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A (DES)CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DE UMA UNIVERSIDADE DO 
INTERIOR DE MINAS GERAIS CRIADA NA DÉCADA DE 1960: A VISÃO DE 
ANTIGOS DOCENTES 
 
 Maria José de Morais Pereira 
 Lúcio Aparecido Moreira 
 Universidade de Itaúna 
 
 
A Universidade de Itaúna, localizada, na região centro-oeste de Minas Gerais, a 
oitenta quilômetros de Belo Horizonte, completa quatro décadas de funcionamento, o 
que justificou uma pesquisa sobre a construção de sua história a partir do olhar dos 
professores que viram o seu nascimento, acompanharam a sua implantação, o seu 
desenvolvimento e ainda prestam serviços na instituição. É relevante esclarecer que a 
Universidade de Itaúna conta, no momento, com 62 cursos. O seu campus está 
localizado numa área de 1.572.005 metros quadrados, com prédios e laboratórios bem 
projetados e equipados adequadamente. Ressalta-se, sobretudo, no campus a extensa 
área verde e a beleza dos jardins que cercam todos os prédios. Estes dados são 
importantes para uma melhor compreensão dos relatos dos antigos professores da 
instituição. 
A pesquisa foi realizada com seis professores, sendo dois da Faculdade de 
Engenharia, dois da Faculdade de Direito e dois da Faculdade de Odontologia. A 
escolha dos professores destas Faculdades não foi aleatória. Foram escolhidos devido ao 
fato de que já se fazia, através do Grupo de Estudos e Pesquisa do Ensino Superior – 
GEPES, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, uma pesquisa com 
os alunos egressos destas Faculdades. Uma das características que definiu esse trabalho 
está no fato de que ele foi desenvolvido no espaço de uma oficina de formação para a 
pesquisa, através da iniciação científica, integrando, portanto, estudantes de graduação 
das Faculdades de Educação, Direito, Engenharia, Odontologia e Educação Física. 
Tratou-se, assim, de um trabalho, no qual, em todas as suas etapas, o grupo de alunos 
teve oportunidades de formação nas diferentes competências exigidas pela pesquisa em 
ciências sociais. Durante o seu desenvolvimento tivemos a possibilidade de confrontar 
os dados das duas pesquisas e de realizar uma análise mais profunda sobre o papel 
desempenhado pela Universidade de Itaúna no âmbito social, econômico e cultural da 
cidade, da região e do país. A pesquisa contou com o financiamento do Programa de 
Apoio, Fomento e Acompanhamento da Pesquisa, da Universidade de Itaúna (PAFAP). 
Os estudos permitiram a constituição da história da Universidade de Itaúna 
descortinando as transformações ocorridas desde a sua criação, no ano de 1964, e as 
mudanças sociais das décadas de sessenta e setenta e as transformações da década de 
oitenta e noventa. Dos seis professores entrevistados, quatro entraram na Universidade, 
nas primeiras turmas, como alunos, tendo logo após a suas formaturas, ingressado no 
quadro de docentes da mesma. Portanto, estes professores puderam falar sobre a 
Universidade sob os dois olhares: o de ex-alunos e o de professores. 
Para os estudos e análise dos dados utilizamos os aportes teóricos de autores 
que, nos últimos anos, vêm se dedicando a estudos e pesquisas sobre trajetórias de 
professores e sobre especificidades e singularidades da profissão docente, entre eles 
Nóvoa, Arroyo, Contreras e Estrela. 
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 Buscamos nas histórias dos docentes os traços marcantes das trajetórias de 
cada professor e a relação dessas trajetórias na construção da identidade da Instituição 
Universidade de Itaúna. Tivemos, assim, a oportunidade de refletir sobre a profissão 
docente nesta Universidade desde a sua criação e implantação. Nesse sentido, a 
pesquisa, através da reconstrução das trajetórias dos professores, possibilitou rever 
papéis e retomar conceitos sobre a profissão docente na Universidade de Itaúna. 
Procurou-se, ainda, analisar a percepção dos docentes sobre a influência da 
Universidade na sua trajetória pessoal e profissional e nas suas relações com a vida 
social, cultural e política, principalmente na cidade de Itaúna. Foi utilizado, como 
referência para a localização dos docentes, o tempo de exercício na Universidade, de 
acordo com os registros documentais do Departamento de Pessoal da Instituição. 
Foi utilizada a abordagem metodológica própria da história oral: método de 
trabalho que incide sobre o passado dos atores, sobre aspectos da vida profissional e 
social, particularmente da esfera do cotidiano. Os relatos pessoais, filtrados pelo tempo 
e pelos percursos individuais, permitiram a reconstituição do passado e a visão deste 
passado, no presente. 
A história oral foi realizada através de entrevistas abertas com os docentes, as 
quais foram gravadas e transcritas. Com o consentimento dos entrevistados, após cada 
entrevista, fez-se o registro do momento através de fotografias que constam do relatório 
final da pesquisa. Os depoimentos permitiram a utilização da memória como fator 
dinâmico da interação entre o passado e o presente. 
Do ponto de vista metodológico, alguns aspectos importantes foram 
observados, desde o momento inicial de obtenção dos dados até o final de sua análise: a 
atenção à relação fundamental existente entre as representações e ações dos 
entrevistados e os contextos específicos que as determinaram; a atitude de atenção e 
escuta dos entrevistados, evitando intervenções durante o relato e o cuidado com o 
estabelecimento de generalizações. 
Alguns passos foram seguidos na análise dos dados obtidos através das 
entrevistas de história oral: a) leitura flutuante do material, intercalando a escuta do 
material gravado com a leitura do material transcrito para garantir a fidelidade da 
transcrição, deixando aflorar os temas relacionados, principalmente, com a criação e 
implantação da Universidade de Itaúna; b) o cuidado e a atenção para não fugir aos 
objetivos da pesquisa, checando os diferentes e diversos aspectos relacionados às 
questões de estudo; c) a organização da trajetória profissional de cada docente 
entrevistado, ordenando os dados obtidos numa seqüência cronológica; d) a análise 
comparativa dos diferentes momentos vividos e narrados pelos professores, 
identificando aspectos comuns e específicos, bem como as continuidades e rupturas, de 
acordo com características individuais detectadas; e) a identificação de alguns traços 
característicos de cada trajetória dos professores tais como: ingresso no magistério, 
nível de satisfação com a carreira, relações entre o professor e a Universidade de 
Itaúna, expectativas dos professores em relação à Universidade, expectativas e 
alternativas apontadas pelos professores para a profissão, imagens dos alunos do 
passado e de hoje e a visão da Universidade de Itaúna ao longo de sua história. 
Arroyo (2000 p. 189), afirma que 
a história do magistério não se escreve isolada dos processos 
culturais mais amplos, das idéias e dos valores, da herança 
histórica que vem consolidando uma determinada cultura social e 
política, nem dos interesses das classes, dos governos, das forças 
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econômicas que fazem avançar ou retardar a consolidação dessa 
cultura. 
 
As trajetórias dos professores permitiram o levantamento de dados que 
possibilitaram a visão do contexto histórico em que deu a criação da Universidade de 
Itaúna: naquele momento o nosso país vivia uma grande revolução política marcada 
pelo ínicio do regime militar. Os professores se lembraram que a Universidade de 
Itaúna nasceu quando os militares, após a renúncia do presidente Jânio Quadros e a 
deposição de João Goulart, que havia assumido a presidência tomaram o poder. Um 
professor recordou em sua entrevista: “o país ainda vivia o clima de esperança e, 
principalmente em Itaúna, pensava-se que o golpe militaracontecera para salvar o 
Brasil do comunismo”. 
 Todos os professores que participaram da pesquisa enfatizaram este momento 
da história brasileira e lamentaram o que aconteceu após a instauração do governo 
militar. Eles disseram que, no início, acreditavam que o governo militar daria “conta de 
resolver os problemas brasileiros”. 
Para Goodson, citado por Nóvoa em “Vida de Professores” ( 2000, p. 75), 
 
os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar-nos 
a ver o indivíduo em relação com a história do seu tempo, 
permitindo-nos encarar a intersecção da história de vida com a 
história da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, 
contingências e opções que se deparam ao indivíduo. 
 
Mediante a análise dos relatos orais detectou-se a interferência dos 
acontecimentos sociais e políticos na criação e instalação da Universidade de Itaúna, no 
contexto da década de sessenta e de seu desenvolvimento através do tempo, bem como 
as reações dos professores a esses acontecimentos. 
A “criação da Universidade de Itaúna foi recebida com grande euforia”, disse 
um dos professor. Ela começou a funcionar com cinco cursos, diz outro: “a Faculdade 
de Direito, carro chefe, a Faculdade de Odontologia que se tornou uma das melhores do 
país, a Faculdade de Filosofia, a Faculdade de Engenharia e a Faculdade de 
Enfermagem”. “Esta última não decolou”. Três dos professores entrevistados se 
lembraram deste fato, mas nenhum soube explicar porque a Faculdade de Enfermagem 
não “decolou”. Contudo, o relato de um dos professores é revelador: “naquele momento 
a criação e implementação da Universidade era mais importante que os próprios cursos 
que a constituiriam, isto é: os cursos foram criados seguindo o pensamento e o ideal de 
cada um daqueles que pensava e idealizava uma universidade”. Como o grupo de 
“idealizadores” da Universidade de Itaúna era composto por pessoas de diferentes 
profissões e segmentos, destacando-se entre elas, funcionários do Banco do Brasil, 
advogados, médicos e dentistas, ligados à política local, cada uma “queria realizar o seu 
sonho de ter uma faculdade”. Pode-se concluir que, naquele momento, não havia 
demanda para o funcionamento da Faculdade de Enfermagem que só foi instalada no 
ano de 2005. 
Os professores falaram sobre o início do funcionamento da Universidade como 
um momento de grandes sacrifícios e trabalho: “Teve época em que não recebíamos o 
salário e, até o material de uso no laboratório, nós mesmos tínhamos que comprar”. 
 
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Contudo, afirmaram que, “apesar das dificuldades, aquela “foi uma época de 
muita esperança, união e alegrias”. 
Demonstrando um grande orgulho de ter participado da história da 
universidade, um professor fez o seguinte relato: 
 
Começamos pequenos, mas pensando grande. No início a idéia 
era criar uma Escola de Enfermagem. Contudo Dr. 
Miguel(Miguel Augusto Gonçalves de Sousa, fundador da 
Universidade de Itaúna) arranjou 500, não sei se reais ou 
cruzeiros, e criou uma Universidade. 
 
Constata-se nas histórias relatadas que os primeiros professores eram 
profissionais que não residiam em Itaúna e que vinham, principalmente, de Belo 
Horizonte. Muitos não eram professores e vinham para a Universidade, por acaso, 
como convidados, e acabavam aceitando o desafio de se tornarem professores e de 
construírem uma universidade. 
Relata um dos professores: 
 
Eu vim aqui fazer uma palestra em 1967 e acabei ficando. 
Portanto eu vim por acaso. No início não tinha espaço físico. 
Alguns professores, famosos, foram trazidos para dar nome ao 
curso de odontologia. Eram professores da UFMG e vieram para 
iniciar o curso. Eles trouxeram ajudantes e outros profissionais. 
Eu não era um profissional de carreira e acabei me formando um 
professor, fazendo palestras em várias cidades. 
 
 
 A Universidade começou a funcionar sem possuir prédio próprio. Funcionava 
em prédios de escolas públicas, cedidos pelo Estado e em salas improvisadas. Contudo, 
os professores afirmam que isto “não era problema” pois, “havia uma vontade enorme 
de fazer com que a Universidade funcionasse bem e crescesse” . Os seus relatos 
comprovam o “tamanho da tarefa que tínhamos pela frente”: 
 
Começamos dando aulas em salas improvisadas, na Escola 
normal, no Posto de Saúde, em barracões. Foi muito difícil e a 
Universidade só foi crescendo, graças ao esforço de todos. Se 
outras escolas do interior tinham nomes de escolinhas do interior, 
com a Universidade de Itaúna não aconteceu isso. Nós não viemos 
para cá somente para dar aula; nós viemos para ensinar. Nós 
formamos muitos profissionais competentes. Nós aprendemos 
muito também e a Universidade criou uma tônica: ensinar bem. 
Para nós era importante que os alunos se sobressaíssem na 
profissão. 
 
E outra coisa, a dificuldade era que nós não tínhamos sequer uma 
sala pra nós, professores. Então a nossa sala de professores era 
junto com a sala de professores da Escola Normal no Colégio 
Estadual. Nós não tínhamos a mínima liberdade. Por exemplo, o 
nosso café era na pontinha da mesa porque a sala ficava cheia de 
professores do Estadual. 
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A situação das instalações era precária, tudo era improvisado, 
contudo o ensino era bom. 
 
A ligação afetiva e as relações positivas entre os professores e alunos 
constituem uma importante fonte de lembranças felizes e saudosas. Os alunos das 
primeiras turmas foram lembrados com muito orgulho e carinho: 
 
Os primeiros alunos que foram para Bauru para fazer a Pós-
graduação abriram caminho para os outros porque todos os 
alunos da Universidade de Itaúna que chegavam lá eram bem 
recebidos, porque eram bons alunos. 
 
A relação com os alunos era tão boa que me rendeu muitos 
afilhados de casamento e, inclusive, ganhei afilhados de batismo 
de filhos de ex-alunos. 
 
 
As relações de amizade e de camaradagem que se estabeleciam entre 
professores e alunos pareciam representar uma possibilidade de vivências democráticas, 
“apesar da ditadura militar”, como ressalta um professor. 
 
A universidade tinha um ambiente mais democrático e eu achei 
aquilo muito bom porque vim de uma escola repressora. (...) Era 
uma época de lutas, mas de muita união, alegria e realização. 
Apesar de vivermos numa ditadura militar, na Universidade era 
tudo muito democrático. 
 
Os relatos, além de “carregados de emoção” vinham, também, acentuados 
pelo sentimento de “forte orgulho de ter participado da construção da Universidade”. 
Isto pode ser evidenciado pelo gesto que o professor fez quando, abrindo os braços e 
com uma entonação de voz que denotava todo o seu orgulho, mostrou o campus e falou: 
“Veja o tamanho da nossa Universidade, o quanto ela cresceu”. E acrescentou: 
 
Hoje não há nada acanhado aqui. Se falar que vai abrir uma filial 
na lua, eu acredito. Aqui tudo acontece grande. Os homens que aqui 
trabalham são honestos, nós não vemos falcatruas aqui. 
 
A afirmação sobre a boa qualidade de ensino foi freqüente nos relatos de 
todos os professores que se sentem responsáveis pela “construção da Universidade” e 
destacam “a sua importância no cenário social e econômico da região”: 
 
Meu primeiro filho passou na UFMG e aqui. Eu quis que ele 
fizesse o curso aqui e hoje já é mestre e trabalha aqui, também. 
 
Para dar resultado é necessário um bom ensino. Quase 80% dos 
professores da Universidade, hoje, foram meus alunos. 
 
Eu que vim de fora e continuo morando em Belo Horizonte. Vejo 
hoje que a maioria dos professores da Universidade de Itaúna, é 
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formada por ex-alunos que moram na cidade. Isto é muito bom 
para eles e para a Universidade. A Universidade é a maior 
empregadora da região. 
 
A emoção foi o fato mais marcante das entrevistas e se fez presente em muitos 
relatos. Um professor chegou a chorar quando se lembrou do início do seu trabalho na 
Instituição e de como ele “gostaria de ter forças para continuar trabalhando por muito 
mais tempo”. Explicou asua emoção dizendo: 
 
Eu não sou apenas um funcionário. Eu amo a Universidade de 
Itaúna. Eu tenho 76 anos. Eu entrei aqui moço e estou 
envelhecendo aqui. A minha mente continua boa, sinto, contudo, o 
corpo que não acompanha. Aqui eu vivi uma história de sucesso, 
de vitória. 
 
 Eles relatam as dificuldades, a falta de recursos e as improvisações que exigiam 
de cada um muita criatividade e esforços para “montar ambientes acadêmicos” e equipar 
a Universidade: 
 
Veja aqui ao lado: a sala nobre foi doação da “ABO”, os 
equipamentos eram doados, reaproveitados, consertados. 
 
Os primeiros motores de alta rotação que a escola de odontologia 
teve foram doados por dentistas que renovaram seus consultórios. 
 
Para ajudar na construção da UI foram realizados vários eventos, 
como por exemplo, a rifa de um carro para terminar o prédio da 
Faculdade de Direito. Até ex-alunos participaram da rifa deste 
carro. Interessante é que no ato do sorteio saiu o bilhete em 
branco e o carro ficou para a Universidade que já estava 
precisando de um veículo. 
 
A emoção esteve presente também nas lembranças dos antigos colegas que já 
faleceram como, por exemplo, o Dr. Jair Raso, da Faculdade de Odontologia, o Dr. 
Lauro Antunes e Professor Geraldo Santos, da Faculdade de Direito. 
A lembrança dos “antigos colegas de luta que já se foram foi muito forte e 
parecia trazer uma saudade imensa. Bons tempos aqueles”, diz um professor. 
Todos os professores afirmaram que os alunos das primeiras turmas eram mais 
responsáveis e dedicados e explicaram que isto acontecia porque os “alunos eram mais 
velhos” e interessados. Para todos eles, os alunos, hoje, entram na Universidade mais 
cedo, muito mais jovens e sem preparo necessário para os estudos universitários. Eles 
julgam que a principal causa da falta de preparo dos alunos está na “má qualidade do 
ensino público” e que as escolas de educação básica têm grande “responsabilidade” 
pela situação do ensino universitário. Por outro lado, eles falam na seleção do vestibular 
que deixa entrar na universidade alunos despreparados. Antigamente, dizem eles: “Tudo 
era mais rigoroso”. Contudo, nenhum deles falou sobre a expansão do ensino básico 
que possibilitou o ingresso de alunos de classes populares na universidade. 
Este fato é constatado por Esteve (1999), ao afirmar que 
 
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alguns professores recordam os bons e felizes tempos em que só 
freqüentavam as aulas, sobretudo no ensino secundário, os filhos 
das classes média e alta. A expansão escolar tornou impossível a 
vantagem da uniformidade que pressupunha o acesso ao ensino de 
uma elite social, tanto mais restrita quanto mais se avançava na 
hierarquia do sistema escolar. (Esteve, 1999, p. 102) 
 
 Percebemos nos relatos dos professores que as mudanças ocorridas com 
relação ao comportamento dos alunos de hoje, “mais desinteressados e menos 
responsáveis”, provocam certo desconforto. 
 
As turmas não eram muito grandes e era necessário dividir em 
grupos de alunos porque a sala era pequena. Mas não havia 
problemas. Alunos já formados iam assistir às aulas. Não havia 
disputas, nem indisciplina. 
 
Os alunos eram mais velhos e alguns já trabalhavam, eles eram 
mais interessados. Os alunos hoje são mais jovens. Eles vêm mais 
fracos, menos maduros, menos preparados e mais desinteressados 
para o estudo. A escola básica pública tem grande 
responsabilidade por essa situação. 
 
O nível dos alunos caiu muito. Também, o número de candidatos 
ao vestibular diminuiu. Portanto, a seleção é menor. Dados 
recentes mostram que foram criados em media, desde 2002, seis 
cursos superiores por dia. Isto complica muito, a seleção no 
vestibular é muito pequena. 
 
No início os alunos pobres buscavam ajuda para estudar e eles 
levavam a sério o estudo. Lembro-me de um ex-aluno que dizia: 
Eu ganhei e estudo com bolsa da Siderúrgica Pedra Negra, 
portanto tenho que aproveitar o curso. 
 
 
 Histórias engraçadas e fatos inusitados mostraram a relação carinhosa entre 
professores e alunos e se tornaram lembranças alegres provocando momentos 
descontraídos durante as entrevistas. O relato seguinte foi acompanhado de “uma boa 
gargalhada”: 
 
As histórias vividas nas salas de aula são muito interessantes e 
algumas até engraçadas. Eu me lembro do susto que um aluno me 
passou. Ele era pastor e eu o peguei colando. Quando eu lhe tomei 
a prova ele desmaiou...imaginem o rebuliço. 
 
 
Para os professores que foram alunos da Universidade de Itaúna, esta teve um 
papel preponderante em suas vidas. Eles demonstraram nos seus relatos a admiração 
que sentem por seus ex-professores e a importância que a Universidade tem em suas 
vidas: 
 
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Os primeiros professores daqui se preparam muito bem e, 
inclusive, fizeram cursos com professores famosos vindos do 
exterior. 
 
Eu era aluno e vinha de BH. Nós fazíamos amizade com os 
professores e com eles saíamos para tomar “cervejinha” e “bater 
papo”. As discussões nos botecos ou nas casas de alguns 
professores eram verdadeiras aulas extraclasse que muitas vezes 
tinham a sua continuidade na sala de aula. Quando me formei, 
houve a possibilidade de trabalhar na Faculdade como assistente 
e eu estou aqui, até hoje. 
 
Muitos ex-alunos meus ocupam, hoje, cargos importantes na área 
de serviços públicos e de empresas e, muitos, são, hoje, 
professores da Universidade. Muitos ex-alunos que vieram de 
outras cidades, receberam, como eu, o titulo de cidadãos 
itaunenses. Isto é um orgulho muito grande. 
 
A presença destes ex-alunos como professores é significativo para 
a história da Universidade de Itaúna. Eles se enquadram na faixa 
dos melhores e mais dedicados professores da Universidade 
porque eles vestem a camisa. 
 
Sobre a relação da Universidade com a comunidade itaunense, os professores 
recordaram o impacto causado com a chegada dos jovens que vieram para estudar e 
provocaram “uma verdadeira revolução nos costumes da cidade que era muito 
tradicional”. Esta afirmativa foi incisivamente marcada por todos os professores 
entrevistados. É importante ressaltar que Itaúna era uma cidadezinha que tinha, 
segundo dados estatísticos de 1964, informados pela Prefeitura Municipal, 36.459 
habitantes. Hoje, Itaúna, conta com uma população de 83.420 habitantes. 
Os professores falaram sobre a instalação “das repúblicas” que eram 
denominadas com os “mais estranhos nomes, muitos com cunho pejorativo e imoral”. 
“As repúblicas causaram grande confusão nas famílias itaunenses e até foram motivos 
de escândalos numa comunidade tradicional e moralista como a de Itaúna”, relatam os 
professores. 
 Eles lembram que, no início, as “moças de boa família eram proibidas de 
namorar estudantes de fora” e, “durante muitos anos, as moças que freqüentavam as 
repúblicas ficavam mal faladas”. Hoje, dizem eles, “os costumes mudaram muito e isso 
(referem-se à freqüência de moças em repúblicas) não causa nenhuma estranheza”. 
“Com o tempo, a aceitação da Universidade e a convivência entre os alunos e a 
comunidade foi completa”, diz um professor. Os “impactos” causados pela 
Universidade na sociedade de Itaúna são interessantes e, às vezes, instigantes como se 
pode perceber nos relatos seguintes: 
 
A chegada de tantos alunos ajudou a desencalhar muitas moças 
que já eram consideradas titias. Isto foi muito bom”. 
 
 A criação da Universidade de Itaúna foi uma euforia coletiva. As 
moças ficaram eufóricas porque vieram rapazes de fora para cá. 
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As repúblicas... causaram uma verdadeira revolução na cidade. A 
cidade ficou mais movimentada, os costumes foram mudando.... 
 
 O fato da criação da Universidade de Itaúna causou um grande 
impacto nos costumes da cidade. Os alunos deram um novo “tom” 
ao movimento social da cidade. Muitos foram os alunos de fora 
que se casaram durante o curso e muitos foram os que se 
separaram e se casaramoutra vez aqui em Itaúna. 
 
A convivência entre os alunos, a vida em “repúblicas”, 
proporcionava uma vida social intensa e uma relação mais aberta 
entre moças e rapazes. 
 
 
Conclusão 
 
A pesquisa proporcionou a todos aqueles que dela participaram momentos 
muito interessantes e prazerosos. Foi relevante para todos, pesquisadores e alunos do 
Grupo GEPES, conhecerem a história da Universidade de Itaúna através da história de 
vida dos professores e também terem uma visão do contexto histórico em que se deu a 
sua criação e implantação. Em todas as entrevistas o ponto mais marcante foi o 
envolvimento afetivo dos entrevistados com a Instituição. 
O desafio de um empreendimento arrojado para a época, que exigiu para a sua 
consecução muito esforço e até mesmo “sacrifícios”, como é citado por alguns, deu, 
na medida certa, principalmente para os jovens alunos da iniciação científica o exemplo 
de que somos capazes de realizar sonhos e construir futuro. 
Por outro lado, situar a Universidade de Itaúna no seu processo histórico, 
possibilitou a percepção de que, ao mesmo tempo em que a sua instalação e 
implementação eram causas de muitas mudanças, ela própria era também alvo de outras 
tantas mudanças. 
Os relatos dos professores permitiram a constatação das acentuadas 
transformações sociais, políticas e econômicas, acontecidas nas décadas de 1960, 1970, 
1980 e 1990, que mudaram profundamente os processos culturais da cidade de Itaúna, 
consolidando as relações da Universidade e da comunidade. 
Uma pergunta “fica no ar”: como a “pequena cidade tradicional e moralista” 
sentiu e, ainda sente (?), os “tremores de seus alicerces”? 
A pesquisa nos proporcionou os resultados esperados e consideramos 
importante continuar a desenvolvê-la com outros antigos professores da instituição. No 
transcorrer das entrevistas outros professores se mostraram interessados em participar 
da mesma. Concluímos que é relevante para o desenvolvimento desta Universidade 
ouvir os atores-professores que fizeram e fazem parte de sua história. 
Constatamos que a Universidade de Itaúna é, hoje, uma Instituição consolidada 
no cenário educacional brasileiro, dando a sua efetiva contribuição para a formação de 
cidadãos comprometidos com o desenvolvimento do nosso país. Esta constatação nos 
leva à reflexão de que não se pode fazer, hoje, o que se fez no passado: a Universidade 
precisa de planejamento para que a sua oferta de cursos atenda à demanda da 
sociedade. Constamos, ainda, que o investimento na formação de seus professores e, 
sobretudo, no incentivo à formação de professores-pesquisadores, que como afirmaram 
os antigos professores “vestem a camisa da instituição”, são necessário para que a 
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posição de uma universidade regional, como a Universidade de Itaúna, seja consolidada 
como pólo de ensino e pesquisa. 
A pesquisa possibilitou destacar o importante papel desempenhado pela 
Universidade de Itaúna na vida de cada um dos professores, importância esta 
evidenciada na forte expressão de um deles: 
 
 Sou feliz na Universidade de Itaúna. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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