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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MUSEU NACIONAL DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA E PALEONTOLOGIA Processos erosivos e assoreamento por depósitos tecnogênicos: estudo de caso do reservatório da Pequena Central Hidrelétrica de Queluz (SP) PATRÍCIA FERREIRA GUIMARÃES Rio de Janeiro Junho 2012 ii UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MUSEU NACIONAL DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA E PALEONTOLOGIA Processos erosivos e assoreamento por depósitos tecnogênicos: estudo de caso do reservatório da Pequena Central Hidrelétrica de Queluz (SP) PATRÍCIA FERREIRA GUIMARÃES Orientador: Prof. Dr. RENATO RODRIGUEZ CABRAL RAMOS Rio de Janeiro Junho 2012 iii FICHA CATALOGRÁFICA Guimarães, Patrícia Ferreira Processos erosivos e assoreamento por depósitos tecnogênicos: estudo de caso do reservatório da Pequena Central Hidrelétrica de Queluz (SP)/ Patrícia Ferreira Guimarães – Rio de Janeiro: UFRJ/MN/DGP, 2012. Orientador: Prof. Dr.Renato Rodriguez Cabral Ramos Monografia (especialização): UFRJ/MN/DGP / Programa de Pós Graduação em Geologia do Quaternário, 2012. Referências Bibliográficas: f. 49-51. 1.Quaternário 2. Depósitos Tecnogênicos 3.Paraíba do Sul 4. Processos Erosivos. I. Guimarães, Patrícia Ferreira. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Departamento de Geologia e Paleontologia, Programa de Pós Graduação em Geologia do Quaternário. Assoreamento de barragem por depósitos tecnogênicos. Um estudo de caso: Pequena Central Hidrelétrica de Queluz – SP. 51f. iv RESUMO Este trabalho teve como objetivo principal realizar uma análise sobre assoreamento de barragens através da gênese dos depósitos tecnogênicos, utilizando como exemplo, os casos das Pequenas Centrais Hidrelétricas de Queluz e Lavrinhas, localizadas nos municípios de Queluz e Lavrinhas, respectivamente, no estado de São Paulo. Buscou-se, neste estudo, resgatar a história da transformação da paisagem, através das diversas formas de uso do solo, capazes de formar os depósitos tecnogênicos induzidos, relacionando-os com as ações antrópicas. O tecnógeno constitui-se como as transformações do meio físico, levando em consideração como agente geológico o homem, bem como seus processos geradores e modificadores das paisagens atuais. Este termo se relaciona com as transformações do ambiente através da ação técnica, que pertence exclusivamente ao ser humano, no qual teria seu início marcado pelo final do Holoceno, quando essas ações foram intensificadas. Desta forma, a escolha das PCHs Queluz e Lavrinhas para o estudo de caso, foi devido ao fato de formarem um empreendimento novo em fase inicial de operação, com poucos estudos realizados até o momento. Além de se localizarem entre a Rodovia Dutra e a Linha Férrea, e em um dos rios mais importantes da Região Sudeste, o Rio Paraíba do Sul. Palavras-chave: Quaternário, Depósitos tecnogênicos, Paraíba do Sul, Processos erosivos. v ABSTRACT This study aimed to perform an analysis on siltation of dams through the genesis of deposits tecnogenic, using as example the case of Small Hydropower Queluz and Lavrinhas, located in the Queluz and Lavrinhas cities, respectively, in the state of São Paulo. Sought, in this study, rescue the history of the transformation of the landscape, through various forms of land use, capable of forming deposits tecnogenic induced, relating them to human actions. The Tecnogenic constitutes itself as the transformation of the physical environment, taking into account geological agent man, as well as its processes generators and modifiers of existing landscapes. This term relates to changes in the environment through action technique, which belongs exclusively to the human being, which would have marked its beginning by the end of the Holocene, when these actions were intensified. Thus, the choice of SHPs Queluz and Lavrinhas for the case study was due to the fact form a new venture in the initial phase of operation, with few studies to date. Besides are located between the Dutra Highway and Railway Line, and one of the most important rivers in the Southeast, Paraiba do Sul River. Keywords: Quaternary, deposits tecnogenic, Paraíba do Sul, Erosion processes. vi AGRADECIMENTOS - À minha família, agradeço pelo apoio e pelo encorajamento de poder dar mais esse passo na minha formação acadêmica. - Aos meus amigos, agradeço pela compreensão e pelos momentos de abstração. -Ao meu companheiro, amigo e namorado, agradeço pelo carinho e pela paciência. - À Turma Geoquater 2011, pelos bons momentos dentro e fora da sala de aula. - À Habtec, por ajudar no meu crescimento profissional. - À Usina Paulista Queluz de Energia S.A., por possibilitar a realização desta monografia. - Aos professores do Departamento de Geologia e Paleontologia, por ter me proporcionado a chance de realizar o curso de especialização, o qual me ofereceu uma grande fonte de conhecimento. - Ao professor e orientador Renato Ramos, pelo conhecimento proporcionado e pela ajuda e paciência na confecção desta monografia. vii LISTA DE FIGURAS Figura 1: Localização da PCH Queluz, municípios de Queluz e Lavrinhas – SP...................... 15 Figura 2: Localização da PCH Queluz - Lat. 22°32'50.19"S, Long. 44°47'37.83"W; e da PCH Lavrinhas – Lat. 22°34'35.30"S, Long. 44°51'46.13"W............................................................... 16 Figura 3: Ilustração cronológica dos limites temporais, com base na proposta de Ter- Stepanian (1988) e Oliveira et. al.(2005)...................................................................................... 19 Figura 4: Perfil morfo-estrutural interpretado do Rifte do Paraíba do Sul (Gráben de Taubaté) e do Rifte Litorâneo (Sub-Gráben de Paraty)............................................................................... 28 Figura 5: Visão 3D (O para E) da Zona de Acomodação de Queluz (Rifte do Paraíba do Sul).. 29 Figura 6: Vista a montante da PCH Lavrinhas, com a paisagem de mar de morros.................... 30 Figura 7: Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul..................................................................... 33 Figura 8: Silvicultura de Pinnus, na área entre a barragem da PCH Lavrinhas e o lago da PCH Queluz.................................................................................................................................. 35 Figura 9: Vista geral da paisagem local dominante, mar de morros, com pastagens e plantação de eucalipto................................................................................................................... 36 Figura 10: Organograma de impactos ambientais relacionados a contrução da barragem.......... 38 Figura 11: Solapamento da margem esquerda do reservatório da PCH Queluz.......................... 40 Figura 12: Sulcamento e erosão laminar de talude artificial, e o início da recuperação com gramíneas...................................................................................................................................... 40 Figura 13: Formação de ravina em talude artificial..................................................................... 41 Figura 14: Construção da galeria pluvial localizada próxima à área de diques da PCH Queluz. 41 Figura 15: Construção do dique com uma maior proteção da margem....................................... 42 Figura 16: Solapamento da margem esquerda do reservatório da PCH Queluz..........................43 Figura 17: Sulcos e ravinas reflorestadas a jusante da PCH Queluz............................................ 43 Figura 18: Reativação de algumas ravinas devido a subida do reservatório................................ 44 Figura 19 a, b, c, d: Depósitos tecnogênicos formados pela escavação do dique (a), movimentações de terra na margem do reservatório (b, c). O principal processo erosivo vigente nas margens do reservatório de Queluz, os solapamentos (d), também contribuem significativamente para o assoreamento do reservatório............................................................... 45 Figura 20: Antiga área de bota-fora da ferrovia com solo exposto (a) e voçoroca remanescente das obras da ferrovia, em processo de recuperação (b).......................................... 46 Figura 21: Grande área desmatada com sulcos e ravinas............................................................. 47 Figura 22: Talude exposto e sedimentos sendo carreados para a galeria..................................... 47 viii LISTA DE SIGLAS A.P. - Antes do Presente CPRM - Serviço Geológico do Brasil IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas M.a. - Milhões de anos mTa - Massa Tropical Atlântica PCH - Pequena Central Hidrelétrica PRAD - Programa de Recuperação de Áreas Degradadas ix LISTA DE ANEXOS Anexo 1 – Arranjo Geral 1.............................................................................................................. 52 Anexo 2 – Arranjo Geral 2.............................................................................................................. 53 Anexo 3 – Mapa de Processos erosivos identificados na PCH Queluz............................................54 x SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 13 1.1 Área de Estudo................................................................................................................... 14 2. OBJETIVOS............................................................................................................................. 17 2.1 Objetivo Geral.................................................................................................................... 17 2.2 Objetivos específicos.......................................................................................................... 17 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................................................................... 17 3.1 Depósitos tecnogênicos....................................................................................................... 17 3.2 Assoreamento de reservatórios......................................................................................... 24 4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA.......................................................................................... 26 4.1 Características gerais da PCH Queluz............................................................................. 26 4.2 Diagnóstico Ambiental....................................................................................................... 28 4.2.1 Geologia........................................................................................................................... 28 4.2.2 Geomorfologia................................................................................................................. 29 4.2.3 Solos.................................................................................................................................. 30 4.2.4 Clima................................................................................................................................ 31 4.2.5 Hidrografia...................................................................................................................... 32 4.2.6 Histórico de Uso e Ocupação do Médio Vale do Paraíba............................................ 33 5. MATERIAL E MÉTODO......................................................................................................... 36 6. RESULTADOS........................................................................................................................ 37 6.1 Aspectos erosivos antes e durante a implantação da PCH Queluz............................... 37 6.2 Feições erosivas e depósitos tecnogênicos no entorno dos reservatórios...................... 42 6.2.1 Pequena Central Hidrelétrica Queluz.................................................................. 42 6.2.2 Pequena Central Hidrelétrica Lavrinhas............................................................. 46 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................... 49 xi 13 1. INTRODUÇÃO A geração hidroenergética constitui-se numa alternativa tecnológica altamente vantajosa e eficaz para o Brasil, devido ao seu considerável potencial hídrico. As centrais hidrelétricas são consideradas formas limpas e seguras de geração de energia e de acordo com o Protocolo de Quioto não geram gases de efeito estufa, diferentemente das termelétricas movidas a combustíveis fósseis (Habtec, 2004). Além disso, não envolvem os riscos implicados, por exemplo, como na operação das usinas nucleares, que podem gerar vazamento, contaminação de trabalhadores e da população com material radioativo, entre outros aspectos, nem os altos custos associados à geração de energia solar fotovoltaica ou à geração de energia eólica. Ressalta-se ainda, que a tecnologia de geração hidrelétrica é dominada há décadas no Brasil, o que facilita sua utilização em relação às tecnologias mais recentes de geração de energia renovável. Por outro lado, a construção e a utilização de usinas hidrelétricas podem ter uma série de consequências negativas, que abrangem desde alterações nas características climáticas, hidrológicas e geomorfológicas locais, até a interferência com espécies que vivem nas áreas de inundação e proximidades. As grandes represas inundam vastos ecossistemas e podem provocar desequilíbrios ecológicos e sociais. Assim, considerando o aumento do consumo, a melhor tecnologia atual é a de se explorar o potencial de rios relativamente pequenos para suprir a demanda das áreas vizinhas através da construção de hidrelétricas menores. As pequenas centrais hidrelétricas representam uma importante alternativa de produção renovável, promovendo a ampliação da oferta de energia elétrica no Brasil. Em termos econômicos, destaca-se também que as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) ainda apresentam vantagens em relação, por exemplo, a usinas termelétricas, nucleares, eólicas e geração solar, por unidade de energia gerada. Neste contexto, as PCHs tem se destacado como empreendimentos especialmente atraentes para a geração de energia hidrelétrica, pois contam com incentivos do poder concedente ao investidor, por serem, em geral, empreendimentos com características menos impactantes ao meio ambiente e por, geralmente, se localizarem próximas aos centros de consumo. Apesar de inundarem áreas menores, os impactos negativos das PCHs podem ser elevados caso o empreendimento não esteja em conformidade com a legislação ambiental 14 brasileira vigente. Dentre os impactos negativos do meio físico, estão a supressão de vegetação,aceleração dos processos erosivos, como solapamento das margens e consequentemente o assoreamento do próprio reservatório, e alteração da dinâmica hidrossedimentológica, os quais será dado especial atenção neste trabalho A erosão e os movimentos de massa em encostas constituem os principais processos geológicos responsáveis pela dinâmica de evolução das encostas e vales, e apesar de serem de origem natural, o homem vem se tornando um dos principais agentes de aceleração desses processos devido o modo de produção capitalista vigente, no qual o homem tem transformado cada vez mais rapidamente e intensamente o meio no qual está inserido, resultando numa realidade que é objeto de estudo de vários campos da ciência, inclusive da geologia e da geomorfologia. É neste contexto que serão abordados os depósitos tecnogênicos, resgatando a história da transformação da paisagem através do uso do solo local, relacionando as formações destes depósitos com as ações da sociedade responsável pela sua formação. O Tecnógeno constitui-se nas transformações do meio físico, levando em consideração como agente geológico o homem e seus processos geradores e modificadores das paisagens atuais. Este termo se relaciona as transformações do ambiente através da ação técnica, que pertence exclusivamente ao ser humano (Oliveira et al., 2005). Alguns autores defendem a entrada do Tecnógeno na tabela cronológica do tempo geológico, assim, o Holoceno, com início há 11.700 anos A.P., seria a época de transição do período Quaternário para o Quinário, e o seu final corresponderia ao início do Tecnógeno, visto que é o momento em que as condições ambientais modificadas se tornam preponderantes na Terra (Ter-Stepanian, 1988 apud Oliveira et al., 2005). Este período é compreendido como o tempo histórico de alteração, sendo esta uma abordagem inovadora estudada no Brasil nas últimas duas décadas. Assim, o objeto de estudo desta monografia é a alteração ambiental a partir das feições erosivas e dos depósitos tecnogênicos induzidos, que estão relacionados com a capacidade do ser humano de modificar a paisagem. 15 1.1 Área de Estudo A área de estudo está situada no município de Queluz, no estado de São Paulo, onde foi construída nos últimos anos a PCH de Queluz (figura 1). Figura 1: Localização da PCH Queluz, Municípios de Queluz e Lavrinhas – SP. (Fonte: IBGE, 2005 e Habtec, 2009). O eixo da barragem de Queluz situa-se sobre a calha do rio Paraíba do Sul, cerca de 32 km a montante da UHE Funil, e distando aproximadamente 3 km da sede municipal de Queluz (Habtec, 2004). Este trabalho concentra-se na PCH Queluz, porém a título de comparação, em alguns itens, será dada certa atenção a PCH Lavrinhas, visto que esta se localiza a montante da PCH Queluz, estando os processos relacionados entre si. 16 Os empreendimentos encontram-se em processo de operação desde o início de 2011, e o desmatamento das áreas ao redor, bem como as feições erosivas, podem ser vistas da Rodovia Presidente Dutra (BR -116), eixo Rio-São Paulo (Figura 2). Figura 2: Localização da PCH Queluz - Lat. 22°32'50.19"S, Long. 44°47'37.83"W; e da PCH Lavrinhas – Lat. 22°34'35.30"S, Long. 44°51'46.13"W. (Fonte: Google Earth, acesso em 13/12/2011). A intensidade das ações humanas ocasiona mudanças que, em vários casos, podem ser comparadas com as transformações que ocorrem numa escala de tempo geológica, porém, como ocorrem em curtos espaços de tempo, acabam por se tornar impactantes ao meio ambiente. Assim, este trabalho justifica-se pelo fato destas barragens serem um empreendimento novo em fase inicial de operação, e devido a sua localização estratégica na margem da Rodovia Dutra, e em um dos rios mais importantes da Região Sudeste, o Rio Paraíba do Sul, PCH Lavrinhas PCH Lavrinhas PCH Queluz 17 que faz com que o estudo das feições erosivas e dos depósitos tecnogênicos seja de grande importância para o desenvolvimento das PCHs. 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral Objetiva-se neste trabalho estudar os processos erosivos e os depósitos tecnogênicos decorrentes das ações antrópicas na área da Pequena Central Hidrelétrica de Queluz, localizada no município de Queluz, no estado de São Paulo. 2.2 Objetivos específicos Dentre os objetivos específicos estão: Analisar as diversas formas de uso do solo pretéritas e atuais e seus impactos ambientais; Identificar as feições erosivas e os depósitos tecnogênicos induzidos no reservatório da PCH Queluz; Apontar as relações existentes entre as transformações ambientais e a formação dos depósitos tecnogênicos com os acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais da região. 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para um melhor entendimento das relações homem-ambiente abordadas neste trabalho, é necessário identificar e discutir os conceitos propostos que integram essa dinâmica, explicitados a seguir. 3.1 Depósitos tecnogênicos Primeiramente, é preciso entender a transformação ocorrida ao longo do tempo, na forma de se analisar as modificações na Terra, e a obra de Charles Lyell, Principles of Geology de 1830, através do Uniformitarismo, introduz essa idéia de modificações lentas no planeta. Sua obra foi uma das pioneiras para se romper com as idéias teológicas aceitas para interpretar a história da Terra, baseadas nos eventos catastróficos. 18 Assim, Lyell fundou a moderna geologia histórica, que desde seu início, caracteriza-se pelo reconhecimento de uma natureza essencialmente em transformação, na qual os problemas geológicos podiam agora, ser resolvidos com base em leis naturais (Eicher, 1969). Porém, segundo Peloggia (1998), o grande problema nas idéias de Charles Lyell, estava no fato deste autor não admitir a importância dos agentes geológicos e das taxas de mudança, ou seja, o Uniformitarismo possuía um aspecto rígido, no qual as proporções e importância dos processos atualmente existentes foram sempre os mesmos no passado geológico. Além disso, a Geologia não incorporava a ação humana em suas pesquisas, fato que atualmente tem sido questionado, devido ao reconhecimento do homem como agente geológico. Desta forma, devido ao reconhecimento do homem como agente geológico, capaz de produzir direta e indiretamente depósitos geológicos através de processos relacionados à forma de ocupação de um local, com determinadas características geomorfológicas, estabeleceu-se o que alguns estudiosos denominam de Período Quinário, com a presença do Tecnógeno (Oliveira et al., 2005). De acordo com a escala de tempo geológico organizada pela International Commission on Stratigraphy (ICS), o período Quaternário possui duas épocas, o Pleistoceno, com cerca de 2.6 milhões de anos (M.a.) e o Holoceno, que inclui os últimos 11.700 anos, sendo seu início marcado pelo fim da última glaciação. Apesar de o Holoceno ser um intervalo pequeno no ponto de vista geológico, é considerado muito importante por incluir a historia da civilização humana, embora esta época ainda não seja marcada preponderantemente pelas condições ambientais alteradas devido às ações do homem. Segundo Ter-Stepanian (1988) apud Peloggia, (1998), o Holoceno seria uma “época de transição” do Quaternário para o Quinário ou Tecnógeno, onde a ação humana influencia nas novas coberturas pedológicas e formações geológicas (figura 3). Entretanto, do ponto de vista estratigráfico, a passagem do Quaternário para o Quinário não é igual em todo o planeta, pois depende do desenvolvimento e difusão das diferentes técnicas, que não ocorreu de maneira homogênea, implicando em diferentes formas e intensidades na ação do homem. 19 PERÍODO ÉPOCA PROCESSOS QUINÁRIO QUATERNÁRIO Tecnógeno Holoceno (11.700 anos) Tecnogênico Naturais Pleistoceno (2,6 M.a.)Figura 3: Ilustração cronológica dos limites temporais, com base na proposta de Ter-Stepanian (1988) e Oliveira et. al.(2005). (Fonte: Modificado de Oliveira et. al., 2005). O termo Tecnogênico foi escolhido por se relacionar as transformações do ambiente com as ações do ser humano através da técnica, que pertence exclusivamente ao ser humano. Assim, o termo antropogênico, proposto por Pavlov em 1912, para substituir o Quaternário, é usado de forma imprópria, visto que antropogéno está relacionado à existência do homem na Terra, e sua evolução enquanto espécie desde a pré-historia (Neves, 2004 apud Mello, 2006), não podendo ser utilizado para designar a ação do homem sobre a superfície do planeta através de depósitos sedimentares superficiais induzidos ou produzidos pela técnica humana. Ao se colocar a história humana na escala geológica verifica-se o curto tempo de existência das atividades humanas sobre a Terra. Entretanto, como mencionado acima, a intensidade da interferência do homem no meio se faz de maneira tão significativa, resultando em impactos variados, que merece um estudo mais aprofundado, considerando-o como agente geológico. Os estudos dos depósitos tecnogênicos vêm ao encontro desta proposta. Através de seu estudo resgata-se a história de transformação da paisagem através do uso do solo do local, onde o mesmo é encontrado, relacionando-se as formações de depósitos tecnogênicos com as ações da sociedade responsável pela sua formação. Anterior ao estudo do Tecnógeno, vários estudos foram realizados acerca das transformações ocasionadas pelo homem na Terra. Oliveira et al. (2005) cita vários exemplos, sendo grande parte realizado no século XIX. Primeiramente este autor cita Marsh (1965 [1864]), que nos Estados Unidos foi um dos pioneiros no estudo das transformações da superfície terrestre, enfatizando que na história da humanidade vários impactos ambientais superaram os efeitos esperados. Muitas pesquisas surgiram após os estudos deste autor, o que favoreceu o surgimento de outras áreas de estudo, como a Ecologia Humana, a História Ecológica, Ecologia Cultural, entre outras. Na Rússia, através de estudos como os de Vernadsky (1998 [1926]), desenvolveu-se a discussão sobre os conceitos de biosfera e 20 noosfera, gerando uma nova “esfera” terrestre, e atribuindo às formas de vida e à humanidade o caráter de agentes geológicos (Oliveira et al., 2005). Já no século XX, Thomas Jr. (1956) publicou diversos estudos destacando como causa dos impactos ambientais, a modernidade, o crescimento da população humana, o elevado índice de consumo, a urbanização e a cultura e ideologia ambiental. Outros estudos também foram realizados no final do século XX, porém sob outra ótica, através da qual as mudanças ambientais seriam resultado das forças principais, formas mitigadoras, que incluem a legislação ambiental e os reajustes de mercado, e do comportamento humano, considerando fatores como a dinâmica da população, tecnologia e organização social (Oliveira et al., 2005). A partir dessas análises, outros campos do conhecimento surgiram como a ecologia política, na qual expunha que a economia global afetava diretamente as ações dos indivíduos tanto no meio urbano quanto rural. Na Rússia, aprofundou-se a idéia do homem enquanto agente geológico com os estudos de Sergeev (1980, 1984), Chemekov (1983), Kowalski (1984) e Ter-Stepanian (1988), presentes no campo da geologia de engenharia, responsável por desenvolver métodos e técnicas de geologia para a orientação nas transformações adequadas do meio ambiente. (Oliveira et al., 2005). Unindo esses campos analíticos sobre a transformação da superfície terrestre induzida pelo homem, buscou-se um conhecimento para uma melhor compreensão dos fenômenos ocorridos, estudando não só a história das atividades humanas, como a história das regiões onde estas transformações ocorreram, procurando buscar as causas culturais, econômicas e sociais, e seus efeitos globais e locais, fazendo parte hoje do estudo do Quaternário. Observa-se, assim, que os estudos sobre as transformações ambientais causadas pelo homem têm alcançado um espaço cada vez maior, não apenas pela busca do conhecimento científico do passado e do presente, como também pelas preocupações com o futuro da humanidade. No Brasil as primeiras pesquisas que abordaram o homem como agente geológico datam da década de 1990, com trabalhos como o de Oliveira (1994), Peloggia (1996), Nolasco (1998) e Cunha (2000). As ações do homem no meio produzem efeitos significativos onde, segundo Suguio & Bigarella (1990) apud Peloggia (1998) “toda vez que o homem interfere na paisagem, surgem 21 desequilíbrios mais ou menos graves”. Estas ações podem ser analisadas em três níveis de abordagem: formas, processos e depósitos superficiais do ambiente geológico. O objeto de estudo, na abordagem tecnogênica, são os chamados depósitos tecnogênicos, que são testemunhos da ação do homem num determinado ambiente, alterando diversos aspetos da natureza local, como o relevo e os materiais presentes no solo. São encontrados em grande parte destes testemunhos, artefatos manufaturados que permitem fazer relações com o tipo de ocupação humana no local e nas proximidades do depósito, além de estarem sujeitas a estratigrafia, devido ao acúmulo de sedimentos posicionados pelo tempo (Mello, 2006). A formação de depósitos tecnogênicos resulta exclusivamente da ação geológica do homem. Oliveira (1994, 2005), ao trabalhar com este conceito, menciona que tanto a erosão antrópica desencadeada pelo uso do solo, quanto os depósitos construídos, como os aterros e bota-foras, são considerados depósitos tecnogênicos, bem como resíduos industriais e minerais. Além disso, alguns autores também consideram depósitos modificados indiretamente, como por exemplo, solos contaminados por poluente como depósitos tecnogênicos. O reconhecimento desses depósitos resulta da observação de determinadas características que são particulares destas formações no qual são marcados por sua grande diversidade na forma e no processo, e estendem-se por todos os ambientes superficiais, operando em um curto espaço de tempo capaz de gerar alterações e registros significativos (Watson, 1983 apud Peloggia, 1995). Vários autores se preocuparam em realizar classificações acerca dos depósitos tecnogênicos, cada qual apontando algumas características como importante para a definição. Peloggia (1999) propõe a classificação dos depósitos, considerando principalmente os processos geradores e o material constituinte e, de maneira complementar, a localização e expressão no relevo. Assim, esse autor divide-os em primeira ordem, que diferencia os depósitos construídos, como os aterros e corpos de rejeito, os induzidos, como os resultantes de assoreamento e os aluviões modernos, e os modificados, que corresponde aos depósitos naturais preexistentes alterados por efluentes, adubos e outros; e em segunda ordem, que são os depósitos remobilizados, como os depósitos de fundo de vales formados por escorregamentos de aterros, e os retrabalhados, como os aterros ravinados. 22 Há também a denominação de depósitos tecnogênicos para os chamados “solos altamente influenciados pelo homem”, de acordo com Fanning & Fanning (1989) apud Peloggia (1998). Essa classificação segue de acordo com o material constituinte do depósito, onde: os materiais “úrbicos” (do inglês urbic) são caracterizados por detritos urbanos que contem artefatos manufaturados pelo homem, como tijolos, vidro, concreto, asfalto, pregos, plástico, metais diversos, pedra britada, cinzas e outros; os materiais “gárbicos” (do inglês garbage), que são depósitos de material detrítico com lixo orgânico, contem artefatos em quantidades muito menores que a dos materiais úrbicos, e são suficientemente ricos em matéria orgânica para geraremmetano em condições anaeróbicas; materiais “espólicos” (do inglês spoil), caracterizados por materiais escavados e redepositados por operações de terraplanagem em minas a céu aberto, rodovias ou outras obras civis. Também podem ser considerados os depósitos de assoreamento induzidos pela erosão acelerada. Estes materiais contem muito pouca quantidade de artefatos, sendo assim identificados por peculiaridades texturais e estruturais em seu perfil; e por último, os materiais “dradagos” 1 , que são materiais terrosos provenientes da dragagem de cursos d’água e comumente depositados em diques em cotas topográficas superiores a planície aluvial. Peloggia (1998) trabalhou com os depósitos tecnogênicos encontrados no município de São Paulo, e propôs o termo cobertura remobilizada para descrever as coberturas superficiais tecnogênicas onde há a presença de detritos e artefatos frequentemente encontrados em encostas de ocupação precária no município de São Paulo. Outro tipo de depósito trabalhado por este autor são os depósitos tecnogênicos induzidos que, conforme definido anteriormente, referem-se aos depósitos originados em decorrência de processos erosivos, nos quais os sedimentos são transportados de montante à jusante. Este processo instala-se devido, principalmente, ao tipo de uso do solo no qual os processos erosivos são acelerados. Como principal fator responsável, podemos citar o processo de expansão urbana e a construção de barragens, que com a intensificação dos processos erosivos, tem como consequência o assoreamento de redes hidrográficas, várzeas e terrenos baixos. 1 Dradagos - Peloggia, A.U.G. O homem e o ambiente geológico: geologia, sociedade e ocupação urbana no município de São Paulo. São Paulo: Xamã, 1998, p. 74. 23 Algumas situações de risco estão relacionadas a esse tipo de depósito, principalmente em caso de ocupação humana e de chuvas fortes. Em casos de escorregamentos em depósitos de bota-fora, segundo Peloggia (1998), o agente instabilizador nessas áreas está relacionado à percolação de água no interior destes depósitos, formando os lençóis suspensos entre as camadas de diferentes níveis de permeabilidade. Já nos depósitos de bota-fora de material dragado, a principal preocupação é em relação aos riscos envolvidos com os diques de contenção desses depósitos. Desta forma, todo depósito representa a forma de uso do solo e a relação que uma sociedade tem com o ambiente. Tanto no meio rural quanto no urbano podem-se citar diversos processos que influenciam na formação dos depósitos tecnogênicos. Práticas agrícolas inadequadas em relação à conservação do solo intensificam os processos de erosão, que se constitui no principal fator de liberação de sedimentos que se acumulam principalmente nos fundos de vales, processo atualmente desencadeado no médio Vale do Paraíba. Já no ambiente urbano, além da erosão, possui locais onde há a deposição de materiais, que se formam tanto pela ação direta do ser humano, como entulho e lixo, quanto pela ação indireta, no qual o material é levado e depositado pela ação das chuvas. Assim, através da alteração da cobertura vegetal e do manejo do solo, o homem responde pelo principal fator da produção de sedimentos de uma bacia, ou seja, responde pela formação de depósitos tecnogênicos. O estudo sobre depósitos tecnogênicos é, portanto, um campo que apresenta muitas possibilidades de análise, pois a ação do homem produz testemunhos com características variadas e em ambientes diversificados que podem gerar impactos ambientais, tais como: assoreamento em cursos d’água e contaminação dos solos e águas subterrâneas. Além disso, dependendo do material constituinte e das características do depósito, como porosidade e coesão, a ocupação humana em locais onde há depósitos tecnogênicos pode representar riscos para a população com escorregamentos e subsidência do terreno. Assim, a crescente necessidade de avaliar os impactos de um empreendimento justifica-se pela intensidade com que a ocupação do ambiente pelo homem está sendo realizada, principalmente no que diz respeito ao processo de urbanização. As intervenções antrópicas têm aumentado cada vez mais, possuindo efeito cumulativo, causando, desta forma, danos profundos ao ecossistema e a população. 24 O reconhecimento do homem como agente geológico através dos depósitos tecnogênicos, trás mudanças na forma de se conceber a geologia, onde novos conceitos estão surgindo, devido principalmente ao rompimento da visão que separava sociedade e natureza, e que, estando agora interligados, ajudam na compreensão da dinâmica da Terra. 3.2 Assoreamento de reservatórios Todos os reservatórios artificiais são susceptíveis ao processo de assoreamento, sendo responsáveis por gerar problemas com graves consequências hidráulicas e econômicas, levando muitos estudiosos a se preocuparem com os impactos do acúmulo de sedimentos. A construção de uma barragem cria uma barreira ao curso d’água, fazendo com que a velocidade do fluxo diminua e assim, o material em suspensão que era carreado, tende a se depositar, resultando no assoreamento do rio. Os sedimentos podem se acumular no compartimento do volume útil do reservatório, diminuindo assim a vida útil do mesmo. Esse acúmulo de sedimento pode alterar a vazão e a capacidade de produção de energia elétrica, o desgaste das turbinas por abrasão física causada pela areia, bem como custos elevados em procedimentos de dragagem próximo as tomadas d’água, acarretando, desta forma, em perdas financeiras para o empreendedor (Maia, 2006). O acúmulo de sedimentos tem consequências tanto a montante quanto a jusante da barragem. A montante produz-se o aumento do efeito de remanso, com elevação dos níveis de enchentes, devido ao depósito de sedimentos grossos na entrada do reservatório. A jusante, o problema se concentra na erosão das margens e dos leitos do canal de escoamento, devido ao desequilíbrio provocado pela retirada da carga natural de sedimentos que escoam (Maia, 2006). Assim, o monitoramento dos processos erosivos no local do empreendimento é de suma importância para a previsão das taxas de assoreamento do reservatório, devido à necessidade de determinação do tempo a partir do qual o assoreamento irá interferir na vida útil do mesmo. A deposição de sedimento no reservatório tem como origem principal a erosão superficial da bacia hidrográfica, a qual é influenciada por diversos fatores que interagem entre si, como por exemplo, o clima da região, o tipo de solo, a declividade do terreno e o uso do solo (Lepsh, 2002). 25 Os fatores do clima que favorecem o desencadeamento dos processos erosivos são a distribuição, a quantidade e a intensidade das chuvas. Na questão dos solos, alguns tipos são mais susceptíveis à erosão do que outros, de acordo com as características físicas e químicas, como textura, granulometria, permeabilidade, profundidade, teor de matéria orgânica e o pH. Outro fator importante é a declividade ou o grau de inclinação do terreno, que influencia na velocidade do escoamento superficial durante os eventos de chuva intensos, que são responsáveis por remover as partículas do solo (Lepsh, 2002). O último fator refere-se ao uso do solo, onde a porcentagem de cobertura vegetal indica a maior ou a menor suscetibilidade à erosão. Solos recobertos pela vegetação possuem maior resistência à erosão devido a infiltração da água no solo. Assim, os depósitos tecnogênicos formam-se no meio rural e urbano através do manejo do solo, sendo o processo de erosão apontado como um dos principais fatores responsáveis pela formação destes depósitos, principalmente pelo consequente acúmulo de sedimentos transportados para os fundos de vale. No caso do estudo sobre depósitos tecnogênicos e assoreamento em reservatóriosrealizado por Oliveira (1994), verifica-se que no Planalto Ocidental Paulista a presença de vales com fundos chatos pode indicar a presença de depósitos tecnogênicos que cobrem antigas várzeas, sendo que há a possibilidade de correlação destes depósitos a fontes de sedimentos, como as feições erosivas a montante das formações. Destaca-se, assim: “Como fontes muito produtivas de sedimentos, áreas submetidas a movimentos de terraplanagem que expõem, em cortes, aterros e bota- foras, materiais terrosos completamente desprotegidos e altamente vulneráveis à ação da erosão pluvial, como é o caso de loteamentos, de áreas preparadas para a implantação de conjuntos habitacionais, de jazidas de materiais para obras de terra, de minerações, de estradas, etc. Quando tais obras envolvem a rede de drenagem como, por exemplo, aterros de estradas, na travessia de cursos d’água, ou ensecadeiras de barragens, a produção de sedimentos corresponde ao próprio lançamento de solo dentro dos corpos d’água.” (Oliveira, 1994) No entanto, atualmente o problema de assoreamento de reservatórios é tratado, na maioria das vezes, com ações corretivas, não sendo vislumbradas as ações preventivas que poderiam minimizar os impactos negativos desse processo. 26 4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA Este capítulo apresenta uma breve descrição das características técnicas gerais da PCH de Queluz, bem como as características físicas do Médio Vale do Paraíba e seu histórico de uso e ocupação. 4.1 Características gerais da PCH Queluz A PCH Queluz situa-se no rio Paraíba do Sul e está localizada integralmente no estado de São Paulo, sendo o acesso feito pela Rodovia Presidente Dutra (BR-116). O responsável pelo empreendimento é a empresa Usina Paulista Queluz de Energia S.A e o processo de licenciamento até a operação da PCH durou em torno de 8 anos e foi comandada pela empresa Habtec Engenharia Sanitária e Ambiental Ltda. A PCH Queluz se distingue por ser uma usina de baixa queda munida com duas turbinas tipo Kaplan, com potência instalada de 30 MW. O reservatório, bem encaixado, cujo espelho d’água é de 1,26 km 2 ; possui profundidade média de 7,0 m e profundidade máxima de 17,70 m. Devido aos seus aspectos físicos, os reservatórios podem ser classificados como de “águas rasas” (shallow water). O limite a montante da PCH Queluz é definido pela barragem da PCH Lavrinhas, do mesmo construtor e também já em fase de operação. As PCHs Queluz e Lavrinhas foram projetadas para operar a fio d’água, sem deplecionamento de seu nível d’água, que será mantido constante na cota 484,50 m (ver anexo 1 – Arranjo geral 1). Uma PCH a fio d’água é construída quando as vazões de estiagem do rio são iguais ou maiores que a descarga necessária ao dimensionamento da potência a ser instalada para atender à demanda máxima prevista. Nesse caso, despreza-se o volume do reservatório criado pela barragem. O sistema de adução geralmente deve ser projetado para conduzir a descarga necessária para fornecer a potência que atenda à demanda máxima, assim o aproveitamento energético local é parcial e o vertedouro funciona na quase totalidade do tempo, extravasando o excesso de água. A barragem, com cerca de 550 m de comprimento, possui crista coroando na elevação 485,50 m. Seu eixo se desenvolve a partir da margem esquerda, na direção sudeste, até o ponto onde foram construídas as estruturas (conjunto vertedouro / tomada d’água / casa de força). Neste ponto, o barramento toma a direção norte-sul, até alcançar a margem direita. Esta configuração foi estabelecida de modo que o rio Entupido pudesse ser desviado para 27 desaguar a jusante da barragem (ver anexo 2 – Arranjo geral 2). A barragem é considerada relativamente baixa, pois tem a função apenas de desviar a água para o circuito de adução. Na maior parte da extensão da PCH, ou seja, ao longo de 420 m, a barragem é de concreto. Outras estruturas de concreto como o vertedouro e o conjunto tomada d’água /casa de força, possuem uma extensão de aproximadamente 33 m e estão situadas na margem direita do rio Paraíba do Sul (Habtec, 2004). Outro aspecto importante a ser destacado nos empreendimentos, é a construção de um dique de proteção, visando promover a mínima interferência do reservatório com a infra- estrutura ferroviária instalada na margem direita do rio Paraíba do Sul. Estas galerias que tem como objetivo captar as águas pluviais escoadas pela encosta situada na margem direita do reservatório. O curso desta água é dirigido para jusante da barragem através de um túnel, escavado em rocha, com 460 m de extensão. Destaca-se que a opção pela alternativa de construção do dique visou evitar a necessidade de relocação da referida linha férrea naquele trecho, o que traria conseqüências indesejáveis para o transporte de cargas no eixo Rio-São Paulo. Além disso, conforme a legislação ambiental foi construída uma escada de peixe projetada com o objetivo de minimizar a interferência do barramento com a ictiofauna do rio Paraíba do Sul. A escada de peixe na barragem também é objeto de avaliações mais específicas, como a verificação da possível interferência do fluxo das vazões de engolimento das turbinas na dispersão de peixes pelo reservatório. Para suprir a demanda de material para a construção, foram definidas algumas áreas de empréstimo, como os afloramentos rochosos no leito e nas margens do rio Paraíba do Sul, além da pedreira atualmente desativada localizada a montante do PCH Queluz distante cerca de 5 km. Esta pedreira foi explorada na época da construção da ferrovia, apresentando ainda grande volume de rocha para fornecimento de material pétreo. No entanto, quanto aos depósitos de areia que ocorrem na área, estes não apresentam volumes expressivos para suprirem as necessidades do empreendimento. Assim, foram encontrados na região de Cruzeiro, volumes expressivos de aluvião relativos à bacia sedimentar de Taubaté, onde foram levantados locais com possibilidade de se instalar areais. Quanto à exploração de saibro, tiveram alguns locais de exploração para aterro próximo à via Dutra, estes locais forneceram quantidade suficiente para as necessidades do empreendimento. 28 4.2 Diagnóstico Ambiental 4.2.1 Geologia No que diz respeito à geologia local, segundo Riccomini (1989), a área das PCHs situa-se no contexto do Rift Continental do Sudeste do Brasil, feição tectônica anteriormente denominada de Sistema de Rifts da Serra do Mar (Almeida, 1976). É uma área formada por rochas ígneas e metamórficas de idade pré-cambriana e cambro-ordoviciana e por sedimentos de idades paleógenas a quaternárias, que integram a região dos grandes falhamentos de direção NE, originados desde idades proterozóicas (entre 2.500 M.a. e 600 M.a., aproximadamente). Este vale corresponde a um grande gráben de direção ENE-WSW, entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, formado no Paleógeno durante uma fase tectônica distensiva relacionada a movimentos isostáticos provocados pelo acúmulo de sedimentos na bacia de Santos. A área de estudo situa-se no denominado alto estrutural de Queluz (Melo et al., 1983) ou zona de acomodação de Queluz (Zalán & Oliveira, 2005), que separa as bacias de Taubaté e de Resende (figuras 4 e 5). Figura 4: Perfil morfo-estrutural interpretado do Rifte do Paraíba do Sul (Gráben de Taubaté) e do Rifte Litorâneo (Sub-Gráben de Paraty). (Fonte: Zalán & Oliveira, 2005). 29 Figura 5: Visão 3D (O para E) da Zona de Acomodação de Queluz (Rifte do Paraíba do Sul). (Fonte: Zalán & Oliveira, 2005). Na região de implantação do empreendimento, afloram rochas do embasamento pré- cambriano, compostas geralmente por milonitos-gnaisses, blastomilonitos, milonitos, gnaisses bandados, gnaisses graníticos, xistos quartzitos, anfibolitos, granitos, pegmatitos, aplitos e migmatitos (Riccomini, 1989). As unidades basaisarqueanas compostas pelos migmatitos do Complexo Juiz de Fora e pelos gnaisses do Complexo Mantiqueira possuem pouca representatividade nessa área. Observa-se o predomínio das rochas cristalinas proterozóicas do Complexo Embu composto por migmatitos heterogêneos de estruturas variadas e homogêneas (IPT, 1981). Na porção sudeste da área, localizada no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com os trabalhos realizados pelo CPRM (2000), o Complexo Embu é representado por xistos e gnaisses, localmente grafitoso, com bolsões e veios de leucogranitos e intercalações de anfibolito, calciossilicática e gondito. 4.2.2 Geomorfologia A PCH Queluz situa-se nos domínios da unidade geomorfológica denominada de Médio Vale do Rio Paraíba do Sul, que corresponde a um gráben, caracterizando-se por ser PCH Queluz PCH Queluz PCH Lavrinhas 30 uma área deprimida e alongada. O relevo do Vale do Paraíba é dominado por uma morfologia de morros e colinas onduladas, côncavo-convexas, esculpidas sobre rochas do embasamento cristalino, denominada de mamemolar por Ab’Saber (1958) e reconhecida na literatura por “mar-de-morros”, sendo considerada uma paisagem típica dos trópicos úmidos (figura 6). Figura 6: Vista a montante da PCH Lavrinhas, com a paisagem de mar de morros. (Fonte: Habtec, 2007). Além disso, a PCH Queluz está localizada sobre a Faixa de Dobramentos Remobilizados do Sudeste Brasileiro, caracterizada pela presença de grandes falhas e deslocamentos de blocos, com nítido controle estrutural sobre a morfologia atual (Habtec, 2007). Este controle estrutural pode ser evidenciado pela observação das extensas linhas de falha, escarpas de grandes dimensões e relevos alinhados. Em linhas gerais, os afloramentos observáveis ao longo da Rodovia Presidente Dutra exibem registros de fases distintas de sedimentação fluvial, que ocorreram no Neógeno e de sedimentação de encosta (movimentos de massa, solifluxão, etc), durante o Quaternário (Mello, 2002). 4.2.3 Solos Quanto aos solos, os dominantes no Vale do Paraíba são os Latossolos e, secundariamente, os Cambissolos nos compatimentos de morros sob declives mais acentuados, bem como os Gleissolos nos compatimentos dos fundos dos vales e em zonas deprimidas do terreno. A região do reservatório de Queluz está margeada por colinas 31 convexas, onde desenvolveram os Latossolos Vermelho- Amarelos. Próximo à calha do rio Paraíba do Sul estão disseminados conjuntos sedimentares que variam entre afloramentos rochosos, solos residuais e coluvionares. De acordo com os estudos realizados pela Habtec (2004), os morros, no entorno da PCH Queluz, atingem cotas de até 590 m (115 m acima do nível do rio). Além disso, observa- se pouca espessura de solos, com valores máximos de cerca de 2 m nas cotas mais baixas, com tendência a aumentar para as cotas mais altas, onde podem ser observados ravinamentos profundos, na margem direita, nas ombreiras e na área do reservatório. 4.2.4 Clima O comportamento climático verificado na região do médio vale do Paraíba é reflexo da dinâmica da circulação atmosférica regional associada à direção geral do relevo NE-SW. A localização desta região na borda oriental do continente Sul-americano e o seu posicionamento nos trópicos fazem com que permaneça, na maior parte do ano sob o domínio da Massa Tropical Atlântica (mTa), proporcionando elevadas temperaturas e umidade, com chuvas bem distribuídas durante o ano, e favorecendo a penetração das correntes perturbadas do Sul (Nimer, 1979). Os meses de verão apresentam maior facilidade de penetração das massas de ar provenientes do Sul devido à atração exercida pela baixa pressão que, associada à elevada umidade relacionada à ação da mTa, promovem a ocorrência de fortes chuvas frontais. Já nos meses de inverno observa-se uma redução generalizada dos índices pluviométricos, caracterizando o típico regime de clima tropical. Deste modo, a precipitação apresentada no verão reflete a dinâmica das frentes polares sobre a região, a qual constitui um dos principais fatores condicionantes da variabilidade das precipitações no médio vale do rio Paraíba do Sul. De acordo com os estudos realizados pela Habtec (2007), a região do médio vale do Paraíba, apresenta temperatura média anual em torno de 20ºC, variando com máximas de 35ºC no verão e mínimas de 5ºC no inverno. Com relação à pluviosidade, há duas estações marcantes: uma seca, nos meses entre abril e setembro, que caracterizam o inverno; e uma chuvosa, no verão, entre os meses de outubro a março, caracterizando o regime de clima tropical e como tipo climático Aw de 32 Köppen. Além disso, a pluviosidade média anual está em torno de 1.500mm, nas regiões mais rebaixadas. Ainda segundo a Habtec (2007), de acordo com os anos amostrados no período entre 1963 a 1988, os totais de pluviosidade nos meses da estação seca são bastante inferiores aos da estação chuvosa, correspondendo em média a 21% dos totais anuais. A variação pluviométrica mensal dos 26 anos analisados também demonstra que os meses de dezembro, janeiro e fevereiro apresentam, dentro da estação chuvosa, as maiores médias mensais, enquanto que junho, julho e agosto, apresentam as menores médias mensais, dentro da estação seca. 4.2.5 Hidrografia Quanto à bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul (figura 7), este tem sua origem no estado de São Paulo, na Serra da Bocaina e termina em seu delta no estado do Rio de Janeiro. A 1800 metros de altitude, no Planalto da Bocaina, nasce o rio Paraitinga, que quando entra em confluência com o rio Paraibuna, forma o rio Paraíba do Sul, sendo este trecho denominado de Alto Vale do Paraíba do Sul, que apresenta regime torrencial devido a sua alta declividade. O Médio Vale Superior apresenta um traçado sinuoso com 300 km de extensão e compreende toda a área drenada pelo Paraíba do Sul, ainda no estado de São Paulo, entre Guararema e Cachoeira Paulista, e a rápida descida do planalto é caracterizada por inúmeras corredeiras, depois da confluência. Destaca-se a presença de vários meandros mortos, refletindo o trabalho fluvial sobre os terrenos sedimentares de origem terciária. O Médio Vale Inferior possui altitude média de 400 metros (Amador, 1975) e comprimento de 430 km, partindo do município de Cachoeira Paulista até São Fidélis, passando por Queluz, área de estudo deste trabalho. O Baixo Vale se desenvolve de São Fidélis até a foz, atravessando a região denominada planície dos Goytacazes, que abrange toda a planície litorânea desde a orla da lagoa Feia até a divisa dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Neste trecho há pouca declividade e vários sistemas lênticos (Ab'saber & Bernardes, 1958). O curso do rio Paraíba do Sul, desde seu delta até a Bacia de Resende, caracteriza-se por ser um vale de forma retilínea, paralelo à direção NE-SW. A partir de Resende, o vale 33 toma uma configuração distinta com o vale mais alargado e alguns trechos meandrantes. Essa forma mais alargada segue até as bacias de Taubaté e Tremembé, já no médio vale do rio Paraíba (Mello, 2002). Figura 7: Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul. (Fonte: http://www.comiteps.sp.gov.br/a_bacia.html). 4.2.6 Histórico de Uso e Ocupação do Médio Vale do Paraíba A bacia do rio Paraíba do Sul abrange uma das mais desenvolvidas áreas industriais do país e reflete, hoje, o processo histórico de ocupação da região Sudeste, caracterizado pela descontinuidade dos ciclos econômicos, pelos desníveis socioeconômicos regionais e pela degradação ambiental. A degradação ambiental da região esta relacionada principalmente, ao lançamento de efluentes domésticos e industriais sem tratamento adequado, a presença de lixões, ao 34 desmatamento e erosão do solo, ao uso indevido e não controlado de agrotóxicos, entre outros. O processo de ocupaçãohumana no médio vale do rio Paraíba do Sul foi condicionado principalmente pelo meio físico e possui íntima relação com o ciclo do café. Antes do advento do café na região, existiam apenas algumas vilas e povoados que interligavam as cidades mineiras produtoras de ouro ao Rio de Janeiro. Com a decadência do ciclo do ouro, a partir do final do século XVIII, essas vilas desenvolveram-se extraordinariamente na produção de café que atingiu o auge por volta de 1850, tornando-se o eixo da economia brasileira (Dantas, 1996). Em pouco tempo, houve o empobrecimento do solo da região devido à exploração intensiva e desordenada da terra, tendo um significativo decréscimo no final do século XIX, com sérias consequências para a economia regional. Uma das grandes causas para o empobrecimento do solo foram as técnicas de cultivo, que com o alinhamento vertical dos cafezais contribuiu para o carreamento de sedimentos em direção ao fundo dos vales, inclusive dos solos férteis, herança da Mata Atlântica (Dantas, 1993). O ciclo do café destruiu a maior parte da Mata Atlântica do Médio Vale do rio Paraíba do Sul, em um curto espaço de tempo, sendo preservadas apenas as áreas mais altas. Este fator aliado ao fim do tráfico negreiro, principal mão-de-obra, levou a economia cafeeira da região à decadência, levando diversas fazendas a falência. Além dos problemas geomorfológicos, após alguns anos a dinâmica do clima da região também começou a se alterar, com invernos secos durando de 8 a 9 meses e com apenas 3 ou 4 meses de verões chuvosos. Soma-se a isso o aumento dos eventos críticos, como as chuvas extremas capazes de desencadear diversos processos erosivos, agravando o cenário da região. Assim, segundo Dantas (1996), em um período de 30 a 40 anos, o café mudou irreversivelmente um regime hidrológico típico de uma floresta tropical pluvial para o de uma savana. Após o fim da economia cafeeira, houve a posterior ocupação destas áreas por pastoreio extensivo (de corte e de leite), com o plantio da baquiária como forrageira para alimentar esse gado, por antigos mineiros em busca dos baixos preços das terras, visto que os solos tornaram-se impraticáveis para a agricultura. 35 Desta forma, tanto o café quanto a pecuária, foram os principais fatores responsáveis pelo estado de degradação em que se encontram os solos hoje no vale do Paraíba, marcado principalmente, pela erosão nas vertentes e entulhamento dos fundos dos vales. Já no século XX, a transformação do espaço ocorreu de forma diversificada, onde a atuação humana passou a abranger outras atividades como a retilinização de rios para o aproveitamento agrícola e para expansão das cidades; a contínua extração de areia nas margens de rios, e nos últimos anos, a construção de barragens, caracterizando o uso atual com uma diversidade entre as atividades rural, urbano e industrial, além das matas preservadas e das Unidades de Conservação. Além disso, nos últimos 20 anos, a região do Médio Vale do Paraíba tem se caracterizado, em alguns lugares, pelas florestas plantadas de eucaliptos e pinus (figura 8). Tal cultura contribui para a degradação dos solos da região, devido a sua capacidade de impedir que outras plantas se instalem e se desenvolvam a sua volta, além da exigência acentuada de água, secando, ao longo do tempo o ambiente a sua volta. Figura 8: Silvicultura de Pinnus, na área entre a barragem da PCH Lavrinhas e o lago da PCH Queluz. (Fonte: Habtec, 2007) Atualmente, na área do entorno da PCH Queluz verifica-se a ocupação por plantação de eucalipto, por pastagens, onde destaca-se a criação de gado, e algumas matas preservadas (figura 9). 36 Figura 9: Vista geral da paisagem local dominante, mar de morros, com pastagens e plantação de eucalipto. (Fonte: Habtec, 2007). Ao mesmo tempo, o setor secundário é bastante expressivo nos municípios próximos, apresentando um parque industrial diversificado, partindo desde as indústrias metalúrgicas, seguidas das alimentícias e de celulose, até as de mineração de quartzo. 5. MATERIAL E MÉTODO A metodologia deste trabalho consistiu primeiramente no levantamento bibliográfico para dar embasamento à discussão teórica no que tange a origem dos depósitos tecnogênicos; na análise das imagens do Google Earth para a observação dos usos do solo; e na utilização de mapas e dos estudos realizados para implementação da PCH Queluz, como o Relatório Ambiental Preliminar e o Plano de Gestão Ambiental, além dos relatórios do Programa de Monitoramento de Processos Erosivos, do Programa de Monitoramento do Lençol Freático e Áreas Instáveis e do Programa de Recuperação de Áreas Degradadas, realizados pela Habtec Engenharia Sanitária e Ambiental Ltda., e disponibilizado pela Usina Paulista Queluz de Energia S.A. Essa primeira etapa serviu como embasamento para analisar as formas de uso do solo passadas e atuais com seus respectivos impactos ambientais, além de relacionar as transformações ambientais e a formação dos depósitos tecnogênicos com os acontecimentos sociais e econômicos da região. 37 Após essa etapa inicial, foi realizado um trabalho de campo na PCH Queluz e na PCH Lavrinhas, no dia 1 de fevereiro de 2012, onde foi percorrido o trajeto das PCHs de carro, utilizando-se um GPS e uma máquina fotográfica a fim de coletar evidências dos processos erosivos identificados na área, assim como sua localização através de coordenadas UTM. Desta forma, as observações de campo tiveram como finalidade a realização do reconhecimento da área de estudo, analisando os processos naturais e antrópicos que atuaram e atuam na paisagem, analisando os depósitos tecnogênicos induzidos antes e após a construção das barragens. Vale ressaltar que a ênfase neste trabalho será dirigida a PCH de Queluz, visto que as informações necessárias foram colhidas através dos relatórios e do trabalho de campo, enquanto que a PCH de Lavrinhas ficará restrita as informações obtidas no trabalho de campo, o que impossibilita uma maior discussão sobre o caso desta barragem, servindo apenas para comparação do atual estágio dos depósitos tecnogênicos induzidos entre as duas hidrelétricas. Na etapa final, foi produzido um mapa no intuito de identificar e espacializar as áreas que sofrem com os processos erosivos e com assoreamento, indicando com isso as áreas atingidas por ravinas, solapamento das margens e pontos de assoreamento da PCH Queluz. 6. RESULTADOS Este capítulo apresenta, primeiramente, o histórico dos processos erosivos monitorados pela Habtec Engenharia Sanitária e Ambiental Ltda. durante a implementação do Plano de Gestão Ambiental (PGA) no período entre setembro de 2009 e junho de 2010, e dividido em cinco relatórios distintos realizados por mim e uma equipe técnica de meio físico. A segunda parte deste capítulo apresenta os resultados obtidos durante o trabalho de campo, realizado no dia 1 de fevereiro de 2012, separando qualitativamente as feições erosivas e os depósitos tecnogênicos associados, em cada um dos reservatórios. Ao final, foi gerado um mapa com os processos erosivos e depósitos tecnogênicos induzidos em toda área da PCH Queluz (Anexo 3). 6.1 Aspectos erosivos antes e durante a implantação da PCH Queluz 38 Os processos erosivos foram caracterizados pelas condições ambientais do local e pelas intervenções das obras que influenciam o sistema natural de drenagem; e buscaram determinar e classificar, de acordo com o grau de suscetibilidade, as áreas mais susceptíveis a erosão e aos movimentos de massa, tanto na área de execução das obras (canteiro de obras, vias de acesso, caminhos de serviço, dentre outras), quanto na área de entorno do reservatório (Habtec, 2010). A figura 10 apresenta um organograma onde é demonstrado como a construção de uma barragem influencia na dinâmica hidrológica do rio, gerandoimpactos ambientais e culminando com o assoreamento do rio Paraíba do Sul. Figura 10: Organograma de impactos ambientais relacionados a construção da barragem. No decorrer do monitoramento, foram coletadas amostras superficiais e sub- superficiais na área de entorno do reservatório, para uma melhor caracterização dos solos da região, e após a determinação e classificação dos processos erosivos, foram propostas medidas a serem tomadas para mitigar a atuação desses processos, juntamente com o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD). As obras de mitigação dos processos erosivos foram iniciadas a partir do terceiro relatório e após o período de chuvas intensas. Dentre elas estão as práticas conservacionistas, que fazem parte da tecnologia moderna e permitem controlar a erosão reduzindo-a, ainda que 39 não eliminem completamente. Segundo Lepsh (2002) essas práticas podem ser classificadas como de caráter edáfico, mecânico e vegetativo. Os diferentes tipos de medidas foram propostas durante a execução do programa de acordo com as características de cada feição. Nesse sentido, para monitorar as voçorocas, foram propostas a colocação de estacas no solo, afastadas uma das outras cerca de 20 m, com afastamento de pelo menos 10 m das bordas da voçoroca. A cada período relacionado às chuvas, dever-se-ia retornar ao local para realizar novas medições. Já nas áreas de instabilidade dos taludes foi proposta a conformação, onde seria recuperado o solo através da utilização de maquinário para corrigir topograficamente o relevo, diminuindo as declividades mais acentuadas, associadas à construção de canais e patamares em curvas de nível que servem para interceptar o fluxo superficial e facilitar a infiltração. Além disso, também foi proposta a construção de sistemas de drenagens dos taludes, com degraus de dissipação, no intuito de reduzir o fluxo para dentro do mesmo, estabilizando o material mais friável. Associada a conformação de taludes, esta as técnicas de bioengenharia, como a biomanta, que consiste na aplicação de telas biodegradáveis que permitem o restabelecimento da vegetação, proteção dos solos e fornece matéria orgânica e nutriente através de sua decomposição, sendo tais nutrientes incorporados ao solo. Em locais onde os taludes serão recuperados após as obras, foi proposta a adoção de medidas temporárias para a manutenção das áreas, como a proteção através da técnica do mulching que é a cobertura do solo por geotêxteis (geomembranas). Na área do canteiro de obras e da estrada que foi construída paralelamente ao Rio Paraíba do Sul e a ferrovia, deveriam ser construídas obras de arte (bueiros, canais ou galerias pluviais), que contribuíssem para o escoamento superficial. Juntamente, foi proposto o terraceamento, que constituem barreiras ao fluxo de enxurradas, a fim de reduzir os riscos de erosão hídrica, protegendo a represa. Outras medidas propostas foram a recomposição da cobertura vegetal e recuperação paisagística, visto que favorece o aporte de matéria orgânica para o solo diminuindo o fluxo concentrado em eventos de chuva extrema. Esse processo de recuperação paisagística está associado aos critérios de correção de acidez e da fertilidade do solo, descompactação do solo e terraceamento. 40 Dentre as feições erosivas destacadas nos relatórios de acompanhamento, está o solapamento das margens, erosão laminar, ravinas, voçorocas e solo exposto, divididas entre a área de execução das obras e a área do entorno do reservatório (figuras 11, 12 e 13). Figura 11: Solapamento da margem esquerda do reservatório da PCH Queluz. Figura 12: Sulcamento e erosão laminar de talude artificial, e o início da recuperação com gramíneas. (Fonte: Habtec, 2008). 41 Figura 13: Formação de ravina em talude artificial. (Fonte: Habtec, 2010). Pode ser observado ao longo da implementação da PCH Queluz, um aumento do número de feições erosivas devido à ação das chuvas sobre áreas cuja cobertura vegetal e o solo foram removidos durante a execução da obra. Já no período final da obra, houve a diminuição do numero de feições erosivas, devido às obras de contenção e a construção do dique (figuras 14 e 15). Figura 14: Construção da galeria pluvial localizada próxima à área de diques da PCH Queluz. (Fonte: Habtec, 2008). 42 Figura 15: Construção do dique com uma maior proteção da margem. (Fonte: Habtec, 2010). 6.2 Feições erosivas e depósitos tecnogênicos no entorno dos reservatórios 6.2.1 PCH Queluz Durante a realização do trabalho de campo foram observadas feições erosivas e alguns depósitos tecnogênicos associados, intimamente ligados ao uso e ocupação do solo no entorno da PCH Queluz (Anexo 3). A intervenção física da obra é a principal responsável pelos processos erosivos ao longo da PCH Queluz. Dentre elas podemos citar a compactação do solo pelo maquinário, que dificulta a infiltração da água favorecendo a erosão laminar; a retirada da cobertura superficial do solo (horizonte O, horizonte A e horizonte B), que em épocas chuvosas favorece o aparecimento de feições erosivas, como sulcos e ravinas, e mais avançadas como voçorocas; e através de alguns cortes de talude, que deixam o solo desnudo e expõe o saprólito (horizonte C), caracterizado por ser uma rocha decomposta e alterada pelo intemperismo químico, constituindo assim um material altamente friável e suscetível à ação das intempéries. Todas essas intervenções associadas à retirada da vegetação contribuem para o colapso dos morros e barrancos devido ao aumento do escoamento superficial, principalmente em épocas chuvosas. Além das atividades da obra terem iniciado alguns processos erosivos, também foram responsáveis por acelerar outros já existentes, encadeadas pelo histórico de uso do solo na região, desde a exploração do café, pastagens e eucalipto até as obras da ferrovia. 43 Dentre as feições erosivas observadas, destaca-se principalmente o solapamento das margens, que contribui de forma imediata para o assoreamento do rio, diminuindo assim a vida útil do reservatório (figura 16). Figura 16: Solapamento da margem esquerda do reservatório da PCH Queluz. Há ainda na antiga área de bota-fora, que durante a implantação do programa caracterizava-se por possuir ravinas e voçorocas e hoje está sendo reflorestada, apresentando apenas alguns sulcos e ravinas (figura 17). Figura 17: Sulcos e ravinas reflorestadas a jusante da PCH Queluz. 44 Além disso, com a formação do reservatório, houve a reativação de algumas ravinas nas margens do rio Paraíba do Sul, que já estavam estabilizadas com vegetação no meio, levando essas margens ao solapamento (figura 18). Figura 18: Reativação de algumas ravinas devido a subida do reservatório. Foram registrados ao redor do reservatório de Queluz, alguns depósitos tecnogênicos formados durante e após a implantação do empreendimento. Na figura 19 observa-se depósito tecnogênico desenvolvido no reservatório decorrente da construção do dique lateral que isolou a linha ferroviária. 45 Figura 19 a, b, c, d: Depósitos tecnogênicos formados pela escavação do dique (a), movimentações de terra na margem do reservatório (b, c). O principal processo erosivo vigente nas margens do reservatório de Queluz, os solapamentos (d), também contribuem significativamente para o assoreamento do reservatório. Alguns passivos ambientais já se encontravam antes da implementação da PCH Queluz, devido à construção da ferrovia que se encontra ao lado direito do rio Paraíba do Sul. Dentre eles está uma antiga área de bota-fora da ferrovia, com solo exposto, que carregava o material direto para o rio. Foi realizada uma barreira de contenção para evitar este carreamento durante asobras da PCH, mesmo assim, em eventos de chuva forte, os sedimentos ainda são carreados, só que em menor quantidade para a galeria, e consequentemente para o rio (figura 20). (a) (b) (c) (d) 46 Figura 20: Antiga área de bota-fora da ferrovia com solo exposto (a) e voçoroca remanescente das obras da ferrovia, em processo de recuperação (b). 6.2.2 Pequena Central Hidrelétrica Lavrinhas Na PCH Lavrinhas o problema se concentra nas galerias e nas grandes áreas íngremes desmatadas, com sulcos e ravinas, e algumas voçorocas em estágio inicial (figura 21). Essas áreas desmatadas, em épocas de chuva, carregam o sedimento para as galerias, quatro no total, que vão parar no rio, contribuindo assim para o assoreamento da barragem (figura 22). Caso essas feições não sejam recuperadas, a médio e longo prazo podem se desenvolver para grandes voçorocas e se tornar um problema, visto que o acúmulo de sedimentos no fundo do rio e do reservatório diminui a vida útil da barragem. (a) (b) 47 Figura 21: Grande área desmatada com sulcos e ravinas. Figura 22: Talude exposto e sedimentos sendo carreados para a galeria. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, na abordagem do Tecnógeno, o homem pode ser considerado um agente geológico-geomorfológico devido à capacidade de produção de testemunhos, comparada à ação dos agentes naturais no tempo geológico. Entretanto, devido ao seu tempo curto de ação, as transformações na paisagem causam consequências negativas ao ambiente. As pesquisas nesta área unem, portanto, não só os conhecimentos dos aspectos físicos do local estudado, mas também as informações sobre a sociedade que ocupa e utiliza um determinado espaço ao longo do tempo. Estas transformações, devido ao histórico 48 de uso e ocupação na região do médio Vale do Paraíba levam a degradação do solo e ao aparecimento de feições erosivas que culminam com a formação dos depósitos tecnogênicos no rio Paraíba do Sul. Dentre as duas PCHs, o maior problema se concentra na PCH Queluz, visto que foram identificados muitos solapamentos nas margens, que são de difícil acesso, logo de difícil recuperação. Já na PCH Lavrinhas, o problema se concentra nas grandes áreas íngremes com sulcos e ravinas, que apesar da maior facilidade em recuperá-las, estão sujeitos ao desbarrancamento, obliterando as galerias e assoreando o rio. Foram observados no reservatório de Queluz diversos depósitos tecnogênicos induzidos pela ação humana, alguns visíveis nas margens e no centro do reservatório de Queluz, outros ocultos sob as águas do reservatório. As feições erosivas, tanto na PCH Queluz quanto na PCH Lavrinhas, já estão e devem continuar a ser recuperadas, através principalmente do restabelecimento da vegetação nas encostas e nas margens do rio Paraíba do Sul, de forma a não prejudicar a vida útil do reservatório, trazendo prejuízos econômicos para as empresas responsáveis. 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ab’Saber, A; Bernardes, N. Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Arredores de São Paulo. Guia de Excursão n.4. XVIII. Congresso Internacional de Geografia. Ed. Conselho Nacional de Geografia, RJ. 304p. 1958. Almeida, F.F.M. de. Origem e evolução da plataforma brasileira. Rio de Janeiro, DNPM/DGM, p. 1-36. (Boletim 241) 1967. Almeida, F.F.M. de. The system of continental rifts bordering the Santos Basin. An. 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