas de valores, entre outros). Diante de uma gigantesca profusão de aspectos e práticas culturais, elencá-los seria deveras extensivo, de modo que se optou aqui por reproduzir uma lista enxuta e muito eficaz elaborada por Reinaldo Dias (2004), em um texto didático e fluente: a cultura é transmitida pela herança social e compreende a totalidade das criações humanas; é exclusiva das sociedades humanas e interfere no modo de ver o mundo; trata-se, portanto, como já dito, de um mecanismo de adaptação. Dentro de um gigantesco e incontável número de manifestações concretas da cultura, destacamos alguns, tendo como eixo o mundo da estética, tal qual a arte, a arquitetura e a moda. A moradia constitui uma manifestação subordinada à organização da vida material de uma sociedade. Tomemos como exemplo a cozinha da casa brasileira: se no início do período colonial, em São Paulo, a cozinha bandeirante em geral se localizava apartada do corpo da casa, no Brasil contemporâneo, esse cômodo ganhou centralidade, funcionando como lócus de convívio e integração socioespacial. A estética, ou seja, os conceitos do belo, corresponde a uma das manifestações mais fundamentais da cultura. Assim, a fachada de uma edificação, por exemplo, é diferenciada ao longo do tempo e do espaço, estando associada a variáveis como economia, natureza e praticidade. O conteúdo estético, porém, que é intangível, faz- se sempre presente. (DIAS, 2004). Hábitos alimentares são traços culturais constitutivos e distintivos das sociedades humanas. Em tempos de globalização, com o aumento e a diversificação da produção do alimento, em virtude de recursos tecnológicos, surgem cozinhas high- tech, ocorrendo uma “gourmetização” da prática social de se produzir o alimento. Além de se tratar de um traço cultural fundamental, a arte é uma manifestação que, de algum modo, permeia todas as sociedades. Trata-se de uma prática complexa, carregada de materialidade e imaterialidade, a qual, ao mesmo tempo,
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