Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
56 abstrair características isoladas da totalidade da experiência concreta. É importante destacar, que o percurso genético para o desenvolvimento conceitual não é linear, pois o terceiro estágio, por exemplo, não aparece necessariamente após o segundo estágio. 7. EDUCAÇÃO INFANTIL AO ENSINO FUNDAMENTAL: CONTINUIDADE DO PROCESSO ALFABETIZADOR Fonte: shre.ink/mwrU As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI/ MEC), no art. 9º, orientam práticas pedagógicas focadas em uma proposta curricular da Educação Infantil com eixos norteadores nas interações e na brincadeira (BRASIL, 2010). A ideia é promover nos alunos o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas e corporais, que favorecem a movimentação ampla, a expressão da individualidade e o respeito pelos ritmos e desejos das crianças. Também deve ser priorizada a imersão delas nas diversas linguagens e variados gêneros e formas de expressão: verbal, gestual, musical, dramática e plástica. Não podem ser esquecidas a ampla experimentação de narrativas, de interação e apreciação com linguagem oral e escrita e a convivência com os mais distintos 57 suportes textuais orais e escritos. Esses meninos e meninas devem chegar à nova etapa escolar munidos desse rico conjunto de vivências preconizadas nas DCNEI. Tal travessia não pode ser vista como uma ponte que é rompida após a chegada no outro lado. O caminho que conecta a Educação Infantil ao Ensino Fundamental é um trajeto a ser feito levando em conta as aprendizagens vivenciadas na Educação Infantil, relacionadas ao conjunto de importantes ações realizadas em torno da leitura e da escrita. Afinal, as crianças tiveram, de formas muito singulares, enormes contatos com a cultura escrita e produziram entendimentos sobre essa cultura nas suas interações entre si e com os adultos. Essa chegada da criança ao Ensino Fundamental aos seis anos é hoje já consolidada. Barbosa e Delgado (2012) comenta que, com a democratização do acesso escolar da criança de seis anos ao Ensino Fundamental, correu-se o risco de tratar desiguais como iguais. Naquele momento e nos dias atuais, já está comprovado que crianças que frequentam a Educação Infantil costumam ter mais sucesso no Ensino Fundamental. Isso é comprovado por estudos e pesquisas, aponta a autoras. Barbosa e Delgado (2012, p. 29) questionaram se seria positiva a obrigatoriedade da transição aos seis anos daquelas crianças que vivem uma cultura com baixo letramento e sem escolarização, em um sistema de ensino com tantos problemas como o nosso? Como esta saída tão simples pode ter sido vista como uma solução para um problema tão complexo? Isso indica que a travessia é feita pela mesma criança que saiu da Educação Infantil e que deveriam haver mudanças substanciais no Ensino Fundamental para receber meninos e meninas tão pequenos. Por outro lado, é possível afirmar que a qualidade das práticas pedagógicas na Educação Infantil é forte apoio a tal travessia. Já que a Educação Infantil partiu para a educação interdisciplinar organizada por meio de diferentes projetos nos últimos 30 anos, nada impediria que tais transformações acontecessem também no Ensino Fundamental. Afinal, o que realmente mudou nesse mesmo sentido nos anos iniciais do Ensino Fundamental nas escolas espalhadas pelo interior do Brasil, bem longe dos grandes centros urbanos? Porém, a autora comenta que: [...] a mentalidade dominante entre professores e pais é de que o 1º ano do Ensino Fundamental deve alfabetizar. E alfabetizar, na concepção desses 58 atores, é trabalhar arduamente e repetitivamente com o código alfabético: copiando, repetindo (BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 34). A leitura e a escrita seguem uma progressão evolutiva no tempo, mas uma progressão profundamente influenciada pelo contexto em que se desenvolve: as crianças da mesma idade diferem a esse respeito, assim como diferem as de idades distintas, em variados grupos humanos. Por isso, as propostas e alternativas educacionais devem influir sobre o contexto de desenvolvimento. A ideia é variar os materiais escritos, seu uso e sua circulação, assim como multiplicar as possibilidades de participação de meninos e meninas por meio de suas ações de escutar alguém ler, perguntar, ditar e escrever (TEBEROSKY; GALLART, 2007). Educadores devem aprender, nas suas formações iniciais e continuadas, a importância de levar às escolas infantis vivências alfabetizadoras como processos dinâmicos, o que implica duas vias de acesso, uma técnica (alfabetização) e outra que diz respeito ao uso social (letramento). A alfabetização e a identidade social surgem ao mesmo tempo, e as habilidades necessárias para manejar essa identidade social, através do uso da escrita, são mais complexas e não se reduzem a saber simplesmente um manejo de regras sobre as letras (TEBEROSKY; GALLART, 2007, p. 85). Chegando ao Ensino Fundamental, as crianças trazem as marcas singulares do acesso à cultura escrita experimentada na escola, em diversas outras instituições de lazer e cultura que frequentam e em suas casas, na convivência com seus familiares. Elas terão pela frente um longo tempo para aprender, ou seja, saber ler, escrever e compor pequenos textos. O que se pode esperar é que haja um encontro favorável entre a cultura infantil em que a criança está inserida com os seus pares, a cultura oral e escrita da sua comunidade e a cultura escrita que recebe na escola. Com o tempo, as crianças aprendem aquilo que a escola sugere que seja aprendido. Mas é necessário que os educadores não desvalorizem o aprendizado que os alunos realizam em suas casas, identificando-o como errado ou sem valor, nem que menosprezem seus modos de falar e outras marcas da cultura em que estão inseridos. Jacobson (2007 apud TEBEROSKY; GALLART, 2007, p. 96) defende que a “[...] aula, por si só́, deve ser um espaço no qual todo tipo de aluno ganhe experiência com a leitura e a escrita”. Caberá aos educadores infantis não negligenciar o conjunto de atividades promotoras de admirável contato com o mundo letrado realizadas nas famílias e 59 comunidades dos alunos. Aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental cabe examinar tal conjunto como propício ao trabalho que protagonizam com as crianças. Esses professores terão até o 2º ano do Ensino Fundamental para consolidar a alfabetização e ver surgir crianças com boas capacidades de ler e escrever, seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017). Transitando para o Ensino Fundamental, as crianças já vivenciaram inúmeras atividades aproximativas da cultura escrita em que estão inseridas. Além disso, tiveram contato com educadores infantis, conscientes do trabalho de mediadores da função social da escrita. De posse desse conjunto de saberes, os professores do Ensino Fundamental devem acolher as boas e apropriadas experiências, que devem ser valorizadas nesse momento transitório. Aquilo que foi conquistado deve ser valorizado. Afinal, a criança vive a transição, mas segue seu percurso em busca de viver e entender o mundo repleto de letras, palavras e suas significações. A criança deve contar com adultos pacientes para valorizar suas hipóteses sobre o que está escrito no que consegue visualizar ao seu redor. 7.1 . A importância da continuidade do processo alfabetizador É natural que, ao ingressar no Ensino Fundamental, muitas crianças sintam saudades dos felizes tempos da Educação Infantil, em que as relações dos alunos entre si e com os adultos eram repletas de expressão, afetos, movimentos corporais. A Educação Infantil costuma ser caracterizada por amplo espaço para o brincar e ser essencialmente constituída como espaço de convívio, em que há respeito pelas relações culturais, sociais e familiares. No Ensino Fundamental, as crianças nãocessam de fazer suas hipóteses sobre usos e modos de realizar a leitura e a escrita. É bom dialogar com a trajetória vivenciada na Educação Infantil, bem como conhecer seus efeitos para prosseguir e ampliar os conhecimentos sobre leitura e escrita. A transição será benéfica se levar em conta o que já foi consolidado nas aprendizagens anteriores, e isso traz a segurança emocional necessária às crianças, que sentem que são entendidas a partir do que já sabem e que são reconhecidas naquilo que já podem realizar com as letras. 60 Cabe ao educador infantil oferecer um conjunto vasto de materiais para tornar as horas na escola vivências em um ambiente desafiador. Assim, é importante a presença de livros infantis, revistas, cartazes, embalagens diversas (e identificáveis como de consumo das famílias) e até de computadores e outros objetos eletrônicos usados para escrever. As crianças, transitando da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, serão mais felizes e capazes de fazer uma tranquila e eficaz passagem ao encontrar, do lado de lá e do lado de cá, educadores que entendam a alfabetização e o letramento como tarefas não mecânicas e não isoladas. Isso possibilitará a abertura a: [...] um novo universo de possibilidades de intervir no mundo e transformá-lo. Ler implica compartilhar espaços, construir pensamentos e aumentar as aprendizagens e motivações educativas, e isso não é um processo individual, mas coletivo (TEBEROSKY; GALLART, 2007, p. 42). Qual será a boa prática para alfabetizar a criança que migra da Educação Infantil para o Ensino Fundamental? Com certeza é ir além do ler e escrever mecanicamente, copiando e treinando repetidas vezes as mesmas palavras, tarefas da alfabetização inicial das crianças que marcaram a história da alfabetização brasileira por séculos. “B com A é igual a ‘bá’” é maçante e monótono. Além disso, as aulas não devem nunca valorizar atos solitários e repetitivos de leitura. Elas são encontros para as crianças interagirem entre sei e com os adultos (os educadores e os familiares). “O processo de interpretação, construção de significado e criação de sentido em relação ao escrito deixa de ser individual e se torna coletivo. Essa é a chave do processo, e essa concepção tem implicações educativas” (TEBEROSKY; GALLART et al., 2007, p. 43). Na transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, bem como nas tarefas de apropriação da leitura e da escrita pela criança, são essenciais as presenças atenciosas dos professores infantis e demais adultos, juntos e apostando nos alunos. Será sempre útil que todos esses adultos entendam que as crianças começaram seus processos longos e instigantes de aprender a ler e escrever muito antes de pisarem nas escolas, lá no aconchego doméstico, com seus familiares. E seguirão sempre além das escolas. Sendo assim, é preciso dialogar com as famílias e seus projetos alfabetizadores e de letramento de seus filhos. Além disso, é necessário ouvir sempre as impressões das crianças sobre seus projetos de serem 61 leitoras e escritoras. As experiências alfabetizadoras e a participação na vida escolar dos filhos, por parte dos familiares, repercutem no interesse das crianças por leitura e escrita e trazem outras práticas de leitura, além de referenciais culturais consideráveis dos ambientes extraescolares. Nos novos tempos de Ensino Fundamental, é necessário manter as boas colaborações cultivadas com as famílias na Educação Infantil. Também devem ser considerados os usos da cultura escrita das famílias, sejam eles práticas próximas ou distantes das escolas (leituras de jornais e revistas, livros, uso de computadores, folhetos informativos do comércio, calendários, narrativas familiares) (TEBEROSKY; GALLART et al., 2007). Peres (2012 apud BARBOSA; DELGADO, 2012, p. 64) aponta um caminho para a construção de uma nova cultura escolar para a alfabetização das crianças de seis anos, pensando a infância para além da Educação Infantil: Trata-se, portanto, de uma perspectiva de trabalho que insira as crianças, desde muito cedo, na cultura escrita, no mundo letrado. É preciso trabalhar, na escola, a natureza, os sentidos, as funções, os usos sociais da língua escrita na sociedade; desenvolver o amor pela leitura e pelos livros; trabalhar no sentido de mostrar que leitura é informação, conhecimento, emoção, diversão, entretenimento, imaginação, etc., e que escrita é registro, memória, comunicação, história, etc. É preciso apresentar a escrita não como um ato motor, mas como uma atividade cultural complexa. Mostrar que a escrita é um sistema de representação complexo da linguagem, um sistema simbólico, uma forma de expressão, um objeto cultural. A alfabetização precisa ser compreendida em sua totalidade e em suas múltiplas dimensões, a saber, social e cultural. Aponta ainda que as ações educativas devem levar em conta o letramento e não perder de vista a especificidade da alfabetização. O letramento não deve ser visto como uma proposta que antecedeu ou sucedeu a aprendizagem formal da leitura e da escrita.
Compartilhar