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2016-dis-rclima

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1 
 
 
Universidade Federal do Ceará 
 Centro de Humanidades 
Departamento de Ciências Sociais 
Programa de Pós- Graduação em Sociologia 
 
 
Rafael Cavalcante de Lima 
 
 
 
Vidas Volantes: 
Estudo das reconfigurações socioculturais do vilarejo de Caiçara 
de Baixo nas interações sociais entre antigos e novos moradores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fortaleza 
2016 
2 
 
 
 
Rafael Cavalcante de Lima 
 
 
 
Vidas Volantes: 
Estudo das reconfigurações socioculturais do vilarejo de Caiçara 
de Baixo nas interações sociais entre antigos e novos moradores. 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Sociologia da 
Universidade Federal do Ceará, como 
requisito parcial à obtenção do título de 
mestre em Sociologia. Área de 
concentração: Sociologia. Orientador: 
Prof. Dr. Irapuan Peixoto Lima Filho 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fortaleza 
2016 
 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
Rafael Cavalcante de Lima 
 
 
 
Vidas Volantes: 
Estudo das reconfigurações socioculturais do vilarejo de Caiçara 
de Baixo nas interações sociais entre antigos e novos moradores. 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da Universidade Federal 
do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título 
de Mestre em Sociologia. Área de concentração: 
Sociologia. 
 
 
Aprovada em: ___/___/___ 
 
 
Banca Examinadora: 
 
 
Prof. Dr. Irapuan Peixoto Lima Filho (Orientador) 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
 
Prof. Dr. Igor Monteiro Silva 
Universidade Federal do Ceará (UFC) 
 
 
Prof. Dr. Isaurora Cláudia Martins de Freitas 
Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UEVA) 
 
5 
 
 
 
 
“Basta pensar, por exemplo, na miséria da alma cristã, nos 
gemidos diante da corrupção interior, na preocupação com a 
salvação – tudo noções que não derivam senão de erros da razão 
e que não merecem satisfação nenhuma, mas sua destruição... 
Neste caso, o que deveria servir de transição é muito pelo 
contrário a arte, a fim de aliviar a consciência sobrecarregada de 
emoções, pois, essas hipóteses serão muito menos alimentadas 
pela arte do que pela filosofia metafísica. A partir da arte, pode-
se em seguida passar mais facilmente a uma ciência filosófica 
realmente libertadora.” 
(NIETZSCHE, F.- Humano, Demasiado Humano) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
Agradecimentos 
 
Agradeço a Vida e a Natureza, a causa e ao efeito imanente da causa. Ao céu azul e 
branco, as estrelas do firmamento e ao pensamento pela condição de ferramenta de 
lapidação humana, demasiada humana. 
Agradeço aos próximos de sangue, de arte e de ciência. A família em todas as 
instâncias. Agradeço aos pombos de Assis e as Najas da Índia. Agradeço a contradição e 
a clareza. Agradeço aos meus pais, aos meus Orixás, aos meus filhos, à amante presente 
e ao Amor latente, pulsando em verbos e luminosidades. 
Agradeço aos colegas do mestrado, agradeço aos meus orientadores, a professora Lea, 
na primeira etapa, e ao professor e amigo Irapuan, na segunda etapa, dando uma 
ampliada na minha abordagem antropológica e sociológica, muito grato mesmo aos 
dois. Grato aos coordenadores e secretários do departamento de Ciências Sociais e da 
Pós Graduação de Sociologia. 
Agradeço a Nietzsche pela clareza de uma super moral, nada mais que a natural, e por 
Jesus pela outra face moral mal compreendida. 
Agradeço a tudo que sou e ao nada que sou. Agradeço por nada saber sabendo algo, que 
é isso, nada saber, e agradeço aos impulsos platônicos da humanidade. 
Agradeço as bandas psicodélicas Beatles, Yes e Pink Floyd e a música brasileira de 
Cartola, Chico Buarque, Paulinho da Viola, João Bosco, Gil e Caetano, Raul Seixas, 
Tom Zé, Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Pixinguinha. Gratidão ao mestre Gabriel e 
ao mestre Manoel, pela luz de suas práxis e o vislumbre do Amor como Imanência, 
Estado e Presença. 
Agradeço a quadra da UECE e a Biblioteca da UFC. Ao café expresso da esquina e ao 
livro de prosa e poesia que ainda não escrevi por está muito ocupado em vivê-lo 
primeiramente. 
Agradeço a toda a rapaziada e a moçada das estradas e das paradas, em especial a 
Marco Polo, Iamandú, Posidon, Hermes, Hera, Akira, Dandara, Cajueiro, Mercedez, 
Fauna, Morrison, Rasta, Bia e mais um tanto de artistas e artesãos das ruas e da vida. 
Agradecido a Joaquim, Confuncio e Charles pelas parcerias e afinidade política e 
artística. Agradeço a Manuel Bandeira e a Passárgada, e obviamente a Caiçara de Baixo 
e a toda a Nação Tapuia, Tremembé e outras etnias luso africanas intituladas de 
caboclos, em especial a Curupira, o meu Pai da Floresta, Jacinta, Jacinto, Flora, 
7 
 
Virgilio, Pocahontas, Farfalle, e outros tantos filhos daquele chão e daquele céu. 
Agradeço a Lagoa Azul, a Lagoa do Paraíso e aos queridos amigos que por lá deixei e 
que lá estão e são interlocutores desta pesquisa. 
Agradeço as Vidas, ao Vento, a Vela e ao Devir, nesta realidade metamorfose 
ambulante, de Heráclito a Marx, e a essência das flores de Parmênides a Aristóteles, 
ainda que o segundo tenha visto o Tudo, ou a essência, no Nada do primeiro. 
Agradeço a todos os professores do departamento, aos colegas de magistério, e aos 
fortes imersos nos bares, cabarés, centros espíritas e Igrejas, ou seja, aos que celebram o 
fato ou a ilusão da vida. 
Agradecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho de pesquisa procurou elaborar uma interpretação sociológica e 
antropológica, científica e artística do fenômeno social observado nas interações sociais 
e culturais na vila de Caiçara de Baixo, impulsionado por temáticas como: fluxos 
migratórios, turismo, transformação de socializações tradicionais e discussão sobre o 
desenvolvimento da pós-modernidade nesse quadro social tomado como pano de fundo 
sociológico. O turismo internacional cresce vertiginosamente nas últimas décadas, e 
locais com aspectos tradicionais (vilas pesqueiras e artesãs), como no caso de 
Jericoacoara dos anos setenta e oitenta, hoje se configuram como rota de turismo 
nacional e internacional, onde políticas públicas locais e federais se voltam para 
estruturação urbana e jurídica, no intuito de atender as demandas do mercado do turismo 
e a institucionalização de Parques Nacionais e incentivo de empreendimentos privados 
de hotelaria e gastronomia. Existem, porém, outros fenômenos sociais que dialogam 
com essa realidade do turismo e que no presente estudo pretendo analisar e interpretar. 
Falo aqui dos estilos de vida que perpassam essas ilhas do turismo e do contato cultural 
entre os antigos moradores e os viajantes que acabam se tornando moradores do local, 
transformando o ethos da vila, como o habitus dos que já moravam e dos que chegam 
posteriormente, fazendo surgir a discussão entre tradição, modernidade e tradução, ou 
ressignificação cultural, pelos agentes e nos agentes. Caiçara de Baixo é uma vila 
próxima a Jericoacoara e que se tornou povoada por viajantes artesãos que trabalham 
com a venda de artesanatos para os turistas da região. 
 
 
 
 
Palavras- Chaves: Caiçara de Baixo, Turismo, Migração, Multiculturalismo e 
Transformações Culturais. 
 
 
 
 
 
9 
 
ABSTRACT 
 
The present research work had as a main purpose to elaborate a sociological and 
anthropological, scientific and artistic interpretation of the social phenomenon observed 
in the cultural and social interaction in the village of Caiçara de Baixo, driven by issues 
like: migratory flow, tourism, change of traditional socialization and discussion about 
the post-modernity development in this social framework that was used to be a 
sociological background. The international tourism has soared in the last decades and 
places with traditionalaspect (fishing and handcrafted villages) as Jericoacoara of the 
seventies and eighties, nowadays are national and international touring route, where 
local and federal public policies look forward to urban and legal structuration, in order 
to deal with the tourism business and institutionalizationof National Parks and the 
incentive to private projects of hotel business and gastronomy. However, there are 
others social phenomena that are connected to this tourism reality which I intend to 
analyze and to interpretin the present study. I speak here about the lifestyles that go 
through this tourism islands and about the cultural contact between old local population 
and the travelers that become residents, transforming the village ethosas much as the 
habitus of people that already lived there and the people that came after. From this 
arises the discussion about tradition, modernity and translation, or cultural redefinition 
by the agents and the agents. The village of Caiçara de Baixo is a community nearby 
Jericoacoara that was populated for traveler artisans who work selling handicraft to the 
tourists of the region. 
 
 
 
 
 
 
Keywords: Caiçara de Baixo, Tourism, Migration, Multiculturalism and Cultural 
Changes. 
 
 
 
10 
 
LISTA DE MAPAS 
 
MAPA1- Mapa do Parque Nacional de Jericoacoara......................................................15 
MAPA2- Lagoa Azul, Distrito Caiçara- Cruz.................................................................21 
MAPA3- Desenho da Lagoa e Região vista de cima......................................................22 
MAPA4-Mapa em imagem de Satélite do Parque Nacional e Região............................23 
MAPA5-Mapa em imagem de Satélite da Lagoa da Jijoca e Região..............................23 
MAPA6-Mapa em imagem de Satélite das Vilas de Caiçara e Caiçara de Baixo...........24 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1- Por do Sol na Lagoa da Caiçara.......................................................................19 
Figura 2- A Lagoa da Caiçara durante o dia................................................................... 20 
Figura 3- No terreiro da casa de dona Maria em Paulino Neves.....................................43 
Figura 4- Pedra Furada de Jericoacoara..........................................................................49 
Figura 5- Placa do Parque Nacional de Jericoacoara na Pedra Furada...........................54 
Figura 6- Esportista de Windsurf preparando o equipamento.........................................58 
Figura 7- Restaurante na Lagoa do Paraíso.....................................................................71 
Figura 8- Mangueirão, lugar antropológico na Caiçara de Baixo...................................76 
Figura 9- Fogão a lenha feito de tijolos cru.....................................................................82 
Figura 10- Casa de Tijolos Cru de Barro Munduru.........................................................84 
Figura 11- Casa de Tijolos Cru de Barro Munduru (vista por fora)................................85 
Figura 12- Carroça com Colheita de Mandioca...............................................................88 
Figura 13- Painel Expositivo de Artesanatos..................................................................94 
Figura 14- Malucas de Estrada voltando do Mangueio na Lagoa do Paraíso................97 
Figura 15- Fornada de Pizzas realizadas pelos Malucos de Estrada.............................104 
Figura 16- Comemoração de Aniversário de uma Maluca de Estrada.........................104 
Figura 17- Família de Nativos Locais na festa de Aniversário.....................................126 
Figura 18- Cozinha Comunitária do Projeto Mulheres Negras da Caiçara...................141 
Figura 19- Horta Comunitária........................................................................................141 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
SUMÁRIO 
1. Introdução..................................................................................................................14 
1.1. Procedimentos técnicos: Como, quando e porque da seleção e coleta dos dados 
de análise sociológica......................................................................................................27 
1.1.1. Apresentando os atores e justificando a utilização de 
Pseudônimos....................................................................................................................27 
1.1.2. Considerações sobre a coleta dos dados de pesquisa...........................................31 
1.2. Aportes teóricos metodológicos: Interpretação, Habitus e Estruturação................34 
1.3. Chegando ao porto dos piratas. Chegada ao campo e à problemática.....................44 
2. Jericoacoara e região: ambiente natural e ambiente social do turismo........................51 
2.1. A Caiçara de Baixo no contexto de cidade satélite do turismo................................66 
2.2. Da comunidade tradicional: Como vivíamos e como vivemos. Narrativas de vida 
de antigos moradores…………..............................................…………………….........72 
2.2.1. “Patrasmente a Lagoa era nossa mãe”... Pesca e vida regional dos 
Caiçaras...........................................................................................................................74 
2.2.2. Casas de palha, casas de mundurú e casas estilizadas. Arquitetura tradicional e 
traducional.......................................................................................................................83 
2.2.3. Das batatas de cipó aos cajueiros..........................................................................87 
3. A chegada dos moradores de fora: Os Piratas no caribe Tapuia................................89 
3.1. “Pedi demissão para ir para a estrada”. Tipologia do Maluco de Estradas...........90 
3.2. A Besta do Apocalipse ou início de um novo tempo.............................................101 
3.3. Os malucos de estrada e a sociedade alternativa....................................................103 
3.3.1. A sociedade alternativa ou a chegada dos neohippies a Caiçara de 
Baixo..............................................................................................................................105 
3.3.2. O Bairro Novo e associação dos artesãos de Jericoacoara e região....................109 
4. Conseqüências e desdobramentos na terra: discutindo espaço, meio ambiente e 
sociedade em Caiçara de Baixo.....................................................................................112 
4.1. Floresta ou Roçado de Mandioca? Questões econômicas simbólicas, posições 
sociais e perspectivas práticas dos atores sociais em relação........................................112 
4.2. Da palavra ao Cartório. Interpretando e analisando contextos sociais da venda e da 
documentação da terra...................................................................................................116 
4.3. Terra para venda ou terra de quilombos? A terra como identidade versus a terra 
como investimento.........................................................................................................123 
13 
 
5. Interações Comunitárias na sociedade Caiçara de Baixo: Conflitos e Ações 
compartilhadas...............................................................................................................128 
5.1. Os mutirões de coleta de lixo na lagoa e a casa de reciclagem.............................130 
5.2. Projetos sociais na Caiçara de Baixo. Interações e conflitos entre atores e agências 
sociais...........................................................................................................................135 
5.2.1. Projeto Cajus........................................................................................................1365.2.2. Caiçara de Baixo e as Neocomunidades..............................................................143 
5.2.3. Fundo ELAS e Grupo das Mulheres Negras da Caiçara de Baixo......................145 
5.2.4. Caiçaras de Baixo de todos os Santos e do pai de Santo Jubiabá.......................155 
6. Considerações Finais.................................................................................................162 
7.Bibliografia ...............................................................................................................166 
14 
 
1. INTRODUÇÃO 
Poeta, canto da rua, 
Que na cidade nasceu, 
Cante a cidade que é sua, 
Que eu canto o sertão que é meu 
 
Se aí você teve estudo, 
Aqui, Deus me ensinou tudo, 
Sem de livro precisá 
Por favor, não mexa aqui, 
Que eu também não mexo aí, 
Cante lá, que eu canto cá. 
 
... Amigo, não tenha quêxa, 
Veja que eu tenho razão 
Em lhe dizê que não mexa 
Nas coisa do meu sertão. 
Pois, se não sabe o colega 
De quá manêra se pega 
Num ferro pra trabaiá, 
Por favo, não mexa aqui, 
Que eu também não mexo aí, 
Cante lá que eu canto cá. 
(Trechos do poema; Cante lá, Que eu canto cá, do poeta popular 
cearense Patativa do Assaré.)1 
 
O título Vidas Volantes é uma metáfora utilizada para representar a temática 
estudada nesta pesquisa, que procura analisar o fluxo migratório e as modificações 
sociais impulsionadas pela a dinâmica de interação social entre os atores sociais em 
grupos sociais de antigos e novos moradores da vila de Caiçara de Baixo, município de 
Cruz no Ceará. Considerando que estes novos moradores, em grande maioria, chegaram 
através ou influenciados por um grupo de artesãos viajantes que trabalham com a venda 
 
1 ASSARÉ, Patativa. Cante Lá, Que eu canto Cá. Rio de Janeiro. Editora Vozes. 15º Edição 2008. 
15 
 
de artesanatos no complexo turístico do Parque Nacional de Jericoacoara (PNJ) 2 e 
região satélite, que compreende a vila de Jericoacoara, as lagoas e os passeios as praias 
de Tatajuba e Camocim. 
 
Mapa 01: 
Parque Nacional de Jericoacoara e as duas Lagoas: Lagoa do Paraíso (direita) e da Caiçara (esquerda). 
(Fonte: www.portaljericoacoara.com.br). 
O termo “Vidas Volantes” foi inspirado no título do filme Vilas Volantes, de 
Alexandre Veras. Este se passa na vila de Tatajuba, no litoral Oeste do Ceará, município 
de Camocim, que se encontra a vinte quilômetros de Jericoacoara. O enredo relata o 
movimento da antiga vila de Tatajuba que fora soterrada pelo movimento das Dunas de 
areia. No filme, os nativos contam como era a antiga vila e como foi no tempo em que 
as Dunas foram se movendo e soterrando as casas. Também são exibidas imagens das 
ruínas de alguns locais por onde as Dunas já haviam passado. 
Esta ideia da mobilidade, trazida no filme, reporto novamente aqui, porém, em 
vez de Vilas Volantes, utilizo a expressão Vidas Volantes. Vidas de pessoas que estão 
em constante mobilidade dadas às novas configurações do fluxo de migração e do 
turismo regional e internacional, no contexto histórico globalizado e cibernético vividos 
 
2 O Parque Nacional de Jericoacoara situa-se nos municípios de Jijoca de Jericoacoara, Cruz e Camocim, 
no litoral oeste do estado do Ceará, no Brasil. Possui uma área de 8 850 hectares. O perímetro do parque é 
de 49 929,4 metros. É administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade 
(ICMBio). O Parque Nacional de Jericoacoara foi criado a partir da recategorização parcial da Área de 
Proteção Ambiental de Jericoacoara, estabelecida pelo Decreto 90 379 de 29 de Outubro de 1984, nos 
municípios de Jijoca de Jericoacoara e Cruz, no estado do Ceará. 
16 
 
pela humanidade nos dias atuais. Vidas volantes nesta mobilidade impulsionada pelo 
desenvolvimento tecnológico e conseqüente, o desenvolvimento das viagens e acessos a 
locais turísticos, antes habitados por povos de hábitos e costumes tradicionais, como a 
pesca e a agricultura. 
Estes fluxos migratórios, não de dunas, mas de pessoas, vêm se dando tanto de 
pessoas de fora para a vila, o estrangeiro3, quanto o inverso, para fora dela. E as 
conseqüentes modificações subjetivas, sociais, espaciais e ambientais são foco da 
análise desta pesquisa. 
As Vidas Volantes não são movidas pelas Dunas, tal qual no caso de Tatajuba, 
que motivou naturalmente a mobilidade das casas e das pessoas, na construção da Nova 
Tatajuba. São, sim, as novas condições sociais, criadas no desenvolvimento do 
capitalismo global e do turismo regional, catalisador do processo de modernização da 
região, que vem impulsionando as Vidas a se moverem, e a cultura local a se 
resignificar entre aspectos da modernidade e da tradição, aspectos culturais dos nativos 
com aspectos culturais dos moradores vindos de fora, artesãos viajantes, e a região que 
constantemente vem sofrendo a intervenção social e cultural causada pela expansão do 
turismo do parque. 
O turismo e a migração criam as condições de mobilidade e reconfiguração 
cultural e social, como também são transformados pelas próprias condições que criam. 
Estas reconfigurações agem sobre os indivíduos tanto nas suas condições objetivas de 
existência, como: trabalho, moradia, quanto nas condições subjetivas: comportamentos 
praticados ou estilos de vida (GIDDENS, 1991). 
Como antigo morador, atualmente ex-morador, e com doze anos de convivência 
no local, desde abril de 2004, propus ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da 
Universidade Federal do Ceará, um estudo interpretativo sociológico desta nova 
configuração da vila da Caiçara de Baixo, através de uma etnografia sobre os grupos 
nativos regionais e os moradores chegados após o desenvolvimento do turismo em 
Jericoacoara. 
 
3 Este estrangeiro está contemplado pelos moradores da vila oriundos de outros locais, e não apenas os de 
outras nacionalidades. Eles também são brasileiros, e não estrangeiros de outros países. O termo 
estrangeiro está aqui empregado no contexto trazido por Georg Simmel (1983) em seu ensaio Sociologia 
do Espaço. 
17 
 
É preciso compreender que, como já dito, a Caiçara de Baixo era inicialmente 
habitada por pescadores e agricultores de subsistência, que aqui são categorizados como 
nativos. Porém, na medida em que o turismo começou a florescer em Jericoacoara, 
foram paulatinamente chegando à região uma nova leva de moradores, os de fora, os 
estrangeiros, como mencionados. Primeiramente, a maioria desses agentes são malucos 
de estrada4, uma categoria nativa dos andarilhos que percorrem as estradas do país e 
sobrevivem do artesanato, geralmente, mantendo-se por alguns períodos de tempo no 
local, antes de voltarem a mudar-se. 
Porém, os malucos de estrada possuem uma estratificação, que serão melhor 
detalhadas posteriormente. São eles: os hippies e os neohippies, ambos são malucos de 
estrada, mas os primeiros estão a mais tempo na localidade e possuem mais vínculos 
com os nativos; e os segundos chegaram mais recentemente e moram mais 
perifericamente, ou seja, mais afastados da Lagoa. 
Na medida em que o tempo foi passando, esses novos moradores passaram a 
interagir com os antigos habitantes, resultando em um grande fluxo de fenômenos 
sociais que são interesses deste trabalho e serão detalhados adiante. Entre as ações 
concretas dessa interação está a fundação de dois projetos sociais: o projeto Cajus e o 
projeto das mulheres negras da Caiçara de Baixo. 
Pesquiso a relação do turismo com o fluxo migratório, os habitus5 (BOURDIEU 
2011) dos indivíduos, as interações dos grupos, e o redimensionamento social e espacial 
quevem ocorrendo na vila, com relação à especulação da terra, às relações de trabalho 
entre os grupos estudados no local e deles com a vila/cidade turística de Jericoacoara 6, 
 
4 Como são chamados os viajantes que vendem artesanatos para sobreviver e viver o seu estilo de vida. 
Os locais turísticos passaram a ser rota destes viajantes, que também são responsáveis em muitos casos 
pelo desenvolvimento destas “ilhas turísticas”. 
5 Habitus no sentido trazido por Pierre Bourdieu. Para o autor, o habitus é um produto do campo, mas 
também é seu produtor. Ele é estruturado, pelas estruturas, como é estruturante, agindo nas estruturas. A 
ação não é planejada independente da conjuntura prática das disposições do campo. Sendo uma ação 
propensa, apesar de ativa, estruturante, é estruturada, sofre estruturação. 
6 No Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Jericoacoara já possui um mapeamento 
urbano, com quadras e números de residências bem definidos, e não como mapas da zona rural que 
apresentam uma visão mais geral das localidades. Por isso é uma vila turística, mas com características 
urbanas. Também existem outros aspectos de urbanidade que são culturais, pelo grande número de 
pessoas oriundas de grandes cidades, que hoje, são atuais moradores. 
18 
 
assim como interações sociais coletivas e públicas, no caso, dois projetos sociais 
articulados e desenvolvidos por nativos e novos moradores e conjunto. 
As questões que norteiam o trabalho são: Qual a dinâmica dos fluxos 
migratórios em Caiçara de Baixo? O que esses fluxos revelam sobre os processos de 
mudanças vividos atualmente pela comunidade? Estas perguntas são impulsionadoras 
dos objetivos analíticos propostos aqui. A pesquisa tem como objetivos específicos: 
interpretar através das narrativas de vida dos antigos e novos moradores, nativos e 
vindos de fora, a historicidade da localidade; analisar os contextos do processo 
migratório dos novos moradores; analisar os processos híbridos e as demarcações de 
identidades impulsionadas por esta nova configuração sociocultural local. 
Tal pesquisa ocorreu na localidade de Caiçara de Baixo, próxima à vila turística 
de Jericoacoara. Localizada na zona litorânea oeste cearense, mais ou menos a 290 
quilômetros de Fortaleza, via litorânea (Rodovia Estruturante)7 e pertencente ao 
município de Cruz, a Caiçara de Baixo é uma vila de pescadores, agricultores e artesãos, 
com localização geográfica de tabuleiro litorâneo, às margens da Lagoa da Caiçara, nos 
quais a lagoa, vegetação e o mar são fatores determinantes para as condições climáticas 
do local. O microclima local é agradável e não seco como o sertão, mesmo nas épocas 
em que a lagoa seca. 
Essa lagoa tem a forma de “U” invertido, com extensão de aproximadamente 
quarenta e cinco quilômetros desde a sede municipal de Jijoca de Jericoacoara, uma das 
pontas do “U”, até a localidade dos Monteiros, passando pela Caiçara e Caiçara de 
Baixo, que se localizam mais ou menos na metade da outra perna do U, em relação a 
Jijoca. Ela se encontra do outro lado da lagoa, com relação à sede do distrito, a Caiçara. 
A região é uma APA8, mas apesar disso, as matas são desmatadas 
constantemente, embora numa escala doméstica (para lenha e madeira), pelos 
 
7 Rodovia também conhecida com CE 085. Tem início no município de Caucaia. Ela tem extensão por 
todo o litoral oeste, até o município de Camocim. A rodovia passou por uma ampla reforma nos últimos 
quinze anos, e atualmente esta em obras de duplicação, já tendo sido feito até o município de Paracuru. O 
Porto do Pecém e o crescimento turístico de suas praias, praias do oeste tendo Jericoacoara como carro 
chefe, são fatores determinantes para o investimento nos acessos. 
8APA – Área de Proteção Ambiental. A partir dos anos 80 (1984) foi implementada na região, a área de 
proteção ambiental, estabelecida pelo Decreto número 90.379. A APA compreende não apenas 
Jericoacoara, mas toda a região das Lagoas. Só posteriormente a vila de Jericoacoara viria a se tornar 
parque nacional. 
19 
 
moradores, o que preserva a floresta nativa e o clima agradável do local. A lagoa é de 
um azul turquesa, de areia branca que deixa uma transparência na água. Ao seu entorno 
existem restaurantes espalhados, tornando-se um anexo ao turismo de Jericoacoara, 
tendo de dia passeios turísticos em tais restaurantes, como é o caso do restaurante e 
pousada Lagoa Azul, que fica próximo à vila da Caiçara de Baixo. A maior parte dos 
restaurantes e pousadas fica localizada na Lagoa do Paraíso. Trata-se da região da 
Lagoa mais próxima a Jijoca, na outra perna do “U”. Mais a frente, veremos o mapa da 
região que elucidará melhor ao leitor as posições geográficas da região. Duas 
fotografias que seguem foram realizadas nas margens dessa Lagoa, sendo que na parte 
da Caiçara de Baixo próximo a um local que os nativos chamam de mangueirão, local 
que possui histórias vivenciadas pelos moradores locais e que já foi utilizado como 
espaço de moradia. 
 
Figura 1: A lagoa da Caiçara no Pôr do Sol Foto: Autor 
 
Na Lagoa do Paraíso o pólo de pousadas e restaurantes é bem maior do que na 
Lagoa Azul9, porém pela região privilegiada, do ponto de vista natural, estético e até 
 
9 O nome Lagoa Azul é usualmente empregado por moradores e turistas quando estão se referindo a parte 
da Lagoa onde fica o restaurante e pousada Lagoa Azul. No mapa oficial não possui tal nome. É um 
20 
 
estrutural, o movimento de turistas na Lagoa Azul é diário, mesmo em baixas 
temporadas (estação chuvosa: março, abril, maio e junho). Entre a lagoa e o caminho 
para Jericoacoara, a paisagem é de dunas amarelas, com formas de morros e funis. Na 
época de chuvas existem lagoas temporárias que ficam entre as dunas, deixando o local 
com aspecto de oásis.10 
 
Figura 2: A Lagoa da Caiçara durante o dia Foto: Autor 
 
 
 
espaço praticado no sentido empregado por Michel de Certeau (1999), de local que ganha um nome ou 
referência por ser socialmente e culturalmente praticado. 
10 É inúmera a quantidade de jumentos pastando pelas dunas, que sempre chama a atenção dos turistas ao 
chegarem à vila de Jericoacoara. Este fenômeno, alias, está constando em várias cidades e zonas rurais do 
interior. As pessoas atribuem ao acesso das classes mais pobres, hoje em dia, terem acesso maior a 
compra de motos, que veio a substituir em grande parte, os serviços outrora realizados pelo jumento. Não 
faremos aqui, todavia, um estudo aprofundado desta suposta “conseqüência da modernidade”. Apenas 
para descrição da paisagem. 
21 
 
A Lagoa Azul se encontra entre as localidades do Córrego das Panelas e do 
Córrego dos Anas, com o nome escrito em cor de rosa, no mapa do IBGE. Os mapas e a 
foto, abaixo, ajudam a visualizar a região: 
 
 
Mapa 2: 
Lagoa Azul, Distrito de Caiçara, Município de Cruz, Ceará. Fonte: IBGE, Departamento de 
Geodésia, 2015, Fortaleza, Ceará. 
Como podemos ver, o mapa é dividido em setores, e possui uma visão de cima 
da Lagoa como um todo, indo desde a Jijoca até o Córrego dos Anas. Seguindo a lógica 
do “U” de cabeça para baixo, e a margem da Lagoa, a Caiçara de Baixo se encontra 
entre a Lagoa do Meio e o Córrego dos Ana. Pelo pontilhado, que representa a estrada 
de piçarra, barro vermelho batido, está entre o Córrego das Panelas e o Córrego dos 
Anas. O Restaurante e pousada da Lagoa Azul se encontra entre a Caiçara deBaixo e o 
Córrego das Panelas, creio que no local chamado de Lagoa do meio. 
 
22 
 
 
Mapa 3: 
Visão geral, do alto, da Lagoa. (Fonte: Elaborado pelo Autor.) 
O Mapa três traz a Lagoa em Geral, na qual o verde representa as matas, o azul 
claro a lagoa, o azul escuro o mar, o amarelo as dunas, com a rodovia CE085 abaixo. Os 
pontos pretos pequenos nas margens da Lagoa representam as localidades: partindo da 
esquerda, a Lagoa do Meio, onde fica o restaurante e pousada Lagoa Azul; a Caiçara de 
Baixo, mais abaixo; e à direita a Caiçara, sede política do distrito de Caiçara, no 
município de Cruz. Acima, nos pontos pretos maiores têm a Jericoacoara ao lado 
esquerdo, e o Preá, à direita. O ponto preto na ponta da lagoa, próxima a rodovia, é 
Jijoca, sede administrativa do município de Jijoca. A lagoa do Paraíso é a sua parte 
esquerda subindo, passando pelo Córrego do Urubu e Chapadinha. 
Abaixo os Mapas quatro, cinco e seis, são extraídos do site do Google Maps, na 
imagem de satélite. Estão em direção do macro ao micro, ou seja, o primeiro representa 
a região do Parque Nacional e APA, o segundo a região da Lagoa da Jijoca e Caiçara 
juntas, e o ultimo mostra a parte específica da lagoa onde ficam a Caiçara e a Caiçara de 
Baixo. 
23 
 
 
Mapa 4: Mapa da visão de cima da região do Parque Nacional de Jericoacoara e região feito por satélite, 
extraído do site do Google Maps em Julho de 2016. 
 
 
Mapa 5: Mapa da visão de cima da região da Lagoa da Jijoca e Caiçara feito por satélite, extraído do site 
do Google Maps em Julho de 2016. 
 
24 
 
 
Mapa 6: Mapa da visão de cima da região da Lagoa da Caiçara por satélite, extraído do site do Google 
Maps em Julho de 2016. Do lado direito, da faixa de terra (que é um trecho da Lagoa em época de cheia) 
temos a Caiçara e do esquerdo a Caiçara de Baixo. 
O presente estudo se concentra analiticamente nas abordagens sobre turismo, os 
fluxos migratórios, as interações culturais entre o suposto tradicional e o suposto 
moderno, as construções de identidades dos indivíduos no atual contexto histórico 
vivido pela globalização, e os novos aspectos tecnológicos no cotidiano das vidas dos 
atores sociais de Caiçara de Baixo. Identidades essas que estão sendo construídas em 
um novo momento histórico, que autores vão chamar de moderno tardio11. 
No presente trabalho inicio primeiramente com um relato biográfico 
apresentando a chegada ao campo e a problemática, depois discutindo a metodologia a 
ser empregada na construção da pesquisa e da análise teórica dos dados empreendida na 
mesma. 
No segundo capítulo segue a apresentação do pano de fundo da problemática, 
contextualizando a vila da Caiçara de Baixo nas proximidades de um parque nacional 
turístico, vila urbana de Jericoacoara e a rota das emoções, projeto público-privado, de 
 
11 Modernidade Tardia é utilizado por Hall para entender a modernidade atual e seus contextos 
diferenciados da sociedade moderna industrial clássica. Para Hall não existe uma identidade da 
modernidade, mas identidades e modernidades. A fase atual do capitalismo e da modernidade passa pelo 
desmembramento e a pluralidade de identidades, o que vejo uma relação deste ponto de vista com a 
Caiçara de Baixo e uma heterogeneidade maior de grupos sociais com a chegada do turismo na região e 
dos moradores de fora. 
25 
 
incentivo ao turismo em cidades litorâneas que compreendem os estados do Ceará, Piauí 
e Maranhão, indo de Jericoacoara, passando pelo Delta do Parnaíba e chegando até o 
complexo turístico dos lençóis maranhenses. No mesmo capítulo inicio a descrição da 
Caiçara tradicional. Trata-se de uma descrição da Caiçara de Baixo rural e pesqueira, e 
as narrativas dos antigos moradores, seus hábitos, histórias e costumes. Nessa sub seção 
vou descrever e analisar, baseada nas narrativas dos antigos moradores, como era a vida 
deles na Caiçara de Baixo antes da chegada dos moradores de fora e do 
desenvolvimento turístico na região de Jericoacoara, chamada por eles antigamente de 
Serrote. Suas narrativas falam de uma Caiçara rural e sem conexão aparente com a vida 
urbana. Indivíduos que se valiam apenas da pesca, extrativismo e agricultura para sua 
subsistência. Onde a terra era basicamente usada para o plantio e a moradia, não 
existindo nesta época o mercado imobiliário e especulativo que se desenvolveu 
simultaneamente ao desenvolvimento do fluxo migratório, supostamente impulsionado 
pelo turismo na região. Também irei comentar a visão que estes antigos moradores têm 
com relação à vida urbana, e as dificuldades que passaram em épocas de estiagem da 
Lagoa. Este capítulo tem dialogo constante com meu trabalho anterior, a monografia de 
conclusão de curso intitulado: O Vento e a Vela: Modificações culturais dos 
Caiçarenses de Baixo com o desenvolvimento turístico na região de Jericoacoara, 
(LIMA 2012). 
No terceiro capítulo venho trabalhar com a chegada dos malucos de estrada, 
suas redes de ligação, conflitos, vida e costumes. Narro chegada de Marco Polo e 
Perséfone, a compra da terra e a interação do casal com os nativos. Nesta seção vou 
descrever a chegada dos malucos de estrada, apresentando desenhos de mapas de 1990 
até os dias atuais, mostrando a modificação espacial e social da vila, com o aumento 
sistemático de pessoas de fora vindo morar no local à medida que os anos passam. São 
três momentos: a chegada do Marco Polo que já está apresentada neste trecho citado 
acima; depois, dos primeiros artesãos amigos de Marco Polo que chegaram comprando 
terras mais próximas à Lagoa e na rua principal, onde me encontro também; e por 
último no bairro novo dos hippies, que foi a partição em lotes por um hippie da 
Jericoacoara que possuía um grande pedaço de terra já mais para o lado do sertão na 
divisa da Caiçara de Baixo com a localidade do Paraguai. 
No quarto capítulo se fará a abordagem analítica das interações destes grupos 
sociais, através da análise da questão da venda e valor da terra. Valor da terra do ponto 
26 
 
de vista dos nativos e dos moradores de fora, discutindo suas visões de meio ambiente e 
agricultura, sobre a passagem da venda das terras pela palavra de honra para a 
formalização contratual da venda das terras, e terminando com a discussão do 
reconhecimento quilombola da comunidade e a proibição do comércio imobiliário, a 
questão cultural, política e econômica. 
No quinto capítulo venho descrever e interpretar sociologicamente e 
antropologicamente as interações destes grupos sociais vivenciados em projetos sociais. 
Os mutirões de coleta de lixo na Lagoa, o projeto Cajus e o projeto das mulheres negras 
da Caiçara de Baixo. 
E no sexto capítulo as conclusões finais a respeito do trabalho e da pesquisa, e 
como é possível dialogar as conclusões deste trabalho a respeito dos fluxos migratórios 
e das reconfigurações sociais trazidas em localidades rurais em zonas turísticas e as 
resignificações culturais desenvolvidas por antigos e novos moradores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 
 
1.1 Procedimentos técnicos: Como, quando e porque da seleção e coleta dos dados 
de análise sociológica. 
 
1.1.1 Apresentando os atores e justificando a utilização de Pseudônimos 
 
Optei por deixar o nome real dos interlocutores da pesquisa resguardados, logo, 
atribui aos mesmos nomes fictícios de acordo com o que achei ser conveniente a cada 
ator social. Nesta seção farei uma breve apresentação dos interlocutores em seus nomes 
fictícios e no decorrer do texto serão melhores contextualizados. Vou começar 
apresentando os atores dos grupos que sistematizei como antigos moradores ou 
moradores nativos locais, e o segundo grupo com a apresentação dos moradores de fora 
ou os hippies e os malucos de estrada. Curupira é um dos interlocutoresmais presentes 
na pesquisa. Ele é agricultor, pescador e trabalhador da construção civil. Também é 
zelador de alguns terrenos e casas de moradores de fora. É bastante extrovertido e 
comunicativo, além de também conter um ponto de vista crítico e reflexivo em suas 
Prosas, como ele mesmo costuma a adjetivar seus argumentos com histórias de vida. 
Curupira é casado com Jacinta que é uma agricultora e jardineira de mão cheia12, além 
de uma dedicada dona de casa. Jacinta também é uma importante atriz social que vai 
trabalhar nos projetos sociais mencionados na introdução. 
Virgílio é um dos mais antigos moradores da região. É um patriarca, tem uma 
grande família, a maior da comunidade, e tem papel fundamental na chegada dos 
moradores de fora, pois foi o primeiro a vender terrenos e a trabalhar para os moradores 
de fora. Ele é casado com Flora que é também uma importante interlocutora da 
pesquisa. Flora tem fortes raízes afro descendente que causou na comunidade, 
posteriormente a chegada dos moradores de fora, a discussão da vila ser remanescente 
quilombola. Suas entrevistas são de extrema importância em vários momentos do texto, 
principalmente na sessão que aborda a vida tradicional dos povos dali. Orquídea é sua 
filha mais velha e também aparece como interlocutora. Ela é caseira, junto com o 
marido, do sítio de Santa Klaus, um estrangeiro que na década de noventa, 
movimentou bastante a comunidade. Guarani é irmão de Orquídea e o braço direito de 
Marco Polo. Também trabalha para Thor e Odin. Ë filho de Virgílio e considerado o 
típico homem trabalhador, pacato e honesto. Um bom cidadão. Seu Jacinto é irmão de 
 
12 No Ceará dizemos de mão cheia as pessoas que fazem uma atividade com virtude ou bem realizada. 
28 
 
Virgílio, e também um importante antigo morador local. Ele é agricultor, pescador, 
tendo morado uns tempos em embarcações pelo litoral (entre o Ceará e o Pará), e 
pedreiro requisitado, tendo participado de muitas construções na vila da Caiçara de 
Baixo e em Jericoacoara. Jacinto é casado com Pocahontas. Eles também possuem uma 
grande família e Pocahontas, assim como Jacinta, participou dos projetos sociais 
comunitários e participa junto com sua filha, Farfalle, de reuniões para discutir a 
questão quilombola na comunidade. 
O grupo que compreende os moradores de fora é maior, ou melhor, existem mais 
sujeitos de fora observados nas temáticas que trabalha esta pesquisa, mas na vila 
existem mais moradores nativos do que moradores de fora. Marco Polo será o primeiro 
a ser apresentado aqui, pois considero, ele e Perséfone, os primeiros moradores de fora 
a criarem uma rede de relações que abriu caminho para a chegada dos demais 
moradores de fora. Utilizei o nome de Marco Polo por ser um grande viajante como o 
personagem da história. Além disso, o nome Marco nos remota a inicio de nova fase, e 
final de outra, um marco, e ao longo do trabalho podemos perceber o que estou me 
referindo a Marco Polo e Perséfone terem iniciado um novo tempo na vila. Perséfone é 
o nome de uma Deusa Grega que vive com seu companheiro no submundo, e fiz a 
associação com ela por ter sido uma mulher do meio alternativo, que chegou a vila 
como hippie de estrada. São ambos estrangeiros europeus, italianos, mas tiveram seus 
filhos no Brasil, enquanto estavam viajando. 
Posidon e Akira é um casal de malucos de estrada (eram pelo menos, pois 
agora estão separados) que deram continuidade a rede de relações entre os moradores de 
fora, sendo responsáveis pela chegada dos malucos de estrada na vila, em grande parte. 
Eu, por exemplo, cheguei até o local para visitar eles como relatarei em breve, e acabei 
comprando um terreno através desses atores sociais. 
Posidon, Akira, Morrison, Hermes e Hera, chegaram juntos para comprar o 
terreno, caso que será detalhado posteriormente, por intermédio de Posidon que já era 
amigo de Marco Polo, e já tinha ido a Caiçara de Baixo visitar o casal. Morrison é um 
maluco de estrada do interior de São Paulo, mas possui parentes no sul do Ceará, e já 
havia viajado pelo Nordeste. Hera e Hermes também são paulistas, mas da capital, e são 
peças fundamentais nas interações sociais entre os grupos, nos projetos. Hera foi uma 
das principais articuladoras do projeto das mulheres negras da Caiçara de Baixo. São 
todos artesãos e sempre estão viajando na estrada e retornando aos seus sítios. 
29 
 
Apolo e Artemis são paulistas e chegaram à região por intermédio de Posidon e 
Akira, que participaram ativamente das atividades iniciais da comunidade que trago 
aqui como voluntárias e amadoras, na qual também participei. Como este casal 
aconteceu uma questão de terra que ajudou a chegada de muitos artesãos que relatarei 
depois no texto. Dandara e Ares foi um casal de malucos de estrada que chegaram 
posteriormente a vila, através do convite de Hera e Hermes, e também foram bem ativos 
na construção dos projetos sociais, tanto no projeto Cajus como no projeto das mulheres 
negras da Caiçara de Baixo. Dandara é paulistana e foi guia turística ecológica antes de 
artesã, e Ares é um maluco antigo na estrada e natural de Manaus. O casal se separou e 
Dandara vive com os filhos na Caiçara de Baixo e Ares em Jericoacoara. 
Pascal é o médico da região e também envolvido (apoiador) com os projetos da 
comunidade. Confúcio é um paulistano que desenvolve permacultura e promove 
encontros holísticos e ecológicos em seu espaço. O ENCA (Encontro Nacional das 
Comunidades Alternativas) de 2005, que será narrado e contextualizado em breve, 
ocorreu em sua casa que é vizinha a de Pascal, no vilarejo vizinho chamado Sambaíba. 
Cajueiro e Fauna é um casal que passou um tempo na comunidade e foram os 
articuladores e iniciadores dos projetos Cajus e Mulheres Negras da Caiçara de Baixo. 
São de Fortaleza e trabalhavam na ONG Terra Azul, que foi a apoiadora do projeto 
Cajus. Joaquim é um historiador que trabalha as questões patrimoniais e memoriais de 
povos e comunidades indígenas e quilombolas, e que tem uma propriedade na Caiçara 
de Baixo. Charles é o vizinho entre Flora e Bernardo, este último é o filho de Jacinta e 
Curupira. Antes o terreno de Bernardo era o meu que vendi novamente a família que 
comprei. Charles era meu vizinho antes, no caso. Ele também é de Fortaleza como eu e 
Joaquim, e nos conhecemos desde a época de Universidade. Também como Joaquim 
trabalha com memória e conflitos em tribos e etnias indígenas. Ele é produtor e 
professor de comunicação social em cinema. 
Thor e Odin são estrangeiros, um inglês e o outro australiano, que compraram 
uma terra na Caiçara de Baixo com intuito de preservar a mata nativa, o evento da 
compra desta terra se tornou uma subseção por conter elementos importantes para 
interpretação sociológica. 
 Mercedez é uma chilena maluca de estrada que também foi bem ativa nas 
questões sociais da comunidade. Ela aparece em alguns momentos dos projetos 
mencionados. Luiz é um peruano artesão, que vive em Jericoacoara, possuidor de 
30 
 
grande terra na Caiçara de Baixo que dividiu em vários lotes que foram povoando a vila 
de malucos. Iamandú é um maluco de estrada de Rondônia, no qual viajei uns tempos 
em sua companhia, bem extrovertido e grande artesão que me ensinou muitas coisas a 
respeito da manufatura dos artesanatos como também sobre os códigos de conduta na 
estrada, do qual falarei posteriormente. 
E por fim Beatriz e Rasta, que são malucas de estrada que conheci em 
Jericoacoara e que viajamos juntos por alguns meses. Elas serão apresentadas mais 
detalhadamente ainda neste capítulo no meu relato de chegada a vila e ao problema da 
pesquisa. Pode haver mais atores sociais não citados aqui, mas os que considero serem 
os mais presentes e substanciais no enredo, estão sintetizados aqui. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
311.1.2. Considerações sobre a coleta dos dados de pesquisa 
A pesquisa, ou melhor, a coleta de dados, ocorreu durante quatro anos (2011, 
2012, 2014, 2015), sendo que em 2011 e 2012, estava coletando dados para a pesquisa 
de monografia para a conclusão da graduação em Ciências Sociais, e em 2014 e 2015, 
continuei a coleta de dados para realização deste presente trabalho de dissertação de 
Mestrado em Sociologia para a Universidade Federal do Ceará. Quase todos os atores 
sociais apresentados na subseção anterior por pseudônimos também foram 
interlocutores. Mas alguns atores sociais foram apenas comentados nas narrativas dos 
outros interlocutores, e pela limitação de tempo e desencontros, não consegui entrevistar 
alguns atores importantes, como Marco Polo, Perséfone, Confúcio, Pascal e Mercedez, 
mas os outros trouxeram elementos além dos diários de campo quando estive com estes 
atores. 
Neste trabalho me utilizei do material coletado na monografia, principalmente 
no capítulo que trata da vida nativa e dos costumes tradicionais, que eram mais focados 
no trabalho O Vento e a Vela (LIMA 2012). Alguns entrevistas e trechos da monografia 
foram trazidos para confrontar com novas dimensões analisadas na continuidade da 
pesquisa, no Mestrado. A princípio meu foco estava mais no que a Caiçara de Baixo 
estava sofrendo com a influência do Turismo em Jericoacoara, porém, com o 
aparecimento de dinâmicas locais muito ricas de interação social, o contexto do 
Turismo passou para pano de fundo e não mais como a causa única e determinante das 
modificações sociais e culturais que estavam ocorrendo no vilarejo. Na primeira parte 
do trabalho (após essa “breve” introdução), que descreve o fluxo turístico de 
Jericoacoara e da Caiçara como cidade satélite do turismo, apresento o pano de fundo 
do trabalho, mas as dinâmicas específicas da localidade, as interações entre os 
moradores de fora e os antigos locais, é que se tornaram o foco da análise sociológica. 
Percebi que tais dinâmicas tinham influências da conjuntura da região, mas que as 
interações decorrentes do turismo e da migração criaram situações “independentes” do 
turismo em si. Temas com: Ecologia, Especulação Imobiliária e Crise dos Valores 
Tradicionais da Terra, Trabalho Comunitário e Social, disputa pelo Poder e Conflito 
entre sujeitos sociais não obedecendo à clássica dicotomia de nativos versus pessoas de 
fora, foram se apresentando no decorrer da pesquisa mudando a atenção, ou o foco, para 
essas interações sociais, que perpassam a segunda parte do trabalho. Ou seja, cheguei 
com uma bagagem pessoal, como ex-morador, e intelectual, pelas hipóteses que já tinha 
32 
 
dado como “certas” e que precisava provar, mas aos poucos fui sendo levado para outro 
caminho e também a outras conclusões diferenciadas das prerrogativas iniciais. A lupa e 
a lente sociológica enxergaram que os projetos sociais e os motivos pelos quais os 
agentes estavam na Caiçara de Baixo, não eram mero efeito do turismo em Jericoacoara. 
Entre a Causa e o Efeito existia um Universo do qual venho dialogar a respeito neste 
trabalho de pesquisa. 
Apesar de ter convívio na comunidade desde 2004, como vou melhor narrar no 
relato de chegada à problemática, a coleta de dados propriamente dita, as entrevistas e 
os relatos de campo, ocorreram em algumas viagens feitas a Caiçara de Baixo e a 
Jericoacoara, de 2011 a 2015. Foram aproximadamente realizadas dez viagens 
(planejadas para o trabalho, mas ocorreram outras além destas neste período), sendo 
quatro no período de 2011 e 2012, e seis viagens em 2014 e 2015. Em algumas viagens 
foram feitas entrevistas, todas abertas, sendo conduzidas dentro da temática, mas 
deixando os interlocutores a vontade para desenvolverem seus discursos e suas 
memórias. Em algumas viagens fiz apenas a observação participante e os diários de 
campo, para não saturar as entrevistas e poder captar informações sem a intervenção do 
interlocutor que inevitavelmente acontece quando trabalhamos com narrativas de vida. 
Realizei entrevistas abertas, em terreiros e alpendres das casas, principalmente, 
mas também fazia anotações do que observava (como o local, o cotidiano das pessoas 
trabalhando e o que conversavam quando não estavam me concedendo entrevistas). Em 
alguns momentos eu fazia perguntas para direcionar o tema da entrevista, mas sem 
questionários com perguntas que se reduzissem a sim ou não, ou a um número. Poderia 
ter feito assim e ter confrontado os dados qualitativos com os quantitativos, mas vou 
deixar tal metodologia para um próximo trabalho, com mais tempo e recursos, 
econômicos e teóricos na área de estatística. 
Em sua abordagem sobre trajetórias de vida, Bourdieu (2005) argumenta que 
uma biografia não se deve ser levada ao pé da letra, ou na íntegra, mas que devemos 
como cientistas nos preocuparmos em saber os contextos em que tais narrativas são 
trazidas pelos interlocutores. Giddens em Identidade e Modernidade também vai alertar 
para este fato, de que as narrativas trazidas da memória de um interlocutor, ou até 
mesmo do locutor, o pesquisador, não são o fato tal qual aconteceu, mas está 
impregnado da interferência psicológica de quem recorda, e que ao se tornar um relato 
não tem que encarado tal qual aconteceu, mas também, não encararmos como mentira 
33 
 
ou dado falseado que não serve para a análise científica. Por isso trabalho com as 
narrativas em confronto ou diálogo com a literatura sociológica e com os contextos 
históricos, e não como dado factual intocável. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
34 
 
1.2. Aportes teóricos metodológicos: Interpretação, Habitus e Estruturação 
 
Poeta niversitaro, 
Poeta de cademia, 
De rico vocabularo 
Cheio de mitologia 
Tarvez, este meu livrinho 
Não vá recebê carinho, 
Nem lugio e nem istima, 
Mas garanto sê fie 
E não istruí papé 
Com poesia sem rima 
 
Cheio de rima e sintindo 
Quero iscrevê meu volume, 
Pra não ficá parecido 
Com a fulo sem perfume; 
A poesia sem rima, 
Bastante me disanima 
E alegria não me dá; 
Não tem sabô a leitura, 
Parece uma noite iscura 
Sem istrela e sem luá. (Trecho do Poema de Patativa do ASSARÉ 
2008) 
 
Como escreve o poeta Patativa do Assaré a poesia sem a rima é como uma noite 
escura, sem estrelas e sem luar. Trago novamente o Poeta, para mostrar que até os 
Poetas que não aprenderam a ler e a escrever, sabem da importância da rima, da 
musicalidade na Poesia. Eu estou bem longe de tal musicalidade do passarinho do 
Agreste13mas bem próximo dessa mensagem trazida por ele da importância da rima na 
poesia. Porém venho fazer aqui uma comparação da rima poética com os métodos de 
uma pesquisa, ressaltando a importância da teoria e dos procedimentos metodológicos, 
 
13 Patativa é uma ave do Cariri, região composta por serras e sertões, que divide o Ceará, Pernambuco e 
Piauí. 
35 
 
não apenas como ferramentas de pesquisa, assim como no caso do poeta que defende a 
importância da rima na poesia. 
Muitos trabalhos acadêmicos tende a buscar uma maior liberdade metodológica, 
acredito compartir aqui desta visão ao juntar sociologia e antropologia, como também 
autores de correntes epistêmicas diferenciadas, como os clássicos Emile Durkheim e 
Karl Marx (que já possuem pontos de vista sociológicos diferenciados) e ao mesmo 
tempo os pós modernos (apesar de não saber se eles mesmos se consideram pós 
modernos) Stuart Hall e Antonhy Giddens, sem contar na utilização da antropologia 
interpretativa e da polifonia. 
Não quero com isso ficar na superficialidade eclética teórica, mas demonstrar 
como compreendo os fenômenos observados com a teoria utilizada. Hora, não é 
novidade para ninguém, hoje em dia, se utilizar de diferentes correntes epistêmicas, e 
também de interdisciplinaridade. Bourdieu,Foucault, Giddens, Hall, dentre outros 
sociólogos e antropólogos contemporâneos, fazem tais “misturas epistêmicas” durante 
quase todas as obras que escreveram. Ainda que esteja numa condição de noviço 
acadêmico e limitado na compreensão e amadurecimento da teoria que trabalho aqui, 
assim como o Poeta que fala um vocabulário extremamente coloquial em relação ao 
culto, sou também influenciado pela minha geração, acadêmica, política e social, ( 
moderna, pós moderna ou “sei lá moderna”) e tenho minhas escolhas. Ou seja, temos as 
cartas na mesa e fenômeno do ser que pensa, escolhe e age, estruturação, campos e 
habitus14. 
Daremos continuidade agora com a parte da “rima do trabalho”, ou, os aspectos 
teóricos metodológicos trabalhados na pesquisa. 
O método etnográfico, segundo Geertz (2005), é o fazer do antropólogo. 
Compartilho da visão de Geertz e com sua afirmação que só através de uma descrição 
densa, observando os bastidores, em busca do significado das ações dos indivíduos 
podemos chegar a uma interpretação antropológica das categorias nativas. Este método 
mais do que explicar ou formular leis a partir da observação participante, pretende 
interpretar as culturas, como é o título de seu livro. Pretendo seguir neste campo 
metodológico mais contemporâneo por ele sistematizado. 
 
14 Teorias Sociológicas, que serão trabalhadas durante o texto, que dão esta idéia de sociedade, cartas na 
mesa, e ação individual, as escolhas, numa dialética em um movimento histórico. Uma reflexividade entre 
a ação do sujeito e os contextos estruturais. 
36 
 
Basicamente o método etnográfico está visceralmente ligado à observação e à 
descrição das coisas, comportamentos, rituais, lugares etc. Seus dados são materiais de 
análise e de interpretação, não se limitando apenas a exposição descritiva ou a 
exposição de narrativas. 
O método etnográfico contemporâneo se apresenta como indutivo e generativo 
em oposição ao verificatório. Visa à saturação empírica, quando nada de novo se 
apresenta no campo empírico. A teoria é construída a partir dos dados observados no 
campo, pela da utilização de diário de campo, entrevistas e na busca dos significados 
pertinentes por meio de uma descrição densa das relações no campo de pesquisa que se 
comunica com o objeto de pesquisa. Tenho como base o trabalho de Kofes (2001), que 
em sua abordagem percebe as narrativas como fonte de informação sobre os contextos, 
sobre o fato de se construir através da evocação do sujeito, e de sua trajetória, uma 
relação dialógica entre o entrevistador e o entrevistado. Kofes realizou uma pesquisa 
etnográfica a partir das narrativas a respeito da vida de Consuelo Caiado, em uma 
abordagem antropológica e sociológica, sobre a questão de gênero e o feminismo, em 
Goiás Velho, antiga Cidade do Goiás. 
Pretendo também traçar a trajetória da vila de Caiçara de Baixo, por meio das 
narrativas dos interlocutores, e articular com a discussão do turismo, da migração ou 
diáspora, nos contextos históricos atuais da modernidade tardia (HALL, 2003) em 
consonância com a trajetória do desenvolvimento destes fenômenos manifestados nos 
cotidianos dos indivíduos da Caiçara de Baixo. 
Kofes (2001) aborda uma importante questão metodológica que utilizo na minha 
pesquisa, que é a recorrência a outras disciplinas, a transdisciplinaridade. Ela se refere a 
recorrer a História, ainda que o enfoque dela seja a Antropologia. Como já havia dito 
trabalharei com a Sociologia e a Antropologia, mas também com a História e a 
Geografia, pois os estudos migratórios têm bastante recorrência na Geografia Humana e 
na História e estão em diálogo com a temática de migração e reconfiguração social da 
vila. Em Camocim e Jericoacoara já foram realizados estudos sobre impactos sociais e 
ambientais, redimensionamento espacial de vilas e novas conjunturas migratórias com o 
desenvolvimento do turismo na região, com a chegada de investidores de fora ou de 
pessoas de fora que vem trabalhar com atividades relacionadas ao turismo e morar na 
região. Kofes dialoga com a noção de trajetória trazida por Bourdieu (2005), que o autor 
critica a metodologia de alguns trabalhos com história oral, que se concentram apenas 
37 
 
nas singularidades dos indivíduos. Ele e ela nos propõem a proposição do habitus, como 
unificador das práticas dos sujeitos em determinada situação histórica, e campo social 
imerso. Nas palavras de Kofes: 
A noção de trajetória (“série de posições sucessivamente ocupadas por 
um mesmo agente – ou mesmo grupo-, em um espaço ele próprio em 
devir e submetido a transformações incessantes”) permitiria deslocar-
se do sujeito e situar acontecimentos biográficos em alocações e 
deslocamentos no espaço social. O nome próprio (que designa um 
agente específico, uma personalidade) teria que ser vinculado ao 
conjunto de outros agentes no campo considerado... Refiro-me às 
marcas que os sujeitos imprimem às suas interpretações e às suas 
existências, que não estão incorporadas na noção de agente social. 
(KOFES, 2001, p. 24). 
 O produto de uma etnografia é uma descrição detalhada e exaustiva de uma 
cultura ou determinada temática social em determinado grupo ou localidade. Porém, os 
trabalhos contemporâneos não se limitam apenas à descrição, mas à elaboração de 
sistemas teórico-analíticos em cima das observações do campo. Optei pela utilização do 
método etnográfico e da análise das narrativas de vida. Na minha visão, a etnografia dá 
maior suporte de material analítico “sincrônico”, enquanto as narrativas de vidas 
trabalham contextos “diacrônicos”, relação com tempo histórico e contextos, sendo 
importante analisar e comparar os dados observados. 
Neste método após a codificação dos dados, quando chega a um nível de 
saturação no campo, ocorrem os confrontos dos resultados obtidos na pesquisa de 
campo com a problemática inicial até formular a conclusão, como bem abordam 
Clifford Geertz (2005) e Roberto Cardoso de Oliveira (2006), sobre as etapas da 
construção da pesquisa etnográfica antropológica. 
Na construção dos dados da pesquisa, foram realizadas entrevistas com três 
grupos de indivíduos, de acordo com as especificações narradas a seguir: o primeiro 
grupo é composto pelas pessoas da localidade que são nativos de nascimento, o nativo 
local chamado aqui. O segundo grupo a ser analisado será compreendido pelas pessoas 
“de fora”, ou seja, que chegaram com o fluxo empreendido pela dinâmica do turismo de 
Jericoacoara, oriundos de outros circuitos culturais, chamados de “novos moradores” 
pelos antigos do local, no qual também me encontro inserido não apenas como 
pesquisador de fora, mas como ex- morador, pois tinha uma residência no local, fazendo 
38 
 
com que eu figure como pesquisador “de dentro”, ainda que seja um morador vindo de 
fora. 
Valho-me das narrativas de vida destes indivíduos pertencentes aos grupos 
sistematizados e através delas analiso os contextos históricos mundiais e locais vividos 
por eles, em relação ao turismo, a migração, a modernidade, a tradição e a tradução. 
Estas narrativas são trazidas no texto em formato de pequenas histórias, que relatam 
situações vividas por estes grupos em interação face à face na localidade como em 
interação à distância, como no caso dos filhos dos nativos locais que moram em São 
Paulo com seus pais. 
Nestes contextos ocorre que a modernidade e a tradição dão espaço para a 
tradução (BHABHA, 2013), o local e o global estão em redimensionamento histórico e 
cultural das estruturas coletivas e da ação individual, o elemento da hibridez cultural é 
impulsionado por estas diásporas e retornos. Os textos antropológicos etnográficos 
devem ser entendidos como intervenções diretas relatos a partir de recortes da realidade. 
Nesta perspectiva de diálogo antropológico se procura evitar a completa imposição de 
valoresdo analista a realidade analisada, sem que o mesmo perca sua autoridade 
etnográfica. 
O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que 
não seja parte do contínuo de passado e presente. Ele cria uma idéia 
do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não 
apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela 
renova o passado, reconfigurando-o como um “ente-lugar” 
contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O 
“passado-presente” torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, 
de viver. (BHABHA, 2013, p.29). 
Além da utilização da proposta etnográfica interpretativa de Geertz, ancoro 
também meu aporte metodológico etnográfico na utopia polifônica de James Clifford 
(2008), em busca de uma co-autoria dos interlocutores na produção textual. 
Compartilho da premissa que o pesquisador não é o único provido de potencial 
interpretativo e analítico, pois ainda que os interlocutores não estejam conduzidos por 
um método científico claro e sistemático, suas narrativas são carregadas de significados 
de sua relação com o mundo e consigo. 
Necessitando, metodologicamente, “escutar e dialogar” com as “vozes” dos 
interlocutores da pesquisa, reconhecendo o conteúdo analítico de suas narrativas e não 
39 
 
apenas meras informações objetivas, ainda que seja o pesquisador o ordenador destas 
vozes, sob a luz da metodologia científica. Muitos teóricos tratam esta perspectiva 
metodológica de utópica, porém, acredito ser necessária a construção e o esforço de 
trabalhar com as vozes de maneira mais participativa, e a utopia, muitas vezes, 
encontra-se nas barreiras colocadas pela academia, com suas estruturas “viciadas” e 
enrijecidas, travando as possibilidades do diálogo mais próximo com os interlocutores, 
do que propriamente uma falta desta perspectiva epistemológica. Para Clifford (2008) a 
respeito da autoridade etnográfica, os discursos etnográficos não são falas de 
personagens inventados, como em um romance literário, pelo contrário, são indivíduos 
reais, de carne, ossos e alma, e as intenções dos mesmos, estão sobre as condições 
políticas, sociais e culturais, reais, históricas e pontuais, situacionais, de suas 
existências. Ele argumenta que daí a possibilidade de uma estratégia plural, em que os 
informantes passam a interlocutores, saem da condição de objetos para sujeitos, e, em 
ultima instância, de co-autores textuais. 
Boaventura de Sousa Santos (2006) também faz uma rica discussão 
epistemológica a respeito da racionalidade que impera, ainda que em crise, na forma de 
produção de conhecimento das Ciências Sociais. Ele critica a lógica da razão metonímia 
porque trabalha sempre no campo da dicotomia. A relação de conhecimento de uma 
categoria está sempre vinculada a outra antagônica, e é geralmente analisado sobre um 
foco em que a totalidade das partes domina o processo das mesmas. As partes não são 
independentes, mas num contexto total. 
A razão metonímia não é capaz de aceitar que a compreensão do 
mundo é muito mais do que a compreensão ocidental do mundo. Em 
segundo lugar, para a razão metonímia nenhuma das partes pode ser 
pensada fora da relação com a totalidade. O Norte não é inteligível 
fora da relação com o Sul, tal como o conhecimento tradicional não é 
inteligível sem a relação com o conhecimento científico ou a mulher 
sem o homem... A modernidade ocidental, dominada pela razão 
metonímia, não só tem uma compreensão limitada do mundo quanto 
de si própria. (SANTOS, 2006, p. 98). 
 Compreendo que a critica à racionalidade passa por um exercício de ampliar o 
estudo das partes sem que estejam condicionadas e amarradas por uma totalidade. 
Apesar de o trabalho discutir dois grupos sociais distintos em interação e relação social, 
não se propõe a transformar estas dinâmicas numa dicotomia. 
40 
 
Os atores sociais são heterogêneos e, como veremos posteriormente, interesses 
políticos e pragmáticos fazem se aliar nativos e novos moradores, como entrar em 
conflito novos moradores entre si, ou nativos entre si. O trabalho também pretende 
analisar as partes de forma autêntica, os nativos por eles mesmos e os malucos de 
estrada por eles mesmos, e analisar o campo das relações vividas por estes atores 
sociais. Santos (2006) pretende utilizar outra razão que venha a expandir o presente e 
contrair o futuro, fazendo o contrário do que a dicotomia faz de contrair o presente e 
expandir o futuro, fazendo aparecer o que é apagado pela luta dicotômica, ver a mulher 
independente ao homem, ver o Sul sem estar relacionado ao Norte. Mas acredito que 
isto não é para ignorar uma relação entre as partes, mas não aprisioná-las a uma lógica 
totalizante homogênea. 
Nesta perspectiva de mundos e não mundo, e de “aparição” dos mundos que 
antes estavam renegados ao anonimato ou a relação dicotômica, como o “primitivo” e o 
“civilizado”, enquanto é possível ver cada mundo e sua lógica sem a comparação a 
outro, que muitas vezes se torna parâmetro e “realidade”, ou “totalidade”, enquanto 
marginalizados fica o que deviam estar também na evidência. Esta Sociologia das 
ausências visa dar voz aos povos que até hoje sofrem os efeitos do colonialismo e que o 
campo científico ainda se encontra contaminado desta visão. Percebo uma luta 
simbólica dentro do campo científico, no combate a uma racionalidade que se impõe 
mais pela força e situações políticas do que pela força da argumentação e retórica 
científica. 
Santos (2006) propõe uma ecologia dos saberes, onde a epistemologia científica 
é apenas mais uma. Acredito que tal perspectiva metodológica se aproxima à polifonia 
proposta por Clifford, uma vez que dar voz aos interlocutores é trabalhar com sua forma 
de saberes e não querer comparar com o conhecimento acadêmico. Santos propõe que o 
tempo não seja aprisionado a forma linear, e sim enxergar sobre outras formas 
temporais, em que a linear é também apenas mais uma, uma ecologia das 
temporalidades. 
Por isso, a subjetividade ou identidade de uma pessoa ou grupo social 
num dado momento é um palimpsesto temporal do presente, é 
constituída por uma constelação de diferentes tempos e 
temporalidades, alguns modernos outros não modernos, alguns antigos 
outros recentes, alguns lentos outros rápidos, os quais são ativados de 
41 
 
modo diferente em diferentes contextos e situações. (SANTOS, 2006, 
p. 109). 
 Percebo que existe uma multiplicidade de temporalidades dos atores e grupos 
sociais em questão na pesquisa. 
 Também me aporto no método dialético empregado por Pierre Bourdieu (2011) 
em sua Sociologia da prática que faz dialogar objetivismo e subjetivismo, agentes e 
estruturas. As noções de campo e habitus desenvolvidas por ele são importantes 
ferramentas teóricas e metodológicas para se sistematizar uma análise sociológica da 
vida prática dos indivíduos da Caiçara de Baixo. 
A microssociologia e a macrossociologia são colocadas em diálogo, assim como 
objetivismo e o subjetivismo, história e psicanálise, sociedade e indivíduo. A dimensão 
material da vida social e a simbólica, interagem em dialética, não havendo 
economicismo, determinação econômica, ou subjetivismo, determinação do campo 
simbólico, cultural. A dialética de Bourdieu não segue o padrão de análise de muitos 
Marxistas que colocam a economia como base e os aspectos simbólicos, política, 
cultura, como Superestruturas subjulgadas e condicionadas pelas forças produtivas 
materiais e históricas, a infraestrutura, ou a economia de mercado capitalista. Na visão 
de Bourdieu, o campo simbólico trabalha dialeticamente as estruturas objetivadas nos 
indivíduos e subjetivadas pelos mesmos, aproximando, assim, metodologicamente, a 
objetividade e a subjetividade e retirando o caráter “inconciliável” desta relação 
epistemológica. 
Existe sim uma conexão das duas dimensões incorporadas nos agentes e 
manifestadas nas ações práticas epraticadas dos agentes. Por isso, tais aportes podem 
ser utilizados tanto em diálogo com pesquisas quantitativas como nas qualitativas, a 
exemplo da etnografia. Dialogando com narrativas em contextos, a trajetória em vez da 
biografia; mas também com pesquisas empíricas quantitativas, utilizando-se de dados 
estatísticos, para refletir teoricamente as regularidades estratégicas ou a propensão de 
uma atividade habitual em determinado grupo social sobre um determinado contexto 
histórico. 
Tanto na teoria das razões práticas de Bourdieu, quanto na teoria da estruturação 
de Giddens (2013), a História e a Psicanálise estabelecem diálogo, pois tem foco tanto 
nas estruturas objetivas das instituições num contexto temporal histórico, quanto nas 
ações sociais subjetivas dos agentes na relação prática social. Elias (1997) também diz 
42 
 
sobre uma sociologia que perpassa a psique dos indivíduos relacionados a determinados 
contextos históricos, figurações sociais históricas. Estas figurações criam redes de 
dependência entre os indivíduos, de forma que observo o turismo e a migração como 
fenômenos que criam redes de dependência entre os indivíduos. Estes estão 
identificados por propósitos relacionados com seu habitus e o campo onde estão 
inseridos, ainda que numa relação dialética, como já foi mencionado, e não determinada 
pelo campo e pelas estruturas sociais estruturantes. Não é uma determinação, mas uma 
relação de reciprocidade entre a ação social e as estruturas sociais. 
A constituição de agentes e estruturas não são dois conjuntos de 
fenômenos dados independentemente – um dualismo -, mas 
representam uma dualidade. De acordo com a noção de dualidade de 
estrutura, as propriedades estruturais de sistemas sociais são, ao 
mesmo tempo, meio enfim das práticas que elas recursivamente 
organizam. A estrutura não é “externa” aos indivíduos: enquanto 
traços mnêmicos e exemplificada em práticas sociais, é, num certo 
sentido, mais “interna” do que externa às suas atividades, num sentido 
Durkheimiano... A reificação das relações sociais, ou a 
“naturalização” discursiva das circunstâncias e produtos 
historicamente contingentes da ação humana, é uma das principais 
dimensões da ideologia na vida social. (GIDDENS, 2013, p. 30) 
 Giddens aborda que na história da construção das teorias sociais existiu uma 
época em que a macrossociologia, liderada pelo funcionalismo e estruturalismo, não se 
“misturava” com a microssociologia, que focava suas análises nas relações ordinárias da 
vida cotidiana, na interação face à face. Segundo esta abordagem, podemos considerar 
Durkheim e Marx como representantes da macrossociologia, pois estudam os aspectos 
estruturais das sociedades, instituições como Economia, Estado, Cultura, divisão social 
do trabalho e do trabalho social, numa ótica do macro condicionando o micro, as 
estruturas sobre os agentes; enquanto Goffman (1992) vem como um forte representante 
da segunda vertente numa perspectiva de análise das relações ordinárias e corriqueiras 
vivenciadas pelos agentes. Estrutura e Agência ficam em uma relação de dualismo 
como se uma pudesse vir a existir independente da outra. A análise do contexto social 
ordinário descontextualizado do estrutural, e o estrutural independente da agência dos 
indivíduos, mas condicionando essas agências. Durkheim fazendo sua comparação da 
sociedade ao organismo do corpo biológico, diz que o corpo não é a pura soma dos 
43 
 
órgãos individualizados, apesar de ser uma organicidade o efeito é independente das 
partes. Assim a sociedade seria um ente acima dos indivíduos, e por isso passível de ser 
analisada como um ente independente. Goffman (1992) diz não estar preocupado com 
as grandes causas sociológicas, focando seu estudo na interação face a face. Giddens 
(2013), porém, acha que é deficiente o esforço da separação entre macro e micro, e 
propõe uma integração social e de sistema, que reúne estes dois focos, micro e macro, 
em um diálogo visceral. 
Penso que a teoria da estruturação tem uma semelhança com as idéias de 
Habitus e Campo, trazidas por Bourdieu, as quais mostram o agente sendo estruturado 
pelas instituições, mas também sendo agente estruturante das mesmas instituições 
coletivas. Assim, dentro das microssituações, se apresentam as estruturas coletivas de 
forma simbólica e manifestada na ação prática dos indivíduos em interação social. Por 
isso, encontro nexos teóricos e epistemológicos entre as análises sociais de Giddens e 
Bourdieu, que considero frutíferas para desenvolver uma reflexão neste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
44 
 
1.3. Chegando ao porto dos piratas. Chegada ao campo e à problemática 
 
A maior calamidade que pode acontecer a uma pessoa é ela ficar séria 
e prática demais. Um pouquinho de loucura e de excentricidade só faz 
bem. (OSHO 2005, p. 8) 
 
Antes de me aprofundar na pesquisa, vou, em linhas gerais, narrar minha 
chegada ao campo e a problemática sociológica e antropológica. Narrar um pouco a 
trajetória do escritor e aspirante à pesquisador das Ciências Sociais, ou melhor, parte da 
minha trajetória de vida, que identifico como chegada ao campo e ao tema desta 
pesquisa. Relato biográfico que em determinado momento da vida se depara com a 
estrada, com o turismo, com o Brasil rural e tradicional em transformação, e 
posteriormente ao meu retorno à academia e o esforço que venho empregando em 
realizar uma pesquisa de um recorte específico do qual não sou um estranho, mas um 
dos atores sociais do contexto situacional que pretenderá ser apresentado e analisado 
neste trabalho. Espero que essas narrativas iniciais de minha trajetória de vida possam 
servir de recurso para interpretação dos leitores quando vierem os dados mais à frente, 
onde “desapareço” um pouco do texto como artesão e apareço como pesquisador. 
Eram férias de julho de 2003, em Jericoacoara, quando conheci Beatriz e Rasta. 
Estava com uns amigos de Fortaleza, na casa de um amigo nosso que morava lá no sítio 
do Seu Chico, um coqueiral que se localiza após a Duna do Pôr do Sol de Jeri, no 
sentido oeste. As meninas vinham de Br15. Beatriz é do estado de São Paulo, e veio 
viajando pelo litoral até Jericoacoara, mas não em todas as cidades litorâneas, 
geralmente os picos turísticos, e Rasta pelo litoral do Recife-PE ao Ceará, também 
selecionando os locais. Elas se encontram em Lagoinha, praia do litoral oeste do Ceará, 
cerca de 180 km de Jericoacoara a leste e 100 km de Fortaleza a oeste. Rasta tinha um 
companheiro, mas se separou dele em Lagoinha e resolveu dar seqüência à viagem com 
Beatriz, que já ia para Jericoacoara como ela. 
 
15 De Br significa que vinham no movimento da estrada. Viajando como artesão de estrada. É uma 
categoria nativa do grupo social. 
45 
 
 
Figura 3: No terreiro da casa de dona Maria em Paulino Neves, Maranhão. 2003. Foto: Rasta 
 
A foto acima foi tirada por Rasta de mim e um garoto, na casa que ficamos 
acampados em Paulino Neves, interior do Maranhão na região dos lençóis maranhenses, 
em agosto de 2003. 
Nesta época, eu tinha 22 anos e estava indo para o último semestre do curso de 
Ciências Sociais na Universidade Estadual do Ceará (UECE). Porém, nestas férias, 
comecei a namorar Beatriz, a trabalhar com a manufatura e venda dos artesanatos com 
as meninas, e saímos para viajar rumo a Amazônia; o que naturalmente me fez 
abandonar o curso que estava “terminando” na universidade (faltava um semestre letivo 
e a monografia), pois senti que aquele curso estava apenas começando. Sai para viajar 
com elas pela estrada por mais ou menos oito meses. 
Nessa época era muito envolvido com o movimento estudantil e, pelo ponto de 
vista que tinha adquirido na militância, fiquei muito desiludido com os propósitos 
desenvolvidos nas universidades,

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