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VIRGINIA LUIZ DE SOUSA MECANISMOS MOLECULARES ENVOLVIDOS NO PREJUÍZO COGNITIVO TARDIO EM MODELO DE SEPSE EM CAMUNDONGOS Rio de Janeiro 2019 2 VIRGINIA LUIZ DE SOUSA MECANISMOS MOLECULARES ENVOLVIDOS NO PREJUÍZO COGNITIVO TARDIO EM MODELO DE SEPSE EM CAMUNDONGOS Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências Farmacêuticas. Orientadoras Professoras Cláudia P. Figueiredo e Júlia R. Clarke . Rio de Janeiro 2019 3 Luiz de Sousa, Virginia L725m MECANISMOS MOLECULARES ENVOLVIDOS NA FISIOPATOLOGIA DA ENCEFALOPATIA PÓS-SÉPTICA / Virginia Luiz de Sousa. -- Rio de Janeiro, 2019. 75 f. Orientadora: Cláudia Pinto Figueiredo. Coorientador: Julia Clarke. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Farmácia, Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, 2019. 1. Sepse. 2. memória. 3. encefalopatia. 4. estresse retículo. 5. microglia. I. Pinto Figueiredo, Cláudia, orient. II. Clarke, Julia , coorient. III. Título. CIP - Catalogação na Publicação Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283. 4 VIRGINIA LUIZ DE SOUSA MECANISMOS MOLECULARES ENVOLVIDOS NO PREJUÍZO COGNITIVO TARDIO EM MODELO DE SEPSE EM CAMUNDONGOS Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós- Graduação em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências Farmacêuticas. Aprovada em ___/___/___ Orientador: ______________________________________________________________________ Profª Drª Cláudia Pinto Figueiredo, PPGCF, UFRJ Coorientador: ______________________________________________________________________ Profª Drª Júlia R. Clarke, PPGCF, UFRJ Banca examinadora: ______________________________________________________________________ Profª Drª Yraima L. Cordeiro, PPGCF, UFRJ ______________________________________________________________________ Profª Drª Ana Carolina de Siqueira, IBCCF, UFRJ ______________________________________________________________________ Profª Drª Andreza F. de Bem, UNB, UFSM 5 RESUMO SOUSA, Virginia Luiz. Mecanismos moleculares envolvidos no prejuízo cognitivo tardio em modelo de sepse em camundongos. Rio de Janeiro, 2019. Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. A sepse é uma doença grave que afeta milhares de pessoas no mundo e possui uma alta taxa de mortalidade. Os indivíduos que sobrevivem à sepse têm sua qualidade de vida impactada pelas manifestações tardias da doença tornando-os incapacitados para realizar tarefas simples do dia-a-dia. A encefalopatia séptica (ES) é uma sequela frequentemente observada em sobreviventes da doença, podendo ser transitória ou persistir pelo resto da vida. O mecanismo envolvido nessa disfunção neurológica tardia ainda permanece obscuro, entretanto algumas evidências sugerem que o acúmulo de proteínas mal enoveladas e o ―priming‖ microglial estejam envolvidos neste processo. Com objetivo de avançar no entendimento dos mecanismos moleculares envolvidos no prejuízo cognitivo tardio em pacientes sobreviventes de sepse utilizamos um modelo animal de ligação e perfuração do ceco (CLP) e investigamos se a persistência de prejuízos cognitivos e neuropsiquiátricos em animais sobreviventes de sepse está associada com a presença de estresse do retículo endoplasmático (RE) ou ativação microglial. Além disso, também avaliamos se os animais sobreviventes de sepse são mais susceptíveis aos efeitos tóxicos dos oligômeros do peptídeo β-amilóide (AβOs) sobre a função cognitiva, a indução de RE e a ativação microglial. Neste estudo observamos que os animais que sobreviventes à sepse apresentaram prejuízos cognitivos e alterações no sistema nervoso central (SNC) 30 dias após a sepse. A sepse não levou a um dano cognitivo per se permanente, visto que 45 dias após CLP os animais recuperaram a função cognitiva. Observamos que os animais sobreviventes de sepse apresentam níveis hipocampais de mRNA de XBP1 spliced (XBP1s) elevados 30 dias após CLP, retornando aos níveis basais 45 dias após cirurgia. Também observamos que não existe alteração nos níveis hipocampais de fator de ativação da transcrição 4 (ATF4) e proteína homologa da C/EBP (CHOP), 30 dias após CLP. Entretanto, os animais sobreviventes mostraram-se mais susceptíveis a desenvolver dano cognitivo e sináptico após administração icv de doses não-tóxicas de oligômeros de β-amilóide (AβOs), proteína abundante no cérebro de pacientes com doença de Alzheimer (DA). De maneira interessante, animais que sobreviveram à sepse (45 dias após CLP) apresentaram uma maior ativação microglial quando expostos a doses subtóxicas de AβOs, sem alterações significativas nos níveis das proteínas relacionadas ao estresse de ER. Coletivamente nossos resultados demostram que os animais que sobrevivem à sepse apresentam uma maior susceptibilidade para desenvolver prejuízos cognitivos e sinápticos após receberem um insulto com uma dose não tóxica de AβOs, sendo que essas manifestações não parecem estar envolvidas com o estresse RE. Entretanto, o aumento da ativação microglial após injeção de AβOs nos animais sobreviventes, sugere que o prejuízo cognitivo e sináptico estejam associados com o fenômeno de “priming” microglial. Palavras-chave: sepse; memória; encefalopatia; beta-amilóide; estresse retículo endoplasmático; microglia. 6 ABSTRACT SOUSA, Virginia Luiz. Molecular mechanisms associated with late cognitive impairment in a mouse model of sepsis. Rio de Janeiro, 2019. Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,2019. Sepsis is a severe inflammatory disease that causes high mortality. Patients that survive an episode of sepsis have impaired life quality for several years. Post-septic encephalopathy (ES) is frequently observed as a consequence of sepsis, and while in some patients it may be transient in nature, in others it may persist throughout their lifetime. The precise mechanisms underlying this late neurological dysfunction remain unclear, but evidence suggests that impaired formation and accumulation of misfolded proteins occurs in this pathology. In order to better understand this phenomenon, we used an animal model of cecum ligation and perforation (CLP) to investigated whether the persistence of cognitive and neuropsychiatric damage in sepsis-surviving animals is associated to the presence of endoplasmic reticulum (ER) stress in the hippocampus. We also evaluated whether sepsis surviving mice are more susceptible to the toxic effects of oligomers of amyloid-β peptide (AβOs) on cognitive function and ER induction. In this study, we observed that animals surviving sepsis presented cognitive impairment and alterations in the central nervous system (CNS) 30 days after sepsis. Sepsis survivors showed an increase in hipocamppal mRNA of XBP1 spliced (XBP1s), 30 days after CLP, which reached basal levels at 45 days post- surgery. We also found no changes in hippocampal mRNA levels of ATF4 and CHOP, 30 days after CLP. Sepsis did not lead to cognitive impairment per se in the later life of the animals (45 days after CLP), but was present in the experimental group receiving a subtoxicdose of AβOs, neurotoxins present in brains of Alzheimer's disease (AD) patients. Animals that survived sepsis have significantly greater microglial reactivity when treated with a subtoxic dose of AβOs and, in addition, the levels of XBP1, a factors associated to UPR was altered in these animals. Collectively, our results show that animals surviving sepsis have a greater susceptibility to cognitive impairment and neurological dysfunctions when exposed to a subtoxic dose of AβOs, and these manifestations do not appear to be involved in endoplasmic reticulum (ER) stress as seen that only XBP1 is altered. However, an exaggerated microglial activation was observed, suggesting the occurrence of microglial priming in the hippocampus of the survivors. Palavras-chave: sepsis; memory; encephalopathy; beta-amyloid; stress endoplasmic reticulum; microglial 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Aβ – Beta Amilóide AβOs – Oligômeros de beta amilóide ATF4 – Fator de ativação da transcrição 4 ATF6 – Fator de ativação da trascrição 6 AKT – Proteína quinase específica de serina / treonina BCL2 – Célula-b de linfoma 2 BHE – Barreira hemato-encefálica BIP – Proteína de imunoglobulina de ligação CHOP – Proteína homóloga da c/ebp CLP – Ligação e perfuração do ceco CREB – Proteína de ligação responsiva ao AMPc DA – Doença de Alzheimer DH – Doença de Huntington DNA – Ácido desoxirribonucléico DP – Doença de Parkinson EIF2Α – Fator de iniciação eucariótico alpha ELA – Esclerose lateral amiotrófica ERAD – Degradação associada ao retículo endoplasmático ES – Encefalopatia séptica FiO2 – Fração inspirada de oxigênio GADD – Parada de crescimento induzida por dano ao DNA GRP78 –Proteína regulada por glicose 78-KDA GSC – Escala de coma glasgow IL – Interleucinas IFNγ – Interferon gama 8 IRE1 – Proteína Cinase Dependente de Inositol 1 LPS – Lipopolissacarídeo MIF – Fator de inibição migratória de macrófago mRNA – Rna mensageiro PAF – Fator de ativação plaquetária PAMPS – Padrões moleculares associados a patógenos PaO2 – Pressão arterial parcial de oxigênio PERK – Proteína quinase tipo PKR PCR – Reação em cadeia de polimerase PI3K – Quinase fosfatidilinositol 3 PMDS – Doenças de proteínas mal-formadas PRRs – Receptores de reconhecimento de patógenos qSOFA – Rápida Avaliação sequencial de falência orgânica RE – Retículo endoplasmático SNC – Sistema nervoso central SOFA – Avaliação sequencial de falência orgânica TLRS – Receptores do tipo toll TNF – Fator de necrose tumoral alfa TXA2 – Tromboxano a2 UPR – Resposta a proteinas mal-enoveladas UPS – Sistema ubiquitina-proteossoma UTI – Unidade de terapia intensiva XBP-1 – Proteína de ligação de x-box 1(x-box binding protein 1) 9 Sumário 1. Introdução ....................................................................................................................................... 11 1.1. Definição e epidemiologia da Sepse ........................................................................................ 11 1.2. Fisiopatologia da Sepse .............................................................................................................. 14 1.3. Disfunção Neurológica em pacientes pós-sépticos ................................................................ 16 1.4. A microglia e o ―priming” microglial ...................................................................................... 19 1.5. Resposta a proteínas não enoveladas (UPR) e o Estresse do retículo endoplasmático (RE).. ............................................................................................................................................ 22 1.6. Doenças Neurodegenerativas e proteostase ............................................................................ 24 1.7. Justificativa .................................................................................................................................. 27 2. Objetivo Geral ................................................................................................................................ 29 2.1. Objetivos Específicos ................................................................................................................. 29 3. Metodologia .................................................................................................................................... 30 3.1.Modelo animal .............................................................................................................................. 30 3.2.Oligômeros do peptídeo β-amilóide (AβOs) ............................................................................ 31 3.3.Injeção intracerebroventricular (ICV) ....................................................................................... 32 3.4.Experimentos comportamentais ................................................................................................. 32 3.4.1. Campo aberto ............................................................................................................................ 33 3.4.2. Reconhecimento de objetos .................................................................................................... 34 3.4.3. Suspensão Pela Cauda ............................................................................................................. 35 3.5.Análise de expressão gênica por reação de transcrição reversa, seguida de reação da polimerase em cadeia (RT-PCR) ............................................................................................... 36 3.5.1. Preparo das amostras de hipocampo ..................................................................................... 36 3.5.2. Extração de RNA total do tecido e quantificação ............................................................... 36 3.5.3. Síntese do DNA complementar ............................................................................................. 36 3.5.4. RT-PCR .................................................................................................................................... 37 3.6. Análise Imuno-histoquímica do tecido cerebral ..................................................................... 37 3.7. Análise morfométrica da Microglia......................................................................................... 38 3.8. Análise estatística dos dados ..................................................................................................... 38 10 4. Resultados ...................................................................................................................................... 39 4.1.Caracterização do modelo animal de sepse através da ligação e perfuração do ceco (CLP). ......................................................................................................................................................... 39 4.2.Avaliação cognitiva dos animais sobreviventes de sepse ....................................................... 39 4.3.Avaliação do comportamento tipo ansioso e depressivo dos animais sobreviventes de sepse ............................................................................................................................................... 41 4.4.Animais sobreviventes de sepse apresentam reestabelecimento dos níveis hipocampais basais de TNF-α e CREB 45 dias após a cirurgia. ................................................................... 42 4.5.Animais sobreviventes de sepse apresentam aumento do fator de transcrição XBP1, que regula positivamente a expressão de genes essenciais para a resposta a proteínas mal enoveladas (UPR) ........................................................................................................................43 4.6. Animais sobreviventes de sepse são mais susceptíveis aos efeitos tóxicos dos oligômeros do peptídeo β-amilóide. ......................................................................................... 44 5. Discussão ....................................................................................................................................... 50 6. Conclusões ..................................................................................................................................... 57 7. Referências Bibliográficas ........................................................................................................... 58 11 1. Introdução 1.1 Definição e epidemiologia da Sepse As definições e conceitos de diagnóstico da sepse sofreram algumas alterações para facilitar o diagnóstico precoce e o uso de terapias apropriadas na sepse no ―The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock‖ (Sepsis-3) (SINGER et al., 2016). Atualmente, a sepse é definida como ―uma disfunção orgânica potencialmente fatal que é causada por uma resposta desregulada do hospedeiro à uma infecção‖. Segundo esta mesma classificação, o choque séptico foi definido como ―sepse com alteração circulatória, celular e metabólica, associada a maior risco de morte‖ (OPAL et al., 2017). Esta redefinição enfatiza a relevância da resposta desregulada do indivíduo à infecção, alertando para o potencial letal da doença e necessidade de diagnóstico rápido e preciso (SINGER et al., 2016). Para o diagnóstico da sepse, atualmente utiliza-se as ferramentas de avaliação sequencial de falência orgânica (SOFA) ou quick SOFA (qSOFA) (Figura 1), as quais são utilizadas na beira do leito para identificar pacientes com suspeita de infecção e que estão sob maior risco de desfechos adversos. O score SOFA leva em consideração a relação de pressão parcial de oxigênio pela fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2), hipotensão ou vasopressores, plaquetas, escala de coma Glasgow (GSC), bilirrubina e creatinina/oligúria, sendo recomendado para aplicação em pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI). O escore varia de zero a 4, e uma pontuação igual ou superior a 2 representa disfunção orgânica. Para departamentos de emergência ou outras unidades hospitalares fora da UTI, a nova definição recomenda o uso do qSOFA ou SOFA (OPAL et al., 2017). Os critérios clínicos utilizados nesta avaliação são: 1) pressão sistólica menor que 100 mmHg; 2) frequência respiratória maior que 22/min; e 3) alteração do estado mental. Cada variável conta um ponto no score, portanto ele vai de 0 a 3. Uma pontuação igual ou maior a 2 indica maior risco de mortalidade ou permanência prolongada na UTI. O diagnóstico de sepse, portanto, é realizado quando existe suspeita ou certeza de infecção, e um aumento agudo de ≥ 2 pontos no SOFA ou qSOFA. Além desses scores, valores de exames laboratoriais, como PaO2, plaquetas, creatinina e bilirrubinas são necessários para completar a avaliação (OPAL et al., 2017). É importante ressaltar que além da inclusão destas novas definições e critérios clínicos para sepse e choque séptico, alguns termos como septicemia, síndrome séptica e sepse grave foram eliminados durante a conferência de 2016 (SEPSIS-3). 12 Figura 1: Tabela de critérios do SOFA atualizada pelo último consenso de definição de Sepse. A incidência de sepse na população mundial é alta, sendo considerada uma das principais causas de morte no mundo (CECCONI et al., 2018). Os dados globais sobre o número de casos trata-se de uma estimativa, pois a falta de uma definição globalmente padronizada para sepse e a ausência de critérios bem definidos dificultam a realização de um diagnóstico preciso prejudicando os estudos epidemiológicos. Os dados disponíveis na literatura são derivados de países de alta renda e a partir destes são realizadas estimativas mundiais, visto que em países de baixa e média renda as informações são escassas ou inexistentes (FLEISCHMANN et al., 2016) (ADHIKARI et al., 2010). Acredita-se que a sepse afeta entre 2 e 30% da população, variando de acordo com a região estudada (KEMPKER; MARTIN, 2016). O risco de ocorrência de sepse tem uma distribuição etária bimodal, com elevada incidência em bebês, havendo redução na infância, e voltando a aumentar na idade adulta com risco acentuado acima ou por volta dos 50-60 anos de idade. A doença é mais comum em indivíduos do sexo masculino (ANGUS et al., 2001a; DOMBROVSKIY et al., 2007a; MARTIN; MANNINO; MOSS, 2006). Evidências sugerem que indivíduos com maior número de comorbidades apresentam risco aumentado para o desenvolvimento de sepse, incluindo diabetes melittus, insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar crônica, imunossupressão, doença hepática, câncer e doença renal crônica (BRUN-BUISSON et al., 13 1995; ESPER et al., 2006). A pneumonia é a causa mais comum de sepse, sendo responsável por aproximadamente metade dos casos, seguida por infecções intra-abdominais e do trato urinário (LAGU et al., 2012; VINCENT et al., 2009). Entre os agentes etiológicos gram- positivos mais comumente isolados nos casos de sepse estão o Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, sendo que a Escherichia coli, as espécies de Klebsiella e Pseudomonas aeruginosa predominam entre os isolados gram-negativos. É consenso que as infecções gram-negativas superam as gram-positivas na maioria dos casos da doença (OPAL et al., 2003; RANIERI et al., 2012; VINCENT et al., 2009). A taxa de mortalidade relacionada à sepse vem diminuindo nos últimos anos estando agora próxima de 20 a 30% (Figura 2), esse fato pode ser atribuído a fatores como o avanço clínico e tecnológico, introdução de cuidados intensivos modernos, melhor vigilância e monitoramento dos pacientes, conscientização dos profissionais de saúde e novos agentes terapêuticos (ANGUS & VAN DER POLL, 2013). Como resultado do declínio da mortalidade, observa-se uma população cada vez maior de sobreviventes de sepse, e esses indivíduos não raramente apresentam sequelas à longo prazo que podem levar a incapacidades, piora das condições de saúde e até morte precoce por diferentes causas (IWASHYNA et al., 2017; PRESCOTT et al., 2016). Figura 2: Gráfico demonstrativo da incidência da sepse versus mortalidade. Adaptado de Kumar G et al. Chest 2011. 14 1.2. Fisiopatologia da Sepse A fisiopatologia da sepse é consideravelmente complexa, dinâmica e bastante variável, vários fatores podem ser determinantes na fisiopatologia da doença. Além disso, a resposta desregulada do hospedeiro frente a esta infecção pode diferir tanto a nível local, como sistêmico (GINSBURG & KOREN 2018). A detecção dos micro-organismos invasores pelo sistema imune inato ocorre via receptores de reconhecimento de patógeno (PRRs, do inglês, pathogen recognition receptors), tais como CD14 e receptores do tipo Toll (TLRs), que são expressos em barreiras epiteliais, bem como em células imunes, tais como células dendríticas e macrófagos (AKIRA; UEMATSU; TAKEUCHI, 2006; BAUER, 2002). Tais receptores reconhecem componentes estruturais bacterianos, chamados de padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs, do inglês, pathogen-associated molecular patterns), como lipopolissacarídeo (LPS; o principal fator de virulência de bactérias Gram-negativas), peptideoglicano, ácido lipoteicóico (componente da parede celular de bactérias Gram- positivas), flagelina e DNA bacteriano (ISHII et al., 2008; MEDZHITOV; JANEWAY, 1998; VAN DER POLL; OPAL, 2008). Os componentes da parede bacteriana são os principais ativadores da resposta do hospedeiro, os quais desencadeiam uma cascata inflamatória, com liberação de citocinas como o Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF-), interferon-,e as Interleucinas (IL), que desempenham um papel central no desenvolvimento da sepse. Estas citocinas estimulam uma intensa resposta celular, com liberação de mediadores secundários, quimiotaxia e ativação de granulócitos. Outros mediadores são responsáveis pela reativação das células fagocitárias e da cascata inflamatória, formando um ciclo vicioso inflamatório (BENJAMIM, 2001; DENSTAEDT et al., 2018; PEREIRA JÚNIOR et al., 2013; SALLES et al., 2005). Simultaneamente, os microrganismos presentes no foco de infecção, ou sistemicamente, são fagocitados, causando um aumento do consumo de oxigênio pelos fagócitos e a produção de radicais livres de oxigênio (superóxidos, peroxidases etc), juntamente com proteases e hidrolases (lisozimas, elastase, colagenase etc). Essas propriedades fagocíticas e bactericidas são essenciais para a defesa normal do hospedeiro, mas, quando a ativação dos macrófagos e neutrófilos torna-se exacerbada, estas células podem contribuir para os efeitos deletérios da sepse (PEREIRA JÚNIOR et al., 2013). Estudos descrevem o envolvimento de vários mediadores na sepse, não havendo, aparentemente, um mediador central na patogênese da doença. Além do TNFα, Interferon-γ e 15 interleucinas, também estão envolvidos o fator de ativação plaquetária (PAF), leucotrienos, tromboxano A2 (TXA-2) e ativadores da cascata do complemento. A ativação de neutrófilos também desempenha um papel fundamental. Outros agentes que podem participar da cascata de sepse incluem moléculas de adesão, quininas, trombina, substância depressora do miocárdio, β-endorfina e proteínas de choque térmico (BONE et.al., 1991). A anergia, que é um estado de não-responsividade das células T frente ao antígeno, também pode estar implicada nos mecanismos da sepse (HEIDECK et al. 1999). Outro evento relatado na sepse é uma apoptose progressiva e profunda induzindo a perda de células imunes. Em geral os níveis de células B, células T (CD4) e células dentríticas foliculares foram significativamente reduzidos na fase crítica da doença (HOTCHKISS et al. 1999). Fatores genéticos também podem influenciar a resposta do hospedeiro. Vários polimorfismos genéticos têm sido associados à predisposição e ao desenvolvimento de sepse ou choque séptico e a um pior desfecho clínico. Polimorfismo nos genes que codificam citocinas pode determinar os níveis de citocinas pré e pró-inflamatórias afetando o perfil responsivo de cada indivíduo (SIPAHI et al. 2006). De maneira geral, a liberação desregulada de citocinas que ocorre na sepse pode causar disfunção endotelial, caracterizada por vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar, que geralmente é associada com hipotensão, hemoconcentração, extravasamento macromolecular e edema, podendo culminar no choque séptico e morte (AIRD, 2003; AKIRA; TAKEDA, 2004; LAKHANI; BOGUE, 2003; O’NEILL; GOLENBOCK; BOWIE, 2013; RIVERS et al., 2001). Embora tratamentos e procedimentos eficazes tenham sido adotados para reduzir a mortalidade na sepse, os sobreviventes apresentam severas complicações ao longo da vida como comprometimento físico e cognitivo (FERRANTE et al., 2015; IWASHYNA et al., 2010). Pacientes que sobrevivem a quadros de sepse costumam apresentar nos anos seguintes à alta hospitalar uma queda acentuada na imunidade, ficando suscetíveis a patógenos oportunistas e, até mesmo, ao surgimento ou recaída de câncer (NASCIMENTO et al., 2017). Esses pacientes também apresentam um risco maior de eventos pulmonares e cardiovasculares ao longo da vida (F.A. et al., 2013; YENDE et al., 2014) além de desenvolverem limitações que os tornam incapazes de realizar atividades simples do dia-a-dia (IWASHYNA et al., 2017). Evidências crescentes sugerem que os sobreviventes da sepse exibem complicações neurológicas de longo prazo e declínios substanciais na função cognitiva. Tais complicações são as sequelas mais comumente observadas nesses sobreviventes, podendo aumentar a suscetibilidade do cérebro a doenças neurodegenerativas e risco para o desenvolvimento de 16 demências (WIDMANN; HENEKA, 2014). No entanto, os mecanismos pelos quais a sepse induz disfunções cognitivas a longo prazo são pouco conhecidos e precisam ser elucidados. 1.3. Disfunção Neurológica em pacientes pós-sépticos A maioria dos pacientes acometidos pela sepse apresenta disfunção cerebral aguda reversível, com alteração do estado mental, desatenção e pensamento desorganizado, conhecido por delírio associado à sepse ou encefalopatia séptica (ES) (JACKSON et al., 2009; SCHORR; DELLINGER, 2014). Este quadro está associado com o aumento da morbidade e mortalidade, além de maior tempo de permanência no hospital e elevados gastos em saúde (CHECINSKI et al., 2010; EIDELMAN, 2003; GORDON et al., 2004; MATOT; SPRUNG, 2006). Apesar dos avanços da medicina intensiva terem reduzido significativamente a mortalidade dos pacientes acometidos pela sepse, os sobreviventes, muitas vezes, apresentam prejuízos neurocognitivos permanentes, mesmo após a completa recuperação clínica do paciente (CALSAVARA et al., 2016). O comprometimento cognitivo tardio observado em muitos sobreviventes de sepse cursa com alteração da atenção, fluência verbal, função executiva e memória verbal (SEMMLER et al. 2012), resultando em diminuição da qualidade de vida e aumento da morbidade em longo prazo (CHECINSKI et al., 2010; LANGA et al., 2012; SCHORR; DELLINGER, 2014; WINTERS et al., 2010). Em estudos de acompanhamento em longo prazo, a maioria dos pacientes apresentou melhora na função cognitiva geral após 6 a 12 meses de alta hospitalar. No entanto, algumas habilidades cognitivas, como memória, não tiveram recuperação completa (ANGUS et al., 2001b; HEYLAND et al., 2000; HOPKINS et al., 1999). Embora exista um consenso de que pacientes sobreviventes da sepse tem maior risco de declínio cognitivo em relação à população controle (IWASHYNA et al., 2010), os dados referentes às consequências da sepse a médio e longo prazo são muito escassos (SCHERAG et al. 2017). Alguns estudos estimam que os danos cognitivos tardios decorrentes da sepse afetam entre 17 (IWASHYNA et al.,2010) e 60% dos pacientes (SEMMLER et al. 2013). Outros distúrbios comportamentais, como depressão e ansiedade, também podem acompanhar o prejuízo cognitivo a longo prazo (DAVYDOW et al., 2009; S. et al., 2016). A depressão frequentemente observada em sobreviventes da sepse, está associada de forma significativa ao comprometimento funcional tardio desses pacientes. Curiosamente, indivíduos com sintomas 17 depressivos que são atingidos pela sepse tem maior predisposição a apresentar danos cognitivos (DAVYDOW et al. 2012). Assim como acontece em adultos, crianças que sobrevivem a episódios de sepse também são suscetíveis ao dano cerebral e prejuízo cognitivo na fase adulta (KAUR et al., 2015); porém idosos são mais propensos aos danos neurológicos dessa condição (D’AVILA et al. 2018). Vários estudos relatam uma associação entre o comprometimento cognitivo a longo prazo e a admissão de pacientes em UTIs, principalmente idosos submetidos à ventilação mecânica (VM) (GUERRA; LINDE- ZWIRBLE; WUNSCH, 2012; HOPKINS et al., 1999, 2005). Um estudo de coorte retrospectivo identificou uma associação entre os riscos de demência à longo prazo e a admissão e permanência dos pacientes na UTI com uso de VM, os autores observaram também que internações mais prolongadas e mais reinternações na UTI estão significativamente associadas ao desenvolvimento de demência (LAI et al., 2017). Interessantemente, a demência causada pela sepse parece estar associada a um maior risco de doenças graves, incluindo a reincidência de sepse, e aumento substancial da mortalidade nesse grupo de indivíduos (LIAO et al., 2015; SHEN; LU; LI, 2012). Crianças que sobrevivem à sepse apresentam um comportamento semelhante. Através de um estudo exploratórioem uma população pediátrica, descobriu-se que crianças sobreviventes à sepse tinham padrão cognitivo bem abaixo da média e que a maioria delas precisaram frequentar escolas de educação especial no decorrer dos anos (MB et al., 2009). A ES é uma condição que inclui todos os tipos de disfunção cerebral causada pela sepse, no entanto, sua fisiopatologia é complexa e pouco compreendida, estando provavelmente relacionada à liberação intensa de mediadores inflamatórios (LAMAR; HURLEY; TABER, 2011). Existem duas hipóteses para o mecanismo do declínio cognitivo tardio causado pela sepse, a hipótese do dano vascular e da neurodegeneração. Acredita-se que o dano vascular e a neurodegeneração presentes na ES possam ser mediados por desordens metabólicas, comprometimento da integridade da barreira hematoencenfálica (BHE), liberação de neurocitocinas inflamatórias, estresse oxidativo e ativação microglial acentuada. Esses eventos podem culminar em isquemia, hipóxia e apoptose que clinicamente podem se manifestar agudamente em forma de delírio (ANNANE et al., 2005; DE BRUIJN et al., 2014; POLITO et al., 2013; SHARSHAR et al., 2003; HOPKINS et al., 2010; TACCONE et al., 2014; TSURUTA & ODA, 2016). Um estudo prévio de nosso grupo de pesquisa demonstrou que animais sobreviventes de sepse apresentam níveis elevados de mRNA para TNF-α e prejuízo na sinalização de 18 insulina no hipocampo, 30 dias após indução da sepse (NEVES et al., 2018). As quinases fosfatidilinositol 3 (PI3Ks) são enzimas responsáveis pela transdução de sinais intracelulares, desempenhando papel na regulação da proliferação e migração celular, na sobrevivência da célula, na resposta inflamatória, na expressão gênica, no metabolismo celular, nos rearranjos do citoesqueleto e no fluxo de cálcio. As vias de sinalização celular relacionadas ao PI3K desempenham papel importante na patogênese das doenças que apresentam componente inflamatório, tais como câncer, infarto do miocárdio, aterosclerose, lesão por isquemia e, sobretudo, a sepse. Esta via também regula a expressão de outros fatores de transcrição relacionados com a memória, e desempenha um papel essencial na plasticidade sináptica e em funções cognitivas. A perda sináptica tem sido melhor correlacionada a prejuízo de memória em comparação a outros marcadores de neurodegeneração em algumas formas de demência, incluindo a doença de Alzheimer (SHANKAR; WALSH, 2009). Resultados anteriores do nosso grupo de pesquisa mostraram que os níveis de sinaptofisina são marcadores adequados de dano sináptico e se correlacionam bem com prejuízos cognitivos em camundongos (FIGUEIREDO et al., 2013a; MEDEIROS et al., 2010). Além disso, a ligação e perfuração do ceco (CLP), utilizado como modelo de sepse, induz um efeito deletério persistente nos terminais pré-sinápticos hipocampais, demonstrado pelos níveis reduzidos de sinaptofisina em comparação aos animais controle 30 dias após a cirurgia (NEVES et al., 2018). A via PI3K / Akt também pode mediar a ativação do fator de transcrição de ligação responsiva ao AMPc (CREB) (DU; MONTMINY, 1998; PUGAZHENTHIT et al., 2000) e está implicada no controle da fosforilação de CREB nos neurônios (LIN et al., 2001; PERKINTON et al., 2002). Além disso, já está bem estabelecido que CREB atua como um fator de transcrição importante dessa via relacionado com a cognição, onde é verificada uma associação entre a regulação negativa de AKT/CREB e déficit de memória (BARCO; MARIE, 2011; BENITO; BARCO, 2010; IMPEY et al., 1998). Corroborando com outros autores, dados anteriores do nosso grupo demonstraram uma diminuição da expressão de CREB total e da fosforilação em resíduos de serina 133 no hipocampo de animais submetidos ao modelo CLP, o que sugere que a inflamação ocasionada pela sepse possa estar induzindo a diminuição da atividade deste importante fator de transcrição envolvido nos mecanismos de formação e evocação da memória. Importante ressaltar que as alterações cognitivas e neurológicas estavam presentes 30 dias após a cirurgia, porém esses eventos não foram observados aos 45 dias após a indução da sepse, indicando que os animais sobreviventes já se encontravam completamente recuperados (NEVES et al., 2018). Além disso, já está bem 19 estabelecido o papel da transcrição mediada por CREB no processo de síntese de proteína (DASH; MOORE; DIXON, 2018; KAANG; KANDEL; GRANT, 1993) e que também exerce um papel essencial para a consolidação da memória de longo prazo (JOSSELYN; MORTEZAVI; SILVA, 2005). 1.4. A microglia e o priming microglial Durante o quadro séptico diversas citocinas pró-inflamatórias são liberadas, tais como interleucina (IL)-1, IL-6, IL-12, fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interferon gama (IFN- γ) e fator de inibição migratória de macrófago (MIF). O TNF-α é considerado uma citocina pró-inflamatória central na patogênese da sepse (BEUTLER; CERAMI, 2003). Em baixos níveis de secreção, o TNF-α tem um efeito benéfico na estimulação e coordenação de muitas das respostas imunes para a contenção da infecção local, mas em níveis elevados os seus efeitos podem ser prejudiciais para o paciente, uma vez que desencadeia uma cascata de ativação de outros mediadores, tais como IL-1β e IL-6, associados à lesão celular (NEILSON; KAVANAGH; RAO, 1996). Durante a infecção, as células residentes nos tecidos respondem rapidamente produzindo TNF-α, que por sua vez ativam várias células locais, induzindo a expressão de outros genes pró-inflamatórios (BRADLEY, 2008). O TNF-α está associado ainda com a ativação da microglia e a liberação de outras citocinas no tecido cerebral como IL-1β e IL-6 (LEE; NAGAI; KIM, 2002). A microglia é uma célula imune residente no SNC (LULL; BLOCK, 2010); em condições homeostáticas é responsável por promover a saúde neuronal através de múltiplas funções (ERIC THOMAS, 1992; LI; BARRES, 2018). Consideradas como macrófagos cerebrais, as microglias são responsáveis pela eliminação de agentes infecciosos, células mortas, sinapses redundantes, agregados de proteínas e outros antígenos particulados e solúveis que podem colocar em risco o SNC (COLONNA; BUTOVSKY, 2017). A microglia é uma célula dinâmica, podendo assumir vários fenótipos distintos de acordo com o microambiente em que se encontra (NIMMERJAHN; KIRCHHOFF; HELMCHEN, 2005). Classicamente, as células microgliais são classificadas de acordo com sua forma em três subtipos amplamente distintos: compacto, longitudinalmente ramificado e radialmente ramificado (LAWSON et al., 1990), de modo que que essas morfologias estão intimamente relacionadas ao seu estado funcional (DAVIS; FOSTER; THOMAS, 1994). No entanto, estudos recentes sugerem que a microglia pode apresentar fenótipos mais variáveis dentro 20 desta visão tradicional e atualmente aceita de que a morfologia microglial varia entre ―repouso ramificado‖ e ―ativado amebóide‖ (FERNÁNDEZ-ARJONA et al., 2017). Em condições saudáveis, predomina o fenótipo ―repouso‖ caracterizado por uma morfologia ramificada. Quando em ―repouso‖, as microglias permanecem em estado de alerta, monitorando seu ambiente (NIMMERJAHN; KIRCHHOFF; HELMCHEN, 2005; OLAH et al., 2011) e contribuindo para a homeostase através de podas sinápticas, regulação da atividade neuronal, e da transmissão sináptica (LI et al., 2012). A microglia torna-se ativada em reposta a qualquer tipo de evento patológico ou mudança na homeostase cerebral como inflamação, lesão cerebral, ou estímulos imunológicos, adquirindo assim a forma ameboide e pouco ramificada. Como a microglia tem estados de ativação multifacetados em doenças e lesões do SNC, essas células podem ter papéis benéficos ou prejudiciais dependendo do contexto (LI; BARRES, 2018), influenciando fortemente o resultado patológico ou resposta a um estressor através da liberação de uma infinidade de substâncias, incluindo citocinas,quimiocinas e fatores de crescimento (Figura 3) (WOLF; BODDEKE; KETTENMANN, 2017). Figura 3: Figura esquemática da morfologia microglial. (https://www.novusbio.com/research- areas/neuroscience/neuroscience-cell-identity-markers) Embora a microglia tenha a função de fornecer neuroproteção, ela também tem a capacidade de danificar e matar neurônios. Quando uma ameaça surge, a microglia rapidamente se torna ativada para enfrentar o insulto, porém, em alguns casos, sua ativação não é capaz de reestabelecer a homeostase em seu microambiente, fazendo com que esta permaneça em seu estado ativado na insistente tentativa de eliminar o agente agressor. Nestas circunstâncias, a microglia desregulada e permanentemente ativa, muitas vezes se torna prejudicial à saúde cerebral podendo fagocitar sinapses de modo exagerado, matar neurônios ou induzir astrogliose. Sua ativação prolongada e desnecessária pode levar ao acúmulo de 21 agregados proteicos no SNC ocasionando um ciclo inflamatório vicioso que pode progredir para neurodegeneração grave (LULL; BLOCK, 2010; PERRY; NICOLL; HOLMES, 2010). Na última década, um número crescente de estudos investigou a importância das células microgliais em funções como a memória. Em estado saudável, a microglia secreta fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e outras citocinas anti-inflamatórias como IL- 4 e IL-10, que contribuem positivamente para a função sináptica e formação de memória (FERRINI; DE KONINCK, 2013; PARKHURST et al., 2013). Contudo, em uma condição neurodegenerativa, a microglia ativada secreta citocinas pró-inflamatórias que causam toxicidade em neurônios. No entanto, não está claro se o estresse tem qualquer papel na regulação da população e na ativação de células microgliais sob o cérebro saudável ou doente. A microglia responde prontamente às alterações patológicas no sistema nervoso central (SNC) tornando-se mais susceptível à ativação; desta forma, a inflamação sistêmica afeta a microglia, podendo contribuir para a patogênese de doenças neurodegenerativas crônicas e sua progressão (PERRY, 2004). O microambiente do SNC tem um profundo efeito no fenótipo microglial e muitos grupos demonstraram claramente a estreita relação entre as placas de peptídeo β-amilóide (Aβ) e a microglia ativada em pacientes com Doença de Alzheimer (DA) e em modelo animal da doença (CAI; HUSSAIN; YAN, 2014; SONDAG; DHAWAN; COMBS, 2009). Trabalhos produzidos nos últimos anos, mostram que as funções da microglia como fagocitose alterada, poda sináptica e secreção de citocinas podem influenciar significativamente para progressão de doenças neurodegenerativas (CUNNINGHAM, 2013; MATHYS et al., 2017; SONG; COLONNA, 2018). O ―priming‖ microglial é um evento que também pode contribuir para o agravamento de distúrbios neurológicos. Se trata de um fenômeno que corresponde a uma resposta exagerada ou aumentada da microglia a um segundo estímulo inflamatório e é observado em diversas condições associadas à neurodegeneração crônica (CUNNINGHAM, 2013; PERRY, 2010). Nesta circunstância, uma infecção transitória, ou exposição a baixos níveis de patógenos infecciosos (isto é, abaixo daqueles necessários para causar sinais clínicos), faz com que a microglia já primada fique superativada (OHMOTO et al., 1999). Em modelo animal de Doença de Parkinson (DP), DA e outras doenças neurodegenerativas, existem evidências de que insultos inflamatórios aliados a um possível estado de microglia já ―primada‖ pode induzir respostas amplificadas de mediadores inflamatórios no SNC levando a perda neuronal e contribuindo para a progressão das doenças neurodegenerativas (PERRY, 2010). Um estudo recém-publicado 22 do nosso grupo de pesquisa demonstrou através de abordagens in vitro e in vivo que as células microgliais de camundongos infectados com Escherichia coli sofrem ativação exacerbada quando expostas a baixas doses de oligômeros do peptídeo β-amilóide (AβOs), e esse evento foi acompanhado por prejuízos cognitivos. Interessantemente, após o tratamento com minociclina, um antibiótico que inibe a polarização pró-inflamatória microglial, os animais infectados voltaram a apresentar resposta microglial normalizada a AβOs e a função cognitiva foi restaurada (FROST et al., 2019)(Figura 4). Figura 4: Esquema demonstra a diferença entre a resposta inflamatória da microglia naive e a microglia primada no SNC no primeiro e segundo insulto. 1.5. Resposta a proteínas não enoveladas (UPR) e o Estresse do retículo endoplasmático (RE) A maquinaria responsável pelo controle de qualidade do enovelamento protéico no RE é particularmente muito sensível a quaisquer perturbações na homeostase celular. Estados de hipóxia, isquemia, privação de sono, inanição, infecções, excesso de lipídeos e/ou carboidratos, flutuações da homeostase do cálcio e estresse oxidativo comprometem todo processo de qualidade do enovelamento, acarretando em uma maior produção e acúmulo de proteínas mal enoveladas no lúmen do RE (WANG; KAUFMAN, 2016). A persistência dessas perturbações leva ao acúmulo de proteínas mal enoveladas e sobrecarga de todo sistema de processamento com progressiva diminuição da atividade das chaperonas e da degradação proteica via proteassomas. Esta condição de acúmulo traz diversos prejuízos funcionais à célula, sendo denominada estresse do retículo endoplasmático (RE) 23 (RUTKOWSKI; KAUFMAN, 2004). Para amenizar os efeitos deletérios e preservar a integridade celular enquanto persiste a condição de estresse do RE, a célula inicia um processo adaptativo conhecido como resposta a proteínas não enoveladas (unfoldedprotein response - UPR), no qual são ativados mecanismos adaptativos visando o restabelecimento da homeostase do RE (RUTKOWSKI; KAUFMAN, 2007). A UPR é caracterizada como uma cascata de sinalização com finalidade de: 1) resgatar a qualidade da síntese proteica; 2) atenuar a síntese global de proteínas; 3) degradar mRNA’s aberrantes; 4) aumentar a síntese de proteínas chaperonas e de enzimas antioxidantes; 5) aumentar a expressão gênica dos componentes de degradação associado ao ER (ERAD); 6) e respostas de autofagia. Além da modulação do correto enovelamento proteico, a UPR também está relacionada ao metabolismo de aminoácidos, função mitocondrial e detoxificação (RUTKOWSKI; KAUFMAN, 2007). A UPR inicia-se com a ativação de 3 proteínas associadas à membrana do RE que desencadeiam vias sinalizadoras de resposta, são elas: a enzima 1 dependente de inositol (IRE1), o fator de ativação da transcrição 6 (ATF6) e a proteínaquinase do retículo endoplasmático semelhante a PKR (PERK) (RUTKOWSKI; KAUFMAN, 2004). A IRE1 é uma proteína transmembrana e quando ativada se autofosforila e dimeriza, ativando a atividade endonuclease, levando ao processamento de mRNAs que codificam o fator de transcrição nuclear da proteína de ligação de x-box (XBP1). Para se ativar a XBP1 remove um íntron de 26 nucleotídeos, induzindo um frame-shift em sua tradução e criando um novo domínio C-terminal, resultando na expressão de um fator de transcrição mais ativo e estável, o XBP1 spliced (XBP1s). Este fator ativo se transloca para o núcleo e aumenta a expressão gênica relacionada aos mecanismos de degradação associado ao RE (ERAD) e chaperonas (HETZ; SAXENA, 2017a). A Proteína quinase tipo PKR (PERK) quando se dimeriza induz por autofosforilação a ativação de seu domínio quinase. A ativação da Perk atenua a síntese de proteínas por meio da fosforilação do fator eucariótico iniciador de tradução 2 (eIF2α). O eIF2α também permite a tradução do mRNA que codifica o fator de ativação transcricional 4 (ATF4), induzindo expressão gênica relacionada à ERAD, enovelamento de proteínas, metabolismo de aminoácidos e autofagia – mecanismo regulado pelos lisossomos de eliminação de agregadosproteicos e organelas danificadas (WALTER; RON, 2011). De modo igualmente importante, o ATF4 transcreve outro fator de transcrição da proteína homóloga da c/ebp (CHOP), GADD34 e vários membros da família BCL2 que desempenha um papel essencial na morte celular (HAN et al., 2013) (Figura 5). 24 Figura 5: Cascata de sinalização adaptativa da UPR (SALVADÓ et al., 2015). Em conjunto, a XBP1s, ATF6 e o ATF4 regulam a expressão e a atividade de marcadores chave para o controle de danos relacionados ao estresse do RE. No entanto, em condições onde este quadro de estresse de RE é demasiadamente grave e/ou prolongado, a UPR pode não ser capaz de controlar a expansão de efeitos deletérios do lúmen para a célula. Nestas condições as mesmas proteínas sensoras da UPR responsáveis por iniciar uma sinalização pró-adaptativa ao estresse podem iniciar uma sinalização pró-apoptótica, levando a morte celular precoce (HETZ; SAXENA, 2017a). 1.6. Doenças Neurodegenerativas e proteostase A proteostase é o equilíbrio entre os processos responsáveis pela geração e produção de proteínas funcionais. A alteração da proteostase e a neuroinflamação são características importantes de algumas doenças neurodegenerativas (BALCH et al., 2008). A inflamação cerebral frequentemente coexiste com o processo degenerativo em diferentes doenças cerebrais. Fatores fisiológicos e patológicos podem prejudicar o equilíbrio entre a síntese e a 25 degradação proteica, resultando no acúmulo de proteínas mal enoveladas (CABRAL- MIRANDA; HETZ, 2017). A agregação anormal de proteínas é uma característica central de algumas doenças neurodegenerativas, incluindo doença de Alzheimer (DA), doença de Parkinson (DP), esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Huntington (DH) e distúrbios relacionados a proteína do príon, coletivamente classificadas como doenças de proteínas mal- enoveladas (HETZ; SAXENA, 2017b). Acredita-se que o acúmulo de proteínas mal enoveladas esteja envolvido na indução do estresse do RE, resultando em prejuízos na síntese proteica, disfunção neuronal e até morte celular. Em condições de estresse, as células respondem para evitar danos por meio da ativação de vias de resposta adaptativa conhecidas como resposta a proteínas mal enoveladas (UPR) (HETZ; CHEVET; HARDING, 2013; RON; WALTER, 2007; WALTER; RON, 2011). Evidências demonstram que a neuroinflamação altera a produção e o correto enovelamento das proteínas cerebrais, tornando a atividade de degradação proteassômica insuficiente. A falha desse sistema de degradação pode acabar alterando a expressão de genes responsáveis pela síntese de proteínas ligadas ao estresse do retículo endoplasmático (ER) (PINTADO et al., 2012, 2017). O RE é um evento de extrema relevância no contexto da (LI et al., 2013; REMONDELLI; RENNA, 2017, LOURENÇO et al., 2013). Acredita-se que o acúmulo de proteínas mal formadas esteja envolvido na indução do estresse do RE, resultando em disfunção neuronal e morte celular. Um estudo demonstrou aumento dos níveis de fosforilação de IRE1 (p-IRE1), p-PERK e p-eIF2α em neurônios de tecido cerebral post- mortem de pacientes com DA, sugerindo a existência de ativação da UPR no hipocampo e no córtex temporal destes indivíduos. Os autores também observaram os neurônios que apresentam emaranhados neurofibrilares da proteína Tau fosforilada apresentam altos níveis de BiP e p-IRE1 (NIJHOLT et al., 2012). Estudos demonstram que o peptídeo β-amiloide (Aβ) esteja envolvido na ativação da UPR durante a patogênese da e que os fragmentos do Aβ possam ser gerados no ER das células neuronais (COOK et al., 1997). Embora não esteja claro como Aβ extracelulares sinalizam para o ER, foi demonstrado que o Aβ extracelular pode induzir a UPR (SUEN et al., 2003). Além disso, evidências demonstram que os três principais sensores de estresse do RE são ativados na DA e que eles são acionados pelo Aβ (LEE et al., 2010b). O RE também tem importante função no controle dos níveis de cálcio intracelular (MARCHI et al., 2018) e o aumento do estresse de RE resulta em uma liberação anormal de cálcio, que podem levar a disfunção mitocondrial e morte celular (PINTON et al., 2008). Neste sentido, 26 o acúmulo de peptídeos Aβ no cérebro dos portadores de DA pode desencadear o estresse do RE, e consequentemente a perturbação da homeostase do cálcio, e levando a célula à apoptose (KATAYAMA et al., 2004; NAKAGAWA et al., 2000). Alguns achados mostram que a ativação de eIF2α, dowstream na via da PERK, reverte o comprometimento da memória em um modelo animal da (MA et al., 2013) e diminui a neurotoxicidade da Aβ em células tratadas com o peptídeo (LEE et al., 2010a). Além disso, a análise de diferentes modelos de camundongos transgênicos revelou que nas fases iniciais da o metabolismo da XBP1 está aumentado (REINHARDT et al., 2014). Este aumento parece reverter a degeneração induzida por Aβ in vivo (CASAS-TINTO et al., 2011) e in vitro (KANEKO et al., 2010). Pesquisas recentes apontam que a superexpressão de XBP1 melhora o prejuízo de memória em modelo animal da. Apesar do acúmulo de evidências que demonstram um aumento no estresse de RE em doenças neurodegenerativas e amiloidoses, o papel do estresse de RE na progressão dessas doenças e na patogênese de Aβ ainda é amplamente desconhecido e controverso. Em conjunto, os achados da literatura demonstram a complexidade dos fenótipos induzidos pelo estresse do RE, e de como é diversificado seu efeito na patogenia amilóide, levantando a questão se o estresse de RE é benéfico ou não para as células quando instigadas pelo Aβ. A encefalopatia séptica apresenta algumas semelhanças com outras doenças neurodegenerativas, sendo que alguns achados neuropatológicos de pacientes com DA são também observados em sobreviventes da sepse. As principais características neuropatológicas da são a presença de placas senis extracelulares compostos de agregados fibrilares de Aβ e emaranhados neurofibrilares intracelulares, formadas principalmente pela hiperfosforilação da proteína Tau (LASAGNA-REEVES et al., 2012; LIU et al., 2013; SERRANO-POZO et al., 2011). Nosso grupo descreveu recentemente que o hipocampo de animais sobreviventes de sepse apresenta aumento dos níveis da proteína tau (NEVES et al., 2018). Além disso, Gasparotto e colaboradores descreveram que o cérebro de animais submetidos ao modelo experimental de sepse apresentam, além de aumento fosforilação da proteína tau, um acúmulo do peptídeo Aβ, assim como acontece na DA (GASPAROTTO et al., 2018). Em relação à sepse é importante ressaltar que a produção abundante de citocinas, estado de hipóxia, produção de espécies reativas de oxigênio e influxo de cálcio comumente observados na doença, podem fomentar respostas como o estresse do RE e a UPR (KAUFMAN et al., 2002; MARCINIAK; RON, 2006; MARTINS et al., 2016). Esses 27 mecanismos são ativados com objetivo de proteger as células contra agentes estressores. Além disso, acredita-se que o estresse do RE esteja intrinsecamente envolvido no processo inflamatório atuando como um poderoso regulador das respostas das células imunes através de diferentes estímulos (GROOTJANS et al., 2016). Os sensores de estresse do RE presentes na membrana do retículo estão envolvidos com produção de citocinas inflamatórias e modulação do sistema imune, porém pouco se sabe sobre o papel de ramos individuais de UPR no destino e na função dos neurônios após a sepse ou na sua fase mais tardia. Considerando que já foi estabelecido que a UPR altera a função cognitiva (CORNEJO; HETZ, 2013; ZHU et al., 2017), hipotetizamos que o estresse do RE e a UPR poderiam estar de alguma forma envolvida com os mecanismos fisiopatológicos associados aos prejuízos de memória dos sobreviventes de sepse. Neste contexto, pretendemos investigara atuação das vias de sinalização da UPR e a presença do estresse do RE na encefalopatia pós-séptica. Também pretendemos avaliar se os animais sobreviventes de sepse são mais susceptíveis a neurotoxicidade induzida pelos oligômeros do peptídeo β-amilóide, principais neurotoxinas presentes no cérebro dos pacientes com DA, e se este fenômeno está relacionado com o estresse de RE. Neste sentido, o objetivo deste estudo é contribuir para o entendimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na encefalopatia pós-séptica e identificar novos alvos para prevenção e/ou tratamento para as sequelas cognitivas que acometem milhões de indivíduos no mundo. 1.7. Justificativa A sepse representa um sério problema no sistema de saúde global e tem despertado atenção em todo o mundo por provocar um elevado número de mortes todos os anos (DEUTSCHMAN&TRACEY 2014; HOTCHKISS et al. 2016). Curiosamente, poucas informações sobre epidemiologia da sepse estão disponíveis na literatura, principalmente quando se trata de países em desenvolvimento (BALLESTER et al., 2008; IÑIGO et al., 2006). Entretanto, é consenso que a incidência de sepse está aumentando, provavelmente em função do envelhecimento populacional, que resulta em uma população mais vulnerável acometida por diferentes comorbidades (ANGUS et al., 2001b), e embora alguns estudos demonstrem que houve aumento da incidência da doença, estes mesmos estudos descrevem que a taxa de casos fatais tem diminuído ao longo dos anos (DOMBROVSKIY et al., 2007b; LAGU et al., 2012; MARTIN et al., 2003a). Possivelmente, isto reflete o impacto da maior 28 conscientização, dos avanços em relação ao diagnóstico mais precoce e preciso, tratamentos imediatos com antimicrobianos adequados, e o controle metabólico mais eficaz (UNITS; BRAZIL, 2006). Apesar dos avanços da medicina intensiva terem reduzido significativamente a mortalidade dos pacientes acometidos pela sepse, os sobreviventes, muitas vezes, apresentam prejuízos neurológicos permanentes, mesmo após a completa recuperação clínica do paciente, resultando em diminuição da qualidade de vida e aumento da morbidade em longo prazo (CHECINSKI et al., 2010; IWASHYNA et al., 2010; SCHORR; DELLINGER, 2014; WINTERS et al., 2010). Estudos de acompanhamento em longo prazo demonstram que a maioria dos pacientes apresentam incapacidades físicas, psicológicas e cognitivas de longo prazo com implicações sociais e de cuidados de saúde significativos (ANGUS et al., 2001b; HEYLAND et al., 2000). Estudos neuropsicológicos associados com neuroimagem envolvendo pacientes sobreviventes de sepse demonstraram evidências de atrofia do hipocampo e disfunção cognitiva tardia, com alterações em atenção, fluência verbal, função executiva e memória verbal (SEMMLER et al., 2013). Nosso e outros grupos de pesquisa sugerem que os prejuízos cognitivos observados nos sobreviventes de sepse são clinicamente comparáveis com os prejuízos de memória dos pacientes com doença de Alzheimer (DA) em estágios iniciais, podendo-se sugerir que alguns mecanismos possam ser similares em ambas as demências. Existem evidências que os sobreviventes da sepse possam ser mais suscetíveis a doenças neurodegenerativas ao longo da vida, no entanto, isso não está bem estabelecido, e os mecanismos envolvidos nesse processo são desconhecidos. Vários estudos descrevem eventos que possam estar relacionados com doenças neurodegenerativas, entre eles, inflamação, acúmulo protéico no SNC, estresse do RE, UPR e ―priming” microglial. Buscaremos ao longo deste trabalho investigar a presença destes eventos no SNC de animais sobreviventes da sepse e avaliar a participação desses fenômenos no desenvolvimento do prejuízo cognitivo tardio possivelmente presente nesse modelo de sepse. 29 2. Objetivo Geral Investigar se o prejuízo cognitivo observado em animais sobreviventes de sepse está associado com a presença de estresse do retículo endoplasmático (RE) hipocampal ou ativação microglial. Também pretendemos avaliar se os animais sobreviventes à sepse são mais susceptíveis aos efeitos tóxicos dos oligômeros do peptídeo β- amilóide (AβOs) sobre a função cognitiva. 2.1. Objetivos específicos Investigar se o prejuízo cognitivo observado em animais sobreviventes de sepse (30 e 45 dias após CLP) está associado com a ocorrência de estresse de retículo endoplasmático (RE) no hipocampo. Avaliar se os animais sobreviventes de sepse com função cognitiva reestabelecida (45 dias após CLP) são mais susceptíveis a desenvolver prejuízo cognitivo induzido pela administração de uma dose subtóxica de AβOs (1 pmol/sítio, icv). Avaliar se os animais sobreviventes de sepse com função cognitiva reestabelecida (45 dias após CLP) são mais susceptíveis a desenvolver estresse do RE hipocampal após administração de uma dose subtóxica de AβOs (1 pmol/sítio, icv). Avaliar se os animais sobreviventes de sepse com função cognitiva reestabelecida (45 dias após CLP) são mais susceptíveis à ativação microglial após a administração de uma dose subtóxica de AβOs (1 pmol/sítio, icv). 30 3.0. Metodologia 3.1. Modelo animal Foram utilizados camundongos Swiss machos com idade entre 6 e 8 semanas, pesando entre 25 a 30 g, oriundos do Centro de Criação de Animais de Laboratório (CECAL/FIOCRUZ) ou do biotério do Laboratório de Neurociências da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os animais foram acomodados em grupos de cinco por gaiola, com ração e água fornecidos ad libitum e com ciclos de claro/escuro de 12 horas. Todos os procedimentos experimentais envolvendo animais foram realizados em conformidade e aprovados pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da UFRJ sob o número de protocolo 174/18. A indução de sepse foi realizada pelo modelo de ligação e perfuração do ceco (CLP, do inglês cecal ligation and puncture) (BAKER et al., 1983; WICHTERMAN; BAUE; CHAUDRY, 1980), que consiste em inicialmente, anestesiar os camundongos, no qual foi utilizado Ketamina 100 mg/kg e Xilazina 20 mg/kg administrados por via intraperitoneal (IP). Após a realização de tricotomia na região abdominal e assepsia com álcool 75 %, os camundongos foram submetidos a uma laparotomia com incisão longitudinal de aproximadamente 1 cm na linha média abdominal para permitir a exposição do ceco. O ceco foi firmemente ligado com fio de seda 3,0 mm, na região abaixo da válvula ileocecal, perfurado, transpassado uma única vez com uma agulha estéril calibre 18 G e, logo após, foi levemente comprimido para extravasamento do conteúdo fecal. Em seguida, o ceco foi recolocado na cavidade peritoneal, a qual foi suturada com grampos pós-cirúrgicos (AUTOCLIP BD 9 mm) (Figura 6). Todos os animais foram devolvidos às suas gaiolas, com livre acesso a comida e água. Alguns animais (falso-operados ou sham) foram submetidos aos mesmos procedimentos cirúrgicos, contudo, o ceco não foi ligado, tampouco perfurado. Finda a cirurgia, os animais receberam hidratação (1mL de solução fisiológica subcutânea, imediatamente), para reposição de fluido (BENJAMIM et al., 2014) e antimicrobiano (Meropenem 10 mg/Kg, i.p., administrados 5, 24 e 48h após a cirurgia). Além da sobrevivência, foram observados os sinais clínicos de instalação de uma resposta inflamatória sistêmica como piloereção, tremores, prostração, atonia muscular e diminuição da movimentação. Esses sinais clínicos intensos foram facilmente identificados nos animais do grupo CLP, mas não nos do grupo sham. 31 Figura 6: Estágios da cirurgia CLP. (A e B) Animal anestesiado, tricotomizado e feita incisão. Em seguida, (C) o ceco é exposto, (D) amarrado, (E) perfurado por agulha hipodérmica e colocado de volta no abdômen (F) Incisão fechada com grampo. Fonte: adaptadode RITIRSCH et al., 2009. Após 45 dias, os animais foram subdivididos em 4 grupos: animais sham que receberam injeção intracerebroventricular (ICV) de veículo, animais sham que receberam injeção ICV de uma dose não tóxica de Aβ (1 pmol/sítio), animais CLP que receberam injeção ICV de veículo (PBS) e animais CLP que receberam injeção ICV de 1pmol de Aβ. Esses animais receberam a injeção ICV no 45º dia. No 46º dia foi realizado o teste de reconhecimento de objetos para avaliar a memória declarativa, no 47º dia teste de esquiva inibitória (Step-down inhibitory avoidance) para avaliar memória de medo e sacrifício dos animais no 48º dia para retirada do hipocampo para avaliação bioquímica. 3.2. Oligômeros do peptídeo β-amilóide (AβOs) Os AβOs foram gentilmente cedidos pelo prof. Dr. Sérgio Teixeira Ferreira (Laboratório de Doenças Neurodegenerativas, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Brasil). Foram produzidos à partir do peptídeo sintético Aβ1-42 (American Peptide, EUA) conforme descrito anteriormente por LAMBERT et al., 1998 e mais recentemente por FIGUEIREDO et al., 2013. As preparações são rotineiramente validadas pelo mesmo laboratório por cromatografia líquida de alta eficiência de exclusão de tamanho e ocasionalmente por western-blot usando anticorpos específicos para oligômeros de β- amilóide. 32 3.3. Injeção intracerebroventricular (ICV) A injeção ICV se iniciou com animais sendo anestesiados usando um sistema de vaporização com fornecimento de oxigênio constante e 2,5% de Isoflurano (Cristália, Brasil) no interior de uma caixa de acrílico retangular. Uma vez anestesiados, os animais foram imobilizados e tiveram sua pele da cabeça gentilmente esticada na direção posterior. As injeções foram realizadas cerca de 1 mm lateralmente do ponto equidistante dos dois olhos e cerca de 0,1 mm posterior da linha imaginária desenhada do ponto mais posterior dos olhos (Figura 3). Foram utilizadas agulhas gengivais 30 G cortadas com 3 mm de comprimento acopladas a uma seringa Hamilton de 10 µl. As injeções foram realizadas por um pesquisador treinado que obteve mais de 85% de sucesso em treinamento feito com corante azul nos mesmos locais alvo das injeções deste experimento a fim de averiguar a acurácia das mesmas no ventrículo lateral. Cada animal recebeu 3 µl de solução de acordo com o protocolo utilizado. Figura 7: Esquema do sítio de injeção utilizado na injeção ICV (GLASCOCK et al., 2011). 3.4. Experimentos comportamentais Utilizamos dois desenhos experimentais nesse estudo (Figura 8). No primeiro, um grupo de animais foi submetido ao modelo de CLP para indução da sepse, e após 30 dias os camundongos sobreviventes foram submetidos a testes comportamentais. Em seguida as estruturas cerebrais desses animais foram coletadas e armazenadas a -80 o C para posterior análise. Outro grupo de animais foi submetido ao modelo CLP de sepse e 45 dias depois foi feita uma injeção ICV de uma quantidade subtóxica de oligômeros de AβOs (1 pmol) nos 33 sobreviventes da sepse e somente depois foram submetidos aos testes comportamentais. As estruturas cerebrais desse grupo também foram coletadas para análise. Importante destacar que esse tempo foi escolhido porque dados anteriores do nosso grupo de pesquisa, que também utilizou o modelo animal CLP para investigar os danos neurocognitivos causado pela sepse, mostraram alterações comportamentais e neurológicas nos animais sobreviventes 30 dias após a cirurgia. Esses animais foram avaliados 45 dias depois e nenhuma alteração foi detectada, sugerindo total recuperação. Figura 8: Desenho experimental (A e B). Em (A) Camundongos swiss adultos machos foram submetidos à cirurgia e CLP para indução da sepse. Após 30 dias, os animais sobreviventes passaram por uma bateria de testes comportamentais para avaliar possíveis prejuízos neurocognitivos. No dia seguinte foi realizada a coleta das estruturas cerebrais para posterior análise. (B) Camundongos swiss adultos machos foram submetidos à cirurgia de CLP para indução da sepse. Após 45 dias, os animais sobreviventes receberam uma injeção ICV de uma dose subtóxica de oligômeros de AβOs (1 pmol) e 24 horas depois os animais foram submetidos aos testes comportamentais. 3.4.1. Campo aberto A avaliação da atividade motora dos animais foi realizada através do teste do campo aberto. O aparato do campo aberto (CA) consiste em uma caixa medindo 50 cm x 50 cm x 39 cm de madeira e com um chão de cor preta (Figura 9) colocada numa sala com baixa luminosidade e isolada acusticamente. Animais foram previamente ambientados durante 1h na sala de experimentação. Durante o experimento, cada animal foi colocado no centro da arena e deixou-se que este 34 explorasse livremente, enquanto registrava o seu comportamento durante cinco minutos. Após cada sessão, a arena foi limpa com uma solução de etanol 70%, para minimizar as pistas de odor deixadas pelo animal anterior. Os parâmetros comportamentais analisados foram: o número de cruzamentos (quando o animal cruza com as quatro patas um dos quadrantes da arena) o tempo que o animal permanece no centro do aparato e a distância percorrida. Esses parâmetros avaliam o comportamento tipo ansioso e a atividade locomotora dos animais. Figura 9: Aparato do campo aberto. Consiste em uma caixa de fundo preto. Em cada sessão experimental, são avaliados o tempo que os animais permanecem no centro (área vermelha) e a distância percorrida. Esses parâmetros são utilizados como medida do comportamento tipo ansioso e das atividades locomotora dos animais, respectivamente. 3.4.2. Reconhecimento de objetos Quando roedores são apresentados a objetos familiares e novos, eles despendem um tempo maior para explorar o objeto novo. Este comportamento típico tem sido utilizado no desenho de um paradigma comportamental conhecido como tarefa de reconhecimento de objetos (RO) o qual vem sendo amplamente utilizado para avaliar os mecanismos envolvidos na formação de memórias declarativas (MOSES; COLE; RYAN, 2005). Para realização deste experimento, os animais foram deixados na sala de experimentação em suas gaiolas para ambientação sob luz indireta antes de iniciar propriamente o teste. Em seguida, individualmente colocados em um aparato de campo aberto contendo 2 objetos (padronizados anteriormente) diferentes (A e B) sendo-lhes permitido explorá-los livremente durante 5 min e sendo gravadas todas as sessões pelo software ANY-Maze (Stoelting CO., IL USA) para contabilização ao final do teste para que a presença do experimentador e possíveis ruídos não interferissem no comportamento dos animais e mascarassem os resultados. A sessão de teste foi realizada entre 1 e 3h após a sessão de treino. Durante o teste, os animais foram reintroduzidos individualmente no aparato de campo aberto e mantidos por 5 min, sendo que um dos objetos apresentados durante o treino foi aleatoriamente substituído por um objeto novo (B será substituído por C). O tempo gasto explorando cada objeto foi medido por um observador e expresso como percentagem do tempo total de exploração findado o teste. Para 35 determinação de possíveis alterações na função motora, a exploração e o ato de levantar sobre as duas patas dianteiras, executados pelos animais durante a fase de habituação foi quantificado (Figura 10). Figura 10: Teste de reconhecimento de objetos. São ilustradas as sessões de habituação, treino e teste, com os objetos utilizados em cada etapa. 3.4.3. Suspensão Pela Cauda O teste de suspensão pela cauda tem como objetivo avaliar o comportamento tipo depressivo dos camundongos (CRYAN; MOMBEREAU;VASSOUT, 2005). Neste teste, os camundongos são suspensos pela cauda com fita adesiva, e presos no aparato, de forma que não possam escapar e nem se segurar nas superfícies próximas. O aparato é posicionado a aproximadamente 1 metro de altura do chão. Durante o teste com duração de 6 minutos, os animais saudáveis tentam escapar da situação, enquanto os animais com comportamento tipo depressivo apresentam um tempo maior de imobilidade. O tempo de imobilidade de cada animal é calculado e usado como parâmetro de avaliação. Após o teste, os animais são devolvidos às suas respectivas gaiolas (Figura 11). Figura 11: Esquema ilustrativo do teste Suspensão pela Cauda. 36 3.5. Análise de expressão gênica por reação de transcrição reversa, seguida de reação da polimerase em cadeia (RT-PCR) 3.5.1. Preparo das amostras de hipocampo Os animais foram anestesiados e eutanasiados por deslocamento da cervical com posterior retirada do cérebro e coleta do hipocampo, que foi imediatamente colocado em microtubos de 2 mL e armazenado a -80°C para melhor conservação do conteúdo de mRNA. 3.5.2. Extração de RNA total do tecido e quantificação O isolamento do RNA total do tecido foi feito utilizando-se o método básico recomendado de extração de RNA usando TRIzol (Invitrogen Life Technologies) e homogeneização do tecido com um pistão. Cada 100 mg de tecido macerado recebe 1 mL de reagente TRIzol e é acrescido de 250 µL de clorofórmio, sendo então transferido para microtubo, e agitado vigorosamente. Após 5 min de incubação a temperatura ambiente para permitir a completa dissociação dos complexos de nucleoproteínas, a solução foi centrifugada por 12.000 x g durante 15 min a 4°C. A fase aquosa (até 60% do volume original de TRIzol) foi então transferida novamente para um microtubo limpo contendo isopropanol (0,5 mL de Isopropanol por mL de TRIzol usado), incubada por 10 min a temperatura ambiente e precipitada por centrifugação (12.000 x g, 30 min a 4 °C). O pellet foi lavado 3 vezes com 500 µL de etanol 75%, e seco a 37 °C por 10 min. O preparo foi então ressuspendido em 10 µL de água livre de RNAse. O RNA total foi quantificado no Nanodrop (ND- 1000Spectrophotometer). 3.5.3. Síntese do DNA complementar Realizou-se a síntese do DNA complementar a partir de 1 µg de RNA total. Após um passo inicial de incubação com a DNAse I, para eliminação de possível DNAcontaminante, seguiu-se exatamente a especificação do fabricante da enzima utilizada (Superscrypt III – Invitrogen). 37 3.5.4. RT-PCR A expressão de genes de interesse foi analisada por PCR em um sistema de RT-PCR utilizando o kit SYBR (Applied Biosystems). Actina foi utilizado como controle endógeno. Os primers para amplificação dos alvos utilizados nas reações de PCR foram sintetizados pela Invitrogen: para ATF4, forward: 5’-GCCGGTTTAAGTTGTGTGCT-3’, reverse: 5’- CTGGATTCGAGGAATGTGCT-3’; CHOP, forward: 5’- CGGAACCTGAGGAGAGAGTG-3’, reverse: 5’-CGTTTCCTGGGGATGAGATA-3’; XBP1s, forward: 5′-GAGTCCGCAGCAGGTG-3′, reverse: 5′- GTGTCAGAGTCCATGGGA-3′; TNF-α, forward: 5’-CTGAACTTCGGGGTGATCG- 3’, reverse: 5’-GCTTGGTGGTTTGCTACGAC-3’. Os valores limites de ciclo (Ct) foram utilizados para calcular as mudanças na expressão de gene utilizando o método 2 -ΔCt . Em todos os casos, os volumes de reação foram de 15 µL. 3.6. Análise Imuno-histoquímica do tecido cerebral Camundongos swiss machos adultos (3 meses de idade; n = 3-6) foram utilizados neste estudo. Todos os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de ética no Uso de Animais. Após os testes comportamentais os camundongos foram anestesiados com uma solução contendo cetamina e xilazina (0,1 mg / g, intraperitoneal) e perfundidos por via intra- cardial com 4% de paraformaldeído (PFA) e PBS 0,1 M, pH 7,4, 50 mL por animal. Os cérebros foram removidos, pós-fixados durante a noite por imersão na solução de PFA a 4 ° C e transferidos para álcool 70% 24 horas depois. Em seguida os cérebros foram enviados para serem cortados e processados. As lâminas contendo os cortes histológicos foram confeccionadas a partir de blocos de parafina. Antes da marcação imuno-histoquímica, os cortes foram desparafinados e diafanizados, e em seguida submetidos à recuperação de antígeno onde ficaram submersos em banho-maria por 40 minutos em temperatura constante de 95-98ºC no tampão citrato 0,01M pH 6,0. Os cortes foram então incubados na solução bloqueio A do kit de polímeros de imuno-peroxidade (N-Histafine Mouse Stain Kit,) por 60 minutos. Depois foram lavados em PBS e incubados com anticorpo primário com anti-IBA1 de coelho policlonal (1:500, WAKO Chemicals USA, Inc., Richmond, VA, EUA) por 24 horas. Em seguida os cortes foram lavados com PBS e incubados com reagente bloqueio B do kit de polímeros de imuno-peroxidase. A marcação foi revelada com solução cromógena 38 composta por 60 mg de DAB dissolvido em 2 ml de DMSO e diluído em 100 ml de PBS mais 60 ul de peróxido de hidrogênio e em seguidas contra-coradas com hematoxilina. 3.7. Análise morfométrica da Microglia Para analisar a reatividade microglial nesse trabalho, utilizamos o método morfométrico baseado no medida do diâmetro de Feret máximo-mínimo (feret máx-min) nas células imunorreativas para IBA1, um marcador de microglia Feret é definido como a distância entre duas linhas paralelas desenhadas tangencialmente ao corpo da célula. O Feret mínimo é a linha mais curta desenhado no corpo da célula e o Feret máximo é a mais longa, como mostrado nas linhas azul e púrpura, respectivamente, na Figura 12A. Em um corpo celular esférico (microglia em repouso), a diferença entre os ferets máx-min tende a zero, em contrapartida, a microglia reativa exibe um corpo celular de área maior e de redondeza diminuída, refletido por uma diferença significativamente maior entre os ferets máx-min (Figura 12B e C) (TORRES-PLATAS et al., 2014). Figura 12: (A) imagem representativa do método de Feret min-máx, (B) imagem de célula microglial em repouso exibindo um pequeno corpo celular circular e (C) imagem de uma célula microglial reativada exibindo um corpo celular amebóide com alguns processos ramificados. (Imagem adaptada de TORRES-PLATAS et al., 2014). 3.8. Análise estatística dos dados Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa GraphPadPrism v. 6 e utilizaram como níveis de significância 5%. Nos experimentos de reconhecimento de objetos, foi utilizado o teste-t contra o valor teórico de 50% (one-sample t-test). Para todos os demais, foi utilizado análise de variância (ANOVA) de uma via e teste pos-hoc de Holm-Sidak. 39 4. Resultados 4.1. Caracterização do modelo animal de sepse através da ligação e perfuração do ceco (CLP). De acordo com estudos epidemiológicos, a mortalidade na sepse varia entre 20 e 50% (DELLINGER et al., 2004; FLEISCHMANN et al., 2016). Nossos resultados demonstram o potencial translacional do modelo de CLP, visto que o grupo controle (Sham) apresentou 100% de sobrevivência, e o grupo submetido à CLP apresentou aproximadamente 30% de mortalidade nos primeiros sete dias após o procedimento (Figura 13), sendo que após sete dias não foi observada mortalidade. Figura 13: Mortalidade dos animais submetidos ao modelo de ligação e perfuração do ceco (CLP). Os grupos falso-operado e CLP (Sham) apresentaram 100% e 34% de sobrevivência, respectivamente, depois de 7 dias de avaliação. *P=0.002 Log-Rank (Mantel-Cox) test, n=87 animais, sendo 29 do grupo Sham e 58 do grupo CLP. 4.2. Avaliação cognitiva dos animais sobreviventes de sepse Estudos prévios de nosso grupo demonstraram que os animais sobreviventes de sepse apresentam prejuízo locomotor nos dias iniciais após a CLP, o que impossibilita a realização de tarefas
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