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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE FARMÁCIA, ODONTOLOGIA E ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA JOANA MARIA DOS SANTOS ALVES AVALIAÇÃO DAS ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS E NOCICEPTIVAS EM UM MODELO EXPERIMENTAL DE CARCINOGÊNESE ORAL EM RATOS FORTALEZA 2021 JOANA MARIA DOS SANTOS ALVES AVALIAÇÃO DAS ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS E NOCICEPTIVAS EM UM MODELO EXPERIMENTAL DE CARCINOGÊNESE ORAL EM RATOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Odontologia da Universidade Federal do Ceará, como pré-requisito para obtenção de título de mestre em Odontologia. Área de concentração: Morfologia Oral. Orientadora: Profª Drª Delane Viana Gondim Co-orientadora: Profª Drª Karuza Maria Alves Pereira. FORTALEZA 2021 JOANA MARIA DOS SANTOS ALVES AVALIAÇÃO DAS ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS E NOCICEPTIVAS EM UM MODELO EXPERIMENTAL DE CARCINOGÊNESE ORAL EM RATOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Odontologia da Universidade Federal do Ceará, como pré-requisito para obtenção de título de mestre em Odontologia. Área de concentração: Morfologia Oral. Orientadora: Profª Drª Delane Viana Gondim Co-orientadora: Profª Drª Karuza Maria Alves Pereira. Aprovada em:__________ BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Profª. Drª. Delane Viana Gondim (Orientadora) Universidade Federal do Ceará (UFC) __________________________________________ Prof. Dr. Roberto César Pereira Lima Júnior Universidade Federal do Ceará (UFC) __________________________________________ Prof. Dr. Mario Roberto Pontes Lisboa Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS) À Deus. À minha família. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, que sempre guia meus passos para o melhor caminho, mesmo que minha mente pequena não compreenda o caminho. Ele opera por meio das pessoas e, sem dúvida, por meio da minha família amada (José Ivanisleno, Ana Cristina e Ana Beatriz), à qual agradeço de todo coração pelo suporte, compreensão e força, tanto nos momentos felizes, quantos nos tristes. Além dessas pessoas maravilhosas, demonstro aqui minha gratidão à minha professora orientadora Delane Gondim, que além de me proporcionar a oportunidade de progredir no meio acadêmico, me guiou e auxiliou nessa jornada, com todo o carinho. Agradeço também a imensa ajuda de todos do Laboratório de Farmacologia da Inflamação e do Câncer (LAFICA) e do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Dor, Inflamação e Osteoimunologia (NEPDIO), em especial ao Khalil Viana e ao Prof. Roberto César, dos quais a ajuda foi imprescindível para a realização desse estudo. Me sinto profundamente grata pela colaboração dos alunos de pós-graduação Anamaria Falcão, Rafael Santana, Carolina Figueiredo, Luane Macêdo, Bruno Wesley, Diego Bernarde e de graduação Igor Rocha, Letícia Barbosa e Thays Allane. Agradeço, também, às Professoras Mariana Vale e Karuza Maria, que contribuíram imensamente para essa pesquisa e se fizeram presentes desde os esboços primitivos desta. Ademais, agradeço a todos aqueles que auxiliaram, compreenderam e participaram dessa minha jornada desde o início. RESUMO O principal modelo experimental para o estudo do carcinoma de células escamosas oral (CCEO) é baseado na diluição do óxido de 4-nitroquinolina (4-NQO) na água de beber dos animais, provocando principalmente lesões em língua, entretanto há escassez de estudos voltados para a compreensão das alterações que ocorrem ao longo da via trigeminal que contribuem para o desenvolvimento da dor no câncer oral. Esse trabalho investigou as alterações nociceptivas e histopatológicas envolvidas na progressão da carcinogênese por 4- NQO em um modelo modificado, visando maior controle da dose e biossegurança. Para isso, foram utilizados 40 ratos wistar (100-150g), divididos em grupo controle (C; n=8) e grupos que receberam 4-NQO (n=8 cada) por 8,12,16 ou 20 semanas, (T8, T12, T16 e T20, respectivamente). Visando à maior segurança no ambiente do biotério e à garantia do recebimento da droga de maneira igualitária entre os animais, a administração dessa substância foi realizada por gotejamento tópico (2x/dia) da suspensão de 4-NQO (0,6 mg/aplicação) em propilenoglicol. Foram avaliados hiperalgesia mecânica, avaliação das expressões faciais e teste de campo aberto, para análise de ansiedade e depressão. Após a eutanásia, as línguas dos animais foram removidas para análise macro e microscópica. Também foram removidos o gânglio trigeminal e região do subnúcleo caudal do trato espinhal do trigêmeo para análise por imunofluorescência para c-FOS. Durante o desenvolvimento do modelo experimental, foi observado através das análises histopatológicas que o grupo T20 apresentou 50% das amostras com CCE em língua, sendo então o melhor tempo para obtenção de lesões cancerosas. Nos demais grupos, foram observadas lesões potencialmente malignas, desde hiperceratoses a carcinomas, apresentando alterações epiteliais progressivas ao longo do protocolo experimental. Vale ainda ressaltar que esse modelo não provocou perdas amostrais ou prejuízos nos ganhos ponderais ao longo do tempo. Na análise da hiperalgesia mecânica, pôde ser observado alteração dos limiares nociceptivos ao longo do protocolo experimental, no qual, nas suas primeiras 2 semanas, houve redução significativa (p<0,001), seguido de períodos intercalados de retorno do limiar aos níveis basais com subsequente redução significativa do limiar nociceptivo a partir da 12ª semana até o fim do protocolo experimental (p<0,01). Foram observados aumento dos escores para expressões faciais somente no T20 (p<0,05) e aumento significativo do grooming e da atividade horizontal no tempo de 8 semanas. Em gânglio trigeminal, houve uma redução significativa da imunoexpressão de c-FOS em T12 quando comparado ao T8 (p<0,05), bem como um aumento dessa expressão no T20 quando comparado aos grupos C (p<0,05) e T12 (p<0,001). Na análise da região do subnúcleo caudal, foi observado aumento significativo dessa imunoexpressão nos grupos T16 e T20, quando comparados ao C(p<0,05). Desse modo, concluímos que a modificação do modelo foi capaz de induzir lesões potencialmente malignas e CCE em língua. O processo de desenvolvimento dessas lesões é acompanhado de alterações comportamentais e do limiar nociceptivo com aumento da expressão de c-FOS a nível periférico e central, em tempos maiores de exposição ao carcinógeno. Palavras-chave: carcinoma de células escamosas, neoplasias bucais, dor, nervo trigêmeo ABSTRACT The main experimental model for the study of oral squamous cell carcinoma (OSCC) is based on the dilution of the 4-nitroquinoline oxide (4-NQO) in the drinking water of the animals, causing lesions specially in the tongue, however there is a lack of studies focused on the changes that occur along the trigeminal pathway that contribute to the development of pain in oral cancer. This work investigated the nociceptive and morphological changes involved in the progression of carcinogenesis by 4-NQO in a modified model. For this, 40 wistar rats (100- 150g) were used, divided into a control group (C; n = 8) and groups that received 4-NQO (n = 8 each) for 8,12,16 or 20 weeks, (T8, T12, T16 and T20, respectively). Aiming at greater safety in the vivarium environment and guaranteeing the receipt of the drug equally among the animals, the administration of this substance was performed by topical drip (2x / day) of the 4- NQO suspension (0.6 mg / day) in propylene glycol. Mechanical hyperalgesia, assessmentof facial expressions and open field test were performed to analyze anxiety and depression. After euthanasia, the animals' tongues were removed for macro and microscopic analysis. The trigeminal ganglion and region of the subnucleus caudalis of the trigeminal spinal tract were also removed for analysis by immunofluorescence for c-FOS. During the development of the experimental model, it was observed through histopathological analyzes that the T20 group presented 50% of the samples with tongue SCC, thus being the best time to obtain cancerous lesions. In the other groups, potentially malignant lesions were observed, ranging from hyperkeratosis to carcinomas in situ, with progressive epithelial changes throughout the experimental protocol. It is also worth mentioning that this model did not cause sample losses or losses in weight gains over time. In the analysis of mechanical hyperalgesia, changes in nociceptive thresholds could be observed throughout the experimental protocol, in which, in its first 2 weeks, there was a significant reduction (p<0.001), followed by interspersed periods of threshold return to baseline levels with subsequent significant reduction in the nociceptive threshold from the 12th week until the end of the experimental protocol (p<0.01). An increase in scores for facial expressions was observed only at T20 (p<0.05) and a significant increase in grooming and horizontal activity at 8 weeks. In trigeminal ganglion, there was a significant reduction in c-FOS immunoexpression at T12 when compared to T8 (p<0.05), as well as an increase in this expression at T20 compared to groups C (p<0.05) and T12 (p<0.001). In the analysis of the caudal subnucleus region, a significant increase in this immunoexpression was observed in groups T16 and T20, when compared to C (p<0.05). Thus, we concluded that the modification of the model was able to induce potentially malignant lesions and OSCC in the tongue. The development process of these lesions is accompanied by behavioral and nociceptive threshold changes, with increased expression of c-FOS at the peripheral and central levels, in longer times of exposure to the carcinogen. Keywords: squamous cell carcinoma, pain, trigeminal nerve LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Projeção das fibras aferentes primárias nociceptivas em Sp5C. ......................... 17 Figura 2 - Esquema simplificado da via trigeminal a nível central ..................................... 18 Figura 3 - Análise macroscópica da língua de ratos exposto à carcinogênese induzida por 4-NQO ................................................................................................................. 34 Figura 4 - Alterações epiteliais observadas na língua de ratos expostos à carcinogênese induzida por 4-NQO ............................................................................................ 36 Figura 5 - Fotomicrografia representativas da imunoexpressão de c-FOS em Gânglio Trigeminal de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4-NQO .............. 38 Figura 6 - Fotomicrografia representativa da imunoexpressão de c-FOS em Subnúcleo Caudal do Trato Espinhal do nervo trigêmeo de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4-NQO .................................................................... 40 Figura 7 - Fotomicrografias representativas da imunoexpressão de c-FOS em céulas não neuronais do subnúcleo caudal do trato espinhal do nervo trigêmeo de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4-NQO .............................................. 42 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Hiperalgesia mecânica na região de vibrissa de ratos ao longo de 20 semanas de indução à carcinogênese com 4-NQO. ................................................................ 30 Gráfico 2 - Hiperalgesia mecânica na região de vibrissa de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO ..................................................................................... 30 Gráfico 3 - Análise de grooming sob o teste de campo aberto em ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO ............................................................. 31 Gráfico 4 - Análise da atividade horizontal no teste de campo abertos de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO ............................................................. 32 Gráfico 5 - Análise da atividade vertical no teste de campo abertos de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO ............................................................. 32 Gráfico 6 - Análise ponderal de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO . 33 Gráfico 7 - Quantificação da área imunofluorescente da expressão de c-Fos em gânglio trigeminal de ratos submetidos à carcinogênese experimental por 4-NQO ........ 39 Gráfico 8 - Quantificação da área imunofluorescente de c-FOS em Subnúcleo Caudal do Trato Espinhal do Trigêmeo de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4- NQO .................................................................................................................... 41 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Análise das expressões faciais em ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO ........................................................................................................... 33 Tabela 2 - Análise macroscópica das lesões observadas por grupo exposto à carcinogênese induzida por 4-NQO ............................................................................................ 34 Tabela 3 - Frequência de lesões observadas por grupo exposto à carcinogênese induzida por 4-NQO ................................................................................................................. 37 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 4-NQO Óxido De 4-Nitroquinolina ANOVA Análise De Variância ATP Adenosina Trifosfato CCE Carcinoma De Células Escamosas CCEO Carcinoma De Células Escamosas Oral CCP Câncer De Cabeça E Pescoço CEUA Comitê De Ética Em Uso Animal DL Displasia Leva DM Displasia Moderada DNA Ácido Desoxirribonucleico DS Displasia Severa EBV Vírus Epstein-Barr HC Hiperceratose HPV Papilomavírus Humano IL-18 Interleucina 18 IL-1 Interleucina 1 Beta IL-6 Interleucina 6 LAFICA Laboratório de Farmacologia da Inflamação e do Câncer LPM Lesões Potencialmente Malignas NEPDIO Núcleo de Estudo e Pesquisa em Dor, Inflamação e Osteoimunologia NEUN Neuronal Nuclei NGF Fator De Crescimento Nervoso PAG Substância Cinzenta Periaquedutal PBN Núcleo Parabraquial PFA Paraformaldeído Sp5C Subnúcleo Caudal Do Trato Espinhal Do Trigêmeo TNF- Fator De Necrose Tumoral Alfa TRPV1 Receptores De Potencial Transitório Vaniloide 1 TRPV2 Receptores De Potencial Transitório Vaniloide 2 TTT Trato Trigêmino Talâmico UFC Universidade Federal Do Ceará VPM Núcleo Ventro Póstero Medial Do Tálamo SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9 1.1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................... 11 1.1.1. O câncer de cabeça e pescoço ...................................................................................... 11 1.1.2. O Carcinoma de Células Escamosas Oral ................................................................... 12 1.1.3. Lesões Potencialmente Malignas ................................................................................. 14 1.1.4. A dor no Carcinoma de Células Escamosas Oral ....................................................... 15 1.1.5. Via nociceptiva trigeminal ............................................................................................17 1.1.6. Modelos experimentais de Carcinoma de Células Escamosas ................................... 19 2. JUSTIFICATIVA ........................................................................................................ 21 3. OBJETIVOS ................................................................................................................ 22 3.1 Objetivo Geral .................................................................................................................. 22 3.2 Objetivos Específicos ........................................................................................................ 22 4. MATERIAIS E MÉTODOS ....................................................................................... 23 4.1 Animais .............................................................................................................................. 23 4.2 Grupos experimentais ...................................................................................................... 23 4.3 Indução de câncer oral ..................................................................................................... 24 4.4 Hiperalgesia mecânica ...................................................................................................... 24 4.5 Teste em campo aberto .................................................................................................... 25 4.6 Avaliação das expressões faciais ...................................................................................... 25 4.7 Avaliação ponderal ........................................................................................................... 25 4.8 Análise Macroscópica ....................................................................................................... 26 4.9 Análise histopatológica ..................................................................................................... 26 4.10 Análise por imunofluorescência .................................................................................... 26 4.11 Análise Estatística ............................................................................................................ 27 5. RESULTADOS ............................................................................................................ 29 5.1. Hiperalgesia mecânica ................................................................................................. 29 5.2 Teste de campo aberto ...................................................................................................... 31 5.3. Análise das expressões faciais ..................................................................................... 32 5.4. Análise ponderal .......................................................................................................... 33 5.5. Análise macroscópica da língua ..................................................................................... 34 5.6. Análise histopatológica .................................................................................................... 35 5.7 Análise por imunofluorescência de c-FOS no Gânglio Trigeminal ............................. 37 5.8 Análise por imunofluorescência de c-FOS no Subnúcleo Caudal do Trato Espinhal do Trigêmeo .......................................................................................................... 39 6. DISCUSSÃO ................................................................................................................ 43 7. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 51 8. REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 52 9. ANEXO ......................................................................................................................... 59 9 1. INTRODUÇÃO O câncer de cabeça e pescoço (CCP) ocupa a 7ª posição em prevalência mundial e é responsável por 3% dos cânceres, afetando cavidade oral, orofaringe, hipofaringe e nasofaringe, bem como seios paranasais e região labial (CHOW, 2020; MARUR et al., 2016). Devido a essa pletora de sítios acometidos, o fenótipo das lesões e o seu comportamento são variados, promovendo, assim, diferentes prognósticos. O CCP pode, por si só ou associado ao tratamento, causar múltiplas desordens sensitivas, estéticas, funcionais e psicológicas, apresentando indicadores negativos quanto à prognose e qualidade de vida (CHOW, 2020) Somam-se a isso os altos índices de mortalidade, que se mostraram pouco alterados nas últimas décadas, o que leva o CCP a ser responsável por cerca de 1,5% de todas às mortes oriundas de neoplasias malignas no mundo (CHOW, 2020). Cerca de 90% desse tipo de câncer são CCE de orofaringe e da cavidade oral, que, inerentemente, possuem taxas de sobrevivência após 5 anos de apenas 50% (THOMSON et al., 2018). O CCE é historicamente associado a maiores frequências e mortalidade no sexo masculino, acima de 50 anos e fumantes. Entretanto, essas características vêm sendo alteradas devido à redução do consumo de tabaco e seus derivados, resultado das fortes campanhas de conscientização mundial do risco do uso desses produtos, gerando redução da incidência de lesões associadas a esse fator. Conjuntamente, o Papilomavírus Humano (HPV) constitui fator etiológico de crescente relevância nas últimas décadas, emergindo como o principal agente causador de CCE em jovens do sexo feminino (NG et al., 2016). As lesões malignas HPV-positivas tendem a surgir após um período de latência de 10 a 30 anos após à exposição e apresentam melhores prognósticos e respostas positivas à quimioterapia e à radioterapia quando comparadas aos cânceres negativos para HPV e associados ao consumo de tabaco e álcool (CHATURVERDI et al., 2011; CHOW, 2020; MARUR et al., 2016). Apesar desse perfil mais responsivo, há uma forte tendência de aumento da incidência desse tipo de lesão na população mais jovem. Isso faz com que, atualmente, o CCP ainda se mantenha no rol dos 10 cânceres mais comuns mundialmente e que previsões indiquem redução estatisticamente significativa na sua incidência apenas em 2060 (GILLISON et al., 2015). Além dos fatores etiológicos, a localização anatômica do CCE o torna um sério agravo à saúde dos indivíduos afetados. O CCE oral pode se situar em língua, soalho bucal, 10 mucosa oral, superfície alveolar e palato duro. A região mais acometida é a língua, apresentando-se como o pior sítio em termos de prognóstico (NG et al., 2016). Fatores intrínsecos a esse sítio, como o prolongamento da fase celular de síntese de DNA do epitélio de revestimento, podem estar relacionados ao seu maior acometimento pelo carcinoma (THOMSON et al., 2018). A transformação maligna decorre da associação de múltiplos fatores genéticos e epigenéticos, como a perda de mecanismos de regulação do ciclo celular e mutações cromossômicas, que levam à progressão da doença, desde lesões potencialmente malignas (LPM) até CCE oral pobremente diferenciado (THOMSON et al., 2018). Nesse cenário, o diagnóstico e o acompanhamento das LPM tornam-se cruciais ao combate ao CCE oral. Essas lesões são geralmente assintomáticas, assim como as neoplasias malignas nos estágios iniciais, mas já podem trazer consigo as alterações nucleares necessárias para o desenvolvimento do câncer (BUGSHAN et al., 2020). Dessa forma, sinais, sintomas e alterações locais que indiquem essa transformação de LPM em carcinoma tornam-se fundamentais para a tomada de decisão frente a essas lesões. Nesse contexto, a sintomatologia dolorosa surge como um forte indicador de prognóstico da doença, sendo vinculada a piores índices de sobrevida (YE et al., 2011). Isso ocorre devido ao fato de que a sua progressão e o desencadeamentoda dor sejam processos concomitantes e interrelacionados: o microambiente do câncer produz citocinas pró-inflamatórias, metaloproteinases de matriz e fatores de crescimento, que, em geral, também estimulam a ativação das fibras aferentes primárias, gerando nocicepção à medida que a doença avança (VIET & SCHIMIDT, 2012). Consequentemente, com a progressão do CCE oral, a dor torna-se o sintoma mais debilitante associado, intensificando a debilidade e a perda da qualidade de vida dos indivíduos afetados (SHEFF et al., 2017). Para o estudo do CCE, modelos baseados na administração de carcinógenos são intensamente relatados na literatura, sendo o óxido de 4-nitroquinolina (4-NQO) o mais utilizado. Ele simula as alterações moleculares causadas agentes derivados do tabaco, causando modificações genéticas e epigenéticas suficientes para o desencadeamento de LPM e CCE e suas sintomatologias associadas a depender da dose e do tempo de exposição. Nesse contexto, diferentes métodos de diluição e de aplicação foram desenvolvidos, sendo a oferta dessa substância através da sua mistura na água de beber dos animais a mais relatada (NAKAHARA et al., 1957; ISHIDA, 2017). Dessa forma, modificações nos métodos de disponibilização do 4-NQO que proporcionem maior eficácia, previsibilidade de resultados e segurança no ambiente experimental são válidas para a investigação dessa doença e de seus sintomas associados. 11 Assim, a compreensão dos mecanismos envolvidos na dor no CCE oral através de uma modificação do modelo clássico de indução através do 4-NQO poderia auxiliar não só a criação de novos manejos terapêuticos eficazes, mas também o desenvolvimento de novos indicadores de progressão da tumorigênese baseados nas alterações nociceptivas e morfológicas ao longo da via trigeminal provocadas pelo câncer. 1.1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1.1.1. O câncer de cabeça e pescoço O CCP afeta principalmente cavidade oral, orofaringe, hipofaringe e laringe (KAWAKITA & MATSUO, 2017), correspondendo cerca de 10% das malignidades no sexo masculino, apresentando maior gravidade e mortalidade nesse grupo quando comparado ao sexo feminino, que apresenta 4% de acometimento (BRESSAN et al., 2016). Em 2018, ele correspondeu a mais de 700 000 novos casos relatados e mais de 350 000 mortes em ambos os sexos, ficando em 7º e 9º lugar quanto à incidência e à mortalidade mundial, respectivamente (FERLAY et al., 2019). No Brasil, mais de 19 mil novos casos desse tipo de comorbidade foram diagnosticados em 2020, tornando-o o 8º tipo de malignidade mais comum (SUNG et al., 2021). Os indivíduos mais afetados em nosso país são os do sexo masculino, apresentando também maior gravidade e mortalidade (FERLAY et al., 2019). Nesse contexto, surge, alinhado às tendências globais, o aumento dos cânceres de orofaringe associados à infecção pelo HPV, o que pode indicar uma tendência de aumento do número de casos e um ponto chave de discussão no âmbito da saúde pública (FONSECA et al., 2018). Além do HPV, historicamente o CCP está associado a outros fatores etiológicos, como o consumo de derivados do tabaco e álcool. Tais elementos/agentes atuam de maneira semelhante, ocasionando dano ao DNA e inibição dos seus mecanismos de síntese e de reparo, bem como metilação de proteínas e estresse oxidativo (KAEAKITA & MATSUO, 2017). Tais alterações comprometem a regulação do ciclo celular, promovendo proliferação exacerbada, perda da arquitetura tecidual, bem como de sua função e da diferenciação celular, com consequente invasão aos tecidos adjacentes (THOMSON, 2018). Ademais, o CCP abrange uma região que possui grande variedade de tecidos especializados, podendo apresentar-se, consequentemente, de variadas formas e apresentar diferentes comportamentos, a depender do tecido afetado (ANDREASEN et al., 2018; COHEN 12 et al., 2018). A proximidade com estruturas nobres e de alto valor estético e funcional leva a grandes perdas funcionais e deformidades, o que, associado às manobras terapêuticas agressivas necessárias, pode provocar desordens de cunho psicológico, como depressão (SIMCOCK et al., 2016). As taxas de sobrevivência após 5 anos são de 35% a 45% e as de recorrência altas, com cerca de 50% dos pacientes apresentando nova malignidade na região, tornando, assim, o cenário desfavorável, apesar dos avanços científicos (HORTON et al., 2019). Esse prognóstico negativo conferido ao CCP é resultado do perfil do principal tipo de lesão dessa categoria: o CCE oral. 1.1.2. O Carcinoma de Células Escamosas Oral Cerca de 90% dos CCP são CCE, apesar da variedade significativa de tecidos da região da cabeça e do pescoço (KAJÆR et al., 2021). Em relação à prevalência do CCE oral, ela varia a depender do país e dos seus índices de desenvolvimento humano e de industrialização (BUGSHAM et al., 2020). Apesar de países desenvolvidos também apresentarem incidência alta, são os em desenvolvimento, como China e Índia, que lideram o ranking de maior ocorrência desse tipo de câncer mundialmente (SUNG et al., 2021). Assim, o continente asiático surpassa o continente europeu, Austrália e América do Norte nesse quesito. Vale ainda pontuar, que, quanto à mortalidade, o continente africano também se apresenta entre os primeiros colocados, com 2,2 mortes a cada 100 mil habitantes somente no sudeste africano no ano de 2020 (SUNG et al., 2021). Isso seria provavelmente relacionado a fatores socioeconômicos, como renda e grau de instrução, existindo fortes indícios de associação com a privação social (MARTINS et al., 2014). Vale ainda ressaltar que o perfil epidemiológico desse agravo vem mudando nas últimas décadas, o que se torna evidente, por exemplo, com a sua queda da 6ª (HORTON et al., 2019) para 7ª posição entre cânceres de maior ocorrência mundial em 2020 (SUNG et al., 2020; EL-BAYOUMY et al., 2021). Além disso, houve alterações quanto aos grupos mais afetados: enquanto tradicionalmente o CCE oral era relacionado a indivíduos do sexo masculino a partir dos 50 anos, nos últimos anos, um número crescente de jovens do sexo feminino vem sendo acometido (EL-BAYOUMY et al., 2021). Isso se deve a diversos fatores, como mudança dos fatores etiológicos mais frequentemente associados à doença e da eficácia crescente de métodos de 13 combate a eles (EL-BAYOUMY et al., 2021; AMÔR et al., 2021; COMBALIA & CARRERA, 2020). No que se refere à etiologia da doença, é importante salientar seu aspecto multifatorial, tendo como evento central a ocorrência de alterações genéticas e epigenéticas nas células epiteliais da camada basal (THOMSON et al., 2018). Esses danos são gerados de maneira endógena - quando processos corriqueiros de transcrição e replicação geram estresse genotóxico e comprometem a fidelidade das cópias de DNA geradas – ou exógena – quando fontes externas provocam tais agressões através da luz ultravioleta, radiação ionizante, espécies reativas de oxigênio, toxinas, agentes metilados ou aldeídos derivados de peroxidação (PSYRRI et al, 2021). Aliado a isso, os mecanismos de detecção e de reparo de danos celulares devem estar prejudicados, pois na normalidade tais modificações são detectadas nos pontos de checagem do ciclo celular, que podem levar à correção das sequências de bases, à paralização do ciclo celular, à remodelação da cromatina ou à apoptose (KASTAN & BARTEK, 2004; PSYRRI et al., 2021). O acúmulo de aberrações genômicas e a inércia dos mecanismos de reparo celular geram alterações, não somente a nível nuclear, mas também fenotípicas e funcionais. Dessa forma, tecidos que apresentam hiperplasia benigna podem evoluir para quadros displásicos, ao perder o controle sobre a proliferação celular, a apoptose e a diferenciação epitelial (THOMSON et al., 2018). O consumo de cigarros não só provoca as alterações supracitadas, como também a imunossupressãoe a inativação dos genes supressores tumorais (THOMSON et al., 2018). Aliado a isso, há o frequente consumo de álcool, que possui efeitos sinérgicos à carcinogenicidade do cigarro ao tornar o epitélio mais permeável, dissolvendo os seus componentes e promovendo a sua penetração de maneira mais efetiva (BUGSHAM et al., 2020). Outros hábitos inerentes a algumas culturas também estão associados a essa enfermidade, podendo ser citados o costume de mascar fumo, consumir shammah, mastigar khat, areca ou betel quid, bem como fumar shisha (narguilé). Soma-se a presença de dietas pobres em frutas e vegetais, bem como a deficiência de substâncias quimioprotetoras, como: ferro, retinóis, glutationa, beta caroteno, vitamina C, e alguns flavonoides (BUGSHAM et al., 2020; EL-BAYOUMY et al., 2021). Outrossim, pode-se acrescentar a esse rol de fatores etiológicos a microbiota. Como já fora citado, a infecção pelo HPV consiste em uma das principais causas para o câncer de 14 orofaringe, com as variantes 16 e 18 sendo as mais relatadas na literatura. No CCE oral, o papel desse vírus ainda é baixo se comparado com outros fatores, mas sabe-se que a sua atuação envolve, de maneira precisa, a degradação da proteína p53 e a desregulação do ciclo celular, apresentando tropismo pelas regiões de base de língua e orofaringe em modelos experimentais em murinos. Além do HPV, o oncovírus Epstein-Barr (EBV) também está associado ao CCE oral, apesar de não existir uma associação forte entre ambos (SARKAR et al., 2021; EL- BAYOUMY et al., 2021). Dessa maneira, somando-se a tais alterações a susceptibilidade e os fatores genéticos inerentes de cada indivíduo o desenvolvimento do CCE oral geralmente inicia com o surgimento de LPM, que podem apresentar características compartilhadas com os carcinomas desde a sua formação, como as altas taxas de proliferação celular (THOMSON et al., 2018; BUGSHAN et al., 2020). 1.1.3. Lesões Potencialmente Malignas As LPM compartilham uma variedade de alterações histopatológicas, podendo, em uma mesma lesão, apresentar diferentes graus de comprometimento tecidual. É importante salientar que elas surgem a partir de um processo de sucessivas modificações, sendo a primeira delas o surgimento de hiperplasia epitelial, seguida de displasias leve, moderada e severa, carcinoma in situ e, finalmente, de CCE oral (JOHNSON et al., 2021). Para a classificação dessas lesões, parâmetros arquiteturais e citológicos microscópicos são utilizados, como a perda de coesão celular, figuras de mitoses aumentadas e atípicas, anormalidades de tamanho e forma nucleares e celulares. Dependendo do grau de comprometimento em espessura do tecido, essas anormalidades podem caracterizar displasia leve - com menos de 1/3 do epitélio afetado -; displasia moderada – entre 1/3 e 2/3 -; ou displasia severa – maior que 2/3, mas não por completo. Quando são constatadas irregularidades em toda a espessura do epitélio sem invasão do tecido subjacente, tem-se o carcinoma in situ, e, consequentemente, é observado o carcinoma quando esta invasão é observada, que pode apresentar perda da diferenciação celular e, até metástase (MAYMONE et al., 2018). Em geral, tais lesões são assintomáticas, entretanto, estudos mostram que a sua transição para carcinoma pode vir acompanhada de alterações de sensibilidade e função, que se intensificam com o aumento da gravidade da doença (LAM & SCHMIDT, 2011). Em geral, ao serem diagnosticadas, as lesões cancerígenas já interferem nas funções de mastigação e fonação, causando dor ou disartria (JOHNSON et al., 2021). Além de a própria progressão do 15 CCE oral causar a intensificação do déficit funcional, o tratamento também contribui para isso, pois afeta o sistema sensorial estomatognático, devido a intervenções diretas aos tecidos orais, como em casos de ressecções cirúrgicas ou pela quimioterapia (DZIOBA et al., 2017; MAYMONE et al., 2018; EL-BAYOMMI et al., 2021). 1.1.4. A dor no Carcinoma de Células Escamosas Oral A dor constitui uma das maiores preocupações dos pacientes com câncer, se fazendo presente em 75 a 90% dos casos no estágio terminal (CONNELLY & SCHMIDT, 2004; GUERRERO et al., 2008). Essa sintomatologia pode se tornar excruciante e incontrolável, comprometendo as funções e qualidade da sobrevida dos indivíduos afetados. Vale ainda pontuar que, no que tange ao CCE oral, o índice de resistência a opioides e a prevalência de dor são maiores quando comparados aos de outros cânceres - como os de mama, pulmão e pâncreas-, o que torna a eficácia dos cuidados paliativos ainda mais prejudicada, podendo levar, inclusive, à caquexia (CONNELLY & SCHMIDT, 2004; SCHEFF et al., 2017; YE et al., 2011). Acredita-se que, nesse cenário, a dor poderia indicar prognósticos desfavoráveis em relação à sobrevivência, devido a correlação, apontada em diversos estudos, entre o grau de invasividade e a presença desse sintoma (HEUSSNER et al., 2021). Esse comprometimento não é exclusivo dos estágios avançados, pois estudos mostram que o tamanho do tumor não está relacionado à sua severidade e que lesões pequenas, em estágios iniciais, frequentemente apresentam essa sintomatologia associada (GUERRERO et al., 2008; SCHMIDT, 2015). Dessa maneira, é importante destacar que a dor pode ser oriunda do somatório de vários mecanismos celulares no microambiente do câncer. Ela pode ser classificada em somática, visceral e neuropática (GUERRERO et al., 2008). A dor do câncer apresenta inicialmente um componente somático gerado pela invasão nos tecidos subjacentes. Nesse contexto, a liberação de proteases - para a destruição da matriz adjacente - e de fatores neurotróficos, como o Fator de Crescimento Nervoso (NGF), podem desempenhar papéis centrais não só nos mecanismos da proliferação e invasão tumoral, mas também da dor (SCHMIDT, 2015; LAM & SCHMIDT, 2011; YE et al., 2011). Com a progressão da doença, esses fenômenos podem ser acompanhados de invasão perineural e compressão nervosa, levando à formação de edema, fragmentação, granulação, degeneração Walleriana e redução do calibre nervoso, modificando, assim o perfil dessa sintomatologia para o estabelecimento de dor neuropática e, dessa forma, desencadear alterações de sensibilidade (TANIGUCHI et al., 1995). Ademais, é importante pontuar que a 16 invasão perineural da lesão cancerosa provoca alterações nociceptivas, que podem ser tomadas como indicadores de progressão e prognóstico da doença (YE et al., 2011). Soma-se a isso a liberação de mediadores inflamatórios que sensibilizam as terminações nervosas adjacentes. Dentre eles destacam-se ATP, bradicininas, citocinas, quimiocinas, prostaglandinas, endotelina-1 e fator de crescimento vascular endotelial. Scheff et al. (2017) em modelo experimental de CCE oral em ratos com imunodeficiência observaram respostas comportamentais relacionadas a dor, mostrando assim que outros mecanismos devem contribuir para o estabelecimento e manutenção da dor no câncer. Estudos apontam que a dor neuropática prevalece no CCE oral (LAM & SCHMIDT, 2011; SALVO et al., 2020; SALWEY et al., 2020). A presença de sintomas sugestivos, como dor intratável, comprometimento funcional e dormência, podem indicar que os possíveis mecanismos envolvidos são neuropáticos (SALVO et al., 2020). Essa condição se dá a partir da sensibilização e alteração fenotípica periférica e central dos nervos, com modificação das propriedades da membrana neuronal e, consequentemente, da excitabilidade das fibras Aβ e C (XU et al., 2015). Estudos experimentais mostram que esse tipo de dor no câncer está relacionado à maior duração dos impulsos neuronais e a menores potenciais de ação dos mecanorreceptores, acompanhados da proliferação axonal no corno dorsal da medula (ZHU et al., 2018). A ativação de células da glia também é relatada na literatura associadaà redução dos limiares de dor e ativação de receptores de potencial transitório vaniloide 1 e 2 (TRPV1 e 2) no gânglio trigeminal em modelo experimental induzido pela inoculação de células de CCE (HIRONAKA et al., 2014). Como resultado desses mecanismos, tem-se a alodinia e a hiperalgesia mecânica, sendo esta última pouco responsiva a opioides (GUERRERO et al., 2008). Além disso, é importante salientar que estudos indicam que tais componentes nociceptivos se fazem presentes não só em estágios avançados, mas na progressão dessas neoplasias, desde a transição de LPM ao câncer, sendo esta transição anunciada pela presença da dor (LAM & SCHMIDT, 2011; SCHMIDT et al., 2015). Isso indica que, no carcinoma oral, as alterações sensitivas estão correlacionadas com a invasão do epitélio nos tecidos (CONNELLY & SCHMIDT, 2004; LAM & SCHMIDT, 2011). Quanto à sua manifestação, esses sintomas se mostram exacerbados durante a função e o componente espontâneo não é muito frequente nos CCE oral (LAM & SCHMIDT, 2011). Logo, a busca pela maior compreensão desses mecanismos durante o processo de carcinogênese poderia auxiliar no estabelecimento de indicadores mais precisos de prognóstico e tratamento da dor e do câncer. 17 1.1.5. Via nociceptiva trigeminal A condução das informações dolorosas provenientes dos região oral é realizada através da via trigeminal. Impulsos aferentes desencadeados através da despolarização de fibras nervosas periféricas trigeminais , onde neurônios envolvidos nesse processo são denominados pseudounipolares, cujo corpo celular se localiza no gânglio trigeminal, realizando sua primeira sinapse no tronco encefálico, na região do subnúcleo caudal do trigêmeo (Sp5C) (GOELLNER & ROCHA, 2020). A região Sp5C apresenta, ainda, uma distribuição em camadas, no sentido rostro- caudal: as áreas periorais são projetadas nas porções mais rostrais do subnúcleo, enquanto regiões mais posteriores da face são representadas mais caudalmente. Dessa forma, a projeção da nocicepção da face é segmentada, de acordo com o modelo de “casca de cebola” (BONICA, 1990; GOELLNER & ROCHA, 2020). Figura 1 - Projeção das fibras aferentes primárias nociceptivas em Sp5C. Fonte: BONICA, 1990. A: a figura representa a organização somatotópica rostrocaudal do Sp5C. B: a figura representa a relação do Sp5C com a entrada de fibras aferentes primárias. Em seguida, o impulso prossegue através do trato trigêmino-talâmico, TTT, (que também recebe inputs da porção sensorial dos nervos facial, glossofaríngeo e vago) até o núcleo ventro póstero medial (VPM) do tálamo, e ascende, através dos neurônios de 3ª ordem, ao córtex de discriminação sensorial. 18 Através da via medial do TTT, a informação também pode alcançar o tálamo e, consequentemente, os cortices insular e cingular, responsáveis pelas dimensões cognitivas, comportamentais e emocionais da dor. Além disso, fibras aferentes nociceptivas do núcleo caudal do trigêmeo estabelecem conexão direta com o núcleo parabraquial (PBN), que por sua vez se conecta com aa medula ventro lateral rostral e à substância cinzenta periaquedutal (PAG), de maneira descentente, o que sugere uma modulação da dor paralela à via aferente (GOELLNER & ROCHA, 2020). Figura 2 - Esquema simplificado da via trigeminal a nível central Fonte: internet. A figura representa o percurso das fibras aferentes oriundas do gânglio trigeminal ao núcleo do trato espinhal (1ª sinapse), ascensão ao tálamo ipsilateral ou contralateral pelo Trato Trigêmino Talâmico (2ª sinapse) e posterior encaminhamento ao córtex. Disponível em: http://depto.icb.ufmg.br/dmor/mof011/neuroanatomia.pdf http://depto.icb.ufmg.br/dmor/mof011/neuroanatomia.pdf 19 1.1.6. Modelos experimentais de Carcinoma de Células Escamosas Dentre os modelos de indução experimental de CCE oral mais relatados na literatura, o uso do óxido de 4-nitroquinolina (4-NQO) se destaca Ele é um composto heterocíclico aromático derivado da quinolina e está da família de poderosos compostos carcinogênicos. Inicialmente foi investigado como um agente tumoricida em baixas concentrações, levando à morte, in vitro, de células de sarcoma. Entretanto, logo foi observado seu grande potencial carcinogênico em estudos com a aplicação tópica em pele de roedores, se mostrando mais efetivo que outras substâncias previamente utilizadas para tal fim, como o 1,2:5,6-dibenzoantraceno e o 20-metilcolantreno (NAKAHARA et al., 1957). O seu primeiro uso na região oral foi relatado em 1965, com a sua diluição em propilenoglicol, a 0,25%, e pincelamento da região labial diário (NAKAHARA et al., 1957). Métodos semelhantes são relatados na literatura, com o seu uso em concentrações maiores, por exemplo. No entanto, é observada toxicidade sistêmica associada, com necrose lobular hepática focal, degeneração dos túbulos renais e redução da celularidade da polpa branca do baço (BARCERSSAT et al., 2014). Soma-se a isso o fato de que a diluição de 4-NQO na água de beber dos animais ser a forma mais relatada de indução à carcinogênese oral (ISHIDA et al., 2017). Atualmente, existem outros métodos de indução, destacando-se a utilização de animais transgênicos e o transplante de células cancerígenas. Em relação ao primeiro, a modificação genética dos espécimes leva a uma maior probabilidade de ativação de oncogenes e inativação dos mecanismos de supressão tumoral especificamente da região de epitélio da cavidade oral. Além disso, a combinação com a administração de carcinógenos também é relatada na literatura, trazendo maiores índices de malignização das lesões (ISHIDA et al., 2017). Já no modelo xenográfico, há a implantação de linhagens de células humanas ou de outros animais em animais imunodeficientes. Entretanto, este tipo de indução da doença impede a avaliação do seu surgimento até a formação do carcinoma, prejudicando a obtenção de respostas relacionadas ao processo inflamatório (ISHIDA et al., 2017; QIN et al., 2018). Apesar do desenvolvimento de métodos mais tecnológicos de indução, o 4-NQO ainda se destaca como a principal substância utilizada para estudos de CCE oral (ISHIDA et al., 2017). Isso ocorre porque os mecanismos moleculares de ação dessa substância simulam as alterações observadas na carcinogênese humana (WALLENIUS & LEKHOLM, 1973; ISHIDA et al., 2017). Após a sua conversão em óxido de hidroxiaminoquinolina (4-HAQO), este se liga 20 covalentemente ao DNA, gerando substituições nos pares de bases, principalmente ao trocar guanina por adenina (BAILLEUL et al., 1989). Nesse processo, são geradas alterações genéticas e epigenéticas, ativação de proto-oncogenes e estresse oxidativo que, na região oral, mimetizando as alterações nucleares geradas pelo cigarro (ISHIDA et al., 2017). Além disso, esse modelo se mostra vantajoso ao promover a carcinogênese em várias etapas de maneira progressiva, o que é evidenciado pela formação desde lesões displásicas leves a carcinomas invasivos à medida que a exposição à substância se intensifica (ISHIDA et al., 2017). Dessa forma, o modelo de indução à carcinogênese através do 4-NQO se mostra como uma das melhores formas de avaliar o processo de desenvolvimento do câncer e, inclusive, dos seus sintomas associados, sobretudo a dor. Entretanto, apesar de esse ser o modelo mais relatado na literatura, não existem estudos que avaliem, por meio dele, as alterações nociceptivas e comportamentais durante o desenvolvimento do CCE oral. 21 2. JUSTIFICATIVA A dor no CCE oral é mais prevalente do que em outros cânceres e constitui a pior sintomatologia associada a essa doença (CONNELLY & SCHMIDT, 2004; HIRONAKA et al., 2014; SCHEFF et al., 2017). Devido à intensa requisição funcional das estruturas afetadas pelo câncer, ela prejudica as funções exercidas pelo aparelho estomatognático, proporcionando déficitsalimentares, fonéticos e estéticos. Essas perdas podem levar o paciente a desenvolver quadros de caquexia, baixa interação social, ansiedade e depressão, reduzindo a sua qualidade de vida, mesmo quando os indicadores de dor encontram-se leves ou moderados (YE et al., 2011; EPSTEIN & MIASKOWSKI, 2019). Os mecanismos envolvidos no desenvolvimento e na manutenção da dor na progressão do câncer são pouco elucidados, principalmente quanto as alterações nervosas associadas (SCHMIDT, 2015). Esse sintoma está associado às alterações locais do microambiente do câncer, como a liberação de mediadores, que levam à sensibilização das terminações nervosas periféricas, entretanto outros fatores contribuem para a resposta dolorosa. Além disso, inexistem estudos sobre as alterações comportamentais e nociceptivas relacionadas à via trigeminal ao longo do processo de desenvolvimento lesões malignas e potencialmente malignas em modelos experimentais que utilizam o 4-NQO, de modo a evidenciar a cinética dessas modificações à medida que a doença progride. Dessa forma, a investigação das alterações nociceptivas e comportamentais ao longo desse processo é relevante para o desenvolvimento de novas condutas terapêuticas para o manejo da dor no câncer oral e, com isso, melhoria da qualidade de vida dos pacientes acometidos por tal enfermidade. 22 3. OBJETIVOS 3.1 Objetivo Geral Avaliar as alterações nociceptivas e comportamentais em modelo experimental de carcinogênese oral induzida por 4-NQO. 3.2 Objetivos Específicos • Induzir lesões potencialmente malignas e carcinoma de células escamosas em região de língua de ratos; • Verificar as alterações morfológicas geradas em língua pelo modelo experimental através das análises macroscópica e histopatológica; • Avaliar a variação do limiar nociceptivo; • Avaliar as diferenças de comportamento de ansiedade nos animais ao longo do desenvolvimento do carcinoma de células escamosas; • Avaliar as alterações das expressões faciais ao longo do desenvolvimento do carcinoma de células escamosas oral; • Analisar a imunoexpressão de c-FOS no gânglio trigeminal e subnúcleo caudal do trato espinhal do trigêmeo. 23 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 Animais Para realização do experimento, foram utilizados 40 ratos (Wistar) pesando entre 100g e 150g, fornecidos pelo Biotério Central da Universidade Federal do Ceará (UFC). Os animais foram acondicionados em gaiolas confeccionadas em polipropileno medindo 44x31x21 cm (3 animais por gaiola), com comedouro e encaixe para bebedouro, além de cama com maravalha irradiada. As tampas possuem filtros microisoladores, mantidos em sala com sistema individualizado de exaustão. A higienização e a desinfecção das gaiolas foram realizadas duas vezes por semana em estação de troca/cabine de biossegurança. Os animais foram mantidos em condições controladas de temperatura (25 ± 2°C) com fotoperíodo de 12 horas de claro e 12 horas de escuro e umidade relativa de 60%. Eles tiveram acesso à água potável proveniente da rede pública de abastecimento e alimentação com ração comercial ad libitum. Todos os critérios de alimentação e ambiência atenderam às recomendações do National Research Council e do National Institute of Health. Além disso, foi realizada a observação diária do estado geral dos animais, para avaliação de sofrimento intenso e possível execução de desfecho humanitário. O tamanho amostral foi determinado com o objetivo de identificar como significante uma diferença de 20% entre os grupos, com um poder estatístico de 80%. O desvio- padrão foi estabelecido em 15% em um intervalo de confiança de 95%. Foi considerado o estudo de Ishida et al., (2017), onde a porcentagem de desenvolvimento de carcinoma em modelo induzido por 4-NQO em ratos Wistar foi de 70%. Realizou-se o cálculo na Plataforma OpenEpi® por meio da fórmula n = [EDFF*Np(1-p)]/ [(d 2 /Z 2 1?/2 *(N-1)+p*(1-p). Os protocolos experimentais foram realizados de acordo com os padrões éticos de uso de animais experimentais, obtidos pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA). O projeto, submetido ao Comitê de Ética de Uso de Animais (CEUA) da UFC, foi aprovado sob numeração 4861280219 (em Anexo). 4.2 Grupos experimentais Os animais foram divididos nos seguintes grupos experimentais: 24 • Grupo Controle (C): grupo que não recebeu 4-NQO • Grupo T8: grupo que recebeu 4-NQO durante 8 semanas. • Grupo T12: grupo que recebeu 4-NQO durante 12 semanas. • Grupo T16: grupo que recebeu 4-NQO durante 16 semanas. • Grupo T20: grupo que recebeu 4-NQO durante 20 semanas. 4.3 Indução de câncer oral Para garantir a ingestão igualitária da substância por todos os animais, estes foram submetidos à administração de 0,25 ml da solução de 4-NQO sob a concentração de 1,2 mg/ml pelo pesquisador com o uso de pipeta plástica descartável. Tal procedimento foi realizado duas vezes ao dia durante 8, 12, 16 ou 20 semanas. A concentração utilizada foi obtida ao se considerar a quantidade de soluto ingerido sob a concentração do estudo de Khiavi et al., (2015) e o volume médio de ingestão de água dos animais (NEVES et al., 2013). Ademais, condicionamento prévio com o uso da pipeta foi realizado antes do início do protocolo experimental durante 7 dias. 4.4 Hiperalgesia mecânica Os animais foram submetidos a sessões de condicionamento ao teste de hiperalgesia mecânica durante os 7 dias em que antecederam a realização do experimento, sob temperatura controlada e iluminação reduzida. Semanalmente, o limiar de nocicepção do animal foi obtido através do registro da intensidade de força aplicada bilateralmente na região vibrissal (HIRONAKA et al., 2014). Para isso, os animais foram acondicionados em gaiolas de polissulfona de 30x20x13 cm (1 animal/gaiola) por 15 minutos previamente ao teste. De maneira aleatória, o examinador posicionou o aparelho Von Frey eletrônico - um analgesímetro que registra limiar nociceptivo do animal em gramas (g)- perpendicularmente à região de vibrissa, pressionando-o contra a área. Ao se obter uma resposta reflexa, como retirada da cabeça ou sinais sonoros, o estímulo foi descontinuado automaticamente e a intensidade foi registrada (NAGAMINE et al., 2006). 25 4.5 Teste em campo aberto O teste de caracterização de apatia e ansiedade foi realizado no início do experimento e previamente à eutanásia dos animais. Foi realizado em sala ambientalmente isolada de odores, ruídos e sob temperatura de 22º C. Os animais ficaram em ambientação no espaço de realização do experimento durante 15 minutos. Em seguida foram submetidos a análise comportamental individual durante 5 minutos em cubos de acrílico dimensionados em 50x50x50cm. A arena foi dividida em oito zonas quadradas periféricas e uma central. Os animais permaneceram isolados na arena durante 5 minutos a fim de se habituarem ao ambiente. Após esse período, foram analisados, por 5 minutos, os parâmetros de 1) “self-grooming”, 2) número de passagens entre zonas, 3) elevação no centro da arena e nas bordas da arena (PONTE, 2017). 4.6 Avaliação das expressões faciais Semanalmente, os animais serão colocados em cubos de acrílico medindo 21x10,5x9 cm e observados por 30 minutos. Foram avaliados os parâmetros de apertamento orbital, achatamento do nariz e alterações de orelha e de vibrissas, atribuindo-se escores variando de 0 a 2, com 0 para alta confiança do apontador de que a unidade de ação estava ausente; 1, alta confiança de uma aparência moderada da unidade de ação ou equívoco em relação a sua presença ou ausência; 2, detecção de uma aparência óbvia da unidade de ação, com alta confiança (SOTOCINAL et al., 2011). 4.7 Avaliação ponderal Todos os ratos foram pesados semanalmente em balança digital (Filizola® MF 4006082)antes e durante o período experimental semanalmente para avaliação da evolução ponderal. Os ratos foram pesados de forma aleatória no período da manhã, sempre no mesmo horário, em dias não coincidentes com trocas de caixa e cama (maravalha). 26 4.8 Análise Macroscópica Após a remoção dos tecidos linguais, um patologista experiente analisou a mucosa, descrevendo as alterações de superfície e cor, bem como o tamanho e o aspecto das lesões. As alterações de superfície foram classificadas como lisa, granular, verrucosa, papilomatosa, bosselada ou lobulada com base penduculada, séssil, nodular ou em forma de cúpula (MORTAZAVI et al., 2017). A cor dos espécimes foi classificada como branco, cinza ou castanho (CHI & NEVILLE, 2015) 4.9 Análise histopatológica Nos dias 56, 84, 112 e 140, os animais foram anestesiados intraperitonealmente com ketamina (80 mg/kg) e xilazina (10 mg/kg). Após a avaliação da profundidade do campo anestésico com o teste de pinçamento da cauda, os animais foram perfundidos intracardiacamente com 60 mL de solução salina tamponada com fosfato (PBS) seguido de 60 mL de solução de paraformaldeído (PFA) 4%. Posteriormente, as lesões linguais foram removidas e fixadas em solução de formol tamponado a 10% durante 24 horas, desidratadas com álcool 70% e embebidas em parafina. Secções de 5 μm das amostras foram avaliadas através de microscopia de luz (MINICUCCI et al., 2011; SILVEIRA, 2017). As amostras foram coradas com hematoxilina-eosina (HE) e avaliados por patologista experiente e cego ao estudo. As lesões linguais foram classificadas como normal; hiperceratose; displasia leve, moderada ou severa; ou carcinoma de células escamosas (MINICUCCI et al., 2011). 4.10 Análise por imunofluorescência O gânglio trigeminal e o subnúcleo caudal do trato espinhal do trigêmeo foram removidos, colocados em PFA 4% por 2h e crioprotegidos em solução de sacarose 30% durante 48 h. Após esse período, os tecidos foram embebidos em Tissue-tek e armazenados a -80°C. Secções seriadas (10 μm) dos tecidos nervosos foram obtidas em um criostato (Leica CM1100, Wetzlar, Alemanha). 27 Para os ensaios de imunofluorescência, as secções foram fixadas em metanol e recuperação antigênica será realizada em 0.1 M (pH 6.0) de tampão citrato. Em seguida, permeabilização da membrana nuclear foi realizada, somente nas reações para marcação nuclear, com 0.1% triton X-100. Sítios inespecíficos foram bloqueados com 5% albumina de soro bovina e glicina 0.3 M em todas as lâminas. As amostras foram incubadas overnight com o anticorpo primário anti-c-Fos anti- rabbit (1:400) (Invitrogen®, Life Technologies, Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA, EUA). Posteriormente, foi realizada a incubação com o anticorpo secundário feito em cabra anti-igG de coelho Alexa Fluor 568 (Invitrogen®, Life Technologies, Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA, EUA) ou 594 (Invitrogen®, Life Technologies, Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA, EUA), na diluição de 1: 400. Para marcação dos corpos celulares neuronais, as amostras foram incubadas com anticorpo para NeuN conjugado com Alexa fluor 488 (Merck Millipore®, Billerica, MA, EUA) na diluição de 1:100. O DAPI (Invitrogen®, Life Technologies, Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA, EUA) foi acrescentado ao final para evidenciar os núcleos celulares. Os controles negativos de imunomarcação serão realizados através da omissão dos anticorpos primários. Por último, os slides serão montados e fotografados através de microscopia confocal. A quantificação da área fluorescente nas fotomicrografias foi realizada pela diferenciação dos pixels fluorescentes pela saturação de cor mais alta associada à fluorescência (vermelha ou verde) com o software de análise de imagem. Os limites superiores e inferiores requeridos para definição de pixels selecionados e não-selecionados foram previamente definidos pelo limite de cor. Os resultados de quantificação foram apresentados em porcentagem, calculada pela fluorescência positiva em relação à fluorescência de NeuN (SILVEIRA, 2017). 4.11 Análise Estatística O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar se os dados de cada variável analisada se apresentam com distribuição normal (dados paramétricos, com grupos com menos de 30 casos). Os valores de outliers foram retirados (quando ocorrerem) por não representarem aqueles resultados aos quais o estudo tinha o objetivo de generalizar (p-valor >0.05 para o teste de Shapiro-Wilk). Os dados paramétricos foram analisados através do teste t de Student, para a comparação da média entre dois grupos, e do teste de ANOVA, para a comparação das médias 28 em variáveis com mais de dois grupos. O pós-teste (post-hoc) para a ANOVA foi definido a partir da análise da homogeneidade de variâncias através do teste de Levene. Quanto à homogeneidade de variâncias (p-valor ≥ 0,05), foi definido como pós-teste para a ANOVA o teste de Tukey. Os dados não paramétricos foram analisados pelo teste de Kruskal Wallis, seguido do pós-teste (post-hoc) de Dunn's, para média entre mais de dois grupos. O nível de significância foi considerado p < 0,05. O software Graph Pad Prism 7.0 foi o utilizado para realizar os testes estatísticos. 29 5. RESULTADOS 5.1. Hiperalgesia mecânica Quanto à análise do efeito da indução com o 4-NQO na hiperalgesia mecânica na região de vibrissa, tem-se uma redução estatisticamente significativa dos limiares em relação ao grupo controle nas primeiras 2 semanas (p < 0,0001 e p<0,05, respectivamente) de administração da droga em relação ao grupo controle (Gráfico 1). Esses achados são seguidos por um período intermediário de retorno aos níveis basais do limiar nociceptivo (3ª, 4ª, 9ª, 10ª, 11ª semanas) intercaladas por períodos de redução significativa dos limiares de hiperalgesia, nas 5ª e 12ª semanas (p< 0,05), e 6ª, 7ª e 8ª (p < 0,01). Após a 12ª semana até o final do protocolo experimental, se observa a queda dos limiares de retirada da cabeça, com a manutenção de limiares mais baixos (p < 0,0001). Em relação ao limiar inicial, foi observada uma redução significativa após 1 semana (T1) de exposição ao carcinógeno (p <0,001) (Gráfico 2). Os limiares foram restabelecidos em 8 e 12 semanas, sem diferença estatística quando comparado ao tempo de início do protocolo experimental. Após 16 semanas de exposição ao 4-NQO, observou-se redução do limiar em relação a T0 (p <0,001), T1 (p <0,001), e T8 (p <0,001) o que também aconteceu após 20 semanas. Neste período, também foi obtida diferença frente aos limiares de T12 (p <0,001) e T16 (p <0,01). 30 Gráfico 1 - Hiperalgesia mecânica na região de vibrissa de ratos ao longo de 20 semanas de indução à carcinogênese com 4-NQO. 4 8 12 16 20 0 20 40 60 80 C 4-NQO * * ** * ** *** ** * * * Semanas L im ia r d e r e ti ra d a d a c a b e ç a ( g ) Fonte: Dados da pesquisa. O gráfico representa o desenvolvimento da hiperalgesia mecânica da região de vibrissa em ratos submetidos à carcinogênese experimental induzida por 4-NQO (0,6mg/dia). Os resultados são expressos como média do limiar de retirada da cabeça em gramas por grupo (n=8) ± erro padrão da média (EPM). * p<0,05 versus C (Teste t Student). Gráfico 2 - Hiperalgesia mecânica na região de vibrissa de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO. Fonte: Dados da pesquisa. O gráfico representa o desenvolvimento da hiperalgesia mecânica da região de vibrissa após 1, 8, 12, 16 e 20 semanas de indução por 4-NQO.Os resultados são expressos como média do limiar de retirada da cabeça (n=8) ± erro padrão da média (EPM). a p< 0,001 versus T0; b p< 0,001 versus T1; c p< 0,001 versus T8; d p < 0,001 versus T12; e p < 0,01 versus T16. (ANOVA de uma via, pós-teste de Tukey). Abreviações: T0, tempo inicial; T1,1ª semana; T8, 8ª semana; T12, 12ª semana; T16, 16ª semana; T20, 20ª semana. 31 5.2 Teste de campo aberto Quanto à avaliação dos comportamentos de ansiedade e depressão por meio do teste de campo aberto, foi observado aumento do grooming dos animais no grupo eutanasiado após 8 semanas de administração do 4-NQO em relação ao grupo C (p < 0,05) (Gráfico 3). Tal comportamento voltou a se mostrar alterados no grupo eutanasiado após 20 semanas de indução, com redução estatisticamente significativa em relação ao T8 (p <0,05). A análise da deambulação dos animais submetidos ao teste de campo aberto mostrou significativo aumento no grupo T8 quando comparado ao grupo C (p <0,05) (Gráfico 4). O mesmo não pode ser observado nos demais grupos. Na análise das atividades de elevação corporal no teste de campo aberto, os grupos não apresentaram diferença estatística entre si (Gráfico 5). Gráfico 3 – Análise de grooming sob o teste de campo aberto em ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO C T 8 T 1 2 T 1 6 T 2 0 0 1 2 3 4 5 b a Q U A N T ID A D E D E M O V IM E N T O S Fonte: Dados da pesquisa. O gráfico representa as alterações no comportamento de grooming de ratos submetidos à carcinogênese experimental induzida por 4-NQO (0,6mg/dia). Os resultados são expressos como média da quantidade de movimentos de grooming (n=8) ± erro padrão da média (EPM) a p < 0,05 versus C, b p< 0,05 versus T8 (ANOVA, pós-teste de Tukey). 32 Gráfico 4 – Análise da atividade horizontal no teste de campo abertos de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO. C T 8 T 1 2 T 1 6 T 2 0 0 2 0 4 0 6 0 8 0 a N Ú M E R O D E P A S S A G E N S Fonte: Dados da pesquisa. O gráfico representa as alterações no comportamento de deambulação de ratos submetidos à carcinogênese experimental induzida por 4-NQO (0,6 mg/dia). Os resultados são expressos como média do número de passagens entre zonas (n=8) ± erro padrão da média (EPM). A p < 0,05 versus C (ANOVA, pós-teste de Tukey). Gráfico 5 – Análise da atividade vertical no teste de campo abertos de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO C T 8 T 1 2 T 1 6 T 2 0 0 1 0 2 0 3 0 4 0 N Ú M E R O D E E L E V A Ç Õ E S Fonte: Dados da pesquisa. O gráfico representa as alterações na atividade vertical de ratos submetidos à carcinogênese experimental induzida por 4-NQO (0,6mg/dia). Os resultados são expressos como média do número de elevações (n=8) ± erro padrão da média (EPM). (ANOVA, pós-teste de Tukey). 5.3. Análise das expressões faciais 33 Quanto a análise das expressões faciais indicativas de desconforto e dor, os animais apresentaram aumento dos escores apenas após 20 semanas de exposição ao carcinógeno (Tabela 1), sendo estatisticamente significativo em relação a T0 (p < 0,001), T1(p < 0,001), T8 (p < 0,001), T12 (p < 0,05) e T16 (p < 0,001). Tabela 1 - Análise das expressões faciais em ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO. T0 T1 T8 T12 T16 T20 Média 0.0 (0 – 0) 0.5 (0– 1) 0.5 (0 – 2) 0 (0 – 1) 1 (0 – 3) 3 (0 – 6) a, b, c, d, e Fonte: Dados da pesquisa. A tabela representa a evolução das expressões faciais associadas à nocicepção de ratos submetidos à carcinogênese experimental induzida por 4-NQO. Os resultados são expressos como média, mínimo - máximo. a p < 0,001 versus T0; b p < 0,001 versus T1; c p < 0,001 versus T8; d p < 0,05 versus T12; e p < 0,001 versus T16. (Kruskal-Wallis, pós-teste de Dunn). Abreviações: T0, semana inicial; T1, 1ª semana; T8, 8ª semana; T12, 12ª semana; T16, 16ª semana; T20, 20ª semana de exposição ao 4-NQO. 5.4. Análise ponderal Na análise das alterações de peso dos animais durante o experimento, nenhuma diferença estatisticamente significativa pôde ser observada em relação ao grupo controle (Gráfico 6). Gráfico 6 - Análise ponderal de ratos induzidos à carcinogênese experimental por 4-NQO. 34 Fonte: Dados da pesquisa. O gráfico representa as alterações de peso de ratos submetidos à carcinogênese experimental induzida por 4-NQO. Os resultados são expressos como média ± desvio padrão (DP) (teste t de Student). 5.5. Análise macroscópica da língua Macroscopicamente, as línguas apresentaram alterações de superfície e de cor de forma progressiva. A superfície lisa dessa estrutura foi modificada após 16 semanas, apresentando lesões papulares, verrucosas ou nodulares, estas últimas chegando a 0,9 cm em seu maior diâmetro (Tabela 2). A maioria das lesões foi observada em região posterior de língua, alcançando até a região central dessa estrutura. Lesões esbranquiçadas foram obtidas a partir de 8 semanas de exposição ao 4-NQO e, após 20 semanas, lesão papilomatosa de coloração branco-pardacenta (Figura 3). Em geral, pápulas esbranquiçadas de limites imprecisos foram as lesões mais comumente observadas a partir da 16a semana. Figura 3 - Análise macroscópica da língua de ratos exposto à carcinogênese induzida por 4- NQO Fonte: dados da pesquisa. Imagens representativas dos achados macroscópicos em língua referentes aos grupos T0, T8, T12, T16, T20. A: Controle; B: T8; C: T12; D: T16; E: T20. Seta cheia: Lesão esbranquiçada; Ponta de seta: Lesão nodular; Seta interrompida: Lesão verrucosa. Tabela 2 - Análise macroscópica das lesões observadas por grupo exposto à carcinogênese induzida por 4-NQO. SUPERFÍCIE COLORAÇÃO TAMANHO DA LESÃO Lisa Branco-pardacenta Não se aplica A B C D E B 35 T8 Lisa Esbranquiçada ou branco acastanhada Não se aplica T12 Lisa Esbranquiçada ou branco acastanhada Não se aplica T16 Lisa, Irregular ou papular Esbranquiçada ou branco acastanhada Limites imprecisos T20 Rugosa, papular, papilomatosa, nodular, verrucosa de implantação pedunculada Branco-pardacenta 0,2 cm a 0,9 cm* 1/3 a 2/3 posteriores de língua Fontes: Dados da pesquisa. A tabela representa a apresentação das lesões epiteliais encontradas em língua em cada grupo experimental submetido à carcinogênese por 4-NQO. * maior diâmetro da lesão. 5.6. Análise histopatológica Através da análise histopatológica, LPM puderam ser observadas a partir de 8 semanas de exposição ao 4-NQO, e CCE foi observado a partir da 16ª semana (Tabela 3). Variados graus de displasia puderam ser observados ao longo do protocolo experimental, desde hiperceratoses a displasias severas, de forma a mostrarem mais alterações celulares a partir do tempo de 16 semanas de aplicação do 4-NQO. Nas displasias leves, foram observadas alterações epiteliais, como hiperplasia da camada basal e hipercromatismo, enquanto nas displasias moderadas, nucléolos proeminentes e projeções em forma de gota (Figura 4). Nas displasias severas, vale destacar o intenso pleomorfismo celular em quase toda a espessura do epitélio com perda da sua estratificação (Figura 4). Essas atipias se fizeram presentes desde a 8ª semana e, no grupo T20, 50% das lesões apresentadas foram CCE bem diferenciados, assim como em outros modelos experimentais à base de 4-NQO (BUCK et al., 2018; NAIK et al., 2021), apresentando alterações displásicas severas associadas à formação de ninhos celulares, invasão do estroma e pérolas de queratina (Figura 4). 36 Figura 4 - Alterações epiteliais observadas na língua de ratos expostos à carcinogênese induzida por 4-NQO. Fonte: dados da pesquisa. As imagens correspondem à região de epitélio lingual de ratos expostos ao 4-NQO em aumentos de 100, 200, e 400 x. Coloração H&E. Abreviações: D. Leve: displasia leve; D. moderada: displasia moderada; D. severa: displasia severa; Carcinoma: carcinoma de células escamosas oral. Setas: hiperplasia basilar; pontas de seta: nucléolos proeminentes; Seta fina: projeção em formade gota; asterisco: pleomorfismo celular; cruz: pérolas de ceratina; estela: ninho de células. N O R M A L D . L E V E D . M O D E R A A D A D . S E V E R A C A R C IN O M A 100X 200X 400X * * * 37 Tabela 3 - Frequência de lesões observadas por grupo exposto à carcinogênese induzida por 4-NQO. N HC DL DM DS CCE C 8(100%) T8 1(12,5%) 4(50%) 2(25%) 1(12,5%) T12 2(25%) 6(75%) T16 1(12,5%) 2(25%) 2(25%) 2(25%) 1(12,5%) T20 1(12,5%) 3(37,5%) 4 (50%) Fonte: Dados da pesquisa. A tabela representa a quantidade de lesões epiteliais em língua observadas em cada grupo experimental submetido à carcinogênese por 4-NQO. Abreviações: N, epitélio normal; HC, hiperceratose; DL, displasia leve; DM, displasia moderada; DS, displasia severa; CA, carcinoma de células escamosas. 5.7 Análise por imunofluorescência de c-FOS no Gânglio Trigeminal Através da análise de imunofluorescência pôde ser observada redução da imunoexpressão de c-FOS no grupo T12 em relação ao T8 (p < 0,05) e aumento desse da intensidade de imunoexpressão em T20, quando comparado a C (p<0,05), e T12 (p< 0,001). 38 Figura 5 - Fotomicrografia representativas da imunoexpressão de c-FOS em Gânglio Trigeminal de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4-NQO. Fonte: dados da pesquisa. Verde: NeuN (marcador neuronal); vermelho: c-FOS; azul: DAPI (marcador nuclear). Aumento: 200 x. Escala: 50 µm. Os gânglios trigeminais foram coletados na 8ª, 12ª, 16ª e 20ª semanas de exposição ao 4-NQO. C-FOS NEUN DAPI MERGE C O N TR O LE T8 T1 2 T1 6 T2 0 39 Gráfico 1 - Quantificação da área imunofluorescente da expressão de c-Fos em gânglio trigeminal de ratos submetidos à carcinogênese experimental por 4-NQO. C T8 T1 2 T1 6 T2 0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 b a, c Á R E A I M U N O F L U O R E S C E N T E ( % ) Fonte: dados da pesquisa. Os valores são apresentados como média ± desvio padrão (DP) da porcentagem da área fluorescente positiva da expressão de c-Fos em comparação com a expressão de NeuN após 8, 12, 16 ou 20 semanas de indução. a p < 0,05 versus C, b p < 0,05 versus T8, c p < 0,001 versus T12 (ANOVA de uma via, pós-teste de Tukey). 5.8 Análise por imunofluorescência de c-FOS no Subnúcleo Caudal do Trato Espinhal do Trigêmeo Através da análise da imunoexpressão de c-FOS em região de subnúcleo caudal do trato espinhal do trigêmeo, foi observado aumento significativo a partir de 16 semanas de exposição ao 4-NQO quando comparado aos grupos C e T8 (Gráfico 8). Em T20 houve diferença significativa quando comparado ao Controle, p < C, T8 e T16 (Gráfico 8). Foi observada a imunoexpressão também em células não neuronais dessa estrutura indicadas pelas setas em branco (Figura 4). 40 Figura 6 - Fotomicrografia representativa da imunoexpressão de c-FOS em Subnúcleo Caudal do Trato Espinhal do nervo trigêmeo de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4- NQO. C-FOS NEUN MERGE C O N TR O LE DAPI T2 0 T1 6 T1 2 T8 Fonte: dados da pesquisa. Verde: NeuN (marcador neuronal); vermelho: c-FOS; azul: DAPI (marcador nuclear). Escala: 20 µm. Os tratos espinhais foram coletados na 8ª, 12ª, 16ª e 20ª semanas de exposição ao 4-NQO. 41 Gráfico 2 - Quantificação da área imunofluorescente de c-FOS em Subnúcleo Caudal do Trato Espinhal do Trigêmeo de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4-NQO. C T8 T1 2 T1 6 T2 0 0 20 40 60 80 a,b,c a,b Á R E A I M U N O F L U O R E S C E N T E ( % ) Fonte: dados da pesquisa. Os valores são apresentados como média (n=8) ± erro padrão da média (EPM) da porcentagem da área fluorescente positiva da expressão de c-FOS em comparação com a expressão de NeuN após 8, 12, 16 ou 20 semanas de indução. a p < 0,05 versus C, b p < 0,05 versus T8, c p < 0,05 versus T12 (ANOVA, pós teste de Tukey). 42 Figura 7 - Fotomicrografias representativas da imunoexpressão de c-FOS em células não neuronais do subnúcleo caudal do trato espinhal do nervo trigêmeo de ratos submetidos à carcinogênese induzida por 4-NQO. Fonte: dados da pesquisa. Verde: NeuN (marcador neuronal); vermelho: c-FOS; azul: DAPI (marcador nuclear). Escala: 20 µm. Os gânglios trigeminais foram coletados na 8ª, 12ª, 16ª e 20ª semanas de exposição ao 4-NQO. As setas evidenciam a imunoexpressão de c-FOS em células não neuronais C-FOS NEUN MERGE DAPI T2 0 T1 6 T1 2 T8 C O N TR O LE 43 6. DISCUSSÃO O presente estudo foi baseado em uma modificação do modelo clássico de indução por 4-NQO (HIRONAKA et al., 2014; SHEFF et al, 2017; NAIK et al., 2021). A adaptação da administração por meio do gotejamento intraoral visou à garantia do recebimento da mesma quantidade da droga por animal, eliminando as possíveis interferências geradas pela dominância entre os indivíduos e pelas propriedades organolépticas inerentes à suspensão, como cor, odor e sabor. Sohrabi et al., (2009) identificou uma redução da ingestão da água em que o 4-NQO estava diluído em relação ao grupo controle após 8 semanas de protocolo experimental. Este estudo se baseou no modelo indicado por Khiavi et al (2015), cuja concentração utilizada era de 30 ppm de 4-NQO. Em concentrações menores que esta, o tempo de exposição ao carcinógeno para efetivamente gerar lesões malignas variou de 24 a 32 semanas (GE et al., 2021; YAMAMOTO et al., 2006). Em nosso estudo, foi observado que a modificação proposta foi capaz de obter CCE oral de forma mais célere, reduzindo o tempo de exposição à droga e, consequentemente, dos riscos associados não só para os animais, mas também para a equipe de pesquisa. Vale ressaltar, que essa modificação diminuiu o risco de exposição do carcinógeno aos funcionários do biotério, proporcionando também maior segurança aos pesquisadores. Tal modificação no modelo experimental não comprometeu o desenvolvimento de lesões cancerosas na língua dos animais. Pôde-se constatar a eficácia desse modelo através das análises macro e microscópica ao longo do protocolo experimental. Foram encontradas alterações celulares displásicas progressivas à medida que a exposição ao carcinógeno aumentava, chegando a provocar CCE de língua em 50% dos animais ao final das 20 semanas de exposição ao 4-NQO. Além disso, é válido pontuar que, apesar de os índices de indução à carcinogênese terem se mostrado maiores nos estudos de Khiavi et al (2015) e de Yamamoto et al (2006), foram obtidas taxas de mortalidade de 7% e de 2,6% respectivamente, o que não ocorreu em nosso estudo. Soma-se a esse achado o fato de que não foram observados comprometimento no ganho ponderal ou caquexia, ao contrário do que é relatado em alguns estudos clínicos e experimentais (YE et al, 2011; BARCESSAT et al, 2014; RIBEIRO & SALVADORI, 2007). Isso, somado ao fato de que, também, não houve perda de animais como relatado em outros estudos (DOGAN et al., 2017; DROGUETT et al., 2015), o que nos leva à conclusão de que essa modificação no modelo apresentou benefícios ao induzir a lesão cancerígena sem interferir 44 na ingestão alimentar dos animais, gerando, assim, menor morbidade e mortalidade. Vale destacar que não foi encontrada relação entre o tamanho ou a aparência das lesões com o grau de modificações celulares, o que é corroborado pelos achados da literatura (GUERRERO et al., 2008; SCHMIDT, 2015). Apesar do gotejamento da droga ser feito no terço anterior da língua, o principal sítio acometido pelas lesões foi o terço posterior. Embora seja um fato comum clinicamente (FOSSUM et al., 2016), a replicação desse achado neste estudo consiste em parâmetro indicador da qualidade da mimetização
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