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anais-semana-de-historia-2018-direito-e-democracia-publicado

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Áureo Busetto 
Paulo Henrique Martinez 
Thiago Henrique Sampaio 
(Organizadores) 
 
ANAIS 
 
 XXXIV Semana de História 
“Direitos e Democracia” 
 
 
15 a 18 de outubro de 2018 
 
 
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE 
MESQUITA FILHO 
Faculdade de Ciências e Letras de Assis 
Departamento de História 
 
 
 
 
 
 
 
Assis 
Unesp Campus de Assis 
2019 
2 
 
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Júlio de Mesquita 
Filho (UNESP) 
REITOR: Sandro Roberto Valentini 
VICE-REITORA: Sergio Roberto Nobre 
 
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS 
DIRETORA: Andréa Lúcia D. Oliveira Carvalho Rossi 
VICE-DIRETORA: Catia Inês Negrão Berlini de Andrade 
 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
CHEFIA: Paulo Henrique Martinez 
VICE-CHEFIA: Áureo Busetto 
 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA 
COORDENAÇÃO: André Figueiredo Rodrigues 
VICE-COORDENAÇÃO: Paulo Cesar Gonçalves 
 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA 
COORDENAÇÃO: José Luiz Bendicho Beired 
VICE-COORDENAÇÃO: Carlos Alberto Sampaio Barbosa 
 
SECRETARIA DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
ASSESSORA ADMINISTRATIVA: Clarice Gonçalves 
 
 
COORDENAÇÃO DA XXXIV SEMANA DE HISTÓRIA 
“DIREITOS E DEMOCRACIA” 
Prof. Dr. Áureo Busetto 
Prof. Dr. Paulo Henrique Martinez 
3 
 
 COMISSÃO ORGANIZADORA 
Docentes 
Dr. André Figueiredo Rodrigues 
 Dr. Carlos Alberto Sampaio Barbosa 
 Dr. Eduardo José Afonso 
Prof. Dr. José Luiz Bendicho Beired 
 Dra. Lúcia Helena Oliveira Silva 
 Dr. Paulo Cesar Gonçalves 
 
Discentes 
Ms. Thiago Henrique Sampaio 
 
COMISSÃO CIENTÍFICA 
Dr. André Figueiredo Rodrigues 
Dra. Andréa Lúcia Dorini de Oliveira 
Carvalho Rossi 
Dr. Áureo Busetto 
Dr. Carlos Alberto Sampaio Barbosa 
Dr. Carlos Eduardo Jordão Machado 
Dr. Eduardo José Afonso 
Prof. Dr. Hélio Rabello Cardoso Júnior 
Prof. Dr. Ivan Esperança Rocha 
Prof. Prof. Dr. José Carlos Barreiro 
Prof. Dr. José Luís Bendicho Beired 
Dra. Lúcia Helena Oliveira Silva 
Dr. Paulo Cesar Gonçalves 
Prof. Dr. Paulo Henrique Martinez 
Dr. Ruy de Oliveira Andrade Filho 
Profa. Dra. Tania Regina de Luca 
Prof. Dr. Wilton Carlos Lima da Silva
APOIO 
FAPESP 
FUNDUNESP 
Programa de Pós-Graduação de História – UNESP/Assis 
4 
 
Conselho Editorial 
 
Karin Adriane H. Pobbe Ramos (Presidente) 
Carlos Camargo Alberts (Vice-presidente) 
Álvaro Santos Simões Junior 
André Figueiredo Rodrigues 
Carlos Eduardo Mendes Moraes 
Danilo Saretta Veríssimo 
Gustavo Henrique Dionísio 
Lúcia Helena Oliveira Silva 
Maria Luiza Carpi Semeghini 
Paulo César Gonçalves 
Ronaldo Cardoso Alves 
Vânia Aparecida Marques Favato 
 
 
Secretário 
 
Paulo César de Moraes 
Conselho Consultivo 
 
Adilson Odair Citelli (USP) 
Antonio Castelo Filho (USP) 
Carlos Alberto Gasparetto (UNICAMP) 
Durval Muniz Albuquerque Jr (UFRN) 
João Ernesto de Carvalho (UNICAMP) 
José Luiz Fiorin (USP) 
Luiz Cláudio Di Stasi (IBB – UNESP) 
Oswaldo Hajime Yamamoto (UFRN) 
Roberto Acízelo Quelha de Souza (UERJ) 
Sandra Margarida Nitrini (USP) 
Temístocles Cézar (UFRGS) 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp 
Vania Aparecida Marques Favato 
 
 
S471d 
Semana de História (34.:2018:Assis, SP). 
 Direitos e democracia [recurso eletrônico]: Assis, SP, 15 a 18 de outubro de 
2018 / Áureo Busetto, Paulo Henrique Martinez e Thiago Henrique Sampaio 
(organizadores). Assis: UNESP - Campus de Assis, 2019. 
 583 p. : il. 
ISSN : 978-85-66060-16-4 
 Vários autores 
 ISBN: 978-85-66060-32-4 
 
 1. História. 2. Democracia. I. Busetto, Áureo. II. Martinez, Paulo Henrique. III. 
Sampaio, Thiago Henrique. IV. 
Título. 
 CDD 907.2 
 
5 
 
Sumário 
Apresentação 8 
História e ficção na escrita de “A descoberta do Grande, Belo e Rico Império da 
Guiana”, de Walter Ralegh (1552-1618) 
Adriano Rodrigues de Oliveira 
15 
Entre texto e imagem: uma proposta de análise do livro Tableau de l’inconstance 
des mauvais anges et démons (1613) de Pierre de Lancre 
Alisson Guilherme Gonçalves Bella 
Angelita Marques Visalli 
25 
Nietzsche: A concepção de História na Segunda Consideração Intempestiva e sua 
relação com a Teoria da História 
Ana Carolina Oliveira 
35 
Racismo na escola: a construção da consciência histórica, ensino de história e 
representações sociais 
Andressa da Silva Oliveira 
45 
A Sociedade Central de Immigração e o incentivo ao pensamento científico 
Arthur Daltin Carrega 
61 
Discurso colonialista face ao movimento abolicionista na Revolução Haitiana de 
1791 
Berno Logis 
71 
Objeto técnico e ensino: encontro entre universidade, museu e rádio 
Carolina Manzano 
85 
O governo do Conde de Atouguia e a capitania da Bahia de 1750 a 1754 
Charles Nascimento de Sá 
André Figueiredo Rodrigues 
94 
Universidade pública e o desenvolvimento de capacidades 
Cintia Verza Amarante 
105 
Jornalismo e memória: discussão sobre o Caso Proconsult 
Conrado Ferreira Arcoleze 
114 
“Debemos, por tanto, seguir la regla y el régimen que dios há querido estabelecer 
com respecto a las criaturas”: A expressividade religiosa como mecanismo de poder 
em El libre de les béstias (1288-1289) 
Crislayne Fátima dos Anjos 
126 
Diálogos Pan-Africanistas: Abdias Nascimento e a reinvenção das estratégias 
políticas em prol da igualdade racial no Brasil e no exterior (1968-1988) 
Daniel Alves Azevedo 
141 
A tese da política de erradicação e o Exército no processo de Independência (1822-
1824) 
Dirceu Casa Grande Junior 
150 
“Literatura e Humanismo”: a renovação do marxismo e o preludio da leitura crítica 
às obras kafkianas por Carlos Nelson Coutinho 
Edson Roberto de Oliveira da Silva 
160 
De Monarchia, o modelo de governo de Dante 
Eduardo Melin 
167 
O discurso dos exploradores e sua relação com o Imperialismo 
Elaine Calça 
178 
Literatura, cosmopolitismo e identidade nacional na Primeira República 
Felipe Yera Barchi 
191 
6 
 
Políticas públicas educacionais na última década do século XX: influências 
neoliberais na educação brasileira 
Frans Robert Lima Melo 
Adão Aparecido Molina 
200 
Dissonância e negatividade na poesia satírica de Bernardo Guimarães e Juó 
Bananére 
Gabriel da Silva Conessa 
212 
Entre editor e autor: notas sobre o processo de autoconstrução de Plácido e Silva 
(1930-1940) 
Gilvana de Fátima Figueiredo Gomes 
222 
Luiz Gama e Leandro Gomes de Barros na Tribuna e nas “Abas do Parnaso” 
Francisco Cláudio Alves Marques 
Gustavo Henrique Alves de Lima 
231 
Imprensa Revolucionária e Luta armada em Cuba: uma análise da trajetória 
clandestina de Revolución 
Hélio Augusto de Souza Alves 
241 
Considerações teórico-metodológica do projeto pesquisa Entre fé, autores e leitores: 
Frei Benevenuto de Santa Cruz e a Libraria e Editora Duas Cidades (São Paulo, 
1954-2006) 
Hugo Quinta 
251 
Reflexões sobre as recepções de Factorum et disctorum Memorabilium de Valério 
Maximo 
Isadora Buono de Oliveira 
262 
Seleção e restrição: os imigrantes desejáveis e indesejáveis na Revista de Imigração 
e Colonização 
Jesiane Debastiani 
270 
A revista Die Wehrmacht enquanto órgão oficla do exército nazista (1936-1944) 
João Arthur Ciciliato Franzolin 
281 
Considerações sobre a construção do mito de Lampião na Imprensa Carioca: o 
jornal A noite 
João Paulo Aparecido Leme 
290 
“Um Brasil para os brasileiros”: memórias de infância de Carolina Maria de Jesus 
(1918-1928) 
Jonatan Gomes dos Santos e Silva 
297 
Cointa, a vinda dos franceses e o processo de colonização do Rio de Janeiro 
Seiscentista 
Jorge Luiz de Oliveira Costa 
306 
Notas de rodapé: representações da guerra contra o terrorismo nas páginas de “Notas 
sobre Gaza” (2002-2009) 
José Rodolfo Vieira 
325 
A multifaceta Almodovaria no pós francquismo e suas identidade libertáriasem 
Matador (Pedro Almodóvar, 1986) 
Kennya Severiano de Sousa 
338 
Os rumos da utopia: imaginário e pensamento político na imprensa operária 
brasileira (1922-1924) 
Leandro Ribeiro Gomes 
347 
A têmpera bolchevique: ser comunista nos tempos da III Internacional (1919-1935) 
Lucas Andreto 
358 
7 
 
As experiências do modernismo mineiro com os periódicos A Revista (Belo 
Horizonte, 1925-1926) e Verde (Cataguases, 1927-1928; 1929) 
Luciana Francisco 
369 
Revistas de engenharia: uma discussão científica sobre transportes no Brasil (1867-
1910) 
Luis Gustavo Martins Botaro 
379 
Os saltimbancos e as práticas de Ensino de História 
Andrew T de Oliveira Campos 
Manoel Ruiz Corrêa Martins 
392 
Da tradição à romantização: os anos 1950 a partir do samba-canção de Ruy Castro 
Manoel Messias Alves de Oliveira 
403 
Rio Paranapanema: os usos da água na cidade de Piraju 
Marcela dos Santos Alves 
413 
As memórias de Octavio Brandão e o Grupo Dirigente do PCB 
Marcelo de Gois Barbosa 
422 
Populismo e democracia em Francisco Weffort 
Marlon A Ferreira 
435 
Atual contexto político-social brasileiro: um solo fértil para manifestações 
Matheus Moreto Guisso Rodrigues 
448 
“E se as crianças desaprendessem a brincar?” Uma resposta ao professor Carlos 
Eduardo Jordão Machado a partir dos Game Studies – o caso “Inside” 
Max Alexandre de Paula Gonçalves 
Guilherme Akira Demenech Mori 
460 
Patrimônio e arte: o Museu do Tropeiro e a concessão da Sesmaria do Iapó 
Milena Santos Mayer 
472 
Brasil Ilustrado (RJ, 1887/1888) na imprensa oitocentista 
Nathália Agnes Custódio Monteiro Bove 
481 
Uma introdução ao estudo das folias de reis nas cidades de Ourinhos e Salto Grande 
(SP) 
Rafaela Sales Goulart 
493 
História e psicanálise: possibilidade na escrita da História a partir das obras de Peter 
Gay 
Raphael Cesar Lino 
503 
A opção “terceirista” na Argentina no pós-Guerra: o peronismo como a “Doutrina 
que salvará o povo” nas páginas da Revista Mundo Peronista (1951-1955) 
Raquel Fernandes Lanzoni 
512 
A Revista Les Temps Modernes e o terceiro mundo (1945-2016) 
Rodrigo Davi Almeida 
525 
Militância, resistência e tortura durante a ditadura civil-militar (1964-1985): as 
memórias de Fernando Gabeira e Flávio Tavares em perspectiva 
Thiago de Oliveira Gomes 
537 
A memória religiosa em Londrina: álbuns e fotografias da Congregação das 
Missionárias de Santo Antônio Maria Claret (1976-1979) 
Thiago Machado Garcia 
550 
Michel Foucault entre a função-autor e o personagem conceitual: considerações 
teórico-metodológicas 
Tiago Viotto da Silva 
562 
Rock, feminismo e imprensa underground na Inglaterra dos anos 1960 
Vanessa Pironato Milani 
573 
8 
 
APRESENTAÇÃO 
¡Hay que abrirse del todo 
frente a la noche negra, 
para que nos llenemos de rocío inmortal! 
(Los álamos de plata, Frederico Garcia Lorca). 
 
Em 2018 foram comemorados mundialmente os 70 anos da Declaração Universal 
dos Direitos Humanos, firmada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, e no Brasil os 30 
anos da promulgação da chamada Constituição Cidadã, ocorrida em 5 de outubro de 1988. 
Como o ensejo de tais comemorações o Departamento de História e o Programa de Pós-
Graduação em História Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Assis decidiram 
enfocar na sua tradicional Semana de História, em sua trigésima quarta versão, ocorrida 
entre 15 a 18 de outubro de 2018. o tema “Direitos e Democracia – trajetórias e 
perspectivas da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Constituição Cidadã”. 
A primeira efeméride fornece lustro à história da luta mundial pelo 
estabelecimento e aplicação dos direitos humanos na contemporaneidade. Embate que 
vem desde o imediato após Segunda Guerra - em reação à carnificina gerada pela 
tecnologia bélica empregada naquele conflito mundial e à revelação das atrocidades do 
Holocausto - chegando até os nossos dias, quando os direitos humanos e sua defesa tem 
sofrido sérios ataques. Direitos humanos da ordem social, política, econômica e cultural, 
além do direito ao desenvolvimento, têm sido postos à prova mais visível e firmemente a 
partir da crise econômica mundial de 2008 e da recente onda migratória gerada por 
perseguições de governos ditatoriais e/ou guerras civis. Afronta em grande medida 
potencializada em duas frentes. De um lado, a adoção de políticas governamentais 
favoráveis à flexibilização e precarização do trabalho, submetidas à financeirização da 
economia, em conformidade com o ideário neoliberal. De outro, a ascensão oportunista 
de partidos e governos de cunho xenófobo e chauvinista, atravessados por 
fundamentalismos religiosos e conservadorismo comportamental. Visões que deitam 
raízes em discursos e práticas da extrema-direita que, infelizmente, se impuseram em 
várias partes do mundo no período do entre-duas-guerras e foram fiadores do segundo 
conflito bélico mundial, bem como ultimamente empenham em suprimir os horrores do 
Holocausto na memória coletiva. 
9 
 
A comemoração das três décadas de vigência da Constituição de 1988 joga luzes 
tanto na elaboração de garantias à vida política democrática, com vistas ao expurgo do 
autoritarismo do anterior Regime Militar, quanto à abertura da sociedade brasileira à vida 
cidadã, penetrada pelos valores preconizados na Declaração dos Direitos Humanos. 
Objetivos cuja luta para a sua realização registrava, até poucos anos atrás, feitos e 
números positivos em termos de política democrática e de certo avanço da cidadania, 
ainda que distante da plena consecução deles. De qualquer forma, esse quadro político-
social se distinguiu do perpetrado na Ditadura Militar, quando direitos humanos basilares 
foram desprezados e mesmo suprimidos - nesse caso, sobretudo nos chamados Anos de 
Chumbo, iniciados no final de 1968, com o AI-5. Embora fora justamente a defesa dos 
direitos humanos por parte de vários e diversos setores da sociedade civil o elemento que 
fortaleceu a luta contra a Ditadura Militar, inclusive, dotando tal embate de visibilidade 
e apoio internacionais às forças em prol da democratização do Brasil. Contudo, nos 
últimos anos, o avanço e, mesmo, a permanência da democracia e avanços no campo da 
cidadania no Brasil se veem ameaçados por forças sócio-políticas contrárias à democracia 
com a participação popular ampliada, ao reforço da justiça social por conta do Estado e 
ao vicejar dos direitos humanos em todos os campos e setores sociais da vida nacional, 
sobremodo em regiões e classes mais vulneráveis econômica e socialmente. Sem 
desconsiderar as tentativas de obstar medidas reparadoras contra as vítimas da repressão 
e tortura da Ditadura Militar quando do funcionamento da Comissão Nacional da Verdade 
por parte de grupos políticos de extrema-direita e alguns setores reacionários das Forças 
Armadas. 
Do ponto de vista histórico, a elaboração e vigência da Carta Magna brasileira de 
1988 se imbricaram com a trajetória da luta internacional em defesa e pela efetivação dos 
direitos humanos. Intersecção que, ao mesmo tempo, serviu de dínamo e esteira à 
retomada e avanços da democracia política no Brasil, gerando terreno fértil às 
proposituras e ações favoráveis da vida cidadã oriundas dos movimentos sociais – tanto 
os operados desde os tempos da Ditadura Militar quanto os mais recentemente 
organizados. Assim, a denúncia social e a da violação dos direitos humanos cresceram e 
apareceram mais fortemente no cenário político nas três décadas anteriores. Frutificou em 
reparações e medidas coibidoras ou atenuadoras de algumas mazelas sociais geradas pela 
histórica desigualdade social e reiterada tentativas de sonegação de direitos humanos às 
classes mais populares, assim como a populações discriminadas por raça e gênero, além 
10 
 
das que vivem no interior mais recôndito do Brasil, onde a proteção e serviços essenciais 
do Estado são muito parcialmente existentes.Nesta direção, a ação de movimentos sociais, bem como outros agentes sociais, 
de natureza pública ou privada, ocupados com igual luta pela vida cidadã, nunca deixaram 
de colher, a partir da promulgação da Constituição de 1988, a oposição de setores 
socioeconômicos dominantes - associados aos interesses do capital transnacional, 
nutridos pela sanha privatista e rentista do Estado. Com a instalação da crise política e 
econômica de 2015, os movimentos sociais se viram às voltas com o acirramento da 
oposição sistemática e crescente emprego da violência física promovidos e/ou apoiados 
por setores sociais dominantes, os quais tem se valido de uma sorte de oportunismo e 
casuísmo para detratar políticas governamentais consonantes a programas de distribuição 
de renda e proteção dos direitos humanos. Contudo, oposição travestida na panaceia do 
combate à corrupção. Escudada em discursos e expedientes de agentes políticos que, 
individuais ou coletivos, institucionalizados ou não, seguem cooptados pelos setores 
socioeconômicos dominantes; reiterando, dessa forma, antiga e nociva relação entre a 
política e o dinheiro privado. E que foram incensadas e, mesmo, aberta e cotidianamente 
apoiadas pela grande mídia, cuja totalidade de suas empresas, operada comercialmente, 
procura se resguardar de qualquer tentativa de democratização do setor. Ademais, ações 
que têm encontrado em parte do Poder Judiciário um forte esteio, posto membros desse 
atuarem – com base em retóricas e jurisprudências supostamente apenas contra a 
corrupção sistêmica do Estado brasileiro – com militância jurídica aderida a padrões 
norte-americanos do direito penal. E, de resto, envidando esforços contra a corrupção de 
maneira bastante seletiva em relação a grupos políticos e lideranças do cenário nacional. 
Quadrante que tem alavancado, de um lado, um rastro de incompreensão e, 
mesmo, de ódio em alguns setores da classe média contra todos os agentes sociais que 
atuam em prol da democracia participativa e da cidadania ampliada, e, de outro, em 
vocalizações preconceituosas e, mesmo, ações violentas dirigidas às populações mais 
socialmente vulneráveis e às minorias. Posicionamentos quase sempre tributários da 
ideologia de extrema-direita e fundamentalismo cristão. Reações e agentes que encontram 
congêneres no âmbito internacional, projetando sinistra perspectiva à valia e aplicação 
dos direitos humanos, potencializadoras de retrocesso tanto político e social quanto 
cultural e espiritual ao mundo. 
11 
 
Assim, a trajetória das sete décadas de luta pelo vicejar mundial da Declaração 
Universal dos Direitos Humanos e a dos trinta anos pela consecução de preceitos da 
Constituição Cidadã exigem que, de maneira premente, pesquisadores sobre a democracia 
e os direitos humanos - e igualmente os ocupados com estudos de âmbitos sociais e 
culturais que enfrentam ameaças de retrocesso histórico e da mercantilização desenfreada 
- reflitam, debatam e se posicionem a favor da manutenção das conquistas obtidas à luz 
dos dois documentos, bem como sobre o avanço da aplicação de seus valores e preceitos. 
Trata-se, então, do pensar e refletir ativamente as conquistas obtidas e os obstáculos 
interpostos ao expandir-se da democracia e dos direitos humanos no Brasil e no mundo, 
numa confluência entre o saber e o agir, como não deixaram de fazer agentes sociais que, 
individuais ou coletivos, deram o seu suor e sangue para que aqueles dois documentos 
viessem à lume e/ou lutassem para que os valores neles expressos pudessem ser aplicados. 
Frente que, sem dúvida, a universidade pública brasileira não pode se furtar a engrossar 
cada vez mais, posto a essência e existência dessa instituição se verem tão ameaçadas, 
por vezes, mesmo desprezada, tanto por parte dos setores socioeconômicos dominantes 
quanto por grupos contrários aos direitos humanos e à cidadania ampliada. 
Sob o signo da comemoração reflexiva acerca das trajetórias e perspectivas sobre 
a Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Constituição Cidadã a programação 
geral da XXXIV Semana de História da Unesp/Assis contemplou a participação de 
pesquisadores/especialistas para enfocarem, analisarem e discutirem as confluências e 
divergências no pensar, sentir e agir mundial e nacional em relação às conquistas e aos 
avanços da democracia calcada nos direitos humanos em tempos de crescente ameaça à 
dignidade humana e à paz entre os povos. Assim, integraram as atividades do evento: 
Conferências: Abertura – Projetos de renda mínima: democracia e direitos humanos, 
proferida por Eduardo Matarrazo Suplicy (FGV/SP, ex-senador). Encerramento – A 
memória histórica como valor para a defesa dos Direitos Humanos e o Estado 
democrático: a importância dos arquivos e outros mecanismos de preservação do 
passado; explanada por Jorge Rodríguez Rodríguez (Universidad Complutense de 
Madrid, Espanha). Mesas redondas: Direito à informação e comunicação social – 
definições e trajetórias, integrada por Maximiliano Martin Vicente (UNESP/Bauru), 
Edvaldo Correa Sotana (UFMT) e Áureo Busetto (UNESP/Assis); Patrimônio cultural 
como via à cidadania – caminhos e projeções, Silvia Helena Zanirato (USP) e Paulo 
Henrique Martinez (UNESP/Assis); Direito à educação e diversidade – ações e 
12 
 
prospecções, Andrea Paula dos S. O. Kamensky (UFABC), Paulo José Brando Santilli 
(UNESP/Araraquara) e Lúcia Helena Oliveira Silva (UNESP/Assis); Pela vida cidadã – 
entre o saber acadêmico e a prática na sociedade; Silvia Beatriz Adoue 
(UNESP/Araraquara ) e Luís Antônio Francisco de Souza (UNESP/Marília); Memória 
social e interpretação histórica da repressão - vias para a cidadania, Rosana Núbia 
Sorbille (IFECT-SP/ Cubatão) e Clifford Andrew Welch (UNIFESP). 
Além de diversos minicursos, a XXXIV Semana de História foi integrada pelos 
seguintes Seminários Temáticos, reunindo expositores de comunicação de pesquisa, tanto 
interno quanto externo à UNESP/Assis, com foco no debate de temas específicos, todos 
coordenados por pesquisadores especialistas: Imaginário, cultura, política e religião na 
Idade Média, coordenadores Ruy de Oliveira Andrade Filho(Docente UNESP/Assis) e 
Germano Miguel Favaro Esteves (Pós-Doutor UNESP/Assis); Antiguidade: perspectivas, 
desafios e contribuições dos estudos de História Antiga no Brasil, Ivan Esperança Rocha 
e Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi (Ambos docentes UNESP/Assis); 
História ambiental e paisagem cultural, Paulo Henrique Martinez (Docente 
UNESP/Assis) e Cássia Natalie Peguim (Doutoranda UNESP/Assis), História e 
historiografia nas Américas, Carlos Alberto Sampaio Barbosa e José Luís Bendicho 
Beired (Ambos docentes UNESP/Assis); História da África, afro-brasileira e 
interlocuções, Lúcia Helena Oliveira Silva (Docente UNESP/Assis). Mirian Cristina M. 
Garrido (Pós-Doutoranda UNIFESP) e Mariana Alice P.S. Ribeiro (Doutoranda 
UNESP/Assis); Intersecções entre mídias impressas, sonoras e audiovisuais na pesquisa 
e no ensino de História, Áureo Busetto (Docente UNESP/Assis) e Paulo Gustavo da 
Encarnação (Pós-Doutorando PUC-SP, bolsista PNPD/Capes); Movimentos migratórios, 
terra, trabalho e economia no mundo contemporâneo, Lélio Luís de Oliveira (Docente 
USP/Ribeirão Preto) e Paulo César Gonçalves (Docente UNESP/Assis); História e 
memória; Eduardo José Afonso (Docente UNESP/Assis); Estado e nação no Brasil: 
experiência e singularidade, José Carlos Barreiro (Docente UNESP); O uso das 
linguagens no ensino de História como meio de aprendizagem histórica: um desafio ao 
professor -pesquisador, Ronaldo Cardoso Alves (Docente UNESP/Assis); Identidades, 
memória e representações no Brasil Republicano, Zélia Lopes da Silva (Docente 
UNESP/Assis) e Carla Lisboa (Pós-Doutora UNESP/Assis); Mundos coloniais, 1492-
1822, André Figueiredo Rodrigues (UNESP/Assis); Livros, editores e impressos 
periódicos: desafios metodológicos, Tania Regina de Luca(Docente UNESP/Assis); 
13 
 
Resistir será sempre preciso: História e memória na representação de guerras e ditaduras 
na literatura e no audiovisual, Gabriela Kvacek Betella (Doutoranda UNESP/Assis); 
História social da cultura e suas diferentes linguagens: literatura, caricatura, imagens, 
sons e festas, Fabiana Lopes da Cunha (Docente UNESP/Ourinhos) e Felipe Yera Barchi 
(Doutorando UNESP/Assis); Ditadura militar, redemocratização, democracia e 
historiografia brasileira, Hélio Rebello Cardoso Jr. (Docente UNESP/Assis) e Thiago 
Granja Belieiro (Doutorando UNESP/Assis); História e Educação; Claudinei Magno 
Magre Mendes (Docente UNESP/Assis) e Adão Aparecido Molina (Docente UNESPAR 
e Pós-doutorando UNESP/Assis); Experiência intelectual brasileira: História, imagens 
e notas musicais, Carlos Eduardo Jordão Machado (in memoriam- Docente 
UNESP/Assis), Rafael Morato Zanatto (Doutorando UNESP/Assis) Manoel Dourado 
Bastos (Docente UEL). 
 Os textos reunidos nos Anais XXXIV Semana de História são resultantes das 
comunicações de pesquisas apresentadas por seus respectivos autores em sessões dos 
Seminários Temáticos supracitados. Em seu conjunto, os textos se constituem em prova 
expressiva da diversidade temática e da acuidade teórico-metodológica das pesquisas da 
área de História desenvolvidas tanto na UNESP/Assis quanto em demais congêneres, 
sobremodo unidades universitárias públicas paulistas, do Paraná, Mato Grosso do Sul e 
Minas Gerais, considerando as filiações dos autores dos textos publicados neste volume. 
 Em tempo: o cartaz da XXXIV Semana de História, o qual segue como capa do 
Anais do evento, contempla a reprodução fotográfica do Monumento a Frederico Garcia 
Lorca, da autoria de Flávio de Carvalho, no qual se encontra transcrito trecho de poema 
do poeta espanhol que figura como epígrafe nesta Apresentação. Elementos da história 
do monumento expressam tanto princípios e ações conformes à defesa dos direitos 
humanos e da democracia quanto os que devem ser denunciados e rechaçados. A saber: 
Quem passa pela Praça das Guianas, nos Jardins, pode 
observar uma escultura que se destaca na paisagem por suas 
cores e formas: o monumento a Federico Garcia Lorca. Tudo 
começou em 1968, quando exilados espanhóis residentes em 
São Paulo, membros do Centro Cultural Garcia Lorca, 
resolveram homenagear o poeta e dramaturgo morto por forças 
franquistas em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola, sob 
acusação de ser comunista. Federico Garcia Lorca, nascido em 
1898 no município de Fuente Vaqueros, província de Granada, 
na Espanha, não era vinculado a ideologias ou partidos 
políticos. Dizia-se um homem livre, sem preconceitos, que 
lutava contra a opressão e pelos direitos das minorias. O 
14 
 
escritor Paulo Duarte foi convidado a participar da 
homenagem e colocou o Centro em contato com o arquiteto e 
artista plástico Flávio de Carvalho. Uma vez concluído, o 
projeto da escultura foi enviado à Serralheria Diana, de 
propriedade de espanhóis no bairro do Tatuapé, onde Flávio de 
Carvalho acompanhou sua execução passo a passo. Depois de 
pronta, a obra, composta de tubos e chapas de ferro pintados, 
foi implantada na Praça das Guianas. Marcada para o dia 1º de 
outubro de 1968, a cerimônia de inauguração foi prestigiada 
pelo poeta chileno Pablo Neruda, que fez um caloroso discurso 
elogiando tanto o amigo Garcia Lorca como o autor da 
escultura. Uma exposição na Biblioteca Mário de Andrade e 
um espetáculo no Theatro Municipal de São Paulo com a 
participação de Chico Buarque, Geraldo Vandré, Sérgio 
Cardoso e outros artistas completaram a homenagem, com 
repercussão internacional. [...] Na madrugada de 20 de julho 
de 1969, uma explosão danificou a escultura. Nunca se apurou 
o responsável pelo ato, que, no entanto, foi atribuído ao CCC 
(Comando de Caça aos Comunistas). Folhetos deixados junto 
à obra, no dia da Revolução Cubana, informavam sobre a 
destruição do monumento ao poeta "comunista e 
homossexual". Os destroços da escultura foram levados a um 
depósito da Prefeitura. Em 1971, Flávio de Carvalho 
restaurou-a para levá-la à Bienal de Arte de São Paulo. Com 
muito custo e sem o apoio das autoridades responsáveis, 
conseguiu colocá-la do lado de fora do prédio da Bienal, no 
Parque Ibirapuera, onde ficou apenas dois dias. O embaixador 
da Espanha reclamou da presença da "escultura do comunista" 
e ela voltou ao depósito. Dispostos a devolver a obra ao espaço 
público, alunos da ECA (Escola de Comunicações e Artes) e 
da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da 
Universidade de São Paulo falsificaram documentos e a 
roubaram em 1979. Durante três meses, trabalharam na sua 
recuperação e a depositaram no vão livre do Masp (Museu de 
Arte de São Paulo), estrategicamente, no dia em que o prefeito 
Olavo Setúbal visitava o museu. Pietro Maria Bardi, diretor do 
Masp, e o prefeito não aprovaram o ato. Dias depois, 
finalmente, a obra foi reimplantada em seu local de origem. 
(SÃO PAULO. Cidade. Em Cartaz: guia da Secretaria 
Municipal de Cultura, n. 39, set. 2010, p. 72-73.) 
 
Áureo Busetto 
Paulo Henrique Martinez 
Coordenadores da XXXIV Semana de História da 
UNESP/Assis- 
 
 
15 
 
 HISTÓRIA E FICÇÃO NA ESCRITA DE “A DESCOBERTA DO GRANDE, 
BELO E RICO IMPÉRIO DA GUIANA”, DE WALTER RALEGH (1552-1618)1 
 
RESUMO: Esta comunicação tem como objetivo analisar a relação entre história e 
ficção presente na narrativa do inglês Walter Ralegh – poeta, soldado, político, pirata, 
conquistador, cujo relato de viagem, descreve as maravilhas da Guiana. Sua obra, “A 
descoberta do grande, rico e belo Império da Guiana”, publicada em Londres no ano de 
1596, elucida a personagem e os percalços que o levaram ao Novo Mundo, bem como 
apresenta as problemáticas concernentes ao binômio real x fantástico. Compreender 
como ocorre os entrelaçamentos entre os aspectos fictícios e históricos na referida 
narrativa, constitui-se na tarefa central do presente estudo. 
 
PALAVRAS-CHAVES: história; ficção; narrativa. 
 
INTRODUÇÃO 
 
“A Descoberta do Grande, Belo e Rico Império da Guiana”, é uma obra escrita 
em 1595, do gênero denominado narrativa de viagem, publicada num calhamaço de 101 
folhas, em 1596, pelo editor Robert Robinson, de Londres. O autor dessa narrativa, o 
inglês Walter Ralegh2 (1552-1618), foi poeta, soldado, político, pirata e cortesão, 
personagem notória e controversa do círculo de protegidos da rainha Elizabeth I (1558-
1603). 
Em seu relato, Ralegh descreve os percalços para tomar posse das terras da 
Guiana3 em prol da coroa inglesa, bem como uma série de descrições sobre lugares 
fantásticos e seres monstruosos, incluindo descrições sobre Manoa – a cidade de ouro dos 
incas, denominada pelos espanhóis de Eldorado, as províncias de Eremia, Aromaia e 
Amapaia, além da menção a outras terras e rios adjacentes. 
Dito isso, este trabalho enfatiza, sobretudo, o entrecruzamento da história e da 
ficção, a partir da abordagem de Paul Ricoeur (1997), quando esse autor afirma existir 
uma historicização da ficção e uma ficcionalização da história, no que tange aos 
elementos da construção narrativa4. 
No caso do presente estudo, nos interessa perceber esse entrelaçamento entre o 
“real” e o “fictício” na narrativa ralegiana, onde o contexto histórico do século XVI, das 
 
1 Adriano Rodrigues de Oliveira é Doutorando em História pela UNESP/ASSIS na Linha de Pesquisa 1 – 
Política: ações e representações. Comunicação apresentada na XXXIV Semana de História – 
DEMOCRACIA e DIREITOS – trajetórias e perspectivas da Declaração Universal dos Direitos Humanos 
e da Constituição Cidadã na UNESP/ASSIS. 
2 Quanto à grafia do codinome, Raleigh ou Ralegh estão igualmente corretas. Aqui optamos por padronizar 
a grafia Ralegh, em função da tradução da obra estudada que a apresenta de modo semelhante.3 Trata-se da região ao norte do rio Amazonas, região à época conhecida genericamente como Guiana. 
4 RICOEUR, Paul. O entrecruzamento da história e da ficção. IN: Tempo e narrativa. Tomo III. São 
Paulo: Papirus, 1997. 
16 
 
disputas da Inglaterra com a Espanha pela posse de novas terras, dos embates entre 
luteranos e católicos, se cruzam com o fabuloso ou fictício – a crença no Eldorado, no 
Reino das Amazonas, na existência de seres monstruosos e criaturas fantásticas. 
 
WALTER RALEGH E SUA NARRATIVA 
 
A trajetória conturbada de Walter Ralegh, elucida muitos dos elementos de sua 
narrativa em “Descobrimento da Guiana”, não bastasse o fato de a própria obra ser um 
tanto quanto emblemática. 
Walter Ralegh (1552-1618)5, foi personagem notória do reinado de Elizabeth I 
(1558-1603). Ele transitou por diversas regiões e ofícios, sendo antes de tudo um viajante 
que experimentou o sabor das glórias e as infâmias que uma trajetória tumultuada podia 
lhe conceder. Como soldado lutou em prol da causa luterana, saindo-se vitorioso e 
aclamado. Em 1509, ao lado dos huguenotes e sob a liderança do conde Mongomerie, 
combateu cruzados católicos. Ainda em favor da causa protestante, comandou uma 
chacina no ano de 1580, que levaria a morte de seiscentos soldados espanhóis e italianos 
enviados pelo Vaticano à Irlanda para proteger os católicos irlandeses6. 
Ralegh era ainda um explorador, cujas pretensões expansionistas foram bem 
exploradas pela coroa britânica, que pretendia estabelecer suas bases de colonização e 
exploração no Novo Mundo. Assim é que em 1578, o aventureiro se lançou em uma 
primeira viagem de descoberta acompanhado de seu meio irmão Humphrey Gilbert, 
excursão que culminou com o ataque a barcos espanhóis no caribe, sem resultar deste 
modo, em maiores conquistas. Uma segunda viagem desastrosa, que pretendia descobrir 
uma passagem norte para o pacífico, resultou na morte de Humphrey Gilbert e teve o 
retorno forçado pela própria rainha Elizabeth I7. 
Outras três viagens realizadas por Ralegh teriam resultados mais concretos. Em 
1585, foi responsável pela expedição de descoberta da Virgínia, primeira colônia inglesa 
na costa atlântica da América do norte. Em 1595, realizou a sua primeira viagem à 
 
5 São incertas as informações sobre a data de nascimento de Walter Ralegh. Estima-se tenha nascido entre 
1552 e 1554, numa propriedade denominada Hayes Barton, na aldeia de East Budleigh, perto de Budleigh 
Salterton, em Devon, Inglaterra. Ele era meio irmão de Sir Humphrey Gilbert, e era irmão de Carew 
Raleigh. 
6 MARTIN, E. San. Walter Ralegh, A Descoberta da Guiana e o Mito de Eldorado. Prefácio. In: Diário de 
Walter Raleigh – O caminho de Eldorado. A descoberta da Guiana por Walter Raleigh em 1595. 
Adaptação e notas de E. San Martin. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2002, p. 14. 
 
7 Ibid., p. 14. 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Devon
https://pt.wikipedia.org/wiki/Inglaterra
17 
 
Guiana, quando escreveu seu famoso relato, retornando novamente à região no ano de 
16168. 
Antes de sua primeira expedição à Guiana, Ralegh desfrutava de notório 
prestígio no círculo de protegidos da rainha, possuindo os títulos de lorde e o prestigiado 
posto de Guarda pessoal da monarca. Contudo, sua sorte na corte começava a mudar 
quando se casou com uma dama de companhia da rainha, sem a sua autorização, sendo 
em função disso, retirado de suas funções cortês e trancafiado na torre de Londres9. 
Após sua liberdade, decidiu se retirar da vida pública, dedicando-se a agricultura, 
à química e a astronomia. No entanto, nessa mesma época foi acusado de ateísmo, embora 
tenha logo provado sua inocência. Após o desfecho desse período de altos e baixos, de 
herói da corte a vilão, Ralegh anseia retomar o seu prestígio e aventurar-se em sua 
primeira expedição à Guiana10. 
O escritor e jornalista brasileiro Eduardo San Martin, na adaptação e tradução da 
obra de Walter Ralegh, intitulada “O caminho do Eldorado”, da qual nos valemos como 
fonte principal nesse texto, afirma que a busca do Eldorado e a posse das terras da Guiana 
tornaram-se uma espécie de ambição pessoa do conquistador. Uma campanha de sucesso 
poderia significar o retorno às suas funções palacianas e a retomada de seu antigo 
prestígio junto a rainha, conforme destaca: 
Embarcou convencido de que encontraria o caminho de Eldorado. Caso 
contrário, assaltaria navios espanhóis na volta para a Inglaterra, até 
reunir ouro suficiente para recompor suas finanças e, com uma generosa 
doação à coroa, reconquistar as graças da rainha11. 
 
De fato, fica evidente na narrativa ralegiana uma verdadeira obsessão por encontrar o 
Eldorado, uma terra de aventura, ouro e fartura, que devia ser descoberta em nome da 
rainha da Inglaterra antes que os espanhóis o fizessem. Eldorado era sua missão na terra, 
mais uma luta travada a sangue e ferro entre luteranos e católicos, tal como as que 
empreendera ainda na época que desfrutava dos tempos de outrora12. Em seu relato 
encontramos as descrições de como seria esse lugar fantástico: 
Seja lá quem esteja no trono, a Guiana tem um príncipe sentado sobre 
mais ouro e rodeado por país mais belo do que todas as terras da 
Espanha ou da Grande Turquia. Sei de quem ainda duvide da 
existência deste império, com suas cidades engalanadas, seus templos 
 
8 Ibid., p. 14. 
9 Ibid., p. 16. 
10 Ibid., p. 16. 
 
11 Ibid., p. 16. 
12 Diário de Walter Ralegh – O caminho de Eldorado. A descoberta da Guiana por Walter Ralegh em 
1595. Adaptação e notas de E. San Martin. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2002. 
18 
 
monumentais e tesouros inimagináveis13. […] quem já viu Manoa, a 
cidade imperial da Guiana, não para mais de falar sobre a 
grandiosidade da sua beleza e abundância das suas riquezas. Sua 
localização é altamente favorecida, suas casas e ruas são maiores e 
melhores do que qualquer outra cidade do Novo Mundo14. 
 
Para justificar a existência de tão fantástica cidade, o conquistador vale-se de 
todo apelo retórico possível em sua narrativa, indagando de forma antecipada quem quer 
que possa duvidar de seus relatos sobre lugar tão fabuloso. Recorre ainda a outras 
autoridades, como o eclesiástico e historiador espanhol Francisco Lopes de Gomarra, em 
sua “História General de las Índias”, “um erudito de maior credibilidade”, enfatiza 
Ralegh.15 
São ainda provas irrefutáveis da existência de fabuloso tesouro as grandes somas 
de riquezas que chegam do Novo Mundo à Espanha, os milhões de lingotes de ouro e 
prata trazidos do Peru para os portos de Sevilha. Ralegh recorre à lembrança da fortuna 
amealhada pelo “conquistador do Peru”, o espanhol Francisco Pizarro dentro do palácio 
de Atahualpa, todas essas riquezas em posse dos rivais espanhóis e que poderiam 
pertencer também à rainha da Inglaterra, àquela mesma de quem ele tanto buscava o seu 
agrado16. 
Conforme podemos perceber essa estratégia discursiva de Ralegh se mostra a 
princípio inteligente. Como contestar, em função do desconhecimento geográfico dessa 
imensidão territorial, e das descobertas dos espanhóis no Peru, que Eldorado não passava 
do devaneio de um pobre e combalido conquistador, em busca de remissão? 
Esses elementos tidos como irreais se imbricam a outros reais, tornando confusa 
a relação entre história e ficção no que diz respeito à construção da narrativa ralegiana. O 
que é real ou fictício pode ser muito bem interpretado de acordo com o ponto de vista do 
leitor, havendo assim, uma margem considerável de interpretação. As riquezas em outro 
e prata estão ali, chegam aos montes no Velho Mundo. Eldorado pode ser um lugar em 
específico, como pode ser a representação das riquezas americanas. 
Além do Eldorado, o fictício toma forma na narrativa ralegiana com a descrição 
de seres fantásticos, como a crença na existênciado Reino das amazonas. O autor da 
narrativa descreve nunca ter visto pessoalmente essas mulheres belicosas no seio da 
floresta amazônica mas, como aparece de forma corriqueira em seu texto, retoma para si 
 
13 Ibid., p. 41. 
14 Ibid., p. 42. 
15 Ibid., p. 43. 
16 Ibid., p. 44-45. 
19 
 
a autoridade de um velho cacique, que afirmava segundo o aventureiro inglês ser 
profundo conhecedor da existência de tais mulheres17. Assim encontramos no texto: 
O curioso ou interessado no tema ainda dispõe de diversos relatos, 
registrando os feitos e aparições das Amazonas diante de aventureiros 
europeus. As mulheres guerreiras das tribos próximas à Guiana só 
conviveriam com homens uma vez por ano. Então, bebiam, fumavam, 
dançavam, lutavam e fornicavam sem parar durante um mês inteiro, que 
acredito ser abril. Em abril, não só as amazonas, mas todos os chefes, 
príncipes e sábios das tribos da região se reúnem num tipo de festival. 
Os guerreiros escolhem seus novos chefes, os caciques escolhem novos 
generais e conselheiros. Depois das cerimônias para promoções e 
premiações dos melhores da tribo, as amazonas visitavam outras nações 
amigas. Eram recebidas com honras militares, inspecionavam os 
batalhões e escolhiam seus machos preferidos, de quem não se 
separavam até surgir a lua nova. Naquela madrugada, pegavam suas 
armas e desapareciam na mata como que por encanto18. 
 
Para Ralegh, há uma semelhança evidente destas mulheres com àquelas descritas 
pelos autores gregos antigos, e isso basta para dar estatuto de veracidade à sua narrativa. 
São as mesmas guerreiras que na antiguidade habitaram a África e na Ásia e eram 
conhecidas como amazonas, adoradoras de Medusa, e semelhantes às que viviam às 
margens do Tanais e do Termadon, ou ainda do exército de mulheres descritas por 
Heródoto na Cítia19. Autênticas amazonas em plena América, tal qual àquelas que 
descreveram as autoridades do mundo antigo. 
Mulheres que quando ficavam grávidas, se nasciam crianças do sexo masculino 
devolviam a seus pais, criando consigo apenas às meninas, para aumentar o poderio 
feminino. Guerreiras impiedosas, tratavam com desumanidade seus prisoneiros, 
torturando e abusando deles até a morte. Eram implacáveis contra os homens que 
forçavam entrar em seu território, prendendo suas esposas e forçando-as a entrar para a 
tribo20. 
A existência das amazonas no Novo Mundo não basta para dificultar o caminho 
para se chegar ao Eldorado, que se torna cada vez mais árduo, e justifica todo o tempo e 
dinheiro gasto por Ralegh e seus homens durante sua estadia na Guiana. O herói, como 
se apresenta em sua narrativa, tem ainda outras dificuldades maiores pelo caminho, a 
suposta existência de criaturas monstruosas, seres anômalos, não menos cruéis que as 
 
17 Ibid., p. 62. 
18 Ibid., p. 62 e 65. 
19 Ibid., p. 62. 
20 Ibid., p. 65. 
20 
 
guerreiras descritas anteriormente, e com um grau muito maior de assombro. Em seu texto 
encontramos o seguinte relato sobre essas criaturas e sua aparência: 
Nas margens do Caora, vive uma nação de selvagens fantasmagóricos. 
Embora muitos os considerem personagens de fábulas inventadas pelos 
nativos em suas bebedeiras, eu acredito que tais seres existam assim 
como foram descritos. Meu raciocínio é simples: toda criança das 
províncias de Aromaia e Canuri me afirmou já ter visto um destes 
aborígenes de tão curiosa natureza. São seres monstruosos chamados de 
euaipanomas pelos índios. Com corpo de homem, não tinham cabeça. 
Os olhos nasciam nas costas, a boca seria centrada no peito e um longo 
chumaço de cabelos saía dos seus ombros21. 
 
As estratégias narrativas continuam, quando Ralegh indaga novamente de forma 
antecipada àqueles que possam duvidar de seus relatos. Ele recorre então às crianças das 
províncias de Aromaia e Canuri, conforme se lê na citação acima. Se estas viram essas 
criaturas é porque sua descrição é verdadeira, a inocência e a verdade saem das bocas 
dessas criancinhas. A descrição precisa, minuciosa, sobre a aparência desses monstros, 
estabelece ainda um tom mais digno de veracidade na relação com o leitor. 
Não bastasse, Ralegh prossegue: 
O filho de Topiauari, que veio conosco para a Inglaterra, disse que esta 
tribo era muito temida na sua região. Usavam arcos mais possantes, 
flechas mais grossas e porretes três vezes maiores do que os outros 
índios. Os iuarauaqueris teriam aprisionado um euaipanoma cerca de 
um ano antes de nossa passagem por ali. Pouparam a sua vida, 
libertando-o na fronteira de Aromaia, que era a província de seus pais22 
 
Ralegh demonstra-se assustado diante de tais relatos, não acreditando 
inicialmente existir pessoas de anatomia tão estranha, diante de outras que ele aceita como 
dentro dos padrões de normalidade. Lamenta ter ouvido sobre essas criaturas somente 
quando se afastara de seu território. Se soubesse antes da existência desses monstrengos, 
dessa espécie tão rara, poderia ter conversado mais a respeito com os índios, e quem sabe 
e, somente quem sabe, poder prender e levar para a Inglaterra um desses euaipanomas, 
para comprovar suas afirmações23. 
Na tentativa de convencer seu leitor, Ralegh recorre quase que de forma desesperada a 
uma série de personagens consideradas como propagadoras da verdade. Se exime da 
responsabilidade ao afirmar nunca ter visto um desses monstros com seus próprios olhos, 
sequer ter imaginado. Mas como duvidar de tantas pessoas diferentes que teriam visto tais 
criaturas? A lista é extensa e não deixa dúvidas: “padres, soldados, capitães, índios, 
 
21 Ibid., p. 155. 
22 Ibid., p. 155. 
23 Ibid., p. 156. 
21 
 
mulheres e crianças – a inventar a mesma coisa, descrevendo o mesmo monstro ou 
aberração humana”24. 
Encontramos por fim, mais um relato sobre esse assunto: 
Mais tarde, já em Cumana, nas Índias Ocidentais, encontrei um 
espanhol muito educado, que não morava longe dali. O homem me 
procurou ao ficar sabendo que entrei na Guiana, subindo até a foz do 
Caroni. Sua primeira pergunta foi se eu tinha visto algum euaipanoma 
ou índio sem cabeça. Tratava-se de um comerciante de reconhecida 
honra e honestidade em tudo mais que dizia e fazia. Esse legítimo 
homem de palavra confessou com toda convicção ter visto muitos 
euaipanomas em suas andanças por aqueles rios. Não posso revelar seu 
nome, para a sua própria segurança. O rei da Espanha não costuma ser 
muito gentil com aqueles que tratam os súditos da rainha da Inglaterra 
com cordialidade […] Mesmo que eu não os tenha visto, portanto, os 
encontros com euaipanomas são dados como verdadeiros por pessoas 
da mais alta autoridade e credibilidade. Seria injusto da minha parte 
colocar em dúvida a fidelidade destes relatos25. 
 
Como já era de se esperar Ralegh não encontrou o Eldorado, e sua obra não 
convenceu a rainha, que manteve-se indiferente à sua epopeia. Elizabeth I, tratou as 
descrições do aventureiro como uma ato individual de promoção, que financeiramente foi 
um desastre, uma vez que o ouro encontrado não foi suficiente para cobrir sequer as 
despesas da expedição26. 
 Por outro lado, Ralegh estabeleceu um plano geopolítico para a região, ficando 
por aquelas partes a bandeira de sua majestade da Inglaterra. Soube também explorar os 
perigos de sua estadia na Guiana, dando um tom heroico para suas realizações. O público 
comprou sua ideia e a obra foi um verdadeiro sucesso em sua época27. Conforme destaca 
E. San Martin: 
O público admirou a coragem e a ousadia de Walter Ralegh, metendo-
se na selva amazônica durante um mês, apenas com barcas e botes a 
remo. O inglês comum também se solidarizou com os princípios 
patrióticos do autor, colocando os interesses nacionais acima dos 
pessoais, ainda que Ralegh estivesse, disfarçadamente,apenas 
justificando o fracasso financeiro da viagem. A maioria dos leitores, por 
sua vez, tratou partes do relato – as guerreiras amazonas, os índios sem 
cabeça […] como produtos da imaginação do poeta, exageros 
descabidos, como a abundância de ouro vista por Ralegh a olho nu nas 
montanhas da Guia28. 
 
24 Ibid., p. 156. 
25 Ibid., p. 175. 
26 MARTIN, E. San. Walter Ralegh, A Descoberta da Guiana e o Mito de Eldorado. Prefácio. In: Diário 
de Walter Raleigh – O caminho de Eldorado. A descoberta da Guiana por Walter Raleigh em 1595. 
Adaptação e notas de E. San Martin. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2002, p. 10-11. 
27 Ibid., p. 11. 
28 Ibid., p. 11. 
22 
 
 
ANEXOS29 
 
 
Fig. 1. Manoa ou Eldorado. Por Levinus Hulsius, para o livro de Walter Raleigh. 
Quarta edição, 1612. Fonte: Biblioteca da Universidade de Virgínia. 
 
 
Fig. 2. O banquete festivo das amazonas. Por Levinus Hulsius, para o livro de Walter 
Raleigh. Quarta edição, 1612. Fonte: Biblioteca da Universidade de Virgínia. 
 
 
29 Gravuras apresentadas na comunicação. Elas são de autoria do belga Levinus Hulsius (1546-1606), um 
comerciante de instrumentos científicos, impressor e lexicógrafo oriundo de Flandres, que viveu e trabalhou 
na Holanda e Alemanha. Hulsius fez uma série de publicações da obra original de Walter Ralegh, datadas 
da passagem do século XVI para o XVII, onde tratou de inserir novas gravuras no texto, entre as quais 
ilustrações sobre as amazonas da Guiana. 
23 
 
 
 
Fig. 3. Os euaipanomas. Por Levinus Hulsius, para o livro de Walter Raleigh. Quarta 
edição, 1612. Fonte: Biblioteca da Universidade de Virgínia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
24 
 
 
25 
 
ENTRE TEXTO E IMAGEM: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DO LIVRO 
TABLEAU DE L’INCONSTANCE DES MAUVAIS ANGES ET DÉMONS (1613) 
DE PIERRE DE LANCRE1 
 
Pierre de Lancre foi um jurista francês e conselheiro real da casa Bourbon. Ao longo de 
sua trajetória a serviço do rei Henri IV, o jurista foi convocado pela Coroa a compor uma 
comitiva a fim de julgar e punir pessoas identificadas como bruxas na região de Labourd, 
no ano 1609. Após os eventos ocorridos em Labourd, o juiz voltou a Paris e publicou um 
livro intitulado Tableau de l’inconstance des mauvais anges et démons. Neste livro 
também encontramos uma gravura sobre a descrição do sabá que foi impressa na segunda 
edição, em 1613. Neste sentido, propomos discutir um problema metodológico: como 
estudar o texto impresso e a gravura ao mesmo tempo? A esta questão, a ideia de indício 
de Carlo Ginzburg e Michael de Certeau será apresentada neste texto enquanto um recurso 
metodológico para uma pesquisa sobre o tema da inquisição a partir do livro de Pierre de 
Lancre. 
 
Introdução 
Em 1862, Jules Michelet publicou a primeira edição do livro La sorcière2. Tema 
bastante original para o período em que se estudava a bruxaria sob ponto de vista 
institucional católico ou, no limite, sob ponto de vista protestante em que se heroicizava 
personagens históricos perseguidos na inquisição. Michelet foi além ao pensar as 
feiticeiras para além da moralidade cristã e conseguiu demonstrar como estas mulheres 
foram vítimas das distorções feitas por parte dos inquisidores. O autor ainda demonstrou 
que, em certos períodos, a inquisição se tornou mais incisiva nos mecanismos de 
criminalização das bruxas. 
Um destes períodos em que Michelet falou, foi o fim do século XVI e início do 
XVII. Para o autor houve um período de tolerância, em que por cerca de 100 anos a 
inquisição foi atenuada na França. Após este período, o autor demonstra que uma série 
 
1 Alisson Guilherme Gonçalves Bella – PPGHS / UEL Angelita Marques Visalli – UELEste texto discute 
alguns apontamentos metodológicos, isto é, recursos da História Cultural que dão suporte a uma pesquisa 
dissertativa em andamento sobre estudos inquisitoriais na França do século XVII. 
2 MICHELET, Jules. A Feiticeira. São Paulo: Círculo do livro, 1974. 
26 
 
de tratados jurídicos e demonológicos aparecem e compõem um cenário de caça às bruxas 
que partiu da Igreja Católica, mas também do Estado. É neste contexto histórico 
explicitado por Michelet que Pierre de Lancre apresentou discursos que versam sobre 
demonologia, inquisição e bruxaria publicados no livro Tableau de l'inconstance des 
mauvais anges et démons3. 
Pierre de Lancre escreveu a partir da perspectiva jurídica, fazendo jus a seu 
percurso intelectual. O magistrado estudou direito e teologia em diversas cidades 
italianas, onde recebeu o título de doutor em direito aos 26 anos. Após seus estudos, o 
autor fez parte do conselho real do rei Henri IV. Em 1609 o rei recebeu denúncias de que 
homens e mulheres estariam fazem culto a satã na região de Labourd. De acordo com 
Véronique Duché-Gavet4 o rei Henri IV enviou dois de seus conselheiros (o diplomata 
Jean d’Espagnet e Pierre de Lancre) para região para interrogar e punir aqueles que 
praticavam a bruxaria. Os conselheiros reais visitaram entre 24 e 27 paróquias de 
Labourd. Estima-se que houveram cerca de 60 a 80 execuções e 400 testemunhos. 
Após os eventos ocorridos em 1609, Pierre de Lancre retornou a Paris e publicou 
seus discursos no livro Tableau de l’inconstance des mauvais anges et démons. Este livro 
nos parece interessante no que se refere a sua forma de escrita. Percebemos diferentes 
tipos de linguagens. Se por um lado, o autor se dedica a demonologia e exprime toda a 
sua formação teológico-jurídica, por outro lado, as descrições dos réus a respeito do sabá, 
bem como os acontecimentos nos tribunais inquisitoriais em Labourd se dão a partir de 
uma linguagem que se aproxima a uma vivacidade teatral. Há também a gravura, isto é, 
uma linguagem imagética que compõe a segunda edição do livro. A partir das próximas 
páginas, apresentaremos recursos metodológicos para se pensar estas linguagens e para 
perceber as várias aproximações e divergências do texto e da imagem, que compõem o 
livro de Pierre de Lancre. Para tanto, indicaremos especialmente os caminhos apontados 
por Carlo Ginzburg e Michael de Certeau sobre os indícios históricos em documentos 
oficiais da Idade Moderna. 
Entre o texto e a imagem 
 
3 LANCRE, Pierre de. Tableau de l'inconstance des mauvais anges et demons, ou il est 
amplement traicté des sorciers, et de la sorcellerie. 1613. Acesso em: 13/11/2018. Disponível em: 
<https://books.google.com.br/books?id=lwVAAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-
BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false> 
4 DUCHÉ-GAVET, Véronique. Les sorcières de Pierre de Lancre. Revista Internacional de los Estudios 
Vascos. v 9, 2012. pp. 140-156. 
https://books.google.com.br/books?id=lwVAAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
https://books.google.com.br/books?id=lwVAAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
27 
 
Em 1612 Pierre de Lancre publicou a primeira edição do Tableau de l'inconstance 
des mauvais anges et démons. No ano seguinte, pequenas mudanças foram feitas e uma 
nova edição é impressa com a presença de uma imagem que representa o sabá das bruxas. 
Jan Ziarnko, o gravurista da imagem, nasceu em Lviv (cidade ucraniana que atualmente 
faz divisa com a Polônia) na década de 1570. O artista tem grande parte de suas produções 
voltadas para o tema religioso. Um aspecto importante dos trabalhos de Ziarnko é que o 
mestre fez parte de seus estudos na sua cidade natal, mas também em cidades italianas. 
Após seus estudos, o artista se mudou para Paris e tornou-se um “homem do rei” onde 
fez diversos trabalhos para a coroa francesa, incluindo a gravura Descrição do Sabá(Figura 01) feita para o livro de Pierre de Lancre. 
 
 
Figura 1 - ZIARNKO, Jan. Descrição do sabá na obra de Pierre de Lancre. 1613. Gravura, 
aprox. 23X18 cm. Acesso em: 13/11/2018. Disponível em: 
<http://www.sscommons.org/openlibrary/ExternalIV.jsp?objectId=4jEkdDAtKjQ%2FRkY6fjZ6RHVDO
HIufV1%2BfA%3D%3D&fs=true> 
 
28 
 
A gravura de Ziarnko foi composta por várias cenas que foram apresentadas no 
decorrer do livro de Pierre de Lancre. Ao centro, um caldeirão produz uma fumaça que 
se expande para cima na vertical, tomando conta de pelo menos ¼ da imagem. Bruxas e 
diabos voam por esta fumaça. No canto superior a esquerda, músicos tocam instrumentos 
de corda e sopro logo abaixo a cena da dança. Aqui, somente mulheres se apresentam. 
Logo abaixo da dança, uma multidão de nobres aparece. Na base da imagem, crianças 
brincam no rio. Na parte direita, encontramos uma Trindade onde um bode senta-se ao 
centro. Uma criança está sendo apresentada para a Trindade por uma mulher e um diabo. 
Logo abaixo, outra cena de dança. Desta vez, com a presença de diabos. Na base da 
imagem, mulheres e diabos sentam-se a mesa com um bebê decapitado em uma bandeja. 
A imagem representa o que se pensava ser o sabá a partir da narrativa inquisitorial. 
Num dos discursos escritos por Pierre de Lancre, encontramos diversos testemunhos 
sobre o que seria este sabá. Há, portanto, uma correspondência entre o texto e a imagem. 
No entanto, esta gravura foi feita apenas na segunda edição do livro. O que podemos notar 
é que houve a necessidade de se apresentar as ideias contidas no livro através de um outro 
tipo de linguagem, qual seja, a imagética. 
Michelet percebeu que os inquisidores utilizaram instrumentos coercitivos para 
obter confissões. Melhor dizendo, o que eles procuravam era uma resposta já premeditada 
para suas perguntas. Numa historiografia mais recente, Carlo Ginzburg5 identificou que, 
em certos processos inquisitoriais, o inquisidor não compreendia as práticas culturais dos 
réus. Logo, o que se fazia era uma inversão, isto é, forçar a introdução diabólica nas 
narrativas dos indiciados. Neste sentido, notamos que a inserção da imagem na segunda 
edição da publicação serviu de reforço para aquilo que se quis afirmar a respeito da bruxa. 
A profusão de elementos na imagem são indícios daquilo que se necessitou comunicar de 
outro modo, daquilo que se necessitou mostrar visualmente e para além do texto escrito. 
Para se estudar a gravura de Jan Ziarnko estamos partindo do pressuposto teórico 
de que as imagens são fontes históricas e se justapõe ao texto de Pierre de Lancre. Tanto 
a linguagem textual quanto a imagética nos permite investigar o os pensamentos 
difundidos no século XVII a respeito das mulheres indiciadas como bruxas na região de 
 
5 Ginzburg, Carlo. O inquisidor como antropólogo. In: Ginzburg, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, 
falso, fictício. Tradução de Rosa F. d’Aguiar e Eduardo Brandão. Companhia das Letras, 2006. Pp. 280-
293. 
29 
 
Labourd. Assim sendo, se faz necessário um olhar crítico às imagens, assim como o texto 
já que as duas se complementam diante da mensagem que Pierre de Lancre decidiu passar. 
As imagens foram produzidas em determinado momento histórico e por pessoas 
que possuem suas próprias escolhas. Peter Burke6 explica que esta criticidade é usual no 
estudo de textos, mas no caso das imagens a crítica às evidências visuais permanece pouco 
desenvolvida. Não é raro encontrar trabalhos que se propõe usar imagens meramente 
como ilustração ou como confirmação de alguma concepção pré-estabelecida. Nosso 
intuito é usar a imagem e o texto como fontes históricas. Mais do que isto, ambos tem 
espaço e importância na análise. 
 
Os indícios 
Entender o texto e a imagem como uma justaposição de linguagens diferentes para 
comunicar e confirmar a mensagem do autor nos traz possibilidades para o estudo do livro 
de Pierre de Lancre, mas também o comportamento dos acusados de bruxaria. A partir 
daqui explicaremos as ideias de Carlo Ginzburg e Michael de Certeau a respeito dos 
indícios. Estes autores partiram dos indícios, e chegaram a conclusões aprofundadas a 
respeito da cultura popular. Estes indícios são referências sutis às práticas culturais dos 
inquiridos em processos inquisitoriais ou exorcistas que acabam escapando à lógica do 
documento oficial. Neste sentido, apresentamos estas ideias a fim de apontar um recurso 
metodológico para investigar fontes históricas institucionais que, através dos indícios e 
do não-dito, apresentam nas entrelinhas algumas possibilidades de interpretação para uma 
pesquisa dissertativa em andamento. 
No que se refere aos estudos das imagens, alguns teóricos da História da Arte 
como Aby Warburg e Ernst H. J. Gombrich reaproximaram a História da História da Arte. 
Por conseguinte, os métodos destes estudiosos para análise de imagem contribuíram para 
as pesquisas na área de História. Carlo Ginzburg se utilizou destes autores para lidar com 
a documentação imagética em seus trabalhos. Segundo Ginzburg 
 
cada interpretação (de um excerto literário, de um quadro, e assim por 
diante) pressupõe um ir e vir circular entre o particular e o conjunto (...) 
Disto provém a oportunidade de introduzir na decifração iconográfica 
 
6 BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e imagem. Bauru: Edusc, 2004. 
30 
 
elementos de controle de caráter externo, como a clientela – alargando 
a noção de contexto ao contexto social (...)7 
 
As fontes dos estudos deste historiador provém de elementos iconográficos que 
estão relacionados a estruturas culturais dos períodos em que foram produzidos. Assim 
sendo, devemos ressaltar a importância dos procedimentos metodológicos utilizados por 
Ginzburg. Assim como o autor, partimos da imagem, bem como da documentação escrita 
em que a gravura está inserida, a fim de produzir um estudo histórico. 
Em seus trabalhos de análise de imagem Ginzburg8 compara o trabalho do 
historiador a três homens do século XIX que, cada um a seu modo, colocaram em prática 
um modo de observação: o indício. Giovanni Morelli demonstrou atenção aos detalhes de 
pinturas para supor autorias; Sigmund Freud observava os sintomas de seus pacientes; já 
Sherlock Holmes, um detetive fictício criado por Arthur Conan Doyle, baseou-se em 
indícios imperceptíveis à maioria para descobrir a autoria de crimes. Estes três homens 
se baseiam em indícios e, por conseguinte, oferecem às Ciências Humanas um paradigma 
indiciário, ou em outras palavras, um modelo epistemológico. A partir deste modelo 
epistemológico pretendemos produzir um estudo sobre a gravura de Jan Ziarnko. 
Em Os andarilhos do bem9 Ginzburg parte de um costume do século XVI e XVII: 
sair à noite durante o sono e guerrilhar com bruxas do mal a fim de assegurar a colheita 
anual. Explicando melhor, trata-se de um culto agrário da região de Friuli onde os 
benandanti - feiticeiros bons - combatem os feiticeiros maus em batalhas imaginárias. O 
autor percebeu que nestes processos inquisitoriais haviam especificidades que fugiam aos 
padrões inquisitoriais. Não haviam, a princípio, relatos maléficos, mas a apresentação de 
cultos populares em que se queria preservar a colheita anual. A partir destes indícios o 
autor construiu um estudo a respeito da cultura popular e dos costumes dos fruilanos. 
Neste sentido, o indício se torna importante ferramenta para se pensar a cultura dos réus 
nos escritos inquisitoriais. 
Portanto, estamos diante do desafio de se pensar, também, as práticas culturais das 
bruxas de Labourd em um documento que não foi produzido por elas, mas por um 
magistrado que tinha sua própria ideologia. Pierre de Lancre escreveu o livro sob o ponto 
de vista institucional. Jan Ziarnko também produziu a gravura sob este ponto de vista.7 GINZURG, Carlo. Indagações sobre Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. Pp. 45. 
8 GINZURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 
1989. 
9 GINZURG, Carlo. Os andarilhos do bem: feitiçaria e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2010. 
31 
 
Ambos faziam parte da corte real francesa. Neste caso, o que temos disponível são 
representações do que se quis ver e ouvir destas feiticeiras. 
 Michael de Certeau10 também produziu um estudo histórico através dos indícios. 
O autor estudou um tema próximo ao nosso: a possessão num convento de Loudun, na 
França. No livro A escrita da história, de Certeau apresentou um suporte teórico bastante 
importante para seu objeto de estudo. Trata-se do capítulo A palavra da possessa. A ideia 
do autor é justamente fugir daquilo que o demonólogo escreveu sobre as possessas, já que 
esta perspectiva foi fundamentada naquilo que a demonologia pensava sobre as possessas. 
A identidade destas possessas não aparecia nestes documentos. O caminho apontado pelo 
autor é o indício: o exorcismo opera a partir do silêncio das possessas. Cabe ao exorcista 
fazer o próprio demônio que a possuiu dizer seu próprio nome e, assim, poder ser 
exorcizado. Nos documentos, quem fala não é a mulher possessa, mas esta assume o eu 
do próprio demônio que a possuiu. Em outras palavras, quando perguntado a possessa 
“quem está aí?” A mesma pode guardar silêncio, enganar ou dizer “Eu sou Leviatã”. 
 Mas esta tarefa não é simples. Nos escritos demonólogos existem listas de nomes 
de demônios e suas respectivas características comportamentais. Há um código não-
verbal. A partir de uma série de comportamentos da possessa o exorcista chega à 
conclusão de qual demônio a possuiu. Assim, fixado este código não-verbal, como, por 
exemplo, um rosto sorridente e zombeteiro, o demonólogo substitui o código pelo nome, 
que neste caso é Leviatã. A partir de então, há um jogo onde o nome é espaço. Neste 
espaço um “teatro barroco” acontece até que a possuída se aproprie do nome e o diabo 
confesse quem é. 
 De Certeau encontrou, neste “teatro barroco”, a identidade da possessa. A partir 
do momento em que estes códigos não-verbais aparecem, o comportamento da possessa 
aparece. A possuída reemprega, a seu modo, o que lhe é imposto pelo exorcista a partir 
dos tratados demonólogos. Além disso, por vezes, a possessa se diz estar com mais de um 
demônio. Nestes casos, há uma transição, pois ela vai passando por várias identidades e, 
por conseguinte, vários códigos não-verbais vão aparecendo na cena do exorcismo. As 
transições demoníacas das possuídas despontam em indícios comportamentais das 
mesmas. Nas palavras do autor 
 
10 CERTEAU, Michel de. A linguagem alterada. A palavra da possuída. In: CERTEAU, M. A escrita da 
História. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense Univrsitária, 2006. P. 243-265. 
32 
 
A pluralidade das identificações provenientes de uma mesma tabela 
onomástica denega, finalmente, a possibilidade de uma localização, 
sem recusar o código social (demonológico) já que, em princípio, não 
existe outro previsto para este caso. O código permanece, mas a 
possuída o transgride. Ela escorrega de lugar para lugar, recusando, pela 
sua trajetória, qualquer nome definido estável (...) Num tabuleiro de 
nomes próprios elas não cessam de deslizar de lugar em lugar, mas não 
criam uma casa a mais que seria a delas: com relação às denominações 
recebidas, não foi inventado nenhum acréscimo que lhes fornecesse um 
próprio.11 
 
 O autor aproximou as possessas das feiticeiras. Para o autor, os procedimentos são 
os mesmos. No entanto, a feiticeira é um fenômeno marginal e rural, enquanto a possessa 
é urbano: ela se encontra nos conventos. Usaremos a mesma lógica de Michael de Certeau 
para pensar as bruxas de Labourd. O discurso do livro escrito por Pierre de Lancre é o 
discurso do inquisidor. Há, no entanto, silêncios e reempregos das bruxas. É neste jogo 
de apropriações e escolhas sutis e silenciosas que aparecem os indícios. O objetivo será, 
portanto, pensar estes indícios para falar sobre a cultura popular. 
 
Considerações Finais 
Ao longo deste texto apresentamos ideias que nos oferecem um possível suporte 
metodológico e, ao mesmo tempo, nos dão justificativas para a escolha dos objetivos da 
pesquisa dissertativa de mestrado em andamento sobre a obra Tableau de l’inconstance 
des mauvais anges et démons ou il amplement traité dês sorciers et de la sorcellerie. Os 
dois autores mais citados no decorrer deste texto, isto é, Ginzburg e de Certeau, adotaram 
um método investigativo através do indício para compreender suas respectivas 
documentações. Enquanto Ginzburg propôs um ir e vir entre a documentação imagética 
e documentos textuais paralelos a imagem, de Certeau operou através do não-dito e 
através de códigos não verbais para investigar práticas culturais. 
Assim sendo, propomos colocar o texto e a imagem num mesmo nível de 
importância para a análise. Estes tipos de documentação histórica podem se completar, 
mas podem divergir. Um estudo baseado nesta justaposição nos traz os indícios e, ao 
 
11 Ibid., p. 254. 
33 
 
nosso ver, nos levam a novas perspectivas historiográficas que até o momento não foram 
demonstradas por aqueles que estudaram a obra de Pierre de Lancre. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
34 
 
Nietzsche: A concepção de História na Segunda Consideração Intempestiva 
e sua relação com a Teoria da História12 
Resumo: O presente artigo tem como proposta expor a pesquisa inicial relacionada a concepção de história 
e as críticas que Nietzsche faz contra a história e a historiografia de seu tempo, como o historicismo de 
Ranke e a Filosofia da História de Hegel, e qual é a concepção de história que o filósofo preconiza, usando 
como referência a história evidenciada por Burckhardt que influenciou o pensamento nietzschiano.O 
principal escrito a ser utilizado será a Segunda Consideração Intempestiva. A partir da concepção de 
história nietzschiana traremos um debate teórico com a tentativa de demonstrar as possíveis definições de 
Teoria da História apontadas por historiadores, como José D` Assunção de Barros, José Carlos Reis e Jörn 
Rüsen. Posteriormente, serão apontadas as diferenças entre Teoria da História e Filosofia da História. Por 
fim, após o debate teórico, tentaremos mostrar como essas características expostas na Segunda 
Consideração Intempestiva podem ter contribuído para a história e historiadores. 
Palavra Chave: Nietzsche – Concepção de História – Teoria da História – Filosofia da História – Século 
XIX 
O presente artigo propõe analisar a concepção de história nietzschiana, na Segunda 
Consideração Intempestiva: Vantagens e Desvantagens da História para a Vida, que 
remete ao período de produção intelectual denominado “jovem Nietzsche”13, entre os 
anos 1870-1876. Segundo Marton14 neste primeiro período de produção o filósofo já se 
empenha em propor um estudo acerca dos estudos históricos, em sua Segunda 
Consideração Intempestiva, sendo preconizados os três tipos de historiografia, a história 
monumental, antiquaria ou tradicionalista e a crítica, explanando suas vantagens e 
desvantagens. Portanto, Nietzsche rejeita a idéia de que a história possa ser enquadrada 
em certo domínio do saber, por isso é contra a propensão de sua época, de “transformar” 
a história em ciência. 
Seguindo a concepção de história nietzschiana serão expostas as críticas contra a 
filosofia da história de Hegel, vista como uma história negativa, em contra ponto será 
indicada uma história positiva, tendo como exemplo a valorização da escrita da história 
de Burckhardt, para propormos um debate teórico. Por conta de tais indagações, entre a 
utilidade e desvantagem dahistória para a vida, será trabalhado o que Nietzsche 
contribuiu ou tem a contribuir para a discussão acerca da história, especificamente, sobre 
a Teoria e Filosofia da história, com sua concepção de história. 
 
12 Ana Carolina Oliveira é Mestranda em História - Programa de Pós-graduação em História - Faculdade 
de Ciências e Letras de Assis - UNESP – Universidade Estadual Paulista. E-mail: 
anacarolinaoliveira1234@gmail.com 
13 Tal definição temporal foi elaborada pela Scarlett Marton, onde encontramos as obras referentes aos 
períodos em seu livro: MARTON, Scarlett. capítulo Parte II: Antologia In: Nietzsche: a transvaloração dos 
valores. São Paulo. Editora Moderna, 1993. p. 77-113 
14 MARTON, Scarlett. O Procedimento Genealógico: vida e valor In: Nietzsche: das forças cósmicas aos 
valores humanos. São Paulo. Editora Brasiliense, 1990. p. 76-77 
35 
 
Contudo, primeiramente é importante salientar que o conceito de história15 sofreu 
inúmeras modificações no decorrer do tempo, dentro deste campo encontramos os debates 
historiográficos, em suas formas de escrever história, e as teorias16 da história, que são 
visões de mundo. Principalmente no que concerne a historiografia do século XIX surge a 
Teoria da História com a constituição da história como ciência, nesta esfera teórica estão 
inseridos os paradigmas historiográficos, correntes teóricas, como o positivismo, o 
historicismo e o materialismo histórico entre outros17. 
Na obra intitulada Razão Histórica, do historiador alemão Jörn Rüsen, Teoria da 
História é definida como uma metateoria da ciência histórica por promover o pensar sobre 
o pensamento histórico e promover uma reflexão, em que o eixo é a racionalidade. 
Portanto, a Teoria da História para Rüsen consiste na análise de aspiração sobre a 
racionalidade da ciência histórica, pois fundamentar e criticar são atividades racionais, é 
a busca de suas determinações racionais que são manifestadas, nos próprios fundamentos 
da ciência histórica18. 
Se inicialmente uma teoria significa uma “visão de mundo”, independente do campo 
que está inserida, a Teoria da História ou o paradigma historiográfico é uma “visão 
histórica do mundo” podendo ser definida também como “uma determinada visão sobre 
o que vem a ser a própria história”, ou seja, é uma forma de propor “determinada 
concepção sobre o que é história e sobre o que deve ser a historiografia” 19. É a partir da 
teoria e do método que a historiografia terá seus alicerces para a construção de uma 
 
15 Um estudo muito rico no que concerne as definições do conceito de história de forma mais detalhada é o 
livro O Conceito de História organizado pelo Reinhart Koselleck. O livro expõe um conhecimento 
enriquecedor de como a história se desenvolveu, em relação a concepção e conceito, com o debate sobre 
objetividade e subjetividade, a metodologia, a discussão em torno da história ciência, e a definição de 
Historie como narração e a Geschichte como acontecimento. Não será exposto em detalhes o tema Conceito 
de História, enfatizando no presente projeto apenas a definição de Teoria da História. 
16 Segundo José Assunção Barros (1) Teoria é definida como “uma visão de mundo” pela qual os estudiosos 
e cientistas utilizam para chegar a uma “realidade” e analisar seu objeto de estudo. Portanto, desde o período 
da antiguidade até os dias atuais pode ter seu significado ligada a ideia de “ver” ou de “conceber” 
(BARROS, José Assunção. Teoria da História. Vol I: Princípios e conceitos fundamentais. Petrópolis, RJ: 
Vozes, 2014. p. 41-42. (2) “Teoria” remete ainda aos conceitos e categorias que serão empregados para 
encaminhar uma determinada leitura da realidade, à rede de elaborações mentais já fixadas por outros 
autores” BARROS, José D`Assunção. A Teoria e a Formação do Historiador In: Teoria da História: 
Princípios e Conceitos Fundamentais.Vol I. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014. p.66 
17 BARROS, José D`Assunção. A Teoria e a Formação do Historiador In: Teoria da História: Princípios e 
Conceitos Fundamentais. Vol I. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014. p. 70 
18 RÜSEN, Jörn. Tarefa e função de uma Teoria da História In: Razão Histórica: Fundamentos da Teoria 
da História: Fundamentos da ciência histórica. Tradução Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora 
Universidade de Brasília, 2001. p. 25-30. 
19 BARROS, José D`Assunção. Teoria e História da Filosofia da História In: Teoria da História: Princípios 
e Conceitos Fundamentais.Vol I. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014. p. 88) 
36 
 
história problematizada, afastando-se de uma história de cunho simplista composta 
apenas por descrição e narração. 
Em contraposição com a Teoria da História encontramos a Filosofia da História, cujo 
um dos autores mais conhecidos é Hegel20, que permeia o século XIX com influência de 
sua filosofia sobre a história. Neste sentido, Hegel estava preocupado com a história como 
processo, em definir de uma forma específica o sentido da história, o propósito e o fio 
condutor da história. No entanto, a história constituída como ciência, no século XIX, 
conduziu grande debate sobre a relação entre história científica e Filosofia da História. 
Segundo a análise de José Carlos Reis “os historiadores, mesmo procurando se diferenciar 
de Hegel e dos iluministas estavam impregnados de filosofia da história. O historiador é 
incapaz de abordar o material histórico sem pressuposições, está impregnado, sem 
confessá-lo, de idéias filosóficas21” 
Seguindo o contexto histórico da Alemanha no século XIX, com a influência da 
concepção de história proposta por Hegel, com outros paradigmas historiográficos, 
coexistindo com o fato histórico da recém unificação do país e com a preocupação da 
construção da nacionalidade, Nietzsche escreve a sua Segunda Consideração 
Intempestiva. Esta é composta por críticas22à concepção de história e a Filosofia da 
História do período, para Nietzsche a história não estaria servindo a vida e sim sendo 
subordinada ao Estado como uma ferramenta para a construção da nacionalidade, 
servindo a uma cultura que se tornou decadente e ocultando essa subordinação sob a 
autoridade da ciência23. Para Nietzsche, tudo entrou em decadência e desequilíbrio, pois 
a história estava em excesso causando males como a “doença histórica” com a sua “febre 
 
20 Hegel era um filósofo do final do século XVIII e início do século XIX. Na sua filosofia da história, de 
forma sucinta, é composta pela concepção de uma história universal na qual a história tem um sentido, um 
fio condutor, que é a Razão, pois nada está ao acaso. A manifestação da razão é o espírito no tempo e o 
conteúdo da história é a liberdade, sendo a dialética o pensamento que acompanha o movimento no tempo, 
mostrando-se como o movimento da realidade se processa. Para mais ver HEGEL, Georg Wilhelm 
Friedrich. O curso da história universal In: Filosofia da História. Tradução Maria Rodrigues e Hans 
Harden. 2 edição. Brasília: Editora UNB, 1999. p. 53-72 
21 REIS, José Carlos. Introdução In: A história entre a Filosofia e a Ciência. São Paulo: Editora Ática. 
1999. p. 8-9. 
22 Segundo Carlos Reis “Nietzsche teve uma relação superficial com a historiografia, fez uma avaliação 
negativa dos historiadores alemães objetivos e é visto como um dos primeiros críticos dos métodos 
históricos do século XIX. REIS, José Carlos. A consciência histórica ocidental pós-1871: Nietzsche e a 
legitimação da conquista europeia do planeta – o projeto alemão IN: História da Consciência Histórica 
Ocidental Contemporânea: Hegel, Nietzsche, Ricoeur. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2011. p. 165 
23 A ciência neste caso tem como referência a definição da história ser tratada como ciência da natureza, ou 
seja, tentava se aproximar a história

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