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Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 1 DISCIPLINA ASPECTOS PROCESSUAIS PENAIS CONTEÚDO Ação Penal Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 2 A Faculdade Focus se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição (apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). A instituição, nem os autores, assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra. É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). 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Acesse a barra de marcadores do seu leitor de PDF e navegue de maneira RÁPIDA e DESCOMPLICADA pelo conteúdo. http://www.faculdadefocus.com.br/ mailto:secretaria@faculdadefocus.com.br. http://www.faculdadefocus.com.br/ Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 3 Sumário Sumário ............................................................................................................................ 3 1 Ação Penal ................................................................................................................. 5 1.1 Condição da ação penal ............................................................................................................ 5 1.2 Condições genéricas da ação penal ........................................................................................... 8 1.2.1 Possibilidade jurídica do pedido ................................................................................................................... 9 1.3 Legitimidade ad causam ........................................................................................................... 9 1.3.1 Legitimidade ativa ....................................................................................................................................... 10 1.3.2 Legitimidade passiva ................................................................................................................................... 11 1.3.3 Legitimidade da pessoa jurídica .................................................................................................................. 12 1.4 Interesse de agir .................................................................................................................... 14 1.4.1 Necessidade ................................................................................................................................................ 15 1.4.2 Adequação .................................................................................................................................................. 15 1.4.3 Utilidade ...................................................................................................................................................... 16 1.4.3.1 Interesse de agir e a prescrição em perspectiva ............................................................................... 16 1.5 Justa causa ............................................................................................................................ 17 1.5.1 Justa causa duplicada .................................................................................................................................. 18 1.6 Condições específicas da ação penal ....................................................................................... 19 1.7 Classificação das ações penais condenatórias ......................................................................... 21 1.7.1 Ação penal de iniciativa pública .................................................................................................................. 21 1.7.1.1 Ação penal pública incondicionada ................................................................................................... 21 1.7.1.2 Ação penal pública condicionada a representação ........................................................................... 22 1.7.1.3 Ação penal pública subsidiária da pública ......................................................................................... 23 1.7.2 Ação penal de iniciativa privada ................................................................................................................. 24 1.7.2.1 Ação penal privada personalíssima ................................................................................................... 24 1.7.2.2 Exclusivamente privada ..................................................................................................................... 25 1.7.2.3 Ação penal privada subsidiária da pública ........................................................................................ 26 1.8 Princípios da Ação Penal ........................................................................................................ 26 1.8.1 Princípios comuns ....................................................................................................................................... 27 1.8.1.1 Princípio da inércia (ne procedat iudex ex officio) ............................................................................. 27 1.8.1.1.1 Habeas corpus .............................................................................................................................. 28 1.8.1.1.2 Execução penal ............................................................................................................................. 29 1.8.1.2 Princípio do ne bis in idem ................................................................................................................. 29 1.8.1.2.1 Sentença absolutória por juízo incompetente ............................................................................. 30 1.8.1.2.2 Jurisprudência ............................................................................................................................... 30 1.8.2 Princípio da intranscendência ..................................................................................................................... 32 1.9 Princípios específicos da ação penal pública ........................................................................... 33 1.9.1 Princípio da obrigatoriedade ...................................................................................................................... 33 1.9.1.1 Controle da obrigatoriedade ............................................................................................................. 34 1.9.1.2 Ação penal privada subsidiária da pública ........................................................................................35 1.9.1.3 O MP pode pugnar a absolvição do réu ............................................................................................ 35 1.9.1.4 Exceções a obrigatoriedade .............................................................................................................. 35 1.10 Princípio da obrigatoriedade (da ação penal pública) .............................................................. 36 1.11 Exceções ao princípio da obrigatoriedade ............................................................................... 36 Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 4 1.11.1 Acordo de Leniência (art. 87, Lei n. 12.529/11) ..................................................................................... 37 1.11.2 Colaboração Premiada (art. 4º, Lei n. 12.850/13) .................................................................................. 38 1.11.3 Acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP) ............................................................................. 40 1.12 Princípio da indisponibilidade (da ação penal pública) ............................................................ 41 1.13 Exceção ao Princípio da indisponibilidade (Suspensão Condicional do Processo) ...................... 41 1.14 Princípio da (in)divisibilidade da ação penal pública ................................................................ 44 2 Princípios da Ação Privada ....................................................................................... 45 2.1 Princípio da Oportunidade da Ação Privada ............................................................................ 45 2.2 Princípio da Disponibilidade ................................................................................................... 46 2.3 Princípio da Indivisibilidade .................................................................................................... 46 2.3.1 Fiscalização pelo Ministério Público do princípio da indivisibilidade ......................................................... 48 3 Ação penal pública condicionada à representação ................................................... 50 3.1 Natureza jurídica ................................................................................................................... 51 3.2 Formalidade (dispensada) ...................................................................................................... 52 3.3 Legitimidade para o Oferecimento ......................................................................................... 53 3.4 Possibilidade de Retratação da Representação ....................................................................... 56 3.4.1 Exceção à possibilidade de retratação da representação ........................................................................... 56 3.4.2 Eficácia objetiva da representação ............................................................................................................. 57 3.5 Requisição do Ministro da Justiça ........................................................................................... 59 3.5.1 Possibilidade de retratação da requisição .................................................................................................. 60 3.5.2 Não sujeição a prazo decadencial ............................................................................................................... 60 4 Extinção da Punibilidade na Ação Penal Privada.......................................................................... 61 4.1.1 Decadência .................................................................................................................................................. 62 4.1.2 Natureza jurídica da decadência ............................................................................................................ 62 4.1.3 Prazo para a decadência ........................................................................................................................ 63 4.1.4 Forma de contagem do prazo decadencial ............................................................................................ 63 4.1.5 Não aplicabilidade da suspensão ou interrupção do prazo ................................................................... 64 4.1.6 Decadência Imprópria ................................................................................................................................. 65 4.1.7 Renúncia ao direito de queixa .................................................................................................................... 66 4.1.7.1 Renúncia tácita ou explicita ............................................................................................................... 67 4.1.8 Perdão do ofendido .................................................................................................................................... 68 4.1.9 Perempção .................................................................................................................................................. 71 4.1.10 Decadência ............................................................................................................................................. 72 4.2 Ação Penal Privada Subsidiária da Pública .............................................................................. 73 5 Referências Bibliográficas ........................................................................................ 74 Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 5 1 Ação Penal Pensando o processo penal como um todo, para que possamos nos situar no conteúdo, o momento em que se insere o estudo da ação penal é posterior ao recebimento dos autos de inquérito policial, ou seja, após realizadas as investigações preliminares, quando o Delegado de Polícia elabora o relatório final do inquérito e, encaminha ao juízo competente para que se proceda os tramites legais. Neste momento, após verificar que constam nos autos do inquérito policial elementos suficientes para o oferecimento da denúncia, o Ministério Público ou, no caso da ação penal privada, o ofendido ou seu representante legal, poderá demandar em juízo. Assim, nas palavras de Guilherme Nucci (2020) a ação penal pode ser entendida como “o direito do Estado-acusação ou do ofendido de ingressar em juízo, solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de direito penal ao caso concreto”. O autor defende ainda que é justamente através da ação penal que o Estado consegue exercer sua pretensão punitiva diante de uma infração penal procedente. Desta forma, o direito de ação se traduz na possibilidade que o indivíduo possui de deduzir uma pretensão, podendo ser tanto cível quanto penal, pois a teoria geral do processo se aplica em ambos os casos, em juízo, através de uma ação penal, ou seja, a ação penal materializa o direito de ação. 1.1 Condição da ação penal Muito embora o direito de ação seja garantido a todos, sendo exercido através de uma ação penal, o sujeito só alcançará sua pretensão se cumprir com alguns requisitos essenciais, as chamadas condições da ação penal. Nas palavras de Eugênio Pacceli (2021) “as denominadas condições da ação, no processo penal brasileiro, condicionam Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 6 o conhecimento e julgamento da pretensão veiculada pela demanda ao preenchimento prévio de determinadas exigências, ligadas ora à identidade das partes, com referência ao objeto da relação de direito material a ser debatida, ora à comprovação da efetiva necessidade da atuação jurisdicional”. De forma suscinta, Guilherme Nucci (2020) denomina as condições da ação como pressupostos processuais e, define-os como sendo “requisitos necessários para a existência e a validade da relação processual, permitindo que o processo possa atingiro seu fim”. Isto é, ainda que a prestação jurisdicional seja um direito do Estado- acusador e do ofendido ou seus representantes legais, se no ajuizamento da ação penal faltarem pressupostos processuais, o magistrado sequer analisará o mérito da questão, tampouco declarará como procedente a pretensão do autor. Em que pese a matéria de Processo Civil ser completamente diferente do Processo Penal, as duas compartilham algumas premissas básicas e introdutórias quando o assunto é a teoria geral do processo. Assim, com o passar do tempo, surgem diversas teorias a respeito da condição da ação, tanto no cível quanto no penal, mas, atualmente, uma posição vem ganhando força, com a chamada teoria da asserção – in statu assertionis –, é adota hoje por ambos os Códigos. De acordo com a teoria da asserção, os pressupostos processuais devem ser, desde logo, indicados pelo autor na petição inicial, no Processo Civil, ou na denúncia ou na queixa-crime, no Processo Penal. Neste sentido, Renato Brasileiro de Lima (2020) afirma que, a presença das condições da ação deve ser analisada pelo juiz com base nos elementos fornecidos pelo próprio autor em sua petição inicial, que devem ser tomados por verdadeiros, sem nenhum desenvolvimento cognitivo. As condições da ação exercem, pois, uma clara função de filtro processual. Justamente para distinguir as questões que constituem as condições da ação daquelas relativas ao mérito [...]. Se o juiz constatar a ausência de uma condição da ação mediante uma cognição sumária, deverá extinguir o processo sem resolução do mérito por carência de ação. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 7 Aprofundando mais nos aspectos penais da teoria, verificada a ausência de elementos essenciais, que conferem a ausência de procedibilidade a peça acusatória, cabe ao magistrado rejeitá-la, com base no art. 395 do Código de Processo Penal. Em consonância, afirma Renato Brasileiro de Lima (2020) “em sede processual penal, a presença dessas condições da ação deve ser analisada por ocasião do juízo de admissibilidade da peça acusatória. A denúncia ou queixa deve ser rejeitada pelo magistrado quando faltar condição para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, II)”. Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. Observe alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto: RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM RELAÇÃO AO CRIMEPREVISTO NO ART. 60 DA LEI N. 9.605/98. SUPERVENIÊNCIA DE ELEMENTOSENSEJADORES DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL.JUÍZO DE MÉRITO. RECONSIDERAÇÃO DO DESPACHO QUE RECEBEU DE DENÚNCIA.INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E NECESSIDADE DERESGUARDO DA SEGURANÇA JURÍDICA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO AODIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. [...] 4. Isso porque, ao proferir decisão positiva de admissibilidade da denúncia e atestar a existência das condições da ação e dos pressupostos processuais positivos, o magistrado ultrapassa uma fase processual, surgindo, a partir daí, não mais um juízo sobre a viabilidade da denúncia, mas sim um juízo de mérito, ensejando a prolação de sentença condenatória ou absolutória, conforme o caso, sendo aplicável a teoria da asserção. 5. Recurso especial improvido. (STJ - REsp: 1354838 MT 2012/0247449-2, Relator: Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 8 CONVOCADO DO TJ/PR), Data de Julgamento: 02/04/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/04/2013) No mesmo sentido, podemos destacar outro julgado do STF que, embora tenha decido sobre a matéria de competência, que é um pressuposto processual da validade, faz uso de uma premissa aplicável as condições da ação. [...] IV - A fixação da competência jurisdicional no direito processual penal deve ser feita com base no conjunto de fatos evidenciados pelos elementos de informação colhidos na fase inquisitorial e pela narrativa formulada na peça acusatória, in statu assertionis, ou seja, à luz das afirmações do órgão acusatório. (AgRg no RHC 123.770/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020). 1.2 Condições genéricas da ação penal Assim, considerando que o recebimento da peça acusatória está condicionado ao preenchimento de alguns critérios específicos, chamados de condição de condição da ação, é certo dizer que, determinadas ações priorizam alguns critérios mais do que outros, por isso, classificamos como condições genéricas e condições específicas. Como bem destaca Renato Brasileiro de Lima (2020) “no âmbito processual penal, as condições da ação subdividem-se em condições genéricas, assim compreendidas como aquelas que deverão estar presentes em toda e qualquer ação penal, e condições específicas (de procedibilidade), cuja presença será necessária apenas em relação a determinadas infrações penais, certos acusados, ou em situações específicas, expressamente previstas em lei”. Assim, as condições genéricas da ação penal podem ser classificadas como: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam. Aspectos comumente aplicados no âmbito cível, exceto por algumas ressalvas, pois, em que pese a teoria geral do processo ser a mesma para ambas as esferas (penal e cível), o Código de Processo Civil de 2015 modificou algumas questões. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 9 1.2.1 Possibilidade jurídica do pedido De acordo com a doutrina de Renato Brasileiro de Lima (2020) a condição de possibilidade jurídica do pedido, pode ser definida como sendo “o pedido formulado pela parte deve se referir a uma providência admitida pelo direito objetivo, ou seja, o pedido deve encontrar respaldo no ordenamento jurídico, referindo-se a uma providência permitida em abstrato pelo direito objetivo”. Isto é, a possibilidade jurídica do pedido se traduz na adequação do fato praticado a norma legal, só é possível pleitear por algo previsto em lei. O critério da possibilidade jurídica do pedido sofreu grandes alterações no âmbito do processo civil, pois, com o advento do Novo Código em 2015, a condição deixou de ser mencionada expressamente no texto legal, portanto, atualmente, são considerados no processo civil apenas os critérios da legitimidade e o interesse de agir. Contudo, na esfera penal, esse critério nunca foi um aspecto tão relevante diante dos outros, uma vez que, o pedido de uma ação penal condenatória não vincula o juízo, tratando-se, portanto, de uma questão de mérito. Neste sentido, Eugênio Pacelli (2021) destaca que, obviamente “nas ações penais não condenatórias (ação de revisão, mandado de segurança, habeas corpus etc.) o interesse de agir, como condição da ação, pode perfeitamente ser aplicável ao processo penal, com a mesma configuração que lhe dá a chamada teoria geral do processo”, mas a situação não é a mesma diante de uma ação penal condenatória, ao passo que a possibilidade jurídica do pedido será julgada como uma questão de mérito, fazendo coisa julgada material. 1.3 Legitimidade ad causam De acordo com a teoria geral do processo, a legitimidade pode ser definida como sendo a pertinência subjetiva da demanda, ou seja, a legitimidade traduz o conteúdo da demanda com os sujeitos do fato. No entanto, como você já sabe, essa questão se adapta muito melhor ao processo civil, no âmbito processual penal, alguns aspectos devem ser considerados. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 10 Como bem destaca Renato Brasileiro de Lima (2020) “quanto à legitimidade ativa no processo penal, temos que, nashipóteses de ação penal pública, por força do art. 129, I, da Constituição Federal, o titular da ação penal será o Ministério Público; nas hipóteses de ação penal de iniciativa privada, será legitimado a agir o ofendido, ou seu representante legal”. Isto é, diante de um processo penal de natureza condenatória, a pretensão punitiva será sempre uma prerrogativa do Estado, através do Ministério Público. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; Assim, em que pese a conduta criminosa lesar o bem jurídico de um particular (vítima), este não poderá exercer diretamente a sua pretensão punitiva contra o autor da prática delitiva, pois esta é uma prerrogativa é necessariamente do Estado. Por fim, é válido destacar que, a “legitimidade ad causam não se confunde com legitimatio ad processum, fenômeno relacionado à capacidade de estar em juízo, tida como pressuposto processual de validade. Essa capacidade processual refere-se à capacidade de exercer direitos e deveres processuais, ou seja, de praticar validamente atos processuais” (LIMA, 2020). 1.3.1 Legitimidade ativa As ações penais podem ser divididas em públicas e privadas, cabendo no primeiro uma subclassificação, que seriam as ações públicas incondicionadas ou condicionadas a representação do ofendido. Essa classificação não é puramente teórica, repercutindo diretamente na legitimidade ativa da ação penal – prerrogativa conferida ao indivíduo para ingressar com uma demanda penal em juízo. Neste sentido, Eugenio Pacelli (2021) afirma que, “à exceção do habeas corpus e da revisão criminal, o processo penal brasileiro impõe, como regra, a exigência de que somente determinadas pessoas possam promover a ação penal”. Essa regra é adotada precipuamente nas ações penais públicas, cujo titular é o Ministério Público (art. 129, I da CF), ainda que para isso, nas ações públicas condicionadas a representação, precisem do consentimento da vítima. Lembrando que, no caso das ações públicas, ainda será “reservado a determinadas pessoas, em situações específicas, o direito à Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 11 atividade subsidiária, em caso de inércia estatal, e à iniciativa exclusiva do particular, em atenção às peculiaridades de algumas infrações penais e das consequências específicas que delas resultam” (PACELLI, 2021). Por outro lado, nas ações penais privadas, ainda que a pretensão punitiva seja do Estado, a legitimidade ativa da ação recai sobre o ofendido ou seus representantes legais – cônjuge, ascendente, descendente e irmão –, cabendo a estes ingressar com a demanda em juízo, através da queixa-crime. Restando, neste caso, ao Ministério Público, atuar como mero fiscal da lei. Assim, neste aspecto, como bem destaca Renato Brasileiro de Lima (2020) “a queixa- crime também pode ser oferecida por curador especial (CPP, art. 33), pelos sucessores do ofendido, em caso de morte ou declaração de ausência (CPP, art. 31), ou até mesmo por entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, assim como associações, especificamente destinadas à defesa dos interesses e direitos do consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 80, c/c art. 82, III e IV)”. 1.3.2 Legitimidade passiva Possui legitimidade passiva na ação penal o réu, ou seja, aquele sujeito, maior de 18 anos, apontado na inicial acusatória como provável autor do delito, uma vez que os menores de 18 anos são considerados inimputáveis e não cometem crimes, mas sim ato infracional, regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, perante a Vara da Infância e da Juventude. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2020) “no polo passivo, a legitimação recai sobre o provável autor do fato delituoso, com 18 (dezoito) anos completos ou mais, já que a própria Constituição Federal estabelece que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis (art. 228)”. Art. 228, CF. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Assim, para que a peça acusatória atenda ao critério da legitimidade passiva e seja recebida pelo magistrado, o autor deverá relatar os fatos e requerer a condenação da mesma pessoa – com 18 anos completos –, caso contrário, se requerer a condenação Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 12 de pessoa diversa daquela incriminada nos fatos, a peça acusatória será rejeitada, pela falta de condição da ação. Em contrapartida, se o autor da inicial acusatória descrever os fatos e requerer a condenação da mesma pessoa, de modo que a ilegitimidade passiva venha a ser suscitada apenas em sede de manifestação da defesa, se reconhecida, ensejará a absolvição do acusado e afetará o mérito da questão, a decisão fará coisa julgada material, situação diversa da rejeição por falta de condição da ação. 1.3.3 Legitimidade da pessoa jurídica Em um primeiro momento, tratar sobre a legitimidade da pessoa jurídica – PJ no direito penal soa estranho aos nossos ouvidos, mas sim, embora a PJ seja uma ficção jurídica, poderá figurar tanto como sujeito ativo, quanto como sujeito passivo no processo penal, observados alguns critérios específicos. A legitimidade ativa da pessoa jurídica pode surgir diante da inércia do real titular da ação penal, o Ministério Público, que, ao deixar de oferecer a denúncia no prazo legal, abre a possibilidade para que o ofendido, seu representante legal ou seus sucessores ingressem em juízo com a demanda, neste caso, dizemos que a ação penal será privada subsidiária da pública. Essa possibilidade encontra fundamento no art. 5º, LIX da Constituição Federal e no art. 29 do Código de Processo Penal. Art. 5º [...] LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá- la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 13 Além disso, Renato Brasileiro de Lima (2020) destaca mais uma possível situação em que a Pessoa Jurídica poderia atuar como sujeito ativo na ação penal, “supondo-se que uma pessoa jurídica seja vítima de um crime de difamação, o que é plenamente possível, já que referido ente é dotado de honra objetiva, sendo possível a imputação de fato ofensivo a sua reputação, poderá figurar no polo ativo de queixa-crime por ela proposta em face do suposto autor do delito”. Certo, então, quanto a legitimidade ativa, já vimos que é totalmente possível uma pessoa jurídica ingressar em juízo ocupando o polo ativo da ação penal, seja na ação penal privada subsidiária da pública, seja na ação penal privada, quanto a isso não resta dúvida. No entanto, o ponto divergente neste aspecto é com relação à legitimidade passiva da PJ, uma vez que para ela ocupar o polo passivo da demanda precisa, em tese, ter cometido algum crime. Para solucionar essa questão, surgem duas teorias, uma delas defende que a pessoa jurídica, justamente por ser uma ficção jurídica, não poderá cometer crimes e, consequentemente, não será legítima para ocupar o polo passivo de uma demanda penal, mas uma outra vertente, aceita pela doutrina e pelos tribunais superiores, reconhece o contrário. A doutrina majoritária afirma que, ainda que seja um sujeito imaterial, a pessoa jurídica pode incorrer na prática de crimes ambientais. Art. 225. CF [...] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarãoos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Por fim, é válido destacar que, há muito imperava no direito penal brasileiro a teoria Lembrando que a prerrogativa do ofendido para ingressar com ação penal subsidiária da pública surge somente após o esgotamento do prazo do Ministério Público para oferecer a denúncia. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 14 da dupla imputação, posição ainda aceita por doutrinadores como Renato Brasileiro de Lima (2020) o qual defende que, “em relação à legitimação passiva da pessoa jurídica, tem-se admitido o oferecimento de denúncia em face da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais, desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, já que não há como se compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio”. No entanto, atualmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afastou a necessidade de utilização da teoria da dupla imputação, ou seja, hoje é possível acusar somente uma pessoa jurídica pela prática de um crime ambiental. 1.4 Interesse de agir A respeito da teoria geral do processo, o interesse de agir é caracterizado pela existência de uma lide, um conflito cujo qual não se pode solucionar sem o auxílio do poder judiciário. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2020) “a ideia de interesse de agir ou de interesse processual está relacionada à utilidade da prestação jurisdicional que se pretende obter com a movimentação do aparato judiciário. Deve- se demonstrar, assim, a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário para a obtenção do resultado pretendido, independentemente da legitimidade da pretensão”. No âmbito do direito penal, essa possibilidade não é verificada especificamente como um conflito de interesses, como no direito civil, pois, os dois interesses envolvidos estão relacionados com o Estado, ambos são interesses públicos e devem ser preservados. Além disso, outro aspecto que se difere no âmbito do processo penal e do cível, é que no penal a pretensão não precisa ser resistida. A regra é que o réu não Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 15 seja submetido a nenhuma pena antes que seja garantido a ele o devido processo legal. Desta forma, analisando e adaptando o conceito de lide utilizado por Carnelutti, Eugênio Pacelli (2021) afirma que “passaríamos, assim, à teoria que define a lide como uma pretensão insatisfeita, independentemente da resistência do réu”. 1.4.1 Necessidade O critério da necessidade pressupõe que, a lide só será levada ao crivo judicial, pois não é possível resolvê-la de forma extrajudicial. No entanto, essa máxima funciona melhor no âmbito processual civil, uma vez que, os princípios processuais penais asseguram que ninguém será processado e julgado sem a observância do devido processo legal, sendo oportunizado, na esfera judicial, o contraditório e a ampla defesa. No mesmo sentido, Renato Brasileiro de Lima (2020) afirma que “essa necessidade é implícita na ação penal condenatória, já que, em virtude do princípio do nulla poena sine judicio, nenhuma sanção penal poderá ser aplicada sem o devido processo legal, ainda que o acusado não tenha interesse em oferecer qualquer resistência. A ação penal é, por conseguinte, uma ação necessária. Logo, o exame da “necessidade” para a verificação do interesse de agir é dispensável, pois está in re ipsa”. Em outras palavras, significa dizer que o critério da necessidade, no direito penal, diante da impossibilidade de julgar o indivíduo submetendo-o a uma pena, senão pelo meio judicial, se torna praticamente dispensável, pois, é fato que estará sempre preenchido. 1.4.2 Adequação No critério da adequação, diferente do que ocorre no direito processual civil que existem diversas possibilidades de ingresso em juízo, a ação penal só será iniciada com a inicial acusatória, seja através da queixa crime na ação privada, seja através da denúncia nas ações públicas. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 16 De acordo com Renato Brasileiro de Lima (2020) “se essa adequação é assaz importante no processo civil, é interessante perceber que, em uma ação penal condenatória, tal condição não ostenta grande relevância, já que não há espécies distintas de ações penais condenatórias. De fato, sempre que o órgão ministerial ou o querelante pleiteiam a aplicação do direito de punir, o fazem por meio de uma ação penal condenatória”. O critério da adequação só será considerado com mais afinco nas ações penais não condenatórias, pois, é neste momento que podemos intentar as ações distintas, como, por exemplo, os embargos de terceiros, habeas corpus, mandado de segurança criminal e o incidente de restituição de coisa apreendida. Neste momento, a interposição de peça distinta da adequada fere o princípio da adequação e prejudica o intento da pretensão jurisdicional. 1.4.3 Utilidade A utilidade se traduz na máxima de que o provimento jurisdicional atenda a pretensão do agente, ou seja, a ação intentada deve produzir um resultado final útil. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2020) “consiste na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor. Só haverá utilidade se houver possibilidade de realização do jus puniendi estatal, com eventual aplicação da sanção penal adequada. No mesmo sentido, Guilherme Nucci (2020) afirma que, o interesse-utilidade se traduz na máxima de que a “ação penal precisa apresentar-se útil para a realização da pretensão punitiva do Estado. Vislumbrando-se, por exemplo, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, é natural deixar o processo de interessar ao Estado, que não mais possui pretensão de punir o autor da infração penal”. 1.4.3.1 Interesse de agir e a prescrição em perspectiva A prescrição em perspectiva, também conhecida como prescrição virtual, é aquela em que o juiz reconhece a extinção da punibilidade de forma antecipada, pois, diante de uma eventual condenação, a pena imposta ao agente será aniquilada pela prescrição da pretensão punitiva retroativa e, ainda que de forma indireta. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 17 Como bem destaca Renato Brasileiro de Lima (2020) a prescrição em perspectiva “deve ser compreendida como o reconhecimento antecipado da prescrição, em virtude da constatação de que, no caso de possível condenação, eventual pena que venha a ser imposta ao acusado inevitavelmente será fulminada pela prescrição da pretensão punitiva retroativa, tornando inútil a instauração do processo penal”. Desta forma, o fenômeno do reconhecimento da prescrição em perspectiva enseja o não recebimento da ação, com a consequente desconsideração do mérito, em decorrência da falta de utilidade do provimento jurisdicional. No entanto, a promulgação da Lei 12.234/10 revogou o § 2º do art. 110 do Código Penal, dispositivo que autorizava a consideração do termo inicial para fins de prescrição, a data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa. Com a alteração do dispositivo a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, passou a ser regulada pela pena aplicada ao indivíduo, não podendo, em nenhuma hipótese, considerar como termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. Portanto, a partir de 2010, a prescrição em perspectiva não pode mais ser suscitada como fundamento para rejeição da denúncia, apenas no decorrer do processo. Em consonância com esse entendimento, dispõe a súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça que, “é inadmissível a extinçãoda punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”. (SÚMULA 438, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010) 1.5 Justa causa Uma parcela da doutrina também considera a justa causa como uma das condições genéricas da ação penal, mas essa posição não é pacífica no ordenamento jurídico, pois, alguns autores consideram que a justa causa esteja compreendida no interesse de agir, por isso, não elencamos ela anteriormente como uma das condições, junto com a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade da parte (legitimidade ad causam) e o interesse de agir. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 18 Assim, dizemos que a ação penal é provida de justa causa quando ela dispõe de suporte probatório mínimo para ingressar com a demanda em juízo. Isto é, o critério da justa causa deve se fazer presente desde o inquérito policial, uma vez que, a denúncia só será oferecida se existir prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, considerando que está só será comprovada no decorrer da instrução processual. Se não forem demonstrados indícios suficientes de autoria e materialidade, a denúncia deverá ser rejeitada com base no art. 395, III do Código de Processo Penal, por ausência de justa causa. 1.5.1 Justa causa duplicada A justa causa duplicada presume que, a ação penal, além de demonstrar naturalmente os indícios suficientes de autoria e materialidade, precisa comprovar uma outra causa específica. Podemos citar como um exemplo de situação que se exige a comprovação da justa causa duplicada os crimes de lavagem de capitais, que, para ensejar a condenação do agente pressupõe a prática de um crime anterior. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2020), no caso dos crimes de lavagem de capital, “não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrando que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei nº 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei nº 12.683/12)”. Sobrevindo a justa causa posteriormente, ainda que a denúncia tenha sido rejeitada, nada obsta que o Ministério Público ofereça a ação novamente, uma vez que, neste caso, a decisão do magistrado não faz coisa julgada material – já que não há análise do mérito. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 19 1.6 Condições específicas da ação penal Diferente das condições genéricas, as condições específicas da ação penal só estão presentes em algumas ações penais. Também denominadas condições de procedibilidade, são aquelas condições que se aplicam apenas em determinadas situações e estão associadas a possibilidade jurídica do pedido. Portanto, como bem destaca Guilherme Nucci (2020) “quando não está presente uma condição de procedibilidade, significa que inexiste possibilidade jurídica para ser ajuizada ação penal”. Vejamos alguns exemplos. REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO A manifestação do ofendido nas ações públicas condicionadas a representação é uma condição de procedibilidade da ação, a qual não poderá ser desencadeada sem a anuência da vítima. A representação pode ser feita diante da autoridade policial, do promotor de justiça e, até mesmo, do magistrado, pois, como trata-se apenas de uma manifestação de vontade para prosseguir com a investigação policial, não exige nenhum rigorismo formal. REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA Existem alguns crimes, especialmente aqueles que protegem a figura do Presidente da República ou os Chefes de Governo Estrangeiro, que exigem a participação discricionária do Poder Executivo, através do Ministério Público. Assim, nestes casos, como destaca Guilherme Nucci (2020) “a requisição é a exigência legal que o Ministro da Justiça encaminha ao Ministério Público de que seja apurada a prática de determinada infração penal e sua autoria”. No mesmo sentido, Renato Brasileiro de Lima (2020) afirma que, “a requisição do Ministro da Justiça, nos mesmos moldes que a representação do ofendido, tem natureza jurídica de condição específica de procedibilidade, funcionando como mera autorização para proceder, permissão para que o processo penal possa ser instaurado, manifestação da vontade do Ministro da Justiça no sentido de que possui interesse na persecução penal”. A requisição será dirigida ao Procurador- Geral de Justiça ou ao Procurador-Geral da República, munida de todas as informações necessárias para a investigação do fato e de sua autoria. AUTORIZAÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS PARA A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CONTRA O PRESIDENTE Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 20 A condição específica da autorização da Câmara dos Deputados para a instauração de processos contra o Presidente da República, Vice-Presidente e os Ministros de Estados, está prevista no art. 51, inciso I da Constituição Federal. Portanto, diante de um crime de responsabilidade (infração político administrativa), cuja qual não enseja uma condenação criminal, praticado, por exemplo, pelo Presidente da República, é necessário que a Câmara dos Deputados, por 2/3 de seus membros, autorize a instauração do processo. Ainda, é válido ressaltar que, a exigência de autorização da Câmara dos Deputados se estende para além dos crimes de responsabilidade, no caso dos crimes comuns praticados pelo Presidente da República, no exercício da função ou em razão dela, para a instauração do processo se faz necessário o preenchimento da condição específica. PROVAS NOVAS As provas novas surgem como um requisito específico da ação, no caso de arquivamento de inquérito policial por falta de provas, ao passo que, a investigação só poderá ser retomada com o aparecimento de novas evidências. Esse também é o entendimento manifestado na Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal e no art. 18 do Código de Processo Penal. Súmula 524 – STF. Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas. Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia. LAUDO PERICIAL NOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL No caso da prática de crimes contra a propriedade imaterial, a lei estabelece expressamente que, para caracterizar o delito, seria necessária a realização de laudo pericial. Obviamente, quando se tratar de grande quantidade, é pacífico nos tribunais superiores o entendimento de que não é necessário examinar todos os produtos, pois a falsificação é notória. Assim, neste caso, será aceito o laudo pericial feito por amostragem. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 21 1.7 Classificação das ações penais condenatórias De acordo com Renato Brasileiro de Lima (2020) “ação penal condenatória é aquela em que é deduzida em juízo a pretensão punitiva, por meio da denúncia ou da queixa, imputando-se ao acusado a prática de conduta típica, ilícita e culpável, a fim de que seja proferida sentença em que se torne concreta a sanção que a lei prevê em abstrato, quer no sentido da imposição de pena privativa de liberdade (sentença condenatória), quer no sentido da aplicação de medida de segurança (sentença absolutória imprópria)”. Assim, as ações penais condenatórias podem ser classificadas em ações penais privadas e públicas, as quais dão origem a seguinte ramificação. 1.7.1 Ação penal de iniciativa pública As ações penais de iniciativa pública são aquelas que possuem como legitimado ativo o Ministério Público,que inauguram o procedimento com o oferecimento da denúncia – inicial acusatória – perante a justiça. 1.7.1.1 Ação penal pública incondicionada Considerando que, em regra, o titular das ações penais é o Ministério Público, a grande maioria dos crimes se procedem mediante ação penal pública incondicionada. Tanto é assim que, no Código Penal, se o tipo penal se manter omisso quanto a ação penal aplicada a determinada conduta, presume-se que será a ação será pública incondicionada. A peça inicial que inaugura essa ação penal é a denúncia, oferecida pelo Ministério Público (legitimado ativo), independente da manifestação do ofendido. Além disso, de acordo com Eugenio Pacelli (2020) “do dever estatal da persecução penal resulta, como regra, que o Ministério Público é obrigado a promover a ação penal, se diante de fato que, a seu juízo, configure um ilícito penal. Daí a regra básica da ação penal pública incondicionada, qual seja, o denominado princípio da obrigatoriedade”. Isto é, pautado no princípio da obrigatoriedade, sempre que o Ministério Público estiver diante de uma ação penal pública incondicionada, na condição de legitimado Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 22 ativo, e esta ação dispor de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime, bem como dos pressupostos gerais e, se for o caso, específicos, será obrigado a agir de ofício e ingressar com a demanda em juízo – através da denúncia. 1.7.1.2 Ação penal pública condicionada a representação Assim como a ação pública incondicionada, a ação penal pública condicionada a representação tem como legitimado ativo o Ministério Público que, munido da anuência do ofendido, de seu representante legal ou, a depender da conduta praticada, de requisição do Ministro da Justiça, deverá oferecer denúncia (art. 24, CPP). Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. Assim, como vimos anteriormente, a requisição do ofendido trata-se de uma condição específica de procedibilidade da ação penal condicionada, pois, sem a anuência da vítima, do Ministro da Justiça ou daquele que tiver qualidade para representá-lo, a denúncia será rejeitada desde logo. Portanto, como bem destaca Guilherme Nucci (2020), coube ao Código Penal esclarecer no tipo penal se a conduta será processada mediante ação penal privada Lembrando que, considera-se representação toda manifestação inequívoca por parte da vítima ou seu representante legal, no sentido de querer ver o possível criminoso processado. A manifestação pode ser feita diante da autoridade policial, do promotor de justiça e, até mesmo, do magistrado, pois, como trata- se apenas da exteriorização da vontade do indivíduo para prosseguir com a investigação policial, não exige nenhum rigorismo formal. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 23 ou pública, se condicionada a representação ou não. Segundo o autor, “deve-se analisar o tipo penal incriminador existente na Parte Especial do Código Penal (ou em legislação especial); caso não se encontre nenhuma referência à necessidade de representação ou requisição, bem como à possibilidade de oferecimento de queixa, trata-se de ação penal pública incondicionada. Por outro lado, deparando-se com os destaques ‘somente se procede mediante representação’ (ex.: art. 153, § 1.º, CP) ou ‘procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça’ (ex.: art. 145, parágrafo único, CP), está-se diante de ação penal pública condicionada. E caso se encontre a especial referência ‘somente se procede mediante queixa’ (ex.: art. 145, caput, CP), evidencia- se a ação penal privada”. 1.7.1.3 Ação penal pública subsidiária da pública A espécie de ação penal pública subsidiária da pública também não é totalmente aceita pela doutrina e, a respeito de sua aplicação surgem diversos posicionamentos. No entanto, podemos verificar facilmente essa possibilidade na Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro, quando a redação do art. 27 autoriza a possibilidade do indivíduo, “quando a denúncia não for intentada no prazo legal, o ofendido poderá representar ao Procurador-Geral da República, para que este a ofereça, designe outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou determine o arquivamento das peças de informação recebidas”. Além disso, podemos citar como outro exemplo de ação penal pública subsidiária da pública, o art. 2º, § 2º do Decreto Lei n. 201/67, o qual dispõe sobre os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores, de modo que, “se as providências para a abertura do inquérito policial ou instauração da ação penal não forem atendidas pela autoridade policial ou pelo Ministério Público estadual, poderão ser requeridas ao Procurador-Geral da República”. Contudo, especialmente com relação a esse dispositivo, a doutrina é categórica ao afirmar não foi recepcionado pela Constituição Federal, uma vez que, por ser anterior a promulgação da Carta Magna de 1988, viola o disposto no art. 109 da CF quando atribui a Justiça Federal uma função não prevista em lei. Ainda, como um terceiro exemplo da aplicação desta medida, podemos citar o art. 80 do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza, no processo penal atinente aos Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 24 crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, como legitimado, dentre outros, as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal. Assim, é justamente neste ponto que se verifica a possibilidade do ingresso da ação pública subsidiária da pública, uma vez que estamos falando de dois entes públicos (Ministério Público e os ententes da administração direta e indireta). Por fim, é importante frisar novamente que, embora exista algumas situações que vislumbrem a possibilidade de ingressar com a chamada ação penal pública subsidiária da pública, não existe posição pacífica na doutrina penal com relação a esse tema. 1.7.2 Ação penal de iniciativa privada Diferente da ação penal pública que possuem como titular o Ministério Público, as ações privadas são de titularidade do ofendido e seus representantes legais, por meio de um advogado. Como bem destaca, Renato Brasileiro de Lima (2020) “certos crimes atentam contra interesses tão próprios da vítima que o próprio Estado transfere a ela ou ao seu representante legal a legitimidade para ingressar em juízo”. A ação penal de iniciativa privada possui como peça inaugural a queixa-crime, instrumento pelo qual o advogado busca a prestação jurisdicional do Estado em face do prejuízo da vítima. Lembrando que, ainda que a ação seja de iniciativa privada, a pretensão punitiva continua sendo do Estado, que será o responsável por cominar pena a determinado crime. 1.7.2.1 Ação penal privada personalíssima Conforme vimos acima, em regra, são legitimados para ingressar com a ação privada o ofendido, seus representantes legais – cônjuge, ascendente, descendente ou irmão –, o curador especial ou, em caso de morte ou ausência, pelos sucessores da vítima. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 25 No entanto, em determinadas situações, é possível que somente a pessoa do ofendido seja legítimo para ingressar com a demanda perante o judiciário e, em caso de morte, a possiblidade de intentar ação penal privada se extingue. É o caso da ação penal privada personalíssima,Atualmente, temos como único exemplo de ação personalíssima o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento nos crimes praticados contra o casamento, pois, neste caso, o único legitimado para ingressar com a demanda em juízo é o nubente que, teoricamente, tenha sido ludibriado e induzido a erro na celebração do matrimonio, não podendo ser substituído por um representante legal ou sucessor, por exemplo. Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento. 1.7.2.2 Exclusivamente privada A ação exclusivamente privada é a regra entre as ações de iniciativa privada e poderá ser intentada pelo ofendido, seus representantes legais – cônjuge, ascendente, descendente ou irmão –, o curador especial ou, em caso de morte ou quando declarado sua ausência, pelos sucessores da vítima. Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada. Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 26 Uma divergência que pode surgir neste ponto é quanto a inclusão do companheiro no conceito de cônjuge. Parte da doutrina compreende que o companheiro possui legitimidade para ingressar com ação penal privada representando o acusado, uma vez que a própria Constituição Federal o equipara, para todos os efeitos, ao cônjuge. Contudo, outra corrente, mais garantista, afirma que o companheiro não possui legitimidade ativa para intentar ação penal, pois, incluí-lo no rol de legitimados implicaria em uma analogia in malam partem, com efeitos penais – prática vedada no direito penal. 1.7.2.3 Ação penal privada subsidiária da pública A ação penal privada subsidiária da pública não é originalmente privada, na realidade o direito de ação privada subsidiária da pública surge da inércia do Ministério Público, titular da ação penal privada, que se mantem inerte diante das três medidas que pode tomar – propor arquivamento, denunciar ou requerer diligências, no prazo de 05 dias se o acusado estiver preso e 10 dias se o acusado estiver solto. Assim, determina o art. 5º, LIX da Constituição Federal que, “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. No mesmo sentido, dispõe o art. 29 do Código de Processo Penal que, “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”. 1.8 Princípios da Ação Penal O estudo do direito em si nasce com o intuito de regular a vida, o comportamento e as relações existentes na sociedade de uma forma geral, e é por isso, que as normas não surgem de uma simples inspiração divina, ou em tese, não deveriam. Como o direito surge para regular as relações existentes na sociedade, as normas devem refletir o cenário social da época, adotando como base os costumes, os princípios e a doutrina. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 27 Assim, nesta unidade, vamos falar a respeito dos princípios da ação penal, tratando de forma conjunta, os princípios comuns aplicáveis a ação penal pública e privada. 1.8.1 Princípios comuns Para facilitar sua compreensão a respeito dos princípios da ação penal, entendemos por bem, apresentar aqueles comuns, aplicáveis tanto a ação penal privada quanto a ação penal pública, de forma conjunta, uma vez que se aplicam a ambas as situações. 1.8.1.1 Princípio da inércia (ne procedat iudex ex officio) Trata-se de uma característica da jurisdição, segundo a qual determina que o processo não poderá ser iniciado de ofício pelo juiz, ele deve ser provocado por uma das partes. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2020) o princípio da inércia “funciona como consectário do direito de ação, e dele deriva a diretriz segundo a qual o juiz não pode dar início a um processo sem que haja provocação da parte. Dele também deriva a proibição de que o juiz profira um provimento sobre matéria que não tenha sido trazida ao processo por uma das partes (princípio da correlação entre acusação e sentença)”. Além disso, podemos verificar a aplicação do princípio da inércia implicitamente no art. 129, inciso I da Constituição Federal, pois, ao conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para propor ação penal pública, indiretamente, o legislador retirou essa prerrogativa dos outros entes. Princípios comuns Princípio da inércia Princípio do ne bis in idem Princípio da instranscedência Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 28 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; Por fim, é importante destacar a redação do art. 26 do Código de Processo Penal, o qual determina que “a ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial”. No entanto, como o Código de Processo Penal é de 1941, anterior a Constituição Federal de 1988, o referido dispositivo não foi recepcionado pela Carta Magna, pois, é contrário aos princípios legais, neste caso, especificamente, ao princípio da inércia. Ainda, alguns autores apontam que, o art. 26 do CPP foi tacitamente revogado, pelas normas constitucionais. 1.8.1.1.1 Habeas corpus No entanto, embora o princípio da inércia preveja a imobilidade do poder judiciário, através da figura do juiz, essa máxima prevalece apenas com relação ao início da ação penal e não com toda a atuação jurisdicional. O magistrado é o responsável por fiscalizar as garantias e o respeito a liberdade do indivíduo, como, por exemplo, no caso do habeas corpus que pode ser concedido de ofício pela autoridade. Portanto, não confunda a possibilidade de conceder ordem de habeas corpus de ofício com a possibilidade de dar início a uma ação penal de ofício. A prerrogativa de conceder habeas corpus de ofício pressupõe a existência de uma ação penal anterior pendente de julgamento que, o juiz, por atuar como fiscal das garantias e do respeito a liberdade do indivíduo, deve se atentar e verificado alguma ilegalidade, sanar de ofício, nos termos do art. 654, § 2º do CPP. Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. § 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 29 1.8.1.1.2 Execução penal Diferente da ação penal que, sob nenhuma possibilidade, pode ser iniciada de ofício pelo juiz, a execução penal, após uma condenação transitada em julgado, é instaurada desde logo pelo magistrado o processo de execução. Em consonância, Renato Brasileiro de Lima (2020) afirma que, “transitada em julgado a sentença penal condenatória, inicia-se de ofício sua execução, independentemente de qualquer iniciativa por parte do autor da ação penal deconhecimento, seja ele o Ministério Público ou o querelante”. 1.8.1.2 Princípio do ne bis in idem O princípio do ne bis in idem veda que o indivíduo seja processado e penalizado duas ou mais vezes pelo mesmo fato, ou seja, ninguém pode ser penalizado pelo mesmo ato duas vezes, na mesma esfera jurídica, obviamente. De acordo com Renato Brasileiro de Lima (2020) o princípio do ne bis in idem é “conhecido no direito norte-americano como double jeopardy, ou seja, para se evitar o risco duplo, entende-se que, por força do princípio do ne bis in idem (ou da inadmissibilidade da persecução penal múltipla), aplicável à ação penal pública e privada, ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação”. Assim, embora o princípio do ne bis in idem não esteja previsto de forma expressa no texto da Constituição Federal, está garantido no art. 8º da Convenção Americana dos Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica – “o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Portanto, considerando que o Brasil é um dos signatário da Convenção, deverá respeitar e seguir suas diretrizes. Lembrando que, o princípio impede tanto a tramitação de um processo igual a outro, em se tratando de coisa julgada, quanto a tramitação simultânea de dois processos iguais no processo judiciário, é o caso da litispendência. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 30 1.8.1.2.1 Sentença absolutória por juízo incompetente A regra geral é que os crimes sejam processados perante a Justiça Estadual, ela tem o que chamamos de competência residual. No entanto, é possível que, determinados crimes, em razão de algumas circunstâncias, tenham a sua competência deslocada para outras esferas judiciais, seja a Justiça Federal, Militar ou Estadual. Além disso, podemos ter também o deslocamento de competência para os Tribunais Superiores, é o caso dos crimes comuns praticados pelo Presidente da República, no exercício da sua função ou em razão dela, que serão processados e julgados perante o Supremo Tribunal Federal. Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; Assim, imagine a seguinte situação, supondo que existam dois processos, que versem sobre o mesmo fato, com as mesmas partes e a mesma causa de pedir (litispendência), um tramitando pela Justiça Estadual e outro pela Justiça Federal. Apesar da Justiça Federal ser a competente para julgar determinada causa, o processo que tramitava perante a Justiça Estadual termina primeiro, proferindo, o julgador, uma sentença absolutória que transita em julgado. Neste caso, diante de uma sentença absolutória, ainda que proferida pelo juízo incompetente, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federa, a decisão deverá prevalecer e o outro processo ser extinto. 1.8.1.2.2 Jurisprudência A respeito do princípio do ne bis in idem o Superior Tribunal de Justiça entendeu no julgamento do HC 499.179/TO o seguinte, Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 31 AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. WRIT IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. TRÁFICO DE DROGAS. LITISPENDÊNCIA COM OUTRA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE IDENTIDADE DE IMPUTAÇÕES. COAÇÃO ILEGAL NÃO CARACTERIZADA. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. Há litispendência quando tramitam duas ações penais contra o mesmo réu, com igual objeto, ou seja, tratando do mesmo fato criminoso, existindo violação à coisa julgada quando, após o trânsito em julgado do mérito da ação penal, nova acusação é formulada versando sobre os mesmos ilícitos. 3. Embora a apreensão ocorrida na Ação Penal n. 0008374-12.2018.827.2729 tenha se originado do cumprimento de mandado expedido no Processo n. 2018.01.1.005659- 8, neste último não foi imputada ao paciente a prática do tráfico de drogas consistente na guarda e depósito do haxixe e da maconha, o que foi inclusive advertido pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que destacou o fato foi objeto de persecução criminal própria. 4. No Processo n. 2018.01.1.005659-8 o paciente foi acusado de expor à venda, utilizando-se especialmente do aplicativo WhatsApp, substâncias entorpecentes de diversas naturezas, especialmente ecstasy e LSD, imputação que, como visto, não abrangeu a apreensão ocorrida em Tocantins. 5. Não há qualquer coincidência entre os aludidos feitos, que tratam de imputações completamente distintas, o que afasta a alegação de bis in idem. (AgRg no HC 499.179/TO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 07/05/2019). Isto é, o Tribunal considera que “há litispendência quando tramitam duas ações penais contra o mesmo réu, com igual objeto, ou seja, tratando do mesmo fato criminoso, existindo violação à coisa julgada quando, após o trânsito em julgado do mérito da ação penal, nova acusação é formulada versando sobre os mesmos ilícitos”, ou seja, a ação deve versar sobre o mesmo fato e, no caso objeto da decisão, as ações, embora tenham partido do mesmo processo investigatório, deram origem a ações diferentes, sendo o indivíduo julgado por condutas distintas. No entanto, embora prevaleça a sentença proferida por juízo incompetente, essa máxima não prevalece se a sentença for fraudulenta. De acordo com o Superior Tribunal Federal, no julgamento do HC 84525 decidiu que, PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA. DECRETO QUE DETERMINA O DESARQUIVAMENTO DA AÇÃO Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 32 PENAL. INOCORRÊNCIA DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA. FUNDAMENTAÇÃO. ART. 93, IX, DA CF. I. - A decisão que, com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada, dado que não gera coisa julgada em sentido estrito. II. - Nos colegiados, os votos que acompanham o posicionamento do relator, sem tecer novas considerações, entendem-se terem adotado a mesma fundamentação. III. - Acórdão devidamente fundamentado. IV. - H.C. indeferido. (HC 84525, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 16/11/2004, DJ 03-12- 2004 PP-00043 EMENT VOL-02175-02 PP-00285 LEXSTF v. 27, n. 315, 2005, p. 405-409) Na decisão acima, o STF entendeu que, a sentença transitada em julgado com base em uma certidão de óbito falsa não faz coisa julgada material e, portanto, poderá ser objeto de nova discussão, uma vez que a decisão foi fundada em prova falsa. Examine essa situação imaginando a interposição de uma nova ação, com as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, rediscutindo o mérito já analisado na sentença transitada em julgado que foi baseada em uma prova fraudulenta, considerando o entendimento do STF de que a decisão, sob essa hipótese, não faz coisa julgada material, o caso pode ser rediscutido em outro processo, sem caracterizar o bis in idem. 1.8.2 Princípio da intranscendência Esse princípio informa que a denúncia ou a queixa somente podem ser oferecidas contra aquele apontado como provável autor do delito. De acordo com Renato Brasileiro de Lima (2020) o princípio da intranscendência determina que, “a ação penal condenatória não pode passar da pessoa do suposto autor do crime para incluir seus familiares, que nenhumaparticipação teve na infração penal”. Decorre do princípio da intranscendência da pena, previsto no art. 5º, inciso XLV da Constituição Federal, pois, obviamente, se a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado, a denúncia não pode recair sobre pessoa diversa daquela que praticou ou tenha concorrido para a infração penal, na figura do partícipe ou coautor. Art. 5º [...] Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 33 XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; 1.9 Princípios específicos da ação penal pública Além dos princípios comuns aplicáveis as ações penais públicas e privadas, cada espécie deve se atentar aos princípios específicos cabíveis a elas. A partir de agora, até o final do material, trabalharemos os princípios específicos aplicáveis as ações penais públicas. 1.9.1 Princípio da obrigatoriedade O princípio da obrigatoriedade traduz a necessidade de que Ministério Público, sempre que tiver indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, que possuir elementos informativos suficientes do delito e justa causa, deverá, necessariamente, adotar uma das condutas que lhe cabem – oferecer denúncia, pugnar pelo arquivamento ou solicitar novas diligências – não poderá se manter inerte diante do inquérito policial. Neste sentido, como bem destaca Renato Brasileiro de Lima (2020) “diante da notícia de uma infração penal, da mesma forma que as autoridades policiais têm a obrigação de proceder à apuração do fato delituoso, ao órgão do Ministério Público se impõe o dever de oferecer denúncia caso visualize elementos de informação quanto à existência de fato típico, ilícito e culpável, além da presença das condições da ação penal e de justa causa para a deflagração do processo criminal”. No entanto, com relação a previsão legal do princípio da obrigatoriedade, muito embora a doutrina defina como base o art. 24 do Código de Processo Penal, não há qualquer menção expressa na redação do artigo. De forma implícita o princípio é extraído do trecho “nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia”. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 34 1.9.1.1 Controle da obrigatoriedade Como se trata de um princípio impositivo, que gera uma obrigatoriedade ao Ministério Público, deve representar alguma consequência se violado. No entanto, essa consequência está prevista no art. 28 do Código de Processo Penal, o qual foi drasticamente alterado pela Lei 13.964/19, o Pacote Anticrime, que, atualmente, está suspenso por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Portanto, analisaremos o controle do princípio da obrigatoriedade antes e depois do Pacote Anticrime. Antes do Pacote Anticrime o art. 28 estabelecia a figura do juiz como sendo um fiscal anômalo, desempenhando um papel que, em tese, não era seu. Isto é, verificando que estão ausentes as condições da ação, o Ministério Público poderia requerer ao juiz o arquivamento do inquérito policial, o qual, por sua vez, teria duas alternativas. Diante do pedido de arquivamento, o juiz, concordando com o Ministério Público, poderia acatar o pedido e arquivar o inquérito, ou discordando do Ministério Público e entendendo que existiam pressupostos suficientes para ingressar com a ação penal, o juiz poderia remeter os autos do inquérito ao órgão de revisão do MP, o qual teria a palavra definitiva, arquivando ou encaminhando para outro membro do Ministério Público ingressar com a demanda. Depois do Pacote Anticrime, a figura do juiz é dispensada e é o próprio Ministério Público que decide pelo arquivamento ou não dos autos de inquérito policial, que, após a decisão, serão remetidos ao órgão de revisão do Ministério Público para decisão definitiva. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 35 1.9.1.2 Ação penal privada subsidiária da pública O direito a ação penal privada subsidiária da pública surge para a vítima com a inércia do Ministério Público em propor ação penal pública no prazo legal. Essa possibilidade está prevista no art. 5º LIX da Constituição Federal, à medida que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. 1.9.1.3 O MP pode pugnar a absolvição do réu Conforme dispõe o princípio da obrigatoriedade, o Ministério Público deve, necessariamente, após receber os autos de inquérito policial, oferecer denúncia, propor o arquivamento ou requerer diligências, não podendo, inclusive, se ingressar com a ação desistir no decorrer do processo. No entanto, é possível que o Ministério Público requeira a absolvição do acusado, quando entender a medida necessária, lembrando, é claro, que a manifestação do Promotor de Justiça não vincula a decisão do juiz, nos termos do art. 385 do CPP. Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. 1.9.1.4 Exceções a obrigatoriedade O princípio da obrigatoriedade, como várias coisas no direito, não é absoluto e, embora o Ministério Público não possa se manter inerte diante do cometimento de uma infração penal, existem algumas alternativas ao oferecimento da denúncia, como por exemplo, a transação penal e o parcelamento do débito tributário. O benefício da transação penal está previsto no art. 76 da Lei 9.099/95, de modo que, “havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”. Aspectos Processuais Penais | Ação Penal www.cenes.com.br | 36 Ainda, com relação ao parcelamento do débito tributário, previsto no art. 83, § 2º da Lei 9.430/96, determina que, será suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes contra a ordem tributária e queles praticados contra a previdência social, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. 1.10 Princípio da obrigatoriedade (da ação penal pública) Em relação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, Renato Brasileiro Lima explica que os órgãos persecutórios criminais não possuem qualquer critério político ou de utilidade social para decidir quanto a sua atuação, sendo incumbo a eles o dever de persecução e acusação. Neste sentido, especificamente quanto ao órgão do Ministério Público, “se impõe o dever de oferecer denúncia caso visualize elementos de informação quanto à existência de fato típico, ilícito e culpável, além da presença das condições da ação penal e de justa causa para a deflagração do processo criminal” (LIMA, 2020). Embora não possua status constitucional, este princípio é extraído da legislação infraconstitucional, encontrando-se previsto no art. 24 do Código de Processo Penal, segundo o qual “Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá- lo”. 1.11 Exceções ao princípio da obrigatoriedade As exceções ao princípio da obrigatoriedade consistem em situações nas quais a legislação permite a realização de um acordo que possibilita ao Ministério Público deixar de ingressar em juízo com uma denúncia, mesmo diante
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