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Debate na Flórida: O socialismo de Sanders vs o pragmatismo de Clinton Alfredo Juan Guevara Martinez A Rede Univision (importante canal hispano nos Estados Unidos) e o Washington Post realizaram, na quarta-feira 09 de março, um debate entre os pré-candidatos democratas Bernie Sanders e Hillary Clinton na Flórida, estado chave para ambos partidos nas primárias de 15/03. O fato de o debate ter sido realizado em espanhol para um público hispano demonstra a importância eleitoral da comunidade latino-americana na Flórida. O tema da imigração foi o tópico mais comentado ao longo das discussões, no qual os dois candidatos afirmaram, de forma enfática, que pretendem diminuir deportações e prezar pela reunificação familiar. Esse tema, como muitos outros, demonstra que Sanders e Clinton se posicionam em concordância, especialmente em questões em que a postura dos democratas é completamente oposta à dos candidatos republicanos, como é o caso da imigração. Porém, nesse debate foi possível observar os traços que mais diferenciam ambos candidatos, graças à alcunha de socialista que Bernie Sanders carrega, visto que para os latino-americanos as diferenças entre direita e esquerda são muito mais nítidas que para os estadunidenses nativos, que sempre viveram em um país com duas direitas. Nesse sentido, Sanders é uma figura atípica nos holofotes dos Estados Unidos. O candidato, que vem conquistando cada vez mais relevância na corrida presidencial, reforça, sempre que pode, sua convicção de que os problemas sociais e políticos dos Estados Unidos são consequência de que 1% da população detém mais poder financeiro que os outros 99% juntos e consegue empreender recursos para influenciar a política a seu favor e pagar menos impostos. Para justificar seus planos de tornar as Universidades públicas dos Estados Unidos realmente grátis e o sistema de saúde pública mais abrangente, ele defende que a parcela mais rica da sociedade deva pagar impostos proporcionais. Apesar de ter um tom populista, o discurso de Sanders é recheado de premissas socialistas, nas quais o candidato defende uma revolução no sistema político dos Estados Unidos para impedir que os interesses privados das grandes corporações continuem a ditar os rumos da política e da sociedade. Já Hillary Clinton é o exemplo de um democrata tradicional. A ex-secretária de Estado apresenta uma postura de pragmatismo político racional. A candidata reconhece os limites da estrutura política dos Estados Unidos e traça seus planos de governo para percorrer essa estrutura, sem prometer grandes rompimentos. O momento emblemático do debate que demonstra o perfil atípico de Bernie Sanders, em contraste com o perfil de Clinton, ocorreu quando ele foi questionado acerca de uma entrevista feita em 1985, na qual defendia que a intervenção do governo dos Estados Unidos no regime político de outros países, como Cuba, não era uma estratégia eficaz e que o exemplo disso seria que a sociedade cubana não se rebelou contra Fidel Castro e que deveria ser reconhecido que a Revolução cubana trouxe uma transformação positiva no sistema de educação daquele país. O candidato respondeu ao vídeo afirmando que o governo cubano de fato era autocrático e não democrático, e que era desejável uma transformação para a democracia em Cuba (apoiando a normalização das relações promovida por Obama), porém não se podia ignorar os avanços que Cuba fez na área da educação e da medicina. Clinton reagiu dizendo que não se deveria reconhecer nenhum mérito do governo cubano enquanto o mesmo fosse pautado por um regime ditatorial que desrespeita os direitos humanos (apesar da ex-Secretária de Estado também apoiar a normalização promovida por Obama). Não é segredo que na Flórida existe uma grande concentração de hispanos dissidentes de países da América Latina por divergências com governos caracterizados de esquerda. E esse era parte do público do debate. Basta olhar para o setor conservador anticastrista de cubano-americanos que se concentra no estado. Apesar de ambos candidatos não serem contra a normalização das relações com Cuba e fim do embargo na Ilha, Clinton fez questão de reiterar que é contra o governo dos Castro, enquanto que Sanders se manteve firme em sua posição ideológica e não mudou nem amenizou seu discurso mesmo frente a um público que se manifesta contra qualquer flexibilização com Cuba. O que parece é que Bernie Sanders vai contra o “cálculo político racional”, se arriscando inclusive a desagradar parte do eleitorado. Mas são essas características que dão destaque para o candidato dentro de um sistema político no qual, com frequência, se observa “mais do mesmo”. Democratas e Republicanos possuem suas diferenças, mas são dois lados de literalmente “a mesma moeda”. A ciência política estadunidense não é canônica por acaso, o comportamento político nos Estados Unidos é orientado por princípios fáceis de identificar, e, portanto, é mais fácil se observar padrões de comportamento, afinal de contas, a lógica da “maximização dos interesses” é mais do que adequada para um país considerado emblema do capitalismo. Assim, é justamente o comportamento atípico de Sanders que parece levantar a popularidade para o candidato. Contudo é necessário considerar que esses traços talvez não sejam o suficiente para levá-lo à candidatura para Presidente, e pode ser também que as peculiaridades de Sanders não inspirem confiança aos democratas para que ele enfrente o candidato republicano, seja este o extravagante Trump (com suas ideias radicalmente opostas às propostas de Sanders), ou os tradicionais conservadores Cruz e Rubio. Alfredo Juan Guevara Martinez é mestre em Relações Internacionais pela PUC-MG, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI-UNESP).
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