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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES MANDALAS ou O CIRCULO MÁGICO UMA ABORDAGEM EM CONTEXTO EDUCATIVO Maria Daniela Pereira de Sousa MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2012 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES MANDALAS ou O CIRCULO MÁGICO UMA ABORDAGEM EM CONTEXTO EDUCATIVO Maria Daniela Pereira de Sousa MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA Dissertação orientada pelo Professor Doutor João Manuel Gouveia de Almeida Peneda 2012 i RESUMO O presente trabalho de investigação teve lugar numa escola pública, inserida em território educativo de intervenção prioritária (TEIP), com alunos do 2º ciclo do ensino básico. Tendo como ponto de partida os objetivos preconizados para a Educação Artística e os conteúdos programáticos da disciplina de Educação Visual e Tecnológica, pretendeu-se explorar alguns desses conteúdos através de atividades que envolveram o desenho, a pintura e a construção de Mandalas. O estudo decorre em várias etapas, culminando no desenvolvimento da Unidade de Trabalho- «Do ponto à linha da linha à mandala». O objetivo principal foi apurar a recetividade dos envolvidos na conceção das mandalas e o modo como os conteúdos programáticos se refletem no seu desenvolvimento. Este estudo evoluiu em duas vertentes principais: - Revisão da literatura e seleção de informação acerca de modelos e métodos utilizados por outros educadores e psicopedagogos, nomeadamente na área da arte terapia. - Planificação, realização e observação das atividades com os alunos em contexto de sala de aula, culminando na execução das mandalas e numa exposição coletiva dos trabalhos no final do ano letivo. A natureza prática deste trabalho enquadra-se no âmbito da investigação participativa, definida como um processo integrador que combina três atividades: a investigação, a educação e a ação. Sendo uma investigação-ação, em que a dimensão interpretativa é predominante, os dados recolhidos são maioritariamente qualitativos. O estudo permitiu concluir que as atividades com mandalas facilitam a apreensão dos conteúdos da disciplina, podem ser apresentadas como recurso didático, podem ser trabalhadas em unidades temáticas do agrado dos alunos e professores e reforçam o caráter prático da disciplina. PALAVRAS-CHAVE: Educação Artística; Educação Visual e Tecnológica; Círculo, Mandala; Perspetivas terapêuticas da arte. ii ABSTRACT This research work took place in a public school, set in territory educational priority intervention (TEIP) with students of the 2nd cycle of basic education. Taking as its starting point the objectives envisaged for Arts Education and the syllabus content of Visual and Technological Education, was intended to explore some content through activities involving drawing, painting and constructing Mandalas. The study takes place in several stages, culminating in the development of the Unit of Work-"From the point of the line to line mandala”. The main objective was to determine the receptivity of those involved in the design of mandalas and how the syllabus is reflected in its development. This study evolved in two main areas: - Literature review and selection of information about models and methods used by other educators and psychologists, particularly in the field of art therapy. - Planning, implementation and monitoring of activities with students in the context of the classroom, culminating in the execution of mandalas and a group exhibition of work at the end of the school year. The practical nature of this work falls within the scope of participatory research, defined as an integrative process that combines three activities: research, education and action. Being a research-action, in which the interpretative dimension is predominant, the collected data are mostly qualitative. The study concluded that the activities with mandalas greatly facilitate the understanding of the course content can be presented as a teaching resource, can be worked into thematic units to the liking of students and teachers and reinforce the practical nature of the discipline. KEYWORDS: Art Education; Visual and Technological Education; Circle; Mandala, Prospects therapeutic art. iii AGRADECIMENTOS A todos aqueles que infatigavelmente prestaram o seu apoio para que este projeto fosse possível. Aos alunos e colegas de Educação Visual e Tecnológica pela sua colaboração Ao meu par pedagógico, Margarida Serra Ao Manuel, companheiro de jornada, pela sua paciência Ao meu orientador, Professor Doutor João Peneda pela sua orientação e disponibilidade Aos meus Pais, com um carinho especial. Tira de Moebius I- Mauritus Cornelis Escher (1898-1972) iv ÍNDICE RESUMO E PALAVRAS CHAVE ............................................................................. i ABSTRACT AND KEYWORDS ................................................................................ ii AGRADECIMENTOS ................................................................................................. iii ÍNDICE ............................................................................................................... iv ÍNDICE DE FIGURAS ................................................................................................ vi ÍNDICE DE ACRÓNIMOS ......................................................................................... viii 1.INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1 1.1- Justificação e relevância temática .................................................................... 1 1.2- Objetivos da investigação ................................................................................. 2 1.3- Estrutura e metodologia de investigação .......................................................... 3 2. QUADRO TEÓRICO ............................................................................................. 4 2.1 - Considerações gerais sobre a Educação artística e a disciplina de Educação Visual e tecnológica no 2º ciclo do Ensino Básico ..................... 4 2.2 - O grafismo infantil como expressão das vivências no 2º ciclo do ensino básico ....................................................................................................... 11 2.2.1- Sobre a aprendizagem e o processo cognitivo ..................................... 11 2.2.2- Sobre desenvolvimento da criança e a expressão gráfica .................... 16 2.3 - O Círculo mágico ............................................................................................ 23 2.3.1- Introdução ............................................................................................ 23 2.3.2- As mandalas no Oriente ....................................................................... 27 2.3.3- As mandalas na cultura ocidental......................................................... 34 2.3.4- As mandalas na Psicologia Analítica de Carl Jung .............................. 42 2.3.5-O desenho e construção de mandalas em Arte-terapia ......................... 48 2.3.6- Bases para a interpretação do desenho de mandalas ............................ 55 2.3.7-As mandalas ou o círculo mágico no contexto escolar ......................... 56 3. METODOLOGIA ................................................................................................... 64 3.1 - Introdução ........................................................................................................ 64 3.2 - Caracterização do contexto educativo onde incide a pesquisa ........................ 69 3.2.1- Enquadramentodas atividades no currículo escolar da escola EBI/JI do Monte de Caparica e na disciplina de Educação Visual e Tecnológica .......................................................................... 72 v 3.2.2- Participantes/amostra ........................................................................... 78 3.2.3- Caraterização das turmas envolvidas no estudo ................................... 78 3.3 – Descrição das atividades com mandalas ......................................................... 81 4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ................................... 136 4.1- Apresentação, análise e interpretação dos dados .............................................. 136 4.1.1- Apresentação e análise dos dados, reflexões resultantes dos questionários aplicados aos alunos ..................................................... 138 4.1.2- Apresentação e análise dos dados, reflexões resultantes dos questionários aplicados aos professores ............................................. 145 4.1.3 - Apresentação e análise dos dados, reflexões sobre as evoluções gráficas e plásticas dos desenhos de expressão .................................. 147 5. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 156 5.1 – Limitações do estudo .................................................................................... 160 6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 161 ANEXOS Anexo 1 – Simbologia das bases numéricas Anexo 2 – Simbologia das imagens Anexo 3- Simbologia da cor Anexo 4- Planificação anual da disciplina de EVT Anexo 5- Planificação da Unidade de Trabalho (UT5): do ponto à linha da linha à mandala (turma 5ºB, 5ºD, 6ºB, 6ºC) Anexo 6 – Critérios de avaliação do Ensino Regular e do Percurso Curricular Alternativo Anexo 7- Questionários (nº1, nº2, professores de EVT) Anexo 8- Planos de aula Anexo 9 – Grelhas de avaliação Anexo 10-Grelha de auto avaliação Anexo 11- Grelha de avaliação por Unidade de Trabalho Anexo 12- resultados do inquérito por questionário nº1 Anexo 13- Resultados do inquérito por questionário nº2 Anexo 14 – Resultados do inquérito por questionário nº3 vi ÍNDICE DE FIGURAS Fig.1 – Programa de Educação Visual e Tecnológica (adaptado pelo autor do programa de EVT, vol.II,1991) ............................................................................................................. 9 Fig.2 - Swastik Yantra ........................................................................................................... 26 Fig.3- Mandala Yantra ........................................................................................................... 26 Fig.4- Jogo de mandalas tradicionais tibetanas ..................................................................... 29 Fig.5- Mandala de Kalachakra pintada em tecido ................................................................. 29 Fig.6- Pirâmide e planta budista de Borobudur ..................................................................... 30 Fig.7 - Monges budistas a construir uma mandala de areia .................................................. 31 Fig.8- Estrela de Lakshmi ...................................................................................................... 31 Fig.9 - Mandala hindu ........................................................................................................... 31 Fig.10 – Estrela de David ...................................................................................................... 32 Fig.11 – Selo de Salomão ...................................................................................................... 32 Fig.12- Bagua ........................................................................................................................ 33 Fig.13 - Planta arquitetónica de Stonehenge ......................................................................... 34 Fig.14 - Vista aérea de Stonehenge ....................................................................................... 34 Fig.15 – Tetraktys .................................................................................................................. 35 Fig.16 – Ouroboros ................................................................................................................ 35 Fig.17 - Representação do séc. XII de Terra esférica ............................................................ 36 Fig.18 – Esquema Cosmográfico medieval ........................................................................... 36 Fig.19 - Mapa T-O de Santo Isidoro...................................................................................... 37 Fig.20- Tabuleiro do jogo do moinho .................................................................................... 37 Fig.21 - Roda da Fortuna ....................................................................................................... 38 Fig.22- Os sete pecados capitais ............................................................................................ 38 Fig.23 - Rosácea da catedral de Notre-dame em Paris, França ............................................. 39 Fig.24 - Catedral de Lyon, França ......................................................................................... 39 Fig.25 – “A divina proporção”, Leonardo da Vinci .............................................................. 40 Fig.26 - Vastupurusha mandala ............................................................................................. 40 Fig.27- “Começar”, Almada Negreiros ................................................................................. 40 Fig.28- “Limite Circular I”, Escher ....................................................................................... 41 Fig.29 – “Kaleidoscope”, Damien Hirst ................................................................................ 41 Fig.30- “Mandala”, Alberto Carneiro .................................................................................... 42 vii Fig.31 – Mandala ................................................................................................................... 47 Fig.32- Dobragem ou desenho de linhas guias para execução de mandalas ......................... 53 Fig.33- Crianças a brincar com o aro .................................................................................... 56 Fig.34- Esquema da conceptualização da perspetiva circular sistémica de Bronfenbrenner ...................................................................................................................... 57 Fig.35- Mandalas reflexivas do programa mais educação .................................................... 62 Fig.36- Mandalas reflexivas .................................................................................................. 62 Fig.37- Representação esquemática do plano da investigação ............................................. 69 Fig.38- Perspetiva circular do Método de Resolução de Problemas do Plano de Organização do Ensino-aprendizagem de EVT..................................................................... 73 Fig.39- Problemática e Objetivos .......................................................................................... 74 Fig.40- Objetivos da atividades ............................................................................................. 75 Fig.41- Metodologia da Unidade de Trabalho UT5:”do ponto à linha da linha à mandala” ........................................................................................................................ 76 Fig.42 - Exposição dos desenhos das mandalas no átrio da escola-5º ano ............................ 99 Fig.43- Exposição dos desenhos das mandalas noátrio da escola-6º ano ............................. 99 Fig.44 - Manta de mandalas apresentada pela turma do 6ºC. Pintura sobre cartão. .............. 126 Fig.45 - Manta de mandalas apresentada pela turma do 6ºB- pintura sobre pasta de modelar ........................................................................................................................ 127 Fig.46 - Mandalas suspensas 5ºB, técnica mista sobre CD ................................................... 128 Fig.47 – “Catch mandala” 5ºB, técnica mista ....................................................................... 128 Fig.48 - Mandalas 5ºD, técnica mista .................................................................................... 130 Fig.49 - Mandalas decorativas 5ºD, pintura sobre pasta de modelar .................................... 130 viii ÍNDICE DE ACRÓNIMOS DEB – (Portugal), Direcção de Ensino Básico DGEBS – (Portugal), Direcção Geral do Ensino Básico. DGIDC - (Portugal), Direcção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular EVT – Educação Visual e Tecnológica PAA – Plano Anual de Atividades PCA – Projeto Curricular Alternativo PCT – Projeto Curricular de Turma PE- Projeto Educativo TEIP- Território Educativo de Intervenção Prioritária TIC – Tecnologias de informação e comunicação UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization. UT- Unidade de Trabalho 1 1.INTRODUÇÃO 1.1- Justificação e relevância temática A justificação que está na origem deste trabalho de pesquisa prende-se essencialmente com dois fatores, por um lado, a atividade profissional que exerço como professora de Educação Visual e Tecnológica e, por outro, com os conhecimentos recentemente adquiridos no decurso do Mestrado em Educação Artística. Estes dois objetivos, encontram-se assim interligados, animando a base deste trabalho que procura fazer uma reflexão sobre práticas educativas que tenham em vista a promoção da expressão plástica, e que se revertam de caráter integrador, socializador e promotor do sucesso escolar. Assim, esta investigação toma a forma de uma investigação-ação, procurando colocar em ação os conhecimentos adquiridos nas práticas letivas, junto dos alunos e em contexto de sala de aula. A escola pública do Ensino Básico onde teve lugar a investigação é uma escola TEIP, inserida num Território Educativo de Intervenção Prioritária. Situa-se no Bairro Amarelo no Monte de Caparica, um dos bairros sociais de Almada, no distrito de Setúbal. Os vários planos de intervenção comunitária, de cariz urbanístico ou sociocultural, são unânimes em caracterizar a população como tendo fracos recursos económicos. Constituída socialmente por grupos culturais minoritários. O baixo nível de instrução caracteriza os vários grupos etários, verificando-se o abandono precoce da escola, por motivos de desinteresse por parte dos jovens e por desinvestimento das próprias famílias na aprendizagem. É neste contexto educativo que as atividades educacionais vão decorrendo procurando ir ao encontro dos objetivos preconizados no Projeto Educativo da Escola e para a disciplina de Educação Visual e Tecnológica (EVT) lecionada no 2º ciclo do Ensino Básico. É no decorrer das suas aulas que a transdisciplinaridade dos saberes deve acontecer permitindo a integração de outras áreas como a linguagem visual, a matemática, a história, a geografia, a física, a cultura, a educação estética, etc., facilitando a transição entre a cultura social e a cultura escolar. No desenvolvimento das Unidades de Trabalho que compõem a disciplina procuram levar-se a cabo atividades com repercussões na vida dos alunos e que podem tornar mais visíveis as reais implicações da educação artística no desenvolvimento e 2 formação integral do sujeito, envolvendo e ativando competências mentais, cognitivas, afetivas e socioculturais. Sabendo que a mandala, é um elemento milenar na nossa cultura, que permite estabelecer pontes e criar interdependências com variadas áreas do saber e desconsiderando as interpretações, cujo significado comum parece ser o bem, será que algo aparentemente tão insignificante como uma mandala pode fazer a diferença? Pretendeu-se analisar qual o envolvimento/motivação que estes jovens apresentam para a conceção deste objeto plástico, para a produção artística de mandalas. Na medida em que este trabalho constitui um relevante elemento para a formação e avaliação pessoal, espero que o seu conteúdo seja pertinente e que possa ser consultado por quem manifestar interesse em obter informações sobre este assunto. 1.2 - Objetivos da Investigação A convicção da importância da Educação Artística na formação integral do aluno e na apetência pela fruição das artes, conduziu à elaboração, experimentação e reflexão sobre um conjunto de atividades levadas a cabo com alunos em contexto de sala de aula e que abrangeram o desenho, pintura e construção de mandalas. As atividades com mandalas pretendem envolver os alunos na realização de trabalhos de expressão plástica, favorecendo a transmissão de conhecimentos/conteúdos inerentes à disciplina de Educação Visual e Tecnológica (EVT), criando condições para a agilização do pensamento criativo. A experimentação prática teve o intuito de responder às questões que naturalmente surgiram, face à introdução de atividades que se implementaram pela primeira vez: A mandala pode ser usada em contexto de sala de aula como um recurso didático?1 1 Todos os meios ao alcance do profissional de formação que facilitam a aprendizagem. Cerqueira & Ferreira (2007) referem que recursos didáticos são todos os recursos físicos, utilizados com maior ou menor freqüência em todas as disciplinas, áreas de estudo ou atividades, sejam quais forem as técnicas ou métodos empregues, visando auxiliar o educando a realizar a sua aprendizagem de um modo mais eficientemente, constituindo-se num meio para facilitar, incentivar ou possibilitar o processo ensino-aprendizagem. De um modo genérico, os recursos didáticos são: quadro (giz, porcelana, papel); retroprojetor (acetatos); textos, manuais, imagens, banda desenhada, jornais, revistas, cartazes; gravações (máquina de filmar); televisão, filmes, vídeo projetor (cassete vídeo, dvd, blue ray); projetor de slides(slides); máquina fotográfica (fotografias); computador,música, leitor de cd‟s. empregues, visando auxiliar o educando a realizar a sua aprendizagem de um modo mais eficientemente, constituindo-se num meio para facilitar, incentivar ou possibilitar o processo ensino-aprendizagem. 3 Como é que os alunos respondem quando são confrontados com a execução de mandalas? Será que as mandalas podem facilitar a apreensão de conteúdos relacionados com a disciplina de EVT? Foi sentida também necessidade de investigar e selecionar informação acerca de modelos e métodos, utilizados por outros educadores e psicopedagogos e que servissem sobretudo de guia no desenvolvimento desta temática. 1.3-Estrutura e Metodologia de Investigação O estudo encontra-se estruturado em 6 capítulos. Na introdução procura justificar- se a pertinência e seleção do tema de trabalho, a formulação do problema, delineando os objetivos que determinam o estudo. No segundo capítulo sobre a fundamentação teórica reflete-se sobre a Educação Artística e a disciplina de Educação Visual e Tecnológica no 2º ciclo do Ensino Básico, sobre a tradição e utilização das mandalas. Apresentam-se perspetivas de autores e exemplos de aplicações das mandalas em vários contextos. No terceiro capítulo, metodologia, apresenta-se a investigação propriamente dita. Foi caraterizada a escola e o meio envolvente; identificaram-se os participantes, os instrumentos e os processos de recolha de dados. Procedeu-se à descrição das atividadese reflexões delas recolhidas. No quarto capítulo são apresentados os resultados obtidos, a sua análise e discussão, com o objetivo de responder às questões colocadas inicialmente. Na conclusão são apresentados os principais resultados obtidos a partir da análise dos dados. Foram identificadas fragilidades e orientações para futuros trabalhos. Foram também agrupados nos anexos conjuntos de documentos relevantes que vão desde planificações, critérios de avaliação, passando pelos planos de aula, inquéritos por questionário, fotografias dos trabalhos e dos registos gráficos. 4 2. QUADRO TEÓRICO 2.1 - Considerações gerais sobre a Educação Artística e a disciplina de Educação Visual e Tecnológica no 2º ciclo do Ensino Básico “A cultura e a arte são componentes essenciais de uma educação completa que conduza ao pleno desenvolvimento do indivíduo. Por isso a Educação Artística é um direito humano universal, para todos os aprendentes, incluindo aqueles que muitas vezes são excluídos da educação, como os imigrantes, grupos culturais minoritários e pessoas portadoras de deficiência. Estas afirmações encontram-se refletidas nas declarações sobre direitos humanos e direitos das crianças.” Comissão Nacional da Unesco in “Roteiro para a Educação Artística” (2006) Esta frase, que aponta para a Educação Artística como um direito universal remete para o início da civilização onde desde sempre as artes têm contribuído para perceber o mundo que rodeia os indivíduos, a configurá-lo e a dar-lhe sentido. No entanto, ainda hoje se continua a refletir e a debater, qual o peso e a importância da Educação Artística e a apresentarem-se razões para a sua inclusão ou não no espaço educativo. Mas será que esta disputa fará sentido? Afinal a educação artística justifica-se por si mesma, e a sua relevância radica-se no carácter criativo do Homem. Na Conferência Mundial de Educação Artística que ocorreu em Lisboa no ano de 2006, promovida pela Unesco foi concebido um “Roteiro para a Educação Artística” que propõe explorar o papel da educação artística na satisfação da necessidade de criatividade e de consciência cultural no século XXI. Este roteiro incide especialmente nas estratégias necessárias à introdução ou promoção da educação artística no contexto de aprendizagem; pretende comunicar uma visão e promover um consenso quanto à importância da educação artística na construção de uma sociedade criativa e culturalmente consciente; “estimular a colaboração na reflexão e na ação; e reunir os recursos financeiros e humanos necessários para uma integração mais completa da Educação Artística nos sistemas educativos e nas escolas. Como refere este documento, a arte proporciona uma envolvente e uma prática 5 incomparáveis, em que o educando participa ativamente em experiências, processos e desenvolvimentos criativos” (Unesco, 2006). Neste documento depreendemos que os estudos apontam que a iniciação dos educandos nos processos artísticos, desde que se incorporem na educação elementos da sua própria cultura, permite cultivar em cada indivíduo o sentido de criatividade e iniciativa, uma imaginação fértil, inteligência emocional e uma “bússola” moral, capacidade de reflexão crítica, sentido de autonomia e liberdade de pensamento e ação. Além disso, a educação na arte e pela arte estimula o desenvolvimento cognitivo e pode tornar aquilo que os educandos aprendem e a forma como aprendem, mais relevante face às necessidades das sociedades modernas em que vivem. Como refere o mesmo documento: “Como um dos objetivos é dar a todos iguais oportunidades de atividade cultural e artística, é necessário que a educação artística constitua uma parte obrigatória dos programas de educação para todos. A educação artística deverá igualmente ser sistemática e ser facultada durante vários anos, uma vez que se trata de um processo a longo prazo” (Unesco, 2006). Neste roteiro para a educação artística é dado enfoque às pesquisas do Professor António Damásio, que dá primazia ao desenvolvimento das capacidades cognitivas em detrimento da esfera emocional que no seu entender é um fator que contribui para o declínio do comportamento moral da sociedade moderna. O desenvolvimento emocional faz parte integrante do processo de tomada de decisões e funciona como um vetor de ações e ideias, consolidando a reflexão e o discernimento. Sem um envolvimento emocional, qualquer ação, ideia ou decisão assentaria exclusivamente em bases racionais. Um saudável comportamento moral, que constitui o alicerce sólido do cidadão, exige a participação emocional. “O Prof. Damásio sugere que a Educação Artística, ao promover o desenvolvimento emocional, pode proporcionar um maior equilíbrio entre o desenvolvimento cognitivo e emocional, contribuindo assim para o desenvolvimento de uma cultura da paz” (Unesco, 2006). Esta separação, que existe hoje em dia entre o desenvolvimento cognitivo e o emocional, reflete o facto de, nos ambientes educativos, se atribuir uma maior importância ao desenvolvimento das capacidades cognitivas, valorizando menos os processos emocionais. No Roteiro para a Educação Artística (Unesco, 2006) podem-se encontrar dois métodos principais de Educação Artística (que podem ser aplicados ao mesmo tempo, não se excluindo mutuamente). As artes podem ser: 6 Ensinadas como matérias de estudo individuais, através do ensino das várias disciplinas artísticas, desenvolvendo assim nos estudantes as aptidões artísticas, a sensibilidade e o apreço pela arte; Encaradas como método de ensino e aprendizagem em que, as dimensões cultural e artística são incluídas em todas as disciplinas. No âmbito da educação artística é referido como exemplo o método da Arte na Educação (AiE – Art in Education) que utiliza as formas de arte (e as correspondentes práticas e tradições culturais) como meio para ensinar disciplinas de natureza geral e como instrumento para o aprofundamento da compreensão dessas disciplinas; por exemplo, usando cores, formas e objetos originários das artes visuais e da arquitetura para ensinar matérias como a física, a biologia e a geometria; ou introduzindo a dramatização ou a música como método do ensino de línguas. “Tirando partido da teoria das Inteligências Múltiplas, o método da Arte na Educação propõe-se tornar extensivos a todos os estudantes, e a todas as matérias, os benefícios da Educação Artística. Este método propõe-se também contextualizar a teoria através da aplicação prática das disciplinas artísticas. Para produzir efeitos, esta abordagem interdisciplinar exige mudanças nos métodos de ensino e na formação dos professores”(Unesco, 2006). Estas novas orientações para a educação artística, sustentadas pelas correntes modernas de pensamento sobre a cultura e a sociedade, alteram profundamente o papel das artes, fator que obriga, em contexto educativo, os educadores a desenvolverem novas práticas pedagógicas, no sentido de proporcionar às crianças e aos jovens uma educação que não só forneça meios para a compreensão e preservação das culturas minoritárias, mas que contribua, igualmente, para o conhecimento e para a criação das suas identidades pessoais. A arte, como refere Herbert Read, deve desenvolver a individualidade e a consciência social, a educação da sensibilidade estética para desenvolver a inteligência e o raciocínio, por forma à expressão de sentimentos e pensamentos de forma comunicável. Uma criança pode atingir um sentido objetivo do mundo através da sua atividade criativa (Read,2007:344). No entender de Souza (2009), a arte é a mediadora tanto no processo de autoconhecimento como na reorganização da energia e subsequente tomada de decisões na vida. Arte como via para o desenvolvimento pessoal e formação do cidadão ético. Segundo Allessandrini, “a expressão artística pode proporcionar ao homemcondições para que estabeleça uma relação de aprendizagem diferenciada com seu semelhante e com o mundo em que o rodeia” (1996:28). 7 Atendendo as estas perspetivas as práticas pedagógicas deverão sustentar-se na reflexão sobre os contextos culturais e sociais em que as escolas estão inseridas, devendo, para o efeito, os educadores assumir um papel transformador, questionando sobre o que ensinar e como ensinar naquela escola, transformando cada escola num espaço singular, detentor de uma forma de conhecimento, de práticas de linguagem, de relações e de valores sociais que são seleções e exclusões de uma cultura mais ampla, contribuindo para a conceção de um projeto educativo ajustado ao contexto. A Educação Artística em Portugal é orientada pela Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei nº46/86 (1986). A reorganização curricular do ensino básico proposta através do Decreto - Lei nº6/2001 de 18 de Janeiro de 2001, estabelece os princípios orientadores da Organização e da Gestão Curricular do Ensino Básico, bem como da avaliação das aprendizagens e do processo de desenvolvimento do Currículo Nacional, entendido como o conjunto de aprendizagens e competências, integrando os conhecimentos, as capacidades, as atitudes e os valores, a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, de acordo com os objetivos consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo para o nível de ensino. Neste documento pode-se ler que: “nesta reorganização assume particular relevo (…) a obrigatoriedade do (…) desenvolvimento da Educação Artística”. O Currículo Nacional do Ensino Básico é um documento que define o conjunto de competências consideradas essências e estruturantes no âmbito do desenvolvimento curricular nacional. Este documento confere orientações pedagógicas e preconiza que a Educação Artística deve acompanhar os três ciclos de aprendizagem, sabendo que “as artes são elementos indispensáveis no desenvolvimento da expressão pessoal, social e cultural do aluno. São formas de saber que articulam imaginação, razão e emoção. Elas perpassam as vidas das pessoas, trazendo novas perspetivas, formas e densidades ao ambiente e à sociedade” (DEB,2001:149). Apresenta este documento as competências essenciais, gerais e específicas, a desenvolver pelos alunos: a “literacia em artes”; “apropriação das linguagens elementares das artes”; “compreensão das artes no contexto”; “desenvolvimento da capacidade de expressão e comunicação e o desenvolvimento da criatividade”. No que diz respeito à Educação Artística, o documento, agrupa-a em quatro grandes áreas artísticas, presentes ao longo dos três ciclos de escolaridade: Expressão Plástica e Educação Visual; Expressão e Educação Musical; 8 Expressão Dramática/Teatro; Expressão Físico-Motora/Dança. A abordagem à Expressão Plástica e Educação Visual faz-se assim ao longo dos três ciclos do Ensino Básico através da Expressão Plástica (no 1º ciclo), da Educação Visual e Tecnológica (no 2º ciclo) e da Educação Visual (no 3º ciclo), que desempenham um papel essencial na consecução dos objetivos da Lei de Bases do Sistema Educativo. Ao longo do ensino básico as competências que o aluno deve adquirir em Artes Visuais articulam-se em três eixos estruturantes: fruição-contemplação, produção-criação, reflexão-interpretação (DEB, 2001:155).Elisabete Oliveira refere que esta é uma reestruturação com tendência internacional, talvez porque são notórias as referências ao projeto Discipline-Based Arts Education (DBAE) e à Proposta Triangular apresentada por Ana Mae Barbosa 2 . A equipa responsável por esta reorganização curricular foi coordenada pela Professora Virgínia Fróis e teve a participação de Clara Botelho, Elisa Marques, Ilídio Salteiro, Irene Barroca, João Pedro Fróis, Paula Andrade, Ana Pessanha e foram consultores Maria João Gamito e Rocha de Sousa. A referida reorganização curricular do Ensino Básico, encontra-se atualmente em vigor e orienta as práticas pedagógicas, nas escolas em Portugal, estando prevista nova restruturação no Despacho n.º 17169/2011 de 12/12/2011. No que diz respeito ao modelo atual disciplinar da Educação Visual e Tecnológica (EVT) no 2º ciclo do ensino básico; o Currículo Nacional refere que tem como principal objetivo abrir o caminho a experiências que possam ser intelectualmente estimulantes, pessoalmente enriquecedoras e relevantes nas vidas dos alunos, contribuindo para o desenvolvimento das suas capacidades de apreciação, valorização e compreensão dos objetos artísticos que os rodeiam e o desenvolvimento do sentido de apreciação estética do mundo. O programa da disciplina encontra-se organizado em dois volumes: volume I- Organização Curricular e Programas e Volume II – Plano de Organização do Ensino 2 Ana Mae Barbosa nascida no Brasil em 1942, tem sido uma referência no ensino artístico. A partir dos anos 90 apresenta a “Proposta Triangular do Ensino da Arte”. Na proposta da autora (Barbosa, 2003), a construção do conhecimento em Artes, acontece quando há a interligação entre a experimentação, a codificação e a informação. Propõe que o programa do ensino da arte seja elaborado a partir de três ações básicas: Ler obras de Arte: baseia-se na descoberta da capacidade crítica dos alunos. Aqui, a Arte não se reduz ao certo ou errado, considera a pertinência, o esclarecimento e a abrangência. O objeto de interpretação é a obra e não o artista. Fazer Arte: baseia-se em estimular o fazer artístico, trabalhando a releitura, não como cópia, mas, como interpretação, transformação e criação. Contextualizar: Consiste em inter-relacionar a História da Arte com outras áreas do conhecimento. 9 Aprendizagem. Martins refere que se trata de uma disciplina que incentiva a interdisciplinaridade, se tivermos em conta os diferentes significados que o termo pode assumir, sendo o resultado da fusão de várias disciplinas, numa só, onde o carácter flexível e aberto do programa e as situações pedagógicas concretas permitem aos professores, em interação com os alunos, selecionar as técnicas de aprendizagem que mais contribuam para desenvolver atitudes e valores, que se pretendem interculturalmente contextualizados (2009:11). Martins (2009) refere ainda que o contributo desta disciplina enquadra-se na valorização dos ambientes de aprendizagem sem ameaça, onde a expressão plástica se relaciona com a tecnologia, e os processos de aprendizagem, cooperativos e colaborativos, onde se deixa a criança aprender com os seus erros, valorizando o seu espírito crítico, a sua voz, a sua ação, mediada pelo envolvimento emocional numa determinada situação ou tarefa. Esta disciplina apresenta-se, como uma das disciplinas mais completas e atrativas para os alunos, não só, pelo tipo de trabalhos que permite desenvolver – o intelectual a par do manual-, mas também pela diversidade de resultados que daí advêm (Cabrita, 2000), explorando e dinamizando no espaço, sala de aula, aprendizagens que se estruturam não só, de forma individual, mas também social (Massapina & Gândara, 1996; Faleiro et al 1997; Veloso & Almeida, 2000; Cabrita, 2000; Porfírio, 2000/01). O programa da disciplina de Educação Visual e Tecnológica pode ser apresentado esquematicamente sob a forma de tabela: Campos Áreas de exploração Conteúdos Comunidade Ambiente Equipamento Desenho Pintura Construções Modelação Fotografia Animação Hortofloricultura Impressão Mecanismos Recuperação/manutenção de equipamentos Tecelagens e tapeçarias Vestuário Alimentação Comunicação Forma Estrutura Luz/Cor Geometria Medida Espaço Material Trabalho Energia Movimento Figura 1 – Programa de Educação Visual e Tecnológica (adaptado pelo autor do programa de EVT, vol.II,1991) 10 Quanto aos meios de expressão,o Currículo Nacional do Ensino Básico (DEB, 2001:162) propõe como áreas dominantes, o desenho, as explorações plásticas bidimensionais e tridimensionais e as tecnologias da imagem: Desenho: propõe-se a realização de exercícios de desenho, explorado a capacidade expressiva e a adequada manipulação dos suportes e instrumentos. O desenho como uma atitude expressiva deixa perceber modos de ver, sentir e ser (dever-se-á experimentar, comunicar sensações, emoções, interpretações através da utilização dos instrumentos e dos meios que melhor se adequem à capacidade expressiva dos alunos). O desenho como uma metodologia para a invenção de formas provenientes de pensamentos, ideias e utopias (devem ser utilizados, sobre diferentes suportes, materiais riscadores tais como o lápis, a esferográfica e a caneta, na realização de esboços, de registos rápidos, de guiões visuais e de outras experimentações). O desenho como registo de observações e ainda o desenho como sintetização de informação. Explorações plásticas bidimensionais: o aluno deve experimentar diversas tecnologias: aguarela, guache, têmpera, acrílico, mosaico, cerâmica (azulejaria), vitral, gravura e colagem. Explorações plásticas tridimensionais: o aluno deve experimentar diversos processos de escultura: talhe direto, modelação e colagem. As práticas de escultura podem ser desenvolvidas a partir de materiais naturais e sintéticos ou recuperados. Tecnologias da imagem: o aluno deve experimentar meios expressivos, ligados aos diversos processos tecnológicos: a fotografia, o cinema, o vídeo, o computador, entre outros, por si só ou integrados e ser capaz de os utilizar de forma criativa e funcional. As indicações metodológicas para a disciplina de Educação Visual e Tecnológica expressas no Currículo Nacional do Ensino Básico (DEB, 2001:161) não pressupõem, para os diferentes conteúdos uma abordagem sequencial, o que permite ao professor implementar dinâmicas pedagógicas de acordo com a realidade da comunidade em que está inserido. As características específicas da disciplina permitem que esta seja encarada como um espaço lúdico no contexto escolar e assim tornar ainda mais flexível a sua planificação, sem no entanto prescindir dos conteúdos essenciais e uma correta planificação, em função dos trabalhos a realizar, e das necessidades dos alunos. “O seu carácter é eminentemente prático, não devendo entender-se esta prática limitada ao desenvolvimento de 11 manualidades, mas centrada na integração do trabalho manual e do trabalho intelectual, em que o exercício pensamento/ ação aplicado aos problemas visuais e técnicos do envolvimento conduza à construção de uma atitude simultaneamente tecnológica e estética”(DGEBS, 1991b:4). No programa da disciplina a metodologia proposta é a de resolução de problemas e os conteúdos são aqueles que o problema a resolver determinar. A competência pedagógica do professor nesta disciplina, passa a ser vista como a capacidade que ele sustenta para motivar os alunos e criar condições para a sua aprendizagem. No contexto escolar, ao ensinar-se procedimentos, também se ensina um certo modo de agir, de pensar e produzir conhecimento. Nas palavras de Paulo Freire (2003:47) “ensinar não é transferir conhecimento mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. A pedagogia constrói-se deste modo com a colaboração e cooperação dos professores das diferentes disciplinas, articulando-se conteúdos e estratégias de forma a facilitar aos jovens a organização e construção da sua própria aprendizagem (Gargaté & Baleiro, 2001). 2.2- O grafismo infantil como expressão das vivências no 2º ciclo do ensino básico 2.2.1- Sobre a aprendizagem e o processo cognitivo São várias as propostas que têm vindo a ser feitas ao longo da história face ao desenvolvimento cognitivo. Os estádios ou estágios têm vindo a ser debatidos e as propostas mais recentes da psicologia apontam para um ser complexo, cujo cérebro possui características plásticas capacitando-o para uma aprendizagem ao longo da vida. O desenvolvimento cognitivo é assim entendido como um processo que decorre ao longo de várias etapas e ao longo do percurso de maturação do indivíduo. Esta perspetiva que tem vindo a ganhar apoio nos círculos educacionais, é conhecida por construtivismo. Esta perspetiva sobre o desenvolvimento cognitivo em vez de considerar o conhecimento como um dado adquirido, aponta que o conhecimento é algo pessoal, e o significado é construído pelo aluno através da experiência. Arends (2008) refere que a aprendizagem é uma atividade social e cultural na qual os alunos constroem significados, que são influenciados pela interação entre o conhecimento previamente adquirido e as novas experiências de aprendizagem. 12 Juntamente com Jean Piaget, Lawrence Kohlberg e Paulo Freire, Lev Vygostky fazem parte de uma galeria de mestres educacionais com enorme aceitação nas escolas superiores de educação e a suas obras influenciaram as políticas e orientações educativas, na Europa Ocidental, nas últimas três décadas do século passado. Vygotsky como Piaget partilham a visão construtivista, assente na ideia de que a única aprendizagem significativa é a que ocorre através da interação entre o sujeito, o objeto e outros sujeitos (colegas ou professores). Na abordagem histórico-cultural, a aprendizagem é considerada um aspeto fundamental para que as funções psicológicas superiores aconteçam; dessa forma o ensino é fator imprescindível para o desenvolvimento cognitivo do ser humano. Vygotsky (1996, 1998) refere que existem relações complexas entre o desenvolvimento e a aprendizagem e identificou dois níveis de desenvolvimento: O primeiro nível é denominado de desenvolvimento real ou efetivo. É constituído pelas funções psicológicas já efetivadas; O segundo nível é o desenvolvimento próximo e define-se como as funções que estão em vias de amadurecer e que podem ser identificadas por meio da resolução de tarefas com o auxílio de adultos e outras crianças mais experientes. Ao passo que aquele nível caracteriza o desenvolvimento mental, retrospetivamente, este o caracteriza prospectivamente. Vygotsky, à semelhança do que mais tarde faria Jerome Bruner, dá, igualmente, maior relevo aos contextos culturais e ao papel da linguagem no processo de construção de conhecimento e de desenvolvimento cognitivo, ou seja dá mais importância ao aspeto social da aprendizagem. Vygotsky enfatiza a ligação entre as pessoas e o contexto cultural em que vivem e são educadas. De acordo com ele, as pessoas usam instrumentos que vão buscar à cultura onde estão imersas e entre esses instrumentos tem lugar de destaque a linguagem, a qual é usada como mediação entre o sujeito e o ambiente social. “Em suma, o protagonismo do sujeito no âmbito do seu processo de desenvolvimento, explica-se em função de intercâmbios adaptativos entre o sujeito e os objetos do conhecimento que se define de acordo com uma dinâmica desenvolvimental, onde os processos funcionais de acomodação e assimilação desempenham um papel central, como componentes de todo o equilíbrio cognitivo.” (Perranoud, 2001:31) 13 Muitos psicólogos contemporâneos como Howard Gardner e Robert Sternberg desafiaram a ideia generalizada de que existe uma inteligência geral e singular, revolucionando a psicologia cognitiva. Gardner propôs a Teoria das Inteligências Múltiplas em 1983, desafiando a visão convencional de inteligência, denominada por uma capacidade unitária de raciocínio lógico e abstrato, subjacente a toda a atividade intelectual. Gardner contestava esta conceção generalizada, afirmando que as capacidades dos seres humanos podem ser agrupadas em sete categorias ou inteligências (linguística, interpessoal, intrapessoal, lógico-matemática, musical, espacial, corporal-cinestésica). As InteligênciasMúltiplas resultariam do processo de classificação de um conjunto de capacidades humanas, relativamente autónomas e adversas à aceção de uma inteligência geral e em vez de apresentar testes psicométricos para fundamentar a sua tese, procurou explicar a inteligência de acordo com uma capacidade dotada de variáveis culturais. Robert Sternberg 3 , nascido em 1948 desenvolveu também ele, entre as décadas de 80-90, uma conceção sobre a composição e estrutura da inteligência, a Teoria Triárquica da Inteligência, este autor defendeu que existem três tipos de inteligência: analítica, criativa e prática. A inteligência criativa para Arends (2008) consiste na capacidade de um indivíduo para lidar com novas experiências, a inteligência analítica envolve os processos cognitivos dos indivíduos e a inteligência prática é a capacidade de um indivíduo para se adaptar e reformular o seu ambiente. O cérebro precisa assim de constantes novidades, “O gosto por desafios que façam com que ele produza soluções, obrigando a que a massa cinzenta entre num processo de aprendizagem” (Caldas, 2005). O sucesso pode assim depender da forma como cada pessoa utiliza as suas experiências para lidar com novas situações e adaptar o seu comportamento de acordo com determinados ambientes. Um outro conceito em Psicologia, de elevado interesse para a educação é a inteligência emocional, que é entendida com a capacidade do individuo reconhecer e gerir a suas próprias emoções e nos relacionamentos com as outras pessoas. Salovey & Mayer definiram inteligência emocional como: "...a capacidade de perceber e exprimir a emoção, assimilá-la ao pensamento, compreender e raciocinar com ela, e saber regulá-la em si próprio e nos outros." (Salovey & Mayer, 1990) 4 . 3 Sternberg, R. (2000). Handbook of Intelligence. Cambridge, UK: Cambridge University Press. 4 Salovey, P. & Mayer, J.D. (1990). Emotional Intelligence. Imagination, Cognition, and Personality, 9. Disponível em http://www.unh.edu/emotional_intelligence/EI%20Assets/Reprints...EI%20Proper/EI2000ModelsSternberg.p df (acedido 27/9/2012). 14 Estas novas abordagens fazem surgir por sua vez novos paradigmas para o processo ensino-aprendizagem, Martins (2009) refere que na nova conceção acerca do conhecimento, a aprendizagem é entendida como um processo dinâmico e interpretativo através do qual a informação externa é interpretada e reinterpretada em função da construção de modelos explicativos, que se vão tornando cada vez mais complexos e abstratos. Defende-se assim, a perspetiva do aluno como protagonista do seu processo de aprendizagem. Situação que se concretiza efetivamente, se o indivíduo tiver possibilidades de construir intercâmbios adaptativos com o meio, através da sua participação ativa no ciclo cognitivo que desenvolve, em função da relação assimilação-acomodação e que culmina num processo de equilíbrio que lhe permite contrabalançar as perturbações, em função de ativar respostas compensatórias. Convém mais uma vez relembrar que são muitos os fatores que influenciam a aprendizagem de uma forma ou de outra. Dentro desses fatores Martins (2009:82) destaca: • A idade, porque a maturação fisiológica em geral e o sistema nervoso em particular, condicionam certos tipos de aprendizagem; • As aprendizagens anteriores, já que as situações vividas influenciam as nossas atitudes face à aprendizagem, quer em relação aos conteúdos, quer em relação aos métodos utilizados; • A motivação, já que se não houver motivação, o aluno terá uma atitude não ativa, o que afeta a sua aprendizagem. A motivação é neste contexto inerente ao prazer de aprender; os alunos ouviram, viram e leram, com intenção de, progressivamente, compreenderem e explorarem a realidade estudada. Se não houver motivação corre-se o risco de não haver aprendizagem. A motivação pode apresentar-se como intrínseca ou extrínseca ao aluno. O professor será o responsável por desafiar, a todo o momento, os alunos, por lhe “desorganizar” as ideias e criar-lhes desequilíbrios e mediar relações. • Os fatores sociais, já que a sociedade com os seus valores, aspirações, interesses, atitudes, religiões, organização política, marcam a educação, influenciando as grandes linhas educativas, as prioridades, os recursos, a formação de professores, entre outros aspetos. Para Facci (2004:79) o homem apropria-se do mundo dos objetos por meio das relações reais que estabelece com o mundo. Estas relações são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais, nas quais o homem se desenvolve e também pela maneira como 15 a sua vida se forma dentro dessas condições e como ele se apropria das objetivações já produzidas e transmitidas por intermédio da educação. Para Maturana e Rezepka (2002) as relações de aprendizagem não são unilaterais, a aprendizagem é fruto da ação que o aluno tem com o seu meio. Deste modo é possível compreender que toda ação humana existe a partir de uma emoção e é esta, que torna possível a ação. Ao reconhecer que todas as ações possuem uma base emocional, o próximo passo é saber que tipo de emoções tornam mais eficazes as aprendizagens. Para estes autores qualquer pessoa que cresça num ambiente afetivo (de amor) e de respeito por si mesma, poderá ser capaz de aprender qualquer coisa e de adquirir qualquer habilidade. A aprendizagem é assim facilitada à medida que a criança é amada e acolhida num grupo de coexistência, ou seja, no contexto que nos interessa, a turma, a escola e a comunidade escolar. António Damásio (2001:80) aproxima-se destas asserções, ao concluir que “os motores da razão também requerem emoção, o que significa que o poder da razão é por vezes bem modesto”. Na perspetiva de Facci (2004:78) o ensino deve realmente promover o desenvolvimento e criar nas crianças as condições e premissas do desenvolvimento psíquico. Neste processo, o professor tem papel destacado como mediador entre o aluno e o conhecimento, cabendo a ele intervir na zona de desenvolvimento próximo dos alunos, conduzindo a prática pedagógica. Portanto os educadores, de uma forma geral, precisam estar atentos às peculiaridades do desenvolvimento psíquico em diferentes etapas evolutivas, para que possam estabelecer estratégias que favoreçam a apropriação do conhecimento. Kostiuk (1991) ressalta que é necessário que o professor tenha clareza de como o ensino influi sobre o desenvolvimento intelectual e das características psicológicas dos alunos, e que se estudem maneiras de valorizar a eficácia dos diversos métodos de ensino no desenvolvimento do pensamento, da memória e de outros processos mentais. Relativamente ao papel do professor, Herbert Read propõe que “deve agir como se não agisse”, (…) “A liberdade na educação não é nada mais do que possuir-se a capacidade de se tornar unido” (2007:347). A criança é educada pelos elementos do mundo, o ar, a luz, a vida das plantas e dos animais, o educador deve ser um desses elementos. 16 2.2.2- Sobre desenvolvimento da criança e a expressão gráfica Os desenhos e as expressões gráficas, tem sido usados para diagnóstico das condições psicossociais das crianças, método utilizado tanto em consultórios de psicólogos como em escolas. O que importa no entanto é perceber se o desenho realizado por uma criança é capaz de mostrar o caminho da sua evolução para a compreensão de conceitos físicos. Para Moreira, “desenho é o traço no papel ou em qualquer superfície, mas também a maneira como a criança concebe o seu espaço de jogo com os materiais de que dispõe” (Moreira, 1984:26). Na opinião de Mèredieu, desenho é objeto de interpretação, pois o que importa não é mais o grafismo propriamente dito, mas o que é que ele designa, o sentido que remete (1974:62). Freinet (1977) traz relatos consistentes no campo da aprendizagem do desenho, evidenciadosna sua obra “O Método Natural II”. O desenho marca o desenvolvimento da infância, porém em cada estágio, o desenho assume um caráter próprio. Estes estágios definem maneiras de desenhar que são bastante similares em todas as crianças, apesar das diferenças individuais de temperamento e sensibilidade. Esta maneira de desenhar própria de cada idade varia, inclusive, muito pouco de cultura para cultura como refere Bordoni («s.d.»). Vários estudiosos observaram e procuraram identificar e descrever as etapas gráficas do desenvolvimento do desenho, entre os mais conhecidos estão Luquet, Piaget e Lowenfeld. Dos estudos efetuados pelos vários autores é claro concluir que estes estágios ou etapas não são estáticos, imutáveis, existem crianças que saltam alguns estádios de desenvolvimento e existem crianças que param de se desenvolver devido aos vários fatores que influenciam a sua vida, como família, situação social e económica, distúrbios psicológicos e gosto particular. O desenho, por se tratar de uma forma de linguagem, tem papel importante tanto no desenvolvimento da capacidade cognitiva e semiótica, como também na criatividade e na expressão das emoções. Através do desenho, o pensamento e a emoção objetivam-se (Souza et al., 2003), e a criança “liberta os seus repertórios de memória” (Vygotsky, 1991:127). Como refere Mèredieu, “através do desenho entramos no cerne das representações imaginativas do sujeito, da sua afetividade, do seu comportamento interior e do seu simbolismo” (Mèredieu, 1974:77). Como aponta também Merleau-Ponty o desenho teria uma outra função, a da libertação. “Por ele, a criança pode-se livrar das formas que a atormentam, seria uma maneira de descarregar as tensões” (Merleau-Ponty,1990:222). O Desenho e a Pintura, uma vez que são de grande importância para o desenvolvimento da criança, quando ocorrem de uma forma livre, permitem a manifestação dos seus sentimentos e o desenvolvimento da sua singularidade 17 expressiva. Na perspetiva de Lowenfeld (1954), o desenho, bem como a pintura e a construção, constituem um processo complexo, onde o sujeito reúne elementos da sua experiência para formar um conjunto com um novo significado. A arte “pode ser um recurso poderoso, capaz de mobilizar a totalidade do ser de uma pessoa, pois envolve os níveis sensório-motor, emocional, cognitivo e intuitivo do funcionamento. Na arte, há uma mobilização de energia e emoção que ocorre na ação, onde a consciência se forma no próprio processo desta ação. Quando o nível sensório-motor é ativado ocorrem perceções e transformações” (Gardner, 1997:72). A criação plástica proporciona, no entender de Sousa (2003), um campo de expressão de emergência psicológica que por outras vias seriam mais difíceis de exteriorizar. É através da expressão livre, como refere Gonçalves (1993), que a criança desenvolve a imaginação, a sensibilidade, aprende a conhecer-se e a conhecer os outros. No entender de Pillar “O desenho espontâneo propicia conhecer o universo simbólico, temático e conceitual da criança” (1996: 57). Assim, o professor deve criar situações de desenho onde a criança possa desenhar espontaneamente ou a partir de situações diversas (histórias, cenas, objetos, vivências, reprodução de traçados, desenho de observação) para que se possa enriquecer de informações e enriquecer o seu grafismo. Como sugere Bordoni («s.d.»), é aconselhável, ao professor, oferecer às crianças o contato com diferentes tipos de desenhos e obras de artes, e que façam a leitura das produções e escutem a opinião dos outros. É também noutras perspetivas que o desenho, pintura, escultura, como exercício lúdico, pode ter aplicação, como na Arte-terapia e na Psicologia, onde a linguagem verbal e escrita cede lugar à imagem, a fim de comunicar e expressar o pensamento emotivo e criativo. A expressão gráfica dos 10 aos 12 anos As crianças que frequentam a disciplina de Educação Visual e Tecnológica no 2º ciclo do Ensino Básico, habitualmente encontram-se na faixa etária dos 9 aos 12 anos e frequentam o 5º ou 6º ano de escolaridade. As que se encontram nesta faixa etária, segundo Jean Piaget, estão na pré-adolescência e o seu desenvolvimento cognitivo situa-se entre o estádio das operações concretas 5 e o estádio das operações formais, fase que corresponde a uma reorganização da estrutura cognitiva. Nesta faixa etária têm tendência a ficar cada vez 5 Disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/4925/7/ANEXOS%20-%20PIAGET.pdf (acedido 4/4/2012). 18 mais concretas, abandonam os sonhos, a fantasia e tornam-se positivistas lógicos. Trata-se de um período em que ocorre uma profunda mudança na imaginação, passando da subjetividade à objetividade (…)”A adolescência é um período de profunda transformação que passa de subjetiva a objetiva” (Vygotsky, 2009:41). Nesta fase os jovens começam a criticar os seus próprios desenhos e convencem-se que não sabem desenhar. Este facto permite a Vygotsky (2009) afirma que ”ao chegar a esta idade, a criança perde a afeição e o afinco pelo desenho (...) começa a criticar seus próprios desenhos, deixa de se satisfazer com os esquemas infantis por lhe parecerem demasiado subjetivos até chegar a assegurar- se de que não sabe desenhar e deixar de fazê-lo”. O autor localiza este "arrefecimento" entre os 10 e 15 anos de idade, verificando que após esta idade alguns adolescentes artisticamente mais dotados voltam a desenhar. Nestas idades “representam com a noção de perspetiva e procuram refletir o aspeto real da imagem” (Vygotsky, 2009:100). Refere, o autor, que dificilmente a criança acede à quarta fase pelos seus meios, necessitando do auxílio de professores. O adolescente deixa de se interessar por uma atividade somente de expressão artística, deixa de se satisfazer só pelo desenho, para desenvolver a sua inventividade precisa de adquirir hábitos e conhecimentos artísticos (Vygotsky, 2009:42), o autor refere ainda que a criança: “tem de aprender a dominar os materiais, os métodos especiais de expressão proporcionados pela pintura”. Lowenfeld, sobre o desenvolvimento gráfico, menciona que as crianças entre os 9 e os 11 anos de idade encontram-se no estádio denominado de realismo nascente, no qual o desenho espontâneo vai dando lugar a um desenho mais elaborado e cada vez mais realista (Telmo, 1998). O adolescente, aos doze anos adquire consciência crítica, consegue desenvolver sentido crítico sobre si mesmo, elabora pensamentos complexos, mas não vive na realidade, não é objetivo. “À medida que a criança adquire maior consciência de si mesma, também toma melhor conhecimento do meio em que vive” (Lowenfeld, 1954: p176). A criança nesta idade não se satisfaz com os desenhos infantis que fazia até então, procura mais realismo nas suas representações, melhora as proporções, observa os movimentos e ações corporais, introduz luz e sombra. Nesta faixa etária, refere Ribeiro (2002), a criança prefere trabalhar em grupo e a troca de experiências possibilita a interação social e descobre que a menina possui aspirações diferentes do menino. Nos desenhos, observa-se características de ambos, enfatizando-se nos desenhos das meninas: lábios vermelhos, vestidos e cabelos, nos meninos bigodes, uniformes e outros. A perceção do ambiente torna-se significativa e atinge uma nova conceção espacial, visualizando a linha do horizonte, observando que o céu junta-se 19 com a terra. Nessa fase (Ribeiro, 2002), é comum que as crianças repitam muitas vezes o mesmo desenho, principalmente a forma geral do boneco, embora mude alguns detalhes, quando isso acontece, os desenhos podem aparecer rígidos. Lowenfeld, ressalta também este facto “sempre que desenha um homem ele o faz da mesma maneira, embora modifique algumas partes cada vez que alguma experiência determina tal mudança”(1954:138). Consegue representar profundidade e perspetiva e melhora os matizes das cores. O resultado é muito importante para o jovem nesta faixa etária. Durante este período, pode realizar pinturas “abstratas” sem nenhum significado e procurar reflexões inconscientes sobre a cor, forma e espaço, sem referências visuais. Está a descobrir a força das linhas em movimento. Lowenfeld sugere que, para que o adolescente não perca o interesse pela arte, é importante estabelecer diálogo, para esclarecer as suas descobertas e possa estar consciente delas. Não recomenda a interrupção do seu trabalho criativo, nem a interpretação das imagens, o seu desejo de realismo não pode ser a procura de perfeição, fazê-lo sentir que o importante é o original e a expressão pessoal de cada um (Rotili, 2008:19). Como já foi referido é vulgar nesta fase o interesse pelo desenho começar a decair, principalmente a representação figurativa, uma vez esta se pode distanciar das suas reais ambições e por isso desgostam-se das suas produções gráficas, introduzindo-lhes a noção de erro. Almeida (1976) também observou esta crise inibitória que no seu entender estaria relacionada com o desenvolvimento cognitivo e com o desenvolvimento do raciocínio lógico abstrato que seria o responsável por este desânimo principalmente perante a temática figurativa. A espontaneidade começa a ser bloqueada por um sentido crítico nascente. É nesta fase que a educação artística adequada, deve ser capaz de encorajar a descoberta, educar a espontaneidade e estimular a criação artística. Segundo Porfírio (2000), as crianças desta fase necessitam de apoio e de vocabulário visual para exprimirem as suas ideias, assim como de desenvolver capacidades que lhes permitam traduzir as suas experiências de um modo pessoal. Almeida (1976) apontou que nesta fase em vez de se procurar dar continuidade ao desenvolvimento da expressão espontânea, dever-se à procurar soluções que estejam adequadas ao pensamento lógico que vai surgindo. Lowenfeld, considera que o adolescente nesta fase deve experimentar diversos materiais/técnicas, mais sofisticados, como por exemplo: a escultura, gravura, pintura a óleo e/ou acrílico (Rotili, 2008:19). Almeida (1976) refere que como nesta fase há uma tendência para o trabalho de grupo, deverão ser procuradas soluções que se ajustem ao seu pensamento lógico emergente, como por exemplo tarefas cujo interesse resulta mais na execução do que na conceção imitativa ou 20 as pinturas coletivas. A ação orientadora deve ser lógica e simultaneamente próxima dos interesses e “paixões” dos adolescentes. Para Luquet (1987), a principal atitude do educador deve ser a de “apagar-se”, deixar a criança desenhar o que quer, propondo-lhe temas sempre que ela necessite e sobretudo quando lhe pede, fazendo sempre com que estas sugestões não soem como imposições e sobretudo deixá-la desenhar como quer, a seu modo. Análise do desenho infantil O desenho infantil constitui um dos aspetos mais importantes para o acompanhamento do desenvolvimento integral do individuo e constitui-se num elemento mediador de conhecimento e autoconhecimento (Goldberg, Yunes & Freitas, 2005:97). Como refere Marques et al (2002), o recurso às produções gráficas, em diferentes faixas etárias, tem sido histórica e amplamente reconhecido como estratégia útil e relevante para o acesso a marcas do processo de desenvolvimento e da funcionalidade dos indivíduos nas suas diferentes atividades de ligação com o meio ambiente, incluindo funções psicomotoras, cognitivas, emocionais e mesmo neurológicas. “Como a criança desenha o que significa da realidade, pode-se dizer que, ao desenhar, ela objetiva a sua subjetividade, a realidade tal como a significa, significação essa por sua vez constituída a partir dos muitos outros com os quais convive/dialoga e dos sentidos que circulam nesses contextos. Sendo assim, compreende-se que o desenho expressa não apenas fantasia, mas também aquilo que a criança se apropria e o que ela significa da realidade, daí se afirmar que as crianças-desenham o que elas sabem acerca das coisas, o que lhes parece mais importante nelas e, não em modo algum o que estão vendo ou o que, em consequência, imaginam das coisas” (Vygotsky, 2005:95). Desta forma, ao desenhar, a criança expressa a sua realidade conceituada (Ferreira, 2001; Pereira, 2005; Souza et al., 2003).Tendo em conta estas perspetivas, o grafismo não pode ser entendido como um conjunto de rabiscos, ou desenhos desprovidos de significado, uma vez que é a representação simbólica que a criança manifesta da sua visão de mundo. Como refere Marques et al (2002) citando Santos, Colaço, Taborda & Alvarez (1997) reconhece-se o “desempenho gráfico infantil enquanto manifestação aplicada e dinâmica de competências intelectuais, encaradas na sua funcionalidade (...), permitindo acompanhar o desenvolvimento de uma organização mental”. Sendo assim, o desenho é uma interpretação que cria relações, constrói símbolos e revela conceitos. 21 A literatura científica relativa a esta temática, além de muito extensa, perpassa os séculos na busca de indicadores técnicos qualificadores do desenvolvimento e das potencialidades humanas nas suas diferentes etapas da vida. A análise do desenho em si, por sua vez, é limitada, pois “subjetivamente, cada um de nós, ao interpretar o desenho todo, atribui significados que podem ou não ser coincidentes entre si e com o do autor” (Ferreira, 2001:36). Natividade et al (2008), reforçam esta ideia referindo que o desenho em si traz preciosas informações sobre os significados que são compartilhados socialmente, ainda que a sua leitura possa ser uma tarefa árdua em razão da sua dimensão imagética. Na verdade, o sentido particular que o autor atribui ao desenho produzido, somente ele poderá explicar. Na procura de critérios de avaliação adequados, diversos sistemas de interpretação têm sido desenvolvidos. Entre eles, podem-se distinguir três vertentes: os sistemas que analisam o desenho como medida de avaliação do desenvolvimento cognitivo, os sistemas que analisam o desenho como expressão de aspetos inconscientes da personalidade e os sistemas que propõem uma análise dos aspetos emocionais (Arteche, 2006:17). Na Psicologia, o desenho espontâneo ou desenho livre, é uma modalidade de desenho amplamente utilizada para conhecer a vida afetiva, a psicomotricidade, a inteligência e a personalidade como refere Pillar (1996: 57). O primeiro estudo sistemático para avaliação do desenvolvimento infantil foi o Desenho da Figura Humana, fundamentado no trabalho de Florence Goodenough 6 e realizado em 1926 na Universidade de Minnesota, Estados Unidos. Conhecido também como o teste de Goodenough 7 , ou simplesmente o desenho da figura humana, trata-se de uma prova que avalia a maturidade intelectual, no que diz respeito à capacidade de perceção, de abstração e de generalização. O desenho da figura humana é um dos instrumentos mais divulgados e utilizados na prática de avaliação psicológica de crianças. Depois de revisto por Harris 8 , transformou-se provavelmente no sistema mais conhecido para esta finalidade Goodenough-Harris, 1963, conforme apontam Abell & Nguyen (1998). Pode ainda ser encarada como uma prova projetiva, uma vez que através do desenho a criança pode revelar as suas necessidades, as suas emoções e algumas das características da sua personalidade. Trata-se de uma prova não verbal, de fácil aplicação, à 6 Laura Florence Goodenough (1886-1959) foi pioneira na psicologia e no estudo de criança sobredotadas. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932006000300012&script=sci_arttext (acedido a 23/10/2012). http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-01102006-162329/pt-br.php 7 Goodenough, F.(1926). Measurement of intelligenceby drawings. New York, World Book Co. 8 Harris, D. B. (1963). Children's drawings as measures of intellectual maturity. New York: Harcourt, Brace & World, Inc. 22 qual as crianças aderem facilmente. A tarefa da criança/adolescente consiste na execução de três desenhos: um de um homem, outro de uma mulher e um de si própria. Este teste está adequado para crianças com idade compreendida entre 3 - 15 anos. O tempo de aplicação é de 10 a 15 min. Os processos de avaliação cognitiva infantil por meio do desenho da figura humana continuam a apresentar variações nos resultados, sobretudo em função do sistema avaliativo utilizado, dificultando a estabilidade destes procedimentos, embora recorrentes na prática clínica, sobretudo em ambientes escolares. Uma outra técnica para apreciação do desenho infantil é proposta por Arno Stern («s.d.») que aponta várias leis. As leis têm a ver com o facto de como as crianças fazem os desenhos. A primeira fase considera de ideográfica, é a representação das formas à sua redução mais simples. De acordo com o autor todos os desenhos das crianças, desde a 1ª fase até aos 12 anos, é sempre ideográfico porque representa mais o que ela sabe do que o que vê. O adulto desenha o que vê e não o que sabe. Não está preocupada com o visual, mas sim com o intelectual. Outra lei é a perspetiva afetiva, as crianças aumentam o tamanho do desenho conforme a afetividade que têm perante as imagens. Se gosta muito da mãe, desenha a mãe muito grande. Outra lei é o rebatimento, corresponde a colocar no mesmo desenho várias perspetivas diferentes da visão. A criança rebate 90º para a folha. Exemplo: casa de frente e carros de lado. Outra lei é a transparência, é fazer o interior das imagens. Outra a humanização, que é dar características humanas a seres inanimados. A última chama-se espaço topológico, é a forma como as crianças reúnem todas as outras leis. Fazem desenhos bidimensionais. Na fase figurativa, conforme Stern, para além de se analisar tudo o descrito acima, analisamos também os tamanhos da figura (perspetiva afetiva), analisa-se os signos, os símbolos e as leis. Depois a evolução (como preenchem a folha, as cores...) Independentemente das metodologias estamos convencidos da importância do desenho para o desenvolvimento da criança, é imprescindível estimular esta linguagem desde a mais tenra idade. É também na clarificação da sua importância para o desenvolvimento humano que a escola pode e deve intervir. 23 2.3- O círculo mágico “A lei do mundo é o movimento, a lei do centro é a quietude. Viver no mundo é movimento, atividade, dança. A nossa vida é um dançar constante ao redor do centro, um incessante circundar o Uno invisível ao qual nós – tal como o círculo – devemos a nossa existência. Viemos do ponto central – ainda que não o possamos perceber – e temos saudades dele. O círculo não pode esquecer a sua origem – também sentimos saudades do paraíso. Fazemos tudo o que fazemos porque estamos à procura do centro, do nosso centro, do centro.” (Thorwald Dethlefsen, 1984.) 9 2.3.1- Introdução O círculo é uma figura geométrica e um símbolo com características relevantes para determinadas culturas. Em Latim 10 circūlu, “círculo; revolução de astro; objeto de forma circular; bolo; circulo, assembleia, reunião”, do Grego kyklos, “curvado, redondo”, já que as pessoas se dispunham desse modo ao redor e para acompanhar o que estava a acontecer. O círculo, para a matemática é a área interna delimitada pela circunferência que pode ser calculada usando a equação: área=∏r2, sabendo que circunferência é a linha curva fechada em que todos os seus pontos estão à mesma distância de um a que se chama centro. Como figura encontra-se em toda parte, está presente no universo, no micro e no macrocosmo. É facilmente visível nos discos solares, na lua, nas plantas e estruturas geológicas naturais, percetível também no corpo humano como no desenho dos olhos. Desde cedo que a humanidade se expressa através de formas circulares, e para o comprovar temos vários vestígios nos pormenores rupestres que se encontram espalhados um pouco por todo o mundo, na África, Europa e América do Norte (Peychaux, 2003:172). É igualmente recorrente na produção humana, na cultura, na arquitetura, na arte, nos seus artefactos. O círculo é encontrado, nas abóbadas e cúpulas das igrejas, mosteiros e templos, nas rosáceas e na auréola que aparece nas imagens dos santos, incorporando o simbolismo religioso na decoração. Nas mais diferentes culturas, um dos principais significados do círculo é o de representar o universo, a unidade de toda a existência, a totalidade. Num círculo todos são 9 Da obra de Rüdiger Dahlke, p.6. 10 Dicionário Etimológico da língua portuguesa. Lisboa: livro horizonte (1997:157). 24 iguais, pois a distância ao centro é a mesma para todos. O seu centro representa a origem de todas as coisas, de todas as possíveis manifestações nele contidas. “Usando um pouco de sensibilidade, perceberemos que temos no círculo algo de sagrado, de místico e de essência incognoscível” (Rodrigues et al, 2010). Na Grécia Antiga, encontramos o Ouroboros, símbolo da serpente que engole a própria cauda formando um círculo, assim como a simbologia da roda da vida que remete para a ideia do ciclo eterno das leis universais. O círculo, em oposição ao quadrado, relaciona-se ao incalculável e ao natural, representa a flexibilidade, o infinito, o ilimitado, passa a ideia de totalidade, de movimento, de inovação (Tresidder, 2000:149). O círculo está intimamente relacionado com o orgânico, enquanto que o quadrado, ao mecânico, tecnológico. “O círculo combinado com o quadrado é um símbolo arquetípico de Carl Jung que estabelece relações entre a mente (círculo) e o corpo ou a realidade material (quadrado) ” (Tresidder, 2000:149).No entanto o círculo, como refere Tresidder (2000), pode ter significações duais, representar o ser masculino (como o sol) e o feminino (como o ventre materno). No Tarôt 11 , a carta número 10 representa a “Roda da Fortuna” e refere-se ao movimento circular, à transitoriedade, à transcendência, ao tempo e ao eterno. O círculo mágico não pode faltar nos rituais, simbolizando a proteção divina. Alguns adeptos iniciam os seus rituais religiosos estabelecendo um círculo sagrado. Nos rituais de cura e iniciações os participantes dispõem-se em círculos ou podem ser colocados dentro deles.“O ritual de andar à volta de um objeto sagrado amiúde, um altar, um mastro, uma pedra ou outro símbolo axial, tanto define como santifica o espaço” (Tresidder, 2000:149). Peychaux refere que, o “contacto com as realidades sagradas, promovido por meio do círculo, é considerado um benefício em culturas como as dos Navajos” (2003:174). Nas suas danças, os dervixes, movimentam-se de uma forma circular para, desse modo, se 11 Tarot é o conjunto de cartas usadas em cartomancia. Trata-se de um baralho constituído por 78 cartas, dividido em dois grupos arcanos maiores e arcanos menores; o primeiro grupo possui 22 cartas e o segundo grupo possui 56 cartas. Estas cartas servem especificamente para adivinhação. A verdadeira origem do tarot está envolta em mistério, os relatos mais antigos referem-se ao Antigo Egipto, na descoberta das 22 lâminas de ouro com os símbolos dos Arcanos Maiores. A Roda da Fortuna é o décimo Arcano Maior do Tarot. Representa uma roda com nove raios. No alto da roda está uma figura que parece metade anjo, metade diabo. À volta da roda, está um bebé, um menino, um jovem um homem e um idoso. A roda quer representar o ciclo da vida e está suspensa num ambiente com os quatro elementos: Fogo, Água, Terra e Ar. A carta tem o número X e a letra hebraica YOD. In verbete tarot da Grande Enciclopédia Portuguesa
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