Prévia do material em texto
EEscritos de si e escritos de outros: descrições, dramaturgias, narrativas e roteiros da atividade criadora do Terra de Santo de Os Fofos Encenam APRESENTAÇÃO O presente Encarte é parte anexa da dissertação de mestrado – Epístola a Os Fofos. Artes Cênicas, espiritualidade e ciência na “Festança” Terra de Santo de Os Fofos Encenam, apresentada por Carlos Ataide ao Instituto de Artes da Universidade estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, em 2013. Todos os textos aqui apresentados foram construídos durante o período da atividade criadora do projeto Memória da Cana, Parte II – O Pentateuco, contemplado com o Programa Petrobrás Cultural/2010, entre março e outubro de 2012. Estes textos notados como descrições, dramaturgias, narrativas ou roteiros, foram apresentados ao diretor geral e dramaturgo, Newton Moreno, e a mim como pesquisador e ator do projeto, com o objetivo final de construção de uma dramaturgia para o espetáculo resultante do processo. O projeto tinha como alicerces para a pesquisa dessa criação dramatúrgica e cênica, o estudo do livro sagrado “O Pentateuco” (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), o mergulho na pesquisa do “sagrado pessoal” dos atores envolvidos e os cinco séculos de história da cana-de-açúcar no Brasil. A criação de cenas tomada a partir daquelas bases foi denominada no projeto de “Estudos cênicos” e estes divididos em dois momentos: “O sagrado pessoal” e “Os cinco séculos”. A cada século da história da cana no Brasil, no projeto se fez corresponder a um livro de “O Pentateuco”: século XVI – Gênesis; século XVII – Êxodo; século XVIII – Levítico; século XIX – Números; século XX – Deuteronômio. É da seguinte forma que se encontram apresentados os textos neste Encarte: i) “Os sagrados pessoais”; ii) “Os cinco séculos”; iii) dois dos roteiros apresentados pelo dramaturgo Newton Moreno após a criação e apresentação dos “Estudos cênicos”; e iv) o texto dramatúrgico pós-cênico Terra de Santo, estreado em treze de outubro de 2012, no SESC Belenzinho, São Paulo-SP. SUMÁRIO 1. “O SAGRADO PESSOAL” 1.1 – “O percurso do mundo” – José Roberto Jardim....................................................................................................................5 1.2 – “Roteiro” – Simone Evaristo.............................................................................................................. ..................................14 1.3 – “Pentateuco – Roteiro/workshop sagrado pessoal” – Cris Rocha......................................................................................16 1.4 – “WS – Sagrado Paulo de Pontes – Roteiro”........................................................................................................................20 1.5 – “Workshop sagrado pessoal” – Katia Daher............................................................................................................ ...........21 1.6 – “Roteiro do workshop – Sagrado pessoal – Viviane Madu”...............................................................................................22 1.7 – “Roteiro – WS Sagrado pessoal – Carol Badra”.................................................................................................................24 1.8 – “Roteiro WS Sagrado pessoal – Erica Montanheiro”.........................................................................................................25 1.9 – “Roteiro” – José Valdir........................................................................................................................................................27 1.10 – “Roteiro WS Sagrado – Edu Reyes”..................................................................................................................................28 1.11 – “Roteiro Workshop ‘O Sagrado’” – Carlos Ataide............................................................................................................29 1.12 – “Sagrado pessoal – Estudo cênico do Pentateuco – Carmencita – Ode ao perdão das culpas – Roteiro” – Luciana Lyra................32 2 . “OS CINCO SÉCULOS” 2.1 – “Século XVI – Gênesis” 2.1.1 – “Roteiro WS Estudos cênicos – Século XVI: Índios” – Carlos Ataide, José Valdir, Simone Evaristo, Viviane Madu..........................................................................................35 2.1.2 – “Roteiro – WS – Estudos cênicos Século XVI – Cristãos/Jesuítas” – Cris Rocha, Katia Daher, Marcelo Andrade, Paulo de Pontes........................................................................................39 2.1.3 – “Workshop Judeus e Cristãos Novos Século XVI” – Carol Badra, Eduardo Reyes, Erica Montanheiro, José Roberto Jardim, Luciana Lyra.................................................41 2.2 – “Século XVII – Êxodo” 2.2.1 – “Roteiro Estudo Cênico Séc. XVII – Negros” – Carlos Ataide, José Valdir, Simone Evaristo, Viviane Madu.........................................................................................45 2.2.2 – “Roteiro – WS – Estudos Cênicos – Século XVII – Holandeses/Calvinistas” – Cris Rocha, Katia Daher, Marcelo Andrade, Paulo de Pontes.................................................................................. ......47 2.2.3 – “Pentateuco – Judeus no Século XVII” – Carol Badra, Eduardo Reyes, Erica Montanheiro, José Roberto Jardim, Luciana Lyra.................................................49 2.3 – “Século XVIII – Levítico” 2.3.1 – “Roteiro do Workshop Levítico Século XVIII – Por Simone Evaristo e Viviane Madu”..................................................59 2.3.2 – “Roteiro WS Estudos Cênicos Século XVIII – Negros” – Carlos Ataide, José Valdir......................................................60 2.3.3 – “Cena Cristãos” – Cris Rocha, Katia Daher, Marcelo Andrade, Paulo de Pontes...........................................................62 2.3.4 – “Roteiro Judeus Século XVIII” – Carol Badra, Eduardo Reyes, Erica Montanheiro, José Roberto Jardim, Luciana Lyra.................................................67 2.3.5 – “Sec. XVIII – Uma botada judaica” – Erica Montanheiro................................................................................................72 2.4 – “Século XIX – Números” 2.4.1 – “Estudo Cênico Índias – Festa – Século XIX” – Simone Evaristo, Viviane Madu..........................................................74 2.4.2 – “Roteiro Zé Valdir – Século XIX”.....................................................................................................................................77 2.4.3 – “Roteiro WS Século XIX (Carlos Ataide, Carol Badra, Cris Rocha, Eduardo Reyes, Erica Montanheiro, Katia Daher, Luciana Lyra, Marcelo Andrade, Mariana Souto Mayor, Paulo de Pontes, Rafaela Penteado, Simone Evaristo, Viviane Madu)”.............................................................................................................................................. .............................................78 2.4.4 – “Roteiro Estudo Cênico Século XIX Cris Rocha – Purgatório”.......................................................................................85 2.4.5 – “Roteiros Século XIX – José Jardim”...............................................................................................................................86 2.5 – “Século XX – Deuteronômio” 2.5.1 – “Roteiro WS Estudos Cênicos Século XX” – Carlos Ataide..............................................................................................96 2.5.2 – “Roteiro WS Estudos Cênicos Século XX” – Carol Badra................................................................................................97 2.5.3 – “Roteiro/Estudo Cênico Século XX – Cris Rocha – Rezadeira Leonor”..........................................................................99 2.5.4 – “Roteiro/Estudo Cênico Século XX – Cena 2 – Cris Rocha – Caindo de paraquedasno meio do canavial (a inadequação do estrangeiro diante do desconhecido; viagem solitária”; onde está a terra prometida?”...............................100 2.5.5 – “Roteiro Século XX – Eduardo Reyes”.................................................................................................................... .......102 2.5.6 – “Roteiro WS Erica – Século XX”....................................................................................................................................103 2.5.7 – “Roteiro Século XX – José Roberto Jardim”..................................................................................................................105 2.5.8 – “Roteiro Século XX – Ator – Zé Valdir”.........................................................................................................................108 2.5.9 – “Século XX – Katia”........................................................................................................................................................110 2.5.10 – “Estudos Cênicos Século XX – Pentateuco – Por Luciana Lyra – Bar Amiguinha, o regaço do canavial”...............112 2.5.11 – “Estudos Cênicos Século XX – Pentateuco – Por Luciana Lyra –Joana Inês Regina de Malê ou Joana Bode, a divina mestra”........................................................................................................................................................................................114 2.5.12 – “Estudos Cênicos Século XX – Pentateuco – Por Luciana Lyra – Munizim”..............................................................116 3. ROTEIROS DO TERRA DE SANTO 3.1 – Terra de Santo (Pentateuco). Roteiro D (Movimentos 1,2 e 3). Abril 2012. Texto Newton Moreno Em processo colaborativo com a Cia Os Fofos Encenam.............................................................................................. ..................................120 3.2 – Terra de Santo (Pentateuco). Roteiro E (Sem Movimento 1, a peça já começa na Terra de Santo). Abril 2012. Texto Newton Moreno Em processo colaborativo com a Cia Os Fofos Encenam................................................................................197 4. TEXTO DRAMATÚRGICO PÓS-CÊNICO TERRA DE SANTO 4.1 – Terra de Santo (Pentateuco). Roteiro K. Texto Newton Moreno Em processo colaborativo com a Cia Os Fofos Encenam (texto de estreia do Terra de Santo, em 13 de outubro de 2012).................................................................................................233 4 “O SAGRADO PESSOAL” 5 WORK SHOP 01 - “O Sagrado Pessoal” – de José Roberto Jardim O PERCURSO DO MUNDO A Religião e o Pensamento A Inércia e a Reflexao 1. ENTRADA Preparação para Recepção. Criar atmosfera diferente da trazida de fora, da rua. Algo simples. Um portal. Iluminação: Velas (2) Música: Minimalismo (Philip Glass, 3:00 minutos) Odores: Louros e incensos Alimento: Maças Símbolo de Força: Espada de corte duplo. Aviso: 1) Se desejarem, sirvam-se... 2) Entrem e sentem-se nos bancos... 3) Apaguem as velas, são meramente indicativas. 2. O NICHO Inicio da Humanidade e suas necessidades. A reflexão. A solidão. O seu momento de imersão. PASCAL: “A Infelicidade do Homem consiste em não conseguir ficar sozinho no seu quarto.” Iluminação: Velas (8) Imagens NICHO vazio: 1) tapete pequeno... 2) Um tabuleiro de xadrez em cima da Torá... 3) aparelho de som K7... 4) Um cinzeiro com um cigarro acesso... 5) Uma garrafa de vinho aberta. Som: Trovões e Chuva (constante) 3. O HOMEM SÓ, APENAS Entrada do Homem em seu ambiente de reflexão. Uma pequena ação, colocando o SER dentro do espaço. Não criar personagem. Apenas ser um instrumento para entendimento daquilo. Simples, presente, necessário. 6 Para contrapor formas de pensar entre ele e ele mesmo, e entre as “testemunhas”. Cenário: o mesmo. Ação: 1) Ele joga xadrez sozinho, pelos dois lados. 4. O PRINCÍPIO Jogo de imagens, fotos. Nada em movimento. Não filme. Estáticas, fotos, pinturas, desenhos, ilustrações. Imagens da memória, do inconsciente/consciente. Serem claras, icônicas, de conhecimento mais amplo, mas necessárias. Imagens rápidas, e curtas, do início de TUDO até o presente momento. Idéia subliminar, consciente versus inconsciente. Imagens em Preto e Branco. Duração: 8:40 minutos. IMAGENS: * O PRINCÍPIO DE TUDO 1) BERECHID – No Princípio 2) Big Bang – o início 3) Galáxia * TERRA 4) A Terra – Nosso planeta 5) Dinossauros e Vegetação – A Vida 6) Meteoro – A Primeira grande destruição da vida 7) Geleiras – O mundo Ártico, sem Sol 8) Urso Polar – A Volta da Vida 9) Mamute – A vida se reformulando * O HOMEM 10) Neandertal – O início do Homem 11) Homo Sapiens – A Aproximação do que somos * EGITO 12) Pirâmides do Egito – Uma grande civilização 13) Anúbis – Imagens de divindade 14) Sarcófagos – Faraós e sua imortalidade 15) Esfinge – Sua crença e legado * ORIENTE 16) Buda – Religião Oriental 17) Lao Tse – Filosofia Oriental 18) Shiva – Religião Indu * GRÉCIA 19) Templo de Palas Athena – Religião Politeísta Grega 20) Dioniso 21) Apolo 22) Máscaras do teatro – Uma comunicação 23) Um teatro de Arena Grego – O local de apresentação 7 24) Édipo Rei – Uma obra sobre o anátema 25) Sócrates – O racionalismo 26) Platão – O maniqueísmo e o Deus único * JUDAISMO 27) Moisés – o Profeta que gerou religiões e o Pentateuco 28) Os Dez Mandamentos 29) A Torá 30) A Estrela de Davi – Símbolo Judeu CRISTIANISMO 31) José e Maria fugindo – O Início da estória Cristã 32) Santa Ceia 33) Cristo Crucificado 34) A Pietá 35) A Bíblia – o Livro Cristão * ISLAMISMO 36) Mulher de Burca – A visão árabe 37) Homens lendo o Corão – Religião 38) Mulher vestindo a Burca – As regras 39) Corão Aberto 40) Corão Fechado – O Livro Islâmico * IDADE MÉDIA 41) Cristo guiando os fieis contra Mouros - Cruzadas 42) Barcos indo em conquista de novos horizontes - Cruzadas 43) Adoração da Cruz – Igreja e sua consolidação 44) Arlequim tocando Violão – A arte popular e trovadoresca 45) Cristo Crucificado * INQUISIÇÃO 46) Reis Papas – O poder religioso com não religiosos 47) Diagrama de Copérnico – Refutar a superstição da Igreja 48) Galileu Galilei – O que refutou e negou para viver e continuar refutando 49) O Santo Inquisidor – Início do terror 50) Tortura – Roda de desmembramento 51) Queimar em Praça Pública 52) Fogueiras humanas 53) Cristo Crucificado * RENASCENÇA 54) Caravaggio – O “quiaro e iscuro” 55) Boticcelli – Marte 56) Boticcelli – Vênus 57) A Bíblia Sagrada - devoção e questionamento 58) Cruz pegando fogo 59) Lutero – A releitura protestante alemã 60) João Calvino – Protestantismo francês 61) Henrique VIII – Anglicanismo Inglês 62) Cristo Crucificado 63) Shakespeare – A visão do Homem renascentista 64) O Globe – Espaço de teatro elisabetano 65) Hamlet e Yorik – O questionamento entre vida e morte 66) Maquiavel – A releitura perversa e pervertida dos valores medievais 67) Cristo Crucificado * REVOLUÇÃO FRANCESA 68) A queda da Bastilha – A tomada de uma nova classe 8 69) Delacroix “A Liberdade guiando o Povo” 70) Robespierre 71) Danton 72) Marat 73) A Guilhotina 74) Mortes em praça Pública – Os anos de Terror 75) Cristo Crucificado * O ROMANTISMO, REALISMO E NATURALISMO 76) Napoleão – as novas conquistas e o Império 77) Kirkegaard – A filosofia do ser, ainda com lastro religioso, protestante 78) Gustav Courbet “A Origem da Vida” – O Realismo 79) Darwin/Macaco – O Naturalismo 80) Estudo da Evolução 81) Cristo Crucificado 82) Allan Kardec – O Espiritismo 83) Praça Etoile França – A mudança na arquitetura social 84) Um Rabino – A força judaica no mundo 85) Richard Dreyfus – Escandalo jurídico e de Anti-semitismo europeu 86) Emile Zola – O Naturalista que guerreou a favor de Dreyfus 87) Matéria “J’accuse!” – Carta aberta ao presidente sobreo escândalo Dreyfus 88) Estrela de Davi 89) Tolstoi – A religião e o individualismo 90) Dostoievski – A responsabilidade pessoal 91) Cristo Crucificado 92) Abraham Lincon – A América e as mudanças no mundo 93) A Bíblia – Aglutinador social 94) Nietzche – O Ateísmo Niilista 95) Cristo Crucificado * REVOLUÇÃO INDUSTRIAL e SOCIALISMO 96) Trem a vapor 97) Industria 98) Chaplin “Tempos Modernos” – A sátira da mecanização do homem 99) Proletários – Uma nova classe 100) Estrela de Davi 101) Karl Marx – Um novo pensamento 102) Cristo Crucificado A SÉTIMA ARTE 103) Rolos de filmes 104) Uma sala de cinema – nova organização e comunicação SÉCULO XX 105) Freud – O consciente e o inconsciente 106) Primeira Guerra Mundial 107) Cemitério – a decorrência da guerra 108) Cristo Crucificado 109) Lênin – O início do socialismo soviético, uma nova organização 110) A revolução Russa * HOLOCAUSTO e a SEGUNDA GRANDE GUERRA 111) Hitler – Megalomania e anti-semitismo, Segunda Guerra Mundial 112) Prisioneiros num Campo de Concentração 113) Prisioneiros desnutridos 114) Uma criança raquítica 115) Corpos de judeus amontoados 9 116) Corpos de judeus amontoados 117) Estrela de Davi Nazista 118) Chaplin “O Grande Ditador” 119) Mussolini 120) Winston Churchill – A resistência estratégica 121) Símbolo da URSS – O poder socialista 122) Stalin – Um genocídio russo 123) Trostky – Vitima da mão de ferro, a Voz dissonante 124) Bandeira Americana – O poder Capitalista 125) Imperador Hiroito – Japão e sua tradição 126) Avião “Enola Gay” – Que carregou a Bomba Nuclear jogada em Hiroshima 127) Explosão da Bomba Nuclear 128) Hiroshima destruída 129) Um corpo japonês carbonizado 130) Corpos de judeus amontoados * PÓS-GUERRA E O MUNDO 131) Construção do Muro de Berlim – Divisão entre dois mundos 132) Truffaut e Jean Pierre Leaud 133) Bertrand Russel – O Ceticismo e o Individualismo filosófico 134) Heidegger – Desenvolvimento filosófico do Ser e do Tempo 135) Picasso – A resistência artística em novos padrões 136) “Guernica” de Picasso 137) Sartre e Simone de Beauvoir – O existencialismo e o valor burguês 138) Camus – O absurdo da existência 139) “Isso não é um cachimbo” de Magritte – Dissociação entre imagem/informação 140) Renè Magritte – O Surrealismo como forma de explicação 141) Planta de Le Corbisier para Paris – As mudanças sociais e arquitetônicas 142) Planta de Lúcia Costa para Brasília – O modernismo se instaurando 143) Che Guevara e Fidel Castro – Revolução nas Américas 144) Mão Tse Tung – A revolução Cultural na China 145) Povo Chinês aclamando Mão 146) Ator da Ópera de Pequim – Valores banidos da nova sociedade chinesa 147) Massacre popular chinês – A mão de ferro de Mao 148) Monge pegando fogo – Ato de protesto contra Mão 149) Dalai Lama – Perseguição ao Tibet 150) Ku Kux Klan – Perseguições raciais na América 151) Gandhi – A resistência Pacífica 152) Seita Ku Kux Klan adorando uma Cruz 153) Martin Luther King – A Luta Pacífica pela igualdade nas Américas 154) Crianças depois da bomba de Napalm – Guerra do Vietnã 155) John Lennon – Artistas engajados 156) Panteras Negras – A luta armada pela igualdade 157) Revolução de 67 em Paris – Estudantes na rua 158) Passeata contra a Censura 70, Brasil 159) Cemitério 160) Cruz pegando fogo 161) O Living Theatre – Nova forma de relação e comunicação com o público 162) Mulher puxando o homem pelo “saco” – A força feminina crescente 163) Ilustração “We Can Do It” – O feminismo instaurado 164) Um “Chip” de computador – O avanço tecnológico 165) Símbolo da Microsoft – Novos rumos para a computação 166) Um computador 10 167) Símbolo da Apple 168) Mulher trepando – Liberdade sexual 169) Close de uma Penetração 170) Dois Homens se beijando 171) Close de uma Dupla penetração 172) Cristo Crucificado 173) Shao Ping parendo os tanques na Praça da Paz Celestial, China 174) Ronald Regan – América inicia o final da Guerra Fria 175) Gorbachev – O lado Russo concorda 176) Símbolo da URSS – o início do fim da União Soviética 177) A queda do Muro de Berlim – O fim de um pensamento 178) Cristo Crucificado 179) Letras Árabes 180) O Corão – O mundo Islâmico em atrito com o Ocidente 181) Saddan Hussein – O conflito com a América 182) Palácio Árabe – O poder e a ostentação dos poucos árabes ricos 183) Bandeira do Estados Unidos 184) Uma máquina de extração de Petróleo 185) Uma refinaria em alto mar de Petróleo – Motivo das brigas pelo poder do Mundo 186) George W. Bush – O Império americano e sua truculência 187) Osama Bin Laden – O fundamentalismo contra o “Imperialismo americano” 188) Explosão nas Torres Gemes, WTC 189) Cruz pelgando Fogo 190) Soldado americano prendendo um árabe 191) Cristo Crucificado 192) Arnold Schwarzenegger tomando posse da Califórnia 193) O Corão 194) Cristo Crucificado 195) Barack Obama – Tentativa de mudanças na América 196) Bandeira dos Estados Unidos 197) A Bíblia – Americanos se encontram na Bandeira e na Bíblia 198) Cristo Crucificado 199) Cruz pegando Fogo 200) Papa Bento XVI 201) Cristo Crucificado 202) Pintura, “O Grande Dragão Vermelho”, William Blake 203) Edir Macedo – O crescimento do pensamento e das “vantagens” evangélicas 204) Cristo Crucificado 205) Pintura “O Ancião”, William Blake 206) Hugo Chávez abraça Muamar Cadafi – formas de ditadura ainda vigentes 207) Cristo Crucificado 208) Pintura “Newton”, William Blake 209) O Planalto Central, Brasília – O nosso poder politico 210) Cristo Crucificado 211) Tiririca agradecendo os votos 212) Cristo Crucificado 213) Uma explosão Nuclear 214) Cristo Crucificado de corpo inteiro... A imagem do Cristo fica colorida, aos poucos. Depois some em “Fade Out” B.O. 11 5. CRISTO REAPARECE E NOS VISITA B.O. Acende luz no canto oposto ao olhar das pessoas: Um Cristo Crucificado e amordaçado aparece. Ele quer falar, mas não consegue. Imagem com um Boneco/Cristo pregado numa cruz. Sentir curiosidade pelo que fizeram com esse homem/Cristo. Um homem como outro qualquer, massacrado e divinizado pela história. Ir até ele e ajuda-lo a falar. Por um microfone perto de sua boca para ele ser melhor ouvido. Para que sua voz possa, finalmente, falar o que precise e para quem quiser. Ligar o K7 do “QUARTO” ao fio do microfone. Apertar Play. Ir ao Cristo e tirar a sua mordaça. Então, ele começa a falar...: (Textos com adaptações de: Sêneca, Sartre, Camus, Heidegger, Bertrand Russel e Meus) – “ Pequena é a parte da Vida que vivemos. Pois todo o restante não é vida, mas somente tempo. De maneira que ao chegar ao último dia de vida, O Homem sábio não exitará em ir para a morte, Com tranqüilidade. Dentre todos, Somente os ociosos, são os que estão livres para a sabedoria. Apenas estes vivem. Não só controlam o ambiente, Como também lhe acrescentam À eternidade, de fato. Todos os anos que se passaram antes deles, São somados aos seus, à tudo aquilo que vem por acaso. O que mais alto se eleva, Mais facilmente cai. A ninguém as coisas, as coisas decaídas, Causam deleite. É portanto evidente que seja, Não apenas muito curta, Mas também muito infeliz, A vida daqueles que a preparam com grande trabalho, E que só a podem a conservar com esforços maiores ainda. Então adquirem penosamente aquilo que desejam. E possuem com apreensão o que adquiriram. Por isso nunca faltarão motivos, Felizes e infelizes, Para a preocupação. A Vida ocorrerá através das ocupações. Nunca o ócio será obtido, Ele será sempre desejado. E assim, encontrarás nesse tipo de Vida, A qual eu busco, O entusiasmo: do Amor, Da prática da Virtude, Do esquecimento das Paixões, 12 Da Arte de Viver e de Morrer... Certamente, miserável é a condição de Todas as pessoas ocupadas. Mas ainda mais miserável, É daqueles que sobrecarregam as suas Vidas de cuidados, Que não são para si. Que inspiram para dormir o sono dos outros, Que comem a comida que os outrostem apetite, Que caminham segundo os passos dos outros, Que estão sobre as ordens dos outros, Deles. Que fogem das coisas que são as mais espontâneas de todas, Amar e Odiar. Se desejam saber o quão breve é a sua Vida? Que calculem, então, o quão exígua é a parte que lhes toca. Só existe um problema filosófico, realmente sério: O Suicídio. Julgar se a Vida vale ou não vale a pena ser vivida, É responder a pergunta fundamental da filosofia. Muitas pessoas morrem, Porque consideram que a Vida, Não vale a pena ser vivida. O que se denomina “Razão de Viver”, É, ao mesmo tempo, uma excelente “Razão de Morrer”. Matar-se, em certo sentido, é como no melodrama, É confessar-se. Confessar que fomos superados pela Vida, Ou que não a entendemos. Trata-se a penas de confessar que isso, A Vida, Não vale a pena. Nós cultivamos o hábito de Viver, Antes mesmo de adquirir o de pensar. É isso que eu chamo de “um raciocínio absurdo”. Todas as grandes ações e todos os grandes pensamentos, Tem um começo ridículo. Compreender as coisas, é antes de tudo, Unificar-se. O Absurdo é a paixão mais dilacerante de todas. O mais seguro dos mutismos não é calar-se, Mas sim, Falar. O Absurdo nasce desse confronto, Entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo. O Pensamento de um Homem é antes de tudo Absurdo. O Pensamento de um Homem é antes de tudo a sua Consciência. O Pensamento de um Homem é antes de mais nada, A sua Nostalgia. A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... 13 A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia... A sua Nostalgia...” (Fade out) 6. RETORNO AO DILÚVIO Som dos Trovões e da Chuva retornam. A luz do Cristo se apaga. Tudo voltou ao início, a Solidão. Cada um deve ficar consigo. Consigo apenas. Desligar todos os aparelhos e luzes da sala. Escuridão. Apenas Chuva e Trovões. Tempo. Silêncio. Som sai lentamente. Silêncio total. Mais tempo na escuridão. Tempo. Escuro. Ligar abruptamente a luz fria. Fim do Work Shop do “Sagrado Pessoal”. FIM 14 Roteiro - Sagrado Pessoal (Simone Evaristo) Embaixo da escada. Escada ornamentada com folhas e ervas pelo chão. No teto orações penduradas. Ex-votos espalhados, orações também espalhadas e penduradas no teto. Esse espaço é a passagem do que tem fé pelo burraco da agulha, remeter-se ao lugar dentro de mim. Não é um personagem. Talvez uma figura que simbolize todos os meus sagrados ou onde eu reconheça sagrados. Um altar onde estão colocadas várias imagens: Santos Católicos, Orixás, Ganesha. Velas acesas, flores em vasos, ex-votos dispostos. Cheiro de ervas. Uma mulher sentada em um banquinho de frente para o altar. Ela veste roupas amarelas, tem o rosto pintado de azul e um ponto vermelho entre os olhos. Tem ainda a pele pintada de preto e vermelho. Lembra Pajés e Shiva. Segura nas mãos São Jorge e canta (música de Alessandra Leão): “Meu São Jorge, Santo guerreiro Matador de Dragão Guardai-nos Entre a Lança e a Capa São Jorge Em seu cavalo branco” Ao final coloca o São Jorge no chão em frente à vela azul, destinada a Ogum, em posição de vigilia. Diz: - Tudo o que eu tenho não é meu. Tudo é deles. Meus olhos Santa Luzia é quem guia e proteje. Os do corpo e os da alma. Meu ventre e as águas que nele habitam são Parvati e São Sebastião quem zelam. Os pés Santa Terezinha que se entregou incondicionalmente ao amor de Jesus. Foi com que apreendi a contemplar. Não existe amor sem sabat, sem contemplação, sem retirar-se. São Francisco a amar todos os seres vivos, meus irmãos e a cultivá-los dentro de mim. Santo Antonio a boa prosa e as simpatias inocentes, a festa. O que seria de mim sem a fé em Antonio (música de Maria Bethania). Kali comandou e comanda minhas mortes e regenerações. Aos caboclos minhas curas. Ganesha e Exu cuidam dos meus caminhos e resolvem as demandas. Ogum meu pai São Jorge minha coragem e força. Minha cabeça dura é de Santa Bárbara, minha mãe Iansã. Oxum guia meu amor pela vida! Nada do que eu tenho é meu tudo é deles. Quando eu me for, tudo volta a ser deles. Rezo, rezo, rezo pra todo mundo! Rezo sem saber os nomes, Rezo pra humanidade. Pela imposição das mãos a vida resurge. Me dá uma alegria? Dividi uma benção comigo? 15 Todos se dirigem a outro local onde estão dispostos em círculo almofadas, onde cada um deverá se acomodar. Dentro do círculo estão dispostos, conforme a direção dos pontos cardeais: norte, sul, leste, oeste, um pão simbolizando o elemento Terra, um caldeirão simbolizando o Fogo, um turibulo simbolozando o Ar e um banho simbolizando a Água. Ao centro um mastro ormamentado de flores, porém ainda sem ser fincado. Antes de entrarem (o Público?) todos escreveram em um papelzinho um excesso que gostaria de estar eleiminando, pois estamos no Equinócio de Outono que é a preparação para o Inverno, onde os dias ficaram menores e as noites mais longas. Para atravessar esse momento na naturaza e dentro de nós é importante carregarmos pouca bagagem, apenas o necessário. Todos entram e se sentam em círculo. Os elementos vão sendo saldados, e acada saldação todos são convidados a compartilharem do pão, do banho, do incenso, da queima dos excessos. Depois o mastro é erguido criando um espaço sagrado de criação que é a própria sede. Um brinde é erguido. Fim. 16 PENTATEUCO - Roteiro/Workshop SAGRADO PESSOAL – Cris Rocha Há um texto em off* enquanto o público entra. Ervas queimam no defumador. Um caminho de sal grosso com pedras coloridas recebe o público, que é convidado a retirar seus sapatos e ser conduzido por esse caminho, que simboliza um ritual de limpeza, convidando-os para um outro “estado”. Esse caminho conduz a um altar, no qual existem elementos representativos da mãe e do pai, da ancestralidade/origem. Da mãe: um sapatinho velho, um livro de bordados. Do pai: uma cruz feita de espadas de São Jorge, uma caneta bic e um relógio. Ao lado, uma foto minha de infância, uma taça com mel e outra com água. Após essa instalação, encontra-se um espaço fechado, mais especificamente, um canto da sala fechado por cortinas, um quartinho recolhido. Ao entrar nesse espaço, encontra-se um ambiente forrado por flores de plástico nas paredes e trigos no chão, uma imagem de Iemanjá e outra de Jesus Cristo, velas, uma foto minha de criança entre meus irmãos, muitas bonecas, algumas em pedaços, alguns brinquedos infantis. Eu estou nesse espaço, sentada de costas para quem entra, cantando: “Papai me compra um balão com todas crianças que tem lá no céu. Tem doce papai, tem doce, papai, tem doce lá no jardim. Tem doce papai, tem dce papai, tem doce lá no jardim.” Estou de branco, com uma flor muito grande nos cabelos e tenho ataduras cobrindo os braços e pernas. Enquanto canto, o público entra e se acomoda em almofadas. Ofereço partes das bonecas e brinquedos para cada pessoa. Escolho uma das bonecas e nela escrevo uma palavra. Entrego para uma pessoa que também escreve uma palavra e passa adiante, para que cada um repita a ação. Recolho a boneca e a cubro com ataduras iguais às minhas. Na sequência, entrego pontas das ataduras que me cobrem para o público, que me ajuda a desvendar meu corpo em uma dança silenciosa. A atadura revela palavras escritas no corpo: fé salve Jorge território ocupação está sendo escrito agora meu silêncio, meu oratório templo a memória reside sob presença no mundo festa e doce São Sebastião todos sob a minha pele tribo Finalizado esse momento, eu levanto minha blusa, revelando um texto escrito em vermelho nas minhas costas e me deito de bruços para que todos possam ler: “Por baixo da pele, o corpo é uma usina reaquecida e por fora, um enfermo brilha, reluz, com todos seus poros estalados, como uma paisagemde Van Gogh ao meio dia” (Antonin Artaud) Depois de todos terem lido o texto, busco uma vela do meu tamanho e a acendo. Nesse instante toca a música “Encanteria” de Maria Bethânia e o encontro se transforma em festa. Eu empunho a vela como 17 um bastão de força e saio desse espaço fechado junto com o público, iniciando uma dança festiva, celebrando o renascimento. Sigo dançando até o fim. Letra da música: Vou queimar a lamparina Quando o rei me der sinal Eu sou da casa de mina Ele é da casa real Eu desci da lua cheia Pelo raio que alumia Eu cheguei na sua aldeia Pra fazer encanteria Eu vim ver minha maninha Dona do fundo do mar Ela canta de noitinha De manhã dorme a cantar Moço, apague essa candeia Deixa tudo aqui no breu Quero nada que clareia Quem clareia aqui sou eu Vou queimar a lamparina Quando o rei me der sinal Eu sou da casa de mina Ele é da casa real Vim depressa como o vento Mas não sei porque é que eu vim Foi num canto de lamento Que alguém chamou por mim Acho que cheguei mais cedo Antes de quem me chamou Mas, se me chamou com medo Vou-me embora, agora eu vou De qualquer maneira eu deixo Nessa casa, minha luz, Abro ponto e ponto fecho Deixo o resto com Jesus Vou queimar a lamparina Quando o rei me der sinal Eu sou da casa de mina Ele é da casa real O caminho do sagrado dentro de mim: PELE A pele, meu receptáculo de experiências, meu território sagrado, pessoal, onde eu carrego minhas histórias, meu espaço intransferível, onde eu começo, onde eu termino, minha fronteira. 18 O meu corpo marcado com palavras. O texto transposto da boca para a pele. A imagem da palavra no meu corpo e, na minha boca, o silêncio. E a pele/história me leva ao passado, à origem, à infância, onde existia a fé. A SALA DA INFÂNCIA Meu sagrado tem Jesus e Iemanjá na infância. Junto com muitos momentos de silêncio. Tem amigos imaginários, não tão imaginários. Tem experiências místicas. Tem cheiro de defumador, música, pessoas com dois nomes e duas vozes. Fumaça. Roupa branca e tênis conga. Fogo e cheiro de ervas. Cumprimentos com os ombros. Santos misturados com caboclos. Tem festa e doce, tem crianças. Tem chá de hortelâ e colarzinhos coloridos e especiais. Tem vislumbres de antes, do antes de tudo e mais silêncio. Mãos unidas num movimento quase hipnótico. Muitas, muitas orações pedindo o fim da seca no nordeste (uma obsessão com isso). Tem segredo, tem dentro. Tem vela do meu tamanho na igreja de São Judas Tadeu, onde fui batizada. O DEPOIS DE TUDO ISSO O caminho do sagrado dentro de mim vai da fé fervorosa da infância, da experiência mística incompreendida da criança até a perda dessa fé, o esquecimento. Depois, a pele grita e tem bonecas de plástico partidas, imagens da minha própria fragmentação, de ex- votos pedindo cura, pedindo milagres. E no contato com o xamanismo, eu volto pro começo, para o princípio de tudo, e retomo essa fé em dança e festa. Tenho um monte de perguntas e quase sempre me sinto num deserto, buscando alguma coisa que não sei o que é, mas da qual sinto falta. *Texto em off da entrada do público: (A formação do pensamento ocidental – Luiz Fuganti) “No encontro eu não vou ser consumida, eu não vou ser esvaziada, eu não vou ficar na falta, eu não vou ser sugada. O encontro é exatamente o contrário disso, o encontro é uma energização. Não importa o tipo de encontro que se faça, e saber fizr mais forte. O que não me mata me deixa mais forte. O que não me mata me deixa mais forte, mais forte, mais forte. Estar sozinho é estar numa ocasião, numa oportunidade para se abrir para o máximo de encontros. A solidão é uma solidão povoada. O deserto cresce mas as tribos crescem junto. O deserto é um plano de imanência ou uma superfície lisa. É o espaço liso e o tempo liso, o tempo do esquecimento. Superfície lisa mas, ao mesmo tempo, é onde as populações, as intensidades, as tribos, os blocos, atravessam. É onde pode acontecer alguma coisa. Não há acontecimento se não estiver liso alguma coisa, se não tiver o deserto ou o mar ou o ar. Superfícies lisas. Faculdade de esquecimento: liberar a superfície das marcas, liberar a superfície das estrias. Limpar, varrer as marcas, varrer essa má memória, recalcar essa memória para liberar exatamente a possíbilidade, através do esquecimento, de uma memória imamente, de uma memória ontológica, que é a própria dobra do ser ou a própria consistência que é gerada no devir, no encontro. O encontro é o que produz a consistência que vai estar no lugar do sujeito. Nós não precisamos de sujeito, não precisamos de identidade, não precisamos de dívida. Precisamos é de consistência; e a consistência não se busca, se encontra. Você fabrica uma superfície seletiva ou um conjunto de portas enfileiradas que te levam a fazer novas conexões. E não a subdividir a sua potência ou a sua energia. Não importa em que nível de subdivisão ou de acréscimo em que você entra, você está sempre compondo. Isso é fazer um plano de consistência. 19 É necessariamente seletivo. Necessariamente ético. Então o que é imundo, obsceno, imoral – ou moral que é a mesma coisa – pornográfico, é exatamente essa interioridade subjetiva do homem de bem. O homem de bem é absolutamente obsceno, o homem de bem é aquele que submete o encontro ao fato, o encontro à forma de se comportar, à forma de pensar, à forma de conteúdo e à forma de expressão, estabelecidas por um poder. O encontro.” Palavra(s) que define(m) meu sagrado pessoal: Sob a pele, sob as células, memória antepassada. Fé fervorosa, esquecimento e reencontro com a fé. 20 WS SAGRADO PAULO DE PONTES – ROTEIRO (PAULO DE PONTES) 1 - CONTRUIR UM CÍRCULO (MANDALA): Prática usada nas reuniões semanais do Grupo de Apoio Ao Paciente Com Câncer (PE), onde frequentei durante um período, afim de colher depoimentos pessoais de pessoas que conviviam direta e indiretamente com a doença; 2 - ESTABELECER ATMOSFERA (Prólogo): Narrativa O CURADOR (aquele ou aquilo que é responsável pela mudança de um determinado estado pessoal. Transformação, mudança, passagem..). 3 - O PÃO... Meu curador do dia... mostrar o pão na sua essência... os ingredientes que resultam e não que finalizam... o pão enquanto corpo ainda em construção, o que fortalece... o salvador...o pão é também é o meu corpo e o corpo de cristo... 4 - A HISTÓRIA... História pessoal de transformação e passagem. Ligação da doença (Câncer/leucemia) com o sagrado (mather/mãe/nossa senhora)... O milagre da fé num corpo NU de criança... uma visão e lembrança infantil. Experiencia primeira. 5 - O BATISMO: o banho que amadurece, vira gente e liberta... que limpa, expurga, sossega. 6 - A CURA... Fim da história/vivencia/reprodução... volta a roda. 21 KÁTIA - WORKSHOP SAGRADO PESSOAL Como linha estrutural do exercício, pensei em LUGAR-TEMPO. Considerei a emoção que sinto, e que observo em outras pessoas, ao voltar ao seu lugar de nascimento. Esta emoção acontece em alguns outros lugares que se tornam queridos. Lugares que inspiram uma sensação de pertencimento. Sinto isso em Recife. A passagem do tempo é o outro eixo da reflexão. As transformações que se tornam testemunha da passagem do tempo também me emocionam. Ver fotos antigas da cidade, de uma rua que era mais estreita, de terra...; de uma ponte num lugar do rio que era mais estreito, mais limpo...; de pessoas vestidas com roupas diferentes das nossas, o jeito que elas se colocam naquele espaço que é conhecido, meu íntimo, tão meu...e tão delas... Me emociona. Compartilhar algo com alguém que já não está mais... O lugar como testemunha. Algo vivo que se mantém, se transforma e se relaciona com as pessoas do presente. Sagrado. ROTEIRO Maquete representando as cidades de Santana de Parnaíba e Recife. Circundadas por água, representando os rios Capibaribe e Tietê. Eu , nua, coberta de argila, andando em torno da maquete,orbitando estas cidades. Projeção de fotos de Santana de Parnaíba com som do Grito da Noite ao fundo. Depois fotos de Recife, antigas e recentes com som do maracatu ao fundo. Imagens em movimento do maracatu. (gostaria que tivesse também imagens em movimento do Grito da Noite mas não foi tecnicamente possível). As imagens de Parnaíba e de Recife se fundem, assim como os sons dos sambas. Quando o público entra, silêncio. Estou orbitando a maquete e na parede está projetado: “UMA GERAÇÃO VAI, UMA GERAÇÃO VEM, E ATERRA SEMPRE PERMANECE. O SOL SE LEVANTA, O SOL SE DEITA, APRESSANDO-SE A VOLTAR AO SEU LUGAR, E É LÁ QUE ELE SE LEVANTA. O VENTO SOPRA EM DIREÇÃO AO SUL, GIRA PARA O NORTE, E GIRANDO E GIRANDO VAI O VENTO EM SUAS VOLTAS.” ECLESIASTES 1, 4-6 Começa o som do Grito da Noite. Fotos de Santana de Parnaíba. Silêncio. Frase projetada: “O VERDADEIRO LUGAR DE NASCIMENTO É AQUELE EM QUE SE LANÇOU PELA PRIMEIRA VEZ UM OLHAR INTELIGENTE SOBRE SI PRÓPRIO.” MARGUERITE YOURCENAR Começa o som do Maracatu. Fotos de Recife. Imagem em movimento do Maracatu. Som do Grito da Noite entra e se funde com o som do maracatu. Imagens de Parnaíba e Recife se fundem. Começa o som de sinos dos caboclos de lança. Imagens dos caboclos andando em estrada de terra. FIM. 22 ROTEIRO DO WORKSHOP - SAGRADO PESSOAL – VIVIANE MADU ESPAÇO – uma tenda amarela, que pode ser lida como um altar, um nicho, um útero. Nesse caso, a cor amarela também tem ligação com Nossa Senhora do Carmo e com o orixá Oxum. No centro, uma mesinha baixa (objeto encontrado tanto na cultura japonesa como na indígena) com uma ikebana (técnica japonesa de fazer arranjos com flores), um pote com arroz e outro com sal. Essas oferendas são utilizadas no altar dos cultos da Igreja Messiânica. O arroz tem forte ligação com o Japão, com a fertilidade e fartura. Já o sal tem grande capacidade purificadora. AÇÃO – entrada do público conduzida por um fio ligado entre cada pessoa do público e o corpo da atriz (música indígena). Durante a entrada cada participante recebe o fio cortado e é servido de chá (chá – relação com o Santo Daime, com os índios e com os rituais japoneses). Após a entrada e acomodação de todos, inicia-se uma oração em japonês, Amatsu Norito, oração muito antiga que não possui tradução, pq alguns fonemas não existem mais na língua japonesa, sua sonoridade tem ação purificadora. Esta oração, entoada de forma a se aproximar do canto indígena, ocorreu ao mesmo tempo em que se ouvia uma música indígena, a intenção foi a de aproximar esses dois universos. Em seguida ocorreu a purificação do espaço com o derramamento do sal pelos cantos da tenda. Depois foi a vez do arroz na cabeça das pessoas e por último a benção com os ramos da ikebana (texto – reza popular). TEXTO – REZA POPULAR Deus foi quem te criou O anjo da guarda ajudou Os males que fizeram contra ti, se retirou Deus te benze pra salvar Deus te benze pra curar Deus te benze pra livrar de tudo quanto é mal Se for de mau olhado, no vento ele veio, no vento ele vai Para onde não tem nada que Deus criou Deus te fez, Deus te criou, Deus tire o mal que no teu corpo entrou Eva não chore, seu filho não morre Nem de quebranto, nem de male oiado Porque Deus é Padre fio e Espírito Santo Cura toda a enfermidade Com a água da fonte e o ramo do monte. Que assim seja! Rompimento do espaço - derruba-se uma parede da lona para a dança e quebra da panela (música indígena). MÚSICA – todas as músicas usadas no workshop são do cd da tribo indígena Ashaninka – Acre. 23 ROTEIRO POR TÓPICOS � Entrada do público na tenda + música indígena � Corte do fio � Servir chá � Oração japonesa entoada de forma a se aproximar do canto indígena + canto indígena � Derramamento do sal pelo espaço � Derramamento do arroz no público � Rezadeira popular benzendo o público + texto reza popular � Rompimento da quarta parede da tenda � Espaço amplo para a dança e quebra da panela + música indígena e canto 24 ROTEIRO – WS SAGRADO PESSOAL – CAROL BADRA Segue roteirinho do Meu WS do sagrado Pessoal: Entrada: Preparação do Caminho Música : Abertura do CD Funk Como Le gusta Seta amarela e sai para peregrinar ( Sair de casa, do ritmo) O retorno: Quartzo Blanco é enterrado e aterrado na sede com sonhos e gratidões Montagem da cabaninha Musica: Ave MAria de Gonot ( NA voz de Roberto Carlos- Assim como eu costumava escutar em Campinas todos os dias as Seis da Tarde) Leitura da carta de Irmã Cecília Descisão do rompimento O sagrado e a festa... Lavagem dos fofos e comilança( caldo de feijão, hotdog da Kátia e cerveja). Músicas: Clara Nunes- Agua no Mar... Arabian Nights - Jurema- Rita Ribeiro Calipso_ escolha de Ataíde Levanta a poeira Elza Soares Abba: dancing Queen Final da festança Entrada no teatro. Música:Te vi - Fito PAez CArtas e bolhetes pelo espaço Imagem do Botafumeiro da igreja de San Tiagao de Compostela e no fundo Uma declaração de amor do meu amor: A leitura da letra da Música Por Você do BArão Vermelho Certidão de nascimento da reina com a escritura da Casa Nascimento da Regina Ao som da musica de ninar que costumo cantar pra ela desde o nascimento. saida ao som da Arca de Noé Figurino: Vestuário que usei no caminho de Santiago e dentro da mochila todos os adereços que utilizei no WS. 25 Roteiro WS Sagrado Pessoal – Erica Montanheiro A Mãe (é através dela que as conexões entre mundo terreno e Deus acontecem; a mãe é uma espécie de Teofania - manifestação sensível da glória de Deus. Primeira imagem de sagrado que me ocorreu, já que a crença em Deus e tudo que cerca aquilo que tenho fé está ligado a ela ou me foi ensinado por ela). Parte I: Prólogo-Instalação A Mãe ou as mães Três “altares” com imagens de Santos com os quais tenho alguma ligação: Santo Antônio, Nossa Sra. Aparecida e Nossa Sra. Da Conceição. Neste mesmo altar, caixa de fotos (as fotos na casa da minha mãe sempre ficaram em caixas e isso sempre foi motivo de festinha cada vez que a caixa era aberta). Também neste altar estão caixas de som com histórias gravadas - contadas pela minha mãe e minha vó Jô. Minha vó Floripes, que já faleceu, fará parte de um dos altares, através de fotos e minha mãe contará as histórias dela. Fotos de criança e de família, todas em torno da figura da mãe. (Áudios em arquivo anexo) Parte II: Texto-Performance O momento de se tornar mãe (ou a perda do filho ou aquele que nunca nasceu) Este texto é delicadamente dito em um microfone, diante de um vídeo projetado de Pina Bausch (A sagração da Primavera), que pra mim sempre foi visto como uma mulher que perde um filho. Este momento será saboreado junto com o gosto da torta de banana da Vó Jô, um clássico montanheiro. Texto: Este momento deveria ser a parte da cena em que eu me torno mãe. Mas, eu não tenho filhos. Talvez por dois motivos. Um porque eu gosto de ser filha. Dois porque me falta coragem. Então, pensemos na mãe arquetípica. Maria. imaginem que vocês estejam diante de Maria. Imaginem que ela é uma mulher que leu no jornal que alongar as pernas faz bem pras varizes. Imaginem que ela tenha varizes. Imaginem se o que ela diria não seria a mesma coisa que minha mãe ou a de vocês diria. Imaginem que vocês estejam diante de Maria trinta e quatro anos depois da visita do Espírito Santo. Imaginem que ela diria: “Quando eu ando nas ruas, a cada passo que eu dou, lembro do meu Jesus. Ele falava coisas bonitas. E eu imaginava que ele ia inventar um mundo novo.” Ela se pergunta porque é que ele foi morto, se afinal só dizia coisas bonitas. E chega à conclusão que, aquele que falar de coisas bonitas, hoje, não será bem quisto. “Ou vai morrer. João Batista, por exemplo. Bom, pelo menos eles exibiram sua linda cabeça numa bandeja de prata. Difícil acreditar. Eles colocaram meu Jesus entre dois bandidos. Ele disse: agradeço asautoridades desse país de me deixar morrer no meio de dois párias. Foi pra socorrê-los que eu andei pela Terra. Isso foi muito bom Quando eu penso no meu Jesus...e eu não digo isso pra criticá-lo, mas quando eu penso e peso os pós e os contras, eu acho que ele exagerou um pouco nessa história de perdão e amor eterno...Não é normal...não é normal perdoar gente que não presta! Tem uma ficha que me caiu. Tem um detalhe pelo qual eu me sinto responsável...eu devo ter feito uma besteira. Eu não devia ter deixado o menino acreditar que era filho do chefe... 26 Vejam vocês, se coloquem no seu lugar, desde sempre, desde a infância acreditando que seu pai, aquele do Velho Testamento, que matou um monte de gente, que transformou gente em estátua de sal, que criou umas leis atrozes...coloquem-se no lugar dele e vejam que ele tinha duas escolhas: ser igual ao pai e espalhar o temor, ou ser diferente e espalhar o amor eterno. Ele escolheu o amor eterno. E está morto. Por que é que ele abandonou meu Jesus? Por que quando Jesus foi castigado, insultado, ou quando jogaram vinagre nas suas feridas Ele não levantou o dedo e disse ‘Ele é meu filho’? Esse Deus das escrituras não é o meu Deus. (Trechos desse texto foram tirados de “La Gnole de Tante Christine est imbuvable”, texto para bufões de Philippe Gaulier, cujas figuras centrais são Maria – mãe de Jesus- e Elisabeth – mãe de João Batista). 27 Roteiro (José Valdir) Resolvi falar da morte e como nos preparamos em vida para receber esta morte, como acreditamos em uma lendária vida pós-morte. Céu Uma grande escada com uma cadeira amarrada no ultimo degrau, embaixo da cadeira esta estendido um grande tecido branco (céu) O ator fica sentado na cadeira com um livro na mão( livro da verdade). O público sobe pela escada lateral de acesso ao camarim superior, até chegar ao nível do ator que esta na escada no meio da teatro. - As pessoas acreditam que após a morte subirão uma escada em direção ao reino de um suposto céu , lá encontrarão alguém vestido de branco ( São Pedro) na mão o livro de sua vida terrena.Baseado nas informações deste livro você vai para um céu ou um inferno. Para entrar neste céu esta pessoa tem que cumprir algumas regras religiosas como: dar alguns bens, sacrificar um animal, acender algumas velas. Etc, etc, etc. Terra O ator desce da escada para o chão ( terra)e o público desce da escada que subiu e vem para o centro do teatro e encontra o ator vestido de branco com uma asa de anjo da guarda, com um livro na mão( bíblia) Conta três histórias. Primeira: Uma pessoa utiliza-se do sofrimento de outra pessoa para chegar a terra prometida mesmo sabendo que está causando mais sofrimento a esta pessoa. Segunda: A dedicação de uma vida inteira a inútil busca pela terra prometida, mesmo sabendo que na terra não será recompensado e pode perder tudo que desejou por uma única falta( números cap 20 v 12 e 13)... Assim acho eu. disse “acho” O Fim Uma caixa de papelão ao lado um boneco de açúcar deitado (morto) iluminado por duas velas e um pequeno sino. O sino toca e o corpo do pequeno boneco desce para dentro da caixa (enterro). Se borrifa água sobre o boneco ate o açúcar desmanchar. Por mais que se faça e trabalhe para ganhar seu “cantinho no céu” seu fim na terra será sempre o mesmo, vai morrer e ser enterrado e aterra vai consumir seu corpo. isto é químico. A morte é muito simples, é um apagar de velas, um derreter de açúcar. Arrependimento Três cadeiras vestidas com peças de roupas (pessoas) cada uma com um coco amarrado (cabeças.) Retira se um facão de trás das cadeiras e corta-se a corda que amarra os cocos. (degola) Não importa o que você fizer aqui na terra, e mesmo que você tire a vida de um irmão covardemente em nome de Deus ou por justiça. Se no momento de sua morte você se arrepender será perdoado e ganhar o reino do céu, e para ganhar este reino é só pedir perdão no seu momento final Se é tão simples assim porque fazer tanto? Se pendura na escada em forma de crucifixo, Poe a coroa de espinhos na cabeça e pede seu perdão a Deus. Fim. 28 ROTEIRO WS SAGRADO – EDU REYES Cena limpa e clara, chao branco que destaque os objetos em cena. Em cena, sobre o chao branco, algumas figuras de santos de religioes diversas e ao canto um computador e uma maquina fotografica. Musica ao fundo, suave. Ao entrar o publico, Eduardo esta arrumando os objetos em cena, dispondo-os em distancias iguais, arrumando a luz, enfim, arrumando o suposto set fotográfico para uma sessão fotográfica. Inicia limpando todos os santos, com certa dureza. Limpa um a um, faz reverencia a um ou outro e por fim limpa, a tela do computador, cuidadosamente. Pega a maquina fotográfica e começa a sessão. Tira foto de todos os santos, detalhes, etc, mas percebe que um deles ainda esta sujo. Pega-o para limpa-lo novamente, mas deixa cair no chao. O santo se quebra. Espantado com a fragilidade da imagem, verifica se as outras imagens de santos se são tão frageis quanto. Joga, uma a uma, na sequencia, ao chao. Todas quebram. Olha para o computador, e tende a fazer a mesma açao anterior. Pega-o nas maos, ameaça joga-lo ao chao, pensa uma segunda vez, decide nao joga-lo ao chão. Fecha o computador, cuidadosamente, coloca-o no case e sai de cena, satisfeito. FIM 29 ROTEIRO - WORKSHOP “O SAGRADO” - CARLOS ATAIDE [2 FOCOS DE LUZ. FUMAÇA] Texto gravado. Entrada dos interlocutores. I – 1ª FIGURA – IMAGEM 1 (cabeça-urso+bota-pata+mastro+falo+manto). “- Só acredito no que vejo com meus olhos, cheiro com meu nariz, pego com minhas mãos ou provo com a ponta da minha língua, dizem os adultos – mas não é verdade. Eles acreditam em mil coisas que seus olhos não vêem, nem o nariz cheira, nem os ouvidos ouvem, nem as mãos pegam. - Deus, por exemplo – disse Narizinho – todos creem em Deus e ninguém anda a pegá-lo, cheirá-lo, apalpá-lo. - Exatamente, e ainda acreditam na Justiça, na Civilização, na Bondade – em mil coisas invisíveis, incheiráveis, impegáveis, sem som e sem gosto. De modo que, se as coisas do Mundo da Fábula não existem, então também não existem nem Deus, nem a Justiça, nem a Bondade, nem a Civilização – nem todas as coisas abstratas. - Eu sei o que quer dizer “abstrato” – disse Emília – é tudo quanto a gente não vê, nem cheira, nem ouve, nem prova, nem pega – mas sente que há” (LOBATO, M. A cartinha do Polegar, sessão O picapau amarelo, in Obras Completas, vol 4, São Paulo, Brasiliense, p 361) IN: O HUMANO, LUGAR DO SAGRADO. II – sons de sinos + sons de ventos (até o término do assentamento do mastro). Caminhada até o centro da sala. Assentamento do mastro. III – sons de sinos e sons de ventos em BG. Texto 1: “Se um pássaro, cortando o ar, é atingido por um chumbo mortal, julga-se que um hábil atirador o feriu, embora não se veja o atirador. Não é, pois, sempre necessário ter visto uma coisa para saber que ela existe. Em tudo, é observando-se os efeitos que se chega ao conhecimento das causas”(A Gênese de Allan Kardec. Capítulo II.vs2) IV – 2ª FIGURA – IMAGEM 2 (cabeça-pluma+bota-pata+falo). Saem os sons dos sinos e dos ventos e entra a DUBLAGEM 1: CD “Secos & Molhados” – Música 2: Sangue Latino (João Ricardo/Paulinho Mendonça) V – Voltam os sons de sinos + o CD “Sítio de Pai Adão” Preparação da 3ª FIGURA – Exu. sons de sinos em BG + o CD “Sítio de Pai Adão” em BG. Entra Projeção 1: “Exu” (não é necessário ter o áudio da Projeção e esta se mantém até o seu final) Texto 2: “As três grandes talhas foram levadas ao fogo e, depois de cozidas, seus conteúdos foram transformados em pó. Com o sangue das aves, Deus fez as estrelas. Com o sangue dos animais mamíferos, fez a lua. Com o sangue dos homens, criou o sol” (há uma ação de relação do corpo real e do corpo projetado no vídeo por alguns minutos) VI – Saem os sons de sinos e o CD “Sítiode Pai Adão” continua em BG até o final da ação. VII – CD “Sítio de Pai Adão” continua em BG + sons de trovões. 30 Preparação da 4ª FIGURA – Judas. VIII – CD “Sítio de Pai Adão” em BG + sons de trovões continuam em BG. Texto 3: “Aos céus embalde envio os meus gemidos! embalde o seu perdão obter procuro; que a súplica de um vil – a Deus perjuro – nunca pode chegar aos seus ouvidos! Perdão jamais terei – que não o mereço!... Acabe pois, na terra, o meu suplício! Corda! Tira-me a vida que aborreço!... conduzi-me depressa ao precipício!... Fujamos, sim! Fujamos deste mundo!... e o corpo do traidor – ao fogo eterno! Lusbel! Surge do báratro profundo! Vem minh’alma buscar, ó rei do inferno!”(“O Desespero do Judas”) IX – CD “Sítio de Pai Adão” + sons de trovões continuam. [LUZ GERAL] (preparação do espaço próximo espaço cênico e da 5ª FIGURA – Herodes). X – CD “Sítio de Pai Adão” em BG + sons de trovões continuam em BG. Texto 4: “Quem és? É verdade que és o rei dos judeus? És o filho de Deus? Quem és? Ouvi dizer que tens feito grandes milagres; prova-o diante de mim. Transforma esse vinho em água. (silêncio). Quem és? Como chegaste a isto? Quem te deu o poder? Por que não tens mais poder agora? Fala! (joga-lhe vinho no rosto). Levai para fora este tolo e prestai a este rei ridículo as honras que se lhe devem, pois é mais um doido do que um criminoso” XI – CD “Sítio de Pai Adão” + sons de trovões continuam. (Preparação da 6ª FIGURA – JOELMA) XII – Saem CD “Sítio de Pai Adão” + sons de trovões e entra DUBLAGEM 2. CD “Banda Calypso” – Música “Apareça meu amor” XIII – Volta CD “Sítio de Pai Adão” + CD “Mula-sem-cabeça”- músicas 2 e 3. [SAI LUZ GERAL E VOLTAM OS 2 FOCOS DE LUZ] Entra Projeção 2: “Imagens de mar” ( há a necessidade de áudio) (Preparação do próximo espaço cênico: “Corpus Christi”) Saem as músicas. Silêncio. Texto 5 (leitura): Tenho medo de morrer e ir para o céu. Sou um ser deste mundo e sinto que no meu corpo moram rios, árvores, montanhas, nuvens e gentes. Nenhum mundo além poderá consolar-me da sua perda. É certo que um espírito, por bem-aventurado que seja, não pode sentir o cheiro bom do mar. Para isso ele teria de ter um nariz. E nem pode sentir a brisa, a lhe golpear o rosto. Ao que me parece, espíritos não têm pele. E (pobres!) não podem jamais sentir o prazer de mergulhar num mar morno. Esta alegria animal está vedada aos espíritos, seres étereos que, ao que consta, não sofrem os efeitos da gravidade. Sua leveza os protege de quedas de muros, mas lhes tira a alegria do mergulho. Saltam, e ficam flutuando no espaço. Amo este mundo. Por isso não quero ir para o céu. Nietzsche sentia o mesmo. E até sonhou com o "retorno eterno"—voltarei sempre a este mesmo lugar, o único que conheço, das coisas materiais do cotidiano, que vão desde o café com leite e macaxeira com manteiga pela manhã, até a música da Banda Calypso e os céus estrelados, à noite. Isto, para não se falar nos prazeres do amor, que não podem subsistir sem o corpo. Pois precisam do encanto dos olhos que dizem: "Como é bom que você existe..." E do olfato, que percebe desde o "brabo cheiro bom de suor e graxa", a que Adélia Prado se refere, até o perfume de pêssego maduro que vem da flor do imperador, tão discreta, e que Guimarães Rosa declarou ser a mais querida. E os 31 ouvidos? As serenatas (antigas), o "eu te amo" (eterno), os poemas — são todos seres materiais, que não existem sem a física da fala. Não posso imaginar um som espiritual, embora se diga que os querubins tocam harpas e cantam. Sons precisam de bumbos, trombones, alfaias, tambores, trompetes, tubas, lábios, mãos, dedos, sopro, corpo: são coisas físicas, corpóreas. E fico preocupado com o destino de Bach, Beethoven e Nelson Ferreira, espíritos nos céus, para sempre separados dos bons instrumentos da terra onde tocaram a sua música. Por isso me alegrei com esta festa de nome latino, Corpus Christi, em que a cristandade comemora, teimosa e inconsciente, o corpo de Cristo. Fosse a celebração da sua alma, confesso que fugiria. Almas do outro mundo, boas ou más, são assombrações que causam medo. Sei que há um dia que as celebra, o dia de "todas as almas", também chamado de dia de todos os santos, logo antes de finados. O que combina muito bem. A alma começa quando o corpo termina. Parece que acreditavam que as almas vagavam, penadas, por este mundo (dia das bruxas!), sofrendo e assombrando os vivos — que, neste dia, faziam orações por sua eterna salvação nos céus, deixando livre a terra para as coisas materiais e boas que nela moram. Mas este dia, Corpus Christi, a se acreditar na tradição, diz que Deus, cansado de ser espírito, descobriu que o bom mesmo era ter corpo, e até se encarnou, segundo o testemunho do apóstolo. Preferiu nascer como corpo, a despeito de todos os riscos, inclusive o de morrer. Porque as alegrias compensavam. E nasceu, declarando que o corpo está eternamente destinado a uma dignidade divina. Curioso que os homens prefiram os céus, quando Deus prefere a Terra. Lembro-me do espanto do chefe índio que escrevia ao presidente dos Estados Unidos e dizia não poder compreender as razões que levavam os brancos a desejar, depois de mortos, ir morar num lugar muito longe da terra. Nós, ele dizia, precisamos do perfume dos pinheiros, do barulho da água, dos riachos, do cintilar da luz sobre a superfície dos lagos. Corpus Christi: divino é o pão e toda a terra onde cresceu, com a água que o fez germinar, e o vento que o acariciou e o fogo que o cozeu. Divino é o vinho, alegria pura que dá asas ao corpo e o faz flutuar. Coisas do corpo: dentro dele cabe o universo. Não é à-toa que a tradição fala não em imortalidade da alma, mas em ressurreição do corpo. Afirmação de que a vida é bela e o divino se encontra nas coisas materiais mais simples, mais cotidianas, mais estapafúrdias. E assim, como e bebo as coisas deste mundo, corpo de Deus... Quem tem ouvidos para ouvir que ouça! (Adaptado de Rubem Alves) Texto 5 (leitura)“... Ora saiba que o que mais me repugna no mundo, mais mesmo que a intenção ilícita, mais que a própria atividade ilícita, é o olhar daquele que presume que você está cheio de intenções ilícitas e habituado a tê-las; não somente por causa do próprio olhar, suspeito entretanto ao ponto de tornar suspeita uma torrente de montanha – e o seu olhar faria subir de novo a lama no fundo de um copo d’água – mas porque, unicamente pelo peso desse olhar sobre mim, a virgindade que está em mim se sente subitamente violada, a inocência culpada, e a linha reta, suposta de me levar de um ponto luminoso a um outro ponto luminoso, por sua causa fica curva e se transforma em um labirinto escuro no escuro território onde eu me perdi” (IN: Na solidão dos campos de algodão, de Bernard-Marie Koltès. 1986) 32 SAGRADO PESSOAL – ESTUDO CÊNICO DO PENTATEUCO (LUCIANA LYRA) CARMENCITA – ODE AO PERDÃO DAS CULPAS ROTEIRO – LUCIANA LYRA MOVIMENTO I No primeiro espaço, cartas de tarô são entregues aos homens que estudam as imagens por meio de explicações distribuídas neste espaço. Ouve-se uma abertura de mapa astral em som mecânico. MOVIMENTO II Uma mulher trajada com uma burka negra avança no espaço do anexo, ajoelha-se tirando os sapatos de todos os homens. Indica uma entrada em outro espaço. MOVIMENTO III Sentada ao fundo de um corredor, a mesma mulher recebe os homens descalços. Para chegar até ela, eles atravessam um chão de pedras envolto por imagens de Nsa. de Fátima. Ela entrega uma pedra a cada homem. Ela carrega a mão de Fátima. MOVIMENTO III Ao entrar no segundo espaço, os homens portando as pedras para apedrejamento posicionam-se nos lugares referentes às cartas recebidas no primeiro espaço. Deste lugar, visualizam seis mulheres também com burkas em cada ponta de uma menorá desenhada no chão. Ouve-se uma canção em línguas. As mulheres se movimentam, posicionam-se às costas doshomens. Na parede são projetadas imagens de Joana d’Arc, de fogueiras, de mulheres na inquisição, mulheres trajadas com burkas, mulheres aprisionadas, Sta. Tereza d’Àvila, Madalena. A primeira mulher posta-se perante os homens. Ouve-se a gravação de uma nova abertura de cartas, enquanto ela apenas olha seus algozes, é revelada sua culpa. Ela matou marido e filho em outra vida. MOVIMENTO IV Ao fim da revelação, a mulher dirige-se a uma imagem coberta por um pano vermelho. É Jesus Cristo. Ela retira a burka, ficando nua e coberta de argila. Carrega a imagem de Cristo. Um texto é ouvido em som mecânico. Este texto é mixado à música em línguas. Ela ascende pela escada. Sua culpa perdoada. TEXTO EM OFF Que a mim seja concedido o verbo... Tive um sonho um dia. Sonhei que conversava com Deus e ele era meu espelho. Dizer que Deus é Pai implica na presença do feminino que o faz ser Deus. Por isso ele sou eu. Orei a Deus como a mim mesma, em minha proteção. O mais importante em uma oração não são as palavras, mas o desejo que as transforma. Minha oração é o meu desejo. A oração me salva do medo de morrer, de ser morta, de ser mulher. A oração me salva da culpa, da dor de ter matado um filho que não conheci, por que em outra vida estava. Ouço vozes de ontem, por isso varo meu silêncio hoje. Grito numa pulsão de liberdade e elaboro o verbo. Grito na transcendência da culpa de ter sido, de ser. Ser ou não ser, essa não é a questão, já que de todo modo nós todos somos, fomos, isso só nos coloca a questão... Mas ter esperança ou não ter, confiar ou não confiar... Crer ou não crer, eis também a questão... Crer ou não crer é a minha escolha. Crer no mistério, inefável, na experiência de ser. Sentir a experiência do que foi, do que será, do que fui e serei, participar verdadeiramente da vida e do seu sopro, já que nossa vida só depende de um sopro... E concebo o verbo. Se há um filho dentro e próximo de mim, sei que é de luz. Uma luz Fátima, uma lucidez. O filho como a luz é o que permite ver. O filho, como Deus, não é para ser amado, mas é amor. O amor nos quer uno. Mãe e filho. Homem e mulher. E as filhas de Eva clamam por unidade e luz, a elas seja liberado o verbo e a redenção da culpa do filho morto ou da sedução pelo conhecimento. Que nos mais profundo do céu elas estejam enlaçadas a ele num encontro sagrado. E as filhas de Lilith serpenteiam sobre cavalos numa dimensão vermelhas, um dimensão vermelha. Maio de 2011, Luciana Lyra 33 “OS CINCO SÉCULOS” 34 “SÉCULO – XVI – GÊNESIS” 35 ROTEIRO WS “ESTUDOS CÊNICOS – SÉCULO XVI: ÍNDIOS” (Carlos Ataide, Simone Evaristo, Viviane Madu e José Valdir) 1 – “Gênesis” Escuro. Vazio. Ventos. (Tempo de criação) 2 – “Eva-Tupinambá” Inicia-se TEXTO 1 – “Os primeiros costumes do colibri” (em off) Abre-se luz de pino sobre a Eva-Tupinambá. TEXTO 1 Nosso Pai-Mãe Primeiro Criou-se por si mesmo Na vazia Noite iniciada As sagradas plantas dos pés O pequeno assento arredondado No Vazio Inicial Enraizou seu florescer Nosso Pai-Mãe. O Grande Mistério, o primeiro Antes de haver-se criado, No curso de sua evolução, Sua futura morada, Sustenta-se no Vazio. Antes que existisse o sol Ele existia pelo reflexo de seu próprio coração E fazia-se servir de sol dentro de sua própria divindade. 3 – Palmeiras Azuis. Ao fim do TEXTO 1, inicia-se um “som ancestral indígena” e com ele os sons dos índios ITSAIRÚ, TERÊ E IBÃ que vêem de fora (há uma contra-luz). Logo em seguida entra o TEXTO 2 – “A primeira terra” (em off) O verdadeiro Grande Mistério, o primeiro, Havendo concebido sua futura morada terrena, Da sabedoria contida em sua própria divindade 36 E em virtude de sua sabedoria criadora, Fez que da extremidade de seu cetro Fosse engendrada a Terra. (Neste momento, os 3 índios tomam o espaço central a fim de “inaugurarem” o Mundo-Terra, fazendo “brotar” 3 palmeiras azuis. Ao mesmo tempo entra uma luz geral laranja. O “som ancestral indígena” e o TEXTO 2 continuam concomitantes) O primeiro ser que se anunciou na Morada-Terrena Foi a serpente ancestral, o espírito da Mãe Terra. A serpente ancestral que agora vemos em nossa terra Não é mais que a imagem dessa serpente primeira Pois a serpente primeira está abaixo da Morada-Céu do nosso Pai. (Neste momento há uma pausa no texto). Silêncio absoluto. Só luz geral laranja e a luz de pino sobre a Eva-Tupinambá. 4 – “Ritual dos nomes” A Eva-Tupinambá inicia o ritual de pronunciação da “palavra-alma” para os 3 índios: Itsairú, Tenê e Ibã. (Neste instante voltam TEXTO 2 em off e “o som ancestral indígena”) O Grande Espírito Sagrado, o Primeiro, Designados por seus respectivos nomes Aos verdadeiros pais de seus futuros filhos, Os primeiros pais das palavras-almas futuras, Cada um virá de sua respectiva morada (disse): “Depois de haver feito que os chameis pelos nomes, Cada um de vós em vossas moradas, As leis que regerão na terra Os que levaram a marca do masculino e a marca do feminino, Vós a concebereis” (Neste momento saem os 3 índios e o TEXTO 2 segue) Depois dessas coisas, Inspirou o canto sagrado do homem aos pais primeiros, Inspirou o canto sagrado da mulher às mães primeiras, Para que viessem no devido tempo Se erguerem em grande número na terra. 5 – “Serpente ancestral” Silêncio geral. Sai luz geral laranja. Vazio. Só luz de pino sobre Eva-Tupinambá. Eva-Tupinambá “age” e busca saída. No início da saída de Eva-Tupinambá entra som de mar. 37 Depois que a Eva-Tupinambá começar sua saída, receberá um nome cristão dado pelo jesuíta junto com uma roupa para cobrir as vergonhas. 6 – “Entre dois mundos” Som de mar + Música “católica missionária” + TEXTO 3 em off – “Está-se a dar assento a um ser para a alegria dos bem- amados”. Agora são 3 luzes de pino (ou novamente geral laranja) (Neste instante, concomitante com a saída de Eva-Tupinambá, entram o Senhor de Engenho e o Jesuíta e, logo em seguida, o índio Itsairú) TEXTO 3 Quando enviam criaturas a nós, Aqueles que se situam acima de nós dizem: “Irás a terra” Recordar-te-ás de mim em teu coração. Assim eu farei que circule minha palavra Por haveres acordado a mim. Falar será vosso valor, calar será o mais alto. O valor poderá ter faculdade de conjurar malefícios Mas não dominará, em toda a extensão da terra, A quem tentar sobrepor os inumeráveis filhos que eu abarco, Com parcos valores. Por isso, tu enquanto habitares a terra, de minha morada haverás de recordar-te. Eu inspiro palavras formosas em teu coração, De modo que não podes igualar-te Às imperfeições da morada terrena. Ação entre Senhor de Engenho, Jesuíta e Itsairú. TEXTO 4 – “Oração de Itsairú” TEXTO 4 (ainda não escrevi!) 7 – “A Santidade” Após a oração de Itsairú atravessa a ação “seu” Antônio. Itsairú segue Antônio. Ambiente externo. Música ritual “canibal”. Fogo. TEXTO 5 – “Oração do Senhor Antônio” 38 TEXTO 5 Então eu o ser trovão digo: Nós e nossos filhos seremos revolvidos pela terra. E nesse revolver proveremos palavras em pé pelo chão. Sons andantes cantarão vidas na qual eu sou o tom. Seguiremos a força contra o branco e nossa vitória trará o mundo perfeito: o mundo Tupinambá. Onde enxadas lavrarão a terra sozinha, os arcos dispararão floresta adentro à procura de caça enquanto os caçadores descansam na aldeia. Os idosos voltarão à juventude, todos poderão ter muitas esposas e todos os inimigos serão destruídos, capturados e comidos, em honra aos "santos". Vamos beber água ardente e fumamos tabaco. FIM. 39 ROTEIRO-WS-ESTUDOS CÊNICOS SÉCULO XVI-CRISTÃOS/JESUÍTAS NA ENTRADA DO PÚBLICO SOM DE NOITE COM MATO QUEIMANDO, GRILOS E ÁGUA CORRENTE NO ESPAÇO APENAS UMA ESCADA ABERTA FOCO DELUZ NO CHÃO E NO TOPO DAESCADA O SOM DA ENTRADA DO PÚBLICO SE FUNDE COM O MARACATU RURAL AO FINAL BADALOS 1 - GRUPO DE CORTADORES DE CANA ENTRA CARREGANDO SEUS MATERIAIS E OBJETOS QUE VÃO AJUDAR A CONTAR A HISTÓRIA. PODE SER LIDO COMO TRUPE DE ARTISTA POPULAR, BRINCANTES, CIRCENSES( PAULO, MARCELO, CRIS E KÁTIA)... - SOM DE MARACATU RURAL QUE SE FUNDE COM CREDO EM LATIM. 2 - INSTAURA-SE O CIRCO OU O AMBIENTE DE TRABALHO. - NUM GRANDE VÉU OS ARTISTAS CANAVIEIROS TECEM UM TAPETE/MAPA DO BRASIL, ONDE PONTUAM OS RIOS QUE SERVIRAM COMO EMBARCAÇÃO DOS DESCOBRIDORES (PORTUGAL); - SOM DE SINOS ANUNCIANDO A APROXIMAÇÃO CRISTÃ. SE FUNDE COM O CANTO DE PROCISSÃO DE MARIA MADALENA, SEXTA FEIRA DA PAIXÃO. 3 - UMA MULHER/BRINCANTE/TRABALHADORA (KATIA) TRAZ UMA CARAVELA (BARQUINHO DE PAPEL) ESCOLHE UM LUGAR NO MAPA PARA ANCORAR E NESSE PRIMEIRO CONTATO COM A TERRA, ELA FALA: (TEXTO DE KATIA) 4 - DURANTE O TEXTO, GRADATIVAMENTE, OS OUTROS ATORES/TRABALHADORES FAZEM O MESMO (COLOCAM BARCOS E CARAVELAS EM TODA EXTENSÃO DO MAPA), PODE CONVIDAR O PÚBLICO TAMBEM PARA INVADIR O BRASIL COM SUAS CARAVELAS. 5 - A ATRIZ/BRINCANTE/CANAVIEIRA PEGA SEU INSTRUMENTO (ALFAIA) E COMEÇA A TOCAR UMA CÉLULA DO MARACATU. 6 - OUTRA ATRIZ REPRESENTANDO ROSA EGIPCÍACA, AO SOM DO TAMBOR, CARREGA SUA CRUZ E FAZ SUA PRÓPRIA VIA SACRA ATÉ SE INSTAURAR NO CENTRO DO BRASIL (MAPA). TEXTO: Meu nome: Rosa Egipcíaca da Vera Cruz. Africana, ex-prostituta, hoje esposa da Santíssima Trindade - rainha dos vivos e juíza dos mortos! Amo Jesus, adoro Jesus, agradeço Jesus, exalto Jesus. Jesus eu vos dou meu coração e minha alma! ERGUE A CRUZ E FAZ LOUVOR AO SENHOR NUMA DANÇA QUE VAI SE INTENSIFICANDO. APÓS A DANÇA, ELA DEIXA A CRUZ E SAI. OBS: ESSA CENA É INSPIRADA NA HISTÓRIA DE ROSA EGIPCÍACA (EX-PROSTITUTA AFRICANA QUE SOFREU HORRORES E PENITÊNCIAS POR SUA CONDIÇÃO E QUE DEPOIS DEDICOU SUA VIDA A JESUS ATÉ VIRAR "SANTA"). 7 - ENTRA UM HOMEM (MARCELO), ACOCORA NO CENTRO E FALA: (TEXTO COM KATIA) 8 - OUTRO BRINCANTE/TRABALHADOR(PAULO) VESTE-SE DE PADRE (JOSÉ DE ANCHIETA) E TRAZ UM BONECO/ÍNDIO PARA FALAR DA RELAÇÃO CRISTÃO/JESUITA COM OS ÍNDIOS. A IDÉIA É MOSTRAR A CONFISSÃO COMO UMA PRÁTICA IMPORTANTE DE CRISTANDADE COM OS NATIVOS. TEXTO: És filho do meu pai. É preciso que a confissão seja sob meu testemunho, para que te ajude e faça com que teus pecados sejam expurgados e tua alma seja pura o suficiente para se elevar aos céus limpa de culpa e serva do senhor. É pecado casar com o mesmo sangue; É pecado unirem-se em matrimonio afilhados,padrinhos e compadres; considera-se o incesto pecado mortal; viveste com alguma comadre tua? - EREIKÓPE NDE ATUASÁBA AMÓ RESÉ? VIVESTE COM A QUE ERA TUA IRMÃ? - EREIKÓPE NDE ASYKUÉRAMO RESÉ? 40 TU NOJENTO ESTIVESSE CASADO COM UMA VERD ADEIRA IRMÃ OU PARENTE PRÓXIMA? - NDE POXÍPE NDE REMIREKÓ ASÝNKUÉRETE AMÓ RESÉ KOIPÓ IMUBYRÝBA? TOCASTE NAS VIRILHAS DE ALGUMA, BRINCANDO COM ELA? - EREPOKÓKPE AMÓ RAPPÉ RESÉ, IMOSARUÁBO? TOCASTE EM TEU ME MBRO EXCITANDO-TE? - EREPOKÓPE NDE RAKUÃIA RESÉ EÑEMOAGUYRÕMO? Arrependimento e entrega não é o bastante. - aprende o credo e durante 7 luas reza com pensamento limpo; - aprende a caridade e pratica durante toda tua vida; - libertar-se dos prazeres da carne alimenta a alma. Se for preciso rasgar tua carne com chicotadas para isso, então faz; - aprende amar o proximo e a deus sobre todas as coisas; - aprende a te vestir, o pano é escudo contra o veneno da serpente; 8 - ENTRA UMA CAIXA DE MADEIRA PEQUENA. O PÚBLICO VÊ SOMENTE OS PÉS EMBAIXO DA CAIXA. UMA ATRIZ/BRINCANTE (CRIS) REPRESENTA A BEATA MARIA, UMA DAS 6 IRMÃS DA VILA MURIBECA, ORFÃS QUE VIVERAM NUMA CLAUSURA AUTO-IMPOSTA NA ZONA DA MATA DE PERNAMBUCO. QUANDO A CAIXA É VIRADA, REVELA-SE PARA O PÚBLICO A BEATA CONFINADA NUM ESPAÇO MUITO PEQUENO PARA SEU CORPO. PEQUENAS LUZES SE ACENDEM AO SEU REDOR. VOZ EM OFF, ELA ESTÁ IMÓVEL DURANTE O TODO O TEXTO: Vivia no meio de uma mata, num lugar solitário chamado Macuge, "retiro mais apto para a oração e contemplação dos divinos mistérios". Essa cândida pomba fez de sua casa uma inabalável clausura. Com suas próprias mãos formou de barro e ramas uma casinha tão estreita que mal podia estender seu corpo. E para não gastar o tempo nas perversões e preparos para seu sustento, uma laranjeira que dava os frutos azedos, plantada ao pé da casinha, era a ministra da sua comida e bebida e com o sumo que espremia de uma laranja, passava 2 ou 3 dias. Era Maria bastante inventiva em sempre descobrir novas penitências para agradar ao Divino Esposo: "Todas as noites vinha à sua cova uma irmã e com uma grossa corda a prendia de pés e mãos, e se retirava, deixando amortalhada sobre a terra nua. No meio da casinha, tinham as formigas fabricado o seu aposento e ela eram de certa casta que tem os dentes tão venenosos, que a parte picada por elas incha e causa grande dor. Assim atada de pés e mãos se entregava às inumeráveis formigas que saindo de suas covas, investiam contra o corpo da serva de Deus que com inalterável paciência e sem algum movimento sofria suas mordeduras". Maria tinha como inspiração a busca da verdadeira perfeição mística. AS LUZES SE APAGAM. 9 - NESTE MOMENTO O SOM DA NOITE VOLTA COM BARULHO DE MAR E TRÊS APITOS DE NAVIOS HORA DA PREPARAÇÃO DA SANTA. uMA ATRIZ/BRINCANTE (KATIA) É VESTIDA E PINTADA PARA UMA ASCENSÃO (UMA REPRESENTAÇÃO) SEU ROSTO É PRETO PARA MOSTRAR UMA SANTA-MATHEUS- APARECIDA PROTETORA DO BRASIL. AO SUBIR OS DEGRAUS DA ESCADA SOM DE SINOS REPICAM NO PIANO, FERNANDO TOCA AVE MARIA E A SANTA SOBE AOS CÉUS. DURANTE A ASCENSÃO OS OUTROS FIÉIS ACENDEM VELAS AOS PÉS DA SANTA. O MAPA COM OS RIOS E OS BARQUINHOS SE TRANSFORMA NO MANTO. 10 - VOZ DA SANTA EM OFF. 41 WORK SHOP - JUDEUS e CRISTÃOS NOVOS SEC. XVI - 09/05/2011 - CENA 1 – BERECHID – Um Início Judaico- Didático. 1. PRÓLOGO Atores, vestidos de judeus, entram no Anexo, um a um. Esperam algo enquanto executam ações prosaicas: Eduardo: senta; Erica: lê um livro; Carol: limpa o balcão; Até que o último judeu, Lu Lyra entra dando o “sinal” do encontro, com um pé descalço e um pano amarrado em seu tornozelo. Todos imediatamente param o que estão fazendo, entendendo o “sinal” de Lu Lyra. Calmamente um a um entram no salão. Edu será o último, deixando a porta aberta para a entrada do público. Antes de entrarem, fazem reverência a “mezuzah” na entrada da porta. 2. RABINO Escuridão Entrada do público no Salão. Há apenas uma luz de vela a frente do Rabino. O Rabino está rezando os Salmos, em hebraico, de frente para a parede, no canto do Salão – Muro das Lamentações . Vez por outra acentuará sua reza, levantando-se ou ajoelhando-se, conforme a tensão da cena. Ele ficará rezando ininterruptamente até o final da cena. Ele é o sustentáculo, a dor, a raiz. Tempo 3. FUGA Na Escuridão ouvimos: (Som de risadas) Silêncio. (Som de fogo crepitando) Passos correndo da esquerda para a direita. Param. (Som de chicotadas) Passos correndo da direita para a esquerda. Param. (Som de tiros de canhão) Passos correndo da esquerda para a direita. Param. (Som de metralhadoras atirando) Passos correndo da direta para a esquerda. Agora param no centro do Salão. Escuridão 4. PERSEGUIÇÃO Escuridão - Luz em forma de Cruz acende sobre os Judeus. - Eles estão parados de frente para a platéia, apoiados na parede do fundo do Salão. Usam quipahs, roupas pretas sóbrias e carregam malas. (Som de risadas) - Ouvimos um OFF: VOZ OFF (em espanhol) Pelo decreto da nossa Santa Madre Igreja e pela vontade real de nosso Rei Dom Fernando e nossa estimada Rainha Isabel da Espanha, torna-se imunda e repugnante a atitude blasfema do culto ao judaísmo. A conversão ao catolicismo, a partir de agora, torna-se prática obrigatória, sendo sujeito ao Édito de Expulsão todos aqueles que se recusarem a essa lei. - Luz dos judeus sai rapidamente. Escuridão.- Passos correndo de um lado para outro. Param em outra parede do Salão. - Refletor/Cruz se acende sobre eles, novamente. - Ouvimos um OFF: VOZ OFF (em português de Portugal) 42 “Acabado que houve a morte de arrebatar nosso Rei Dom João de Portugal, assumo eu - Rei Dom João terceiro deste nome – mandando apregoar que todos aqueles judeus que em nosso reino se acham, se façam cristãos ou saiam de Portugal em certo termo e, não saindo, achados os que forem ainda judeus, morrerão e perderão as suas fazendas por isso.” (Som de risadas) - Refletor/Cruz se apaga 5. CONVERSÃO - Sobe Luz de corredor, suavemente sobre o grupo que permanece parado. - Um a um, começam a dizer os seus nomes judaicos e em seguida o seu nome de Cristão Novo: Eduardo Reys: Salomão Bar Jacob --- João Nunes de Matos Davis Michael --------- Baltazar Gonçalves Moreno Dinah Dassine --------- Isabel de Mesquita Luciana Lyra: Abigail Gabay -------- Branca Dias Isaac Joannis --------- Bento Dias de Santiago Samuel Israel --------- Diogo Brandão Erica Montanheiro: Brits Moses ----------- Violante Costa Abraham Isaac -------- David Duarte Saraiva Jacob Aboab ---------- Antônio Rodrigues Carol Badra: Sarah Abrahan -------- Briolanja Fernandes Benjamim Safarty ---- Antônio Dias do Pinto Israel Abendana ------- Moisés Navarro - Os nomes são repetidos lenta e sistematicamente. - As vozes começam a se misturar, formando um grande cânone de nomes e falas, até a hipnose. - No meio das falas alguns começam a esmorecer, eventualmente: caem cansados, choram, dizem “Que tristeza, sempre a mesma tristeza...! (Que tristesse, tout jour la même tristesse...!)” - Um a um, cada judeu retira lentamente um signo judeu de si e o guarda (quipah, véu, colar de David, etc) Silêncio Tempo 6. DIÁSPORA - Começam a se separar. Cada um anda para o seu canto/nicho no Salão. - Todos se entre olham e se despedem “Vem Ravér!” (amigo, companheiro). - Todos cantam uma reza judaica, juntos. - O breu é cortado pelas chamas das velas acesas por cada um em seu novo canto/nicho. - As mulheres acendem 2 velas, Edu, o homem, apenas uma. - Abrem suas malas e trocam de roupa, da preta por outra de cor mais clara, cru, tropical. 7. CHAMADO - Lu Lyra amarra um lenço no tornozelo, o mesmo do início. - Sai de seu nicho e passa pelo nicho dos outros para chama-los para o jantar do Sabbath. - Primeiro as mulheres se reúnem e se encaminham para a sala do Sabbath. 8. SABBATH - A sala do Sabbath já está pronta desde o início da cena. - As mulheres entram e começam os preparativos. - Cada mulher coloca as suas 2 velas na Menorah. - Eduardo entra depois, carrega consigo a TORÁ. - Ele entrega sua vela para as mulheres colocarem no centro da Menorah, a última. - O ritual do Sabbath se inicia dentro da Sinagoga de tecidos, que será vista pelo público apenas através de frestas e buracos. - O Público não é “bem vindo”, ele apenas poderá assistir pelos “buracos das fechaduras”. - Eduardo abre a Tora e recita um trecho da GÊNESE: “Abraão está com 99 anos...”, cap. 17 do Berechid. 43 - Lu Lyra Liga uma musica dentro, primeiro “Shalom Aleichem”, depois tocará “ Baruch el elyon”, entoadas pelo Rabino Shatman. - Todos começam a comer e seguir o ritual do Sabbath. - Há um clima de felicidade entre eles. - Rezam em uníssono com o Homem Religioso do lado de fora. - A reza cresce e ganha corpo. 9. O MEDO - A cerimônia do Sabbath é interrompida por gritos vindos de fora. MULTIDÃO Judeus! Judeus! São judeus imundos! - As velas da Menorah, dentro da “Sinagoga”, são apagadas imediatamente, junto com o som. Silêncio... Escuridão 10. A FORÇA - O Rabino canta o “Yon Zeh L’Ysrael “. (A Glória de Israel) Canta forte e vigoroso, elevando e encorajando o seu povo. - Ao iniciar o segundo estrofe é interrompido por sons de risadas. (Som de risadas) Silêncio - Vira-se, pela primeira vez para a platéia e a encara, calado. Tempo Apaga a vela que o iluminava com a mão. Escuridão Silêncio FIM 44 “SÉCULO XVII – ÊXODO” 45 ROTEIRO ESTUDO CÊNICO SÉC. XVII – NEGROS PRÉ- PRÓLOGO Rei do congo servindo café - cena Zé Valdir (música africana, portuguesa + som de mar) PRÓLOGO TEXTO 1 - encantamento da calunga ritual de cura Que noite mais funda calunga no porão de um navio negreiro, que viagem mais longa candonga, ouvindo o batuque das ondas compasso no coração de um pássaro preso no fundo do cativeiro. Não faz muito tempo que negros africanos foram arrancados de suas terras sob a promessa da travessia do mar, rumo ao inferno prometido, ao trabalho escravo. Essa escravidão separou as mães dos filhos, os maridos das mulheres, dispersou nas regiões mais afastadas do Brasil os membros de uma mesma linha ou clã. O negro não podia se defender materialmente contra um regime onde todos os direitos pertenciam aos brancos, seus algozes. Refugiaram-se então nos valores místicos, os únicos que não lhe podiam arrebatar. Foi ao combate com as únicas armas que lhe restavam, a magia de seus feiticeiros e o mana de suas divindades guerreiras. Porém, na África as divindades eram cultuadas em benefício de toda a comunidade, pedia-se a fecundidade dos rebanhos, das mulheres e das colheitas. Mas no Brasil como pedir aos deuses a fertilidade das mulheres? Se eles sabiam que seus filhos nasceriam escravos. Valeria bem mais rogar-lhes a esterilidade de suas entranhas. Como pedir boas colheitas? Se isso acarretaria em mais trabalho, castigos e chicotes. Seria melhor pedir a seca e as pragas. Gostaria de convidá-los para encantar essa boneca, enfeitá-la. Essa Calunga será a nossa mensageira, dentro dela colocaremos os objetos, os pensamentos, as orações e as mensagens que gostaríamos que chegassem a esse povo tão sofrido. Esse povo de quem tanto falo, somos nós. Que noite mais funda calunga no porão de um navio negreiro, que viagem mais longa candonga, ouvindo o batuque das ondas compasso no coração de um pássaro no fundo do cativeiro. Quem me pariu foi o ventre de um navio Quem me ouviu foi o vento no vazio Tenho umbigo da cor, o abrigo da dor Dor é o lugar mais fundo é o umbigo do mundo é o fundo do mar. Cena Ataíde levando a Calunga - Perseguição – captura – prisão Navio negreiro – (sons de mar e vento) TEXTO 2 (OFF)- Êxodo capítulo 1 – nomes dos escravos. Eis os nomes dos africanos que entraram na terra brasílica neste útero de madeira atados a ferro; cada qual entrou sozinho, sozinho, sozinho: Sebastião Glória, Luzia Pinto, Roque Angola, Benjamin, Brígida Maria, Anjo Angélico, Antônio Calundu, Juca Rosa, Maria da Conceição, Bakita, João de Keto, Zabulon, Osun Muiwá, Asipá Borogun, Olorun Kosipurê, Iyaegbé, Asipá, Oriki. A ascendência desse “gado humano” era em torno de 600.000 cabeças. Os africanos foram impostamente fecundos e se multiplicaram; tornaram-se cada vez mais numerosos e impotentes, a tal ponto que o país ficou repleto deles. TEXTO 3 (OFF)- Gilberto Freyre (cheiro forte) Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo que se delicia os nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Sinhá – imagem de Zé Valdir SENHORA DE ENGENHO (luz a pino, seguida do black-out) (chicote, lamentos, correntes) (luz penumbra) Parto da preta (luz âmbar de chão) O corpo que entorta pra lata ficar reta – cena de Ataíde Narcisos em sangue – batismo da calunga (continua luz âmbar) Preparação do ebó, subida da calunga – FESTA CALUNDU – AÇÚCAR (som de batuque). 46 Senhor de engenho - quebra da panela e surgimento dos 10 mandamentos. TEXTO 4 – mandamentos do senhor de engenho Eu sou o teu Senhor que te fez sair da tua África. E te acolhi em minha morada. Não terás outro Senhor diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existelá do outro lado das águas. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás. Porque sou eu o teu Senhor. Sou um Senhor ciumento que puno a iniqüidade dos pais sobre os filhos até a terceira e a quarta geração dos que não me servem, mas que também ajo com justiça até a milésima geração para aqueles que me amam e guardam meus conselhos. Não usarás meu nome em falso testemunho. Trabalharás sete dias e seis noites. Assim te darei um sábado para descanso e alegrias. Ao teu senhor servirás com mão de obra obediente, humilde e fiel para que o teu dono afaste do teu corpo o chicote, o tronco, a máscara de ferro. Não se voltarás contra o teu Senhor. Resignarás perante as feridas abertas pelo desenraizamento da terra dos ancestrais e o teu Senhor te dará uma nova morada e uma identidade particular. Serás um bom servidor. Não cometerás suicídio. Não promoverás revoltas individuais ou coletivas. Serás benevolente, amável e agradecido. Esquece teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias sobre a terra que o teu Senhor de dá. Não matarás o teu Senhor. Não roubarás teu Senhor. Não cobiçarás a casa, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem sua mulher, nem coisa alguma que pertença a teu Senhor. EPÍLOGO Menina revela mensagens. 47 ROTEIRO-WS-ESTUDOS CÊNICOS-SÉCULO XVII-HOLANDESES/CALVINISTAS Público entra, Escuro, Música sacra. Acende o foco, Olinda/Ká dublando a música. Beata/Cris sai de baixo da saia de Olinda com o cachorro embrulhado em mantas. Foco acende no Padre/Marcelo. Olinda começa a tocar o sino, música sai. Acende a luz geral, Beata vai até o Padre. Padre começa a desenrolar a "criança". Quando ele vê que é um cachorro, pára o sino e ele o Padre se espanta. Início da música de suspense. Voz do Padre gravada para a Beata: "Hierusalem, Hierusalem, convertere ad dominum Deum tuum" e para Olinda: "Ah! que há de vir fogo do céu e há de abrasar Olinda!". Embate entre Padre e Olinda. Música para entrada do Paulinho/holandês. Beata, padre e Olinda olham para a porta. Holandês abre a porta, luz vermelha. Holandês se dirige para Olinda. Som de fogo e explosões. Holandês tira o sino de Olinda, põe no buraco. Holandês estupra Olinda ao som de gritos e sinos que se juntam com o fogo. Holandês põe fogo no sino. Pára o som do sino e entra barulho de canhão. O som vai saindo, fica só o som do fogo queimando no sino. Holandês olha para o padre e se dirige a ele. Rasga sua batina, tira o crucifixo dele, arranca a imagem de Jesus e joga no Padre. Holandês olha para Beata. Começa o som do órgão. Se dirige a ela, benze o cachorro, coloca colares no pescoço dela, sorri. Beata pega seu próprio crucifixo, arranca a imagem de Jesus. Beijam-se. Saem. Vai baixando o som do órgão. Silêncio. Olinda e Padre estão caídos. Começam sons dos animais. Luz vermelha vai caindo, vai acendendo o foco sobre o Padre e Olinda. Música: Gracia plena. Olinda e Padre vão acordando, desenterram santos. Vão se levantando. Som de cavalos em marcha se juntam à Gracia Plena. Gracia plena vai saindo, ficam só os cavalos. Música incidental para entrada do Holandês. Olinda e Padre jogam biribinhas no holandês. Holândes joga peido de véia. Eles jogam mais biribinha. Holandês responde com outro peido de véia. Acaba a munição de Olinda e do Padre. Holandês vai riscar o peido de véia e falha. Beata aparece e jogo peido de véia no holandês. Mostra o crucifixo com Jesus recolocado. Beata se une novamente com Olinda e Padre. Rezam expulsando o Holandês até a rua. Reza antes da Guerra: 48 Creio em Deus uno, trino e eterno Que criou Céu, Terra e Mar Sou católico firme e sincero A meu Deus aprendi a adorar Nos proteja Javé, nossa arma é nossa fé! Nos proteja Jesus, nossa arma é tua cruz! Eu confio em nosso Senhor com fé, esperança e amor O Senhor ao meu lado a guerrear Minh’alma há de sempre salvar Nos proteja Javé, nossa arma é nossa fé! Nos proteja Jesus, nossa arma é tua cruz! Contra nossos inimigos Tua palavra é forte espada Nos livre dos perigos Nos dê vitória prolongada Nos proteja Javé, nossa arma é nossa fé! Nos proteja Jesus, nossa arma é tua cruz! Lá fora, som de música "popular da época". Festa de Santo Antônio em comemoração à expulsão dos holandeses. Fogos de artifício. Canjica! 49 Pentateuco Judeus no Séc. XVII - 07/08/2011 1. Chegada do Meirinho e Visitador Meirinho entra só pela porta de entrada do Anexo. Posta-se ao lado da escada de entrada do Salão. Entra calmamente, vindo também de fora, o Visitador que observa o público, um a um. Então Meirinho anuncia solenemente: APITO MEIRINHO - Desembarcou no Arrecife, há uma légua desta Villa de Olinda, o senhor Visitador Heitor Furtado de Mendonça, eminente eclesiasta. Aparelhado por verdadeiro ânimo à favor do Santo Ofício, visa cumprir a sua missão. Em alta e inteligível vox leu para a mais gente e o povo a forma do dito juramento, regimento estando todos de joelhos com olhos na cruz. 2. Vendilhões do Engenho Som de feira. A porta do Salão se abre, saem escravos carregando a Casa Grande Judaica Maquete, que é colocada no meio do Anexo, depois os escravos trazem os produtos/oferendas, que são colocados a volta da Maquete. Branca Dias aparece vindo do Salão, carrega uma Menorah e fica olhando a Maquete de cima da escada de entrada. Som de sinos interrompem a balburdia da Feira. Meirinho anuncia: APITO MEIRINHO - No princípio deste mês, ano presente. Branca Dias, ora defunta, dona de terras e Engenhos foi denunciada por mais de 70 vezes. Dizia-se cristã nova, mas no entanto era costume da dita senhora guardar as sextas-feiras, vestir neste dia as melhores roupas, apertar um toucado na cabeça, mandar lavar e esfregar o sobrado. Branca Dias e de seu marido Diogo Fernandes, em vida, insistiam e dizer que eram cristãos novos! Visitador Branca se encaram. Os Escravos silenciam e olham assustados a situação. Som suave de atabaques. Visitador avança alguns passos e diz: VISITADOR- Tirai daqui estas coisas; não façais da casa do Pai, a casa da heresia. Silêncio de Branca. Visitador avança. APITO Visitador começa a pisotear a Maquete. Os escravos fogem para o Salão. Som de Atabaques e de Tarol aumentam. VISITADOR – Seu Santuário é frágil. Destruí teu santuário e em três dias o reconstruirei em outro nome... um outro santuário em nome de Cristo! Visitador e Meirinho entram no Salão, fecham as portas. Branca Dias permanece. 3. Na Taverna Bento sai da porta do banheiro, tomando vinho e contando suas estórias. Entra na cozinha e senta-se no balcão. BENTO- Ad Vinum Disertus! A Eloqüência que só o vinho dá! Deus me livre de ser burro e mudo. Se o Espírito Santo me deu o dom de falar, que esses Judeus peçam ao Deus deles o dom de poder escutar. Como podem esses hebreus questionarem a existência do nosso Purgatório? Eles são muito estranhos... Por que não acreditariam no Purgatório, já que mantém práticas que a isso dão razão? Eu disse: Rabino, se não me engano, não foram os Macabeus, o seu povo, que benzeram moedas e utensílios de prata, como ritual para ajudar a alma dos mortos no além vida? Ele, suavemente: Sim, é preciso continuar ajudando os que já se foram. Retruquei: Mas para quem são, especificamente, esses objetos de prata? Para que almas? Pois para vocês só há dois lugares para onde os mortos possam ir depois desta terra: o Inferno, local que as almas vão para pagarem as suas dívidas por terem sido maus judeus, então, obviamente, não são merecedores da boa prata que os vivos lhes despendem; e o Céu, onde os bons judeus, que lá estão sentados aos pés de Abraão, Isaac e Jacob, nada poderiam querer com 50 essa ridícula matéria de prata oferecida, correto?! Então, pergunto eu na minha ignorância, para quais mortos vocês ofereceram toda essa prata? Quais as almas que precisavamdelas? Será que não seria para alguns judeus que poderiam estar em um terceiro lugar? Um local que não é nem o Céu e muito menos o Inferno? Algo como... não sei, talvez um lugar como o nosso Purgatório cristão?... Depois disso, esvaziei meu copo em um só gole e me calei. Ficamos ali todos calados na sala por alguns segundos, minutos, horas... não me lembro bem... Só me lembro que depois disso “fez-se tarde e noite, e Deus viu que isso era bom!” Sei que não sou muito querido por aqui... que tenho a língua solta, sei! Mas não posso tolerar a burrice! Nem dos Judeus e muito menos dos cristãos! Sei que a Inquisição está chegando, mas o quê devo temer? Ultra Oequinotialem Non Pecarri, Não Existe Pecado Abaixo do Equador! Espere uma semana depois que esse Visitador aportar aqui e sentir essa Terra, r o que fazemos aqui! Até o Santo Pontífice irá querer vir para cá e experimentar nossa rapadura e tomar caldo de cana! Balbus balbum intellegit — Um gago entende o outro! Ah, a nossa pele, o nosso sol, as nossas mulheres... pecar aqui é pura espontaneidade, Amém! Ad Vinum Disertus! A Eloqüência que só o vinho dá! Faço o que devo fazer, sempre! Ad Maiorem Dei Gloriam – Tudo pela maior glória de Deus! Nada me acontecerá, nada! Pois Deus está do meu lado e através das minhas palavras e dos meus versos, Ele irá me acompanhar ao lado dos meus semelhantes! ADONAI, ADONAI, YON ZEH LYISRAEIL, SABBATH MENURRAH! (Bento se excita, retira o chapéu e vemos um quipah por baixo. Percebe o seu erro. Um clima de desconforto e silêncio se instaura) 4. Anunciação da Inquisição Meirinho sai de dentro do Salão, abrindo as portas e anuncia no alto da escada:, acompanhado pelos dois Verdugos. APITO MEIRINHO - Ano de Mil e Seiscentos do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo. Quarta dominga do mês. O Senhor Visitador fez fixar nas portas principais da igreja matriz do Santo Salvador, o edito em que manda com pena de excomunhão, que todos denunciem condutas de heresia, que denunciem pessoas suspeitas na fé, principalmente os não cristãos. Os Verdugos saem correndo, pegam Bento e o arrastam para dentro do Salão, o sentam numa cadeira lateral. Público entrando na Sala do Visitador enquanto ouvimos o OFF das Leis. 5. Sala do Visitador Visitador entra, senta-se e encara longamente a platéia, os estudando. Começa a comer uma Rapadura. VISITADOR (OFF) – Das leis! - Quem amaldiçoar ao pai e à mãe de Jesus... deverá morrer. - O homem que se deitar com uma mulher cujo sangue negar o Cristo... deverá morrer. A mulher cristã que se deitar com homem de crença judaica... deverá morrer. - Todo homem da Santa casa de Cristo que imolar a fé católica... deverá morrer. - Não guardarás o sábado, pois é costume judaizante. - Aquele que guardar o Domingo, como manda Cristo... esse pode viver. - Aquele que imolar a fé católica será feito bagaço, separado fibra a fibra. Rolos da moenda transformarão o corpo em corpo desfibrado, picado entregue em sacrifício ao Cristo. - Guardai os meus estatutos, guardai. Visitador vira-se de costas para o público, de frente para uma cortina e bate 3 vezes o seu martelo sobre a mesa. 6. Teatro Macabro A cortina vermelha se abre e vemos um pequeno palco ao fundo do Salão. Entram os Verdugos/Bufões no palco, que farão as pantomimas sobre o OFF. Visitador abre uma caixa de Musica, começa o OFF das Torturas e as pantomimas: VISITADOR (OFF) – Das torturas! Primeiro: Dá-se tormento ao réu que nega o fato principal. O acusado deverá ser posto a tormento após ter sido apurado, sem frutos, todos os demais meios para se averiguar a verdade. Muitas vezes basta fazer com que confesse o réu. A tortura também não é um meio infalível para apurar a verdade. Demonstração número 1: intervir no sono. 51 Os dois fazem a ação com o boneco. VISITADOR (OFF) - Segundo: Dá-se tormento ao herege que tenha uma testemunha que declare que viu... ou simplesmente que ouviu dizer... porque em tal caso este testemunho e a má reputação do réu já são dois indícios que bastam para colocá-lo em tortura. Demonstração número 2: quando tiver sido dada a sentença de tormento, os verdugos irão desnudar o réu, demonstrando inquietação, pressa e tristeza, procurando meter-lhe medo. Os dois fazem a ação com o boneco. VISITADOR (OFF) - Terceiro: Dá-se tormento a pessoa que tenha indícios veementes de heresia, mesmo não tendo testemunha alguma. Demonstração número 3: o réu perde o uso de seus membros. Fazem a ação arrancando membros (bracinhos, cabeças, tripas, etc.). Ao final, esmagam a cana e entregam o caldo para a Visitador, que bebe. VISITADOR (OFF) - Tendo sido considerado culpado o réu poderá terminar na fogueira. Fazem a mini-fogueira e queimam os bonecos. VISITADOR (OFF) - Sucede que, às vezes, para livrarem-se da tortura... Os réus fingem-se de loucos. Fazem a ação. VISITADOR (OFF) - Porém, se se presume que é fingida esta loucura...Não se há de deixar de dar-lhe o tormento, pois este é o melhor método de se saber se é demência fingida ou efetiva... Não seria mal fazer a prova, desde que não resulte em perigo de morte. Termina o Teatro. Os Verdugos fecham as cortinas. 6. Denúncias Visitador vira-se de frente. VISITADOR – Que se inicie o dia de Confissões e Denunciações! Visitador bate o martelo. Meirinho anuncia Brites, que entra com a cruz em pulso. APITO MEIRINHO – Acaba de chegar a Senhora Brites de Albuquerque, conhecida nesta capitania como capitoa, pedindo a Vossa Senhoria que possa acompanhar o exercício de julgamentos deste dia. (tempo para Visitador) Ela e seu marido, Duarte Coelho, chegaram ao Brasil em 1535, com a missão de governar a capitania de Pernambuco. Em 1542, Duarte foi para Portugal com seus dois filhos e lá acabou falecendo. Quando seus filhos voltaram ao Brasil, já maiores de idade, assumiram a capitania, mas logo voltaram para lutar nas cruzadas e ela, a Senhora Brites, voltou a assumir a capitania, sempre ajudada pelo seu irmão Jerônimo de Albuquerque, "o Adão de Pernambuco". A Senhora Brites lutou muito por essas terras: enfrentou insurreições indígenas, urbanizou Olinda, doou varias sesmarias, sabe ler, escrever, e manteve a ordem num tempo onde o poder era só do homem. Mas foi amiga de Branca Dias, pois Duarte Coelho doou a sesmaria onde foi levantado o engenho de Camaragibe. É sabido que Dona Brites, apesar de Cristã fervorosa, protege os judeus da perseguição... claro, para proteger o seu poderio. BRITES – (de frente para o público) Mas quando vi Diogo Fernandes convalescendo em seu leito de morte, um notório judeu, supliquei a ele: Fernandes fita a cruz, por Deus, amigo! Diz a Jesus palavras devotas. Diz! Chama o nome de Jesus! Visitador faz sinal para Brites se sente na platéia, como convidada. Brites se senta para assistir. Então, Visitador vira-se para o Meirinho e estala os dedos. VISITADOR – Muito bem, sente-se minha Senhora. (bate o martelo) Comecemos, então, pelas Denúncias! Meirinho avança e começa a anunciar casos: 52 MEIRINHO – 1... Apareceu sem ser chamado Simão Vaz querendo denunciar coisas tocantes ao Santo Ofício. Recebeu juramento dos Santos Evangelhos, disse ser Cristão Velho natural do Cabo e que nunca pecara na vida, nem mesmo em pensamentos! Visitador faz cara de enfado e faz sinal para continue. Meirinho muda de caso. MEIRINHO – 2... Ouve-se dizer, também, que Diogo Castanho, cristão novo, vereador solteiro, quando tinha ajuntamento carnal com uma negra, metia dentro dela um crucifixo. Visitador acha mais interessante e estala os dedos para o próximo caso. MEIRINHO – 3... Diogo Nunes, homem rico, possuidor de terras, é notoriamente conhecido pelas suas amantes, principalmente as de cor negra e vermelha, onde vez por outra as utiliza pelo vaso traseiro, mas afirma nunca ter expelido sêmem “intra vas”! VISITADOR – A onde? MEIRINHO – (aponta para a genitália) Lá...! VISITADOR – Hum... mas continue! MEIRINHO – 4...Outro que atende pelo nome de Fernão Cabral, notoriamente cristão velho, morador dessa capitania, fora denunciado por amigos, dizendo que vive há anos com uma sobrinha sua, sem contrair matrimônio, pois é sabido que sua esposa ainda encontra-se viva e moradora na cidade de Lisboa. Visitador manda que continue. MEIRINHO – (limpando a garganta) 5... Luis Delgado, homem de posses e proeminente advogado desta capitania, é acusado por moradores da vila, de morar há alguns anos com um “amigo”, que afirmam manter relação feminina com o acusado. Inclusive de lhe proporcionar prazer carnal com a utilização da boca. VISITADOR – A onde? MEIRINHO – Com a boca. VISITADOR – Com a... boca?! MEIRINHO – Sim! Com a boca! Visitador manda que continue. MEIRINHO – Bom, temos outros casos de sodomia... Visitador manda que continue. MEIRINHO – Casos de roubos... Visitador manda que continue. MEIRINHO – ... de bigamias... VISTADOR – Não! MEIRINHO – Bom, temos ótimos casos de padres,... que matem matrimônios com moradoras dessa capitania, podendo elas serem brancas, negras ou até mamelucas... VISITADOR – Basta! Não há nada que aconteça aqui que possa interessar ao Santo Ofício? Apenas esses pecados ditados por essa “Moral abaixo dos Trópicos”? Onde estão os casos de heresia, de heresia judaizante?! MEIRINHO – Temos aqui Bento Teixeira, Senhor. Acusado por inúmeras pessoas por possuir costumes judaicos e ofender a reputação da Santa Igreja Católica. VISITADOR – Sim! Tragam-me esse! 53 Visitador bate com o Martelo. Meirinho apenas aponta para o lado. Visitador vira-se e vê Bento sentado. 7. O Julgamento de Bento VISITADOR – Ouviste isso, herege? Diz de tua crença. Lembre-se que viver ou morrer estão no poder da tua língua. BENTO- Como pedido por Vossa Senhoria, venho espontaneamente confessar meus pecados anódinos para certificação que sou um bom cristão e temente aos ensinamentos da Santa Igreja Católica. VISITADOR- E...? BENTO- Bom. Há treze anos, mais ou menos, traduzi do latim para língua corrente o Deuteronômio por dinheiro... VISITADOR- Quem solicitou esse serviço? BENTO- Eu iria dar de presente ao meu sobrinho, mas ele o recusou. Então queimei o livro imediatamente. VISITADOR- Sim... BENTO- Há quatro anos fiz uma estupidez... numa discussão sobre o Evangelho de São João terminei minha argumentação jurando pelas partes pudentas de Nossa Senhora. Mas foi apenas essa vez. Eu juro. VISITADOR- Senhor Bento Teixeira, acredita mesmo que a sua casa possa ser mais sagrada que uma Igreja? BENTO- (susto) Bom... isso foi há três anos... ocorreu durante uma discussão sobre uma fornada de tijolos que deveriam ser entregues a mim e que foram entregues arbitrariamente em outro lugar, mantendo assim, minha casa em estado lastimável para moradia. VISITADOR- Sim, os tijolos foram entregues para a reforma de uma Igreja, que é um local sagrado. BENTO- Sim, mas só vim a saber disso depois... VISITADOR- E ao saber, o senhor vociferou que merecia os tijolos tanto quanto a Igreja, pois “eram sagradas todas as casas de homens honrados”... BENTO- E por isso, e por todo o restou aqui confessado, peço perdão e me mostro arrependido perante essa mesa. E que se mais culpas lembrar e for advertido por Vossa Senhoria, as confessarei todas aqui... porque sou um bom cristão. VISITADOR- Basta de confissões. Dispensado, por enquanto. Onde está o denunciante que aguardo?!... Onde está?!... Visitador acende uma lanterna e aponta para a platéia, procurando alguém. Encontra entre eles o Senhor Antônio. Joga a luz da lanterna em sua cara, até o final do interrogatório. VISITADOR- Senhor Antônio...? Senhor Antônio...? (encontra-o no meio da platéia) Ah, sim! Senhor Antônio das Rosas, não preciso lembrá-lo das palavras de Dom Nicolau Eymerich, que “Negar, perjurar e afrontar são traços inequívocos de grandes hereges!” Então tem certeza que não há mais nada para denunciar, Senhor Antônio das Rosas? AMIGO- Pelo que posso me lembrar, não. VISITADOR- E quanto ao seu amigo, o senhor Bento Teixeira? AMIGO- (gagueja) Ah... Bento... Ele apenas tem o verbo solto, é um poeta, mas é tudo sem maldade. VISITADOR- E o Senhor Bento Teixeira nunca possuiu conduta judaizante? AMIGO- Não, nunca! (silêncio) VISITADOR- O senhor é musico e compositor, correto?! AMIGO- Sim. 54 VISITADOR- Julga-se um bom músico? AMIGO- Sim, acredito que sim. VISITADOR- Por que o senhor Bento Teixeira ao ouvir a sua cantiga “Sino Diós Divino”, que louva a Santíssima Trindade, alegou que era “falsa”? AMIGO- Bento? Não, ele não... VISITADOR- Há mais de uma testemunha que presenciou esse fato. (silêncio. Visitador pega um papel e lê um trecho da música) “Trino solo y uno / Uno solo y trio / No és outro alguno / Sino Diós Divino.” Teria Bento questionado à doutrina do Espírito Santo? AMIGO- Não. VISITADOR- Não? O que seria, então, Senhor Antônio? AMIGO- Faz tanto tempo, talvez treze, quatorze anos... VISITADOR- Muitos se lembraram com riqueza de detalhes. AMIGO- Eu a preparava para a festa do Santo Sacramento, e lembro do Senhor Bento dizer que ela não estava boa,... apenas isso. VISITADOR- Por que ele alegaria que não estava boa? Seria com relação a letra e o seu significado? AMIGO- Não, de maneira alguma! VISITADOR- Então seria em relação a sua harmonia, a sua solfa? (silêncio) O Senhor é ruim na solfa? AMIGO- Bom, há aqueles que gostam. VISITADOR- Talvez a sua solfa seja de má qualidade, e talvez o senhor Bento Teixeira, bom conhecedor dos assuntos musicais, tenha percebido isso. AMIGO- Ele me aconselha, eventualmente. VISITADOR- Talvez ele tenha enxergado a falha na sua formação musical e o tenha alertado da baixa qualidade de sua solfa. AMIGO- (incomodado e irritando-se)Admito que, as vezes, ele não é muito gentil com os seus comentários... VISITADOR- Apesar de não ser músico, o Senhor Bento Teixeira conhece bem a arte da solfa, então concluo que ele deva ter razão ao criticá-lo quanto a lamentável solfa que o senhor compôs. AMIGO- (irritado, gritando) Bento Teixeira conhece tanto de solfa quanto um judeu conhece da vida de Cristo! Minha solfa nesta cantiga é irretocável!! VISITADOR- Ah, então não podemos concluir que a afirmação de não ser “boa”, ou “falsa” a sua cantiga, como disse o Senhor Bento, só pode ser em relação a proposição da letra sobre a Santíssima Trindade, certo?! Talvez por ele ser um judeu, correto?! Silêncio. Amigo constrange-se e abaixa a cabeça, derrotado. VISITADOR- Por hoje é só, Senhor Antônio das Rosas. Dispensado. Visitador apaga a lanterna sobre o rosto do Amigo na platéia. Visitador vira-se para novamente para Bento. VISITADOR- Peço que explique novamente, por que considerou “falsa” a cantiga sobre a Santíssima Trindade de Antônio das Rosas? BENTO- Eu... eu apenas achei ruim a solfa composta pelo meu amigo Antônio... VISITADOR- Não seria o conteúdo da proposição do Divino Espírito Santo? BENTO- Não...! Eu já disse e repito, essa cantiga... 55 VISITADOR - O senhor já foi ouvido nomear Deus com a palavra Adonai. Não é esse um nome tipicamente judeu? BENTO- Esse nome também é cristão e a aprendi na Antífona de Nossa Senhora: “Ó’Adonai, Ó Rex Regum”,... Ó Adonai, Ó Rei dos Reis. VISITADOR- Você costumava dar folga aos Sábados para os seus alunos, não seria uma maneira disfarçada de guardar o Sabbath? BENTO- Mas muitas outras vezes lecionei nos dias de Sábados... VISITADOR- Lecionar para os filhos de uma judia, a Senhora Branca Dias, não seria uma maneira de poder ficar perto da sua gente? BENTO- Eu era jovem e precisava do dinheiro... VISITADOR- (começando a sobrepor falas) Você já foi visto usando roupas limpas nas noites de sextas-feiras... BENTO- Mas... VISITADOR- Quieto! Próxima denunciante! Avança uma mulher, Filipa Raposo, esposa de Bento, visivelmente nervosa, explodindo o verbo. Visitador vira-se para o lado dos denunciantes.APITO MEIRINHO - Mulher de alcunha Filipa Raposa, esposa de Bento Teixeira. Desde adolescente tem uma malícia natural: seduzia, com seus olhos belos e verdes, até padres em confessionários. Então Bento via-se obrigado a constantes mudanças: Olinda, Igarassu, João Paes no Cabo, freguesia de Santo Antônio... Neste último lugar Filipa conseguiu trair o marido com o frei Duarte Pereira, vigário da freguesia de Santo Agostinho e único homem do lugar. FILIPA – Não é de se admirar a presença deste homem aqui! Fui eu que te denunciei, denunciei sim, por que és um farsante por si. Venho delatar. Acuso de judeu e mau cristão. E o pior! O pior!!! Vi, com estes olhos castos, verdes e somente meus, que os versos que este escreveu não eram seus. Felipa começa a se insinuar para o Visitador. Começam um jogo sexual, onde ela começa a ser despida pelo Visitador. VISITADOR- Traga aqui o evangelho! Mulher, assenta aqui tua mão. (põe sobre seu pinto e massageia de cima para baixo) Jura que não pecarás, hein?! ...isso sim é que é ser católica! Isso é que é uma boa cristã! Sai Filipa em estado de êxtase e gozo. Visitador vira-se novamente para Bento. Durante a próxima fala de Bento, Filipa aparecerá nua por trás da cortina, crucificada, nua, com um filete de sangue escorrendo pelo seu corpo branco. Dirá em cânone até a acusação do Visitador. FILIPA- "Bem aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa” VISITADOR- Por que levou a morte esta sua linda esposa, Dona Felipa Raposo? Não teme castigo por ter cometido tal ato? BENTO- Ataquei-a num ato de desvario. Filipa me levava a loucura com sua vida imoral e depravada. Amigos e conhecidos me chamavam pelas ruas de “desavergonhado”, “cornudo”e muitas outras injúrias. Insultos esses que um homem honrado não pode e nem deve suportar. VISITADOR- E mesmo assim não teme o castigo? BENTO- Deus não me castigará por isso. Como nos diz a Bíblia, Ele nos criou a sua imagem e semelhança, então, como poderia Ele castigar um semelhante que defende sua honra e seus valores? VISITADOR- Senhor Bento, me preocupa muito menos o assassinato de sua mulher que essa sua língua. Tem o hábito de solta-la com freqüência e de maneira ladina... Pensa e observa Bento. 56 VISITADOR- Um belo caso é o Senhor. Um belo caso. BENTO – Faço o que posso. Começa a se inflamar gradualmente enquanto conclui que admira Bento. VISITADOR- O senhor pouco vai a missa... Dificilmente é visto em um confessionário... varre sua casa as sextas... Guarda os sábados... não come peixe de escamas, apenas de couro... Passou para língua corrente trechos do Velho Testamento e salmos de David... Aprecia as passagens de Moisés... Aconselha amigos a não rezarem o Pai Nosso... Blasfema ao jurar sempre pelas partes pudendas de Nossa Senhora... E é mais inteligente que a maioria dos Bispos e Cardeais que conheço!... Vamos, confesse que é um Judeu! Que é um herege! Silêncio. Bento apenas abaixa a cabeça, sem forças. Visitador bate com o Martelo. VISITADOR- Pelas provas aqui colhidas de heresia em grau máximo, e pelo poder a mim concedido pela Santa Igreja Católica e pelo Santo Ofício, abro aqui o processo de número 5.206 contra o Senhor Bento Teixeira, lisboeta de nascimento e hoje morador na cidade de Olinda, capitania de Pernambuco. E por todas as razões acima, o considero culpado por heresia máxima em práticas judaizantes! Silêncio. Bento é vestido por Dona Brites com o Sambenito de acusado judaizante. BENTO- (depois de muito encarar o Visitador) Sim, conheço Branca Dias e venho de um ventre judaico, assim como Jesus Cristo e os seus Apóstolos. VISITADOR- Cale-se! BENTO- Tive o melhor dos dois mundos, judaico e cristão, dentro de minha própria casa. VISITADOR- Você é um apóstata que nega a salvação. BENTO- Como muitos. Eu e o Senhor não somos tão diferentes assim. VISITADOR- O Senhor conseguiu ludibriar outros com essa sua língua, não conseguirá comigo! BENTO- O Senhor não tem dúvidas? VISITADOR- Cristo me supre e me guia. BENTO- E antes dele, quem guiava? VISITADOR- Hereges como você e sua gente. BENTO- De onde veio a sua Igreja? De onde veio o Nazareno? De onde veio você? VISITADOR- Seu judeu imundo! BENTO- Por que o senhor insiste em negar? VISITADOR- Quem pensa que eu sou? BENTO- Quem pensa que eu sou? VISITADOR- Quem pensa que é?! BENTO- Quem pensa que é?! VISITADOR- Pare com isso! BENTO- Pare com isso! VISITADOR- Judeu imundo, fale de uma vez o que quer dizer! Bento avança para a mesa do Visitador. Falam cara a cara. 57 BENTO- Conta-se que no reino de Portugal, quando o Rei impôs a humilhante prática de todos os judeus e seus descendentes vestirem chapéus amarelos para a diferenciação pública, um Marquês entrou na sala real carregando três desses chapéus. Ao ser questionado pelo Rei do por quê desses chapéus dentro de uma corte católica e temente a cristo, o Marquês respondeu que um deles deveria ser usado por ele próprio, o outro seria para o grande Inquisidor e o terceiro para ser vestido pelo próprio Rei. Silêncio entre os olhares. Bento, durante essa fala, pegou 3 quipahs das mãs de Branca Dias. Pôs um sobre a sua cabeça, pôs o outro sobre a cabeça de Dona Brites e estica o terceiro para o Visitador, que não o apanha. BENTO- ... E não somos todos irmãos?! B.O. abrupto. FIM 58 “SÉCULO XVIII – LEVÍTICO” 59 ROTEIRO DO WORKSHOP LEVÍTICO - SÉC XVIII - Por Simone Evaristo e Viviane Madu CENA 1 Índias conversando em língua indígena, contando as etapas do ritual de morte Estabelecimento do calendário – indicação das tarefas que foram e as que serão cumpridas para o ritual. TAREFAS Teatralização da morte da vítima Preparar a comida – Fumar cachimbo Preparação do corpo para oferendar aos espíritos, enterra e encena o choro trançar uma cesta (roupa – paninho branco) 60 ROTEIRO WS “ESTUDOS CÊNICOS SÉCULO XVIII – NEGROS” - A BENZEDURA DA MOENDA. Luz geral. Dois escravos e uma moenda. Sons de rezas católicas e fogos de artifício durante toda a entrada do cortejo dos brancos. A música só sai quando o Padre vai iniciar a leitura do Levítico. Entram a família patriarcal judaica dona do engenho, seus convidados e o Padre. O Padre inicia o ritual de benzedura da moenda e de todos os presentes lendo o Levítico 23:9-14 e 26: 3-9; 14-20; 23-33; 46. Depois dos estatutos joga água benta sobre a moenda e sobre os presentes. Os escravos correm para receber a água benta já com as primeiras canas que vão entrar na moenda e há o ritual simbólico de moagem destas canas. Terminada a benzedura o Senhor do engenho manda que se inicie a festa geral: “Festejemos todos!” Neste momento volta a música inicial e se iniciam batuques de negros ao longe (as músicas vão se misturando) Com a saída da família patriarcal judaica a luz lateral toma a cena. Muda a luz central: foco na moenda. (a família patriarcal continuará com uma ação fora do centro da cena. O Senhor do engenho estará apresentando todas as dependências do engenho, seus dotes, suas previsões para esta safra, etc. Ouviremos palmas, risos, orações, cantos, brincadeiras...) Quando o foco na moenda acender vai ter início o ritual negro para a benzedura desta. Os batuques continuarão junto com a música dos brancos. Entram misturados aos batuques as toadas para Ogum (CD Sítio do Pai Adão), mas essas sobressaem-se às músicas anteriores. Ao final do ritual negro mantêm-se os batuques até o final da cena quando serão interrompidos pelo Senhor do engenho. Ritual negro: haverá um oferecimento a Ogum e uma narrativa mítica africana (os escravos tocam o solo com a ponta dos dedos e os levam à fronte) A semente e a enxada Quando os homens cresceram em número na face da terra, Olorum encarregou Ocô de descer e de aumentar a produção de alimentos. REFRÃO: Ieé Ogum. Obrigado Ogum porter nos dado a faca. Ieé Ogum. Na terra Ocô percebeu que as aves voando de uma árvore à outra em busca de comida deixavam cair muitas sementes. Ocô juntou, então, um montão de sementes e as espalhou no solo. REFRÃO Ocô encontrou um rapaz cavando buracos, pondo sementes na cova e as cobrindo com terra. Era o que ele tinha de fazer: cavar para plantar as sementes no seio da terra. REFRÃO Para que tudo desse certo ofereceu uma lebre e umas favas de pimentão a Exu que aceitou a oferenda e disse que aquele rapaz que cavava a terra era Ogum. Ocô chamou Ogum e juntos começaram a cavar a terra. REFRÃO Ogum usou o fogo e fez das pedras ferro e com este a enxada, a faca, a foice e com estes Ocô revolveu a terra e plantou e a colheita trouxe a fartura desejada. REFRÃO: obrigado Ogum por ter nos dado a faca. Acabado o ritual negro de benzedura da moenda ouve-se a voz do Senhor do engenho: “Venham, venham todos. Hoje vou libertar não um escravo, mas dois”. Inicia-se o ritual de alforria. 61 Neste instante sai o foco de luz da moenda e volta a luz geral. Sai a música. Silêncio. Voltam do passeio pelo engenho a família patriarcal judaica, o Padre e convidados. Neste instante a filha do casal traz consigo dois pares de sapatos sobre almofadinhas. O Padre lerá o Levítico 1: 1-4. Depois, tocará na cabeça dos escravos que se encontram ajoelhados à sua frente, untará suas frontes com óleo, abençoará os escravos e os sapatos com água benta e dará os sapatos para que os escravos os calcem. Os escravos calçam os sapatos e saem. O senhor do engenho ordena que inicie-se a festa dos escravos. Voltam os batuques. Volta a luz de foco sobre a moenda. A família patriarcal judaica, o Padre e os convidados se organizam em torno da moenda e assistem a festa dos negros. O senhor do engenho depois de alguns minutos, interrompe a festa: “Chega!”. SILÊNCIO E ESCURO. 62 Cena Cristãos - Versão 2 - 2 de agosto de 2011 Luz no centro. Entrada do público, Em cena Paulo, Cris e Kátia Som de caixa de musica Paulo deitado do colo de Kátia Crianças brincam com bola no centro da cena, Cris no canto, observa a cena. Na 3ª jogada a bola escapa e vai para o fundo, Passagem de tempo onde as crianças vão se separando, Deixa para a Cris se deslocar para a entrada por trás da cana. TRANSIÇÃO DE LUZ FOCOS PINBINS Crianças cada qual no seu foco Poema Poema (Marília de Dirceu) Pintam os Poetas A um menino vendado, Com uma aljava de setas, Arco empunhado na mão; Ligeiras asas nos ombros, O tenro corpo despido, E de Amor, ou de Cupido São os nomes, que lhe dão. Porém eu nego, Que assim seja Amor; pois ele Nem é moço, nem é cego, Nem setas, nem asas tem. Ora pois, eu vou formar-lhe Um retrato mais perfeito, Que ele já feriu meu peito; Por isso o conheço bem. SAI FOCOS ENTRA NICHO DE SENHORINHA Padre e Senhorzinho Senhor Diga logo padre, que tempo hoje esta curto. Se o assunto for o dizimo do mês encerramos a conversa aqui que “esse” já foi encaminhado Padre 63 É dando que se recebe, meu filho, o assunto é de igual importância mas de outra natureza Senhor E que natureza pode ser essa que eu possa ajuda-lo Padre Sendo direto pra poupar o seu tempo: o caso que é sinhazinha já está na idade de se casar.... Senhor (interrompendo) Se a vossa preocupação é com o futuro dela, fique tranqüilo, que esse já está planejado desde que ela nasceu.... Padre ... sim, eu sei. Acontece que quanto mais o tempo passa, mais a flor flor da formosura fica vistosa, mas pouco dura .... Senhor Sejá direto, padre, fale onde quer chegar... Padre Ocorre que a cidade toda já comenta. Já deves saber que a amizade de sua filha com... (procurando a palavra) aquele menino já passou de brincadeira de criança... Senhor Sim, os dois cresceram juntos e para o meu desagrado, minha filha conserva um carinho por aquele demente. Padre Não foi isso que ela me confessou. Esse carinho já foi um pouco alem. Sinhazinha revelou estár apaixonada e essa paixão pode estar gerando frutos. O senhor pode ser avô logo, logo... é melhor que seja avo de alguem escolhido. Senhor Pode dar inicio aos preparativos, que no próximo mês, no dia de Nsa. Senhora da Conceição essa celebração acontece. Mande pintar as paredes da igreja, providenciar toalhas novas para o altar e toda pompa necessária pra que essa cidade veja o maior casamento já realizado feito por aqui. Padre E quanto ao noivo? Senhor Já lhe disse, padre. Será com quem planejei. Esse casamento acontece, da maneira que eu quiser. A benção padre. Nossa conversa esta encerrada. SAI NICHO DE SENHORINHA ENTRA PC 1 Corta para Senhor e Sinhazinha Senhor 64 Desde quando o padre passou a ser seu pai? Sinhazinha Não entendi a sua pergunta. Não existe outro a quem eu deva maior obediência que não seja o senhor. Senhor Se essa obediência diz respeito a mim, é a mim a quem deves confessar assuntos de família! Sinhazinha Nada confessei que fosse de nossa família. Se algo foi dito ao padre foram apenas meus sentimentos e minha intimidade... Senhor Não existe nada da sua intimidade que não diga respeito a essa família, portanto a mim. E se já és capaz de ter intimidade, ela será dada a quem eu quiser. Tu casas no próximo mês, com Fulano de Tal, do engenho de tal, no dia de Nsa Senhora da Conceição. Sinhazinha Mas meu pai, não posso me casar com Fulano que não é ele o dono do meu coração. Senhor Tu casas no próximo mês, com Fulano de Tal, do engenho de tal, no dia de Nsa Senhora da Conceição. Senhora Acho melhor que não seja no próximo mês. Podemos esperar um pouco mais.... Fulano retirou sua palavra. Sua compaixão por aquele demente passou dos limites e já é comentada por todos.... Sinhazinha É ele quem amo, meu pai, e se ele corresponde ao meu amor, que importa que todos saibam, por que não posso me casar com ele? Senhora Porque toda arvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo. É melhor esperar mais um pouco, deixar o tempo apagar essa mancha que logo aparece outro pretendente. Senhor O tempo não apaga nada. Minha honra que constrói sou eu. Tu queres casar com seu amor. Tu vais casar. Casamento não se adia! Tu casas no dia de Nsa Senhora da Conceição, na maior festa que esse povo já ouviu falar. LUZ DE PREPARAÇÃO PARA O CASAMENTO SET LAITH BRACO, PIMBINS E PC Preparação para o casamento. Canto Senhorinha funde com musica mecânica (marcha nupicial), As ações acontecem simultaneamente CRIS DÁ O BUQUE E TIRA O BANQUINHO 65 PAULINHO VAI PARA JUNTO DE KÁTIA MARCELO ENTRA COM O ALTAR PADRE Entra com a toalha entre os braços representando o altar Musica vai subindo, som de tiro. BO Depois do tiro as crianças saem e deixam os adereços Cris canta ENTRA CONTRA AZUL EM SEGUIDA PAR FRONTAL LUZ PIMBINS NOS ADEREÇOS SENHOR (entra e coloca o sangue os objetos) Tempo Reza padre pode, dar a sua benção! Rito de casamento católico e civil em português Sacerdote Noivos caríssimos (N..........) e (N..........) viestes à casa Igreja, para que o vosso propósito de contrair Matrimónio seja firmado com o sagrado selo de Deus, perante o ministro da Igreja e da comunidade cristã. Cristo vai abençoar o vosso amor conjugal. Ele, que já vos consagrou pelo santo Baptismo, vai agora dotar-vos e fortalecer-vos com a graça especial de um novo Sacramento para poderdes assumir o dever de mútua e perpétua fidelidade e as demais obrigações do Matrimónio. Diante da Igreja e dos vossos convidados, vou, pois, interrogar-vos sobre as vossas disposições. N.......... e N.........., viestes aqui para celebrar o vosso Matrimónio. É de vossa livre vontade e de todo o coração que pretendeis fazê-lo? Os convidados das duas partes são chamados de "filhos das bodas" então para que seja cada vez mais iluminada a palavra o filho do criador, gostaria de citar algumaspassagens para poder consagrar essa benção de união. Em Matheus (9.15) Podem acaso estar tristes os convidados para o casamento, enquanto os noivos estão com eles?” Não meus irmãos. Hoje é dia de muita alegria, felicidade e celebrações, abençoar está união em que hoje se realiza sob o julgo das palavras do filho do criador e de nossa abençoada padroeira N. Sra. da Conceição Convido a vós para uma reflexão sobre as palavras do livros sagrado em que diz: "E o Criador ordenou: Por isso deixará o homem pai e mãe, e unir-se-á a sua mulher; e serão os dois uma só carne? Assim já não são mais dois, mas um só carne. Portanto o que o Criador ajuntou, não o separe o homem.” (Gênesis 2:24) As intemperâncias da vida nos conduzem para outros caminhos, mas se seguirmos as palavras do Filho do Sr. nenhum mal derramará sobre nossas cabeças, quando em Coríntios 6:14 diz: “Não vos prendais a um jugo desigual com os incrédulos; pois que sociedade tem a justiça com a injustiça? ou que comunhão tem a luz com as trevas? “ Ele nos alerta sobre com quem devemos casar. Se desviarmos a nossa atenção do cominho do bem, não podemos melhorar no sentido de unidade e entendimento da parte um do outro. “Com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando diligentemente guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz.” diz a escritura em Efésios 4:2-3. 66 “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo.” Efésios 5:21 Em Hebreus 13:4 o Sr. diz: Honrado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; pois aos devassos e adúlteros, Deus os julgará. Ele tudo sabe, Ele tudo vê. As palavras do Sr. abençoam toda manifestação de amor que aconteça dentro do casamento. Em Provérbios 5:18-19 “Seja bendito o teu manancial; e regozija-te na mulher da tua mocidade. Como corça amorosa, e graciosa cabra montesa saciem-te os seus seios em todo o tempo; e pelo seu amor sê encantado perpetuamente.” Nesse caso o desejo da carne não é pecado, mas sim o que está na cabeça daquele que cobiça estar naquele leito. E para encerrar essa benção e selar essa união, gostaria de citar um último trecho da escritura onde percebemos a importância de suas palavras. Em Corintios 13: 1-4-6-7-8-13 "Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba; havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciências, passará. Agora, pois permanecem a fé, a esperança e o Amor. Porém o maior deste é o Amor. 67 Roteiro JUDEUS séc. XVIII - 26/07/2011 1. A Lei Início. A platéia aguarda no Anexo. Desde a sua chegada no espaço já há uma mensagem escrita na porta fechada do Salão: “O que está dentro de nosso povo, os nossos costumes e os nossos conhecimentos, devem ser preservados e mantidos onde quer que você esteja. Eis o verdadeiro sentido da nossa força; eis a nossa sobrevivência; eis o que Iavéh quer de nós... eis a nossa Lei... Eis a LEI.” Depois de alguns segundos, tempo suficiente para conseguirem ler, um som primal inicia. Badaladas soam, a porta do Salão é aberta pelo Escravo. 2. O Anátema e a Purificação Branca Dias aparece por trás dela, uma forte luz a silhueta. Ela está sentada dentro de um tonel d’água, o Mikveh. O Escravo está trabalhando, carrega sacos de açúcar nas costas. Ele ficará passando pela frente de Branca Dias, cruzando de um lado para o outro de maneira repetitiva e lenta durante toda a sua narrativa em off. Uma Menorah, um Sino e uma bacia estarão ao seu lado. BRANCA DIAS (voz off) Enoch, sétima geração de Adão, filho de Jerde, pai de Matusalém, avô de Noé. Profeta hebreu que viveu por 365 anos ao lado de Iavéh. Não morreu como os homens comuns, ele desapareceu, foi arrebatado por Deus, foi elevado ao céu e transformado em um Anjo. Mas foi durante o seu tempo que a corrupção da raça humana começou a aparecer sobre a Terra, e cresceu monstruosamente até o tempo de Jared, seu neto. A razão desta degeneração acelerada foi a “Queda dos Anjos”. Quando alguns Anjos, cansados de olhar apenas para dentro de seus clãs, viram o quanto eram belas as filhas dos homens de fora, cobiçaram-nas e disseram: "Escolheremos esposas para nós entre as filhas dos homens e teremos com elas uma geração". Shemhazai, chefe dos Anjos, disse: “Eu temo, pois não foi isso que nosso Deus nos ensinou. Colocando este plano em prática, todos sofreremos enormes conseqüências deste grande pecado". Os outros anjos responderam: "Nós juramos em maldição, individualmente e juntos, que levaremos esse plano de nos casar com ‘os de fora’ até o fim!". Assim, dois mil anjos desceram do pico do monte Hermon e se tornaram impuros com as filhas dos homens ‘de fora’. Do fruto dessas relações proibidas, entre Anjos e mulheres da Terra, nasceu uma raça de gigantes com altura de mais de três mil varas cada um, que em sua voracidade, começaram a consumir todos os bens da humanidade. Quando tudo se havia acabado, quando nada mais havia para ser devorado ou destruído, os gigantes voltaram-se contra os próprios homens da Terra e os devoraram. A Terra que os havia gerado começou a sofrer e morrer com tais barbaridades, e mesmo assim os Anjos continuaram se relacionando com ‘os de fora’, corrompendo e desgraçando para todo o sempre a raça dos escolhidos. Ao final da narração, Branca Dias interrompe o percurso do Escravo. Ela o chama e o purifica com a água do Mikveh. Inicia um som festivo, profano, alegre: A festa dos “de fora”. Então Branca Dias, depois de “purificar” o Escravo, chama o público para que entrem no Salão, “purificando” cada um deles antes de passarem. 3. A Primeira Estrela O público entra, senta. Escuridão. Som de “Corte de Cana”. Os três, Mãe, Filho e Filha estão em cena segurando um lençol branco em frente a eles. Foco 1 se acende a esquerda, a FILHA solta o lençol, se revelando, e caminha para o seu foco. Ela está com um bordado nas mãos e olha fixamente para o céu. Foco 2 se acende no centro, a MÃE solta o lençol, se revelando, e caminha para o seu foco. Ela está com um prancheta fazendo anotações, compenetrada. Foco 3 se acende a direita, o FILHO solta o lençol, se revelando, e caminha para o seu foco. Ele está com um chicote nas mãos. 68 O Escravo começa a andar em círculos em volta do FILHO, sempre carregando um saco de açúcar nas costas. Ele não irá interromper essa ação até a primeira estrela aparecer no céu. MÃE Filha? FILHA (tomando um susto e voltando o olhar para o Céu, novamente) Não mãe. Ainda não apareceu. MÃE Filho? FILHO Estamos em quase mil braças de açúcar, mãe. MÃE Ainda? FILHO (estala o chicote para o Escravo) Vamos, mais rápido! (o escravo começa a andar mais rápido em círculos, em torno do Filho) MÃE Mais rápido, filho! (volta a anotar na prancheta) Filha? FILHA Não, mãe. Ainda não apareceu. Fogos começam a pipocar, os três param suas atividades e olham para o céu a direita. Permanecem imóveis enquanto falam. MÃE Já começou a festividade na Vila. FILHO Eles ainda não chegaram nem a 100 braças na colheita e já estão comemorando?! O governador nos garantiu que não iria... MÃE Isso não é nosso problema! Depois eu falo com ele. Os três voltam as suas posições iniciais e as suas atividade: MÃE anotando na prancheta, FILHO observando o escravo e FILHA a bordar. O som de fogos continua aumentando. MÃE Filha? FILHA (assusta-se e volta rapidamente a olhar para o céu a esquerda) Não mãe. Ainda não. MÃE Filho? O Filho estala o chicote, o escravo acelera mais um pouco. FILHO Chegamos a mil braças, mãe! 69 MÃE (anota na prancheta) Filha? FILHA (olhando para o céu) Não, mãe. Ainda não apareceu. FILHO Mil e cem braças, mãe! Mãe anota na prancheta. O escravo acelera o seu ritmo. FILHO Mãe! Mil e duzentas braças! Mãe anota na prancheta. O escravo acelera mais o seu ritmo. FILHO Mil e trezentas braças! Mãe anota na prancheta. Oescravo acelera ainda mais o seu ritmo. FILHO Mil e quatrocentas... FILHA Mãe! Mãe! Apareceu! A Filha aponta para o céu fixamente. Os três param imediatamente suas atividades e olham para o céu a esquerda. Branca Dias soa o Sino. O Escravo começa a diminuir o ritmo, até que pára, olhando para o céu. O som do Corte de Cana se interrompe. ESCRAVO A primeira estrela do céu... Os três viram-se para ele, assustados. Tempo. ESCRAVO A hora do Ângelus... O Filho olha para a Mãe e ameaça levantar o chicote contra o Escravo. É interrompido pelas palavras da mãe. MÃE (iniciando a reza de forma a ser seguida) Ave Maria... cheia de graça... O Escravo larga o saco que carrega as costas, ajoelha-se e continua a reza, sendo seguido pelos outros, que rezam acanhados e sem jeito. ESCRAVO ...O Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto de vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém! Durante a reza os três silenciam durante algumas palavras, deixando o Escravo rezar sozinho, como “bendito”, “Jesus”, “Mãe de Deus”, “pecadores”... Ao final se olham em silêncio. MÃE 70 Chega por hoje. FILHO (para o Escravo) Agora vá! O Escravo não se move. FILHA Vá festejar a colheita na Vila. O Escravo não se move. MÃE Vá embora e divirta-se. FILHO Saia daqui! O Escravo se assusta e sai correndo. MÃE Filhos. Hoje iremos celebrar, celebrar a continuidade de nosso povo. Os três se olham. A Mãe abre os braços e os filhos vem a ela. Coro de mulheres judias começa a surgir, invade a cena. Alegria da festa, da cripto festa. 4. A Necessidade da Continuidade Os três, Mãe, Filho e Filha, começam a se preparar para o Sabbath ao redor do Mikveh. Branca Dias se aproxima dos três carregando uma bacia com água. A Mãe inicia o ritual de Purificação. Começa a banhar e limpas a Filha e depois o Filho. Retira a saia dela e a calça dele. Os sons de festa da Vila continuam a serem ouvidos, cada vez mais fortes durante a cena. BRANCA DIAS (voz off) E o Eterno fez chover sobre Sodoma e Gomorra, enxofre e fogo. E subverteu estas cidades, e a todo o Kikar e a todos os moradores das cidades e as plantas da terra. E foi que, ao destruir Deus as cidades do Kikar, recordou-se Deus de Abrahão e salvou Lot da destruição. Filho é esfregado pela sua mãe e pela sua irmã. FILHA (voz off) E Lot subiu de Tsôar, ficou no monte, e as suas filhas com ele, e temeu ficar em Tsôar, e ficou na caverna, ele e as suas duas filhas. A Mãe deita o Filho sob um lençol branco e começa a retirar a sua roupa. MÃE (voz off) E disse a maior à menor: Nosso pai é velho, e homem não há na terra para vir a nós como o uso de toda a terra. Anda, vamos, daremos de beber ao nosso pai vinho, e dormiremos com ele, e faremos viver de nosso pai, a semente. A Mãe começa a esfregar a Filha, preparando-a do mesmo modo que fez com o Filho. BRANCA DIAS (voz off) E fizeram beber a seu pai vinho naquela noite; e veio a maior e dormiu com seu pai. A Mãe põe a Filha sob os lençóis, junto com o Filho, que se debruça sobre ela para copular. MÃE (voz off) No dia seguinte, disse a maior à menor: Eis que dormi ontem a noite com meu pai; fá-lo-emos beber vinho também essa noite, e vai e dorme com ele, e faremos viver de nosso pai, outra semente. 71 A Mãe deita-se sob os lençóis, do outro lado do Filho, que agora se debruça sobre ela para copular. BRANCA DIAS (voz off) E conceberam ambas as filhas de Lot, de seu pai. E deu a luz a maior um filho, Moab; ele foi o pai de Moabitas até hoje. E a menor, também ela, deu a luz um filho, e chamou seu nome Bem Ami; ele foi o pai dos Amonitas até hoje. Luz vai saindo lentamente sobre os três deitados. O som continua cada vez mais alto, mais ensurdecedor. FILHO (voz off) O Midrash nos lembra que Lot teve sua salvação por ter gerado para o futuro dois preciosos descendentes: Rute, uma Moabita, que foi avó do Rei Davi; e Naama, uma Amonita, que foi uma das esposas do Rei Salomão. E assim, mantivemos acesa a chama e a tradição do povo Hebreu em tempos difíceis e em terras distantes. Pois eis a vontade de Iavéh... eis a nossa vida... eis a nossa Lei. A Mãe se ajoelha entre os filhos, retira a blusa, mostrando os seios, e os aninha em seu peito. 5. A Consagração Som estridente invade a cena, atabaques e batuque da festa “dos de fora”. O Escravo volta a cena dançando de maneira dionisíaca. Dança por entre a família, ainda ajoelhados e aninhados. A luz começa a sair lentamente. Após o B.O. se estabelecer, o som deve subir ao máximo e sair abruptamente depois de 15 segundos. Silêncio absoluto e escuridão absoluta. FIM 72 Séc. XVIII – Uma Botada Judaica Três mulheres. A primeira está parindo, envolta em uma saia vermelha, enorme. A segunda está rezando incessantemente em hebraico. A terceira realiza o trabalho de parto. Lá fora ouvem-se os sons da festa da Botada. As três estão sobre um platô que gira (guiado por um escravo), como uma moenda de cana. O platô gira dentro de uma cabana, como a festa judaica das Cabanas (Sucot). Ouve-se uma música judaica alegre. PRIMEIRA – Que meu corpo seja fértil como essa terra de massapé que meus avós escolheram pra viver, que essa criança seja um homem, o primogênito, o escolhido de Deus... SEGUNDA – Abençoe essa mãe, essa criança, essa terra, senhor...(em hebraico) TERCEIRA – Vamos, filha! SEGUNDA - Abençoe essa mãe, essa criança, essa terra, senhor...(em hebraico) PRIMEIRA – “Se uma mulher der a luz a um menino ficará impura sete dias.” TERCEIRA – Vamos, filha! SEGUNDA - Abençoe essa mãe, essa criança, essa terra, senhor...(em hebraico) PRIMEIRA – “não tocará coisa alguma consagrada e não irá ao santuário até que se cumpra o tempo da sua purificação.” TERCEIRA – Está quase... SEGUNDA - Abençoe essa mãe, essa criança, essa terra, senhor...(em hebraico) PRIMEIRA - - “Quando tiverdes entrado na terra que vos dou e fizerdes nela a ceifa, trareis ao sacerdote o primeiro feixe de vossa ceifa.Ele o oferecerá diante de Iaveh, com gesto de apresentação, para que sejais aceitos.” TERCEIRA –(Arranca a saia vermelha, concluindo o parto) aqui está. Tudo silencia. A segunda pára de rezar. A primeira toma o bebe nos braços. PRIMEIRA – Davi. A segunda mulher e a terceira começam a dizer outros nomes masculinos. Sons de festa. Risadas. Luz cai lentamente. 73 “SÉCULO XIX – NÚMEROS” 74 ESTUDO CÊNICO ÍNDIAS – FESTA - SÉC XIX Momento 1 Imagem da índia abrindo o espaço e anunciando (texto 1) um período de festa TEXTO 1 A partir do momento em que lançares a foice nas espigas, começaras a contar sete semanas. Celebrarás então as festas. E ficarás alegre com a tua festa e teu Deus vai te abençoar em todas as tuas colheitas e em todo trabalho de tua mão, para que fiques cheio de alegrias. Momento 2 Índia conduz o público para nicho onde se encontra outra índia mais nova deitada numa rede. TEXTO 2 Quando uma mulher tiver um fluxo de sangue e que seja fluxo de sangue do seu corpo, permanecerá durante sete dias na impureza das suas regras. Quem a tocará ficará impuro até à tarde. Toda cama sobre a qual se deitar com seu fluxo ficará impura; todo móvel sobre o qual se assentar ficará impuro. Todo aquele que tocar o leito dela deverá lavar as suas vestes, banhar-se em água e ficará impuro até a tarde. Se um homem coabitar com ela, a impureza das suas regras o atingirá e ficará impuro durante sete dias. Banho ritual de limpeza do sangue. Passagem de menina para mulher. AÇÃO – fumar cachimbo - dar o banho TEXTO 3 Não comerás nada que seja abominável. Eis os animais que podereis comer: boi, carneiro, cabra, cervo, gazela, gamo, cabrito e cabra selvagem. Podereis comer também de qualquer animal de casco fendido e que ruminem. Contudo háanimais com casco fendido de que não comereis: o camelo, a lebre e o texugo , que ruminam mas não têm o casco fendido; esses serão impuros para vós. Quanto ao porco, que tem o casco fendido, mas não rumina, vós os considerareis impuros. Não comereis de sua carne e nem tocareis em seus cadáveres. Momento 3 Índia mais velha conduz a índia mais nova para o varal de utensílios domésticos indígenas e dos homens brancos (cruzamentos de culturas) AÇÃO – pintura ritual – início do choro Momento 4 Índia mais velha conduz índia mais nova para o terreiro, casa das passagens. TEXTO 4 Portanto, se obedecerem à voz de teu Deus, cuidando de pôr em prática todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, teu Deus te fará superior a todas as nações da terra. Estas são as bênçãos que virão sobre ti e te atingirão, se obedeceres à voz de teu Deus: Bendito serás tu na tua cidade, e bendito serás tu no campo! Bendito será o fruto do teu ventre, o fruto do teu solo, o fruto dos teus animais, a cria das tuas vacas e a prole das tuas ovelhas! Bendito serás o teu cesto e a tua amassadeira! Bendito serás tu ao entrares, e bendito serás tu ao saíres! Teu Deus te entregará, já vencidos em tua frente, os inimigos que se levantarem contra ti e ordenará que a benção permaneça contigo, em teus celeiros e em todo empreendimento da tua mão; e te abençoará na terra que Ele te dará. AÇÃO – choro falseado aumenta a intensidade – uma despedida se anuncia – cumprimento entre índias – enterro da índia mais nova – canto da índia mais velha (texto 4) – passagem da morte da menina para a dança da mulher. MÚSICAS – cd índios Ashaninka + canto da união (Kariri xocó) TEXTO DO ESTUDO CÊNICO - ÍNDIAS Quando vocês chegarem ao mundo dos vivos, vocês vão envelhecer. Vocês terão que caçar, plantar e colher. Os vivos estão presos no céu. Há muito tempo nossos antepassados lançaram uma flecha aos céus amarrada num cipó ela se prendeu e abriu um buraco. Alguns subiram, mas os guerreiros ficaram embaixo, então o buraco fechou prendendo-os lá em cima. Quando vocês chegarem ao mundo dos vivos, poderão viver entre seus irmãos que ficaram presos lá cima. 75 Quando vocês chegarem ao mundo dos mortos, serão sempre jovens. Vocês estarão sempre festejando. Os mortos estão livres embaixo da terra. Há muito tempo nossos antepassados lançaram uma flecha aos céus amarrada num cipó ela se prendeu e abriu um buraco. Alguns subiram, mas os guerreiros ficaram embaixo, então o buraco fechou prendendo-os lá em cima. Quando vocês chegarem ao mundo dos mortos, poderão viver entre seus irmãos que ficaram livres lá em baixo. As bênçãos prometidas Portanto, se obedecerem à voz de teu Deus, cuidando de pôr em prática todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, teu Deus te fará superior a todas as nações da terra. Estas são as bênçãos que virão sobre ti e te atingirão, se obedeceres à voz de teu Deus: Bendito serás tu na tua cidade, e bendito serás tu no campo! Bendito será o fruto do teu ventre, o fruto do teu solo, o fruto dos teus animais, a cria das tuas vacas e a prole das tuas ovelhas! Bendito serás o teu cesto e a tua amassadeira! Bendito serás tu ao entrares, e bendito serás tu ao saíres! Teu Deus te entregará, já vencidos em tua frente, os inimigos que se levantarem contra ti e ordenará que a benção permaneça contigo, em teus celeiros e em todo empreendimento da tua mão; e te abençoará na terra que Ele te dará. Fluxo da mulher Quando uma mulher tiver um fluxo de sangue e que seja fluxo de sangue do seu corpo, permanecerá durante sete dias na impureza das suas regras. Quem a tocará ficará impuro até à tarde. Toda cama sobre a qual se deitar com seu fluxo ficará impura; todo móvel sobre o qual se assentar ficará impuro. Todo aquele que tocar o leito dela deverá lavar as suas vestes, banhar-se em água e ficará impuro até a tarde. Se um homem coabitar com ela, a impureza das suas regras o atingirá e ficará impuro durante sete dias. Animais puros e impuros Não comerás nada que seja abominável. Eis os animais que podereis comer: boi, carneiro, cabra, cervo, gazela, gamo, cabrito e cabra selvagem. Podereis comer também de qualquer animal de casco fendido e que ruminem. Contudo há animais com casco fendido de que não comereis: o camelo, a lebre e o texugo , que ruminam mas não têm o casco fendido; esses serão impuros para vós. Quanto ao porco, que tem o casco fendido, mas não rumina, vós os considerareis impuros. Não comereis de sua carne e nem tocareis em seus cadáveres. Festas A partir do momento em que lançares a foice nas espigas, começaras a contar sete semanas. Celebrarás então as festas. E ficarás alegre com a tua festa e teu Deus vai te abençoar em todas as tuas colheitas e em todo trabalho de tua mão, para que fiques cheio de alegrias. TEXTO DO ESTUDO CÊNICO - ÍNDIAS Quando vocês chegarem ao mundo dos vivos, vocês vão envelhecer. Vocês terão que caçar, plantar e colher. Os vivos estão presos no céu. Há muito tempo nossos antepassados lançaram uma flecha aos céus amarrada num cipó ela se prendeu e abriu um buraco. Alguns subiram, mas os guerreiros ficaram embaixo, então o buraco fechou prendendo-os lá em cima. Quando vocês chegarem ao mundo dos vivos, poderão viver entre seus irmãos que ficaram presos lá cima. Quando vocês chegarem ao mundo dos mortos, serão sempre jovens. Vocês estarão sempre festejando. Os mortos estão livres embaixo da terra. Há muito tempo nossos antepassados lançaram uma flecha aos céus amarrada num cipó ela se prendeu e abriu um buraco. Alguns subiram, mas os guerreiros ficaram embaixo, então o buraco fechou prendendo-os lá em cima. Quando vocês chegarem ao mundo dos mortos, poderão viver entre seus irmãos que ficaram livres lá em baixo. As bênçãos prometidas Portanto, se obedecerem à voz de teu Deus, cuidando de pôr em prática todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, teu Deus te fará superior a todas as nações da terra. Estas são as bênçãos que virão sobre ti e te atingirão, se obedeceres à voz de teu Deus: Bendito serás tu na tua cidade, e bendito serás tu no campo! Bendito será o fruto do teu ventre, o fruto do teu solo, o fruto dos teus animais, a cria das tuas vacas e a prole das tuas ovelhas! Bendito serás o teu cesto e a tua amassadeira! Bendito serás tu ao entrares, e bendito serás tu ao saíres! Teu Deus te entregará, já vencidos em tua frente, os inimigos que se levantarem contra ti e ordenará que a benção permaneça contigo, em teus celeiros e em todo empreendimento da tua mão; e te abençoará na terra que Ele te dará. 76 Fluxo da mulher Quando uma mulher tiver um fluxo de sangue e que seja fluxo de sangue do seu corpo, permanecerá durante sete dias na impureza das suas regras. Quem a tocará ficará impuro até à tarde. Toda cama sobre a qual se deitar com seu fluxo ficará impura; todo móvel sobre o qual se assentar ficará impuro. Todo aquele que tocar o leito dela deverá lavar as suas vestes, banhar-se em água e ficará impuro até a tarde. Se um homem coabitar com ela, a impureza das suas regras o atingirá e ficará impuro durante sete dias. Animais puros e impuros Não comerás nada que seja abominável. Eis os animais que podereis comer: boi, carneiro, cabra, cervo, gazela, gamo, cabrito e cabra selvagem. Podereis comer também de qualquer animal de casco fendido e que ruminem. Contudo há animais com casco fendido de que não comereis: o camelo, a lebre e o texugo , que ruminam mas não têm o casco fendido; esses serão impuros para vós. Quanto ao porco, que tem o casco fendido, mas não rumina, vós os considerareis impuros. Não comereis de sua carne e nem tocareis em seus cadáveres. Festas A partir do momento em que lançares a foice nas espigas, começaras a contar sete semanas. Celebrarás então as festas. E ficarás alegre com a tua festa e teu Deus vai te abençoar em todas as tuas colheitas e em todo trabalho de tua mão, para que fiques cheio de alegrias. 77 ROTEIRO ZÉVALDIR - SÉCULO XIX Cena - I Iahweh, em forma grandiosa e iluminada (ator em uma perna de pau) fala a Moisés, que é pequeno e esta na escuridão. Iahweh - Sobe a esta montanha e contempla a terra dos canaã que eu dou como propriedade aos Israelitas. Morreras no monte que tiveres subido e iras se reunir aos seus, pois fortes infiéis a mim. Por isto contemplara atua frente, mais não poderá entra nela, na terra que estou dando aos israelitas. (números 21-22) Cena – II A Terra prometida Um barco atravessa o palco (A sonoplastia da um som de mar, realizado pela atriz Carol Badra). O homem buscou, busca e sempre buscara uma terra prometida seja , á pé, de arca, de caravelas, de avião ou foguetes. Esta busca é uma necessidade do ser humano nunca terá um fim. Entra em cena um padre carregando o corpo de cristo simbolizado por uma cana. Enquanto o barco segue seu percurso o padre crucifica o cristo (cana). O Padre acende as velas e corta o fio que sustenta o barco (agora quem levara à terá prometida será ele, o padre) Padre - Chega de preto. Inicia-se a missa. Padre - Homilia da palavra. Corta três pedaços da cana como se dividisse o cristo em pai, filho e espírito santo. Enterra os três pedaços de cana, ligando o corpo de cristo ao plantio da cana. Cada cova é iluminada por uma vela e tem uma cruz onde se lê o tipo de cana que esta em cada cova, também se lê o símbolo de nascimento e morte. O Padre reza ao pé do altar Padre – Em verdade eu vos digo. È morrendo que se vive para a vida eterna. Tu serás enterrado, crucificado, queimado, o seu corpo empilhado, percorrera a via cruzes e será esmagado. Será sepultado na casa dos mortos. Do pó veio e para o pó voltara Ressuscitara ao terceiro dia e será o onipresente, onipotente, onisciente. Tu sois cana e sobre tu construirei a minha igreja. Cena – III O Conquistador O Soldado Poe seu capacete e sua espada e diante das covas,do padre e da igreja, ele promete a conquista da nova terra em nome da fé. Soldado - Só Tu, cana e os israelitas ganharam a terá prometida, o resto vai ter que conquistar na espada. Apanha a corda, e puxa os seus canhões, segue para o campo de batalha (quintal do teatro). Arrastando os canhões vagarosamente enquanto comete o autoflagelo, ao chegar ao campo de batalha dispara seus canhões de onde saem bolas de confetes coloridas. O ator sai com um pequeno guarda chuva colorido em um passo de frevo. O homem busca a terra prometida para encontrar a sua própria felicidade. FIM . 78 ROTEIRO WS SÉCULO X IX - (KATIA, CAROL, ERICA, CRIS, PAULO, MARCELO, ATAIDE,EDUARDO, SIMONE, VIVIANE, LUCIANA, MARIANA e RAFAELA) PROLOGO – PROCISSÃO DOS MORTOS (APENAS MUSICA) - *POSSIVEL CENA DOS JUDEUS 1º MOVIMENTO: NARRATIVA MITICA Cena das irmãs sobre a PROCISSÃO DOS MORTOS (Katia e Erica)- passagem da Bá; CENA CRISTÃOS SEC. XIX – A Encomendação das Almas Duas irmãs, trancadas em uma sala, ouvem a procissão das almas, aterrorizadas. IRMÃ 1 (com medo) – É a procissão das almas... IRMÃ 2 – É... IRMÃ 1 (medo crescente) – É coisa de gente morta... IRMÃ 2 (gostando do medo) – É... IRMÃ 1 – É coisa de alma penada... IRMÃ 2 – É... IRMÃ 1 – AI, MEU DEUS!!! Pai Nosso, que estás no Céu... IRMÃ 2 – Vamos espiar! IRMÃ 1 – NÃAAAAO! Você não sabe que não pode abrir a janela?! IRMÃ 2 – Sei... IRMÃ 1 – PAI NOSSO... IRMÃ 2 – Você sabe pra que serve essa procissão? IRMÃ 1 (em pânico) – Sei! Pra encaminhar gente morta!!! IRMÃ 2 (sabichona) – Não é bem assim...É pra encaminhar as almas que estão no purgatório...almas que pedem socorro...essas pobres vítimas do pecado, que sofrem num lugar horrível, chamado purgatório, onde há labaredas de fogo, imploram pra que os vivos interfiram, pedindo a Deus o alívio de suas penas... IRMÃ 1 – Tá bom, não quero mais saber... IRMÃ 2- Por exemplo, irmãs malvadas que fazem sofrer a irmã mais nova...Tendem a ficar muito tempo no purgatório, sofrendo com o calor das labaredas de fogo e as cutucadas de garfo do cafuti! IRMÃ 1 – Mentira! IRMÃ 2 – Verdade...Só a procissão pode salvar essas pobres almas...rezando em coro, pedindo a salvação, suplicando piedade ao senhor...O povo tomando parte direta no sagrado empenho da salvação. O ponto de partida são as cantorias horríveis da procissão, cujos ecos vão diminuir os suplícios do fogo purificador... (ouvem a procissão) IRMÃ 1 – É a procissão passando... IRMÃ 2 - ...Às sextas-feiras, ao toque da meia-noite, quando as cidades e povoados estão vazios, quando os lobisomens, as caiporas e as mulas correm livres pelas ruas, é nessa hora que se começa a ouvir o afinar derradeiro dos instrumentos, é nessa hora que, à porta das igrejas, vemos vultos vestidos com uma espécie de mortalha branca, com a cabeça coberta, deixando ver a boca e os olhos, iluminados por pequenas lanternas de papel com a luz voltada para o rosto... 79 IRMÃ 1 – Ai...É a procissão passando... (ouvem a procissão) IRMÃ 2 - A um dado momento, estando tudo pronto, os encomendadores das almas descem lentos e rompendo a marcha, a campainha vibra metálica, a matraca bate, e a procissão começa, tétrica, pavorosa e de fazer arrepiar os cabelos! IRMÃ 1 – AAAAAAAAh! IRMÃ 2 - ...Difundindo o pavor em seu trânsito incerto e cheio de assombro... Adiante, vagaroso, cadenciado, de cabeça erguida, o portador da cruz das almas segue imperturbável, entre dois indivíduos cabisbaixos, com vestimentas idênticas e amparando as luzes das velas metidas em cartuchos de papel, que recebe das trevas o reflexo das lanternas acesas... E a procissão passa... Sendo da crença popular que ninguém pode abrir as janelas e as portas pra ver a tétrica passeata, pois que alem de cometer gravíssimo pecado, todos morriam de medo, visto que as almas do purgatório fazem parte da comitiva macabra, e nunca se sabe se uma ou outra alminha perdida podia aproveitar a fresta da janela e... IRMÃ 1 – Ai meu deus! IRMÃ 2 - ...a solidão estende-se em seu trajeto e circunda o ambiente envolto em trevas medrosas e profundas... Além dos três personagens fantásticos já mencionados, que iniciavam a reza sombria, tem outro que com voz cavernosa, lúgubre e como saída de um túmulo, canta admiráveis trechos musicais aos compositores da terra.... (ouvem) IRMÃ 2 – Depois vem o resto menestréis das almas, envolvidos em roupas de neve com buracos nos olhos e boca, formando uma abóbada funebremente sonora... (ouvem) Ouve-se preces, choros, rumores...são as alminhas que sofrem no purgatório... E a procissão passa... Quando a matraca emudece, o silêncio cresce taciturno e misterioso.... (pausa dos sons) Um vulto toma a frente, como se fosse uma alma penada, produzindo sons despedaçadores... (voltam os sons) ...e depois entoa silábica e monotonamente cruel, a pavorosa lamentação: “pecador endurecido”... A impressão que isto produz é horrível, não se pode imaginar o efeito sobrenatural dessas composições especiais sobre os espíritos fracos e de credulidade exagerada....Um pai nosso e uma ave Maria, por alma dos presos da cadeia, dos afogados...Penitentes surgiam daqui e ali, vestidos de mulher, coroados de espinhos, e com costas nuas acoitando-se a sangue... A Procissão passa... Junto a algum oratório aceso ou cruz das almas, as lamentações, aves marias, pai nossos, e salves rainhas, em tons fúnebres.... Este espetáculo terrível, que impedia de respirar livremente, que povoava de terrores os sonhos infantis, e a crendice popular, findava ao cantar do galo. Corre na tradição que o imprudente que profanar o mistério, um frade sem cabeça vem entregar-lhe uma vela, vindo buscá-la na manha seguinte...ao imprudente e aos seus irmãos ou irmãs... Dizem que é uma alma penada ou diabo disfarçado para assombrar as criaturas... (faz menção de abrir a janela) 80 IRMÃ 1 – Naããããããããão! IRMÃ 2 (Gargalha. Depois de um tempo diz) – Que águaé essa molhando meu pé? IRMÃ 1 – Eu...eu...eu ME MIJEI! CENA JUDEUS Mulher das vestes – Para ricos e pobres, uma mortalha limpa, livre do mal do mundo, lençol de linho branco. Para este que é nosso, um caixão simples de madeira. (Uma segunda mulher avança. Ela traz outra veste que parece terminar de fiar.) Mulher da purificação – Sabe-se que Adão e Eva esconderam-se na árvore do Éden, quando escutaram o divino julgamento. Este foi o sinal para teus descendentes de que, quando morrerem e estiverem preparados para receber sua recompensa, devem ser colocados em caixões de madeira. Mulher das vestes - O mandamento é enterrar sem delongas. Assim como veio, o nosso deve ir. É assim a democracia da morte. Pousaremos a cabeça num travesseiro cheio de terra e três pazadas de terra serão lançadas sobre o caixão. (As duas outras levantam o corpo do morto, inicia-se a limpeza do corpo) Mulher da purificação - Sempre enterrados na terra os corpos mergulham no reservatório vasto da natureza para a renovação da vida, pois a morte é a crise da vida. As duas - Que o Seu grande Nome seja exaltado e santificado no mundo que Ele criou conforme Sua vontade. Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Direi do SENHOR: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei. 2º MOVIMENTO: Cena morte do Sr. De Engenho (Ataide e Eduardo) “O vingador de sangue” “O contrato” (Ouvem-se toques de trombetas e em seguida latidos de um cão, o Rompe-ferro, do lado de fora da casa-grande. O Rompe- ferro é um cão de extraordinária corpulência e agilidade e, dizem, de qualidades sobrenaturais) (No alpendre da casa-grande vê-se o senhor de engenho. Ouve-se um pedido de silêncio ao cão. Entra o Contas Verdes) 81 Sr. de engenho – O nome do safado é Felix. Um velhaco de cor fula. Fugiu só de calça de estopa. Me roubou grossa quantia de moedas de prata. Quero ele aqui vivo. Logo. Quero marcar a fogo esse fujão desgraçado. Taí a foto dele que foi pro Diário de Pernambuco (risos irônicos) Contas Verdes (pega a foto e vai saindo sem nada dizer e para ao ouvir o senhor de engenho) Sr. de engenho – Te chamei porque soube que tu é Malê e mandingueiro. É dos tais contas verdes que veio da África. Usa teus artifícios. Contas Verdes (sai sem nada dizer) (Voltam os latidos do Rompe-ferro e, concomitante, as trombetas) “O acerto de contas” (Ouvem-se novamente toques de trombetas que vão saindo lentamente. Silêncio) (O senhor de engenho – apeado – e o Contas Verdes – armado – encontram-se “casualmente” numa longa e estreita passagem sem a menor curva até certa distância nos arredores do engenho) Contas Verdes – me chegou nos ouvido que mode o inhô frente com eu ia me dá umas chibatadas... Sr. de engenho (silencioso) Contas Verdes – oxe! Frentamos, né? Sr. de engenho (continua silencioso, mas desconfiando do que pode suceder) Contas Verdes – (Oferecendo ao senhor de engenho uma pitada de rapé) inhô? Sr. de engenho (já certo do que estava prestes a acontecer, montou e deu de esporas em seu cavalo) (som de galope crescente que vai se misturando ao som do latido de Rompe-ferro e ao som das trombetas) (O Contas Verdes guardou seu rapé, curvou-se num só joelho, apontou sua espingarda na direção do senhor de engenho e fez fogo (ouve-se o tiro) com o efeito que desejava e continuou calmamente seu caminho) (Ouvem-se toques de trombetas em crescente) 3º MOVIMENTO: Encontro da Filha/sinhá com o negro e interferência de Bá (Katia, Zé Valdir e Cris) 4º MOVIMENTO: Canto das Irmãs/filhas (Katia, Erica, Vivi, Simone, Mariana, Cris); Texto de Cris: A HERENÇA DAS FILHAS – CAP. 27 / NÚMEROS/ PENTATEUCO As filhas de Saifaad vieram questionar e reinvidicar a Moisés e Eleazer a herança de seu pai, apesar deste não possuir filhos homens, pois seupai não era do grupo que se formou contra Iahweh ( O CASTIGO DO PECADODA INCREDULIDADE NÃO ABOLIU OS DIREITOS DA GERAÇÃO SEGUINTE; O CASTIGO DO PECADO DE CORÉ ATINGE A DESCENDENCIA DOS REBELDES). Moisés levou o caso a Iahweh e este falou a Moisés: “dar-lhes uma propriedade que será a herança delas no meio dos irmãos de seu pai; transmitirás a elas a herança do pai (...) falarás, então, aos israelitas: se um homem morrer sem deixar filhos, a herança será da filha. Se não tiver filha, aos seus irmãos. Sem irmãos, a herança será dos tios. Se o pai não tiver irmãos, a herança é do Clã que é seu parente mais próximo” 82 5º MOVIMENTO: LEITURA DO TESTAMENTO (Marcelo, Eduardo, as 11 filhas e Zé Valdir) TESTAMENTO DO SR. SÉC. XIX Traslado do testamento com que falleceu o Capitão José Rubens de Medeiros. Mil oitocentos setenta e oito. Juizo da Provedoria dos Reziduos do Termo de Alcobaça. Escrivão José Bernardo do Valle Triste. Autos civeis de acção de testamento com que falleceu o Capitão José Rubens de Medeiros para prestação de contas em tempo competente. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos setenta e oito, aos nove dias do mês de outubro do dito ano, nesta Villa de Alcobaça, em meu cartório autuo o testamento com que falleceu o Capitão José Rubens de Medeiros a fim de produzir os devidos efeitos, e ao diante junto o referido testamento, que hé o que ao diante se segue: do que e para constar fiz esta autuação. Eu José Bernardo do Valle Triste, escrivão, que escrevy. Testamento. Em nome de Deus. Amém. Eu José Rubens de Medeiros , filho legitimo do Capitão João José Rubens de Medeiros e Dona Urçula Marianna das Virgens, já fallecidos, nascido e baptizado nesta Freguesia de São Bernardo, morador nella desde minha infância, achando-me de pé, em meu perfeito juizo e entendimento, por me temer da morte, e não saber quando Deus Nosso Senhor será servido chamar-me para si e desejando encaminhar a minha alma para a salvação, ordeno o meu testamento na forma seguinte. Primeiramente, encomendo a minha alma a Deus, meu criador; e rogo ao Eterno Pay que pelas entranhas de seu Unigênito filho, a queira receber, condescendendo-se das minhas mizérias, e a Virgem Maria Nossa Senhora, e ao Anjo de minha Guarda, ao Santo de meu nome, e ao meu Glorioso Padroeiro São Bernardo, e a todos os mais Santos e Santas da Corte Celestial, porem principalmente a aquelles de minha especial e particular devoção, sejão meus advogados e intercessores no Tribunal Divino, para que, quando subir deste Valle de peregrinação, vá gozar de Bem-Aventurança, para a qual fui criado; porque como verdadeiro Christão protesto viver e morrer na santa fé Catholica apostolica Romana, e nella unicamente espero salvar-me pelos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Christo, nosso Redemptor e medianeiro. Deixo por minha alma duas capelas de missas. Deixo por alma de meus pais uma capella. Deixo por alma de minha mulher uma capella. Deixo por alma de minhas filhas uma capella. Deixo por alma de meus escravos falecidos meia capella. Deixo por alma de todos com quem tive negocios meia capella. Deixo por alma de meus irmãos fallecidos meia capella. Deixo por alma de José meia capella. Deixo ao Anjo de minha guarda oito missas, oito as almas do purgatorio; quatro a São Bernardo, quatro a Nossa Senhora, quatro ao Santo de meu nome, quatro a são longuinho, quatro a Santo Antônio; declaro que todas essas missas meu testamenteiro dará dizer na Bahia. Declaro que sou Cidadão Brazileiro, honra de que muito me prezo. Declaro que fui cazado com a senhora Dona Euphrasia Maria de Jesus, e hoje me acho no estado de viuvo. Declaro que deste consorcio tive ONZE filhas, que são: Helga de Medeiros, Melca de Medeiros, Noal de Medeiros, Naal de Medeiros, Tersa de Medeiros, Mara de Medeiros, Gad de Medeiros, as gêmeas Ebrona e Emona de Medeiros, Lebina de Medeiros, Carolina e Ceelatina de Medeiros. 83 Declaro que ainda no final deste documento, relatarei outro sangue de meusangue e o tutor maior de minhas posses. Declaro que deixo da minha terça a minhas filhas HEGLA e MELCA DE MEDEIROS um lance da caza assobradada onde moro; Declaro que as filhas NOAl e NAAL DE MEDEIROS a metade da mobilia que houver dentro da dita caza, sendo a outra metade para as filhas TERSA, GAD e MARA DE MEDEIROS ; deixo para as gêmeas EBRONA e ESMONA DE MEDEIROS meu estimado piano de caldas, por fim deixo para as caçulas LEBINA e CEELATINA DE MEDEIROS deixoa infanta escrava de 7 anos, Joelma da Silva Elufa. Declaro que deixo o escravo Luis criôlo, o escravo Pio, e mais trez contos e quatrocentos mil reis para meu padrinho JOÃO DE SRVILHA. Declaro que as dividas que se me dão constão de meus livros de assentos, e de letras, ficos , creditos e Escripturas publicas. Declaro que meu enterramento será feito a disposição de meu testamenteiro da maneira que peço: quero ser carregado por seis escravos meus, e acompanhado pelas pessoas que queiram acompanhar sem serem convidados, sem pompa alguma será feito o meu enterro. E por esta forma hei por concluido este meu testamento de ultima e derradeira vontade e por elle derrogo a outro que qualquer anteriormente feito, e quero que só este valha tenha inteiro vigor. Peço as Justiças de sua Magestade Imperial e Constitucional o Senhor Dom Pedro segundo desse a estas minhas disposições inteiro vigor, as quais estando em tudo conforme por ser feito de meu proprio punho e assigno. Agora, como antes prometido neste documento, deixo por este desasegredar e, portanto declaro por último ato, que o que sobrou de todas as minhas posses, incluindo os equitares canaveeiros e as máquinas de produção, assim como todos os escravos ainda sem alforria, passam a ser de propriedade do meu único filho, até então mantido em segredo, o escravo alforriado apartir de hoje, JOSÉ DE ALCANTARA E SILVA e também a levar de hoje em diante o nome de meu pai José de Medeiros. E assim firmo este real documento. Alcobaça, vinte seis de dezembro de mil oitocentos setenta e sete. José Rubens de Medeiros. 6º MOVIMENTO: REVELAÇÃO FILHO BASTARDO (Zé Valdir , Marcelo, Eduardo e as 11 filhas) 7º MOVIMENTO: ENTERRO JUDEU Texto das duas judias da Chevra Kadisha (elas caminham e falam) Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa. Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel. Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia, Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia. Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti. Somente com os teus olhos contemplarás, e verás a recompensa dos ímpios. Porque tu, ó SENHOR, és o meu refúgio. No Altíssimo fizeste a tua habitação. 84 Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em pedra. Pisarás o leão e a cobra; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente. Porquanto tão encarecidamente me amou, também eu o livrarei; pô-lo-ei em retiro alto, porque conheceu o meu nome. Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei. Fartá-lo-ei com longura de dias, e lhe mostrarei a minha salvação. 85 Roteiro – Estudo cênico século XIX – Cris Rocha - PURGATÓRIO Penumbra, bancos espalhados pelo espaço. Sobre um monte de terra, uma mulher (com lágrimas de sangue nos olhos) de bruços como uma náufraga. Cruzes de madeira preenchem o espaço. É o purgatório. Na porta, um anjo guarda o local segurando uma enorme espada nas mãos. Luz. Foco na mulher morta. Som de réquiem (suave). Enquanto ela fala, os crucifixos começam a subir. Texto: Em minha última lembrança, os vivos passeavam sobre os mortos. Na hora de minha última expiração. E agora? Prisioneira estou desta vil matéria? Desta mamorra escura a sofrer a miséria? (olhando ao redor) Só vejo ossos, carcaças, esqueletos, pó...nessa grande ilha, nesse grande reservatório de fantasmas Por que estou aqui? (ela anda em círculos) O que existe no cume da montanha, Senhor? Se vós souberdes, mostrai-me o caminho! Minha fé me liberta ou me aprisiona? (Silêncio) (Encontra uma garrafa com um papel dentro) Lê: Se a obra de alguém se queimar sofrerá ele dano; mas ele mesmo será salvo, todavia, através do fogo. O fogo do purgatório será mais terrível do que todo o sofrimento corporal reunido. Um único dia neste lugar de expiação poderá ser comparado a milhares de dias de sofrimentos terrenos. (fala para o crucifixo) Pensei que o mestre havia me abandonado. Canta e consola minha alma fatigada depois de uma viagem tão cansativa! (canta como num transe) Eis-me aqui perante a luz. O fogo me rodeia e me protege. (a luz começa a ficar vermelha e vai se intensificando) (os crucifixos vão caindo. Ela pega um por um e os coloca no pescoço, enquanto fala): Agora sigo para o segundo reino, onde a alma humana se purifica e se torna digna de elevar-se ao céu. Me purifica Senhor! Benditos os que têm fome! Benditos os que suportam! Benditos os náufragos! Benditos os insaciáveis! Benditos os que desejam ao Senhor! Fogo! Fogo! (a música vai ficando cada vez mais intensa) Quem será digno, Javé, de habitar o teu santo monte? (para o público): Espíritos preguiçosos! Quanta negligência estardes aqui folgados, perdendo o vosso precioso tempo! Ó orgulhosos cristãos, miseráveis e cansados! Não vedes que somos meras larvas, nascidas para formar a angélica borboleta que à Justiça voa? Correi logo para livrar-vos da sujeira do mundo que vos oculta à vista de Deus! Eis a serva de Deus! A ti pertenço Pai! Salva-me! Salva-me! B.O. (a mulher sai) - FIM Bibliografia complementar: A Divina Comédia, de Dante Alighieri Fausto, de Goethe O cuidado devido aos mortos, de Santo Agostinho 86 ROTEIROS SÉCULO XIX JOSÉ JARDIM - - 1 - ROTEIRO INGLESES - Séc. XIX José Roberto Jardim - 20/08/2011 1. Arrival Platéia aguarda no Anexo. O INGLÊS vem de fora, pára ao ver todos, em silêncio. Apenas os encara. Ele vem vestido com roupas de “imigrante”: calças e colete marrons, boina, um casaco escuro e um saco com ferramentas. Olha para a cozinha e joga algumas moedas sobre o balcão, então lhe servem um “pinch” de cerveja, que bebe de um só gole. Fica olhando para o relógio, esperando o horário de começar o trebalho... 2. Working Day Uma sirene soa. INGLÊS- (cuspindo no chão e encarando as pessoas) Bloody Hell...! O Inglês fica de pé no hall anterior ao Salão, em cima da escada. Abre sua sacola e começa a retirar as ferramentas. Olha para todos. INGLÊS- Ladies and Gentlemen, make a queue right in front of me. Talvez todos comecem ou demorem para entender e seguir suas ordens. INGLÊS- Is there someone here can fucking understand what am I saying?! Hurry up, lazy bastards! Here... a queue... a line... one by one! God...! Todos serão estimulados a fazer uma fila. INGLÊS- First...! Come here, monkey! Um a um serão avaliados e alguns receberão um papel com um número: a senha para poderem trabalhar na fábrica. O Inglês escolherá apenas os homens, deixando as mulheres de fora, mas sempre sendo gentil e sedutor com elas. INGLÊS- Hi, lovely! Hum... sorry, but you are not exactly what we are looking for. Ele acaba de distribuir todas as senhas. Os observa. 3. The Industry Uma segunda Sirene soa. O Inglês abre as portas do Salão. Um som ensurdecedor de máquinas e engrenagens toma o espaço, Indústria. 87 INGLÊS- Come on, fucking bastards! It’s time to make some money. Move your lazy asses, monkeys! Ele entra e chama todos para segui-lo. O ambiente é sujo, escuro e esfumaçado. Há pelo Salão alguns lugares com placas numeradas, correspondentesaos números dos selecionados. O Inglês começa a chamar um a um para seu serviço, sempre gritando por cima do som industrial. INGLÊS- Number one!... Number two... Number three... Cada um que é posicionado, recebe instruções sobre o seu serviço: Aparafusar porcas; Torcer parafusos; Carregar carvão com uma pá; Transportar caixotes; Martelar ferros; etc... Todos começam a trabalhar em suas funções. Tempo. 4. Lunch Time Uma terceira sirene soa. O som industrial para gradualmente, como se as máquinas estivessem parando de trabalhar. Permanece um som de caldeiras e vapores saindo sob pressão. O Inglês também para e limpa o suor com seu lenço de bolso. Agora ele está todo sujo de carvão, suado e só de regata branca. INGLÊS- Ok, lazy monkeys! Lunch time! O Inlges vai até uma mesa e a descobre, revelando pratos, copos e um barril de chope. Há batatas, pão, salame e ovos para serem servidos em pratos, assim como copos para serem usados para o chope. O Inglês começa a se servir, dando o exemplo. INGLÊS- You are not hungry? That is funny! Come on... wick steak, break easily! Ri da sua própria piada e senta-se para comer. Todos sentarão para comer. Silêncio entre eles. O Inglês termina de comer antes deles, pega o seu “pinch” e começa a andar por entre eles, os observando. 5. Football O Inglês pega o saco e mostra que há um volume redondo dentro. INGLÊS- Do you like sports? I will teach you a very fun sport. A Sport very popular in England... We don’t use hands, only our feet... don’t be afraid, some day you will thank me for introducing you to... Põe a mão dentro do saco e retira uma bola de futebol. INGLÊS- ...The Football! 88 Joga a bola no chão e começa a driblar os operários. Chuta para eles, corre, joga, separa todos em times... chuta ao gol... Todos começam a jogar. INGLÊS- You will be a “Goalkeeper”! ...You, a “Quarterback”!... You stay at the “Corner”... Todos estão jogando. Tempo. 6. Second Round Soa a sirene. O som de maquinaria industrial recomeça, muito alto. Imediatamente ele se levanta e começa a gritar para que parem de comer e voltem a trabalhar nas suas funções. INGLÊS- Come on, bastards! Let’s go back to work, lazy monkeys! Todos voltam ao trabalho. Tempo. 7. Tea Break Soa a sirene. O som industrial pára. INGLÊS- Tea break! O Inglês pega algumas xícaras e uma garrafa e distribui chá com biscoitos. Anda por entre os empregados. O Inglês da corda em um gramofone: musica Elisabetana inicia durante toda a cena. 8. English Legacy O Inglês vai ao saco e revela uma outra forma redonda, como uma bola. INGLÊS- And now, one more English pleasure. Besides this beautiful song, a great one,… played way before the football on English lands... centuries before, and still powerful… Retira o crânio do saco e o segura como Hamlet, de maneira ultra clichê. INGLÊS- “To be or not to be: that is the question”. The theatre of Shakespeare? O Inglês pega um bandeira francesa e limpa a sua boca com ela. Todos o olham. INGLÊS- Do you like history? O Inglês coloca placas penduradas nos pescoços dos “operários”, escrito Spain, Portugal, Prussia, Austria, Russia e England. 89 INGLÊS- I’m going to do a small play to you, and show how the Devil fells beneath our feet! Começa a tocar a Marselhesa, hino francês, instrumental. INGLÊS- Fucking French people... They didn’t expect the great British arm coming upon them! O Inglês se enrola na bandeira francesa, como uma toga romana. INGLÊS- Now, I’m French! Maintenant je sui français... (ri) O Inglês encontra e veste um chapéu de Napoleão, escrito: Napoleon. INGLÊS- Maintenant je sui Monsieur Bonaparte! Mas vira o chapéu e na parte de trás está escrito: Richard III. Ele pega um megafone, um “cone acústico”, e começa o seu discurso: Começa a tirar sarro, andando de joelhos, pondo a mão no peito, tropeçando e ficando de quatro... 9. The Dawn Soa a Sirene. O Inglês imediatamente volta ao trabalho, assim como os Operários. Então começa a se limpar, “banho-tcheco”, e trocar de roupa, colocando uma bem chique, pomposa. Agora o som é de um Trem, uma Maria Fumaça, chegando e freando na estação. O Inglês pára de trabalhar e leva os “produtos” feitos pelos operários para fora, como se levasse para o trem. Som ruidoso do Trem partindo e indo embora, até sumir no infinito. O Inglês começa a finalizar o dia. Vai de um em um, dispensando todos do Dia de Trabalho, e lhes entrega um envelope com o Pagamento do Dia. INGLÊS- Thanks for the day, mister! Thanks! Tomorrow same place, same fucking hour! Todos começam a ser dispensados e sentam-se na platéia, por indicação do Inglês. INGLÊS- See you all tomorrow, and tomorrow, and tomorrow...! Ri da sua piada, pois volta ao tom Shakespeariano da cena anterior. INGLÊS- Now, to end lightly this day... Nothing better than a good Scotch in the English Country Club, my friends! See you there! 10. Relax Country Club Agora o Inglês está sozinho na fábrica. O Inglês vai até o gramofone e põe a musica “Green sleeves” instrumental, que começa a tocar suavemente. Continua a se arrumar de maneira chique. Levanta um grande espelho que usa para se pentear e fazer os ajustes finais. 90 Ele está de costas para a platéia, apenas observando o público pelo reflexo. A luz da cena diminui e fecha apenas no Inglês. O Inglês retira uma bandeira do Brasil e outra da Inglaterra dos bolsos. Lentamente começa a recitar, como para si, para o público... para a vida: ATOR To be, or not to be... O Inglês, completamente arrumado, vira-se para a platéia durante a sua fala. O Inglês fica completamente parado, extático, diante do público, apenas olhando. Ouvimos uma Música de Villa-Lobos, suavemente entrando. A luz começa sair lentamente, conforme a musica avança. Fim da música. Silêncio. Escuridão. Fim. FIM - 2 - ROTEIRO INGLESES - Séc. XIX - José Roberto Jardim - (06/09/2011) 1. Arrival Música Elisabetana começa no Anexo. Ao terminar a porta do Salão se abre. Na entrada da porta, o ATOR e o MÚSICO estão recebendo as pessoas. Ator e Musico estão vestidos como atores “mambembes trovadoristas”: rufos, capas, botas, rostos pintados. Público entra e senta-se na platéia, um palco italiano se estabelece. O Espetáculo “de rua” vai começar. O Ator bate 3 vezes no chão, como os toques de Molière antes de iniciar um espetáculo. Ele está sentado, apoiado numa espada. Postura imponente e “enigmática”. ATOR This is a fair history of a new country, Where the English men came hungry, This beautiful, hot and tropical sand, 91 We choose to stay and fight for tis’ Brazilian’s land. Our journey begin back in sixteen century, And I ask you for forgiveness and serenity, When Elizabeth and Shakespeare were along, I am going abuse and sing a Bard’s song. Through the ages, kings and queens were decapitated Heads and crowns rolled over the English state, When Landlords and the Holy Church weren’t safe, People over and over began to loose their faith. This is the scene where we start this war, Now looking back to nineteen century not so far. Shakespeare and his words going to be my guide, Through France, Napoleon and his greed world wide. Desce da platéia para começar a pantomima. ATOR “Two households, both alike in dignity, In fair Verona, where we lay our scene, From ancient grudge break to new mutiny, Where civil blood makes civil hands unclean.” Entra música. Marselhesa. Começa a se vestir de Napoleão e se ajoelha., ou se desfigura como Richard III. Pinta o rosto com traços negros nos olhos. Veste o chapéu típico usado por Napoleão. Começa a pantomima das conquistas dos países durante as guerras Napoleônicas. ATOR - Le Monde est a moi! Seulement a moi! Começa a andar de encontro a bandeiras previamente fincadas pelo salão. ATOR I want Portugal! Portugal will be mine…! Pega a bandeirade Portugal de maneira cômica. Caminha para outro e solta um peido com a boca. 92 ATOR Spain is my bitch! Come on, Spain, come to papa! Pega a bandeira da Espanha de maneira cômica. Caminha para outro e solta um peido com a boca. ATOR I want Austria! Pega a bandeira da Áustria de maneira cômica. Caminha para outro e solta um peido com a boca. ATOR Now is your turn, Prússia! Pega a bandeira da Prússia de maneira cômica. Caminha para outro e solta um peido com a boca. ATOR That is Rússia? Ops Daisy... Better take of! So fucking cold…! Não pega a bandeira da Rússia e foge dela. Caminha para a bandeira da Inglaterra, com medo. ATOR Oh, no... oh, dam it... Oh, no... not you... please no... sorry... I didn’t want to boder... sorry, England! Sorry, England! Sorry, United Kingdom! Sorry! Som de bombas e explosões, curtos. Começa a chorar e recuar. Tenta virar-se e correr. ATOR ... A horse! A horse...! My kingdom for a horse! Cai no chão e levanta as mãos, se rendendo. ATOR ... oh, Merde! **Inicia uma nova musica, algo inglês, bem suave, mas fúnebre (Réquiem?)** Começa a retirar o chapéu e a se “desmontar” de Napoleão, ao recitar sua morte. A musica sai durante a fala dele, para terminar em Silêncio. Já sem o chapéu de Napoleão, que tirou durante a fala, ele se senta na platéia, junto ao público, abandonando a cena. Permanece completamente neutro, apenas observando “o ator/musico” que restou em cena. 93 Tempo. Então começa a rir e a aplaudir a si mesmo. ATOR (ri) God save Waterloo...! (rufada de tambor bélico) God save Trafalgar...! (rufada de tambor bélico) God save Sir Duke of Wellington...! (rufada de tambor bélico) GOD SAVE THE KING GEORGE III...! Volta ao centro do Salão e re-inicia. ATOR This is how England start their power in the world Making industries, machines and from the iron, gold. A lot was said about Pernambuco, Brazil and all, And besides the work, we gave you the great football. Unfortunately our humble play is about to end, I have to say good bye and disassemble my tent. Farewell, my good fellas, but I have to go, My bread is about to burn in the stove. Brazil is such a wonderful place to be, No better country in the hole world you’ll see. I hope this land succeed till twenty century, Because England is part of your History. Farewell... Farewell... Pega as bandeiras do Brasil e da Inglaterra e diz: ATOR / ROMEO and JULIET “For never was a story of more woe Than this of Juliet and her Romeo.” Ri. Pede aplausos e agradece, como uma diva pomposa. Tempo do término do espetáculo. Então senta-se cansado e começa a tirar a maquiagem. *O Músico também senta-se junto, desmontando-se?* Acende um cigarro e pega um copo de whiskey. 94 A luz de serviço é acesa. Começa a desmontar seu “teatrinho” lentamente, cansado. Então olha para as bandeiras do Brasil e da Inglaterra , ou caipirinha e whiskey. Os olha muito. Retira da sua mala o Crânio de Yorik, o olha. Depois encontra um revolver lá dentro. Continua olhando para os dois, reflexivo: Começa a por roupas atuais. Fala suavemente para YORIK. ATOR / OTHELLO Ay. Desdemona… (…) Will you come to bed, my lord? (…) Have you pray'd to-night, Desdemona? (…) Ay, my lord. (…) Ay, I do. (…) Then heaven Have mercy on me! (…) Amen, with all my heart! Ri amargamente de si mesmo. Os dois terminam de se vestir, fecham a mala, guardam o instrumento e vão embora. Vão rumo a uma nova Vila, uma nova apresentação, um novo “ganha-pão”. FIM 95 “SÉCULO XX – DEUTERONÔMIO” 96 ROTEIRO – WS “ESTUDOS CÊNICOS SÉCULO XX” – CARLOS ATAIDE Escuro como no princípio do mundo. Silêncio como no princípio do mundo. Após alguns segundos, ouve-se a aproximação de caminhões e um “falatório” – é a chegada dos cortadores de cana no canavial para mais um dia de trabalho. Silêncio novamente por alguns segundos. Começa-se a ouvir o corte da cana que se manterá por bons minutos. Faz-se a luz. Intensa. Brilhante. À pino. (os BF podem iniciar uma coreografia do corte ou estarem compondo uma imagem – foto) Continua o corte da cana até ser interrompido por uma sirene que avisa a hora da “bóia”. Só depois desse momento ouvem-se os bóias-frias. (a seguir, apenas sugestões de motes para diálogos curtos onde a premissa é a realidade se revelando no extraordinário através de uma festa carnavalizante – leia-se John Dawsey, cujos temas são a própria realidade dos bóias-frias e o sagrado) Bóia-fria 1 – Vixe, demorou! BF 2 – tô com uma fome de um dilúvio! BF 3 – vou botar uma musiquinha pra gente. BF 4 – vamo fazer um rango dançante? BF 5 – tu tá doido, é? Se o gato pega tamo frito. Já não basta tá tostado? BF 6 – (abrindo a marmita) danou-se! Essa aqui não é a terra prometida, não! Pois nessa tudo tá faltando, visse? BF 1 – mas pelo menos essa terra aí é tua, né? Ou ainda tás na prestação? (Durante todo o diálogo, a música estará tocando. Pode se relacionar com ela. Chegará uma música em que um BF se dispõe a fazer uma dublagem. Todos aceitam. Um deles aceita com reservas, mas nada diz. O canavial vira Casa de Show com direito a apresentador e tudo mais que tiver direito. Após o show, uma discussão maior sobre o sagrado se instaura) BF 5 – (diz para o BF que acabou de se “apresentar”) Se o Pastor sabe de uma coisa dessa te manda lá pra parte leste, do outro lado do Jordão, visse? Isso é pior que homicídio.... BF 1 – oxente? Por que? Não fiz nada de mais. Ele (referindo-se a Deus) não entregou essa terra como propriedade da gente? Então? A gente pode tudo! Né, não? (Aqui deve se iniciar uma contenda entre eles: terra prometida x terra do proprietário / Deus amor x Deus ciumento / festa sagrada x festa profana etc.....) A discussão é interrompida pelo som da sirene. Silêncio. Voltam os sons do corte da cana. Volta a coreografia ou outra imagem. Alguns segundos mais. Ouve-se a sirene novamente anunciando o final do dia. Sai a luz. Escuro. Ouvem-se novamente os caminhões e o falatório. Silêncio. 97 ROTEIRO – WS “ESTUDOS CÊNICOS SÉCULO XX” – CAROL BADRA PAULINA na Cozinha Qué mio, qué? Já vai. Veronildo inda num chegô, mais já já ele chega. Chega base de 5. Inda são… ( olha pro relógio que marca 4 horas). Jailso deve ta tirano leite e Seu Zé Ildo abrindo a sala gelada. Hum ele azedô depois que inventaro aquele compasso de alumínio. Alumínio inté que é bão. Pelo meno num pesa nas panela. Dona Mercia vive atrais dos brilho das panela. Parece que num tem espeio na casa. Ara daqui um poco seu Rachid armenta o rádio. Peste, homi desarmado. Tem amor pela terra , pelos bicho, mas não por quem anda e deita por cima dela. Aquieta menino… (fala sem olhar pro filho). Ara faiz as conta Paulina: são sete hospidi, entonce 7 ovo, mais sete ovo. Craro. Onti memo, Dona Mercia mando eu faze um dito dum doce pro neto dela. Disse que nas terra dela quando nasce o primeiro dente da criança tem que fazer o doce ,… sininho.. sinisss…sinie, que é pra modea criança infia a mão e daí intão a famia se arreune e come o doce benzido pela mão do dentado… Agora será que eles faiz esfirra quando cai um dente dum adurto? No meu caso intão dava pra abri uma esfirraria. Nem sobrô do doce pra mor deu isprimentá. É ingual ao açucar que sai dessas cana. Dele a gente só sente o amargo da lida. Cá glória de Deus eu saí dessa vida. Parei de esquenta minha cabeça no sor , pra esquentá o bucho no fogão. Aqui pelo meno meus minino num passa fome. ( põe um dos filhos no peito). Cantarola uma cantiga. Bão era quando nóis chupava da cepê, da curimba, mé cum água… O minino cê tá racrítico. Mama fio. Foi dipois do sarampo que te deu. Mai eu vo faze uma prece pra mor docê fica bãozinho feito seus irmão. ( vai no vaso apanha 3 raminhos) coloca o menino sentado: Marildo Deus te gero, Deus te genero. Olhadoe quebrante deste mal Deus te curou Se for na tua mortura ou na tua formosura Nas tua carne ou nas tua feiura Nus teus óio, nus teus cabelo, no teu comê nas tua carne, Na tua disposição Na tua boniteza na tua inteligência no teu bom sentido, No teu pensamento Se foi inveja se foi mal vontade Que seja saido que seja tirado Com o pude de Deus e da Virge Maria Amém Esse ramo foi imbora, num roga mai viu minina.( fala pra outra filha) Os male o vento carrega. (Dá um copo d’água que estava separado pro menino) 98 Volta para as panelas Chora Sorri Peito aberto, dor de dentre, dor de strongo, vento caído, espinhela, má do monte, inzipa, quizema, bichera, irzipela. ( Fala pros filhos). Sempre pidi pra Deus me mostra como reza, memo que fosse debaixo duma ponte, sabia que tenho cadência de reza…Aí como ele já tá mais coradinho. Pensá que Romildo quando fico cum o pai quase morreu de frio, pruque frio, comigo fio num passa, num passa memo. Que a brusa de uma mãe esquenta deis fio, mas a dum pai num presta pra ninhum. A Mãe é viuva. Graças a deus e memo que ceis fosse trinta eu ia criá sem amargura. Ceis são minha carne, meu sangue, meu coração que bate drento de cada um doceis. Se da cana nasce a cana, é da muié que nasce o homi. Intendero? Seu Rachid tá é atrasado. Ele nunca que atrasa. Vem cas fruta. Dá mais fruta pros bicho que pra gente. Banana, bacate, mamão, tudo fresco. Ele memo prepara. Sei pra modeque. Ceis lembra o dia que ele entro aqui falando: Se Deus me ouvisse, com amor e caridade, me faria essa vontade, o ideal no coração. Era que a morte, a descontar me surpreendesse e eu morresse numa noite de luar do meu sertão. Silêncio. Continua fazendo a comida A medida que faz a comida, vai colocando os filhos no corpo. Leva a comida pra mesa É, seu Rachid deve te ido pra cidade encontra dona Mercia Não toca o sino. Fala baixinho. Fica a vontade. Bão dia. Volta pra cozinha e fica esperando pra tirar a mesa. 99 Roteiro/ estudo cênico século XX – Cris Rocha – Rezadeira Leonor* * este é um pequeno roteiro-guia, porque a cena tem como base a improvisação e interação com o público. Uma casinha simples no meio da periferia. Ouve-se uma voz cantando: Cordeiro divino, morto pelo pecador. Sê compassivo. Cordeiro divino, morto pelo pecador.A paz concede. Amém. Ao fundo, ouve-se um som de missa. Um vizinho passa correndo e vai avisar a mulher que está cantando que a “visita” chegou. Surge à porta, dona Leonor, que atende por Dona Noninha, rezadeira conhecida na região por seus dons curativos e por sua contagiante risada. Ela: “Vamo chegando gente, que o tempo não espera por ninguém não”. E la convida a visita a entrar em sua cozinha, onde começa a preparar um prato. - Vamos sentando pessoal, a casa é pequena, mas tem lugar pra todo mundo aqui. - Ah, não, nessa não (apontando para uma cadeira vazia) Essa é de Santo Antonio. É que ele tá fazendo um servicinho pruma comadre minha que tá necessitada de casá, mas daqui a pouquinho ele volta. - É que, vocês sabem né, hoje em dia tá todo mundo precisando de ajuda, uns querem casar, outro querem separar. Uns querem melhorar do corpo, outros da cabeça. Eu não tive nada dessas querência nunca não. É que Deus sempre me ajudou em tudo que eu precisava. Quando Deus quer é assim. - As pessoas me procuram duas vezes. Uma na entrada, outra na saída. O que eu faço de batismo e encomendação por aqui... (tira um peixe da geladeira e começa a preprará-lo. Ela pega umas ervas para colocar na comida) - Manjericão. Tempera e cura. - Essa comida aqui eu tô fazendo pro neto aí da vizinha. Esse eu batizei. A comida é mesmo uma reza. Ela veio me dizer que o menino tava com bucho virado. Bucho virado. É engraçado que esse povo não acredita em nada até que uma reza resolve o problema. Ela mesma, a vizinha, nunca vi rezar um pai nosso. Depois que ela veio aqui e eu, eu não, Deus, tirou essa enxaqueca dela, agora tá toda hora batendo aqui pra pedir ajuda. Eu ajudo, né. Quem chega aqui doente e com raiva, sai rindo. Quando Deus quer é assim. - Bate na porta uma vizinha esbaforida: Dona Noninha pois meu noivo não marcou a data do casamento? O raparigueiro tomou vergonha na cara. Vim aqui agradecer. - Leonor: Então posso tirar o santo da panela. (vai até a panela em que está cozinhando feijão e tira uma imagem de Santo Antonio de dentro) Olha aqui, meu Santo Antonio agora vai descansar. Alguém tá servido do feijão? (limpa o santo e o coloca na cadeira dele) - Tá vendo? A pessoa sai daqui maneirinha, leve... o santo é assim mesmo. (enquanto fala, vai costurando o peixe) - Às vezes a pessoa assim cheia de psicologia é mais difícil de acreditar nas coisas né? (fala para alguém)Você é daqueles que acha que uma visita no hospício mostra que a fé não prova nada, né? Cada um tem seu CPF, né? - Olha, pra mim assim tá bão. Pra mim eu tô no céu, minha vida é muito feliz. Quando Deus quer é assim. Vizinho entra correndo: Dona Noninha tão chamando a senhora pra rezá um defunto. Diz que é urgente. Leonor: Num falei? É na entrada e na saída. - (finaliza a comida, abençoando o peixe) Dor abrando a tua ira e quebro as tuas forças. Assim como Judas vendeu Cristo que é Nosso Senhor Jesus, por esse mundo andou, olhado e vento caído Jesus curou. (canta) Cordeiro divino... - (abençoa também todos os presentes batendo forte na testa deles com suas ervas) Pode ir em paz, viu meus filhos. Deixa eu ir que a reza não é pra todo mundo não, porque se fosse sobrava, né? Quando Deus quer é assim! (sai gargalhando) 100 Roteiro/ Estudo cênico século XX – Cena 2 - Cris Rocha Caindo de paraquedas no meio do canavial (a inadequação do estrangeiro diante do desconhecido; viagem solitária; onde está a terra prometida?) Um pequeno paraquedas sobrevoa o espaço. Durante o percurso, ouve-se som de música brega mesclado à músicas típicas de festa de São João, forró e carro de som. De repente, o paraquedas aterrisa e o som é interrompido. Ouve-se um barulho de queda. Foco. A luz começa a iluminar a viajante que caiu e está presa num imenso baobá, no meio do canavial. Ela tem bandeirinhas de São João agarradas ao rosto. Fala: Ufa, cheguei! Cheguei? O que que eu vou fazer aqui sozinha no meio da canavial? Tem alguém aí? Aqui no baobá! (o público se dirige ao espaço) Passaram pela lama? Que bom que vcs conseguiram chegar. Ai que leseira! Que viagem! Uma jornada, viu. (tira um celular da bolsa e vê se está com sinal) Som/OFF: (“Tu és um povo consagrado a Iaweh teu Deus. Foi a ti que Iaweh teu Deus escolheu para que pertenças a ele como seu povo, dentre todos os povos que existem sobre a terra.” Lembra-te porém, de todo caminho que Iaweh teu Deus te fez percorrer durante 40 anos no deserto”) Tanta coisa, tanto cheiro diferente, tanto êxodo, tanta vontade! Só com muita vontade pra chegar até aqui. Mas dizem que a vontade é impotente perante o que está por detrás dela. A ideia fica até confusa depois de tanto quilômetro na cabeça. Só de Recife pra SP foi 2672Km, de Sp pra Marília mais 438 Km, de ida e de volta, depois mais 2672 Km até Recife e mais outros 90 Km até Vicência. Do aeroporto até a rodoviária, quase 20 estações de metrô. Tancredo Neves, Shopping, Antonio Falcão, Imbiribeira, Largo da Paz, Joana Bezerra, (desce, pega sentido Camaragibe) Afogados, Ipiranga, Mangueira, Sta. Luzia, Edgar Werneck, Barro, Tejipió, Coqueiral, Alto do Céu, Curado... Conheci a Marisa nesse percurso; ela tava acompanhada da filha – Gabriele – destino: Camaragibe. Acompanhei o êxodo das duas. Era pros parentes terem buscado elas no aeroporto, mas eles não foram. Depois de 8 anos, vivendo em SP, ela tava voltando pro Recife, pra viver na casa que ela e o marido, pernambucano, haviam comprado. Ela só tinha visto a casa pela internet, a sogra que escolheu. A sua tribo. A terraprometida? Eu vi no olhar dela aquele medo do desconhecido, medo de não se reconhecer mais naquele lugar. Medo do não lugar. Acho que ela tava mais assustada que eu no meio do deserto. E olha que o meu deserto era grande. Tive que tirar os olhos de mim pra poder enxergar. Som/OFF: (“Fica atento a ti mesmo! Circuncidai pois o vosso coração, pois Iaweh vosso Deus é o Deus dos deuses, o Senhor dos senhores, o que ama o estrangeiro dando-lhe pão e roupa. Amareis o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito”) O marido tava indo de caminhão com a mudança. O nome que ela queria mesmo dar pra filha era Melissa, mas quando pensou que as pessoas iam chamá-la de Mélissa ela desistiu. Preferiu não arriscar. Meus irmãos que escolheram meu nome: Carlos, mas quando nasceu uma menina...Daí, minha mãe ficou em dúvida entre Cristina, Cecília e Carolina. Escolheu Cristina – seguidora de Cristo. Dar nome é criar as coisas. Hora de descer, eu fui e ela seguiu pra terra prometida dela. Mas por que que eu falei disso? Ah, é, eu tava falando do meu caminho, então... andei tudo isso e ainda tinha um deserto pela frente, minha viagem tava só começando. Não sei mais quantas cidades e muitos kms de bandeirinha pela frente pra chegar até aqui. Quer dizer, eu acho que cheguei, né? (Toca o celular) Ela atende, fala: Quem é? Oi Moisés. Eu tô um pouco ocupada, mas dá pra falar rapidinho. Tô viajando a trabalho. Sei, o aluguel? Mas vai aumentar quanto? Eu posso fazer uma contra-proposta? Alô, alô...Moisés. (Toca novamente) Então, eu posso fazer uma proposta? Sou eu, sou eu. Não, é que eu tava falando com outra pessoa. Ai que bom que vocês ligaram! Igreja de Sant’Anna. Já vai começar? Não sei onde é, mas eu encontro. 101 (Fala para o público:) Alguém pode me ajudar a descer, porque o povo tá me esperando lá na praça. (ajeita o paraquedas) Sabe que depois eu fiquei pensando na Marisa. Se ela gostou da casa, se é o lugar que ela queria pra filha dela, se ela se reconheceu lá. A gente muda, muda, de lugar, mas sempre se leva junto (Sai, caminhando pelo canavial) - FIM 102 ROTEIRO SÉCULO XX – EDUARDO REYES Prezados amigos, já que hoje posso chamar-lhes assim e falar a vocês de igual para igual, é com muito orgulho e muita honra que recebo esse convite e aqui estou para falar a essa platéia ilustre, de jovens formandos, que a partir deste momento, serão a maquina propulsora desse país. Mas o que quero dizer a vocês, depois dessa cordial saudação de amizade e de carinho é que não é por acaso que esse encontro acontece aqui, num dos maiores engenhos canavieiros do Brasil. Isto aqui é uma parte grande da historia de nosso pais. É o ciclo da cana de açúcar que marcou época na conolização da vida do Brasil agropecuário. Nos temos vários ciclos, o ciclo da pecuária, o boi penetrou pelo pais afora, depois veio a agricultura canavieira, veio a divisão das capitanias e Pernambuco foi a capitania que mais progrediu, embora não foi a primeira que plantou cana. Pra surpresa de vocês vou contar que quando os portugueses Ca vieram, pois, trouxeram a cana da ilha da madeira, e foi plantada na capitania de São Vicente hoje o estado de São Paulo. Só que são Paulo tinha outras riquesas, minas gerais, outras mais ainda, Minas GERAIS né, e São Paulo tinha o café que deu muito direito e foi outro ciclo bastante promissor e que trouxe muita riquesa para o Brasil. Quando houve o desenvolvimento da agrocanavieira de Pernambuco, eram engenhozinhos pequenos, micorscópicos, os primeiros eram ate impulsionados a mão, depois animais, primeiro o braço escravo depois animais puxando e tal, moenda de madeira, aproveitamento muito baixo. Com a revolução industrial, mais na frente, os ingleses inventaram a maquina a vapor e ai começaram a vir os engenhos a vapor, com outro aproveitamento e produção. Depois vieram os engenhos maiores, a fusão criou as primeiras usinas pequenas chamadas de meios aparelhos, porque eram usinas que não tinham nem tacho a vácuo, O TACHO A VACUO PERMITE você concentrar a massa a 60 graus e o tacho aberto a quase 100 graus, que é a temperatura que a água ferve. Mas em cuba, em 1860, os cubanos foram sempre expert no assunto, e foram os maiores produtores de açúcar do mundo, antes daquela maravilhosa política do Fidel Castro, que foi ótima pra nos, merece uma estatua de ouro. Que graças a ela, a gente subiu Viva Fidel, quero que ele continue por muitos anos porque a-ca-bou com a industria açucareira em Cuba. Então pegamos o tacho a vácuo e começamos a ter as usinas de açúcar e com a fusão de usinas pequenas com usinas maiores, as GRANDES centrais açucareiras. Hoje existem usinas que são verdadeiras catedrais, coisas enormes, montruosas. Tem moenda hoje que você não acredita o tamanho, da altura dessa casa. Com o desenvolvimento da cultura canavieira, Pernambuco foi rico, cresceu. Aqui teve a primeira maquina fotográfica chegada no pais, aqui teve moda, teve casas lindas, casas coloniais, com vidro bisotado, como teve o vale do Café no Rio de janeiro. Hoje, muito se fala e bastante é criticado o aparecimento de tecnologias que favorecem o cultivo da cana e consequentemente o progresso do pais. O cultivo da cana transgênica, por exemplo é muito criticado. No início da discussão, nos anos 1990, dizia-se que a transgenia causariacâncer, impotência e outras doenças. Cadê ocâncer? Cadê a impotência? Existe um grupo que é contra transgenia pura e simplesmente, outro que está mal informado e um último grupo que é mali ntencionado. Mas a maioria é mal informada mesmo.Temos um produtor que produz 400 kg por hectare, enquanto outro produz 2.000 kg na mesma área. A gente tende a achar bonito produzir pouco usando baixa tecnologia. Queremos desmatar mais? Nao. Queremos que que as áreas já desmatadas produzam mais. Isso vai reduzir a demanda por mais áreas. Outra questão é a mecanizacao da colheita. Nao há duvida que a mecanizacao aumenta a capacidade produtiva, e extingue definitivamente o trabalho degradante da colheita , evitando condições de trabalho semelhantes ao trabalho escravo. Outro fator positivo, bastante discutido atualmente é a eliminação de emissao de poluentes causada pelas queimadas, desnecessaria com a colheita mecanizada. Há alguma duvida que esse processo beneficia o pais? Ai vao dizer: e o desemprego? Sim, o desemprego, mas essa passa a ser uma questao social, nao economica. O que fazemos aqui é contribuir para o desenvolvimento, não trabalho social. Isso é papel do governo, e ele que tem que realocar esses trabalhadores. Vocês, como jovens estudantes recém formados, tenho certeza que querem o progresso, e como novos profissionais do mercado não medirão esforços para cria-lo. Sejam bem vindos, podem visitar a usina e no que precisar, eu estou a disposição para trocar. Muito obrigado a todos, esta usina é grande, esta casa é grande porque é de todos vocês. 103 Roteiro WS Erica - século XX Estrangeira entra no espaço falando francês. A ESTRANGEIRA - Bonjour. Je crois que nous sommes là pour la meme raison, non? Nous sommes tous à la recherche de ce Dieu perdu... On rentre, alors...on y va...ah! avant qu’on rentre je vais vous lire un petit morceau de la Bible, je trouve que ce important pour cet etude là: “Car l'Éternel, ton Dieu, va te faire entrer dans un bon pays, pays de cours d'eau, de sources et de lacs, qui jaillissent dans les vallées et dans les montagnes; pays de froment, d'orge, de vignes, de figuiers et de grenadiers; pays d'oliviers et de miel; pays où tu mangeras du pain avec abondance, où tu ne manqueras de rien. tu béniras l'Éternel, ton Dieu, pour le bon pays qu'il t'a donné”. Bon voyage a tous. Boa noite. Acredito que estejamos aqui pelo mesmo motivo, certo? Estamos aqui em busca desse Deus perdido...Vamos entrar, então...Ah! Antes vou ler um pedaço da Bíblia que acho importante pra esse nosso estudo... “O Eterno, teu Deus, vaite fazer chegar em um bom país, país de água que corre nos vales e nas montanhas, país de vinhas, figueiras, oliveiras e mel, país onde comerás pão em abundância, onde não te faltarás nada. Tu irás bendizer o Eterno, teu Deus, pelo bom país que ele te deu”. Boa viagem a todos. (Entram no espaço-labirinto-canavieiro. Dentro do labirinto ouvem-se sons. Sons do labirinto: Base - noite canavial; alguns animais. Depois de um tempo ouvimos alguns trechos de Dona Lindalva, do Padre na missa, dos sons da macumba e da música judaica Eily, Eily. Este momento sonoro pode ser uma faixa de uns 5 minutos, pois não sabemos quanto tempo a travessia do labirinto vai durar. A Estrangeira repete exaustivamente: “je sais pas ou on va...je cherche...nous cherchons...on va le trouver...”. Eu procuro, nós procuramos, nós vamos encontrar...Ela e o público chegam na saída do labirinto, que é um espaço onde são projetadas imagens do canavial e do céu estrelado.) Nous sommes là, on est arrivé...Chegamos... (Som base da noite-canavial. Pode ser outra faixa sonora que é trocada assim que o público chega neste novo espaço. Ela deita na rede e contempla o espaço.) Je crois que j’ai dormi parce que je me suis réveillée avec des étoiles sur le visage. Des bruits de campagne montaient jusqu’à moi. Des odeurs de nuit, de terre e de sel rafraîchissaient mes tempes. La marveilleuse paix de cet été endormi entrait en moi comme une marée. Ce sacré qu’on cherche... il n’est pas là? Devant cette nuit chargée de signes et d’étoiles, je m’ouvrais pour la première fois à la tendre indifférence du monde. De l’eprouver si pareil à moi, si fraternel enfin, j’ai senti que j’avais été hereuse, et que je l’étais encore. Devant ce paysage, il me paraissait que ce Dieu perdu pourait etre là. Eu acho que dormi porque acordei com as estrelas refletidas no rosto. Os sons do campo chegavam até mim. Os odores da noite, da terra e de sal refrescavam minhas têmporas. A paz maravilhosa deste verão adormecido entrava em mim como a maré que avança na praia. Esse sagrado que buscamos...ele não está aqui? Diante dessa noite carregada de signos e estrelas, eu me abria pela primeira vez à suave indiferença do mundo. De experimentá-lo assim tão parecido comigo, tão fraterno, enfim...eu sentido pela primeira vez que eu tinha sido feliz, e era ainda...Diante dessa paisagem, me pareceu que esse Deus perdido poderia estar aqui. Tous les hommes croyaient a quelque chose, il faut y croire sinon la vie n’aurait plus de sens. Voulez-vous que ma vie n’ait pas de sens? Todos os homens acreditam em algo, tem que acreditar em algo senão a vida não faz sentido. Vocês querem que minha vida não tenha sentido? (Nova faixa. Som da noite canavial com som de tambores, crescente, pode ser parecido com tambores de Doda.) Tous les hommes croyaient a quelque chose, il faut y croire sinon la vie n’aurait plus de sens. Voulez-vous que ma vie n’ait pas de sens? 104 (Repete essa frase enquanto inicia uma dança ao som dos tambores, se despe e se lambuza de terra. Vai misturando as duas línguas até assumir o português). Todos os homens acreditam em alguma coisa. É preciso acreditar em algo, senão a vida perde o sentido. Vocês querem que minha vida não tenha sentido? Acreditar em algo que torne a vida uma experiência menos ridícula. Esse Deus que vocês procuram...ele não está aqui? Nessas estrelas, nessa cana...Tem que acreditar em alguma coisa, senão a vida perde o sentido... (Sai correndo do espaço da cana, repetindo a frase) 105 ROTEIRO Séc. XX José Roberto Jardim - (27/09/2011) Cena: Apenas um único movimento, como o Séc. XIX. Simplicidade extrema. Figurino: Cueca, blusa e toalha. Pós banho, depois da lida no canavial. Luz: O abajur do Séc. XIX ainda aceso. Depois apenas uma vela. Som: Silêncio e reverberação vocal. Depois uma trilha, de 2 minutos, de Galos Cantando, Sirene de Trabalho e Caminhão sendo ligado e partindo. Aproveitar o final da apresentação do Séc. XIX e continuar no mesmo clima. Tudo a olhos vistos, sem ilusionismos. Apenas Ator e Estória. 1. Fim De Um Ciclo Noite. Ator chega da lida do canavial, depois de tomar banho. Apronta-se para dormir e descançar. Calado, denso, preciso. 2. Afiando As Armas Deposita as suas roupas no chão, junto com botas, luvas e facão. Começa a por band-aids nas feridas que o trabalho causou nas mãos e pés. Põe um band-aid no cabo do facão, pois está “machucado”. Ajeita-se num canto e deita-se. Apaga a luz do abajur. Escuridão. 3. A Ratoeira Um voz vem do escuro. O Amigo, que será escolhido instantes antes: AMIGO Ei? Ei? Ta acordado? Dorme, não. Ei? Acorda! Voce não vai falar nada? Fala! A gente ta esperando. Não vai falar hoje? Fala! Tamo esperando! Não dorme, não! Fala! Ator resmunga no escuro. Não quer falar nada. Até que interrompe esses pedidos incessantes, e começa a falar lenta e desinteressadamente. ATOR Não... Não... Parem! Me desculpem... Eu não quero ser um líder... isso não me interessa. Eu não quero mandar, nem dar ordens a ninguém. Eu quero apenas ajudar as pessoas, se possível: judeus, gentios, negros, brancos... índios, cristãos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros, assim são os seres humanos. Nós devemos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio. Não devemos odiar ou desprezar uns aos outros. 106 Este mundo tem espaço para todos. O caminho da vida pode ser livre e belo. Mas nós estamos nos desviando dele. A Ganância envenenou a alma dos homens, cercou o mundo com muralhas de ódio e agora caminha lentamente para o sofrimento e a matança. Criamos a época da velocidade, mas estamos presos dentro dela. A máquina que produz abundância, está nos deixando cada vez mais pobres. O Amigo que falava no escuro, acende uma vela e caminha em direção ao Ator. Começamos a ver o seu rosto e o que está fazendo. O Ator está rasgando uma Bíblia, página por página. Sistematicamente. Vemos que há sangue escorrendo dos seus olhos, mãos e pés. Os “Estigmas de Cristo”. (?) O Ator nunca abrirá os olhos enquanto rasga a Bíblia e fala. Continua a falar, cada vez mais veemente e caloroso. ATOR Nosso conhecimento nos fez cínicos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Nós pensamos muito e sentimos pouco. Mais do que máquinas, nós precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de doçura e gentileza. Porque sem essas virtudes, a vida será pura selvageria... e tudo estará perdido. Começa a se dirigir ao Amigo que está próximo dele. O Amigo, agora, está de joelhos, como um devoto, um crente, um necessitado de ajuda. Então o Ator começa a se dirigir a ele com a voz e com pequenos gestos. Pois os seus olhos jamais se abrem. ATOR E para vocês que estão me ouvindo agora, eu digo: "Não se desesperem". A desgraça que agora cai sobre nós, não passa dos estertores da cobiça... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Mas o ódio dos homens passará, os ditadores morrerão, e a força que eles roubaram das pessoas, retornará as pessoas. AMIGOS, Não se entreguem a esses selvagens! Eles são homens que te desprezam, te escravizam,... Que governam as suas vidas dizendo o que fazer, o que pensar e o que sentir,... Que dizem como ser, o que comer, que te tratam como gado e que te usam apenas como um facão para cortar a sua cana! Não se entreguem a esses monstros. Vocês não são máquinas! Vocês não são gado! Vocês são seres humanos! Vocês tem o amor e a humanidade dentro dos seus corações. Não odeiem! Só odeiem a falta de amor. AMIGOS: Não trabalhem pela escravidão, trabalhem pela liberdade! No capítulo dezessete de São Lucas está escrito: “O Reino de Deus está dentro do homem”... não de um homem, nem de um grupo de homens, mas dentro de todos os homens! Dentro de todos vocês! Vocês, as pessoas, tem o poder! O poder de criar máquinas, o poder de criarfelicidade. Vocês tem o poder de tornar a vida livre e bela... de fazer dessa vida uma aventura maravilhosa. Então, em nome de uma vida justa e bela, vamos usar esse poder. Vamos nos unir! Vamos lutar por um mundo novo... um mundo decente onde todos possam trabalhar, envelhecer e ter segurança. Foi usando essas mesmas promessas que esses selvagens conseguiram ser lideres. 107 Mas eles mentem. Eles não cumprem as suas promessas, e jamais cumprirão! Ditadores se libertam, escravizando pessoas. Então agora vamos trabalhar para cumprir essas promessas! Vamos trabalhar para libertar o mundo e para derrubar as fronteiras entre nós! Temos que acabar com a ganância, com o ódio, com a intolerância. Vamos trabalhar por um mundo justo... um mundo onde a ciência e o progresso irão trazer felicidade para todos os homens! AMIGOS! Em nome de uma vida justa e bela, vamos nos unir! Vamos PENSAR! 4. Uroboros: O Novo Messias (?) Som da trilha entra: Galo cantando / Sirene de Início de Trabalho / Caminhão Partindo. O Ator pára imediatamente de falar. Olha a sua volta com estranheza e dor. O Amigo ainda continua ajoelhado, devoto, entregue... cegamente entregue. O Ator, levanta-se, enojado, apressado para sair para a “lida”. Limpa o rosto com uma toalha branca. Forma, assim, um “Sudário”. Pega as suas roupas, luvas e facão e sai. Mas antes de sair, olha para o Amigo, levanta-o, reprova-o com o olhar... e pega o pote de sangue falso que usou e põe em cima da mesa. Olha para os dois e sai decidido para pegar o caminhão e ir trabalhar. Deixa o Amigo só. *Aguardar a reação do ator que fizer o Amigo. Não avisa-lo sobre o que fazer ao final da cena. Não dizer o que fazer, pois ele, o ator/Amigo encerrará o Work Shop como quiser, ou desejar, depois do que ouviu e viu. A escolha do fechamento e da leitura que pode ser dada à cena, ao final disso, pertencerá ao ator/Amigo.* Aguardemos para vermos o que acontecerá! Escuridão (?) Tempo (?) Reação (?) FIM (?) 108 Roteiro Século XX Ator – Zé Valdir Cenário -1 Em um pequeno teatro de sombras. O ator conta e representa, com sombras, uma historia atrás de uma tela iluminada. A historia de um menino chamado Jose Severino (bilzinho) que nasce no interior do ceará, vai com sua família para a cidade grande. Seu difícil crescimento até o momento em que ele se converte, e em nome de Deus abre sua própria igreja. Cenário - 2 O publico sentado em pequenos bancos, dentro de um cômodo apertado, diante de um altar enfeitado com uma grande variedade de santos. No meio do altar uma televisão mostra ao vivo um programa evangélico. É o programa do Agora pastor Jose João. Cenário -3 Uma grande igreja moderna, colorida, bem iluminada onde é gravado o culto do pastor Jose Jorge. (dentro do espaço cênico da sede) O ator representa um culto evangélico dividido em cinco tempos: 1 – Testemunho. 2 - Reza sobre o copo d água. 3 – Momento do milagre. 4 – Venda de produtos religiosos. 5 – Canto final. Tudo era gravado pelo ator Zé jardim, que transmitia em momento real para a televisão do cenário 2. É uma representação do avanço de algumas religiões, que se utilizam da televisão para chegar a lugares antes sem acesso. Transformam o conceito de Fé e criam os seus próprios conceitos. Os ambientes cenográficos saíram de uma vivencia que tive na cidade de recife, em que uma religiosa tinha em sua casa a sala forrada de santos e no meio dos santos uma TV, onde ela assistia 7 missas diárias. - Pra que vou á igreja se posso assistir a missa aqui em casa? Disse ela. Fui provocado por esta frase. Não sei para onde vai á fé, mais sei que pra onde ela for vai ser levada pela tecnologia. ROTEIRO WS SÉCULO XX – JOSÉ VALDIR Boa noite ouvinte Boa noite dono de casa e dona do dono da casa. Esta começando agora mais um capitulo da novela sonbreofonica- Historias de raparigueiro. A historia de hoje vem de uma cidade que infelizmente não posso dizer o nome mais posso afirmar sem sobrancelha de duvida que fica no quito dos infernos do ceara. A historia inicia se no dia 25 de dezembro quando o relógio pinguelava meia noite hora do libisome. Neste momento uma estrela se disprega da constelação de pratão ( sombra) e por azar.... da estrela cai justamente na cidade dos quintos dos inferno (eu não sei porque não posso dizer o nome desse diacho.) e assim neste momento nasce um menino,um bruguelo, um passa fome, que já nasceu com o acessório da pobreza, piolho sarna e lombriga nasceu no berço da miséria no meio de vaca, cabra e jumentos. Era fio de Jose o marceneiro e de Maria a desmiolada que mesmo sabendo que era a quenga da cidade se dizia virgem. José pôs o seu nome no menino e para diferencia acrescentou Severino ficando o nome do dismilinguido de Jose Severino vugo Bilzinho. E como todo castigo pra pobre é pouco. Jose ...o pai teve problema com o delegado (sombra) e a família teve que fugi pra cidade grande. sombra não é a cidade de sombra é pra eu por a sombra eu não sei pra que essa macaquisse de sombra se radio pra que isto so se for pra mãe do diretor aquela rapariga assistir) 109 E foi na sarjetas da cidade grande que bilzinho cresceu e no seu crescimento o desgraçado se abraçou a tudo que o capeta ofereceu. Ele fumou pedra, comeu maconha, heroína, cocaína, boro, bosta de cavalo, bolinha, transformou acido moriatico em cachaça. Se prostituiu, deu o bogo,chupou lingüiça foi miche, travesti até dono decabaré ele foi .icruzivi (quem diz isto é quem escreveu a carta não sou eu) foi ele que inventou o rodízio de priquito hoje conhecio como swing. Ele aprontou tanto, tanto, tanto que teve que fugi da cidade deixando pra trás Maria, Jose e as dividas. Em uma encruzilhada da vida ( sombra) ele encontrou com João Batista vugo batistinha cabra matador que foi contratado para cobra a divida na base da lapiana da pexeira da fura bucho. Batistinha- E ai cabra eu vim pra te matar de péxeira. Bilzinho – e foi? Batistinha Foi e é de peixeira Foi quando bilzinho falou Cabra tem três coisa que eu não gosto de dispensar. 1 abraço de mãe (sombra) 2 beijo de moça (sombra) 3 briga de pexeira (sombra) Os dois começaram a se empeixera ate que bilzinho empeixeirou batistinha pelas costa . Mais no momento da morte de batistinha. Aconteceu um milagre. Uma voz desceu do ceu e Deus falou na voz do quaze difunto batistinha. Bilzinho pega o nome do homem que vc tirou á vida junta com o seu e sai pelo mundo pregando a minha palavra. Naquele momento bilzinho se transforma no pastor Jose joão. E assim termina esta historia desgraçada Eu queria dizer pro Ouvite La dos quinto dos inferno que me escreveu esta historia.... va se dana. Este foi mais um capitulo da novela sobrofonica intitulada - Historia de raparigueiro. Fernando recoooolhe 110 Século XX – Kátia Mariene de Jesus caiu na cana por causa do amor. Veio atrás de Jesuíno Aparecido dos Santos que veio pra São Paulo há sete meses e não deu mais notícias. Há quatro meses, Mariene está em São Paulo. Como não achou Jesuíno manda frequentemente notícias sobre seu paradeiro para a rádio da sua cidade Natal, na esperança de que Jesuíno tenha se comunicado também com a rádio. Primeira cena – Mariene ao telefone com o radialista. Sua amiga Tânia está com ela. Mariene – É da rádio¿ Seu Arlindo¿ É Mariene de Jesus! Tô indo...Eu to ligando pra dar a notícia na rádio visse¿ Tô em São Paulo ainda, aqui em Piracicaba. O senhor transmite pra mim¿ Diz que é pra Jesuíno a notícia! Olhe, ele não deu notícia não¿ nem ninguém ligou dizendo que sabia dele¿ Ave Maria... Escafedeu-se mesmo ele... Olhe mas o senhor continue botando na rádio faz favor¿ Aí o senhor bota aquela música do Roberto Carlos, diz que é de Mariene de Jesus pra Jesuíno Aparecido dos Santos. Tá bom! Brigada visse¿ Amém, fique o senhor com ele! Tânia – Ô Mariene,tu vai largar de ser besta quando¿ Faz sete meses que esse cabra desapareceu-se no meio da cana! Já deve ter virado espantalho! Espantalho não manda notícia não! Eu mesma já parei faz tempo! Só tu mesmo tá resistindo a transformação...assim tu vai ser esmagada minha filha! Vira bicho Mariene! Não tá vendo os homem tudo aí arrastando as palha pra cima de tu¿ E eu to sabendo que tu gosta! Mariene – Vai Tânia, tu pára de me atentar Eva miserávi! Tânia - Vai! Já tá queimada mesmo! Se é pra virar bagaço, vamos distribuir nosso mel minha filha! Ói... Washiton anda falando é muito de tu¿ Diz que tu caiu na cana por causa do amor, mas que quem vai mostrar o amor pra tu é ele! Eu se fosse tu, assitia! Mariene – Vai mostrar o amor é¿... Acho que vou dar uma espiadinha! Vai miséria , que nós vamos perder o caminhão! Cena 2 - Depois do corte Washiton e Amilton conversam Washiton – Depois desse duro todo, eu to precisando de um carinho... (riem) Amilton – Uma bóia quente! (riem) Washiton – Eu tenho sede! Os dois – Eu tenho sede! Amilton – Meu pai porque me abandonaste¿ Washiton – Ó hoje eu sou Jesuíno! (riem) Qué apostá que hoje eu pego¿ Tânia e Mariene entram, eles estão rindo... Tânia – Olha... os bagaço tão cheio de energia! Amilton – Ô Tânia, tu viu quem chegou¿ Meu amigo aqui: Jesuíno! Tânia – Jesuíno! Até que enfim homi! Washiton – Eu vim atrás do meu amor sabe Dona¿ Tânia – Que bom! Olha que lugar bonito pra encontrar o amor Jesuíno! Olha aqui Mariene! Não tá reconhecendo Jesuíno não¿ Amilton – Pra reconhece tem que dar uma provadinha Mariene! (riem) 111 Mariene – (pega o copo de pinga da mão de Washiton) – Tu é Jesuíno é¿ Washiton – Sou! (todos riem) Não tá lembrando de mim não é¿ Eu sou o Jesuíno! Mariene – To quase lembrando... tu simiu porque hein, cabra safado! Washiton – Eu não sumi não meu amor, eu tava aí... tu que não me viu! Mariene – E foi¿ Agora tu vai ter que me pagá essa ausência visse¿ Tânia – Cobra! Cobra mesmo Mariene! Washiton – Eu pago! Eu pago com juros! (os outros riem) Tânia – Olha o mãozão de Jesuíno! (riem) Amilton – Vai pagá direitinho! Paga Jesuíno! Paga! (riem) Jesuíno aparece. Mariene o vê. Se desvencilha de Washiton. Ficam se olhando por um tempo. Jesuíno vira as costas e sai. Cai a luz. 112 Estudos Cênicos século XX – Pentateuco - Por Luciana Lyra Bar amiguinha, o regaço do canavial Figuras Lori Raiana, a cigana do canavial (Luciana) Wesklei, o apresentador (Paulinho) Frankito, o índio apaixonado (Zé Valdir) Jaci de Oxossi, a índia umbandista (Simone) Jupira d’Oxum, a índia evangélica (Vivi) Roxana e Rihani Yahabi, luzes da líbia (Katia e Carol) Jartô Galeno, o cigano do nordeste (Edu) Claudiene Kellen (Ataíde) Participantes do evento (Érica, Cris, Newton, Fernando Neves, Fernando Esteves) Sonoplastia Música 1 – Joelma (Jesus) Música 2 – Ciganos, povo do oriente Música 3 – Vem minha índia (Frankito Lopes) Música 4 – Cigano do Nordeste Música 5 - Tu se vás (Perla e Nilton César) Música 6 – Cláudia Barroso Música 7 – Povo cigano chegou Música 8 – Eu sou cigana Música 9 – Cigana chei chovoriho Música 10 – Ciganos na umbanda (É noite. Na entrada de um bar de ‘beira de estrada’, uma índia vende bugigangas, ela ouve um mp3, o som lembra um ponto de umbanda. No interior do bar, outro som concorre com o da índia, uma música brega falando de Deus, Joelma. Uma faixa anuncia a 13 FESTA DO CIGA-NOS. Cheiros vários de perfumes baratos. Mulheres e homens bebem, por vezes, dançam. Lori Raiana, conhecida como amiguinha, circula fazendo as vezes de anfitriã, está ligeiramente embriagada e vestida à moda cigana em tons de vermelho, lembrando uma pomba gira. Um homem avança no palco também está vestido como cigano, testa um microfone. Enquanto testa, entra uma música Ciganos, povo do oriente) Wesclei (o cigano)– Boa noite, minhas amigas. Boa noite, meus amigos!!!!!!!!!!! É hoje, minha gente, é hoje. Muita emoção num dia só, né não? A gente nós estamos, com certeza, muito felizes. Nós teremos várias grandes atrações numa só noite, por que hoje meus amigos é noite gitana, uma homenagem ao meu povo. Esta é a 13 festa do CIGA-NOS, eita!!!!!!!!!!!!! Mas lógico que eu não poderia deixar de prestigiar a organizadora deste evento que está crescendo a cada ano. Eu quero uma salva de palmas para Lori Raiana, dona do bar a amiguinha, o regaço do canavial. Lori tá abrindo uma rodada de cana pra todo mundo. É bóia-quente, minha gente!!!!!!!! Eita, danado!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! (música se intensifica, música cigana). Hoje é dia de revelações. Tantas e tantas revelações. Lori vai abrir o jogo mais tarde, heim pessoal? Lori, a luz mística do canavial. Eita, danado!!!!!!!!!! Mas antes de Lori Raiana, e para abrir a grande atração da noite: Frankito, o índio apaixonado e suas indiazinhas. (Salva de palmas. Entra Frankito, acompanhado de Jupira e Jaci, eles dublam a música vem minha índia. Ao acabar Wesclei faz perguntas) Wesclei- Eita danado!!!! Frankito é arretado demais, minha gente? Desde pequeno que começou no brega, né Frankito? Frankito – Já na tribo eu fazia uns brega, entendesse? Sou romântico demais. Tenho queda pra isso né? Wesclei – E as menina aqui tão sempre te acompanhando? Frankito – É Wesclei, elas dançam e fazem dublê, entendesse? (Wesclei Coloca o microfone para Jupira) Jupira- Boa noite, gente. Olha, eu penso que fazer uma arte traz a gente pra Deus, sabe? Tive um tempo de querê me afastá de Frankito, do brega, por que tinha recebido Jesus no coração, sabe? Mas preciso de um dinheiro, né? Aí eu continuo pregando nos show a palavra de Deus. Frankito me dá um espaço pra pregar um pouco, sabe? É isso aí. Deus é amor. 113 (Coloca o microfone para Jaci) Jaci – O ke aro. Oxossi é o caçador! Wesclei – É isso aí pessoal! A 13 festa do CIGA-NOS é mesmo um calderão de personalidades. E agora vamo chamando a segunda atração da noite... Com vocês... Ele, o galã maior da zona da cana, Jartô Galeno, o cigano do Nordeste. (Jartô entra e dubla uma música do cigano do Nordeste. As mulheres gritam. Terminada a apresentação) Jartô – Wesclei, quero muito agradecer esta oportunidade. É mesmo uma beleza tá aqui com vcs companheiros da lida da cana. Olha, além dessa música que cantei, tenho ainda uma preparada especialmente em homenagem a Lori Raiana, minha irmã cigana. É música antiga. Para isso, quero chamar as irmãs Roxana e Rihani Yahabi, as luzes do Líbano para dançar e cantar comigo. (Lori gargalha. Entra Roxana lembrando a cantora Perla, com ela vem Rihani. Os três dublam tu te vás. Salva de Palmas) Wesclei – Eita danado!!!! Agora uma última atração antes da grande Lori. É a minha, a nossa Claudiene Kelen. (Claudiene, uma travesti, dubla Cláudia Barroso. Ao fim, uma salva de palmas) Wesclei – Eita danado!!!!!!! Bom, estamos no final das atrações e nada melhor do que nossa querida Lori Raiana para fechar nossa festa. Com vocês, LORI RAIANA, a cigana do canavial. (Entra uma apresentação e música Povo Cigano Chegou. Lori dança) Lori Raiana- Vocês num queriam uma festa, óiaí!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! (entra a música e apresentação Eu sou cigana) Lori – Olha minha gente, vou contar uma história pra vcs. Pra mim o que vale é o que minha vó ensinou. Minha vó era cigana, era mística, eu quero dizer é ligada à natureza. Secreta como um embrião, escorregadia como uma água, a essência da cultura cigana é preservada, primitiva, sagaz, bucólica e bestial. É, o mundo gira e no giro do mundo, os ciganos continuam girando com o mundo e longe de se tornar uma lenda, contam a lenda do mundo. Eu fui prometida em casamento para dá continuidade ao meu povo, casei com a festa (gargalha). Olha, no nosso povo, logo que uma criança nasce, uma pessoa mais velha, ou da família, prepara um pão feito em casa, igual a uma hóstia e um vinho para oferecer às três fadas do destino, que visitarão a criançano terceiro dia, para designar sua sorte. Esse pão e vinho será repartido no dia seguinte com todas as pessoas presentes, principalmente com as crianças. Então bebam e comam o pão, por que uma criança sempre tá pra chegar. (gargalha) Vou vê aqui nas cartas (abre o baralho), alguém se habilita? (convida alguém do público) Eu tenho minha tese própria, que as cartas foram passadas pelos ancestrais, tá bom? Olha, posso lê mão também, só mulher lê mão, é mais sensível. Alguém se habilita? (Convida novamente. Enquanto rola a consulta pública, toca uma música Lamento cigano. Lori revela o destino da consulente sobre uma história de amor. Música Pompa gira cigana (lamento di cigana). Ao terminar Lori fala) Lori – Vocês num queriam revelação, óiaí? Agora quem quiser me dá um dinheiro pode botar dentro do pão e entregar a Wesclei. (Música alma Cigana chei chovorriho. Lori dança e sai de cena. Entra Wesclei) Wesclei – Agora vamos beber até cair minha gente. Com a força cigana, por que este gongar é meu e de todo este povo que veio pra ajudar. A união é maior força que pena verde tem no coração. Vamos dançar. Salve Santa Sara Kali. (entra a música Ciganos na umbanda) FIM 114 Estudos cênicos Século XX – Pentateuco - Por Luciana Lyra JOANA INÊS RUFINA DE MALÊ ou JOANA BODE, A DIVINA MESTRA FIGURAS Joana Inês Rufina de Malê ou Joana Bode (a avó) Ojê-bii Abubaque de Malê (o neto) Ninfas de Alá SONOPLASTIA Canto ao vivo ‘No pé da jurema’ (mulheres), toque africano Música gravada muçulmana Canto ao vivo ‘Incenso cheiroso’ (mulheres), toque africano Música fundida (africana e muçulmana) ESPAÇO CÊNICO Corredor coberto de branco Cortina branca transparente Peji no canto do espaço (Mulheres de branco, enfileiradas num corredor, entoam a música ‘No pé da jurema’. Entra neste corredor, um homem enlameado do pescoço aos pés, ele agacha, toca a mão no chão, toca esta mesma mão em sua testa, Tayammun. Ele pede licença) Ôje-bii- Agô! Agô! (À medida que ele avança no corredor em ritual, as ninfas de Alá vão limpando-o com água e ervas e entregando-lhe um patuá, que é posto em seu pescoço. As ninfas de Alá vestem-no de branco, com abadá e calça de sarja branca. Em sua cabeça põem um gorro mulçumano na cor branca. O homem passa a cumprimentar as ninfas participantes do culto, cruzando os braços sobre o peito e, em atitude de quem faz uma reverência, curva-se para frente, agradece proferindo a seguinte uma frase) Ôje-bii- Barica da subá môtumbá1. (Após cumprimentar as ninfas e no fim do corredor, o homem avista um tapete branco na entrada de um nicho, é um alé, neste tapete também encontram-se pés de cabra num canto. O Homem ajoelha-se e encosta a cabeça no chão, beijando a terra. Atrás de uma cortina fina e branca, transparente, vê-se uma figura oracular. É preta e velha. Diminui o canto) Joana Bode- Nascesse na madrugada de finado, fio. Morresse nas batalha de malê. Sabe por que viesse até mim? Aqui do lado dos mortos? (Silêncio do Homem) Sabe teu nome? (silêncio) Ojê-bii. (pausa) Aquele que tem poder de invocar as almas. Um neto querido. Me invocasse no teu enterro, lembra? Agora tô anqui, fio. Tô anqui. Ojê-bii- Vó! (reverencia e começa a esfregar as palmas das mãos espaldadas, pedindo perdão) Joana Bode- Num precisa esse mussurim, fio. Tu já tás anqui, tás perdoado. Mas sabe que está em sacrifício, num sabe? Deixa eu dá ensinamento, vi? Fard, são as coisas que devem ser feitas, vi? Deus recompensa aqueles que as fazem e pune aqueles que não as fazem; Mandub, são ações encorajadas e recompensadas por Deus; Mubah, são ações não recompensadas nem punidas porque o Corão nada fala sobre elas; Makruh, são atos desencorajados mas que não são punidos e, Haram, que são as ações ilegítimas e puníveis por lei. Tu é forte, fio. Fizesse o mais agradave a Deus, fizesse fard, fio. Lutasse pra defender nosso culto, Alá fica feliz, fio. Fizesse tua obrigação. Veste agora teus pés verdadeiros (indica os pés de cabra). Agora estás no mundo dos morto e pode guiar as alma nova pra o novo mundo que se forma. Os preto agora tão num mundo mió, fio, tão mai liberto. 1 Quer dizer meus respeitos, é uma saudação de felicitação por estarem, ali, presentes. 115 (as ninfas iniciam novo canto, o ‘Incenso Cheiroso’, incensam o ambiente. A cortina branca abre-se. Avista-se a velha coberta em manto muçulmano branco. No fundo, pode-se também vê um Peji em homenagem à Nsa. da Conceição (Iemajá), há uma bandeira com lua crescente e estrela de cinco pontas, lembrando representações islâmicas. As mulheres intensificam o canto, incensando o espaço) Joana Bode- Deixa eu tocar na caaba, fio, deixa tocar na pedra negra que liga homem e Deus. Anqui no patuá tem oração forte,vi? Pra te proteger no mundo dos morto. Morresse guerreiro, anqui é guerreiro também, vai guiar os guerreiro na terra no mundo novo que se forma. (Ojê saúda a vó guardando certa distância de seu corpo, ela continua sentada. As mulheres deixam os incensários e começam por servir inhame ao neto e ao público. As ninfas começam a cantar em iorubá) Ninfas de Alá É barika é barika = Tudo de bom, parabéns! Olórun fé ma lé e barika = O Deus iorubá deseja tud Kó máà dún mo e barika= Que seja cada vez mais prazeroso Òfé odùn e barika = A graça do ano Joana Bode- (gargalha) Esse comê num tem quizila, fio. Come, neguinho, come! Por que há anos está em ramadá, vagando em submundos, fio. (A música fundida entre batuques e referências muçulmanas intensifica-se) Joana Bode – Daqui, do mundo dos morto, tu vai inspirar irmãos teus na construção de um reinado preto, fio. Um reinado de macumba, de crença liberta. Tu vai guiá, neguinho, um movimento preto na Terra de hoje. (A música intensifica-se ainda mais, as ninfas dançam, puxam Oji-bii para dançar, a vó dança sentada, está em júbilo. No ápice da dança, a luz apaga-se) 116 Estudos Cênicos Século XX – Pentateuco - Por Luciana Lyra MUNIZIM FIGURAS Edivan (Edu ou Zé Roberto) Pajé (Marcelo) Dos Anjos (Simone) Munizim (Luciana) Bidú (Ataíde) Ovelha (Paulinho) Jucimar (Zé Valdir) Locutor (Ataíde) SONOPLASTIA Som de desperta do rádio-relógio insistente Som do locutor de rádio (gravação) Música sertaneja falando de amores impossíveis Som de afiação do podão (ao vivo) Som de música de passagem para a ida ao canavial Som de corte de cana Som do rádio de pilha (ao vivo), música brega falando sobre amores impossíveis Música de suspense para relação entre Edivan e Munizim ESPAÇO CÊNICO Barraco Rua Canavial Beirada do canavial (No barraco, entre as três e cinco horas, matinalmente. Edivan, moço forte de seus 20 e tantos anos, luta com um velho rádio- relógio. De fora de casa, Pajé, seu pai, dá um grito) Pajé- Edivan, a hora, cabra!!! (No escuro, Edivan sintoniza uma das estações de música sertaneja. Entre uma música e outra, o locutor informa as horas e os minutos) Locutor- Cinco e quinze! Levanta vagabundo! É hora de trabalhar! Cinco e quinze e ainda tá na cama?! Dona de casa, joga água na cara dele! (Edivan levanta-se rude e começa a sobrepor várias roupas. O rádio continua) Edivan (murmura) - Relógio é invento contra natureza dos home, ô moinho do diabo. (O pai grita de novo) Pajé- Edivan, desgrama, hoje em dia tem hora até mesmo pra nascer, rapaz! (Edivan diminui o volume do rádio. Seus olhos estão estranhos, parece tramar algo. Pega ao lado de seu colchão um frasco de leite de rosas, encharca sua roupa) Edivan (murmura) – Mas se o diabo existe e domina o tempo, então vai me ajudar a passar logo o desejo. O demo existe, e é homem humano, tá queimando em mim. (Ouve-se agora o barulho de pedra raspando contra uma lâmina de ferro. Edivan sai de casa, avista sua mãe, Dona dos Anjos. É ela que afia o podão. Edivan vai até a mãe, pega o facão.Dos Anjos tensa e sem muita festa, fala) 117 Dos Anjos- Fiz bolo de fubá pra tu, teu pai e Munizim. Munizim já chega pra ir com vocês. Bidú, vem calçar a botina de teu irmão e chama teu pai. (Bidú, menino mulatinho, franzino e efeminado, chama o pai dentro da casa e avança com as botinas na mão. Calça os dois homens. De outro ponto, aproxima-se Munizim. Feições finas e delicadas, está paramentado como as roupas de cortador de cana, como Edivan e Pajé. Edivan fita-o com extremo desejo. Pajé corta o momento de epifania) Pajé- Dia tá quase auroriando, bora! (Dos Anjos entrega bóia para cada um. Os três avançam com seus podões. O dia vai clareando. Chegam no canavial. Ouve-se cortes contínuos. Avista-se outros homens. Eles conversam entre si, Munizim permanece calado) Ovelha (bóia fria 1) – eita, a cana tá pouca que tá danada. Jucimar (bóia fria 2) – E os urubu lá em cima tão com fome e tão de olho em quem tá com fome aqui em baixo (gargalha). Edivan (olhando Munizim interessado) – Munizim, tia fez tua bóia? (Munizim balança afirmativamente a cabeça) Edivan (carinhoso) – Mãe mandou bolo de fubá pra depois a gente interá a comida. (Munizim esboça um meio sorriso, misturado com cansaço do trabalho) Pajé- Eita, dois de fofoca. Quem cai na cana, num pode ficá de conversê. Barnabé- Também num é assim, Pajé. Se num tem conversa, a gente acaba desgostando de um tudo e se deitando na linha do trem. Jucimar – Eita Pajé bóia-fria! Pé-de-cana! (Jucimar gargalha. Pajé num gesto rápido vira empunhando o seu podão, risca o chão a sua frente e desafia) Pajé - Vem,vem se for homem! Edivan – Pai, se acalme! (Todos se calam. Após alguns instantes de tensão, descontraem-se) Jucimar – Brincadeira, Pajé! Depois tomamos junto a bóia-quente. (gargalha) Ovelha - Pajé corta cana só para andar armado, né não? Jucimar – Sabe do que mais, vamo tomar a cana é agora antes do gato chegar. (Jucimar levanta a pinga e começam todos a beber e abrir as marmitas. Inicia um som de suspense. Edivan vai ficando cada vez mais ‘alto’. Vai em seu saco e tira de lá o leite de rosas, coloca mais na cabeça, deixando escorrer pelo pescoço. Aproxima- se de Munizim) Edivan (a munizim em tom baixo)- Primo, vamo ali na beirada da cana pra eu te dá o bolo que mãe fez. (os dois se afastam num canto, fora da vista dos outros. Os homens bebem e comem como bichos, riem-se de si mesmos. Ovelha liga um radinho de pilha, um som de música brega. Conversam, ficando gradativamente bêbados) Ovelha- Esse teu sobrinho é estranho, Pajé! Pajé- É mufino, né? Criado por vó, cheio de dengo. Jucimar- Só Edivan se afeiçoa a ele. 118 Pajé- Desde meninos são camarada. A vó obrigou Munizim cair na cana cedo, cum 7 anos. Meu irmão, pai dele, desapareceu no mundo pra pregar os evangelho, a mãe morreu, vixe, inda bem que deixou menino home pra sustar a vó com a lida dura no canavial. Ovelha- Menino home e sério, né? Jucimar- Então, Munizim é sério, nem se fornece a mulher nenhuma, me parece. Pajé – E apois, mulher nenhuma! (ouve-se um estalido, uma facada e um forte grito. Edivan volta da beirada do canavial. Seu podão está sujo de sangue) Boias frias (em coro) – Oxe!!! Edivan (atônito)- Eu beijei, pai, beijei ele todinho, entrei nele e sufoquei, pai. Sufoquei o primo numa estrangulação de dá dó, que botou o fubá língua à fora. Só ficou os olho dele aberto e verde pra gente vê. Os olho verde feito canavial. Pode acender as vela, que esse diabo num me tenta mais. (continua atônito enquanto fala. Os bóias frias estão surpreendidos absolutamente) Eu gostava dele, pai, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita, o demo tomou conta de mim, isso não era de Deus. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Se num podia ser meu, não será de mais ninguém. Era meu inferno, pai, como esse mundo de cana é, inferno. (Os bóias-frias vão ao canto trazendo o corpo) Ovelha (desesperado segurando o morto)- Já já, chega o gato para tomar a medição, Jucimar. Jucimar (astuto) - Vai vê o corpo, Ovelha. Deus livre a gente desta possuição! Deixa ei ajeitar o bicho aqui. (Jucimar ajeita o corpo morto de Munizim. Eles olham Edivan com preconceito. Edivan entrega o podão ensanguentado. Jucimar espanta-se ao mexer as roupas de Munizim) Jucimar – eita, é fêmea o morto. (Edivan olha o horizonte de cana. Chora) Ovelha- Munizim era mulher como o sol não acende a água do riacho, como Edivan soluça o desespero. Edivan- Deus, neste mundo sujo da cana, que brinquedo me arranjasse? (Em redor do corpo, os bóias-frias velam Munizim. Com vertigens do cansaço do trabalho, da bebida, da insólita vida no canavial, abafa-se desejos incompreensíveis, extensos, tantos) 119 ROTEIROS DO TERRA DE SANTO 120 TERRA DE SANTO (Pentateuco) Roteiro D. (Movimento 1, 2 e 3) Abril 2012. Texto Newton Moreno Em processo colaborativo com a Cia Os Fofos Encenam. 121 Movimento 1. “O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é a única coisa que conta”. José Saramago. “Existem pessoas como a cana que, mesmo postas na moenda, reduzidas a bagaço, só sabem dar doçura". Dom Helder Câmara. ESPAÇO 1. ANEXO. MADRUGADA. RELÓGIO MARCA 4HORAS DA MANHÃ. MESAS COMPRIDAS COM MUITOS BANCOS. AMBIENTE SIMPLES, REFEITÓRIO DE CORTADORES DE CANA. NESTE ESPAÇO O PÚBLICO SENTA-SE PARA ESPERAR A PEÇA COMEÇAR. PIRACICABA COM MUITOS MIGRANTES PERNAMBUCANOS DA CIDADE DE VICÊNCIA QUE VIERAM PARA O CORTE NA ENTRESAFRA. GRUPO MISTO DE SOTAQUES DO INTERIOR DE SÃO PAULO E DE PERNAMBUCO. A CORTINA DA COZINHA ESTÁ FECHADA. OUVIMOS UM CANTO BEM BAIXINHO. PAULINA E NONINHA ENTOAM SEU CANTO. DUAS COZINHEIRAS ESTÃO PREPARANDO A COMIDA A SER SERVIDA AOS TRABALHADORES ANTES DO TRABALHO. “Cordeiro divino, morto pelo pecador Sê compassivo Cordeiro divino, morto pelo pecador A paz concede Amém.” ENTRA MARIENE. VAI AO ORELHÃO. QUANDO NONINHA E PAULINA A PERCEBEM, ABREM A CORTINA E A ASSISTEM FALAR AO TELEFONE. MARIENE É da rádio? Seu Arlindo? É Mariene de Jesus! Tô indo... Eu? Eu tô meiada. Eu acordo aqui, mas vou drumir sonhando com o Norte. Toda terra seca que eu vejo eu penso que é Pernambuco. É, se chove mai, até que eu num sofro. Estiou, eu choro. É uma desgraça esse monte de terra separando nóis, mai um dia eu chego. (Suspira rápido). Eu tô ligando pra dar a notícia na rádio visse? Tô no Sul ainda. O senhor transmite pra mim? Diz que é pra Jesuíno a notícia! Olhe, ele não deu notícia não? Nem ninguém ligou dizendo que sabia dele? Ave Maria... Escafedeu-se mesmo ele... Olhe mas o senhor continue botando na rádio faz favor? Aí o senhor bota aquela música do Roberto Carlos, diz que é de Mariene de Jesus pra Jesuíno Aparecido. Tá bom! Brigada visse? Amém, fique o senhor com ele! Amém, fique o senhor com ele! MARIENE DESLIGA O TELEFONE E COMEÇA A OUVIR O RADINHO QUE TRAZ CONSIGO. 122 PAULINA Mariene rapaz, marido é hoje, família é amanhã. MARIENE É que mal de home dura muito. Minha doença é cumprida, é saudade que cruza o país. PAULINA Ai, minha fia, desse mal se padece a vida inteira. MARIENE E é? NONINHA Tá cedo demai. Cê acordou até Jesus, fia. MARIENE Eu nem drumi. E eu drumo mai? Se eu num drumo, Ele tumén num dorme. NONINHA Isso é jeito de falar com o Altíssimo? MARIENE (Fazendo o sinal da cruz) Perdão. NO RÁDIO. LOCUTOR/PADRE/PASTOR “Sim, hoje é Sexta-Feira da Paixão. Louvemos juntos esta data que marca toda a nossa humanidade. Pena que tenhamos que conversar com nossos ouvintes sobre uma notícia triste que chega em nosso estúdio. Nas margens do Engenho Velho, aqui na nossa região, algumas senhoras estão sendo ameaçadas de despejo. Elas ocupam meio hectare de terra que alegam não serda usina. Dizem que é um lugar sagrado, que elas chamam de terra de santo e, por isto, a cana não pode ser plantada lá. A preocupação é que elas se dizem ameaçadas constantemente a abandonar o terreno em que moram há décadas. Procuramos autoridades e ninguém se manifestou ainda sobre o caso.” NONINHA Ói, o rádio dando notiça das terra de santo de novo, Paulina. MARIENE A senhora conhece? NONINHA É onde fica aquelas árvore. O último fiapo de terra, do outro lado do rio. MARIENE 123 Que danado é uma terra de santo, Noninha? Seu Rachid veve falano que nóis vamo ter que cortar pras banda de lá. NONINHA Quero falar disso não. Isso é briga veia. PAULINA Vamo apressar o cumê antes que eles acorde. MARIENE Antes, as senhora num podia dar uma lavagem na minha alma? Eu vim pedir mais uma benzedura. NONINHA Ô fia, cê pedindo ansim. PAULINA Se Seu Rachid te pega gastando erva com benzedura. Ele reclama até do manjericão que a gente deixa de usar na cozinha para usar na reza NONINHA Eu num sou de negar um Amém. PAULINA Ai, meu Deus, mas vamo rápido, Noninha. NONINHA E eu posso apressar as força que faz a limpeza? PAULINA Fia, nóis geralmente opera a reza quando a pessoa ‘enguiça’. MARIENE E eu tô pareceno certa do juízo? PAULINA Tem razão. Noninha fai. Eu cuido de mar de peito aberto, dor de dentre, dor de strongo, vento caído, espinhela, má do monte, inzipa, quizema, bichera, irzipela, espinhela, coisa mai do corpo. As coisa da alma é com Noninha. Num parece ser seu caso. MARIENE E eu sei se é mai corpo que alma? Esses negócio toma a gente toda. Tem hora que dói que nem dor de dente aguda, sabe? Tem hora que é uma sensação no esprito da carne, sabe? Como se fosse vento por dentro dos osso, sabe? PAULINA Sei não. Comprexo, fia, comprexo. NONINHA Ô fia, deixa que eu cunverso com sua alma. (Estuda a paciente). Tá descaída, sua alma, fia. MARIENE É Jesuino que num dá um sinal, Noninha. Tô toda machucada na vontade. O coração fica batendo negativo. 124 NONINHA Ocê põe seus oio viajando pelo mundo, fia, eles tão buscano fora o que devia tá coiendo drento. MARIENE Ele prometeu voltar. Eu caí na cana por causa dele, vim do Nordeste por causa dele. Quando ele foi simbora, ele me jurou que voltava de Vicência. E cadê o home? Nada. NONINHA Tá bom, fia. Eu vou fazer rezadeiro em ocê. Mas num fala para os crente que trabaia com ocê no corte que eles fica tudo me oiando atravessado. Seu Messias mesmo pensa que eu sou espiritista e eu num sou. MARIENE Mai eu bem num sei que quando os fio dele adoece, eles vem tudo pedir sua reza. NONINHA Para eu desfazer as porqueira que fizero para eles. Vamo, fia, vamo chegando que seu Rachid vem daqui a pouco para carregar todo mundo para o corte. REZA DE NONINHA. NO MEIO DA REZA, PAULINA INTERROMPE. NONINHA “Dor abrando a tua ira e quebro as tuas forças. Assim como Judas vendeu Cristo que é Nosso Senhor Jesus, por esse mundo andou, olhado e vento caído Jesus curou. Credo em Deus Pai. Livrai todos de peste e guerra.” PAULINA Ô, Noninha, onde que tu meteu o cuminho? NONINHA Debaixo da pia, fia. PAULINA Tô achando não. NONINHA Então assume aqui que eu pego. MARIENE E eu fico aqui? NONINHA Fica, fia, fica. MARIENE E a reza? NONINHA 125 Ela segue o seuviço, eu já volto. MARIENE E é? PAULINA Nós semo uma dupla, fia, esqueceu? PAULINA PEGA O RAMO DE ERVA E SEGUE A BENZEDURA. NONINHA ENTRA NA COZINHA E ASSUME AS PANELA. PAULINA Deus te gero, Deus te genero. Olhado e quebrante deste mal, Deus te curou. Se for na tua mortura ou na tua formosura. Nas tua carne ou nas tua feiúra. Nus teus óio, nus teus cabelo, no teu comê, nas tua carne. Na tua disposição. Na tua boniteza na tua inteligência no teu bom sentido. No teu pensamento. Se foi inveja se foi mal vontade. Que seja saído, que seja tirado com o pude de Deus e da Virge Maria. Amém. NONINHA Mai num tinha como dar certo isso. PAULINA (Interrompendo a benzedura). Que foi? NONINHA Colocaram o cuminho no recepiente do sal. Vem. Deixa que agora eu sigo. PAULINA Vai logo que a menina tá pesada. MARIENE Que foi? NONINHA Nada, fia, nada. (À parte). Isso é jeito de falar com a menina? VOLTAM A TROCAR DE LUGAR. PAULINA SEGUE COZINHANDO. NONINHA FICA ESPANTADA QUE O GALHO DE ERVA MURCHOU MUITO. MARIENE Tá tudo certo? NONINHA (Escondendo o galho murcho). Tá fia, cê tá limpa que nem uma nascente de rio. (Pega dois ramos de erva nova sem que Mariene perceba). 126 NONINHA CONTINUA A REZA. PAULINA E as colher de pau, onde que tão? NONINHA Perto do fogo. MARIENE Acho que eu tô atrapaiando as senhora. NONINHA Mai eu já terminei, fia. MARIENE E foi? Apoi amanhã eu ligo para o Norte de novo para ver se meus caminho roça os de Jesuíno. NONINHA Vai chamar o povo, fia. Tá quase na hora do transporte chegar. Cê vai no corte? MARIENE Eu vou. Tô na precisão de mandar mai remuneração para mainha. NONINHA (Sozinha). Boa coisa num vem desta lida hoje. Corte em dia santo. Mai quando Deus quer é assim. NONINHA SE ESPANTA COM OS TRÊS RAMOS QUE TEVE QUE USAR EM MARIENE. MARIENE SE DIRIGE À CORTINA QUE SEPARA A ÁREA DAS MESAS DO CANTO ONDE OS TRABALHADORES ESTÃO ACOMODADOS. LIGA O RÁDIO DE PILHA BEM ALTO COMO UM ALARME. AOS POUCOS, ELES SE LEVANTAM. NO RÁDIO, ALGUMA PREGAÇÃO SOBRE O DIA DA PAIXÃO DE CRISTO. PODEMOS EXPLORAR O ESPAÇO QUE ARMAZENAM OS CENÁRIOS COMO UM DORMITÓRIO DOS BÓIAS- FRIAS. UMA CORTINA REVELA QUE ESTÃO TODOS DORMINDO ALI ATÉ A HORA DE DESPERTAR. O BANHEIRO É USADO COMO TAL, A PIA PARA LAVAR ROUPA, UM PEQUENO VARAL. ESPAÇO APERTADO PARA ABRIGAR O GRUPO E SUA MOVIMENTAÇÃO. APRONTAM-SE E OCUPAM LUGARES NA MESA JUNTO COM O PÚBLICO. AS COZINHEIRA/REZADEIRA COMEÇAM A SERVIR A TODOS. QUANDO TERMINAM, VOLTAM PARA COZINHA PARA LAVAR OS PRATOS. PÚBLICO COME JUNTO COM ELES O CAFÉ-DA-MANHÃ. SENTAM-SE LADO A LADO. ELES VÃO APRESENTANDO A COMUNIDADE PARA O PÚBLICO. ATRAVÉS DAS FALAS DELES, SABEMOS QUEM É QUEM. MESSIAS (O EVANGÉLICO QUE DIZ SEMPRE ‘AMÉM’ NO FINAL DAS FRASES). Dona Noninha, a senhora bem que podia rezar para tirar este encosto deste Michael de perto de mim. MICHAEL 127 Ô home, quem foi que disse que num se pode contar piada em dia santo? O meu suor é um suor alugado, mas minha gaitada, eu num vendo. Faça um preço preu num rir mai, eu num vendo. Di aí quantos milhão, eu num aceito. Dona Noninha, tô véio demai para este corte. Os osso tudo derrubado. Precisano de uma princesa que faça uma mezinha para mim após a lida. NONINHA Sai daqui, home. Tu num nascesse não, tu caísse. Eu rezo tudo, só num curo feiúra. Isso é difícil, né fio? Deus mandou o cabra torto, aí com a vontade dele eu num posso. E tem gente que num tem conceito MICHAEL A senhora tá negano uma auxilo a um homem necessitado. NONINHA Isso é coisa que eu num faço. Eu rezo quem bater na minha porta pedindo. Espiritista, crente, eu rezo. Num tenho panti. Aquilo que Deus ensina a gente tem que aprender. Rezo da cabeça aos pés, fio, arrudeando a alma. Agora tuas gaia, nem Jesus. Cuidado, viu? Porque gaia mata, viu fio? MESSIAS Cês tudo a reclamar do corte. Apoi eu gosto do corte, gosto. Porque todo trabaio é um atalho para jesui, amém? Se eu tô nessa lida é para juntar uma paga para um projeto que Deus me sentenciou. Porque Deus tem um projeto para todos nós, amém? Eu aceito o que Deus marcou. NONINHA Teu irmão deu notiça? MESSIAS Ligou ontem. Olhe a foto da construção que ele mandou para mim. (Mostra a foto). Nossa Igreja chama-se IGREJA DA RENOVAÇÂO DO BEZERRO DE OURO. Num é lindo, Amém? Glória a Deus, eu volto para minha terra e monto minha igreja. Nóis já juntamo quase todo o dinheiro que precisa. Sabe quanto custa? Uns R$ 436,00 para ganhar a permissão no cartório, aí tem os gasto com a casa, os banco, a Bíblia.Olhe, Mariene, olhe. (Mostra o anúncio com valor para abrir uma igreja). MARIENE Tá é bunito, seu Messias. MESSIAS Meu irmão tá pesquisando tudinho para mim. Amém. PAULINA Para que ir ao culto, construir igreja, home, se a televisão trai a missa para todo mundo? Da hora que acorda até a hora do sono, o povo sintoniza os culto. Minha cumadre assiste o pastor, o padre, o esprita, vai mudano de canal como quem muda de roupa. MESSIAS Mai é só no culto que o senhor derrama seu perfume sob nós. Amém? Ainda mai os templo daqui de Sum Paulo lotado que nem estádio de futebol. E é cada pastor de fibra, amém? Uns que sacode o bicho da tentação para longe. Oxe, quando eles limpa o cabra parece inté que marcaro um gol. É bonito. MICHAEL Mariene, o orelhão tá funcionando? MARIENE Tá chiando é muito, mas deu para entender metade que Seu Arlindo falou. MICHAEL 128 Depois tu me ajuda a ligar de novo? Tô com fome de ouvir meu povo. MARIENE Eles num iam descer, seu Michael? MICHAEL Ia, mas desistiro. E eu aqui murchando de sodade. Quando eu sinto falta deles mermo, eu faço uns boneco de cana e batizo que nem meus menino. Aí fico na prosa. Tumén eles só fala o que quero, num tenho que ouvir lenga-lenga da patroa. Mai menino, é bom demai. PAULINA Cês come logo que daqui um poco seu Rachid chega berrano. Tem amor pela terra, pelos bicho, mas não por quem anda e deita por cima dela. MESSIAS (REFERINDO-SE AO PRATO) É carne? NONINHA Foi o que a usina mandou. MESSIAS Na sexta-feira santa? PAULINA Num disse que ia dar rebuliço. Foi o que mandaram da usina. O resto é raiz e ovo. MARIENE Apoi, hoje eu passo com mandioca, mas num como. Tá doida? Eu sou toda crente. Meus intestino é crente no senhor Jesus, eles se arevoltam comigo. TÂNIA Apoi os intestino deles acredita mais é na fome. MICHAEL Paulina de Deus, conheço um que pôs o dia santo à prova. Ele ameaçou. Nóis ficou no aguardo da hora da ceia, esperano para ver ele desafiar o santo. Apoi, mulé, ele comeu quase um boi inteiro na sexta santa e estrebuchou até a morte. Saiu dando coice que nem vaca. PAULINA Cavalo é que dá coice. MICHAEL Na minha terra, vaca tumén dá coice. PAULINA Se eu comer um boi todo, eu tumén me reviro toda até morrer. MICHAEL Num como carne hoje não. Mais já que num tem carne, nóis tem que se fortalecer de outro jeito. (Colocando um líquido de uma garrafa no copo de café). 129 TÂNIA Ô veio bom de cana, se num tivesse tão perto da cova, eu grudava. MICHAEL Aguinha benta para temperar minha fé. Quer, Tânia? TÂNIA E apoi. MICHAEL Eu truxe inté um negocinho aqui para hora do corte brabo. (Mostra discretamente o pacotinho de maconha). Isto é ‘anti- stressi’. Plantio de mato dá mais dinheiro, mas minha religião num aceita. Meu cunhado equipou a casa todinha por causa do tóxico. Cresceu muito ele com o matim, foi. Mai eu fi um acerto. Eu fumo, mas num planto, né não? Agora tem famia no Norte que se alimenta deste vício. TÂNIA Bestage, Seu Michael. Cana mata, agora fumo alivia, avoa a gente. MARIENE Olhe, apoi a cana me deu foi muito. Me deu Jesuíno. TÂNIA Pronto, começou... MARIENE Que é que quero mai? O home bunito daquele, todo cheio de ângulo, num sabe? Todo medido, olhe aquilo que foi bom uso de fita métrica. Num tem um lado que você visse o home para dar tristeza. E dentro dos olho dele, eu vi um mundo. Sabe quando cê vê que nem um filme que vai dar certo no final. Olhe era tanta da poesia nos olhos dele. Foi um maravilhamento. TÂNIA Ô Mariene, tu vai largar de ser besta quando? Faz cinco meses que esse cabra desapareceu-se no meio da cana! Já deve ter virado espantalho! Espantalho não manda notícia não! MARIENE Já tás beba de novo? TÂNIA Foi só um trago, Mariene. MARIENE Um trago a cada minuto. Tu tás suando cachaça já. TÃNIA É de tanto chupar cana, aí o sol ferve nós e sai uma cachaça boa pelos poro. Os home adora provar. Quer provar? É como se di: ‘mulher e cachaça em todo canto se acha’. Agora eu já venho com o pacote todo, 2 em 1. MARIENE Eu mesma já parei faz tempo! TÂNIA Só tu mesmo tá resistindo a transformação...assim tu vai ser esmagada minha filha! Vira bicho Mariene! Não tá vendo os homem tudo aí arrastando as palha pra cima de tu? E eu tô sabendo que tu gosta! 130 MARIENE Vai Tânia, tu pára de me atentar Eva miserávi! TÂNIA Vamo começar mudando esse nome. Pegue outro. Um que num seja bíbrico. Etvaneide, Mirlândia, uma coisa assim que marque presença. Que o home num esqueça fácil. Uma coisa mais bonita de ser chamada. Vai! Já tá queimada mesmo! Se é pra virar bagaço, vamos distribuir nosso mel minha filha! Ói...Seu Rachid anda falando é muito de tu. Diz que tu caiu na cana por causa do amor, mas que quem vai mostrar o amor pra tu é ele! Eu se fosse tu, eu assistia! MARIENE Vai mostrar o amor é? Vai miséria, que nós vamos perder o caminhão! MARIENE SAI. PAULINA Tem umas moça que os marido morreu, mai num são viúva, não. Eu nunca fui á toa. Agora tem umas que se deita até com bicho. TÂNIA Confio em home não. Gosto, mas não confio. PAULINA Sou viúva, graças a Deus. Ele metia o cacete em mim, fio. Eu corria para o mato com meus fi, mai nunca ataquei meu home. Hoje o marido raiga a mulé, a mulé raiga o marido. Acho certo não. TãNIA Home é só desgraça na vida gente, Paulina. E eu num picotei meu marido. Foi um acidente. Ele enfiou dois pé-de-cana na minha cabeça, eu emprestei meu facão pro bucho dele. Nem queria sangrar ele tanto. Sobreviveu o peste. Tá mancando até hoje lá no Norte. Chamam ele de meia-pegada. É bom que manque mermo que nem o coxo. O pesado. O lá debaixo. Di que o coxo ficou coxo quando caiu do paraíso. Ó praí. Meu home tumén. Ficou coxo porque saiu do meu paraíso. E agora num tem como ele esquecer Tânia Risca-faca mai não. Assim como Diabo num tira Deus do juízo. (Bebe e suspira). Oi home só é bom de vei em quando, minha fia. MICHAEL Cachorro mordido de cobra, tem medo até de barbante. NONINHA Seu Rachid tá é atrasado. Ele nunca que atrasa. Ele briga inté com os relójo que perde a pilha. PAJÉ DERRUBA O PRATO COM A CARNE. SILÊNCIO. PAJÉ Isto aqui é lavagem. Eles num pode dar comida errada num dia santo. Cês num vê, não? (Silêncio). Eu quando cheguei, ouvi uma coisa que me mudou. Uma mulher da cana me disse assim: nóis num tem força nenhuma. Só eles que nos emprega por aqui tem. Aí eu defendo quem me estupra porque é quem me dá a comida. Empurram até a comida errada para machucar os seus santos. 131 PAULINA E NONINHA COMEÇAM A LIMPAR O CHÃO. PAULINA Vamo limpar logo, antes que Seu Rachid chegue. PAJÉ Devia de deixar para ele escorregar. Isso aqui é morada do Tinhoso, vei em quando é que Deus visita. Cês devia mudar de patrono logo. Para cortar a cana tem que ter raiva. Só conheço gente braba, mais braba que a cana para vencer nesta lida. Daqui a pouco eles nos lançam de novo no meio do inferno. O que tem de gente que faz pacto com Coisa-Ruim para agüentar o sol. O sol endoidece. O sol fai o povo perder o juízo. O Sol é olho do capeta espiando nóis para ver se a gente trabaia dereito. Aqui só vence povo que trocou sangue com o Pesado. Os mais rápido é quieto assim porque? Foi Ele que ensinou. Menos ‘abc’ e mais braço. Eles corta duas vezes mais que nóis. Eles são forte como o Coisa-Ruim. Num se vai mai não. Diz que uns inté desistiu de morrer. Adevolveu o jazigo lá na terras deles, em Vicência. Devolveu porque ta cheio das garantia. Coisa-Ruim faz sombra nele. MICHAEL Pesou, num foi? TODOS Foi. Pesou demai. MICHAEL Agora tristeza mermo é quando eu pego a ‘dengosa’. Sabe o que é não? É ela. (Aponta para a marmita. Abre-a e mostra um temor pelo que vai encontrar lá dentro). “E o medo do que tá escundido aí dentro?”, “Mai, menino, cadê a terra prometida que tava aqui?”. Ela deve de tá furada, apoi eu abro, procuro, procuroe comida num tem. Tu tá furada, mardita. (Chuta a marmita para longe). Óia, seu Rachid. Vamo brincar de Seu Rachid. Óia. (Imita a caminhada dele). (Imita Seu Rachid atendendo o celular). O home é brabo. È oiar para ele e ficar com prisão de ventre por dez dia. Ele tranca tudo, menino. Óia, ele. (Os cortadores pedem para Michael imitar Seu Rachid em várias situações. ‘Fai ele brigando com a cana’, ‘falando no celular’, ‘fai ele se enxerindo para Mariene’, etc...). Vou fazer a dança do Seu Rachid. Põe uma musiquinha aí, menino, que eu vou dançar feito o Seu Rachid dança, sozinho no quarto dele. (Coloca a camisa como saia e dança travestido, ridicularizando o patrão). DANÇA EM CIMA DA MESA. POVO DA CORDA E PÕE UM ‘BREGA’. NO MEIO DA DANÇA, SEU RACHID VEM CHEGANDO POR TRÁS. OS OUTROS TENTAM AVISAR, MAS NÃO DÁ TEMPO. SEU RACHID É GALÃ MEIO TOSCO, DESENGONÇADO MAS SE ACHANDO MUITO. SEM DÚVIDA, A MAIOR AUTORIDADE DO LUGAR. SEU RACHID Tava lindo. Parabéns para tu apesar de não ser teu aniversário. MICHAEL Oxe, seu Rachid, foi uma ménage que eu fi. SEU RACHID E eu pedi? (Para Tânia) Tá todo mundo aqui? TÂNIA Quase. MICHAEL Ela tá lá dentro. 132 SEU RACHID Eu perguntei a ocê? (Para Tânia). Ô mulé-água danada. Vaza rápido demai. TÂNIA Ela tá cedendo. Seu Rachid. SEU RACHID Tu prometeu, Tânia, fazer a danada considerar eu. TÂNIA Ela tá se chegano, viu? Ataque hoje que a bichinha até chorou no orelhão que eu vi. SEU RACHID E foi? TOCA O CELULAR E ELE ATENDE, OS BÓIAS-FRIAS APROVEITAM E RIEM, LEMBRANDO DA IMITAÇÃO DE MICHAEL, QUE APROVEITANDO QUE ELE ESTÁ FALANDO AO CELULAR, VOLTA A IMITÁ-LO. SEU RACHID (Depois de desligar). Cês viro que nóis temo visita hoje, né? Povo bom que veio se juntar à lida. Apoi eles vieram também para ajudar a adiantar o serviço que ficou parado essas semana. Sejam bem-vindos. Esta usina é grande, esta casa é grande porque é de todos vocês. Segunda é o prazo para cumprir com o trabaio do período. Se quiserem reclamar, pergunte lá pros Alto porque resolveu mandar um dilúvio tão fora de hora. Isso é acerto seus com eles lá em cima. O mundo tá virado, gente, chuva aqui é sinal de fome. Agora que eu já dei o mel, lá vem o chicote. Tem presentinho de páscoa: hoje, cês vão capinar a área mais perto do rio, o lugar que num foi plantado. PAJÉ São as terra de santo? SEU RACHID São um pedaço da usina que ainda não foi devidamente apresentado à cana. PAJÉ Dizem que tem um povo que ainda mora por lá. SEU RACHID Mas as orde são de derrubar e começar o corte, tudo o mais rápido possíve e começando hoje. Tô sabeno que o assunto esquentou o povo da região. Vamo por o sol no berço hoje, pessoal. TODOS RECLAMAM BAIXINHO. SEU RACHID O que foi? (Silêncio). Sim, pensei ouvir uma reza diferente. PAJÉ Apoi ouviu. Eu num vou. SEU RACHID Por que? 133 PAJÉ Nóis num somo obrigado a ficar na lida manhã e noite. E ademai porque ninguém deve de trabalhar se o dia é santo. Adie o prazo. Fale com os home. SEU RACHID E você é da fé? PAJÉ Não, mas virei agora. Alguém me benza. MICHAEL (jogando “água” da sua garrafa em sua cabeça). Tome sua benção. Eu lhe consagro, viu? (À parte) MESSIAS Dê livramento a Jesus em sua vida. Amém. PAJÉ Livramento dado. SEU RACHID Menino, esse adora teimar comigo. PAJÉ Sou batizado. Sou da lei Dele agora. SEU RACHID Peça então para ele pagar seu dízimo no final do dia PAJÉ Nunca que se pregunta para nóis o que é melhor fazer. Esse povo quer que a gente passe por cima de tudo que a gente crê. Hoje é dia sagrado e muitos aqui vão cortar obrigado. SEU RACHID Obrigado não. PAJÉ O senhor sabe que sem esse dinheiro da semana, eles vão passar aperreio. SEU RACHID E qual é a culpa se caiu um dilúvio? O mundo tem pressa, meu fio. Mai quem num quiser num vai, por isso chegou gente nova caso alguém queira descansar. PAJÉ Não podemos cortar num dia santo, num é? (Todos silenciam). Nós vamo ficar? (Todos silenciam). SEU RACHID Tás pregando para quem? Com ressurreição ou não, eu tô ligando o motor do meu possante e esperando para levar quem quer para o corte. Aliás, chegou gente que num vai se preocupar em pegar os eito de vocês. PAJÉ Vocês todos vão? 134 MICHAEL Apoi, pro meu entender, com todo respeito, Deus num é uma escolha, mas a fome é. PAJÉ Messias, tu vai? MESSIAS Eu já pedi permissão ao senhor. O pastor trabaia hoje, sabe? Se ele pode. PAJÉ Justo quando a reza de vocês tava ficando mais interessante. MESSIAS Deixe de blasfema. Nóis tamo na necessidade, não nos desrespeito. PAJÉ Vocês não enxergam o que eu enxergo. Sou só eu que costuro as carne talhada no corte? Vai todo mundo se transformar em calo. Um calo gigante nas mão e no esprito. Olhe minhas mãos. Esse Deus que vocês procuram não está aqui? (Pausa). Só queria saber quem tá mais perto dele agora. (Pausa). Apoi eu me demito desta igreja. MESSIAS Você aceitou Jesus diante de nós agorinha. MICHAEL Tá achando que é pagode que entra e sai na hora que quer? TÂNIA Num era água benta, era cachaça, Messias. MESSIAS Era o que? MICHAEL Só a cachaça é mais forte que Deus, porque ele dá juízo ao home e a danada tira. PAJÉ Cachaça ou não, eu me enxugo. Eu num vou. Tem um padroeiro dentro de mim que di que é preu ficar. E eu obedeço ele. Vou ficar aqui rezando para vocês ver o que eu vejo. SEU RACHID LIGA O MOTOR, ANUNCIANDO A HORA DE SEGUIREM COM O CORTE. ( O CAMINHÃO PODERA ENTRAR PARA PEGAR A TODOS).2 MOMENTO DE VESTIR AS ARMADURAS. TODOS COLOCAM EQUIPAMENTO E ROUPA QUE FALTAM PARA SEGUIR PARA O CORTE. 2 SE FIZERMOS EM OUTRO LUGAR, ELES SOBEM EM UM PEQUENO CAMINHÃO E PÚBLICO OS ACOMPANHA A PÉ. CANTO NESTA TRAVESSIA, AINDA ABOLETADOS NA TRASEIRA DO CAMINHÃO. TEATRALIZAR A BOLÉIA DE UM CAMINHÃO. 135 ANTES DE SUBIREM. MESSIAS Aos que crêem no Senhor. Uma Ave-Maria na intenção dele. ANTES DE SAIR PARA O TRABALHO, TODOS (INCLUSIVE O PÚBLICO) REZAM UMA AVE-MARIA JUNTOS DE MÃOS DADAS. SEU RACHID VAI ATÉ O PAJÉ E DIZ, SEM OS OUTROS OUÇAM. SEU RACHID Aproveite que vai ficar aí na reza e faça suas mala que você vai embora do meu grupo. Já fei arruaça demai. Pega sua romaria e suma-se. Simbora. MICHAEL Mariene, só falta tu. Vamo que o sol num espera, donzela. MARIENE CHEGA COM UMA REPRODUÇÃO EM VELA/CERA DE JESUÍNO. UM BONECO QUASE DO TAMANHO DELA. MARIENE Tamo pronto. MICHAEL Que espantalho é esse? MARIENE É Jesuíno. MICHAEL Foi muito sol na cabeça dela, meu Deus. Isso num é Jesuíno, mulé. É um homem de sete dias. MARIENE É mó da promessa que eu fi. Acender Jesuíno e carrega ele comigo até a vela acabar. Que assim ele retorna. SEU RACHID Num sei para que quer um homem que só dura sete dia se tem eu aqui que pode durar a vida toda. Traga, minha flor, traga. Ao menos serve para espantar as ave. Simbora. MESSIAS Eu num embarco com esta heresia, não. MICHAEL Oxe, deixe de bestage, seu Messias. Apoi eu embarco, eu vou fazer uma Mariene de vela para eu brincar tumén. 136 SOBEM NA TRASEIRA DO CAMINHÃO. MESSIAS VAI ATRÁS, A PÉ, PARA NÃO SE APROXIMAR DA VELA DE JESUÍNO. MICHAEL Sobe, Messias. MESSIAS Tem mais futuro caminhando com meu Jesus. MICHAEL Pia pra isso, menor que uma castanha e quer fazer frente ao nosso possante. Óia, messias é burro veio que anda mais rápido que o possante de Seu Rachid. Nóis tá lascado mermo. Oiar o mundo da traseira de um caminhão veio que está sendo ultrapassado por um veio jumento. Pia que negoção. Ô Seu Messias, o senhor tem fé demais ou fé de menos? MESSIAS Sua peste míope. DIZ ISTO E CORRE ATRÁS DO CAMINHÃO NA INTENÇÃO DE BATER EM MICHAEL. SAEM. FOCO EM PAJÉ QUE ESTÁ ARRUMANDO A TROUXA NO ALOJAMENTO. PAULINA (Para Pajé, entregando uma bóia-fria). Tu vai com Deus. Óia,Pajé, tem uma hora do dia que eu choro. Mai todo dia é ansim. Encosta um desespero, um desmantelo. Aí eu paro. Paro e choro. Posso estar cozinhando, amamentando, benzendo, urinano. Num tem escolha. Eu choro. Mai depois passa. É só um minutim. Nem tem destino certo as lágrima. Eu choro e pronto. Aí eu passo o resto do dia sorrino. Gradeceno a Jesus. PAULINA VAIA PARA COZINHA E FECHA A CORTINA. CANTO DE NONINHA E PAULINA SEGUE. NO RÁDIO, O PASTOR SEGUE PREFERINDO SUAS PALAVRAS. (DÚVIDA: PROJEÇÃO/TV DA PREGAÇÃO DO PASTOR). PASTOR Neste dia tão especial, eu trago uma reflexão para todos nós. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros, assim devem ser os seres humanos. O caminho da vida pode ser livre e belo. Mas nós estamos nos desviando dele. Criamos a época da velocidade, mas estamos presos dentro dela. A máquina que produz abundância está nos deixando cada vez mais pobres. Nós pensamos muito e sentimos pouco, irmãos. E para vocês que estão me ouvindo agora, eu digo: "Não se desesperem". A desgraça que agora cai sobre nós, não passa dos estertores da cobiça... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Mas o ódio dos homens passará, os donos dos donos morrerão, e a força que eles roubaram das pessoas, retornará as pessoas. Amigos, Não se entreguem a esses selvagens! Que governam as suas vidas dizendo o que fazer, o que pensar e o que sentir,... Que dizem como ser, o que comer, que te tratam como gado e que te usam apenas como um facão para cortar a sua cana! No capítulo dezessete de São Lucas está escrito: “O Reino de Deus está dentro do homem”... não de um homem, nem de um grupo de homens, mas dentro de todos os homens! Dentro de todos vocês! AO FINAL, PAJÉ FECHA A CORTINA QUE SEPARA ALOJAMENTO DE REFEITÓRIO. Apêndice. Movimento 1. 137 PAULINA Ara faiz as conta Paulina: são muito noviço, entonce 7 ovo, mais sete ovo. Craro. Onti memo, Dona Mercia mandô eu faze um dito dum doce pro neto dela. Disse que nas terra dela quando nasce o primeiro dente da criança tem que fazer o doce,…sininho.. sinisss…sinie, que é pra mode a criança infia a mão e daí intão a famia se arreune e come o doce benzido pela mão do dentado… Agora será que eles faiz bolo quando cai um dente dum adurto? No meu caso intão dava pra abri uma padaria. Nem sobrô do doce pra mor deu isprimentá. É ingual ao açúcar que sai dessas cana. Cá glória de Deus eu saí dessa vida. Parei de esquenta minha cabeça no sor, pra esquentá o bucho no fogão. Aqui pelo meno meus minino num passa fome. Eu tenho duas dúzia de Santa Ceia de menino. (Cantarola uma cantiga). Bão era quando nóis chupava da cepê, da curimba, mé cum água…O minino cê tá racrítico3. Mama fio. Foi dipois do sarampo que te deu. Mai eu vô faze uma prece pra mor docê fica bãozinho feito seus irmão. (Vai no vaso apanha 3 raminhos) coloca o menino sentado: “Marildo Deus te gero, Deus te genero. Olhado e quebrante deste mal Deus te curou. Se for na tua mortura ou na tua formosura. Nas tua carne ou nas tua feiúra. Nus teus óio, nus teus cabelo, no teu comê nas tua carne. Na tua disposição. Na tua boniteza na tua inteligência no teu bom sentido. No teu pensamento. Se foi inveja se foi mal vontade. Que seja saido que seja tirado com o pude de Deus e da Virge Maria. Amém”. Esse ramo foi imbora, num roga mai, viu minina? Os male o vento carrega. (Dá um copo d’água que estava separado pro menino) Sempre pidi pra Deus me mostra como rezar, memo que fosse debaixo duma ponte, sabia que tenho cadência de reza…Aí como ele já tá mais coradinho. Pensá que Romildo quando fico cum o pai quase morreu de frio, pruque frio, comigo fio num passa, num passa memo. Que a brusa de uma mãe esquenta deis fio, mas a dum pai num presta pra ninhum. Graças a deus e memo que cês fosse trinta eu ia criá sem amargura. Ceis são minha carne, meu coração que bate drento de cada um doceis. Se da cana nasce a cana, é da muié que nasce o homi. Intendero? Sou viúva, graças a Deus. Ele metia o cacete em mim, fio. Eu corria para o mato. Hoje o marido raiga a mulé, a mulé raiga o marido.Tem umas moça que os marido morreu, mai num são viúva, não. Eu nunca fui á toa. Agora tem umas que se deita até com bicho. Mai meu marido morreu de poiqueira. Porque ele num via uma coisa para num dizer. Aí, meu fio. Ei sei quem fei. Mai eu penso assim: o que você fei, fei para você mesmo. Se desejar o bem, vem para o outro e para você; agora se desejar o mal, vem tudo para você. Endoidou. Levamo pro Hospital. Foi a maior dor deixar ele por lá. As mulé num queria deixar eu visitar ele, mai eu disse num saio daqui sem ver ele, eu drumo da banda de fora do hospital, mai num saio. Foi. Endoidou. Depois voltou mai num teve mai cunceito. Mai ele ainda ajeitou 2 fi depois do Hospício. Por isso que eu digo eu tive 17 fi, 15 de um homem bom e 2 fi de um desmantelado. Até fi de doido, eu criei. Mai minha maior alegria é eu ter criado tudo. Eu tive tudo aqui em casa mermo. Só teve um que me levaro para parteira. Num queria se vir. Mai quando a parteira passou a mão lá, o cabra espirrou. Nasceu com 5 kg, num era um menino, era um jumento. Mai tudo criado dentro da minha lei, viu? Quando eu abro a boca, eles tão tudo calado. CHORA E SORRI. Tem uma hora do dia que eu choro, moço. Num sei quando. Mai todo dia é ansim. Encosta um desespero, um desmantelo. Aí eu paro. Paro e choro. Posso estar cozinhando, amamentando, benzendo, urinano. Num tem escolha. Eu choro. Mai depois passa. É só um minutim. Nem tem destino certo as lágrima. Eu choro e pronto. Aí eu passo o resto do dia sorrino. ENXUGA AS LÁGRIMAS. NONINHA Vamos sentando pessoal, a casa é pequena, mas tem lugar pra todo mundo aqui. Ah, não, nessa não (Apontando para uma cadeira vazia) Essa é de Santo Antonio. É que ele tá fazendo um servicinho pruma comadre minha que tá necessitada de casá, mas daqui a pouquinho ele volta. É que, vocês sabem né, hoje em dia tá todo mundo precisando de ajuda, uns querem casar, outro querem separar. Uns querem melhorar do corpo, outros da cabeça. Eu não tive nada dessas querência nunca não. É que Deus sempre me ajudou em tudo que eu precisava. Quando Deus quer é assim. As pessoas me procuram duas vezes. Uma na entrada, outra na saída. O que eu faço de batismo e encomendação por aqui...Tem uma comida aqui eu tô fazendo pro neto aí da vizinha. Esse eu batizei. A comida é mesmo uma reza. Ela veio me 3 Convocar as crianças para participar? Lucas? 138 dizer que o menino tava com bucho virado. Bucho virado. É engraçado que esse povo não acredita em nada até que uma reza resolve o problema. Ela mesma, a vizinha, nunca vi rezar um ‘Pai Nosso’. Depois que ela veio aqui e eu, eu não, Deus, tirou essa enxaqueca dela, agora tá toda hora batendo aqui pra pedir ajuda. Eu ajudo, né. Aí eu pego a comida e benzo assim: “Dor abrando a tua ira e quebro as tuas forças. Assim como Judas vendeu Cristo que é Nosso Senhor Jesus, por esse mundo andou, olhado e vento caído Jesus curou.” Ave Maria/Salve Rainha/Credo em Deus Pai. Livrai todos de peste e guerra. Amém. Se a gente sofreu, vamo pedir conforto a Deus para não sofrer mai. Eu rezo tudo, só num curo feiúra. Isso é difícil, né fio? Deus mandou o cabra torto, aí com a vontade dele eu num posso. E tem gente que num tem conceito. Tu num nascesse não, tu caísse. Agora se for gaia, pode num melhorar. Porque gaia mata, viu fio? Eu rezo quem bater na minha porta pedindo. Espiritista, crente, eu rezo. Num tenho panti. Aqui os crente vem se rezar. E eu rezo. Aquilo que Deus ensina a gente tem que aprender. Rezo da cabeça aos pés, fio, arrudeando a alma. Eu uso manjericão, arruda, pinhão-roxo. A Deus querer. Ponho todo no álcool. Quem chega aqui doente e com raiva, sai rindo. Quando Deus quer é assim. Outro dia bateu na porta uma vizinha esbaforida: ‘Dona Noninha pois meu noivo não marcou a data do casamento? O raparigueiro tomouvergonha na cara. Vim aqui agradecer.’ Então posso tirar o santo da panela. Ai, meu Deus, num é que eu me esqueci. VAI ATÉ A PANELA E TIRA UMA IMAGEM DO SANTO ANTÔNIO FUMEGANDO. Olha aqui, meu Santo Antonio agora vai descansar. (Limpa o santo e o coloca na cadeira dele) Tá vendo? A pessoa sai daqui maneirinha, leve...O santo é assim mesmo. Ás vezes a pessoa assim cheia de psicologia é mais difícil de acreditar nas coisas né? (Fala para alguém). Você é daqueles que acha que uma visita no hospício mostra que a fé não prova nada, né? Cada um tem seu CPF, né? Olha, pra mim assim tá bão. Pra mim eu tô no céu, minha vida é muito feliz. Quando Deus quer é assim. Deixa eu ir que a reza não é pra todo mundo não, porque se fosse sobrava, né? Quando Deus quer é assim! MESSIAS Apoi eu dou escola da palavra divina para meus amigo do corte. Ensino as pegada do Cristo. Tô praticando minha fala futura. O pobrema é que o povo tá fugindo da igreja. Você me entende, amém? Porque a palavra de Deus é viva e eficaz. SEU RACHID Eu queria aproveitar e falar umas palavra que o patrão me pediu para ler para vocês. Eu não sou poeta, viu? Num sei porque eles me pedem sempre para ler isso, mas eu sou obrigado, então lá vai... SEU RACHID QUER PROFERIR ALGUMAS PALAVRAS PARA OS NOVOS CORTADORES. COMEÇA LENDO O PAPEL, MAS VAI ASSUMINDO COMO SUAS AS PALAVRAS ALI ESCRITAS. OS CORTADORES ESTÃO ENTRE ELES, ESCUTANDO TUDO. DISCURSO PARA OS NOVATOS. Isto aqui é uma parte grande da historia de nosso país. É o ciclo da cana de açúcar que marcou época na colonização do Brasil agropecuário. Nós temos vários ciclos, o ciclo da pecuária, o boi penetrou pelo país afora, depois veio a agricultura canavieira, veio a divisão das capitanias e Pernambuco, a terra da maioria de vocês, foi a capitania que mais progrediu, embora não foi a primeira que plantou cana. A coisa cresceu. Hoje existem usinas que são verdadeiras catedrais, coisas enormes, monstruosas. Tem moenda hoje que você não acredita o tamanho, da altura das casas grandes de vocês lá no Norte. Hoje, muito se fala e bastante é criticado o aparecimento de tecnologias que favorecem o cultivo da cana e consequentemente o progresso do pais. O cultivo da cana transgênica, por exemplo é muito criticado. Nos anos 1990, dizia-se que a transgenia causaria câncer, impotência e outras doenças. Cadê o câncer? Cadê a impotência? Temos um produtor que produz 400 kg por hectare, enquanto outro produz 2.000 kg na mesma área. A gente tende a achar 139 bonito produzir pouco usando baixa tecnologia. Queremos desmatar mais? Não. Queremos que as áreas já desmatadas produzam mais. Isso vai reduzir a demanda por mais áreas. Outra questão é a mecanização da colheita. Não há duvida que a mecanização aumenta a capacidade produtiva. Vamo aproveitar enquanto elas num dominam tudo. (Percebe que a piada não funcionou). Ai vão dizer: e o desemprego? Sim, o desemprego, mas essa passa a ser uma questão social, não econômica. O que fazemos aqui é contribuir para o desenvolvimento, não trabalho social. Isso é papel do governo, e ele que tem que realocar esses trabalhadores. E o que é pior: as críticas mais pesadas contra o modelo de produção do etanol não vêm do exterior, mas daqui mesmo. São organizações sociais, sindicatos, parlamentares que denunciam os casos de super-exploração. Cuidado com os urubu que ficam cercando ocês com umas idéias sujas. Vira e mexe, nós estamos vendo os estrangeiros falarem do trabalho escravo no Brasil, sem lembrar que para o desenvolvimento deles, à base do carvão, o trabalho era muito mais penoso do que o trabalho na cana-de-açúcar. É dureza para todo mundo, minha gente. Há muita gente lá fora querendo o fracasso do Brasil. Eles querem nos derrubar. Mas nós estamos mudando a história do país. Não estamos? (Resposta tímida dos trabalhadores). PAJÉ Mai eu sei quem me roubou a fé. Foi uma cabocla que vendia uns espelho na rodagem. Na altura da Bahia. Ela era meio índia, num sabe? Ela me pôs um espelho assim no rosto. E eu me vi. Mai eu me vi, seu home, como nunca tinha me visto antes. Foi como se fosse a primeira vei. Se eu num subesse antes quem era aquele ali. Vi meu rosto e eu parecia meu vô. Vi muito janeiro pendurado nas minhas peles. Vi meu rosto cortado que nem terra esperando. Eu num tava chorando, mas parecia que eu tava. Aí eu tentava sorri e pareci que chorava mai ainda. O povo dizeno que tinha feitiço naquele espelho dela. Apoi quando ela aretirou o espelho da minha frente, foi como se apagasse as cores do mundo. Foi ela, a índia que me raspou o tacho e fechou a venda. Ela pôs minha alma dentro do espelho dela. Sou mai eu não. Só ficou o oco, um lugar véio, o buraco do capeta. Ela capou meu sorriso. Tinha feitiço não, seu moço, tinha só a verdade. 140 Movimento 2. "A natureza não faz milagres; faz revelações." ( Carlos Drummond de Andrade ) “Os mortos não estão mortos na História, é preciso desenterrar a verdade que foi enterrada com eles”.(Heiner Muller) “A tentativa de conhecer o passado é também uma viagem ao mundo dos mortos”. (Carlos Ginzburg). “O fantasma da Mata Atlântica assombram o canavial”. ENTRAMOS E AS MÃES DA TERRA DE SANTO ESTÃO REZANDO. SÃO INTERROMPIDAS PORQUE CORTADORES SE APROXIMAM. ELAS SE ESCONDEM FORA DO PALCO, PERTO DO PÚBLICO, EM UM BANQUINHO RESERVADO PARA ELAS. DE LÁ, OBSERVAM. MARIENE ENTRA PRIMEIRO. MARIENE É aqui, Tânia. Vem, mulé. TÂNIA ENTRA CARREGANDO O BONECO DE VELA. TÂNIA Mulé, carrega tu que o macho é teu, a promessa é tua e ela pesa. MARIENE Brigado, Tânia. Venha, meu zamor. TÂNIA Cuidado, mulé, que o pavio dele apagou. Só pode ser aqui o roçado que eles quer que nóis derrube. É o único canto que não tem cana e o rio tá ingênuo de tudo, espia. MARIENE Vamo começar? TÂNIA Seu Rachid deu hora de bóia. MARIENE Quero ir não. Eu sigo no corte. TÂNIA Mulé, vem mais nóis. MARIENE Se eu parar, eu penso nele. 141 TÂNIA Tu pensa nele de todo jeito, de pé, de lado. Deitada, tu pensa mais ainda. MARIENE Oxe, Tânia. TÂNIA Quem me dera ter um home espaçoso que nem Seu Rachid na minha sombra e tu sonhando com fantasma. ANTES QUE MARIENE CORTE UMA PLANTA, ELA IMPEDE. TÂNIA Eita, mulé, corte essa não. MARIENE E porque? TÂNIA Eu vou recolher essa antes que Seu Rachid veja. Isso é jurema, mulé, planta do culto. MARIENE Deixa Seu Rachid ver ocê colhendo planta das terra da usina. TÂNIA Ele quer por abaixo mesmo. Essa eu levo comigo. MESSIAS (Chegando) Seu Rachid, tá chamano. Di que é pra nóis comer com o povo novo que chegou. Adispois, as máquina vem ajudar a capinar isso tudo aqui. TÂNIA Simbora. MESSIAS Que é isso, Tânia? TÂNIA Esta planta, eu tô guardando. È jurema véia, pranta de reza, seu Messias. MESSIAS Largue esse mato. TÂNIA Apoi eu vou colher e levar comigo. MESSIAS Deixe de seu catimbó. TÂNIA O que lhe importa o que eu faço com ela? 142 MESSIAS Num quero adoração, nem bruxaria perto de mim. TÂNIA Esta pranta é a tal da ‘sarça ardente’ que o Cristo fala na Bíblia. Conhece não? MESSIAS Não fale de Bíblia, viu? Não na minha frente. TÂNIA Pois é a mesma pranta. Leia seu livri direito, leia. Seu irmão tumén num deve de ter lido muito bem os ensinamento da palavra senão não fazia o que fei. MESSIAS Fale dele não. MARIENE Pare, Tânia. TÂNIA Eu tava no meu canto. Agora peça para ele lhe dizer o que a irmã dele disse para ele ontem no telefone, peça. Eu ouvi tudinho, ouviu? O senhor gritando com ela. MESSIAS Pare de por minha família na sua boca de carniça. ANTES QUE COMECEM UMA BRIGA, SEU RACHID CHEGA COM MICHAEL. SEU RACHID Isto tudo porque? Por causa de uma pranta é? Pronto, eu piso nela e dou por encerrado essa resenha toda. Eu num tenho tempo para vocês ficar medindo para ver quem canta o hino mais alto, quem louva mais alto, nãoviu? TÂNIA Di agora o que seu irmão fei, di! SEU RACHID Que acunteceu, Messias? MESSIAS Foi minha irmã que me ligou de Vicência ontem. SEU RACHID Eita. Quem morreu home? MESSIAS Eu. A morte deve de ser assim como que eu tô agora. Tudo dorme. Os braço, os olho, a língua. Tudo dorme. Meu irmão fugiu com o dinheiro de nossa Igreja. Ele pedia dinheiro pra um monte de gente e dizia que tava construindo. Tava nada. Era arranjo dele. Minha irmã disse que ele sumiu de lá e tem um monte gente procurando. Mai a Igreja nunca existiu. Mai eu sigo no corte, Amém. Isto são os inimigos que circundam a gente para nos fazer parar. Mai nóis num podemos parar nunca. A dor faz parte do amor de Deus. Amém. Eu perdi uma igreja, não perdi meu Jesus. SEU RACHID 143 Isso. Vá comer a bóia e adepois corte com mai reive para mostrar para seu irmão que num se desaba um home como você tão fácil. Ademai, nóis precisa de muito braço para por tudo isso abaixo e limpar esta área. Este aqui é o lugar. Sigam para o ônibus que o refeitório tá pronto. MICHAEL Eita, hoje tem refeitório, ó praí. É para impressionar os novato. SEU RACHID É sim. Para tirar a má impressão que tiveram vendo um veio míope descadeirado cortando cana. Tu já tás no aviso prévio, home. MICHAEL Oxe, eu sou um touro. Sabe quantos fi eu deixei na minha terra? SEU RACHID Seu ou dos outro? MICHAEL Minha mulé é segura comigo, meu veio. Agora a sua... SEU RACHID Olhe, tu pensa que eu num vejo tu cortando mai vento que cana. Se fosse para colher mosquito e brisa, tu já tava rico, né não? Tu já tás cego, derrota, só esquecero de te avisar. Quer ver como tu tá cego? (PEGANDO A PLANTA QUE PISOTEOU. TIRA-LHE OS ÒCULOS) Apoi acerte o galho. Corte a folha. MICHAEL SE CONCENTRA E TENTA VÀRIAS VEZES, MAS NÂO CONSEGUE. SEU RACHID Num disse? MICHAEL Teve graça não. Oie, seu dotô, eu sei que qualquer dia o sol estica a mão cumprida dele e me leva os olho, mai até lá, eu num desisto. Vá se acostumando com minha cara feia. SEU RACHID Se num fosse seus amiguinho que dividem os ganho com os eito deles, o senhor já tava lá por cima, escolhendo onde morrer. O que aliás num é má idéia. Acabou circo. Vamo pro almoço que depois temos que derrubar esta Amazônia todinha. Simbora. MARIENE Seu Rachid. SEU RACHID Como meu nome fica mai bunito na sua boca. MARIENE Deixe eu ficar aqui no corte. SEU RACHID Justo a flor que quero mai preservar quer se gastar nesse sol. MARIENE Deixe, home, eu preciso trabaiá para não pensar mai em bobagem. SEU RACHID Se por bobage, tu quer dizer Jesuíno, eu deixo sim. Mai aproveite para pensar no que eu lhe propus. 144 SEU RACHID SAI OLHANDO PARA ELA E ESBARRA EM ‘JESUÍNO’. DEPOIS SAI. FICAM MARIENE E MESSIAS. MICHAEL Saia daqui não. Saia de perto de mim não, visse? Cadê tu? MARIENE Que foi? MICHAEL O sol. MARIENE Que foi? MICHAEL Roubou meus olhos. Desceu com uma mão cumprida e quando eu tava distraído, levou o que restava deles. Tô vendo só sombra. MARIENE Oxe, é neuvoso home. Já vi isso acuntecer antes. Tu drome e se acalma um pouco e amanhã, tu volta a enxergar. Deixe disso. Amanhã tu volta a ser tu de novo, home. MICHAEL Volto não. Agora é o bagaço. A danada me venceu, Mariene. Esse véio já deu vencimento. Ela me roubou os osso, agora me roubou a vista. MARIENE Eu falo com o gato que metade do que eu cortar é seu. MICHAEL (SAINDO COM MUITADIFICULDADE). Num diga pros outro não. Só preu me sentir um pouco mais home. Eu vi muita coisa na cana. Acho que vi tanto que foi gastando minha vista até ficar com essa pouca luz. Eu uso esta peça para acender os farol, mai num ajuda muito. Eu vi muita coisa na cana. Eu lembro de Diogo Murupé se estrebuchando no eito de cansaço, o home tava tendo um ataque e o gato, achando que ele tava de festa que nem eu, num socorreu ele. Apoi ele ficou ali suando que nem poico e se foi. Tremia tudo. Saiu ganindo para dentro do canavial. A gente só encontrou ele três hora depois. Eu tava descendo o facão quando vi os pé dele derrubado no meio do canavial. Mai o gato disse que para nóis terminar o corte e depois nóis levava ele. Para que parar agora se ele tava moito, né não? Aí nóis ficamo cortando e Diogo Murupé ficou ali estendido espiano nóis. Feito um espantaio. Eu tenho para mim que minha vista desistiu desse mundo foi ali mesmo. Oiando para o espantaio de Diogo Murupé. MESSIAS SAI VAGAROSAMENTE. FICAM MARIENE E O ‘JESUÍNO’. MARIENE COMEÇA UM CANTO DE TRABALHO. ELA COMEÇA A CORTAR E O ‘SOL’ VAI BAIXANDO SOB ELA. ELA DESMAIA. 145 MÃES AS SENHORAS DA TERRA DE SANTO APROXIMAM-SE AINDA CANTANDO E MOLHAM O ROSTO DE MARIENE. MARIENE DESPERTA. MARIENE Eu desmaiei foi? MÃE Mai tu desmaiou pesado, como se tivesse improvisando de morrer. MÃE Essa menina é boa de um tudo, transparente. MÃE Teu coração é tão grande que eu escuito ele daqui, fia. MÃE Eita que belezura de gente que cê é. MÃE Mai tu tás na marcha-ré. MÃE Tu tás só pela misericórdia. MÃE Tás temperada de saudade, fia. MARIENE Quem são ocês? MÃE Nóis num tem nome, nóis semos nóis. MÃE Nóis semo um todo, nóis se completa como um aperto de mão. MÃE Me acharo na beira de uma aive. Di que nasci dela. Tava escorrendo uma água branca ansim e mamava no tronco dela. Né bonito? Eu quero ser enterrada dentro da aive. Tô pedino permissão para ela. Se ela deixar. Né, minha fia? MÃE Ela cura tudo que toca, fia. Ela tem mão de saber. MÃE Eu penso ansim, fia: faça o que for possíve para aliviar a dor que reina no mundo. 146 MÃE Ela muda com as pegada do sol. De dia é menina, de tarde é mulher, de noite, fica veia. E no outro dia, começa tudo de novo. Ela morre e nasce todo dia. Né bonito? MÃE Se avexe não, fia. O que cê fala para uma, a outra escuta. MÃE Nóis vivemo aqui fai tempo, fia. Conhece aqui não? Nunca que ouviu falar? MARIENE Seu Rachid falou que são terra da usina. MÃE Isso aqui é terra de santo, fia. MARIENE Que santo? MÃE Os santo. Os que for de amém, nóis reza. MÃE Aqui num se escolhe dialeto, moça. Toda reza é pouca MARIENE Eu nunca que desabei desse jeito. ELAS COMEÇAM A RIR. MARIENE NÃO ENTENDE NADA. MARIENE O que foi? MÃE Nóis tem que dá uma notiça procê. MARIENE Qual? MÃE Tu tem dois coração, fia. MARIENE Eu sei. Um meu e outro de Jesuíno. Olha ele aqui. (Mostra o boneco). MÃE Não, mulé. Tu tás grávida. 147 MARIENE Eu? Pode ser não. Eu sou mulher estero. A médica falou. Nunca home nenhum fei fio neu. E eu tentei viu? Eu sou testada e bem antes de Jesuíno. MÃE Conheço o cheiro de buchuda de longe. MARIENE Ave, que é um recado muito limpo que a senhora tá me dano. Essa notícia me batizou de novo. Essa notícia é quase uma cura. Eu tô cum um fi de Jesuíno? MÃE Ele é mai seu que dele. MÃE Agora é hora de parar come sse trabaio para tomar conta do menino. MARIENE Eu deixo, mai eu posso cortar até ganhar mai peso, posso não? MÃE Melhor não, fia. Saia da lida. Volte para casa, volte. MARIENE (Mais séria) Cês também vão tem que sair daqui. O povo da usina vem derrubar tudo. Truxero até mais gente pro corte e umas máquina. ELAS PARAM UM POUCO. MÃE Foi pro corte não. Foi para ajudar a afastar nóis. MÃE Ela tem razão. Eles vão voltar di cum força agora. MÃE Nóis pede sempre para deixar nóis aqui e eles num tem ouvido para nossa direção. Nóis tamo nessa luta fai tempo. (Pausa). Já mataram outras que moravam aqui. MÃE (Mãe tira os ossos da cova ou vaso. Lava e limpa. Conversa com eles.) Essa é minha mãe. Eu falo mais ela. Tiro o lençol da terra e falo mais ela. Ela tá no sono. Ela pensa que é sonho. MÃE Nóis num pode sair daqui, aqui nóis começamo, aqui nóis termina. Venha a máquina que for. MARIENE 148 De quem são estas terra? No papel? É de quem? MÃENa nossa escritura é do santo. MARIENE O dono é o santo? MÃE Acordo feito no tempo de antes. Isto aqui num é mundo dos engenho. Isto é terra outra. MÃE Nóis vai te contar, fia. MÃE É chão antigo, fia. Tu tás pisando o tempo. Sente só. MÃE MÃE Di que aqui eles vieram cortar as primeira cana há muitas era passada e encontraro uma imagem dum Santo. Uns di que era Santo Antônio. Outros que era imagem de Jesui. Outros di que era Santo Mestiço que num se criou no latim. Santo da mata, fia. Mai o dono do comando da época destinou este cercado todo para ser Terra de Santo. O patrão era o santo, mai quem mandava era a necessidade do povo. Vai ver que é por isso que ele quer apagar nóis. Aqui é terra consagrada ao Santo e que num tem destino de plantio para venda. Aqui só se planta o que nóis come e o que cura. Derde de antes que os cortador reserva este espaço para a reza e para prantá o sustento. A terra num abraça semente que num seja para este fim. Teve dono que quis derrubar tudo pra por cana. Teve um que disse: ‘Planto inté na cabeça do santo’. Mai a cana que ele plantou num vingou. E o Santo foi se ocupando de novo. Di inté que esse dono se foi aqui mermo. Antes tinha mai festa preles. Vinha o noiteiro acordar as vela e as tiradeira de reza para pendurar os cântico no nosso ouvido. Era bunito. Quem se enterrava aqui, pagava um dízimo. O arrecolhido era destinado para a Caixa das alma. E adepois era dinhero de festejar o santo. Quando o santo foi perdendo foiça pra usina, o povo se foi. O lugar fracassou aos pouco. A água do rio já mudou de gosto. O mangue afracou demai. Por causo do mijo das máquina, né? As água suja que mata. O santo num freqüenta como antigamente. O santo foi se sentino demitido. Mai ele ainda vem. E aí nóis cunversa cum eles. MARIENE Os moito? MÃE E apoi. Os que habita o debaixo da terra. Os que se veste de vento. Os que drome quando nóis acorda e acorda quando nóis drome. Tem uma aldeia cemitero. Um povoado de essença. Nóis pavimenta a calçada por onde os anjo caminha. Quando eles querem conversar, nóis escuita. Quando eles quer mostrar, nós vê. E nòis num nega um tanto de prosa. Para cunversar só aqui. Nesta terra que tem legado. Perto do rio e das pranta que dão cundição. Eram muitas. Só restou nóis. AS ÁGUAS CAEM MAIS FORTES. VELAS ACENDEM EM EFEITO DOMINÓ. UM CHAMADO-CANTO ATRÁS DAS ÁGUAS. MÃES RESPONDEM. MÃE 149 Nóis só prega umas palavra arroz-com-feijão, mai as vei nóis fala nas outra língua porque as história que a gente conta tem muitos ouvidos de destino. MÃE Óia, eles quereno se chegar. MARIENE E o que faço? MÃE Quando os esprito voltar, sente e feche as perna direito. Que gente nua e com as parte de fora,os esprito num aceita, eles exije decoro. MÃE Hoje pode ser o último cerimoniá. A cunversa derradeira. A reza das despedida. MÃE Os moito não tão moito na História, é preciso desenterrar a verdade que foi enterrada com eles. DURANTE ESTAS NARRATIVAS, AS SENHORAS FICAM Á MARGEM, AO LADO, REZANDO E ORANDO A PEÇA TODA. ACENDEM VELAS, SERVEM COMIDAS SAGRADAS, ATUAM E SUSTENTAM A MANIFESTAÇÃO DAQUELES ‘MORTOS’. ENTRE UM SÉCULO E OUTRO, ELAS PODEM FALAR DAS ERVAS, MOSTRAR AS ERVAS. DAR CHÁ AO PÚBLICO. CUIDAR DO PÚBLICO. ‘DAR COLO’. BARRACA DE ERVAS. RECEITAR. ACONSELHAR. TRABALHAR COM IMPOSIÇÃO DE MÃOS. AS MÃES FARÃO A ‘TRADUÇÃO SIMULTÂNEA’ PARA OPÚBLICO DE ALGUNS TRECHOS DAS CENAS SEGUINTES FALADOS EM OUTROS IDIOMAS. SÃO A BASE DA ORQUESTRA SONORA DAS MANIFESTAÇÕES DOS MORTOS. SERÃO CONTRA-REGRAS E ORQUESTRA SONORO-MUSICAL PARA OS MORTOS. APÊNDICE SUGESTÃO DE MÚSICA “Eu sugo nas tetas das nuvens Chuva que permita a colheita Sou dona da Água Feliz”. Sou umbigo mestiço, um olho atento de amor Diante de deus, eu fico tima, mas radiante”. SUGESTÃO DE CANTO: O MUNDO NÃO É SÓ DOS HOMENS. “o mundo não é só dos homens mistério é fortaleza tem fantasma que ensina reparte a experiência 150 assopra na orelha um conselho cochicha uma advertência homem, escute sua sombra o erro é única certeza a história vive da lenda o que não se vê tem beleza força, ciência e esperteza o mundo não é só dos homens mistério é fortaleza” SUGESTÃO DE MÚSICA: “Aquela árvore canta Eu aprendi cantar mais ela O vento rasga com reiva o galho e é um som O vento faz coisca no galho e o som é outro O pássaro deita pesado e range um tom O pássaro salta para o vôo e o zumbido é novo/ouro O fruto rola pelo tronco é um repique O fruto se desmantela no chão feito tambor O tronco racha de véio e eu assobio A árvore fica em silêncio e eu arrepio Aquela árvore canta E eu aprendi a cantar mais ela” 151 SÉCULO XVI – GÊNESE O FUNERAL DE UM DEUS. CENA 1 NOITE. LUA MINGUANTE. ESPAÇO VAZIO. ABRE-SE UMA PORTA NO CHÃO. UM ALÇAPÃO NA TERRA. (PODEM ATRAVESSAR A PAREDE DE ÁGUA TB). DE DENTRO SAEM ÍNDIA VELHA E UMA JOVEM ÍNDIA QUE NÃO VEMOS O ROSTO PORQUE A FRANJA DO CABELO COBRE-LHE A FACE. A ÍNDIA VELHA TEM CABELO LONGO E TOTALMENTE GRISALHO. ÍNDIA NOVA TRAZ UM GALHO PRESO AO CORPO. A ÍNDIA VELHA CONDUZ A MENINA MAIS NOVA. ÍNDIA VELHA MONTA UMA REDE (OU CABANINHA) NO CENTRO DA CENA. IN INQUIETA APROXIMA-SE DAS ÁGUAS E OLHA SEU REFLEXO. IV VAI BUSCÁ-LA. TODO O TEXTO SERÁ TRADUZIDO PARA UMA LÍNGUA INDÍGENA. IV Retorne para a rede, neta. Não é sua avó quem manda são os donos da raiz. IN Queria me banhar nas Águas Grandes. Posso? IV Estas águas estão afoitas. Parecem prenhas/pejadas de más notícias. Algum espírito do avesso deve estar banhando-se por aqui. Venha. Esconda-se dele. IN Mas eu estou suja, vó. (Referindo-se ao mênstruo). IV (Limpa na menina as partes baixas.) Hoje dia da Grande Festa da Moça Nova. Momento mais bonito da sua vida de índia. Sua confirmação. Hoje neta vai ser enterrada viva em casulo. Não pode falar com ninguém. Até que ganhe asas de mulher índia. Vai ser abraçada pelo silêncio. Habitar o oco e a lua. Eu volto para lhe batizar com nome de borboleta. IN Vó, vai demorar? IV Volto quando a árvore chorar o primeiro outono. COLOCA A IN NA REDE E AMEAÇA SAIR. IN 152 Não me deixe, vó. IV Não há como ficar sozinho na mata. Na Grande Árvore, existem galhos imateriais onde pousam avós e corujas, uma do lado da outra; há muitos frutos que não se comem, mas alimentam. ACENDE SEU CACHIMBO. CONTA UM MITO DE CRIAÇÃO DE SUA TRIBO ENQUANTO PINTA A ÍNDIA PARA O RITUAL. IV Nós somos filhos da água. Todos germinados em açudes e rios. A chuva desabou sob a Primeira-Mãe. E a fecundou com suas gotas. Ela gerou muitos filhos após noites de tempestade. E assim nasceu nossa tribo. O primeiro homem é filho da lágrima do Céu. O primeiro homem só nasceu porque Deus chorou. Quando os espíritos querem falar conosco, sua língua é água. Ela é que traz sua palavra até nós. Quando eles chegarem perto, eles chegam molhados. Quando a palavra sagrada alcança a gente, elas chegam como a chuva. O primeiro dilúvio veio porque os homens falavam demais. Faziam muito barulho. Os homens falam muito. (Faz um gesto para a tagarelice dos homens). Dizia os espíritos. Tanto barulho que não conseguiam mais se escutar. Todas as vozes precisam ser ouvidas, se você fala sozinho, uma onda pode vir te carregar. Aí a água veio dissolver os tagarelas. Por isso cuidado. (Brinca com a neta e ri). No momento da inundação só se salvaram os que sabiam trepar na árvore. Subiram, subiram para a água não os segurar. Por isso, eu gosto das Grandes árvores. Como no começo tudo era água, eles lembram do mundo limpo do início para depois recomeçar. Foi assim que este mundo começou. PERCEBE QUE IN DORMIU E SAI. CENA 2 NOITE. LUA NOVA. ÍNDIA NOVA ACORDA E LEVANTA-SE DA REDE. ESTÁ PINTADA E PARAMENTADA PELA AVÓ. PARECE EM TRANSE, COMO QUE ANESTESIADA PELOS EFEITOS DO RITUAL. CAMINHA PARAMENTADA E COME FRUTAS. O RIO SE ABRE E ELAVÊ UMA CRUZ COM IMAGEM DE CRISTP TALHADA. ENCANTA-SE. ELA CERAC AIMAGEM E OFERECE A FRUTA. TREPA NA CRUZ E ACARICIA A IMAGEM. (IMAGEM EVA TUPINAMBÁ). UM PORTUGUÊS ESTÁ CORTANDO MADEIRA. PORTUGUÊS COME O FRUTO. INTERESSA-SE POR ELA. TRAZ UM CRUCIFIXO. ÍNDIA QUER O CRUCIFIXO. ELE PERCEBE E OFERECE. ÍNDIA NÃO SABE SE O ACEITA OU NÃO. PEGA O CRUCIFIXO E ACARICIA O CRUCIFIXO E TOCA O PORTUGUÊS COMO SE FOSSE UMA REPRODUÇÃO DELE. DÚVIDA: TRECHO NARRADO PELAS MÃES. ‘ÍNDIA ENTENDE O PORTUGUÊS COMO SE FOSSE JESUS. ENTENDE JESUS COMO SE FOSSE O PORTUGUÊS.’ PORTUGUÊS BEIJA A IMAGEM DE JESUS COMO QUE A MOSTRAR REVERÊNCIA PELO SENHOR. ÍNDIA REPETE O GESTO. NA SEQUÊNCIA BEIJA O CORPO DO PORTUGUÊS. REPETE AS DUAS AÇÕES. PORTUGU~ES OFERECE UMA SAIA E COLOCA NELA. ELA LEVANTA A SAIA E ENXUGA-LHE O ROSTO. QUANDO ELA 153 LEVANTA A SAIA DE NOVO, COBRINDO SEU ROSTO, NO AVESSO DA SAIA, FICOU A MARCA DO ROSTO DO PORTUGUÊS. (WORKSHOP LUCIANA). PORTUGUÊS A TOMA NOS BRAÇOS À FORÇA. ÍNDIA TENTA FUGIR, SEGURA-SE NA CRUZ. MAS NÃO CONSEGUE. PORTUGUÊS A ARRANCA DA IMAGEM DE JESUS. CARREGA-A PARA UM CANTO MAIS ESCURO DA CENA. CENA 3 NOITE. LUA CRESCENTE. FOCO INICIAL NA ÍNDIA VELHA. ÍNDIA VELHA PERDENDO UM DENTE. ENTERRA SEU DENTE. IV Daqui a pouco o resto de mim vai te fazer companhia. ÍNDIA VELHA CONVERSA COM O RIO. IV Índia hoje é fruto sem seiva. Cansada de enterrar seus dentes. Não vai nascer outra índia desta semente. Índia precisa saber terminar. Sei que a morte está presa a minha sombra. Só resta um dedo de noite nos meus cabelos. Quando a noite se for por completo dos meus cabelos, eu me vou com ela. Só esperar que a neta se faça mulher. A última obrigação desta velha índia. Rio só vai me engolir quando eu cumprir meu dever. Até cumprir minha obrigação, se eu morrer, o rio me devolve, me cospe longe, bravo. ALGUNS BARQUINHOS NAVEGAM PELA ÁGUA. IV SE ASSUSTA. DE REPENTE, O RIO SE TRANSFORMA EM VERMELHO. INDIA VELHA PROTEGE-SE. AOS POUCOS, O RIO CESSA SEU FLUXO. IV O Deus do Fim está a caminho. CENA 4 NOITE. LUA CHEIA . DIA DO RITUAL. ÍNDIA VELHA RETORNA VEM ACOMPANHAR RESGUARDO DA NETA. NÃO A ENCONTRA. GRITA POR SEU NOME. IN OUVE E VAI AO ENCONTRO DA AVÓ. IN COM FORTES DORES. RIO SE ABRE, A IN ESTÁ COBERTA POR ALGUMA VESTIMENTA PARA O RITUAL. COMO AQUELAS FIGURAS VESTIDAS DE PALHA. 154 IV Não disse para ficar no resguardo? IN Eu estava muito só. IV Água sagrada me mostrou que o fim está perto. Está chegando a dor (a hora) que a Lua te pediu. IN Vó, eu sinto um medo aqui (Aponta para o ventre). IV A dor é um carinho dos espíritos que te protegem. Está vindo, minha neta, está vindo o rio que te dá novo nome. Neste rio, nadam seus filhos. O rio é generoso e irmão. Joga uma pedra e quantos desenhos novos ele não nos dá? O rio não é sempre. Troca de pele sempre. O rio é dentro da veia. O rio é fora dos olhos. O rio é seu começo. Vem. Vem. ÍNDIA VELHA A CONDUZ AO CENTRO DA CENA. MÚSICA. ÍNDIA NOVA DANÇA E SE CONTORCE EM FRÊMITOS. (IMAGEM WS SÉCULO XVIII- DANÇA DE VIVI). IN TIRA AS VESTIMENTAS E VEMOS QUE ELA ESTÁ COM AS TINATAS MANCHADAS, COMO SE TIVESSE SIDO VIOLADA. ROSTO COM MARCAS DE SANGUE. SAI DE SUAS PARTES BAIXAS UM SANGUE BRANCO. ÍNDIA NOVA MOSTRA O CRUCIFIXO QUE O PORTUGUÊS LHE DEU. ENTREGA PARA A AVÓ. IN Jesus. Jesus. ÍNDIA MOÇA MORRE APÓS SUA DANÇA. ÍNDIA VELHA GRITA SUA MORTE COM O SANGUE BRANCO NAS MÃOS. TENTA ARRANCAR O CRUCIFIXO DAS MÃOS DELA, MAS NÃO CONSEGUE. ÍNDIA VELHA CHORA UM CHORO AGUDO. CARREGA CORPO DE ÍNDIA MOÇA PELO ESPAÇO. ENCONTRA A CRUZ IMENSA QUANDO O RIO SE ABRE. LÁ ESTÁ O CRISTO. A IMAGEM É IDÊNTICA REPRODUÇÃO DO ATOR QUE REPRESENTA O PORTUGUÊS. ÍNDIA APROXIMA-SE E O AMORDAÇA. IV A água do batismo derrete índio feito de barro. ÍNDIA VELHA, CANSADA, CAI NO CHÃO E OLHA PARA O RIO. ESTÁ PERDIDA. AJOELHA-SE. CANTA E DESPE-SE DE SUAS INDUMENTÁRIAS INDÍGENAS. 155 IV Eu farei o funeral de um Deus quando enterrar minha neta. Porque matar um Deus para que outro vença? Foi Ele que pediu? Pois só assim desembarca por aqui. Eu cantei o canto mais triste que existe. Nenhum homem consegue terminar este canto, só uma mulher. Só eu. Como eu devo enterrar um Deus? Como? Eu não sei mais morrer. Alguém me ensine como morrer? VESTE-SE E PARECE SENTIR-SE ENVERGONHADA. COBRE COM AS MÃOS O CORPO VESTIDO. JOGA-SE NA ÁGUA OU FICA PARADA. DÚVIDA: NARRADO PELAS MÃES. GÊNESE, O BATISMO COMO UM DILÚVIO. 156 SÉCULO XVII – ÊXODO A PALAVRA COM PODER DE VIDA E MORTE “A cada lugar que você for, aja de acordo com o costume deste lugar” Provérbio Ladino. CENA 1 UMA CRUZ CAI DO CÉU. ELES SE APROXIMAM. SEM TODA A PARAFERNÁLIA JUDAICA, OS TRÊS APARECEM. ESTÃO DE FRENTE A UMA CRUZ PLANTADA NO CHÃO, SINALIZANDO ONDE ALGUÉM ESTÁ ENTERRADO. O PRIMO APROXIMA-SE. AJOELHA-SE. PRIMO Nosso tio está aqui. Antes de morrer, ele lhes deixou parte do sítio, Tia. Ele sempre se preocupou com a senhora após a morte de seu marido. Nosso tio sempre cuidou dos nossos. Deixou-lhe a melhor parte inclusive, mais próxima do rio. Terras que agora são de sua família, da senhora e de seus filhos para que cuidem de sua vida aqui, perto de nós. FILHA Agradecemos. Somos duas viúvas, mãe e filha que dependem dos nossos irmãos. P Pobre criança que vem ao mundo sem os cuidados de um pai. O FILHO TROCA OLHARES COM A FILHA. P (PARA O FILHO) Venha, vou mostrar-lhes o sítio. FILHO NADA RESPONDE. PRIMO O CONDUZ PELO BRAÇO. SAEM FILHO E PRIMO. PRIMO FAZ O SINAL DA CRUZ ANTES DE SAIR. FILHA Vamos, mãe. M (Olhando para a cova/cruz) Entristece-me vê-lo assim. Ele não deveria estar aqui. E me entristece ver com que facilidade o outro faz o sinal. Como se tivesse vivido sob esta cruz a vida inteira. FA Todos vivemos sob ela, queiramos ou não. Vamos, mãe, ele quer nos mostrar a casa nova. 157 M Depois voltaremos para visitar o túmulo dos justos. Pedir perdão aos mortos que são os juízes de nossa vida. CENA 3 NOITE FECHADA. LOCAL ONDE ESTÁ ENTERRADO O TIO. MÃE E FILHA APROXIMAM-SE ESCONDIDAS. M (H) Olhe para ver se eles não vêm. FA Mãe, não deveríamos estar aqui. M(H) Seu tio é que não deveria estar aqui. Me ajude. O FILHO GANHA O CENTRO DA CENA E COMEÇA A DESENTERRAR O TIO. MÃE E FILHA SEGUEM SEU CANTO, CAMINHANDO AO REDOR. FILHO NÃO CONSEGUE RETIRÁ-LO DA TERRA . M (H) Continua! FILHO NÃO CONSEGUE. MÃE ASSUME O SEU LUGAR. COLOCA O TALIT. FA Não! MÃE COMEÇA A RETIRAR O TIO DA TERRA. FILHA VIRA O ROSTO PARA NÃO VER. INICIAM SUA CERIMÔNIA JUDAIZANTE DE VELÓRIO, O KADISH. LAVANDO-O, ENVOLVENDO-O EM PANOS BRANCOS, CORTANDO SUAS UNHAS. DÚVIDA: CANTO COM CAROL ou FORA DE CENA? M (transliterado) Yit'gadal veyit'kadash sh'mei Raba (Cong: Amein. FILHO E FILHA RESPONDEM). Beal'ma div'ra khir'utei veyam'likh malekhutei bechayeikhon uveyomeikhon uvechayei dekhol beit yis'raeil ba'agala uviz'man Kariv veim'ru: (Cong: Amein. Y'hei sh'mei Raba m'varakh l'alam ul'al'mei al'maya’) Yit'barakh veyish'tabach veyit'pa'ar veyit'romam veyit'nassei 158 veyit'hadar veyit'aleh veyit'halal sh'mei dekud'sha B'rikh hu (Cong: ‘B'rikh hu’) LeEila min kol bir'khata veshirata tooshebechatah venechematah, da'ameeran beal'mah, veemru: (Cong: Amein) Y'hei sh'lama Raba min sh'maya vechayim Aleinu veal kol yis'raeil veim'ru (Cong: Amein) Oseh shalom bim'romav hu ya'aseh shalom aleinu veal kol Yis'raeil veim'ru (Cong: Amein) (tradução) Que o Seu grande Nome seja exaltado e santificado no mundo que Ele criou conforme Sua vontade. (A Congregação responde: 'Amém’) Que Ele queira estabelecer Seu reinado ... durante nossas vidas e durante a vida de toda a Família de Israel, rapidamente e em breve. (A Congregação responde: 'Amém. Que Seu grande nome seja abençoado para sempre e eternamente'). Abençoado,louvado, glorificado, exaltado, enaltecido, honrado, elevado e elogiado seja o nome do Todo-Poderoso. (A Congregação responde: 'Abençoado Seja') Acima de todas as bênçãos e cânticos, louvores e consolações que possam ser pronunciados no mundo. (A Congregação responde: 'Amém’) Que possa haver paz abundante provinda dos Céus e vida boa sobre nós e todo Israel. (A Congregação responde: 'Amém’) Aquele Que estabelece paz nas alturas, Que possa trazer a paz sobre nós e sobre todo Israel. (A Congregação responde: 'Amém’) M SEGURA O CADÁVER EM SEUS BRAÇOS COMO A UM FILHO E BANHA-O NO RIO. M (Falando-lhe ao pé do ouvido) (H). Vim libertar sua alma da vergonha que nossa família hoje passa. FA (Assustada) Tem alguém ali. M (H) O que foi? FA Ali, eu vi um vulto. M (H) Não tem ninguém ali. FA Tem, mãe. Mãe, eram como olhos de peixe, sempre atentos, abertos, em vigília eterna. Sempre tem alguém por perto. Sempre. Tem alguém escondido na minha sombra, no meu sonho. (Buscando o colo da mãe). Até no meio dos seus abraços, eu ouço as pegadas. Até nos passos que eu ouço no meu ventre. É como se ele, meu filho, também fosse me denunciar. Se meu sangue fosse minha sentença. 159 M COM UM GESTO SILENCIA A FILHA. LIGAÇÃO: PRIMO SE APROXIMA. FILHOS ESCONDEM-SE ATRÁS DA MÃE. DURANTE A CENA, OS DOIS AFASTAM-SE AOS POUCOS E COMEÇAM A PLANTAR AS VELAS-CANA. CENA 4 MÃE SÓ EM CENA. PRIMO SE APROXIMA. P Vocês têm mãos que falam o mesmo idioma deste solo. As canas nunca estiveram assim. M Somos apenas cuidadosos com a raiz. Costumamos conversar com ela. P (Olha para o Rio). O rio assim tão próximo também deve ajudar. (Após breve pausa). Tia, preciso lhe dizer que meus escravos passeiam muito pela noite. Vêem o que não devem às vezes. M Devia manter os olhos deles sob cárcere como faz com o corpo. P Não é tão fácil. (Pausa rápida). Mais difícil ainda é prender-lhes a língua. M Não deve haver cerimônias entre membros da família. P Sua filha. Moça grávida sem marido. Ninguém sabe quem ele é. M É viúva. Querem que eu carregue os ossos dele aonde for como prova? Tem pai sim. Um filho de Israel. Que foi arrastado para o visitador e nem sabemos para onde foi levado. P Seria melhor dizer que o pai é um padre. M Ele foi imprudente, mandou circuncidar escravos. Queria todos ao redor dele, obedecendo a aliança. Sob o seu teto ou sua senzala. A tribo vai toda no ventre de minha filha. Sangue que não mudou de idioma, que não me dá vergonha. P Cautela, tia. O açúcar não adoça a boca dos judeus, açúcar aqui é uma hóstia cristã. Aqui nós somos todos novos, recém- batizados no rio. Deixamos para trás o que pode nos prejudicar. M Quantas sacas de açúcar compraram seu esquecimento? 160 P Tem sempre um Deus que nos permite mais fortuna. Uma fé que organiza melhor o mundo das posses. Eles compram nosso açúcar porque somos do mesmo credo. Senão nos delatam. Estamos indo muito bem com nossas terras. E eu ainda fiquei com terras menos férteis que as suas. Não podemos ter problemas. A senhora deve parar. Eu sei de suas práticas. Os vizinhos desconfiam. O visitador chega em breve. Se a senhora persistir, é a chance de nos enterrar. E, uma vez morta, será uma cruz que fará companhia aos seus restos. (Devolve a cruz que ela tirou). Não tenho mais lembranças das tradições antigas, tia. Mas nunca vi uma mulher comandar um velório. (M percebe que ele sabe). A senhora deve saber bem disto. Em outros tempos, os nossos também perseguiriam a senhora. (Pausa). A senhora deve parar. M Percebo. Não quero lhe atrapalhar, sobrinho. P Não posso mais voltar a ser o que era. O tempo infermo em que vivemos exige mudanças. Não me faça, tia, falar o que não devo...sobre um parente. M ‘Poço em que bebeste água, não atira nele pedras’. Prometo pensar em suas palavras. Pelo bem de sua família. P Nossa família. M Sua família. Somos de famílias diferentes agora, sobrinho. Talvez a mesma raiz, mas cada galho se decidiu por um fruto de sabor diferente. (SAI). P Sim, mas quando se morde as sementes percebe-se a mesma origem amarga do fruto. CENA 5 FILHO ESTÁ NA BEIRA DO RIO E RECITA TRECHOS DA TORÁ. (GARRAFA COM PÓ, PRIMO ENCHE NA ÁGUA E VIRA VINHO). F (H) E Lot subiu de Tsôar, ficou no monte, e as suas filhas com ele, e temeu ficar em Tsôar, e ficou na caverna, ele e as suas duas filhas. E disse a maior à menor: Nosso pai é velho, e homem não há na terra para vir a nós como o uso de toda a terra. Anda, vamos, daremos de beber ao nosso pai vinho, e dormiremos com ele, e faremos viver de nosso pai, a semente. E fizeram beber a seu pai vinho naquela noite; e veio a maior e dormiu com seu pai. No dia seguinte, disse a maior à menor: Eis que dormi ontem a noite com meu pai; fá-lo-emos beber vinho também essa noite, e vai e dorme com ele, e faremos viver de nosso pai, outra semente. E conceberam ambas as filhas de Lot, de seu pai. PRIMO APROXIMA-SE APÓS FILHO FINALIZAR O TRECHO. PRIMO OFERECE-LHE UMA GARRAFA. NESTA CENA, AINDA INVESTIR NO JOGO DA PEDRA. 161 P O primo anda sempre calado, mas o coração parece inquieto. F Deus abandonou as palavras, elas não são mais divinas. O medo se apossou de todas elas. P Beba comigo. F Não tenho organismo para conversar com o vinho. P Todos os homens nasceram com esta mácula e com esta dádiva. É o que nos une. F Não sei se posso. P Quem lhe oferece é seu primo, quase seu irmão. FILHO BEBE UM GOLE AINDA DISCRETO. P Nestas águas, eu apaguei o passado. Com um barco eu o despachei. Eu mergulhei velho e saí da água como um garoto. Deixei meus anos grisalhos no fundo desta fonte. F Não há arrependimento, primo? P Nenhum. F Gostaria de saber o que é viver sem arrependimento. P Nunca é tarde demais para encontrar o caminho certo. OFERECE MAIS DA GARRAFA DE VINHO. O FILHO PEGA E ENTORNA, DEIXANDO-SE MANCHAR DO VERMELHO DO VINHO. FILHO BEBE MAIS DURANTE O PRÓXIMO TEXTO DO PRIMO. P 162 Eu me preocupo com vocês. Sua mãe é uma mulher confusa. Não a culpo. Viúva, sem um homem mais velho que cuide de sua família. Numa terra estrangeira. Ela não conhece bem o idioma. (Pausa) Sua irmã me parece uma rosa enlutada. Sua irmã mal me olha no rosto, mal consegue te olhar FILHO ENGASGA NA BEBEDEIRA. P Vejo que o vinho já conversa com sua alma. F O que Deus quer de mim, primo? Sentir-se amaldiçoado todos os dias da vida. Sem trégua. P Confia em mim. P ARRANCA-LHE A PEDRA. OS DOIS SEGUEM BEBENDO ATÉ SAIREM DE CENA. MÃE INTENSIFICA SEU CANTO. FILHO ENTRA NO RIO E BEBE A ÁGUA/VINHO. CENA 6 FILHO ENTRA EM CENA, BÊBADO-MOLHADO. CAMISA SUJA DE VINHO. INTERROMPE O CANTO DA MÃE. M O que é isto em tua camisa? F Vê? Eu já sangro, mãe. O vinho me executou publicamente. M Onde estivestes? F Estive com meu primo. M Onde está ele? F O primo está a caminho do visitador. Vai denunciar-nos. Por tudo que eu confessei. M Não o fizeste. F Fiz, minha mãe. Ou melhor, o primo me fez fazer. Foi ele que me agradou os instintos com sua bebida. M 163 Veneno que ele extraiu das próprias veias. O primo sempre quis estas terras. Ele quer este sítio. F E quando vinho me faltava, ele derrubava no meu copo mais e mais bebida. Ele chamava a todos para me ouvir, levou-me às tabernas, à praça, aos infernos. Minha língua se espalhou pelas ruas de toda a vila. O vinho me abriu as grades. Eu devo estar nas bocas em todas as casas. E a senhora também. Espalhei-me como um monstro, devorando todo o silêncio, minha mãe. Eu berrei sobre nossos cultos. Tudo em minha boca coçava, ardia, expelia. Palavras talhadas como lâminas, criadas em ninhos lodosos. Eu era um dragão da verdade, cuspindo e cuspindo os intestinos de nossa família. O vinho me virou do avesso, me descamou. Minha pele está espalhada pela cidade, mãe. Osmoradores tampavam os ouvidos com pedras para não se tornarem testemunhas. Se pudessem se cegariam. Eles recusavam meu vômito. Falei em hebraico tudo que sabia. Cantei todas os cânticos. Usei o shofar como fazemos nas preces. Cansei de ser sombra. Cansei. (Toca o shofar). M (Tomando-lhe o shofar.) Este instrumento é sagrado. F Como era sagrado o velório de meu Tio. (P). Agora já podemos tocar sem abafar-lhe o som. Muito pior, o primo fez depois. M O que ele fez? F Falou de minha irmã. Ele recitou as filhas de Lot. Disse a todos que eu era o Pai do filho que ela espera. Que a senhora nos mandou fazer. Tudo que nós fizemos com ela foi em nome da fé errada, para conservar nossa etnia. M Não há provas. F Achas que isto ainda é segredo? M Palavras de um bêbado. F Ninguém precisa de provas. Aqui pouco interessa. Eles só precisam de uma faísca para acender as fogueiras. Eu a ofereci. Saiu de minha boca. Já está feito. O primo derrubou um pouco do vinho do chão e me disse. “Pega, primo, recolhe o vinho e coloca- o de volta na jarra.” (Pausa). Aqui somos todos mais que suspeitos. Uma calúnia já seria suficiente para nosso cadafalso. Agora eles têm uma confissão e uma calúnia administrada com convicção pelo diabo. Devias ter-me cortado a língua quando tiveste oportunidade, mãe. E a do primo também. Castrar-me o verbo. Como fizeste com os outros. Palavras são como deuses, têm poder de vida e morte. M Deus, eu não vi o fel que fermentava na alma dele. A pessoa que mente sua fé, perde a língua ao denunciar. A língua pega fogo e cai diante de todos BARULHO FORA DA CASA. FILHA ENTRA EM CENA, ASSUSTADA. 164 FA Homens da aldeia, mãe. M (H) Põe sob teus pés as patas de todos os cavalos que cruzaram o deserto com nosso povo. Foge. FA Para onde? M (Segurando a cabeça firmemente e falando-lhe docemente) (H) Vai! Salva-nos! FILHA SAI PRATICAMENTE EMPURRADA PELO PEDIDO DA MÃE. PAUSA. MÃE E FILHOS PROSTRADOS. F São eles, mãe. Vieram buscar-nos. M Que entrem. F Abjura, mãe. Tua insistência também será minha sentença. M Não abjuro mais. F Teu filho morre contigo. (P). M Não abjuro. Vem, filho. Tu sabes que a semente de nossa raça não morrerá. Nossa família não morrerá. M ABRAÇA O FILHO. M Preciso te lembrar que teus irmãos me foram arrancados? Levaram-me todos, menos tu que estavas em minha barriga e tua irmã que nem existia. Disseram que eles só tinham um modo de serem purificadas, sendo criados em casa cristã. Hoje, se vivas estiverem, nem sequer sabem quem são seus pais, quem é seu povo. Será que fui eu que escolhi tanto ódio? Deus não me punirá por isto. Deus não me punirá por este amor. Eis a nossa lei. Não abjuro. CENA 7 165 FILHA SEGUE CORRENDO. PÁRA SENTINDO DORES NO VENTRE. ESTÁ PERTO DO RIO. PARECE SENTIR AS DORES DO PARTO. CORRE ENQUANTO FALA. FA (H?) O cheiro das fogueiras me incensam das minhas próprias carnes. Tu jogarás teus pecados nas profundezas das águas. Deus é como os olhos sempre vigilantes dos peixes. Deus é espelho. Vejo meu erro. Meu filho não deve nascer. Minha gravidez completa 11 meses e eu não o deixo nascer. Eu não deixo. Minha gravidez dura como uma peregrinação, como o tempo no deserto. Quanto conversei com meu filho, dizendo-lhe para que não nasça. Não neste lugar. (Pausa) Eu não deixo. Este filho não nascerá porque sua mãe não o quer. A grávida eterna a correr pelos canaviais. Eu sou o êxodo. Grávida de uma terra que nunca será pisada. Em meu ventre, promessas. Eu sou uma chama acesa desde a véspera. Eu só ardo. Um sofrimento que não sabe terminar. Como eu gostaria de te servir como nos tempos antigos. Eu não consigo nem pensar no que eu fiz. Com medo que Ele ouça meus pensamentos. Haverá pecado tão grande que não mereça o perdão divino? Sou a senhora de todos os arrependidos desta terra. Vou gritar ‘misericórdia’ até que Ele me responda. Que castigo eu vou merecer? Que castigo? CENA FINAL UM FOCO DE LUZ. PRIMO ENTRA EM CENA. PEGA UMA SANTA CATÓLICA QUE ESTAVA NUM CANTO, ABRE-A E DENTRO TEM UMA MENORÁ. ACENDE AS VELAS E REZA UM POUCO. NÃO CONSEGUE TERMINAR A REZA EM LÁGRIMAS... TOQUES DE SHOFAR FORA DE CENA. 166 SÉCULO XVIII - LEVÍTICO. O SACRIFÍCIO CENA 1 PADRE EM CENA. UMA SENHORA APROXIMA-SE. SENHORA O senhor é o Padre Vicente? PADRE Sou. A SENHORA BEIJA-LHE A MÃO. PADRE Não sei se me lembro da senhora. SA Não lembra e depois do que vim lhe dizer vai querer me esquecer, mas não vai conseguir. Vim lhe falar de sua mãe. PADRE Minha mãe? SA Sim, o senhor não a conheceu, mas eu sim. Foi ela quem lhe abandonou aqui com os padres. Mas saiba que ela o largou e vinha lhe visitar sempre, acompanhou o senhor crescer à distância. Eu vim muitas vezes com ela. PADRE Porque ela não veio me dizer isto? AS Ela morreu, padre. PADRE Quem era ela? SA Trabalhamos juntas muitos anos. E eu me sinto na obrigação de lhe contar sua verdade. Um padre importante como o senhor não pode viver na mentira. PADRE E eu deveria acreditar na senhora? SA Eu vim contar e prometo não contar a mais ninguém em troca de ajuda. Uma ajuda para minha velhice. Eu cheguei ao final, padre e o único tesouro que eu tenho é saber sua história. Meus ouvidos de confidente foram a única moeda que me restou. PADRE Que tipo de brincadeira é essa? 167 SA O senhor vai me negar o direito a uma confissão? PADRE Não devo, mas a senhora seja breve. A SENHORA AJOELHA-SE COMO EM CONFISSÃO COM O PADRE. SA Não me queira mal, nada do que lhe disser é inventado. É a história de sua mãe. Sua mãe veio do interior. Ela foi trancafiada num casebre pela própria mãe, sua avó. Sua mãe era uma moça linda, os olhos mais lindos de toda a região. Olhos cor de Deus, poderias pensar. Mas as mulheres a acusavam de olhar com luxúria e desejo para seus maridos, seus filhos, e, o pior, seus amantes. Sim, os encontros aconteceram. Vários foram os testemunhos. Um dia, quase todos os moradores acompanharam quando a mãe dela arrancou-lhe de sua casa e a arrastava, sujando de barro, em direção ao seu claustro. Claustro imposto pelo seu sangue e pelos padres. Como o senhor. A mãe a conduzia como a um porco ao sacrifício. Ela alternava gritos de desespero, esganiçados, que perfuravam a tranqüilidade da cidade; com momentos de altivez desafiadora, como uma mártir que carregava a verdade até o cadafalso. Chegando ao local, a mãe falou em língua de pragas e usou o próprio cuspe como um lacre ao desferir a chave no ventre daquela fechadura como quem atira em um condenado. O casebre em que a enterraram era pequeno e vestido de uma madeira que, certamente, a faria sofrer com o frio que se anunciava. Pensaram: ela logo definha, não deve durar duas luas. Mas ela durou bastante. Alguns aproximavam para se certificar de seu final. Ela abria a única janela que lhe permitiram e sempre se punha maquiada e temperada com os cheiros do diabo. E dali gritava a todos que passavam os segredos das melhores famílias de lá. Sempre aos domingos. Antes ou após a missa. Como ela sabia de tanto? Se vivia presa, como numa jaula, sem ir à escola, ao culto, ao médico. Tudo que precisava era levado até ela. O fato é que ela contava a todos que passavam por lá sobre as falências, as doenças, os filhos bastardos. Todos mudavam os rumos, faziam percursos mais longos para fugir às revelações ácidas da menina. Só podia ser confidente do coisa-ruim. Quem lhe soprava tantas sujeiras familiares com tamanho rigor e precisão? A mãe não conseguia acalmar seu verbo quente, sua língua arisca. Muitos pediam sua língua. Pediam que a mãe a cortasse em praça pública para que não houvesse dúvidas. A mãe então decidiu levá-la para outro lugar. Quando ela se foi, para um hospício; entraram no casebre e descobriram por baixo de sua cama, um buraco.Os mais devotos pensaram logo que era umatalho para o coisa ruim, uma gaveta do inferno, um portal por onde ele vinha lhe soprar os segredos da cidade inteira. Houve quem dissesse que o buraco tinha um hálito sulforoso, arrotando um ar viscoso vez ou outra. Em verdade, vos digo, o buraco tinha veias subterrâneas, túneis que conduziam às casas de muitas senhoras respeitadas. De lá, à noite, saiam seus filhos, maridos e amantes e algumas moçoilas e visitavam Ela. Deste modo então, ela ficou confidente das coisas escusas, escuras dos moradores. Quem cavou? Os homens se diziam inocentes. Ela não parecia ter forças para tal. Mas se vira em dois quando o desejo não se agüenta dentro da gente, não é mesmo? Alguns atribuíam tudo a ação do demo, que administrava aquela rede subterrânea de injúrias e traições. Após sua saída, muitos casamentos foram desfeitos, alguns filhos deserdados e, o pior, muitos amantes abandonados. Tem veneno que não adianta represar. Ela veio para a cidade. Nunca casou, mas arranjou um amante. E com ele teve você. Você foi o filho do único homem que ela quis. O único por quem trocaria de vida. O único que a desprezou. 168 O homem mais poderoso daqui. PADRE O dono do engenho São João? SA Ele mesmo. Seu pai. Nunca notou semelhança? Porque eu vejo. Quem prestar atenção vai ver a semelhança. PA Nunca notei semelhança alguma. Não há provas do que a senhora me diz. SA Agora eu preciso de uma ajuda sua, padre, para ficar quieta. Um auxílio para acalmar minha boca e não sair por aí contando a história de sua família. O senhor vai ser generoso? PADRE A senhora veio me destruir. Meus pecados não estão nas minhas ações, apenas em meu sangue. Mas sou eu quem decide se vou lhe escutar. SA Seus pecados de hoje em diante estarão na sua dúvida, nos seus pensamentos. Será que herdei o Mal dos que me geraram? E se todos ficam sabendo que pegam a comunhão das mãos de um homem com sua linhagem. PADRE DESCONTROLA-SE E GRITA COM A MULHER. PA Cale essa boca maldita. (Assusta-se com seu grito). Meu Deus, o que eu fiz? SA Berrou com uma velha confidente. Não me queira mal, padre. Eu só precisava de um apoio para morrer tranqüila. Não tenho mais idade para suportar homens em cima de mim. Pense que o senhor vai ajudar a uma pobre mulher. Apoio que sua mãe não teve em vida. SENHORA SAI. A SENHORA FICARÁ REZANDO BAIXINHO DURANTE TODA A CENA. PADRE TENTA RETOMAR A REZA/CANTO DA CENA ANTERIOR, MAS NÃO CONSEGUE. BALBUCIA, DESAFINA, A VOZ TREME. PA “Pai, ainda sou teu filho?” CENA 2 SE ESTÁ EM CENA. PADRE ESTÁ PERTURBADO. 169 SE Fico feliz que tenha vindo. O senhor já deve saber da tragédia que se abateu sob nós. PADRE Sim. (Pausa). O senhor também sabe? SE Fui o primeiro a saber. Vieram me contar logo cedo. PADRE Eu ainda estou surpreso. Eu não sei sequer como olhar para o senhor. SE Padre, nós sabemos que o senhor rezou bastante por ele. PA Ele? SE O noivo de minha filha, o que a febre venceu. Mas nós já resolvemos a questão. PADRE Como? SE Meu cumpadre tem outro filho que vai honrar nosso compromisso. Ele vai casar com minha menina. PADRE O outro filho? SE Sim. PA Mas ele é enfermo. Ele é demente, senhor. SE Mas ainda é o mesmo sangue, não é? PA Sem dúvida. SE Pois então, o irmão assume o serviço que o outro fez. Sangue mais fraco é verdade. Deve ter sido feito em lua minguante. PA E sua filha? SE Chora. Apenas chora. PA Não quer se casar? SE 170 Verbo errado, padre. O verbo aqui é dever. PA Não me sinto muito à vontade para realizar este casamento, senhor. SE O que faria o senhor ficar mais à vontade? PA Eu preciso lhe falar de outro assunto. SE Algo mais importante do que o casamento de minha filha. PA Por favor, escute-me. SE Se o senhor assim deseja. PA Eu recebi notícias do falecimento de uma conhecida sua. Uma amiga dela veio me falar de um filho seu largado em um convento. SE Mais um? PA Em nosso convento. SE E? PA Eu por acaso, o conheço. O senhor gostaria de conhecê-lo? SE Ele se parece comigo? PA Eu não sei mais. SE Se parecer muito pode me causar problema. Padre, só tem uma coisa que eu fiz mais que filho nestas terras, é cana. E se tem uma coisa que eu fiz mais que cana foi inimigo. O senhor acha que é o primeiro que me traz estas notícias. PA E se ele quiser conhecer o senhor? SE O senhor quer dinheiro, padre? É isso? Consigo resolver isto logo, logo. Se o senhor puder esperar. Mas o senhor sabe que praticamente sua igreja habita na minha carteira. Dá para rezar uma missa no meu cofre de tantas batinas que a freqüentam. PA Não se trata de dinheiro. Só achei que o senhor teria curiosidade. SE Nenhuma. Vamos falar do casório? 171 PA Vou pedir que venha novo pároco para o casório. Não tenho me sentido bem, uma forte indisposição. Espero que o senhor entenda... SE Não quero. Não dá tempo. PA Mas eu não me sinto em condições. SE Não quer casar o demente? PA Não quero machucar sua filha. SE Se o senhor é tão misericordioso, pense nisso: se o senhor não casar minha filha, padre, ela não me tem serventia alguma. Ela só me serve casada com aquela família. Ela bem pode sumir. Como tantos outros. Cemitério ou convento, tanto faz. PA O senhor me ameaça com a vida (o destino) de sua filha? SE Ela está grávida daquelas terras, deixe que o tio colha o que o irmão plantou. PA Assim tudo se resolve mais fácil. SE Deixe eu falar mais na sua língua. Na Bíblia tem uma forte passagem, que eu leio e releio sempre. Fala do sacrifício. O Senhor ofereceu seu filho em holocausto para que o reino se mantivesse de pé. Deixe a menina cumprir seu destino. (Pausa). Sua benção? O PADRE NÃO CONSEGUE DAR-LHE A BENÇÃO. SE Eu não preciso de sua benção, minha filha sim. Eu estou esperando o senhor para a cerimônia. A FILHA ENTRA EM CENA, UM POUCO CATATÔNICA. APROXIMA-SE E SE JOGA AOS SEUS PÉS. TEM UMA CALMA DESESPERADORA FILHA Eu recebi dois infortúnios, padre. Eu sou uma noiva que casa de luto, padre. Todo mundo sabe por quem eu choro. Não me enterre viva, eu lhe peço. Eu sei que naquela nuvem, a que toca o monte, a que se deita sob nós, um anjo está sendo recebido e bordado só para mim. O meu amor está sendo aguado por ninfas. Os santos mais belos vão lhe dar a nova forma. As santas mais belas vão lhe moldar o caráter. Eu ainda sei o seu perfume, meu marido. Eu adivinho seu perfume pela brisa que te traz para perto de mim. Ele me espera, padre. O senhor vai me salvar? 172 PADRE NÃO RESPONDE. SE Ele não pode nem mesmo salvar a si. Venha comigo, venha. FILHA SAI LEVADA PELO PAI. OLHA FIXAMENTE PARA O PADRE. CENA 3 PA Até o dia de hoje eu não havia pensado em matar. Tudo que eu tocar ficará impuro porque meu coração mudou de cor. Apodreceu. Minha hóstia tem gosto de veneno. Acordaram todas as serpentes que dormiam em meu corpo. E elas passeiam dentro de mim, mudando meus órgãos. Fui tocado pela humanidade, destituído da santidade. Sou também eu filho da fraqueza moral e do mal. O pecado do sumo sacerdote afeta toda comunidade. Eu não posso chamar por ti, Senhor. Eu não me sinto mais digno de pronunciar Teu nome. Como se renuncia ao Teu amor? Se ainda o sinto. CENA 4 ABRE-SE ORIO. PAI E FILHA ESTÃO ESPERANDO O PADRE NO ALTAR. O PADRE ARRASTA-SE ATÉ O ALTAR. DÚVIDA: APRESENTAR O NOIVO DEMENTE. PADRE PREPARA-SE PARA INICIAR O OFÍCIO. PADRE Est...esta...(Apesar do esforça tremendo, não consegue. Está gago). FILHA Padre, o senhor me deixa falar algo? PADRE Sim. FILHA Eu queria dizer um trecho da Bíblia. Para o senhor meu Pai. PA Pois não. ELA ABRE O LIVRO E COMEÇA A LEITURA. FILHA 173 “...E da congregação dos filhos de Israel tomará dois bodes para expiação do pecado e um carneiro para holocausto. Depois Arão oferecerá o novilho da expiação, queserá para ele; e fará expiação por si e pela sua casa. Também tomará ambos os bodes, e os porá perante o SENHOR, à porta da tenda da congregação. E Arão lançará sortes sobre os dois bodes; uma pelo SENHOR, e a outra pelo bode emissário. Então Arão fará chegar o bode, sobre o qual cair a sorte pelo SENHOR, e o oferecerá para expiação do pecado. Mas o bode, sobre que cair a sorte para ser bode emissário, apresentar-se-á vivo perante o SENHOR, para fazer expiação com ele, a fim de enviá-lo ao deserto como bode emissário. E Arão fará chegar o novilho da expiação, que será por ele, e fará expiação por si e pela sua casa; e degolará o novilho da sua expiação. Tomará também o incensário cheio de brasas de fogo do altar, de diante do SENHOR, e os seus punhos cheios de incenso aromático moído, e o levará para dentro do véu. E porá o incenso sobre o fogo perante o SENHOR, e a nuvem do incenso cobrirá o propiciatório, que está sobre o testemunho, para que não morra. E tomará do sangue do novilho, e com o seu dedo espargirá sobre a face do propiciatório, para o lado oriental; e perante o propiciatório espargirá sete vezes do sangue com o seu dedo. Depois degolará o bode, da expiação, que será pelo povo, e trará o seu sangue para dentro do véu; e fará com o seu sangue como fez com o sangue do novilho, e o espargirá sobre o propiciatório, e perante a face do propiciatório. (...) E os filhos de Arão, o sacerdote, porão fogo sobre o altar, pondo em ordem a lenha sobre o fogo. Também os filhos de Arão, os sacerdotes, porão em ordem os pedaços, a cabeça e o redenho sobre a lenha que está no fogo em cima do altar; Porém a sua fressura e as suas pernas lavar-se-ão com água; e o sacerdote tudo isso queimará sobre o altar; holocausto é, oferta queimada, de cheiro suave ao SENHOR. Levítico 1:4-9. QUANDO TERMINA A LEITURA, ELA COLOCA FOGO EM SI MESMA. PAI SAI DESESPERADO, TENTANDO SALVÁ-LA. PADRE FICA SÓ. CENA 5 PADRE SÓ EM CENA. A SENHORA DA PRIMEIRA CENA CHEGA. SA O senhor pensou padre em tudo que lhe falei? (Padre não fala mais) Nesta caixa, o senhor colocou minha recompensa? Obrigado, senhor. Obrigado. (A senhora abre a caixa e solta um grito, lançando-a ao chão. Sai correndo. 174 UM VEIO DE SANGUE ESCORRE LENTAMENTE DA BOCA DO PADRE QUE ESTÀ COM UM OLHAR PERDIDO NO HORIZONTE. 175 SÉCULO XIX – NÚMEROS DAS IRMANDADES. CENA 1 BARULHO DE MAR. UM CHORO. DOIS CHOROS. VÃO CESSANDO E O TEXTO COMEÇA A OCUPAR SONORAMENTE O LUGAR ESCURO OS DOIS (Talvez um em português, outro em idioma africano). Eu aprendi o mundo assim. O escuro. Eu nasci num cemitério úmido. Quem me batizou foram as trevas. O meu padrinho vestia ébano. Minha madrinha foi jogada ao mar. Ela me batizou de dentro das ondas. No dia em o sol tocou minha pele primeira vez foi através de uma fresta. Neste dia, eu vi minha mãe. Diz que bebê não lembra da mãe. Mas eu a vi. Anjos suados sopraram no meu ouvido que tínhamos pouco tempo. Eu grudei meus olhos nela para guardar sua imagem. E guardei. Se a vir hoje, anos depois, eu saberei como ela é. Eu sei. Só deram tempo para ela cortar meu umbigo com os dentes e depois foi arrastada. Ela abriu o mar ao meio com seu berro. O mar que é meu Pai. Eu já ouvi muito grito nas lidas do corte, mas o seu grito eu guardo na memória. No dia em que minha mãe deixou de me tocar. Deixou de ser meu sol. Deixou. O grito de minha mãe querendo me abraçar. No meio do canavial, quando a palha da cana me toca eu ainda penso que é minha mãe que veio me buscar. Quando eu aprendi a gritar, já aprendi com o idioma desta terra. Eu comecei na África, fui parido nas águas e cresci aqui. Nunca soube o que sou, se sou. LUZ. DOIS NEGROS NO PÉ DA MOENDA OU NO CORTE DA CANA. ( Quanto mais se parecerem, melhor). OS DOIS Minha única herança é ele, meu irmão. Nascemos junto. Agora um cordão umbilical de ferro nos prende. Este cordão, minha mãe não pôde romper. Mas para meu irmão, eu sou o que restou de minha mãe. Ele me olha procurando pistas dela. Eu faço o mesmo. Quando eu suo, ele limpa meu suor; quando ele cai, eu sou suas pernas. Quando eu grito, ele me convida para a prece; quando eu sangro, ele sangra também. (pausa). Quando dá saudade de mãe, nós proseamos com a água. SENHOR DE ENGENHO SE APROXIMA. (WS NEGROS, ÊXODO, TRECHOS LIDOS PELO SE). QUANDO O SENHOR DE ENGENHO ESTIVER TEREMOS UM NEGRO SEGURANDO UM GUARDA-SOL. SENHOR DE ENGENHO Amanhã, a festa da botada vai acontecer. Padre vem benzer o primeiro feixe de cana. Neste dia, como de costume, eu decidi libertar um negro. Como se espera que faça. E vai ser um de vocês dois. Vocês podem decidir qual. Vocês devem decidir qual porque se não decidirem, eu não liberto nenhum. ELES RECEBEM A NOTÍCIA E NÃO PARAM DE TRABALHAR UM MOMENTO. QUANDO O SENHOR DE ENGENHO SAI DE CENA, PARAM UM SEGUNDO SE OLHAM E RETORNAM AO TRABALHO. OS DOIS Minha única herança é ele, meu irmão. 176 CENA 2 IRMÃO 1 SOZINHO, FALANDO COM O RIO. 1 Deve de ser ele. Eu cordei e vi no meu irmão a vontade de ser o escolhido. Ainda que eu tenha um desespero em fugir do eito, eu sei que deve de ser ele. Fui na madrugada, oiar ele drumindo. Ele ainda sonha. Eu não. Deve de ser ele. Ele deita aqui, mas drome num outro mundo. Um mundo que lhe dá condição. Eu sou desse lodo. Meu sangue já tem desse lodo. Nada me salva. Como que eu tiro essa vontade de matar que tá dentro de mim? (Pausa). Deve de ser ele, mãe. Eu desejei deixá-lo aqui. Eu desejei o que não é meu. Me ajude a esquecer de mim e deixar ser ele. Me salve de mim, mãe. Me salve desta gana de querer o que não é meu. IRMÃO 2 SE APROXIMA. 2 Cê me oia de um jeito estrangeiro. Cê quer ir? 1 Não. Cê vai. Quando sinhô preguntar, cê vai. 2 Porque eu? 1 Porque eu sou triste. Cê não. Num vou nem saber reconhecer a alegria se ela me aparecer de frente. Cê vai saber o que fazer com ela. 2 Que conversa mais atravessada. 1 Eu só tenho gosto de sangrar. Sangrar quem me prende. Sangrar a mim mesmo. Só quero sangrar. 2 Se eu for, eu vou virar metade? 1 Não. Cê vai saber o que é ser inteiro; pela primeira vez, ocê vai saber. 2 Acho que não. IRMÃO 1 SE APROXIMA COMO SE QUISESSE UM CONTATO. O OUTRO IRMÃO FOGE DO ABRAÇO. NÃO QUER OLHÁ-LO DIRETAMENTE NOS OLHOS. 177 1 (Apontando para o rio). Não faço por mim, não. Eu quero me ir também. O que cê pescou no meu pranto é vontade de sumir daqui. Num quero que cê veja meu desejo nos meus olhos. Num sou eu quem decide. Foi Ela quem mandou ser assim. Foi Ela quem decidiu. 2 Eu num sei o que é melhor. Cê tem carne mais resistente que a minha. Pode vingar neste ofício mais tempo. Mas se eu for, devo morrer de amargura. Aqui, pelo menos, eu num tenho tempo nem para morrer. Nem para pensar. E se morrer, sei quem vai me chorar a perda. QUANDO O OUTRO IRMÃO 2 SAI DE PERTO, ELE ENCOLHE-SE E CHORA. CENA 3 SE APROXIMA-SE. QUANDO CHEGAM OS BRANCOS, ELES SE CALAM. SE Vocês decidiram? 2 Quem deve de ir sou eu. SENHOR DE ENGENHO CAMINHA POR ENTRE OS DOIS CALMAMENTE. APROXIMA-SE E FITA O IRMÃO 2 NOS OLHOS BEM DE PERTO. ASSIM PERMANECE. SE Pois eu vou libertar é o outro. Ele é brabo demais. Quero arenga longe daqui. Ele fica, ocê vai. OS DOIS IRMÃOS NÃO SABEM O QUE FAZER. SE (Gritando entre alegre e feroz para o irmão 1) Fora! Fora! IRMÃO 1 PEGA UM PAR DE SAPATO, DEIXA CAIR UM SAPATO NA SUA SAÍDA. OS DOIS IRMÃOS SEQUER SE OLHAM. SEGUE CORRENDO ATÉ O INÍCIO DA CENA 4. SE Vamos colocar a primeira cana na moenda. 178 IRMÃO 2 PREPARA-SE PARA COLOCAR NA MOENDA. CONTINUA SEU TRABALHO CIRCUNSPECTO. NEGRO 2 FAZ SUA PRECE PARA OGUM NA BEIRA DA MOENDA. POR TRÁS DA CANA, ESTAVA ESCONDIDA UMA IMAGEM. ELE APROVEITA QUE ESTÁ SÓ E COMEÇA A REZAR BAIXINHO. 2 Mãe, outro dia, baixou um mulato por aqui. Disse que só podiatrabaiar durante o período da estiagem. Sabe porque? Porque ele foi dado a dois irmãos no testamento do pai. Mas um dos irmão quis alforriar ele e o outro não. Aí fizeram este acordo. Metade do ano, ele é negro liberto e trabaia para mim; na outra metade, volta a ser escravo e corta a cana. Danada de sina mais partida a da gente, né não? Sempre pela metade. Nasce no meio-dia, morre à meia-noite, num tem hora inteira que seja nossa, nada nos é dado inteiro. Eu ouvi quando mãe pediu a Oxum que lhe fechasse o ventre. Para que ter fio se num podia guardar para ela? Para que ter fio se era para viver longe? Eu ouvi quando meu irmão gritou para Ogum para secar a terra. Para quer ter trabalho/colheita se era para morrer no eito? Não sei mais o que pedir. Então eu só lhe peço a morte. Me mate. CENA 4 O NEGRO LIBERTO, IRMÃO 1, ESTÁ EM CENA. MALTRAPILHO, SUADO E APARENTEMENTE MUITO FRACO. SE ENTRA EM CENA. SE Esqueci de lhe avisar que fora do engenho só tem miséria, né nego? Achou que as pernas iriam viajar como pensamento, achou? O salto é de gia. O vôo é de galo. Liberdade é que nem cabelo de freira, um mistério. E dizem que quem vê morre. SE OFERECE UMA ARMA PARA O NEGRO. ELE NÃO A PEGA. HOMEM APONTA A ARMA PARA O NEGRO ENQUANTO FALA O PRÓXIMO TEXTO. MIRA BEM NO MEIO DO SEU ROSTO. 1 O que o sinhô quer comigo? SE Oferecer um seuviço. Sabe usar, num sabe? (Negro acena afirmativamente). O serviço é cru, sem rebuço. Coisa que macaco treinado sabe executar. Cês conhecem aonde se aninham os negro fugido. Eu pago boa moeda para ajudar a achar e prender. E, em alguns casos, matarem. Eu cuido docê aqui fora. Num vai mais faltar teto, esteira e comida. Aceita? 1 ACENA QUE SIM. SE Pronto. Começa agora. Tem um negro fugido que tu conhece bem, desde que nasceu. Este nem precisa de retrato, nem desenho. 1 Meu irmão? SE 179 Apoi. Parece que o eito num cabe mais nele depois que ocê se foi. Ficou arredio como tu, visse? Traga ele de volta, traga. Prometo castigo ameno. E se ele resistir, ocê decide se deve de matar ou não. Vou deixar cê tomar esta decisão. Este negro é bom de decisão. 1 COMEÇA A CORRER PELO ESPAÇO. AOS POUCOS ENTRA EM SINTONIA COM A CORRIDA DO OUTRO IRMÃO. SEGUE NA PERSEGUIÇÃO ATÉ SER AGARRADO PELO IRMÃO. CENA 5 1 Pare! 2 O que cê fai com esta roupa? E essa arma? 1 Sou eu quem te caça. 2 Sinhô te pagou para me achar? 1 Caçar qualquer bicho de couro escuro que se arraste na mata. Mas ele quer ocê. 2 Num vorto. Num posso. Não há necessidade de mergulhar nas profunda. Eu já vi o inferno. Diabo nenhum me mete medo porque eu habitei o mesmo teto que ele e dancei sob seu chicote. A danação é velha conhecida. As portas do inferno são as fornalha. Os demônios estão organizando uma vingança porque os branco subero construir um inferno melhor que o deles. Eu ardia como uma flor de ódio e o meu cheiro era de carne em sacrifício posta no fogo. Tu num sabe o que ele fei depois que tu se foi. Ele descia o chicote mais fundo na minha carne. Parece que batia em mim e em você. Queria que meu grito chegasse até onde ocê estivesse. Queria o dobro do meu sangue espaiado pelo chão para compensar o sangue seu que ele não derramaria mais. Ele batia em mim em ocê, meu irmão. Lá minha alma queima porque eu não sei mais perdoar. Eu suo até rachar a cruz de madeira. Eu berro de dor, mas o barulho das chamas não deixam ninguém ouvir. Nem Deus. Eu sofro o calvário. Foi então que eu vi Nossa Mãe. I2 MOSTRA AS MARCAS NAS COSTAS. O I1 MOSTRA TAMBÉM E TEM AS MESMAS MARCAS NOS MESMOS LUGARES. I1 ABRAÇA O IRMÃO 2. PEGA A ARMA E COLOCA-A EM DIREÇÃO AO SEU ROSTO. 2 Atire. IRMÃO 2 NÃO SABE O QUE FAZER. MATA OU DEIXA ELE FUGIR PELO MUNDO. B.O. ANTES DO TIRO. 180 CENA 6 ENTRADA NO RECINTO DO SENHOR DE ENGENHO. SE DEITADO NA REDE. O NEGRO ESTÁ SEGURANDO O GUARDA-SOL, MESMOQ UANDO ELE APANHA E DESABA NO CHÃO. (DOIS ESCRAVOS PODEM LEVÁ-LO A PEÇA INTEIRA PENDURADO PELA REDE). 1 Quem com o diabo anda, com o diabo acaba. SE Encontrou o fugido? 1 Me escapou. Ficou arredio demais, sinhô. Magina. Nem obedece mai a famia. SE (Percebe que corre perigo) Se preocupe não, eu vou lhe dar a paga mesmo assim. 1 Carece não. Eu larguei o seuviço. SE Veio atrás de outra caça, não foi? 1 Eu sou bom de escolha, disse o sinhô. Pois sou mesmo. Eu vim lhe abrir as portas da morte. Sinhô me deu a alforria, eu lhe devolvo o fim. E me basta uma só semente. Sinhô tá com medo? SE (Aproximando a arma do peito e encarando-o de frente). Não. Não fui educado para isso. Minha escola é tirana , minha prece é rouca, meu couro quem me deu foi meu Pai. Ele não sangra. ELE CHICOTEIA O SENHOR DE ENGENHO ENQUANTO SE PRONUNCIA OS DEZ MANDAMENTOS. O SE RECEBE AS CHICOTADAS E GARGALHA. SE Eu sou o teu Senhor que te fez sair da tua terra. E te acolhi em minha morada. Não terás outro Senhor diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá do outro lado das águas. 181 Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás. Porque sou eu o teu Senhor. Sou um Senhor ciumento que puno a iniqüidade dos pais sobre os filhos até a terceira e a quarta geração dos que não me servem, mas que também ajo com justiça até a milésima geração para aqueles que me amam e guardam meus conselhos. Não usarás meu nome em falso testemunho. Trabalharás sete dias e seis noites. Assim te darei um sábado para descanso e alegrias. Ao teu senhor servirás com mão de obra obediente, humilde e fiel para que o teu dono afaste do teu corpo o chicote, o tronco, a máscara de ferro. Não se voltarás contra o teu Senhor. Resignarás perante as feridas abertas pelo desenraizamento da terra dos ancestrais e o teu Senhor te dará uma nova morada e uma identidade particular. Serás um bom servidor. Não cometerás suicídio. Não promoverás revoltas individuais ou coletivas. Serás benevolente, amável e agradecido. Esquece teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias sobre a terra que o teu Senhor de dá. Não roubarás teu Senhor. Não cobiçarás a casa, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem sua mulher, nem coisa alguma que pertença a teu Senhor. Não matarás o teu Senhor. Não matarás o teu Senhor. Não matarás o teu Senhor. ESPERA UM POUCO E ATIRA PARA O ALTO. DEPOSITA A ARMA AO LADO E ESPERA PELOS SEUS ALGOZES. SE Eu disse que não sangrava. Agora tu, eu vou descamar aos poucos. (Desmaia). CENA 8 IRMÃO 2 FUGINDO MUNDO AFORA. O IRMÃO 1 DEIXOU-O FUGIR. 2 CORRE. CAI E CORRE. SEGUE CORRENDO. MUITO TEMPO NESTA CORRIDA. CENA 9 IRMÃO 1 ESTÁ ENTERRADO NA TERRA. APENAS A CABEÇA DO LADO DE FORA. AGONIZA. MOMENTOS FINAIS DE VIDA. 1 182 Será que agora um pouco de asa? AO FUNDO, ATRÁS DO RIO, COMEÇA A CANTORIA DAS NEGRAS. LUZ REVELA AOS POUCOS, UMA SENHORA PRETA SENTADA E AO SEU REDOR VÁRIAS MULHERES TOCANDO E DANÇANDO. TODAS DE BRANCO. MÃOS ATRAVESSAM A ÁGUA QUERENDO TOCAR-LHE. SUA MÃE FALA. MÃE “Ô, meu fio! Vixe! O túmulo é uma aurora que surge e não uma estrela que se apaga... desdi nossos antepassado a festa dos morto é a coisa mais linda de se oiá, de se tá...Ai, a festa dos mortos. Que lindo, fio. Que lindo! Oia, no primeiro dia do morto é o dia do jejum e das rezas... Tudo, tudim vestido de uma espécie de alva, só o chefe das rezas mostrava vestimenta listrada diferenciada. Findava essas prece antes do fim do segundo dia da festa funerária. O dia do meio é o dia do “holocausto”... cordeirinhos bonitinho, mas todo bonitinho, alvo, alvinho, era degolado na boca da cova e o sangue jorrava nas escavação do campo. Só não pode, visse fio, é nodoar a mão destra no líquido da vida. Depois recolhe todos, vão orar enquanto as carne é distribuída pelos conhecido, pelos ausente, pelas famia africana conterrânea da merma fé e domermo rito. E no dia derradeiro prepara-se o banquete funerário, seguido de danças que vão encantar os Manes na viagem glacial da morte: de turbantes e panos da costa, de saias rendada e leve chinelinhas, as mulher negra esbanja comida africana aos conviva – é o sinal para o início dos batuque e das dança...Ah, os batuque solene... rodopios, sapateados, algazarra confusa, africanos e africanas dançando e cantando, batendo palmas e as “baladeiras da morte” agitando as plumas de suas vestidura, chocalhando os búzio e seus colar de miçangas, as conta de ouro e os coral de suas pulseira riquíssima, escolhendo um pra dançar dando a ele sua “varinha de fada” com ramos de flor enlaçada de fita com aclamações prolongadas e vivíssimas... eita... como é calmo e profundo o sono dos mortos!!!! ENTRADA DO IRMÃO 1 NO RIO. DO OUTRO LADO, A CANTORIA SEGUE. O IRMÃO 1 ATRAVESSA O RIO E LÁ RECEBE CUIDADOS. IRMÃO 2 RETOMA A CORRIDA DO LADO DE FORA... DÚVIDA NARRAÇÃO DAS MÃES: ‘LIBERDADE É VOLTAR PARA O COLO DA MÃE. DA GRANDE MÃE.’ UM GRITO OU BARULHO DE MOTOR VEM FORA DE CENA E ASSUSTA OS ‘MORTOS’ QUE SE ESCONDEM. A CENA SE DESFAZ RAPIDAMENTE. ÁGUA CESSA, VELAS SÃO APAGADAS PELAS MÃES. MARIENE TOMA O CENTRO DA CENA. TÂNIA (Ainda fora de cena) Mariene!! MARIENE Tem gente chegando. AS MÃES SE AFASTAM UM POUCO, DEIXANDO MARIENE RECEBER QUEM CHEGA. 183 TÂNIA Oxe mulé, tu sumiu. Eu tava com ar de doida atrai de tu. Eu quase perco a voz a te procurar. As máquina tão chegano para derrubar o grosso deste matagal, depois, nóis ainda tem que fazer a limpa. MARIENE Num pode ser, Tânia. TÂNIA E porque? MARIENE Este lugar num deve de ser derrubado. TÃNIA Deixa de ser frouxa do juízo, mulé. (SEU RACHID CHEGA). MARIENE O que ele tá fazendo aqui? TÂNIA Ô Mariene, Seu Rachid para falar com ocê longe dos outro. É coisa será. MARIENE Não me deixe aqui com ele. TÂNIA Ele quer te dar vida fora do corte, Mariene. Tu escuita ele e depoi adecidi o que fazer. SEU RACHID TRAZ UMA FLOR DE CANA. SEU RACHID Que tu fazeno aqui, Mariene? Essa flor me custou um pé de cana. É para tu. SEU RACHID FAZ SINAL PARA TÂNIA SAIR DE PERTO. ELA SAI. MARIENE Seu Rachid, o senhor conhece o povo que habita aqui? SEU RACHID Esquece os outro, Mariene, hora da gente decidir nossa vida, não é não? Tu sabe o que eu tô te ofereceno? Vem, comigo. MARIENE Eu já tô decidida. SEU RACHID Jesuíno num vorta mai. MARIENE 184 E como que senhor sabe? SEU RACHID Eu recusei ele. (Pausa rápida). Disse para todo mundo na usina que ele só causou pobrema, que num cortava direito. Ninguém aceitou ele por aqui. MARIENE Mai ele pediu para vortar? SEU RACHID Pediu. Mai deve de ter ido para outro corte longe daqui. Aqui na região ele não corta mai. MARIENE E eu esperano ele... SEU RACHID Eu disse que tu sumiu, Mariene. Ele já arranjou outra, Mariene. Já se derreteu debaixo de outro sol, mais rápido que o teu boneco de cera. Eu fiz isto para tu me dar uma chance, Mariene. MARIENE Foi Tânia que lhe disse para fazer isso, num foi? SEU RACHID Porque ela sabe que eu tenho sentimento nocê. Que eu sou o futuro por aqui, mulé. MARIENE Eu tenho nojo do senhor. Essa cana devora o que presta na gente. O senhor num sabe o que eu vi. Aliás, o senhor deve de saber. Aqui só tem fantasma sangrando. Vai ver o senhor é um deles. Apoi eu viro bicho e vou usar minhas garra para sair viva deste inferno. Mai eu acho Jesuíno nem que eu trabaie em todos cortes do sul e do norte... (Seu Rachid a segura). SEU RACHID Tu vai se lançar no mundo atrai dele, vai? MARIENE Vou. SEU RACHID Porque? Porque se eu tô aqui doido por você? MARIENE Porque num vou deixar meu fi sem conhecer o pai. SEU RACHID (Após uma rápida pausa). Mentira sua. MARIENE É não. SEU RACHID Como tu sabe disso? MARIENE As pessoa que mora aqui. Me deixe ir, home. 185 SEU RACHID Num deixo. Eu faço outro fi por cima do dele. Eu tiro Jesuíno de dentro docê. A pulso. Tu vai ser minha, mulé. OS DOIS BRIGAM. MARIENE ATINGE SEU RACHID COM A ENXADA OU FACÃO. AS MÃES VOLTAM PARA SEPARAR A BRIGA. MARIENE Me adesculpe. SEU RACHID Quem são elas? MARIENE São as santeira daqui. Elas que cuidam desta terra. E elas vão ficar. SEU RACHID Com ordem de quem? MÃE Foi espaço doado, seu home. Nosso pedaço de chão é pequeno. MÃE Meio hectare, seu home. Custa nóis ficar aqui? MÃE Nessa terra, nóis enterrou as nossa mãe e avó. O senhor quer plantar cana em cima delas? SEU RACHID Foram essas que lhe falaram do fio? MARIENE Deixe elas em paz, seu Rachid. SEU RACHID Cadê sua cerca? Onde termina sua posse? Me mostre! MÃE As cerca tão aí, mas tem gente que num consegue mais ver. MÃE Nóis vive de beirada há muito tempo, seu home. Quando cês fai queimada, nóis fica sufocando com a fumaça, o fogo saiu beijando nosso hálito, a quentura acendia o fogão da gente. Periga nóis tostar MÃE E os outro que vieram aqui antes com arma nervosa, querendo cuspir em nóis, querendo espirrar em cima de nóis. MÃE Como cuspiro as outra. 186 MÃE (Apontando para a terra). Ali tem uma. Ali tem outra. Ali mais uma. MÃE E teve uma de nóis que o coração se afogou. Foi a tristeza de ver um arma de perto. Deu uma goteira nela desde esse dia e nóis deitamos ela aqui. (Aponta um pedaço de chão onde ela deve estar enterrada). MARIENE O senhor já sabia, seu Rachid? SEU RACHID Não sei de nada. E na minha lei, tudo tem metro. Cadê o papel? MÃE (Mostrando um papel velho que estava guardado na terra ou dentro do soutien). Tá qui. SEU RACHID (Lendo) “...Propriedade do Santo?”. Que brincadeira é essa? MÃE Tá lavrado no cartório. Isso é herança antiga, seu home. Quando palavra pesava mais que ouro. SEU RACHID Cadê o santo para tomar posse do que lhe pertence? Se ele vier, eu lhe dou o que lhe é de direito. (RASGA O PAPEL). MÃE Eita, e agora, como que nóis avisa ele? SEU RACHID Chega! Mai é muita cara-de-pau. Morar nas terra dos outro às custas da fé do povo. Isso aqui é propriedade da usina. È o que tá no meu papel. Peça para o santo pegar na enxada. Eu planto até na cabeça do santo. Ele que se mude. (Agarra Mariene). Vem, Mariene. Vem. Pega esta enxada e derruba estas plantação. MARIENE Num corto. SEU RACHID Então deixa que eu faço. SEU RACHID COMEÇA A CORTAR, MAS AINDA ESTÁ TONTO DO GOLPE E CAI. OS OUTROS CORTADORES CHEGAM. TÂNIA Ele tá sangrando. Isso foi tu, Mariene? MARIENE Eu sei o que tu fizesse, Tânia. 187 TÂNIA Fi o que? MARIENE Foi tu que afastou Jesuíno de mim. TÂNIA Esquece este home, ele pensa que tu morreu. Seu Rachid quer te salvar desse mundo e nos ajudar. MARIENE Nos ajudar? TÂNIA Se ele morrer, mulé, nóis se enterra aqui também. MARIENE Apoi ele pode morrer e ser enterrado aqui mesmo. SEU RACHID (Falando baixo) Foram elas que me atacaram, essas arruaceira. MARIENE É mentira. TÂNIA (Carregando Seu Rachid) Vamos embora daqui. Eles tão trazendo máquina e tudo, mulé. Trator para por abaixo estas roças. MARIENE Apoi eu fico. MÃE Fica não. MÃE Tu tem dois corações. MÃE Tu tem que pensar nele. MARIENE Deixe eu ficar, deixe. UMA DAS MÃE BEIJA A BARRIGA DE MARIENE. MARIENE É ARRASTADA PELO GRUPO. SAI AOS BERROS. AS MÃES AO CONTRÁRIO PARECEM MAIS SERENAS. AS MÁQUINAS ANUNCIAM COM MAIS FORÇA SUA CHEGADA. APÓS TODOS TEREM SAÍDO, AS MÃES SE REUNEM AO CENTRO. 188 MÃE Eu num saio. MÃE Se tiver findado a era nossa, findou. MÃE Eu num saio. MÃE Nóis vai aprender, se as outras subero se ir, nós vai tumén. MÃE Eu num saio. MÃE Daqui num dá para correr mesmo, as raiz num deixam... MÚSICA ‘NO PÉ DA JUREMA’. ELAS CANTAM E DANÇAM. CORO DE ATORES REFORÇAM O CANTO FORA DE CENA. A LUZ VAI SE FECHANDO COMO QUE CERCANDO-AS NUM QUADRADO MINÚSCULODE TERRA ONDE ELAS VÃO SE EXPREMENDO. MAS O CANTO NÃO CESSA. SONS DE MÁQUINAS OU QUEIMADAS. BLACK-OUT. 189 Movimento 3. PLANO A. (em estudo). RETORNO AO ESPAÇO 1. BAR DA AMIGUINHA VAZIO. SÓ CIGANA LORI QUE TRAZ MARIENE PELA MÃO. MARIENE ESTÁ COM A BARRIGA MAIOR. SENTA-SE BEM PERTO DO PALCO. O PÚBLICO OCUPA AS CADEIRAS DO BAR. LORI CIRCULA E RECEPCIONA. SEMPRE CRIANDO MANDALAS DE PROTEÇÃO COM SEU DESODORANTE E ALFAZEMAS. ESTÁ VISIVELMENTE EMBRIAGADA, MAS TEM ABSOLUTO CONTROLE DO SALÃO. UELMA Boa noite, minhas amigas. Boa noite, meus amigos!!!!!!!!!!! É hoje, minha gente, é hoje. Muita emoção num dia só, né não? Meu nome é Uelma Raiane, flor cigana do Nordeste. A gente estamos, com certeza, muito felizes. Nós teremos várias grandes atrações numa só noite. Aí vocês podem perguntar a Uelma. Uelma porque tantas atrações? E Uelma responde: Porque esta é a 13ª. festa do CIGA-NOS, por que hoje meus amigos é noite gitana, uma homenagem ao meu povo, nesta próspera cidade de Vicência, eita!!!!!!!!!!!!! Aí você podem perguntar a Uelma. Uelma, quais são as atrações? E Uelma responde. Várias!!!!! Mas lógico que a maior atração é a organizadora deste evento que está crescendo a cada ano. Eu quero uma salva de manos para Lori Raiana, dona do Bar da Amiguinha, o regaço do canavial. ENTRA A MÚSICA E APRESENTAÇÃO EU SOU CIGANA. LORI OCUPA UM BANCO NO CENTRO DA CENA. LORI Boa Noite, minha gente. É uma felicidade imensa ter vocês aqui. É forte, é forte, é forte, é forte. O que eu sinto não é desse mundo, o que eu sinto é de outro mundo. O que eu sinto é da natureza. Olha minha gente, vou contar uma história pra vocês. De como eu vim parar aqui, porque não foi assim. Não foi assim como vocês pensam, não foi assim. Eu sou carregada, eu sou carregada pelos espíritos. Eu vim, eu vim, porque sou. Eu vim em êxodo, vim com meu povo. Eu sou nordestina porque eu aceitei porque eu poderia ser de qualquer lugar. Pra mim o que vale é o que minha vó ensinou. Minha vó, minha mãe. Eu tô aqui no canavial porque minha vó, minha mãe, são assim com a natureza ó. (Faz o gesto com os dedos). Eu também sou assim com a natureza ó. (Faz o gesto com os dedos ). Eu e o canavial somos uma só. Vocês tão achando que o canavial é homem? Canavial é mulher. Canavial sou eu, eu, canavial, eu, canavial. Eu vim do canavial, eu tô no mesmo patamar do canavial. Minha vó era cigana, era mística, eu quero dizer era ligada à natureza. É, o mundo gira e no giro do mundo, os ciganos continuam girando com o mundo e longe de se tornar uma lenda, contam a lenda do mundo. Montei este bar porque este bar é onde eu consigo estabelecer um laço. E recebo todas as crenças, todas as fés, porque nós somos receptivas e acolhedoras. Eu fui prometida em casamento para dá continuidade ao meu povo. Minha vó disse: ‘case, minha filha, case’. Aí eu me casei, mas eu me casei com a festa (Gargalha). Vocês não queriam festa? Olha aí. Eu tô tão alterada. Mais eu não sei, eu recebo, eu recebo, eu tenho informações, eu não sou daqui, eu sou de lá. Mas a primeira leitura, eu prometi a esta jovem, que tem uma história linda e sofrida. O que eu lhe disse, meu amor? (coloca o microfone para Mariene falar). MARIENE A senhora me disse que traria meu amor de volta. Cadê ele? LORI Calma, meu anjo, sem ansiedade. Venha, meu amor, eu prometi que lhe traria seu amor, não foi? Pois, eu trarei. E você está com um cara de quem precisa de um oráculo... 190 MARIENE Posso beber não. Tô prenha. LORI Que forte, forte, forte. Grávida e abandonada. Eu peço uma música para ambientar. (Música entra). Eu vou rodar uma mandala para ela. AJUDANTE CONDUZ MARIENE ATÉ O BANQUINHO. ENQUANTO ROLA A CONSULTA PÚBLICA, TOCA UMA MÚSICA LAMENTO CIGANO. LORI Corte, meu amor, corte. (Mariene corta. Lori analisa as cartas). Ô, ô, mais do que isso eu digo a vocês, ô. MARIENE É coisa boa? LORI REFLEXÃO SOBRE A TERRA PROMETIDA/DEUTERONÔMIO. Não vamos nos precipitar. Tire outra. (Ela tira). Esta carta não é fácil. Não é fácil. O julgamento no canavial. Isto não á fácil. Opa! O que eu tenho para dizer para vocês é ‘Opa’. O hierofante. Este homem é uma figura misteriosa, ligada aos mistérios, assim como eu, eu que não sou daqui, que vim em êxodo com meu povo, que sou como a natureza. Você também veio de longe para o encontrar. Tire outra carta. (Ela tira). O sol. Agora é definitivo. Você vai encontrá-lo aqui. Meu amor, ele está mais perto do que pensas, e mais longe do que pensas. Que estranho. MARIENE Eu posso perguntar? LORI Pode, minha filha, pergunte. MARIENE Ele tem outra? LORI Não, meu anjo. Ele só tem você. E...e...Eu o sinto cada vei mais perto. MARIENE Cadê? Cadê? LORI Tu vens, tu vens, eu já escuto teus sinais. Seria ele, meu amor? Vejam a força cigana se manifestano. É forte, é forte, é forte... LORI PEDE QUE UELMA ABRA A CORTINA E MOSTRA JESUÍNO. MÚSICA SOBE. MARIENE Jesuíno. UELMA Lori diz, Lori faz. 191 LORI Trago seu amor em uma semana ou seu dinheiro de volta. Vocês num queriam festa? Òia aí. UELMA Uma salva de manos para o casal. LORI Aqui é assim: lugar de bênçãos e bebes. Eu tenho que diversificar, não é meu povo? Eu ofereço ao meu público o que ele pede. Ele pede o profano, eu dou. Ele pede o sagrado, eu também dou. Enfim, eu dou. Eu sou dadivosa. Eu não sou fechada, eu sou aberta. A todos os gêneras e etnias. Quem quiser montar uma etnia e vir, monte a sua etnia e venha. APLAUSOS. MARIENE E JESUÍNO ESTUDAM-SE TIMIDAMENTE. MARIENE TRAZ UMA ROUPA LARGA E NÃO DÁ PARA NOTAR CLARAMENTE A GRAVIDEZ. JESUÍNO Mariene, é tu mermo? MARIENE Sou eu. Como que ela fei isto? JESUÍNO Sei não, uma moça foi me chamar porque Lori precisava me ver de qualquer jeito. Que tinha notiça suas do Norte. Eu vim correndo. MARIENE Mai ela te conhece? LORI (PASSANDO POR ELES FORA DO PALCO) Quando você me disse o nome dele, eu liguei o nome a pessoa. Camarada meu, Jesuíno. Eu disse que trazia, cariño. Agora, sentem-se e finjam que estão felizes porque eu já consegui mais cinco clientes hoje. È forte, é forte, é forte... (SAI). SENTAM-SE NUMA DAS MESAS. JESUÍNO Mariene, credito não. Mai eles no sul me que tu tinha sumido no meio da lida. MARIENE E foi? JESUÍNO Deu inté uma gastura. A tristeza danou-se a morar nos meus olhos. MARIENE Ô home. E eu sem tu então? Fiquei tão sem poesia. Pense num dia errado. Foi o dia que tu foi sumindo para dentro da madrugada e foi sendo pintado de noite. Eles num te aceitaram mai lá e nem me dissero que tu tinha ligado, home. (Pausa). 192 Agora eu liguei que só pra tu. Mandei tanta música na Rádio de Seu Arlindo. Mandei o repertório todinho do Roberto Carlos, depois do Vitor e Léo, já tava no disco novo do Calipso. JESUÍNO Eu fiquei distante um pouco, Mariene. Saí daqui. Lugar sem futuro. O povo aqui é do pentecostes ou da cachaça, Mariene. Todo mundo morando nas periferia da periferia. A única plantação que vingou aqui foi a de favela. MARIENE (Ri contente) Oxe, eu tô me rindo porque tu num vai acreditar, home. Eu fi uma vela de cera do teu tamanho com a tua cara. E tô achano que a vela era mai bunita. JESUÍNO Pro mó de que? MARIENE Uma promessa para te encontrar. E agora nóis tá qui. Viuje, vou ter que cumprir tanta novena. JESUÍNO Eu deixei dessas coisa. MARIENE Que coisa? JESUÍNO De igreja. MARIENE Oxente, e tu reza para que? JESUÍNO Para mim. Eu rezo para ti. Antes de dormir, eu ficava dizeno teu nome baixinho até o sono me domar. MARIENE Que coisa bunita. Eu virei prece. Consigo ser sem Deus não. Eu aprendi a ler com as reza. Os bendito me ensinaro o alfabeto todo. Se tu perdeu a crença toda, como é que tu fica de pé? JESUÍNO E eu sei? MARIENE Jesuíno, eu tenho uma coisa para te contar. JESUÍNO (APÓS UMA PAUSA). Eu também. Eu tô vortano amanhã pro corte no sul, MarieneMARIENE E é? Oxe, eu me abalei de Piracicaba para te procurar. JESUÌNO Aqui num dá sustento. 193 MARIENE Mai nóis demorou tanto para se achar... JESUÍNO Mai eu vorto. Eu tumén quero mai essa vida não. Mai num tem jeito. Eu já subi e desci este país muitas vez. Eu perdi minha fé no meio da estrada de Piracicaba para cá. Deus foi se despedançando na estrada. Cada buraco caía um pedaço dele. Acho que num sobrou nada não. Nem choro. Sobrou nada não. Mai eu sei quem me roubou a fé. Foi uma cabocla que vendia uns espelho na rodagem. Na altura da Bahia. Ela era meio índia, num sabe? Ela me pôs um espelho assim no rosto. E eu me vi. Mai eu me vi, seu home, como nunca tinha me visto antes. Foi como se fosse a primeira vei. Se eu num subesse antes quem era aquele ali. Vi meu rosto e eu parecia meu vô. Vi muito janeiro pendurado nas minhas peles. Vi meu rosto cortado que nem terra esperando. Eu num tava chorando, mas parecia que eu tava. Aí eu tentava sorri e pareci que chorava mai ainda. O povo dizeno que tinha feitiço naquele espelho dela. Apoi quando ela aretirou o espelho da minha frente, foi como se apagasse as cores do mundo. Foi ela, a índia que me raspou o tacho e fechou a venda. Ela pôs minha alma dentro do espelho dela. Sou mai eu não. Só ficou o oco, um lugar véio, o buraco do capeta. Ela capou meu sorriso. Tinha feitiço não, seu moço, tinha só a verdade MARIENE Eu vi muita coisa também. DÚVIDA: PROJEÇÃO IMAGENS DE TRABALHADORES DE CANA. OU USAR TRECHOS EM RÁDIO OU VÍDEO DO DEPOIMENTO DOS CORTADORES E MORADORES QUE SÃO AMEAÇADOS A DEIXAR SUAS TERRAS DE SANTOS... Vi o demo de perto, bailando na cana. Roubando nossa alegria, home. Parece que todo mundo que a cana toca, ela machuca. De um jeito ou de outro. Eu vi cada coisa, home. Meu povo ficou foi triste. Até nas brincadeiras, eu vejo dor. Ninguém sabe em que acreditar mai. Eles fizero de um tudo preu desmontar de Deus, mai eu num desmontei. Quisero cortar minha língua com facão para não rezar mais e uma nova língua cresceu. JESUÍNO O que eu sei é que quando eu penso em tu me dá um pouco de saudade de Deus. MARIENE E eu sei que foi Ele que me truxe até aqui. JESUÍNO E nóis? Como que vai ser? Eu tô despido de reza, isento de Ave-Maria, tô cru que nem barro, sem adorno de santidade. Tu me ensina o caminho de vorta? Tu me ajuda a crer em alguma coisa? MARIENE (Após uma pausa). Se tu acreditar em mim perto de tu já é um bom começo. JESUÍNO (Antes de sair) Amanhã, eu sigo, mai eu volto, vi? Agora que sei que tu vai ficar aqui que nem rede na varanda. MARIENE Tu me manda umas música por seu Arlindo, visse? JESUÍNO BEIJA MARIENE NO ROSTO. 194 MARIENE Ói, Jesuíno, perca a fé não. No Deuteronômio/na Bíblia, lembra de uma passagem assim: ‘Então subiu Moisés das campinas de Moabe ao Monte Nebo que está em frente a Jericó e o SENHOR mostrou-lhe toda a terra. E disse-lhe o SENHOR: esta é a terra que jurei a Abraão, Isaque e Jacó, dizendo: à tua descendência a darei; eu te faço vê-la com os teus olhos, porém lá não passarás’. JESUÍNO Nas porta da terra prometida, eles não tomaram posse dela. É que nem nós na margem do canavial que não é nosso. Nunca será. MARIENE Ainda não é. (Põe a mão dele na barriga dela). Mas pode ser dos que vierem. Quando tu voltar , nóis vai ser 3. ELES SE ABRAÇAM. JESUÍNO SAI. MARIENE Eu passei a vida me preparano para que o amor me tome. Chegou a hora. A fé é a posse antecipada do que se necessita. MARIENE SENTA-SE NO BAR JUNTO COM O PÚBLICO. UELMA Agora vamos beber minha gente. Vamos dançar. Salve Santa Sara Kali. Com vocês, ele. O cantor preferido das mulé de Vicência e redondeza. E vocês podem perguntar para Uelma. Uelma, quem é ele? E Uelma responde. “Frankito”. CANÇÃO BREGA-ROMÂNTICA QUE ENCERRA AS APRESENTAÇÕES NO BAR DA AMIGUINHA E O ESPETÁCULO. QUANDO O CANTOR TERMINA, ELE AGRADECE OS APLAUSOS E TODO ELENCO DA PEÇA VEM AGRADECER TAMBÉM. EMENDAR COM A ATMOSFERA DE FESTA. Apêndice. O que Jesuíno viu. Eu sei do dia exatinho que começou minha decadência com o homem. O que eu sei é que eu vi muito choro por aqui. Muito dele debaixo do teto da igreja. Deu um dilúvio danado nos tempo da fome. Tu soube? Olhe, foi tanta gente a ficar sem morada, andando molhada pelo morro. Eu fui mai mainha para o Alto do Morro, lá onde fica uma igreja nova que abriro. Era o canto mais alto e seco perto da vila. Aí eu vi um povo expulsando o pessoal da Jurema, os caboclo tudo. Eles brigaro Mariene e pusero os outro para fora. Brigaro dentro daquela casa. Uns grito de desespero apertado. Meu coração murchou. Eu corri para ajudar o povo da Jurema. Mas eles já tava no ódio e me empurraram sem querer me ouvir. Eles ficaro no meio da chuva. Um menino morreu junto deles, mariene. Eles sairo tudo marchando em luto no meio do canavial e da chuva. Eles gritaro antes de sair, mostrando o menino moito: ‘Esse Deus que cês procuram não está aqui?’ Basta cair um pingo de chuva preu ouvir os lamento deles. Mainha até fingiu que era da crença deles com medo de ser posta para morrer no meio das água. Ela dizia: ‘Quero ser defunto boiando não, lugar de moito é no abraço da terra’. Eles continuaram rezando e pregando. Aí 195 eu saí da Igreja, Mariene, sem me despedir de Deus. Tô machucado demai, Mariene, tô machucado do mundo. Aí eu pensei em tu. E quando eles me disseram que num era mai...Pensei na moite. Pensei em me lançar no meio do facão de alguém, ou me atirar nas máquina da usina. Fui ficando doido. Tirei a roupa todinha e saí gritando no canavial daqui, fiquei todo lanhado, Mariene. MARIENE Tu me manda umas música por seu Arlindo, visse? Eu passei a vida me preparano para que o amor me tome. Chegou a hora. JESUÍNO BEIJA MARIENE NO ROSTO. MARINE Óie, quando tu voltar , nóis vai ser 3. ELES SE ABRAÇAM. JESUÍNO SAI. MARIENE A fé é a posse antecipada do que se necessita. DÚVIDA: CRIAR LÁ FORA A CENA DA DESPEDIDA DE MARIENE E JESUÍNO NO ÔNIBUS. MARIENE SENTA-SE NO BAR JUNTO COM O PÚBLICO. LORI Com vocês, ele. O cantor preferido das mulé de Vicência e redondeza. CANÇÃO BREGA-ROMÂNTICA QUE ENCERRA AS APRESENTAÇÕES NO BAR DA AMIGUINHA E O ESPETÁCULO. QUANDO O CANTOR TERMINA, ELE AGRADECE OS APLAUSOS E TODO ELENCO DA PEÇA VEM AGRADECER TAMBÉM. EMENDAR COM A ATMOSFERA DE FESTA. 196 Movimento 3. PLANO C. SÒ MARIENE E JESUÍNO. INVESTIR NO ENCONTRO DELES NA HORA EM QUE ELE ESTÁ ENTRANDO NO ÔNIBUS PARA REGRESSAR... ADENDO. DEPOIS DA PEÇA, O NOSSO BAR SEGUE COMO BAR DA AMIGUINHA COM ATORES CARACTERIZADOS, SERVINDO COMIDA E CACHAÇA. A TRILHA SONORA MANTÉM A ATMOSFERA DO BAR DE BEIRA DE CANAVIAL E COM ALGUMAS APRESENTAÇÕES. FRANKITO, LUZES DO LÍBANO, ETC.. 197 TERRA DE SANTO (Pentateuco) Roteiro E. (sem Movimento 1, a peça já começa na Terra de Santo). Abril 2012. Texto Newton Moreno Em processo colaborativo com a Cia Os Fofos Encenam. 198 NO ANEXO, CRIAREMOS UM ESPAÇO-INSTALAÇÃO PARA ‘INTRODUZIR’ O PÚBLICO NA ATMOSFERA DO ESPETÁCULO. CRIAR UM LOCAL DE RELIGIOSIDADE POPULAR DOS CORTADORES/COMUNIDADE DA CANA QUE PESQUISAMOS. RÁDIOS TRANSMITINDO PROGRAMAS EVANGÉLICOS, CATÓLICOS, ESPÍRITAS. TELEVISÃO COM CENA DO PASTOR. IMAGENS. SANTOS. QUATRO CANTOS COM ORÁCULOS. QUATRO ALTARES. POR EXEMPLO: CATOLICISMO, PENTECOSTAIS, JUREMAS E CASA DA BENZEDEIRA. SEM PRESENÇA DOS ATORES. Movimento 1. "A natureza não faz milagres; faz revelações." ( Carlos Drummond de Andrade ) “Os mortos não estão mortos na História, é preciso desenterrar a verdade que foi enterrada com eles” .(Heiner Muller) “A tentativa de conhecer o passado é também uma viagem ao mundo dos mortos”. (Carlos Ginzburg). “Os fantasmas da Mata Atlântica assombram o canavial”. (N.M.) ENTRAMOS E AS MÃES DA TERRA DE SANTO ESTÃO REZANDO. RECEBEM O PÚBLICO E CONVERSAMCOM ELES. ACENDEM VELAS, SERVEM COMIDAS SAGRADAS, ELAS PODEM FALAR DAS ERVAS, MOSTRAR AS ERVAS. DAR CHÁ AO PÚBLICO. CUIDAR DO PÚBLICO. ‘DAR COLO’. BARRACA DE ERVAS. RECEITAR. ACONSELHAR. TRABALHAR COM IMPOSIÇÃO DE MÃOS. CRIS E CAROL RETOMAM ESTRUTURA DE PAULINA E NONINHA. BENZEDEIRAS. CRIS MAIS RELACIONADA COM A CURA COM AS FOLHINHA. CAROL PODE USAR TAMBÉM O MOTE DA COMIDA SANTA, ESTAR PREPARANDO ALGO ALI MESMO. CANTOS PARA AS DUAS. PODE SER BOM TB O UNIVERSO DAS PARTEIRAS. SIMONE RECUPERA O WORKSHOP DO SAGRADO PESSOAL. MAIS LIGADA ÀS ERVAS QUE CURAM. OS CHÁS QUE CADA UM ESTÁ PRECISANDO. ALGO MAIS ECUMÊNICO. MISTURAR SANTO COM ELEMENTARES. VIVI RETOMA A MAFISA DO PROCESSO ‘MEMÓRIA DA CANA’. OFERECE CHÁS. APROXIMAÇÃO NEGOCIADA COM O JOHEI(?). FORMAR UM PAR COM SIMONE COMO NA CENA SÓ QUE AO CONTRÁRIO, VIVI MAIS VELHA QUE SIMONE. LUCIANA, SE NÃO USARMOS O ‘BAR DA AMIGUINHA’, PODE TRASNPORTAR A CIGANA PARA CÁ. MENOS ALCOOLIZADA E MAIS EMBRIAGADA DE JUREMA, ALGO ASSIM. TIRAR CARTAS, LER MÃO, OU ALGUM OUTRO ORÁCULO PARA O PÚBLICO. ERIKA PODE INVESTIGAR ALGO LIGADO À MATERINIDADE. PARTEIRA OU ALGO ASSIM. ALGUMA MEZINHA PARA ENGRAVIDAR, ADIVINHAR O SEXO DO BEBÊ. PODERÍAMOS ASSUMIR ALGO LIGADO AO LIVRO SAGRADO. CATÓLICA OU MAIS EVANGÉLICA. OU AINDA SER AUXILIAR DE LUCIANA COMO ESTÁ CONFIGURADO NO ‘BAR DA AMIGUINHA’. MÚSICA OU ORAÇÃO COMUM A TODAS: “O mundo não é só dos homens 199 mistério é fortaleza tem fantasma que ensina reparte a experiência assopra na orelha um conselho cochicha uma advertência homem, escute sua sombra o erro é única certeza a história vive da lenda o que não se vê tem beleza força, ciência e esperteza o mundo não é só dos homens mistério é fortaleza”. SÃO INTERROMPIDAS PORQUE CORTADORES SE APROXIMAM. MARIENE ENTRA PRIMEIRO. MARIENE Mãe! Mãe! MÃE Eita, fêmea afoita danada. MARIENE Óie, eles tão se acercando mermo. O povo da usina. Escuite o rádio. NO RÁDIO. LOCUTOR/PADRE/PASTOR “Sim, hoje é Sexta-Feira da Paixão. Louvemos juntos esta data que marca toda a nossa humanidade. Pena que tenhamos que conversar com nossos ouvintes sobre uma notícia triste que chega em nosso estúdio. Nas margens do Engenho Velho, aqui na nossa região, algumas senhoras estão sendo ameaçadas de despejo. Elas ocupam meio hectare de terra que alegam não ser da usina. Dizem que é um lugar sagrado, que elas chamam de terra de santo e, por isto, a cana não pode ser plantada lá. A preocupação é que elas se dizem ameaçadas constantemente a abandonar o terreno em que moram há décadas. A administração da usina afirma que hoje vai oficializar o despejo. Procuramos autoridades e ninguém se manifestou ainda sobre o caso.” NONINHA (CHAMANDO AS OUTRAS). 200 Ói, o rádio dando notiça das terra de santo de novo, Paulina. MARIENE Seu Rachid veve falano que nóis vamo ter que cortar e agora chegou a hora. De hoje num passa. NONINHA Isso é briga veia. MARIENE E tem umas máquina grande que parece uma usina. Veio tudo para desterrar ocês. MÃE Vamo avisar as outra. Talvez hoje seja o dia da despedida mermo. PAULINA Tá cedo demai. Cê acordou até Jesus, fia. MARIENE Eu nem dormi. E eu drumo mai? Se eu num drumo, Ele tumén num dorme. NONINHA Isso é jeito de falar com o Altíssimo? MARIENE (Fazendo o sinal da cruz) Perdão. MÃE (Para Mariene) E como que tu estás? MARIENE Eu? Eu tô meiada. Eu acordo aqui, mas vou drumir sonhando com o Norte. Toda terra seca que eu vejo eu penso que é Pernambuco. Tudo por causa de Jesuíno. PAULINA Mariene rapaz, marido é hoje, família é amanhã. MARIENE Eu vim pedir mais uma benzedura. É que mal de home dura muito. Minha doença é cumprida, é saudade que cruza o país. PAULINA Ai, minha fia, desse mal se padece a vida inteira. MARIENE As senhora num podia dar uma lavagem na minha alma? NONINHA Ô fia, cê pedindo ansim. Eu num sou de negar um Amém. PAULINA 201 Ai, meu Deus, mas vamo rápido, Noninha. NONINHA E eu posso apressar as força que faz a limpeza? PAULINA Fia, nóis geralmente opera a reza quando a pessoa ‘enguiça’. MARIENE E eu tô pareceno certa do juízo? PAULINA Tem razão.Eu cuido de mar de peito aberto, dor de dentre, dor de strongo, vento caído, espinhela, má do monte, inzipa, quizema, bichera, irzipela, espinhela, coisa mai do corpo. As coisa da alma é com Noninha. Qual é seu caso? MARIENE E eu sei se é mai corpo que alma? Esses negócio toma a gente toda. Tem hora que dói que nem dor de dente aguda, sabe? Tem hora que é uma sensação no esprito da carne, sabe? Como se fosse vento por dentro dos osso, sabe? PAULINA Sei não. Comprexo, fia, comprexo. NONINHA Ô fia, deixa que eu cunverso com sua alma. (Estuda a paciente). Tá descaída, sua alma, fia. MARIENE É Jesuino que num dá um sinal, Noninha. Tô toda machucada na vontade. O coração fica batendo negativo. NONINHA Ocê põe seus oio viajando pelo mundo, fia, eles tão buscano fora o que devia tá coiendo drento. MARIENE Ele prometeu voltar. Eu caí na cana por causa dele, vim do Nordeste por causa dele. Quando ele foi simbora, ele me jurou que voltava de Vicência. E cadê o home? Nada. NONINHA Tá bom, fia. Eu vou fazer rezadeiro em ocê. Mas num fala para os crente que trabaia com ocê no corte que eles fica tudo me oiando atravessado. “Dor abrando a tua ira e quebro as tuas forças. Assim como Judas vendeu Cristo que é Nosso Senhor Jesus, por esse mundo andou, olhado e vento caído Jesus curou. Credo em Deus Pai. Livrai todos de peste e guerra. Deus te gero, Deus te genero. Olhado e quebrante deste mal, Deus te curou. Se for na tua mortura ou na tua formosura. Nas tua carne ou nas tua feiúra. Nus teus óio, nus teus cabelo, no teu comê, nas tua carne. Na tua disposição. Na tua boniteza na tua inteligência no teu bom sentido. No teu pensamento. Se foi inveja se foi mal vontade. Que seja saído, que seja tirado com o pude de Deus e da Virge Maria. Amém.” Eu já terminei, fia. MARIENE E foi? Apoi amanhã eu ligo para o Norte de novo para ver se meus caminho roça os de Jesuíno. NONINHA Boa coisa num vem desta lida hoje. Mai quando Deus quer é assim. 202 MÃE Tá chegando, gente. MARIENE É Tânia. MÃE Nóis vai se guardar ali no canto. MÃES ESCONDEM-SE ATRÁS DO PÚBLICO. TÂNIA ENTRA CARREGANDO UM BONECO DE VELA. TÂNIA Mulé, carrega tu que o macho é teu, a promessa é tua e isso pesa. MARIENE Brigado, Tânia. Venha, meu zamor. Òia, o boneco de Jesuíno para a promessa. TÂNIA Cuidado, mulé, que o pavio dele apagou. Então aqui é o roçado que eles quer que nóis derrube. Deve de ser. É o único canto que não tem cana e o rio tá ingênuo de tudo, espia. Vem, mulé, vim te buscar. Seu Rachid deu hora de bóia. MARIENE Quero ir não. Eu sigo no corte. TÂNIA Apoi eu vou comer com o resto do povo. MARIENE Se eu parar, eu penso nele. TÂNIA Tu pensa nele de todo jeito, de pé, de lado; deitada, tu pensa mais ainda. MARIENE Oxe, Tânia. TÂNIA Quem me dera ter um home espaçoso que nem Seu Rachid na minha sombra e tu sonhando com fantasma. MARIENE Mai eu quero Jesuíno. O home é todo cheio de ângulo, num sabe? Todo medido, olhe aquilo que foi bom uso de fita métrica. Num tinha um lado que você visse o home para dar tristeza. E dentro dos olho dele, eu vi um mundo. Sabe quando cê vê que nem um filme que vai dar certo no final. Olhe era tanta da poesia nos olhos dele. Foi um maravilhamento. TÂNIA Ô Mariene, tu vai largar de ser besta quando? Faz cinco meses que esse cabra desapareceu-se no meio da cana! Já deve ter virado espantalho! Espantalho não manda notícia não! MARIENE 203 Já tás beba de novo? TÃNIA Foi só um trago, Mariene. MARIENE Um trago a cada minuto. Tu tás suando cachaça já. TÃNIA É de tanto chupar cana, aí o sol ferve nós e sai uma cachaça boa pelos poro. Os home adora provar. Quer provar? É como se di: ‘mulher e cachaçaem todo canto se acha’. Agora eu já venho com o pacote todo, 2 em 1. MARIENE Eu mesma já parei faz tempo! TÂNIA Só tu mesmo tá resistindo a transformação...assim tu vai ser esmagada minha filha! Vira bicho Mariene! Não tá vendo os homem tudo aí arrastando as palha pra cima de tu? E eu tô sabendo que tu gosta! MARIENE Vai Tânia, tu pára de me atentar Eva miserávi! TÂNIA Vamo começar mudando esse nome. Pegue outro. Um que num seja bíbrico. Etvaneide, Mirlândia, uma coisa assim que marque presença. Que o home num esqueça fácil. Uma coisa mais bonita de ser chamada. Vai! Já tá queimada mesmo! Se é pra virar bagaço, vamos distribuir nosso mel minha filha! Ói...Seu Rachid anda falando é muito de tu. Diz que tu caiu na cana por causa do amor, mas que quem vai mostrar o amor pra tu é ele! Eu se fosse tu, eu assistia! MARIENE Vai mostrar o amor é? Vai miséria, que tu vai perder a hora da boia. TÂNIA Em Seu Rachid, tu pode confiar. Eu num confio em home não. Gosto, mas não confio. Home é só desgraça na vida gente. Eu num picotei meu marido. Foi um acidente. Ele enfiou dois pé-de-cana na minha cabeça, eu emprestei meu facão pro bucho dele. Nem queria sangrar ele tanto. Sobreviveu o peste. Tá mancando até hoje lá no Norte. Chama ele de meia-pegada. É bom que manque mermo que nem o coxo. O pesado. O lá debaixo. Di que o coxo ficou coxo quando caiu do paraíso. Ó praí. Meu home tumén. Ficou coxo porque saiu do meu paraíso. E agora num tem como ele esquecer Tânia Risca-faca mai não. Assim como Diabo num tira Deus do juízo. (Bebe e suspira). Oi home só é bom de vei em quando, minha fia. Cachorro mordido de cobra, tem medo até de barbante. ANTES QUE MARIENE PISE NUMA PLANTA, ELA IMPEDE. TÂNIA Eita, mulé, corte essa não. MARIENE E porque? TÂNIA Eu vou recolher essa antes que Seu Rachid veja. Isso é jurema, mulé, planta do culto. 204 MARIENE Deixa Seu Rachid ver ocê colhendo planta das terra da usina. TÂNIA Ele quer por abaixo mesmo. Essa eu levo comigo. MESSIAS (Chegando) Seu Rachid, tá chamano. Di que é pra nóis comer com o povo novo que chegou. Adispois, as máquina vem ajudar a capinar isso tudo aqui. TÂNIA Simbora. MESSIAS Que é isso, Tânia? TÂNIA Esta planta, eu tô guardando. È jurema véia, pranta de reza, seu Messias. MESSIAS Largue esse mato. TÂNIA Apoi eu vou colher e levar comigo. MESSIAS Deixe de seu catimbó. TÂNIA O que lhe importa o que eu faço com ela? MESSIAS Num quero adoração, nem bruxaria perto de mim. TÂNIA Esta pranta é a tal da ‘sarça ardente’ que o Cristo fala na Bíblia. Conhece não? MESSIAS Não fale de Bíblia, viu? Não na minha frente. TÂNIA Pois é a mesma pranta. Leia seu livri direito, leia. Seu irmão tumén num deve de ter lido muito bem os ensinamento da palavra senão não fazia o que fei. MESSIAS Fale dele não. MARIENE Pare, Tânia. TÂNIA Eu tava no meu canto. Agora peça para ele lhe dizer o que a irmã dele disse para ele ontem no telefone, peça. Eu ouvi tudinho, ouviu? O senhor gritando com ela. MESSIAS Pare de por minha família na sua boca de carniça. 205 ANTES QUE COMECEM UMA BRIGA, SEU RACHID CHEGA COM MICHAEL. SEU RACHID Isto tudo porque? Por causa de uma pranta é? Pronto, eu piso nela e dou por encerrado essa resenha toda. Eu num tenho tempo para vocês ficar medindo para ver quem canta o hino mais alto, quem louva mais alto, não viu? TÂNIA Di agora o que seu irmão fei, di! SEU RACHID Que acunteceu, Messias? MESSIAS Foi minha irmã que me ligou de Vicência ontem. SEU RACHID Eita. Quem morreu home? MESSIAS Eu. A morte deve de ser assim como que eu tô agora. Tudo dorme. Os braço, os olho, a língua. Tudo dorme. Meu irmão fugiu com o dinheiro de nossa Igreja. Ele pedia dinheiro pra um monte de gente e dizia que tava construindo. Tava nada. Era arranjo dele. Minha irmã disse que ele sumiu de lá e tem um monte gente procurando. Mai a Igreja nunca existiu. Mai eu sigo no corte, Amém. Isto são os inimigos que circundam a gente para nos fazer parar. Mai nóis num podemos parar nunca. A dor faz parte do amor de Deus. Amém. Eu perdi uma igreja, não perdi meu Jesus. SEU RACHID Isso. Vá comer a bóia e adepois corte com mai reive para mostrar para seu irmão que num se desaba um home como você tão fácil. Ademai, nóis precisa de muito braço para por tudo isso abaixo e limpar esta área. Este aqui é o lugar. Sigam para o ônibus que o refeitório tá pronto. SEU RACHID O que foi? (Silêncio). Sim, pensei ouvir uma reza diferente. PAJÉ Apoi ouviu. Eu num vou. SEU RACHID Por que? PAJÉ Nóis num somo obrigado a ficar na lida manhã e noite. E ademai porque ninguém deve de trabalhar se o dia é santo. Adie o prazo. Fale com os home. SEU RACHID E você é da fé? PAJÉ Não, mas virei agora. Alguém me benza. MICHAEL (jogando “água” da sua garrafa em sua cabeça). 206 Tome sua benção. Eu lhe consagro, viu? (À parte) MESSIAS Dê livramento a Jesus em sua vida. Amém. PAJÉ Livramento dado. SEU RACHID Menino, esse adora teimar comigo. PAJÉ Sou batizado. Sou da lei Dele agora. SEU RACHID Peça então para ele pagar seu dízimo no final do dia PAJÉ Nunca que se pregunta para nóis o que é melhor fazer. Esse povo quer que a gente passe por cima de tudo que a gente crê. Hoje é dia sagrado e muitos aqui vão cortar obrigado. SEU RACHID Obrigado não. PAJÉ O senhor sabe que sem esse dinheiro da semana, eles vão passar aperreio. SEU RACHID E qual é a culpa se caiu um dilúvio? O mundo tem pressa, meu fio. Mai quem num quiser num vai, por isso chegou gente nova caso alguém queira descansar. PAJÉ Não podemos cortar num dia santo, num é? (Todos silenciam). Nós vamo ficar? (Todos silenciam). SEU RACHID Tás pregando para quem? Com ressurreição ou não, eu tô ligando o motor do meu possante e esperando para levar quem quer para o corte. Aliás, chegou gente que num vai se preocupar em pegar os eito de vocês. PAJÉ Vocês todos vão? MICHAEL Apoi, pro meu entender, com todo respeito, Deus num é uma escolha, mas a fome é. PAJÉ Messias, tu vai? MESSIAS Eu já pedi permissão ao senhor. O pastor trabaia hoje, sabe? Se ele pode. PAJÉ Justo quando a reza de vocês tava ficando mais interessante. 207 MESSIAS Deixe de blasfema. Nóis tamo na necessidade, não nos desrespeito. PAJÉ Vocês não enxergam o que eu enxergo. Sou só eu que costuro as carne talhada no corte? Vai todo mundo se transformar em calo. Um calo gigante nas mão e no esprito. Olhe minhas mãos. Esse Deus que vocês procuram não está aqui? (Pausa). Só queria saber quem tá mais perto dele agora. (Pausa). Apoi eu me demito desta igreja. MESSIAS Você aceitou Jesus diante de nós agorinha. MICHAEL Tá achando que é pagode que entra e sai na hora que quer? TÂNIA Num era água benta, era cachaça, Messias. MESSIAS Era o que? MICHAEL Só a cachaça é mais forte que Deus, porque ele dá juízo ao home e a danada tira. PAJÉ Cachaça ou não, eu me enxugo. Eu num vou. Tem um padroeiro dentro de mim que di que é preu ficar. E eu obedeço ele. Vou ficar aqui rezando para vocês ver o que eu vejo. SEU RACHID Aproveite que vai ficar aí na reza e faça suas mala que você vai embora do meu grupo. Já fei arruaça demai. Pega sua romaria e suma-se. Simbora. PAJÉ Poie eu me vou. Vou que isso aqui é morada do Tinhoso, vei em quando é que Deus visita. Para cortar a cana tem que ter raiva. Só conheço gente braba, mais braba que a cana para vencer nesta lida. Daqui a pouco eles nos lançam de novo no meio do inferno. O que tem de gente que faz pacto com Coisa-Ruim para agüentar o sol. O sol endoidece. O sol fai o povo perder o juízo. O Sol é olho do capeta espiando nóis para ver se a gente trabaia dereito. Aqui só vence povo que trocou sangue com o Pesado. Os mais rápido é quieto assim porque? Foi Ele que ensinou. Menos ‘abc’ e mais braço. Eles corta duas vezes mais que nóis. Eles são fortecomo o Coisa-Ruim. Se eu fosse ocês, eu mudava de patrono logo. Tão acendendo vela pro santo errado. PAJÉ SAI, PISANDO FORTE. SEU RACHID Cabou diversão. Sigam para o ônibus que o refeitório tá pronto. MICHAEL Eita, hoje tem refeitório, ó praí. É para impressionar os novato. SEU RACHID É sim. Para tirar a má impressão que tiveram vendo um veio míope descadeirado cortando cana. Tu já tás no aviso prévio, home. 208 MICHAEL Oxe, eu sou um touro. Sabe quantos fi eu deixei na minha terra? SEU RACHID Seu ou dos outro? MICHAEL Minha mulé é segura comigo, meu veio. Agora a sua veve sonhando com outro... SEU RACHID Olhe, tu pensa que eu num vejo tu cortando mai vento que cana. Se fosse para colher mosquito e brisa, tu já tava rico, né não? Tu já tás cego, derrota, só esquecero de te avisar. Quer ver como tu tá cego? (PEGANDO A PLANTA QUE PISOTEOU. TIRA-LHE OS ÒCULOS). Apoi acerte o galho. Corte a folha. MICHAEL SE CONCENTRA E TENTA VÀRIAS VEZES, MAS NÂO CONSEGUE. SEU RACHID Num disse? MICHAEL Teve graça não. Oie, seu dotô, eu sei que qualquer dia o sol estica a mão cumprida dele e me leva os olho, mai até lá, eu num desisto. Vá se acostumando com minha cara feia. SEU RACHID Se num fosse seus amiguinho que dividem os ganho com os eito deles, o senhor já tava lá por cima, escolhendo onde morrer. O que aliás num é má idéia. Acabou circo. Vamo pro almoço que depois temos que derrubar esta Amazônia todinha. Simbora. MARIENE Seu Rachid. SEU RACHID Como meu nome fica mai bunito na sua boca. MARIENE Deixe eu ficar aqui no corte. SEU RACHID Justo a flor que quero mai preservar quer se gastar nesse sol. MARIENE Deixe, home, eu preciso trabaiá para não pensar mai em bobagem. SEU RACHID Se por bobage, tu quer dizer Jesuíno, eu deixo sim. Mai aproveite para pensar no que eu lhe propus. SEU RACHID SAI OLHANDO PARA ELA E ESBARRA EM ‘JESUÍNO’. DEPOIS SAI. FICAM MARIENE E MESSIAS. MICHAEL Saia daqui não. Saia de perto de mim não, visse? Cadê tu? MARIENE Que foi? 209 MICHAEL O sol. MARIENE Que foi? MICHAEL Roubou meus olhos. Desceu com uma mão cumprida e quando eu tava distraído, levou o que restava deles. Tô vendo só sombra. MARIENE Oxe, é neuvoso home. Já vi isso acuntecer antes. Tu drome e se acalma um pouco e amanhã, tu volta a enxergar. Deixe disso. Amanhã tu volta a ser tu de novo, home. MICHAEL Volto não. Agora é o bagaço. A danada me venceu, Mariene. Esse véio já deu vencimento. Ela me roubou os osso, agora me roubou a vista. MARIENE Eu falo com o gato que metade do que eu cortar é seu. MICHAEL (SAINDO COM MUITADIFICULDADE). Num diga pros outro não. Só preu me sentir um pouco mais home. Eu vi muita coisa na cana. Acho que vi tanto que foi gastando minha vista até ficar com essa pouca luz. Eu uso esta peça para acender os farol, mai num ajuda muito. Eu vi muita coisa na cana. Eu lembro de Diogo Murupé se estrebuchando no eito de cansaço, o home tava tendo um ataque e o gato, achando que ele tava de festa que nem eu, num socorreu ele. Apoi ele ficou ali suando que nem poico e se foi. Tremia tudo. Saiu ganindo para dentro do canavial. A gente só encontrou ele três hora depois. Eu tava descendo o facão quando vi os pé dele derrubado no meio do canavial. Mai o gato disse que para nóis terminar o corte e depois nóis levava ele. Para que parar agora se ele tava moito, né não? Aí nóis ficamo cortando e Diogo Murupé ficou ali estendido espiano nóis. Feito um espantaio. Eu tenho para mim que minha vista desistiu desse mundo foi ali mesmo. Oiando para o espantaio de Diogo Murupé. MICHAEL SAI VAGAROSAMENTE. FICAM MARIENE E O ‘JESUÍNO’. CHAMA AS MÃES. ELAS RETORNAM. MARIENE PASSA MAL E QUASE DESMAIA. AS MÃES A SOCORREM. MOLHAM O ROSTO DE MARIENE. MARIENE DESPERTA. MARIENE Eu desmaiei foi? MÃE Mai tu desmaiou pesado, como se tivesse improvisando de morrer. MÃE Teu coração é tão grande que eu escuito ele daqui, fia. Eita que belezura de gente que cê é. MÃE 210 Mai tu tás na marcha-ré. MÃE Tu tás só pela misericórdia. MÃE Tás temperada de saudade, fia. MÃE Nóis num tem nome, nóis semos nóis. MÃE Nóis vivemo aqui fai tempo, fia. Num tem outro canto pra nóis ir. MARIENE Seu Rachid falou que são terra da usina. MÃE Isso aqui é terra de santo, fia. MARIENE Mas que santo? MÃE Os santo. Os que for de amém, nóis reza. MÃE Aqui num se escolhe dialeto, moça. Toda reza é pouca MARIENE (Ainda passando mal) Eu ainda to zonza. Eu nunca que desabei desse jeito. ELAS COMEÇAM A RIR. MARIENE NÃO ENTENDE NADA. MARIENE O que foi? MÃE Nóis tem que dá uma notiça procê. MARIENE Qual? MÃE Tu tem dois coração, fia. MARIENE 211 Eu sei. Um meu e outro de Jesuíno. Olha ele aqui. (Mostra o boneco). MÃE Não, mulé. Tu tás grávida. MARIENE Eu? Pode ser não. Eu sou mulher estero. A médica falou. Nunca home nenhum fei fio neu. E eu tentei viu? Eu sou testada e bem antes de Jesuíno. MÃE Conheço o cheiro de buchuda de longe. MARIENE Ave, que é um recado muito limpo que a senhora tá me dano. Essa notícia me batizou de novo. Essa notícia é quase uma cura. Eu tô cum um fi de Jesuíno? MÃE Ele é mai seu que dele. MÃE Agora é hora de parar come sse trabaio para tomar conta do menino. MARIENE Eu deixo, mai eu posso cortar até ganhar mai peso, posso não? MÃE Melhor não, fia. Saia da lida. Volte para casa, volte. MARIENE (Mais séria) Cês também vão tem que sair daqui. O povo da usina vem derrubar tudo. ELAS PARAM UM POUCO. MÃE Foi pro corte não. Foi para ajudar a afastar nóis. MÃE Ela tem razão. Eles vão voltar di cum força agora. MÃE Nóis pede sempre para deixar nóis aqui e eles num tem ouvido para nossa direção. Nóis tamo nessa luta fai tempo. (Pausa). Já mataram outras que moravam aqui. MÃE (Mãe tira os ossos da cova ou vaso. Lava e limpa. Conversa com eles.) Essa é minha mãe. Eu falo mais ela. Tiro o lençol da terra e falo mais ela. Ela tá no sono. Ela pensa que é sonho. MÃE 212 Nóis num pode sair daqui, aqui nóis começamo, aqui nóis termina. Venha a máquina que for. MARIENE De quem são estas terra? No papel? É de quem? MÃE Na nossa escritura é do santo. MARIENE O dono é o santo? MÃE Acordo feito no tempo de antes. Isto aqui num é mundo dos engenho. Isto é terra outra. MÃE É chão antigo, fia. Tu tás pisando o tempo. Sente só. MÃE Nóis vai te contar melhor, fia, para ocê entender de vei. MÃE Di que aqui eles vieram cortar as primeira cana há muitas era passada e encontraro uma imagem dum Santo. Uns di que era Santo Antônio. Outros que era imagem de Jesui. Outros di que era Santo Mestiço que num se criou no latim. Santo da mata, fia. Mai o dono do comando da época destinou este cercado todo para ser Terra de Santo. O patrão era o santo, mai quem mandava era a necessidade do povo. Vai ver que é por isso que ele quer apagar nóis. Aqui é terra consagrada ao Santo e que num tem destino de plantio para venda. Aqui só se planta o que nóis come e o que cura. Derde de antes que os cortador reserva este espaço para a reza e para prantá o sustento. A terra num abraça semente que num seja para este fim. Teve dono que quis derrubar tudo pra por cana. Teve um que disse: ‘Planto inté na cabeça do santo’. Mai a cana que ele plantou num vingou. E o Santo foi se ocupando de novo. Di inté que esse dono se foi aqui mermo. Antes tinha mai festa preles. Vinha o noiteiro acordar as vela e as tiradeira de reza para pendurar os cântico no nosso ouvido. Era bunito. Quem se enterrava aqui, pagava um dízimo. O arrecolhido era destinado para a Caixa das alma. E adepois era dinhero de festejar o santo. Quando o santo foi perdendo foiça pra usina, o povo se foi. O lugar fracassou aos pouco. A água do rio já mudou de gosto. O mangue afracou demai. Por causo do mijo das máquina, né? As água suja que mata.