Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ISLAMISMO AULA 6 Prof. Emílio Sarde Neto 2 CONVERSA INICIAL O islamismo na atualidade Nesta aula, estudaremos o islamismo na Idade Contemporânea, bem como o processo de modernização de alguns países islâmicos e o surgimento da doutrina fundamentalista do Wahab. Abordaremos os principais grupos extremistas e suas motivações ideológicas. Também trataremos da chegada do islamismo no Brasil e dos primeiros muçulmanos em terras brasílicas. Finalizaremos tratando da grande diversidade dos povos ao redor do mundo que adotaram a religião islâmica, fazendo a observação dos aspectos diferenciadores provenientes da mistura entre as culturas dos povos. TEMA 1 – O ISLAMISMO NA IDADE CONTEMPORÂNEA Com o processo do colonialismo europeu no fim do século XIX, muitos países islâmicos haviam caído no domínio das potências imperialistas europeias. A partir dessa fase, grupos políticos do islã perceberam a fundamental importância de modernizar determinados setores da vida pública, bem como aspectos também tecnológicos e militares, transformando alguns valores culturais. Na época dessa corrida imperialista, a Turquia ainda sobrevivia como a grande potência do mundo islâmico, mas vivia um colapso decadente de desagregação do seu império, que paulatinamente foi perdendo seus territórios em desastrosas guerras. No início do século XX, as grandes potências do imperialismo se organizavam para a imposição dos seus poderes na busca pela dominação de mais colônias. A Turquia vivia um grande caos social, dependente do capital financeiro, e carregava antigas instituições do islã medieval. Grupos de reformistas e nacionalistas pretendiam organizar o império com estruturas europeias, visando modernizá-lo. Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, a Turquia aliou-se com os alemães contra os ingleses e seus aliados, invadindo suas colônias. Com fim da guerra e vitória dos ingleses e seus aliados, a Turquia teve o que restou do seu império fragmentado. Entrou em cena Mustafah Kemal Ataturk e seus colaboradores, que destituíram o sultão e substituíram o islamismo pelo 3 nacionalismo turco, além de acabarem com a união entre o Estado e religião e com a oficialidade da língua árabe, transformando a língua turca em oficial. O novo governante organizou o Estado de modo a assemelhar-se aos europeus, organizando as legislações e declarando a laicidade do país. No mesmo caminho, também entrou o Egito, que antes da Primeira Guerra havia se convertido numa colônia dos ingleses, e após o conflito continuou sob influência britânica. Após a Segunda Guerra Mundial, ficou insustentável a continuidade do país nas mãos da nação inglesa. Em meio aos escombros do conflito surgiu um grupo de nacionalistas liderado por Gamal Abdel Nasser, que objetivava modernizar o país aos moldes turcos. Nasser criou o pan-arabismo, objetivando unir os países árabes numa grande confederação ou grande Estado, com orientação socialista; um estado laico, mas que preservaria as características culturais do islamismo como a língua e outras manifestações. Seu modelo foi exportado e bem aceito em países como a Síria e o Iraque, que sob a liderança de nacionalistas rapidamente iniciaram suas reformas e destacaram-se no cenário mundial como grandes produtoras de petróleo, com investimentos em áreas sociais que visavam o modelo ocidental. Dentre os países que permaneceram como tradicionais e adotaram o fundamentalismo como reação às ocidentalizações, podemos citar a Arábia Saudita e o Irã como os principais. Países que, de maneira contundente, rechaçam as formas políticas e sociais dos ocidentais, buscando a continuidade de antigas estruturas. Dentre os países mais conservadores está a Arábia Saudita. Governada pela dinastia dos Saud, que foram auxiliados por países ocidentais na subida ao poder. Uma vez instalados, os Saud implantaram sua própria sharia e adotaram o wahabismo, uma ideologia fundamentalista sunita que tem por objetivo a criação de um Estado Islâmico, a expansão do islamismo e uma teocracia totalitária. No caso iraniano, as coisas são um pouco mais diferentes, pois são xiitas. O país também possui sua própria sharia e interpretação do islã. São partidários dos descendentes de Alí, parente e último dos companheiros do profeta Maomé. O Irã era governado por uma monarquia pró-ocidente, que após organizar uma revolução popular liderada pelos aiatolás, implantaram uma república 4 islâmica. Assim como a Arábia dos sauditas, o Irã implantou uma teocracia totalitária. TEMA 2 – A DOUTRINA DO WAHAB Na Arábia no século XVIII, surge o wahabismo, doutrina restritiva criada por Muhammad Ibn Abdelwahab, que rechaça os teólogos clássicos e sábios do islamismo. O wahabismo surge como reação conservadora contra as inovações sunitas e a ocidentalização, que ganhavam terreno com a expansão das grandes potências europeias. Sua doutrina criou uma interpretação específica para a jihad: prega a intolerância e a perseguição aos muçulmanos que não seguissem seu entendimento do Alcorão. Dentre suas ideias mais difundidas estava a condenação ao culto dos antepassados, a veneração de santos e anjos, sendo expressamente proibido rezar para qualquer coisa que não fosse Alá. Nessa perspectiva condenava o fim das peregrinações às tumbas e mesquitas onde estavam sepultados os grandes nomes do islamismo, como seus companheiros, esposas e outras importantes lideranças da história islâmica. Também declarava o fim das cerimônias que recordavam o profeta Maomé, como a celebração em lembrança do seu aniversário. Proscrevia o uso de lápides para sepultar os mortos, no que mais tarde causaria a perda da lembrança dos antepassados para as pessoas comuns, pregava a destruição das estruturas arqueológicas e outas civilização anteriores ao islã, que não possuíam o teor da religião oi que pertencesse aos infiéis sunitas e xiitas. Pregava a obediência, o tributo e a aliança a um único líder que deveria ser escolhido por ele e seus aliados, julgando ser esse o mais apto para liderar os muçulmanos e o futuro Estado Islâmico. Para que o novo líder pudesse ser temido pelas pessoas, assim conquistando sua fidelidade, deveria eliminar todos os transgressores. Pregava a implantação do takfirismo (excomunhão), que além de exclusão do islã, também deveria executar os infiéis por traição, executar o confisco de todas suas possessões, além da violação das viúvas e suas filhas, transformando-as em servas do líder e do Estado. Por causa das ideias consideras absurdas, que extrapolavam as interpretações dos sacerdotes e as palavras de paz e perdão contidas no próprio 5 Alcorão, ele foi banido da sua própria comunidade em 1741. Ficou como andarilho, proscrito durante algum tempo, mas suas palavras ganharam terreno fértil nos ouvidos do líder tribal do clã dos sauditas, Muhammad Ibn Saud. O clã saudita expandia suas influências pela península Arábica e visava conquistar todo o território. Abdelwahab constituiu-se no principal conselheiro do líder tribal e ganhou destaque como clérigo da corrente islâmica que pretendia impor para todos os muçulmanos, surgindo a partir disso o wahabismo. Mais tarde, nos séculos seguintes, com auxílio de potências ocidentais, se aproveitaram da desorganização do império turco para dominar a região e implantar uma monarquia baseada nas shariah de interpretação de Abdelwahab, sendo essa a base do Estado Saudita da atualidade. TEMA 3 – O EXTREMISMO ISLÂMICO Como tratamos anteriormente, o wahabismo tem sido a fonte inspiradora dos grupos terroristas que atuam desde então. No século XX, podemos destacar os sauditas: em 1925, iniciaram a destruição de inúmeros sítios arqueológicos e assassinatos massivos de muçulmanos considerados apóstatas. Pouco depois, em 1928, foi fundadano Egito a Irmandade Islâmica, com o objetivo de libertar o país da dominação britânica, tendo a mesma gênese doutrinária do wahabismo saudita: punir os infiéis e estabelecer a união entre todos os países islâmicos e criar o Estado Islâmico, governado por um único califa e tendo a sharia como reguladora social. Dentre suas ideologias religiosas estão o rechaço aos xiitas, considerados inimigos, aos sunitas, “sob influência ocidental”, e principalmente os não muçulmanos. Importante destacar que esse grupo recebeu ajuda da CIA na década de 1950, e mais tarde foi considerado ilegal no Egito pelo então presidente Gamal Abdel-Nasser. A partir de então muitos dos seus líderes foram condenados à prisão e à morte pelos atentados e crimes que perpetravam. Seus membros fugiram para países como Arábia Saudita, Síria, Líbano, Jordânia e Iraque, entre outros, difundindo as ideologias do grupo nesses países. Os salafistas, um movimento ortodoxo e ultraconservador sunita, são internacionalistas e se consideram uma mistura de wahabismo com outros movimentos. Consideram que o mundo islâmico deve ser governado por uma sharia baseada nos tempos do profeta e dos seus companheiros. São divididos 6 em grupos ou ramificações que se distinguem pelo maior ou menor envolvimento na política e com jihadistas. A Al-Qaeda, termo traduzido como “O Alicerce”, foi criada com recursos estadunidenses em meio à Guerra Fria, objetivando expulsar os russos do Afeganistão na década de 1970. Após alcançarem seus objetivos, os membros da Al-Qaeda, adeptos do wahabismo e contando com recursos do petróleo, passaram a atacar alvos ocidentais e a espalhar seus membros por todo o mundo, criando células e entrando numa “guerra santa” contra o Ocidente. O grupo Talibã, traduzido como “estudantes”, atua no Afeganistão e assim, como a Al-Qaeda, foi patrocinado pelos Estados Unidos para combater os russos. Subiram ao poder no país na década de 1990, sob influência wahabista, implantaram a sharia, passaram a atacar alvos ocidentais e foram declarados terroristas pelos seus antigos aliados estadunidenses. O grupo Boko Haram, cuja tradução seria “Ocidente é pecado”, ou “Valor do Ocidente é pecado”, atua no norte da Nigéria. Também de orientação wahabista, cometem atos terroristas em nome da fé, estão em guerra com os cristãos que habitam o Sul e pretendem impor a sharia em todo o país. Ainda influenciados pelo wahabismo, podemos destacar o grupo terrorista Al-Shabab, traduzido como “A Juventude”. São atuantes na Somália, Quênia, Etiópia e Djibuti. Pretendem implantar a sharia e o Estado Islâmico. O grupo Hamas, acrônimo parcial de “Movimento de Resistência Islâmica”, é atuante na Faixa de Gaza. De orientação wahabista, foi criado em 1987. Durante muitos anos seria um dos aliados do Fatah, um acrônimo que pode ser traduzido como "Movimento de Libertação Nacional da Palestina". O Fatah influenciou politicamente a Autoridade Palestina, liderando todos os movimentos de contestação ao Estado de Israel. Nas eleições parlamentares de 2006, perdeu para o Hamas, que os expulsou da Faixa de Gaza e passou a governá-la. Dentre suas ideologias estão a destruição do Estado de Israel, criando em seu lugar um Estado Palestino. Após ser expulso, o Fatah se organizou na Cisjordânia, parte do antigo território da Autoridade Palestina entre Israel e Jordânia. O Fatah tem sido acusado por vários grupos islâmicos fundamentalistas de ceder aos inimigos judeus. Dentre os apoiadores do Fatah estão as Brigadas dos Mártires de Al- Aqsa, forças independentes constituídas de palestinos que, mesmo sem serem 7 considerados terroristas, possuem como objetivo a criação de um Estado palestino, e atacam alvos israelenses. No Líbano, atua o Hezbollah. Não é um grupo xiita, mas pretendem o fim de Israel e a criação de um Estado Palestino. Governam boa parte do país, com uma estrutura de organização que suplanta os outros grupos mais radicais. São considerados terroristas em vários países; porém, possuem apoio de outros, como o Irã e a Rússia. TEMA 4 – O ISLAMISMO NO BRASIL Para a tradição islâmica, os muçulmanos chegaram na América muito antes dos europeus cristãos. Os registros da chegada dos primeiros muçulmanos no Brasil remontam ao período colonial, ainda no século XVI, com navegadores mercantes que procuravam as terras brasílicas em busca de novos produtos e compradores. Na África, destacaram-se como comerciantes de escravos para América, não sendo raro encontrá-los em mercados de escravos como os existentes no Brasil. Além dos comerciantes, também vieram como escravizados muçulmanos de origem subsaariana. Esses escravizados muçulmanos que vieram para o Brasil tiveram grande influência na construção da identidade brasileira, principalmente na cultura do Nordeste, com suas vestimentas, culinárias e principalmente na construção do sincretismo das religiões afro-brasileiras. No fim do século XIX, são registradas as entradas de muitos imigrantes muçulmanos vindos do Oriente Médio para dedicarem-se ao comércio nos grandes centros urbanos, bem como nos sertões do Brasil, como caixeiros viajantes. Estabeleceram-se em várias cidades do interior do país, na Amazônia e Nordeste. Mais tarde, no século XX, na época da Primeira Grande Guerra, muitos muçulmanos originários de países como o Líbano e a Síria migraram desesperadamente, fugindo das guerras que assolavam toda a região. Os primeiros chegados nesse período organizaram suas comunidades e prepararam os lugares para abrigar mais pessoas que fugissem dos conflitos do Oriente Médio. Muitos desses formaram importantes congregações em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. 8 Na década de 1980 os conflitos entre árabes e israelenses causou mais dor e sofrimento, obrigando muitos árabes – que não queriam participar dos conflitos – a migrarem para o Brasil. Com isso, fortaleceram as comunidades existentes em importantes centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, com destaque para cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, fronteira com o Paraguai e a Argentina – a região tem hoje uma próspera comunidade de comerciantes. TEMA 5 – A DIVERSIDADE NO ISLÃ O islamismo é caracterizado pela sua pretensão de tornar-se uma cultura universal. Nesse sentido, podemos afirmar que o islã está difundido em praticamente todos os lugares do mundo, e já possui o status de segunda maior religião, sendo a que exibe maior crescimento. Todas as culturas, quando absorvidas ou quando trocam aspectos das suas particularidades, deixam impressos os traços das suas antigas identidades. No caso da cultura árabe e do islamismo, as diferenças se fazem notar dada a grande diversidade de povos que se convertem ao islã. Dentre essas características podemos citar os idiomas, que absorvem termos específicos da língua árabe e do Alcorão; porém, mantêm muitas características das suas antigas vestimentas, da culinária e de outros aspectos que conservam das suas particularidades étnicas. Muitos dos povos islamizados se diferenciam fisicamente do povo árabe, mas procuram o ponto de interseção no islamismo. Dentre os povos islâmicos e suas diferenças podemos citar os indonésios, que falam o idioma indonésio e malaio, sendo fisicamente mais aproximados dos povos do Extremo Oriente. Há também os paquistaneses, que falam a língua urdu, e se assemelham aos indianos. Os turcos são uma grande mistura da Europa e do Oriente Médio: falam o idioma turco e o árabe. Os iemenitas vivem na Península Arábica, mas além de fisicamente e culturalmente bem diferenciados, ainda falam a língua iemenita. Há os berberes na África e os muçulmanos subsaarianos, que falam línguas diversas e possuem a pele mais escura. Também os curdos, habitantes das montanhas da Síria, da Turquia, do Iraque e Irã, falam a língua curda além de outros dialetos.9 No Irã, são xiitas e falam a língua persa, e são culturalmente e fisicamente mais parecidos com os muçulmanos do Tajiquistão. Os muçulmanos da Arábia Saudita, sunitas que professam o wahabismo e outras vertentes religiosas, possuem em comum vários traços além da língua árabe com os muçulmanos da Faixa de Gaza, da Argélia e da Tunísia. Já os muçulmanos da Cisjordânia, da Jordânia, da Síria, do Iraque e do Líbano professam o islã de maneiras diferenciadas: dividem-se entre sunitas e xiitas e possuem uma visão da política que diverge dos grupos fundamentalistas, aproximando-se mais do Ocidente. NA PRÁTICA Elabore um quadro com os principais grupos fundamentalistas do islã e também organize no quadro as informações referentes à diversidade dos muçulmanos. Depois procure na internet dados sobre as comunidades islâmicas no Brasil perto da sua casa. FINALIZANDO Nesta aula, tratamos do processo de modernização e ocidentalização de alguns países islâmicos, e também explicamos o movimento religioso do wahabismo e sua influência nos vários grupos e governos da atualidade. Traçamos um panorama dos principais grupos fundamentalistas considerados terroristas no mundo. Fizemos uma narrativa da chegada dos primeiros muçulmanos no Brasil e a criação de importantes comunidades, e finalizamos abordando a grande diversidade que existe entre os muçulmanos no mundo. 10 REFERÊNCIAS AZEVEDO, M. S. de. Mística islâmica: atualidade e convergência com a espiritualidade cristã. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. BENDRISS, E. Y. Breve historia del islam. Madri: Nowtilus, 2013. HOURANI, A. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. HUSAIN, S. O que sabemos sobre o Islamismo? São Paulo: Callis, 1999. NABHAN, N. N. Islamismo: de Maomé a nossos dias. São Paulo: Ática, 1994.
Compartilhar