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CAMPANHA “SEMENTES”: A VIA CAMPESINA E SEU POSICIONAMENTO CONTRA AS POLÍTICAS AGRÍCOLAS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO CAMARGO, A. Universidade Estadual Paulista – UNESP Introdução Havia, na década de 1960, a esperança de que, no ano 2000, a população mundial fosse mais bem alimentada do que nunca antes em toda a história. Nesse sentido, algumas medidas foram tomadas, como a promoção da “Campanha Mundial Contra a Fome” e a elaboração do “CODEX Alimentarius”, que tinham como tema as necessidades alimentares do ser humano e como produzir mais produtos alimentícios, de acordo com a necessidade nutricional recomendada. Já na década de 1970, percebeu-se que o problema era o acesso que se tinha aos alimentos e não a quantidade produzida destes no mundo. Assim, o tema da Segurança Alimentar, que já em 1945, fora responsável pela criação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), voltou para a agenda de discussões no âmbito da organização. Nesse sentido, foram promovidas Cúpulas Mundiais de Alimentação (CMAs), levando a criação do Programa Alimentar Mundial (PAM), responsável pela distribuição de alimentos destinada à ajuda humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU). A FAO é uma agência da ONU especializada no combate à fome que visa melhorar os níveis de nutrição, a produtividade agrícola e as condições de vida das populações rurais, elementos esses presentes em sua Carta Constitutiva. Atualmente, a FAO é uma das maiores Agências Especializadas da ONU e busca um acesso permanente da população à alimentação. Para isso, a organização prioriza a agricultura sustentável e o desenvolvimento rural, visando a Segurança Alimentar. Durante a década de 1970, momento em que o mundo passava por uma situação de escassez de alimentos, o conceito de segurança alimentar estava muito mais ligado à produção agrícola e à forma como ela era estocada do que aos direitos defendidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Igualmente ocorreu durante a “Revolução Verde”, momento em que se incentivou o uso de insumos químicos na agricultura visando o aumento da produtividade. Desse modo, cada vez mais o conceito de segurança alimentar se distanciava dos temas relacionados aos direitos humanos, em que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação”, de modo que a preocupação focava-se na oferta apropriada de alimentos, baseada nas necessidades físicas do ser humano, e não no homem em si. Dentro deste contexto, o surgimento de movimentos sociais rurais em escala transnacional foi motivado não somente pela globalização, mas pela crise agrícola que assolou o mundo nas décadas de 1970 e 1980. Essa crise beneficiou a concentração dos recursos produtivos e a produção alimentícia pelas grandes empresas transnacionais agrícolas, que detinham a tecnologia necessária para a propagação do ideal da “Revolução Verde”. Esse ideal, o da “Revolução Verde”, era marcado por uma política internacional de liberalização das produções agrícolas nacionais. Diante de tais políticas, vários movimentos sociais rurais surgiram, entre eles a Via Campesina, de forma contestatória a tais práticas, pois muitos camponeses as consideravam nocivas ao seu próprio modo de produção de alimentos. A Via Campesina, datada de 1992, é uma rede transnacional de movimentos sociais camponeses que, atualmente, possui compreensão quase que planetária e atua, tanto localmente quanto globalmente, como um dos movimentos sociais altermundialistas mais atuantes. Entre suas atuações, destaca-se seu posicionamento expressivo na Assembléia Global sobre Segurança Alimentar, que ocorreu em 1996 em Quebéc, realizada pela FAO, momento em que a rede assumiu uma posição significativa como ator transnacional. Já no ano 2000, durante a III Conferência Internacional da Via Campesina foi lançada a “Campanha Sementes”. Dentre as bandeiras levantadas nessa campanha, destaca-se o combate à privatização bem como o patenteamento sobre a vida e a garantia à Soberania Alimentar dos povos. Assim, diante dessas bandeiras, são defendidos os Direitos do Agricultor, intimamente ligados ao tema de Soberania Alimentar. O conceito de Soberania Alimentar pode ser definido como direito dos povos e países de definirem suas próprias políticas agrícolas e protegerem sua produção e cultura alimentar, em detrimento ao empreendido pela FAO em relação à segurança alimentar, que por priorizar as necessidades físicas alimentares dos indivíduos acaba por defender políticas agrícolas que vão contra a cultura camponesa, como a promoção de sementes geneticamente modificadas, as transgênicas. Conforme exposto, nossa pesquisa procura responder alguns questionamentos que giram em torno do tema, como: O que motiva a transnacionalização de movimentos sociais rurais através da formação de uma rede internacional de movimentos sociais, a Via Campesina? Como esses movimentos se projetam em escala transnacional e procuram dar visibilidade e viabilidade aos interesses, que giram em torno do eixo Soberania Alimentar – transgenia, surgidos na escala local/nacional? E quais os impactos das políticas adotadas pela Via Campesina no palco internacional, em especial à FAO, no que tange a sua luta para a consolidação da Soberania Alimentar? Em suma, para responder tais questionamentos, nos dedicamos ao estudo de como a transnacionalização de movimentos sociais rurais, concretizada pela formação da Via Campesina, atua em escala global, buscando atender a demanda dos seus membros no que tange aos temas de Soberania Alimentar, em detrimento do conceito de Segurança Alimentar, que está sendo utilizado como respaldo à promoção da transgenia empreendida atualmente pela FAO. Almejamos, desse modo, explicar a relação existente entre atores da Sociedade Civil e seu papel de contestação à Governança Global. Metodologia Para que os objetivos deste trabalho sejam alcançados, o plano de trabalhado está estrutura do seguinte modo: 1. Para compreensão do debate teórico que permeia a interação entre atores sociais de planos domésticos e como se posicionam internacionalmente contra decisões supranacionais, iremos revisar e atualizar a bibliografia sobre o tema em livros, periódicos (Revista NERA, Review of International Studies, Estudos Sociedades e Agricultura, entre outras), dissertações e teses, tanto nacionais quanto estrangeiros; 2. Para realizar o mapeamento das medidas adotadas nessa campanha no que tange a transgenia de sementes e como ela se contrapõe a todo ideal de Soberania Alimentar dos povos tradicionais, iremos: a. Realizar um leventamento bibliográfico sobre a evolução histórica da relação do campesinato com a terra; b. Estudar, por meio de análise do site da Via Campesina e de outros materiais impressos relacionados ao tema, as medidas que a rede tomou contra o uso de sementes transgênicas e como seu uso vai contra todo um ideario camponês de produção alimenticia; c. Identificar, por intermédio de literatura especializada, de que maneira a Soberania Alimentar se encontra em posição de risco devido a disseminação da idéia do cultivo transgênico. 3. Para demonstrar os interesses que regem a transnacionalização de movimentos sociais rurais e como se utilizam de diversas formas de pressão para projetarem internacionalmente sua causa para a defesa de seu modo de produção, vamos: a. Analisar, consultando obras de autores como Desmarais, Borras, entre outros, o processo histórico de formação da Via Campesina; b. Estudar a “Campanha Sementes”, através do site da Via Campesina onde constam documentos e declarações, nos temas relativos a Soberania Alimentar e transgenia; c. Identificar, em artigos especializados e materiais jornalísticos, o modo de atuação da redena projeção da questão contra a transgenia e seus desdobramentos na “Campanha Sementes”, no que tange ao desejo de mudanças nas políticas empreendidas pela FAO. Resultados Os movimentos sociais rurais, ao tornarem-se movimentos transnacionais, aumentam sua escala de abrangência. Essa transnacionalização é possível através da percepção de uma causa comum. No caso da Via Campesina, que congrega, na maioria dos casos, atores de pequena escala de atuação, a rede possibilita que esses movimentos encontrem na organização um ambiente de escala global. Nesse ambiente, onde são reunidos inúmeros outros movimentos sociais rurais que possuem basicamente as mesmas reivindicações, a organização torna seus membros mais fortes no que tange ao poder de pressão que passam a exercer perante os atores internacionais. Para se projetarem é necessária a definição do problema. No caso, o problema surge nas políticas da FAO baseadas no conceito de “Segurança Alimentar”. Para contrapô-la, os próprios membros da Via Campesina formularam o conceito de “Soberania Alimentar”, ampliando o conceito de “Segurança Alimentar”, na medida em que aumentou o bojo dos temas tratados no conceito. Após a definição do problema, a Via Campesina age como instrumento de pressão junto FAO, através da Campanha “Sementes: patrimônio do povo a serviço da humanidade”, que busca dar visibilidade ao patrimônio genético da semente crioula, em detrimento àquelas promovidas pela FAO, as transgênicas. Como podemos perceber, a FAO está promovendo um tipo de política que vai contra todo o ideal camponês de produção, que, historicamente, está baseado na reserva das melhores sementes e na troca dessas. Essa prática é fundamental para o melhoramento das variedades de plantas, o que possibilita a criação de sementes crioulas, adaptadas aos ambientes locais e que garante a diversidade alimentar. Esse exercício constitui um ato cultural do “ser camponês”, pois está ligado a todo um sentimento de realização e expectativa desses em uma boa resposta de sua produção.
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