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1 O COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO POLÍTICA PÚBLICA DE DESENVOLVIMENTO: O CASO DO MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. MEZA, ELIANE1 Eixo Temático: Desenvolvimento e políticas públicas. RESUMO A produção de políticas públicas específicas para mulheres se funda não só na necessidade da proteção dos direitos humanos e compensação histórica, mas também no fato de que para se ter uma sociedade mais igualitária e desenvolvida, são necessárias políticas de incentivo, proteção e promoção da equidade de gênero no dia a dia e no trabalho. Esse é o caso do município de Santo André, que conseguiu unir a lei às necessidades específicas das suas munícipes, dando-lhes qualidade de vida e desenvolvimento. A metodologia utilizada partiu da análise documental dos dados da avaliação socioeconômica dos programas desenvolvidos no município de Santo André, Palavras-Chave: Desenvolvimento, gênero, políticas públicas. 1 . INTRODUÇÃO 1UFABC. Mestranda. elianecarvalhomeza@yahoo.com e eliane.meza@ufabc.edu.br . 2 “A história da mulher não é somente sobre sua opressão. É também uma história de luta e resistência, na tentativa de banir preconceitos, recuperar sua condição de vida como ser humano igual, autônomo e digno” (MATOS; GITAHY, 2007, p.74). A proposta desse artigo é trazer, em uma primeira parte, um breve histórico sobre a trajetória de políticas para mulheres no Brasil, com ênfase nas experiências locais após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Na segunda parte, traz um panorama de como o município de Santo André, através de sua Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, vem tratando a questão da igualdade de gênero e o que tem feito pelas mulheres andreenses. A atuação do município, através de seus programas e iniciativas vem alcançando cada vez mais mulheres e homens. Além do trabalho prático, efetivo, a Secretaria também faz um trabalho de conscientização com jovens e homens, além de oferecer cursos gratuitos sobre gênero e diversidade. O resultado do Censo de 2010 demonstra um aumento da quantidade de mulheres no mercado de trabalho em Santo André, o que consequentemente melhora a possibilidade de acesso a bens por essas mulheres e, assim, melhora a qualidade de vida delas. 3 2 . A LUTA DAS MULHERES As políticas públicas de gênero não são resultantes de lutas recentes e o reconhecimento das reivindicações das mulheres por direitos, aconteceu graças ao caminho trilhado pelos movimentos femininos organizados. Essas lutas culminaram no reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres em direitos e deveres pela Constituição Federal de 1988, como pode ser visto na transcrição do seu Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988). O desenvolvimento da sociedade passa pela igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, tanto que é um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio na Declaração do Milênio da ONU2 e o combate à violência contra a mulher é uma das formas de se consolidar a igualdade de gênero. No Brasil somente após dezoito anos da CF/88 ter entrado em vigor é que foi publicada a Lei Federal 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha) que promove uma política pública de combate à violência contra a mulher e sua consequente proteção. Ela só foi criada porque o Brasil foi considerado culpado junto à OEA pelo descumprimento do tratado internacional assinado, ou seja, o país assinou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que envolvia países membros da Organização dos Estados Americanos, para a garantia da proteção dos Direitos Humanos e o descumpriu. Em 1983 Maria da Penha sofreu uma tentativa de homicídio do então seu marido, ela sobreviveu, mas ficou paraplégica. Ele foi condenado, mas devido a vários recursos interpostos no processo, ele nunca tinha sido preso. Como o Estado não 2 Disponível em: <http://www.pnud.org.br/odm.aspx>, acesso em 05 ago. 2016. 4 conseguia resolver a demanda, em 1988 o CEJIL (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), juntamente com Maria da Penha, enviaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) por causa da demora em ter uma decisão definitiva no processo e em 2001 Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica, fazendo várias recomendações para que fossem tomadas medidas de proteção à mulher. Com isso, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (criada pela Lei 10.683 de 2003- transformada em Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos – criado pela Medida Provisória 696 de 2015 e atualmente extinto) coordenou um grupo de trabalho formado por representantes de diversos ministérios e com propostas feitas por um consórcio de ONGs para a elaboração de um projeto de lei para o combate à violência contra a mulher, resultando na Lei Maria da Penha3. Além de igualar homens e mulheres em direitos e deveres, outra inovação trazida pela CF/88 e que facilitou a produção de políticas públicas de gênero a nível local foi a gestão descentralizada. Essa novidade permitiu que os municípios pudessem legislar conforme as necessidades locais e muitos municípios priorizaram o combate à violência e o empoderamento das suas munícipes e pode-se citar como exemplo o conteúdo do banco de dados das experiências do Programa Gestão Pública e Cidadania, promovida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Por dez anos (de 1996 a 2005) foram premiadas as iniciativas de governos locais que melhoraram a vida dos seus munícipes e as vinte iniciativas finalistas de cada ano foram sistematizadas em livros, ano a ano; das duzentas iniciativas publicadas, sete são relativas ao combate à violência contra as mulheres, focando na necessidade específica da cidade, adaptando a política pública ao público local4. Outro exemplo de pioneirismo em políticas de gênero a nível local a ser considerado é o município de Santo André. De acordo com Delgado (2007), os cinco primeiros municípios do estado de São Paulo a adotarem organismos de defesa da mulher foram: São Paulo, Santo André, Diadema, Piracicaba e Santos; desses, somente os de São Paulo e Santo André foram criados por lei (os outros foram criados por decreto ou portaria) e desses dois, somente Santo André teve um organismo diretamente ligado ao gabinete do 3 O histórico completo está disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2012/04/maria-da-penha-1, acesso em 31 out 2015. 5 prefeito e, com isso, possuía maior espaço, visibilidade e poder. Conforme Reinach (2013), em 1989, em Santo André, foi criada uma assessoria dos Direitos da Mulher, vinculada ao Gabinete do prefeito, enquanto que em São Paulo foi criada uma Coordenadoria Especial da Mulher, subordinada à Secretaria de Negócios Extraordinários; isso demonstra que o organismo de Santo André tinha mais espaço político do que o do município de São Paulo e, com isso, tinha mais força política para validar suas propostas. A força institucional do município fez a diferença para o desenvolvimento de ações não só para o combate à violência contra a mulher, mas também ações para o empoderamentodas suas munícipes. A ATUAÇÃO DA SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES DO MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. Santo André é um dos municípios da região do grande ABC, que é composta por sete municípios: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Mauá, Ribeirão Pires, Diadema e Rio Grande da Serra. Atualmente é a única da região a ter uma Secretaria de Políticas para Mulheres, mas desde 1989 o município tem organismos para a representação das aspirações das andreenses. Conforme relatado na Cartilha Mulheres de Santo André em Pauta (2015, p. 10) o primeiro organismo criado foi a Assessoria dos Direitos da Mulher, lotada no Gabinete do prefeito (criada em 1989 e extinta em 1993); em 1990 foi criada a primeira delegacia de Mulheres do município e da região do ABC e em 1991 foi criado um serviço de atendimento Social e Jurídico especializado, além de inaugurar uma Casa de Apoio às mulheres vítima de violência. Em 1997 foi novamente criada a Assessoria dos Direitos da Mulher, em 2002 ganhou o prêmio Dubai (ONU Habitat) com o programa Gênero e Cidadania no Santo André Mais Igual, “por melhores práticas do mundo em gestão pública, por considerar a desigualdade de gênero e a integração das políticas em projetos de habitação popular”. Em 2005 foi extinta a Assessoria dos Direitos da Mulher e foi criado o Núcleo de Políticas de Gênero, Raça, Geração e Pessoa com Deficiência, junto à Secretaria de Governo. Em 2009 mudou a gestão e passou a se chamar Departamento de Humanidades e manteve-se até 2012. Em dezembro de 2013 foi criada a Secretaria de 6 Política para as Mulheres (através da Lei Municipal 9.546 de 20 de dezembro de 2013), organismo administrativo de primeiro escalão, a primeira na região do Grande ABC. Desde sua criação, a Secretaria tem procurado desenvolver programas de combate à violência contra mulher, com foco no resgate da autoestima e desenvolvimento pessoal e financeiro dessa mulher; esses programas contam com a ajuda de diversos outros setores institucionais municipais, estaduais e/ou federais (gestão transversal). Além dessa frente, outro lugar de atuação da Secretaria se refere à capacitação e orientação dos/das seus/suas munícipes, desenvolvendo programas que atuem junto aos agressores e programas de geração de renda e trabalho. Dentre as ações desenvolvidas pela Secretaria pode-se citar o Programa de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Vem Maria, Casa Abrigo e E Agora José?), onde foram atendidas (no ano de 2015) 347 pessoas, sendo 27 homens e 320 mulheres. Recentemente o programa E Agora José? teve destaque na grande mídia5, trazendo a reflexão de um agressor que se conscientizou de seus atos; o programa Equidade de Gênero (Quem Ama Abraça e Pontos de Gênero), onde foram alcançadas 6.320 pessoas; Projeto Gênero, Saúde e Meio Ambiente, onde foram alcançadas 650 pessoas; além de ações transversais com outras entidades, desenvolvendo projetos como o “Crack, é Possível Vencer” e “RESAVAS – Rede de Saúde para Atenção à Violência e Abuso Sexual”6. Levando-se em consideração que segundo dados do Censo de 2010 do IBGE7, Santo André possui uma população estimada de 704.942 habitantes e que dessa população 366.796 são mulheres há de se ressaltar que o alcance ainda é pouco, entretanto, mesmo esse pouco tem feito diferença na região, pois os dados do mesmo Censo apontam o aumento da participação feminina no mercado de trabalho8. A frente de atuação mais recente da Secretaria é o projeto Emprego Apoiado, onde as mulheres atendidas no Vem Maria recebem assistência para o encaminhamento para vagas de emprego, buscando, assim, levar a independência financeira a essas mulheres vítimas de violência, como forma de empoderamento e melhora na qualidade de vida. 5 Disponível em http://oglobo.globo.com/brasil/criei-uma-cobra-diz-homem-submetido-programa-voltado-para-agressores-19777644, acesso em 07 de ago. 2016. 7 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS As políticas públicas de gênero a nível local tem sido de extrema importância para garantir a busca pela igualdade de gênero de forma mais adequada à realidade do município. A atuação da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres de Santo André tem feito a diferença na vida de centenas de mulheres, através de seus programas e por mais que ainda as mulheres ganhem um salário menor que o dos homens, deve-se comemorar o fato de ter aumentado o número das mulheres andreenses no mercado de trabalho. Isso pode significar um empoderamento e a busca da independência financeira dessa mulher que antes era relegada apenas ao plano do lar. A avaliação da quantidade de atendimentos feita pela Secretaria demonstra o impacto que os programas e frentes de atuação tem tido no município, fazendo que cada vez mais pessoas se conscientizem da necessidade da igualdade de gênero como significado de desenvolvimento. 8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AÇÕES E PROGRAMAS DA SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES DE SANTO ANDRÉ. Disponível em: <www.santoandre.sp.gov.br/index.php/acoes-e- programas-spm> , acesso em 05 de ago. 2016. BANCO DE EXPERIÊNCIAS DA FGV. Disponível em < http://ceapg.fgv.br/banco- experiencias>, acesso em 11 de set 2015. BRASIL. Constituição Federal, 1988. BRASIL. Lei Municipal 9.546 de 20 de dezembro de 2013, disponível em: <http://www.spm.gov.br/assuntos/organismos-governamentais-df-estados-e- municipios/direitos-e-legislacao/municipios-de-grande-porte/secretaria-de-politicas-para- mulheres-de-santo-andre-sp-lei-ndeg-9546-2013.pdf >, acesso em 12 out. 2015. BRASIL. Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. 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