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A (DES)CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DE UMA UNIVERSIDADE DO INTERIOR DE MINAS GERAIS CRIADA NA DÉCADA DE 1960: A VISÃO DE ANTIGOS DOCENTES Maria José de Morais Pereira Lúcio Aparecido Moreira Universidade de Itaúna A Universidade de Itaúna, localizada, na região centro-oeste de Minas Gerais, a oitenta quilômetros de Belo Horizonte, completa quatro décadas de funcionamento, o que justificou uma pesquisa sobre a construção de sua história a partir do olhar dos professores que viram o seu nascimento, acompanharam a sua implantação, o seu desenvolvimento e ainda prestam serviços na instituição. É relevante esclarecer que a Universidade de Itaúna conta, no momento, com 62 cursos. O seu campus está localizado numa área de 1.572.005 metros quadrados, com prédios e laboratórios bem projetados e equipados adequadamente. Ressalta-se, sobretudo, no campus a extensa área verde e a beleza dos jardins que cercam todos os prédios. Estes dados são importantes para uma melhor compreensão dos relatos dos antigos professores da instituição. A pesquisa foi realizada com seis professores, sendo dois da Faculdade de Engenharia, dois da Faculdade de Direito e dois da Faculdade de Odontologia. A escolha dos professores destas Faculdades não foi aleatória. Foram escolhidos devido ao fato de que já se fazia, através do Grupo de Estudos e Pesquisa do Ensino Superior – GEPES, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, uma pesquisa com os alunos egressos destas Faculdades. Uma das características que definiu esse trabalho está no fato de que ele foi desenvolvido no espaço de uma oficina de formação para a pesquisa, através da iniciação científica, integrando, portanto, estudantes de graduação das Faculdades de Educação, Direito, Engenharia, Odontologia e Educação Física. Tratou-se, assim, de um trabalho, no qual, em todas as suas etapas, o grupo de alunos teve oportunidades de formação nas diferentes competências exigidas pela pesquisa em ciências sociais. Durante o seu desenvolvimento tivemos a possibilidade de confrontar os dados das duas pesquisas e de realizar uma análise mais profunda sobre o papel desempenhado pela Universidade de Itaúna no âmbito social, econômico e cultural da cidade, da região e do país. A pesquisa contou com o financiamento do Programa de Apoio, Fomento e Acompanhamento da Pesquisa, da Universidade de Itaúna (PAFAP). Os estudos permitiram a constituição da história da Universidade de Itaúna descortinando as transformações ocorridas desde a sua criação, no ano de 1964, e as mudanças sociais das décadas de sessenta e setenta e as transformações da década de oitenta e noventa. Dos seis professores entrevistados, quatro entraram na Universidade, nas primeiras turmas, como alunos, tendo logo após a suas formaturas, ingressado no quadro de docentes da mesma. Portanto, estes professores puderam falar sobre a Universidade sob os dois olhares: o de ex-alunos e o de professores. Para os estudos e análise dos dados utilizamos os aportes teóricos de autores que, nos últimos anos, vêm se dedicando a estudos e pesquisas sobre trajetórias de professores e sobre especificidades e singularidades da profissão docente, entre eles Nóvoa, Arroyo, Contreras e Estrela. 2 Buscamos nas histórias dos docentes os traços marcantes das trajetórias de cada professor e a relação dessas trajetórias na construção da identidade da Instituição Universidade de Itaúna. Tivemos, assim, a oportunidade de refletir sobre a profissão docente nesta Universidade desde a sua criação e implantação. Nesse sentido, a pesquisa, através da reconstrução das trajetórias dos professores, possibilitou rever papéis e retomar conceitos sobre a profissão docente na Universidade de Itaúna. Procurou-se, ainda, analisar a percepção dos docentes sobre a influência da Universidade na sua trajetória pessoal e profissional e nas suas relações com a vida social, cultural e política, principalmente na cidade de Itaúna. Foi utilizado, como referência para a localização dos docentes, o tempo de exercício na Universidade, de acordo com os registros documentais do Departamento de Pessoal da Instituição. Foi utilizada a abordagem metodológica própria da história oral: método de trabalho que incide sobre o passado dos atores, sobre aspectos da vida profissional e social, particularmente da esfera do cotidiano. Os relatos pessoais, filtrados pelo tempo e pelos percursos individuais, permitiram a reconstituição do passado e a visão deste passado, no presente. A história oral foi realizada através de entrevistas abertas com os docentes, as quais foram gravadas e transcritas. Com o consentimento dos entrevistados, após cada entrevista, fez-se o registro do momento através de fotografias que constam do relatório final da pesquisa. Os depoimentos permitiram a utilização da memória como fator dinâmico da interação entre o passado e o presente. Do ponto de vista metodológico, alguns aspectos importantes foram observados, desde o momento inicial de obtenção dos dados até o final de sua análise: a atenção à relação fundamental existente entre as representações e ações dos entrevistados e os contextos específicos que as determinaram; a atitude de atenção e escuta dos entrevistados, evitando intervenções durante o relato e o cuidado com o estabelecimento de generalizações. Alguns passos foram seguidos na análise dos dados obtidos através das entrevistas de história oral: a) leitura flutuante do material, intercalando a escuta do material gravado com a leitura do material transcrito para garantir a fidelidade da transcrição, deixando aflorar os temas relacionados, principalmente, com a criação e implantação da Universidade de Itaúna; b) o cuidado e a atenção para não fugir aos objetivos da pesquisa, checando os diferentes e diversos aspectos relacionados às questões de estudo; c) a organização da trajetória profissional de cada docente entrevistado, ordenando os dados obtidos numa seqüência cronológica; d) a análise comparativa dos diferentes momentos vividos e narrados pelos professores, identificando aspectos comuns e específicos, bem como as continuidades e rupturas, de acordo com características individuais detectadas; e) a identificação de alguns traços característicos de cada trajetória dos professores tais como: ingresso no magistério, nível de satisfação com a carreira, relações entre o professor e a Universidade de Itaúna, expectativas dos professores em relação à Universidade, expectativas e alternativas apontadas pelos professores para a profissão, imagens dos alunos do passado e de hoje e a visão da Universidade de Itaúna ao longo de sua história. Arroyo (2000 p. 189), afirma que a história do magistério não se escreve isolada dos processos culturais mais amplos, das idéias e dos valores, da herança histórica que vem consolidando uma determinada cultura social e política, nem dos interesses das classes, dos governos, das forças 3 econômicas que fazem avançar ou retardar a consolidação dessa cultura. As trajetórias dos professores permitiram o levantamento de dados que possibilitaram a visão do contexto histórico em que deu a criação da Universidade de Itaúna: naquele momento o nosso país vivia uma grande revolução política marcada pelo ínicio do regime militar. Os professores se lembraram que a Universidade de Itaúna nasceu quando os militares, após a renúncia do presidente Jânio Quadros e a deposição de João Goulart, que havia assumido a presidência tomaram o poder. Um professor recordou em sua entrevista: “o país ainda vivia o clima de esperança e, principalmente em Itaúna, pensava-se que o golpe militaracontecera para salvar o Brasil do comunismo”. Todos os professores que participaram da pesquisa enfatizaram este momento da história brasileira e lamentaram o que aconteceu após a instauração do governo militar. Eles disseram que, no início, acreditavam que o governo militar daria “conta de resolver os problemas brasileiros”. Para Goodson, citado por Nóvoa em “Vida de Professores” ( 2000, p. 75), os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar-nos a ver o indivíduo em relação com a história do seu tempo, permitindo-nos encarar a intersecção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, contingências e opções que se deparam ao indivíduo. Mediante a análise dos relatos orais detectou-se a interferência dos acontecimentos sociais e políticos na criação e instalação da Universidade de Itaúna, no contexto da década de sessenta e de seu desenvolvimento através do tempo, bem como as reações dos professores a esses acontecimentos. A “criação da Universidade de Itaúna foi recebida com grande euforia”, disse um dos professor. Ela começou a funcionar com cinco cursos, diz outro: “a Faculdade de Direito, carro chefe, a Faculdade de Odontologia que se tornou uma das melhores do país, a Faculdade de Filosofia, a Faculdade de Engenharia e a Faculdade de Enfermagem”. “Esta última não decolou”. Três dos professores entrevistados se lembraram deste fato, mas nenhum soube explicar porque a Faculdade de Enfermagem não “decolou”. Contudo, o relato de um dos professores é revelador: “naquele momento a criação e implementação da Universidade era mais importante que os próprios cursos que a constituiriam, isto é: os cursos foram criados seguindo o pensamento e o ideal de cada um daqueles que pensava e idealizava uma universidade”. Como o grupo de “idealizadores” da Universidade de Itaúna era composto por pessoas de diferentes profissões e segmentos, destacando-se entre elas, funcionários do Banco do Brasil, advogados, médicos e dentistas, ligados à política local, cada uma “queria realizar o seu sonho de ter uma faculdade”. Pode-se concluir que, naquele momento, não havia demanda para o funcionamento da Faculdade de Enfermagem que só foi instalada no ano de 2005. Os professores falaram sobre o início do funcionamento da Universidade como um momento de grandes sacrifícios e trabalho: “Teve época em que não recebíamos o salário e, até o material de uso no laboratório, nós mesmos tínhamos que comprar”. 4 Contudo, afirmaram que, “apesar das dificuldades, aquela “foi uma época de muita esperança, união e alegrias”. Demonstrando um grande orgulho de ter participado da história da universidade, um professor fez o seguinte relato: Começamos pequenos, mas pensando grande. No início a idéia era criar uma Escola de Enfermagem. Contudo Dr. Miguel(Miguel Augusto Gonçalves de Sousa, fundador da Universidade de Itaúna) arranjou 500, não sei se reais ou cruzeiros, e criou uma Universidade. Constata-se nas histórias relatadas que os primeiros professores eram profissionais que não residiam em Itaúna e que vinham, principalmente, de Belo Horizonte. Muitos não eram professores e vinham para a Universidade, por acaso, como convidados, e acabavam aceitando o desafio de se tornarem professores e de construírem uma universidade. Relata um dos professores: Eu vim aqui fazer uma palestra em 1967 e acabei ficando. Portanto eu vim por acaso. No início não tinha espaço físico. Alguns professores, famosos, foram trazidos para dar nome ao curso de odontologia. Eram professores da UFMG e vieram para iniciar o curso. Eles trouxeram ajudantes e outros profissionais. Eu não era um profissional de carreira e acabei me formando um professor, fazendo palestras em várias cidades. A Universidade começou a funcionar sem possuir prédio próprio. Funcionava em prédios de escolas públicas, cedidos pelo Estado e em salas improvisadas. Contudo, os professores afirmam que isto “não era problema” pois, “havia uma vontade enorme de fazer com que a Universidade funcionasse bem e crescesse” . Os seus relatos comprovam o “tamanho da tarefa que tínhamos pela frente”: Começamos dando aulas em salas improvisadas, na Escola normal, no Posto de Saúde, em barracões. Foi muito difícil e a Universidade só foi crescendo, graças ao esforço de todos. Se outras escolas do interior tinham nomes de escolinhas do interior, com a Universidade de Itaúna não aconteceu isso. Nós não viemos para cá somente para dar aula; nós viemos para ensinar. Nós formamos muitos profissionais competentes. Nós aprendemos muito também e a Universidade criou uma tônica: ensinar bem. Para nós era importante que os alunos se sobressaíssem na profissão. E outra coisa, a dificuldade era que nós não tínhamos sequer uma sala pra nós, professores. Então a nossa sala de professores era junto com a sala de professores da Escola Normal no Colégio Estadual. Nós não tínhamos a mínima liberdade. Por exemplo, o nosso café era na pontinha da mesa porque a sala ficava cheia de professores do Estadual. 5 A situação das instalações era precária, tudo era improvisado, contudo o ensino era bom. A ligação afetiva e as relações positivas entre os professores e alunos constituem uma importante fonte de lembranças felizes e saudosas. Os alunos das primeiras turmas foram lembrados com muito orgulho e carinho: Os primeiros alunos que foram para Bauru para fazer a Pós- graduação abriram caminho para os outros porque todos os alunos da Universidade de Itaúna que chegavam lá eram bem recebidos, porque eram bons alunos. A relação com os alunos era tão boa que me rendeu muitos afilhados de casamento e, inclusive, ganhei afilhados de batismo de filhos de ex-alunos. As relações de amizade e de camaradagem que se estabeleciam entre professores e alunos pareciam representar uma possibilidade de vivências democráticas, “apesar da ditadura militar”, como ressalta um professor. A universidade tinha um ambiente mais democrático e eu achei aquilo muito bom porque vim de uma escola repressora. (...) Era uma época de lutas, mas de muita união, alegria e realização. Apesar de vivermos numa ditadura militar, na Universidade era tudo muito democrático. Os relatos, além de “carregados de emoção” vinham, também, acentuados pelo sentimento de “forte orgulho de ter participado da construção da Universidade”. Isto pode ser evidenciado pelo gesto que o professor fez quando, abrindo os braços e com uma entonação de voz que denotava todo o seu orgulho, mostrou o campus e falou: “Veja o tamanho da nossa Universidade, o quanto ela cresceu”. E acrescentou: Hoje não há nada acanhado aqui. Se falar que vai abrir uma filial na lua, eu acredito. Aqui tudo acontece grande. Os homens que aqui trabalham são honestos, nós não vemos falcatruas aqui. A afirmação sobre a boa qualidade de ensino foi freqüente nos relatos de todos os professores que se sentem responsáveis pela “construção da Universidade” e destacam “a sua importância no cenário social e econômico da região”: Meu primeiro filho passou na UFMG e aqui. Eu quis que ele fizesse o curso aqui e hoje já é mestre e trabalha aqui, também. Para dar resultado é necessário um bom ensino. Quase 80% dos professores da Universidade, hoje, foram meus alunos. Eu que vim de fora e continuo morando em Belo Horizonte. Vejo hoje que a maioria dos professores da Universidade de Itaúna, é 6 formada por ex-alunos que moram na cidade. Isto é muito bom para eles e para a Universidade. A Universidade é a maior empregadora da região. A emoção foi o fato mais marcante das entrevistas e se fez presente em muitos relatos. Um professor chegou a chorar quando se lembrou do início do seu trabalho na Instituição e de como ele “gostaria de ter forças para continuar trabalhando por muito mais tempo”. Explicou asua emoção dizendo: Eu não sou apenas um funcionário. Eu amo a Universidade de Itaúna. Eu tenho 76 anos. Eu entrei aqui moço e estou envelhecendo aqui. A minha mente continua boa, sinto, contudo, o corpo que não acompanha. Aqui eu vivi uma história de sucesso, de vitória. Eles relatam as dificuldades, a falta de recursos e as improvisações que exigiam de cada um muita criatividade e esforços para “montar ambientes acadêmicos” e equipar a Universidade: Veja aqui ao lado: a sala nobre foi doação da “ABO”, os equipamentos eram doados, reaproveitados, consertados. Os primeiros motores de alta rotação que a escola de odontologia teve foram doados por dentistas que renovaram seus consultórios. Para ajudar na construção da UI foram realizados vários eventos, como por exemplo, a rifa de um carro para terminar o prédio da Faculdade de Direito. Até ex-alunos participaram da rifa deste carro. Interessante é que no ato do sorteio saiu o bilhete em branco e o carro ficou para a Universidade que já estava precisando de um veículo. A emoção esteve presente também nas lembranças dos antigos colegas que já faleceram como, por exemplo, o Dr. Jair Raso, da Faculdade de Odontologia, o Dr. Lauro Antunes e Professor Geraldo Santos, da Faculdade de Direito. A lembrança dos “antigos colegas de luta que já se foram foi muito forte e parecia trazer uma saudade imensa. Bons tempos aqueles”, diz um professor. Todos os professores afirmaram que os alunos das primeiras turmas eram mais responsáveis e dedicados e explicaram que isto acontecia porque os “alunos eram mais velhos” e interessados. Para todos eles, os alunos, hoje, entram na Universidade mais cedo, muito mais jovens e sem preparo necessário para os estudos universitários. Eles julgam que a principal causa da falta de preparo dos alunos está na “má qualidade do ensino público” e que as escolas de educação básica têm grande “responsabilidade” pela situação do ensino universitário. Por outro lado, eles falam na seleção do vestibular que deixa entrar na universidade alunos despreparados. Antigamente, dizem eles: “Tudo era mais rigoroso”. Contudo, nenhum deles falou sobre a expansão do ensino básico que possibilitou o ingresso de alunos de classes populares na universidade. Este fato é constatado por Esteve (1999), ao afirmar que 7 alguns professores recordam os bons e felizes tempos em que só freqüentavam as aulas, sobretudo no ensino secundário, os filhos das classes média e alta. A expansão escolar tornou impossível a vantagem da uniformidade que pressupunha o acesso ao ensino de uma elite social, tanto mais restrita quanto mais se avançava na hierarquia do sistema escolar. (Esteve, 1999, p. 102) Percebemos nos relatos dos professores que as mudanças ocorridas com relação ao comportamento dos alunos de hoje, “mais desinteressados e menos responsáveis”, provocam certo desconforto. As turmas não eram muito grandes e era necessário dividir em grupos de alunos porque a sala era pequena. Mas não havia problemas. Alunos já formados iam assistir às aulas. Não havia disputas, nem indisciplina. Os alunos eram mais velhos e alguns já trabalhavam, eles eram mais interessados. Os alunos hoje são mais jovens. Eles vêm mais fracos, menos maduros, menos preparados e mais desinteressados para o estudo. A escola básica pública tem grande responsabilidade por essa situação. O nível dos alunos caiu muito. Também, o número de candidatos ao vestibular diminuiu. Portanto, a seleção é menor. Dados recentes mostram que foram criados em media, desde 2002, seis cursos superiores por dia. Isto complica muito, a seleção no vestibular é muito pequena. No início os alunos pobres buscavam ajuda para estudar e eles levavam a sério o estudo. Lembro-me de um ex-aluno que dizia: Eu ganhei e estudo com bolsa da Siderúrgica Pedra Negra, portanto tenho que aproveitar o curso. Histórias engraçadas e fatos inusitados mostraram a relação carinhosa entre professores e alunos e se tornaram lembranças alegres provocando momentos descontraídos durante as entrevistas. O relato seguinte foi acompanhado de “uma boa gargalhada”: As histórias vividas nas salas de aula são muito interessantes e algumas até engraçadas. Eu me lembro do susto que um aluno me passou. Ele era pastor e eu o peguei colando. Quando eu lhe tomei a prova ele desmaiou...imaginem o rebuliço. Para os professores que foram alunos da Universidade de Itaúna, esta teve um papel preponderante em suas vidas. Eles demonstraram nos seus relatos a admiração que sentem por seus ex-professores e a importância que a Universidade tem em suas vidas: 8 Os primeiros professores daqui se preparam muito bem e, inclusive, fizeram cursos com professores famosos vindos do exterior. Eu era aluno e vinha de BH. Nós fazíamos amizade com os professores e com eles saíamos para tomar “cervejinha” e “bater papo”. As discussões nos botecos ou nas casas de alguns professores eram verdadeiras aulas extraclasse que muitas vezes tinham a sua continuidade na sala de aula. Quando me formei, houve a possibilidade de trabalhar na Faculdade como assistente e eu estou aqui, até hoje. Muitos ex-alunos meus ocupam, hoje, cargos importantes na área de serviços públicos e de empresas e, muitos, são, hoje, professores da Universidade. Muitos ex-alunos que vieram de outras cidades, receberam, como eu, o titulo de cidadãos itaunenses. Isto é um orgulho muito grande. A presença destes ex-alunos como professores é significativo para a história da Universidade de Itaúna. Eles se enquadram na faixa dos melhores e mais dedicados professores da Universidade porque eles vestem a camisa. Sobre a relação da Universidade com a comunidade itaunense, os professores recordaram o impacto causado com a chegada dos jovens que vieram para estudar e provocaram “uma verdadeira revolução nos costumes da cidade que era muito tradicional”. Esta afirmativa foi incisivamente marcada por todos os professores entrevistados. É importante ressaltar que Itaúna era uma cidadezinha que tinha, segundo dados estatísticos de 1964, informados pela Prefeitura Municipal, 36.459 habitantes. Hoje, Itaúna, conta com uma população de 83.420 habitantes. Os professores falaram sobre a instalação “das repúblicas” que eram denominadas com os “mais estranhos nomes, muitos com cunho pejorativo e imoral”. “As repúblicas causaram grande confusão nas famílias itaunenses e até foram motivos de escândalos numa comunidade tradicional e moralista como a de Itaúna”, relatam os professores. Eles lembram que, no início, as “moças de boa família eram proibidas de namorar estudantes de fora” e, “durante muitos anos, as moças que freqüentavam as repúblicas ficavam mal faladas”. Hoje, dizem eles, “os costumes mudaram muito e isso (referem-se à freqüência de moças em repúblicas) não causa nenhuma estranheza”. “Com o tempo, a aceitação da Universidade e a convivência entre os alunos e a comunidade foi completa”, diz um professor. Os “impactos” causados pela Universidade na sociedade de Itaúna são interessantes e, às vezes, instigantes como se pode perceber nos relatos seguintes: A chegada de tantos alunos ajudou a desencalhar muitas moças que já eram consideradas titias. Isto foi muito bom”. A criação da Universidade de Itaúna foi uma euforia coletiva. As moças ficaram eufóricas porque vieram rapazes de fora para cá. 9 As repúblicas... causaram uma verdadeira revolução na cidade. A cidade ficou mais movimentada, os costumes foram mudando.... O fato da criação da Universidade de Itaúna causou um grande impacto nos costumes da cidade. Os alunos deram um novo “tom” ao movimento social da cidade. Muitos foram os alunos de fora que se casaram durante o curso e muitos foram os que se separaram e se casaramoutra vez aqui em Itaúna. A convivência entre os alunos, a vida em “repúblicas”, proporcionava uma vida social intensa e uma relação mais aberta entre moças e rapazes. Conclusão A pesquisa proporcionou a todos aqueles que dela participaram momentos muito interessantes e prazerosos. Foi relevante para todos, pesquisadores e alunos do Grupo GEPES, conhecerem a história da Universidade de Itaúna através da história de vida dos professores e também terem uma visão do contexto histórico em que se deu a sua criação e implantação. Em todas as entrevistas o ponto mais marcante foi o envolvimento afetivo dos entrevistados com a Instituição. O desafio de um empreendimento arrojado para a época, que exigiu para a sua consecução muito esforço e até mesmo “sacrifícios”, como é citado por alguns, deu, na medida certa, principalmente para os jovens alunos da iniciação científica o exemplo de que somos capazes de realizar sonhos e construir futuro. Por outro lado, situar a Universidade de Itaúna no seu processo histórico, possibilitou a percepção de que, ao mesmo tempo em que a sua instalação e implementação eram causas de muitas mudanças, ela própria era também alvo de outras tantas mudanças. Os relatos dos professores permitiram a constatação das acentuadas transformações sociais, políticas e econômicas, acontecidas nas décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990, que mudaram profundamente os processos culturais da cidade de Itaúna, consolidando as relações da Universidade e da comunidade. Uma pergunta “fica no ar”: como a “pequena cidade tradicional e moralista” sentiu e, ainda sente (?), os “tremores de seus alicerces”? A pesquisa nos proporcionou os resultados esperados e consideramos importante continuar a desenvolvê-la com outros antigos professores da instituição. No transcorrer das entrevistas outros professores se mostraram interessados em participar da mesma. Concluímos que é relevante para o desenvolvimento desta Universidade ouvir os atores-professores que fizeram e fazem parte de sua história. Constatamos que a Universidade de Itaúna é, hoje, uma Instituição consolidada no cenário educacional brasileiro, dando a sua efetiva contribuição para a formação de cidadãos comprometidos com o desenvolvimento do nosso país. Esta constatação nos leva à reflexão de que não se pode fazer, hoje, o que se fez no passado: a Universidade precisa de planejamento para que a sua oferta de cursos atenda à demanda da sociedade. Constamos, ainda, que o investimento na formação de seus professores e, sobretudo, no incentivo à formação de professores-pesquisadores, que como afirmaram os antigos professores “vestem a camisa da instituição”, são necessário para que a 10 posição de uma universidade regional, como a Universidade de Itaúna, seja consolidada como pólo de ensino e pesquisa. A pesquisa possibilitou destacar o importante papel desempenhado pela Universidade de Itaúna na vida de cada um dos professores, importância esta evidenciada na forte expressão de um deles: Sou feliz na Universidade de Itaúna. Referências Bibliográficas ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre. Imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. CONTRERAS, José. A autonomia de professores. Trad. Sandra Trabucco Valenzuela; rev. Técnica, apresentação e notas à edição brasileira Selma Garrido Pimenta. São Paulo: Cortez, 2002. CORTESÃO, Luiza. Ser professor: um ofício em risco de extinção. São Paulo: Cortez, 2002. ESTEVE, José M. Mudanças sociais e função docente. In: NÓVOA, Antonio. (Org.) Profissão Professor. Porto, Portugal: Porto Editora, 1999, p. 93-124 ESTRELA, Maria Teresa (Org.). Viver e construir a profissão docente. Porto, Portugal: Porto Editora. 1997 FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral, Rio de Janeiro, Ed. Da FGV, 1996. 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