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III SEMINÁRIO DE DIREITO DO ESTADO
“Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania”
05 a 08 de outubro de 2015
Campus de Franca
2020
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Reitor
Prof. Dr. Sandro Roberto Valentini
Vice-Reitor
Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre
Pró-Reitor de Pesquisa
Prof. Dr. Carlos Frederico de Oliveira Graeff
Pró-Reitora de Extensão Universitária
Profa. Dra. Cleopatra da Silva Planeta
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
Diretor
Prof. Dr. Murilo Gaspardo
Vice-Diretora
Profa. Dra. Nanci Soares
Comissão Editorial UNESP - Câmpus de Franca
Presidente
Prof. Dr. Murilo Gaspardo
Membros
Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa
Prof. Dr. Alexandre Marques Mendes
Profa. Dra. Analúcia Bueno Reis Giometti
Profa. Dra. Cirlene Aparecida. Hilário da Silva Oliveira
Profa. Dra. Elisabete Maniglia
Prof. Dr. Genaro Alvarenga Fonseca
Profa. Dra. Helen Barbosa Raiz. Engler
Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva
Prof. Dr. Jean Marcel Carvalho França
Prof. Dr. José Duarte Neto
Profa. Dra. Josiani Julião Alves de Oliveira
Prof. Dr. Luis Alexandre Fuccille
Profa. Dra. Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina
Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges
Prof. Dr. Ricardo Alexandre Ferreira
Profa. Dra. Rita de Cássia Aparecida. Biason
Profa. Dra. Valéria dos Santos Guimarães
Profa. Dra. Vânia de Fátima Martino
José Carlos de Oliveira
José Duarte Neto
Murilo Gaspardo
 (Organizadores)
III SEMINÁRIO DE DIREITO DO ESTADO
“Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania”
Anais do Evento
Câmpus de Franca
2020
© 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Franca - Contato
Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900, CEP 14409-160, Jd. Petráglia / Franca – SP
publica.franca@unesp.br
Diagramação e Revisão
Laura Odette Dorta Jardim (DTBD)
Sandra Aparecida Cintra Ferreira (STAEPE)
Carlos Alberto Bernardes (STAEPE)
Adolfo Raphael Silva Mariano de Oliveira
Márcio Augusto Garcia - ASS. ADM
Lucas Laprano
Dana Rocha Silveira
Comissão Organizadora
Adolfo Raphael Silva Mariano de Oliveira
Artur Marchioni
 Cauê Ramos Andrade
Marina Ribeiro da Silva
Otávio Augusto Mantovani Silva
Frederico Henrique Ramos Cardozo Bonfim
Ana Luiza Cruz
Ana Luiza de Abreu Paiva
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Andreia Beatriz Pereira - CRB8/8773
Organização dos Anais
Prof. Dr. Murilo Gaspardo
Adolfo Rafael Silva Mariano de Oliveira
Coordenação Científica
Prof. Dr. Murilo Gaspardo
Prof. Dr. José Duarte Neto
Prof. Dr. José Carlos de Oliveira
Ingrid Juliane dos Santos Ferreira
Letícia Rezenda
Maria Luisa Rocha
Paulo Henrique Reis de Oliveira
Rafael Leal
Eduardo Salomão
Renan Urban
Thiago Carvalho
 Anais do III Seminário de Direito do Estado “Teorias da Constituição e as novas 
concepções de cidadania” / José Carlos de Oliveira, José Duarte Neto e
 Murilo Gaspardo (organizadores). – Franca : UNESP – FCHS, 2020.
 
 293 p.
 ISSN: 2526-0391
 
 1. Direito constitucional. 2. Democracia. 3. Politicas públicas. I. Título.
 II. Oliveira, José Carlos de. III. Neto, José Duarte. III. Gaspardo, Murilo.
 
 
 CDD – 340
mailto:publica.franca@unesp.br
Índices para catálogo sistemático:
1. Estado democrático de direito ............................ 341.201
2. Direito internacional público .............................. 341.1
3. Globalização ....................................................... 338.9
4. Democracia ......................................................... 341.234
PROGRAMAÇÃO DO EVENTO (05 A 08 DE OUTUBRO DE 2015):
05/10 (terça-feira)
Local: Anfi teatro I.
19h30 – Abertura
20h –Conferência: “Políticas Públicas Regulatórias Setoriais e os 
Acordos de Leniência no Processo Administrativo Brasileiro”.
Conferencista: Professor Doutor Thiago Marrara - Professor de Direito 
Administrativo da Universidade de São Paulo (USP-FDRP). Livre-docente 
(USP). Doutor (Universidade de Munique - LMU).
Mediador: Professor Doutor José Carlos de Oliveira (FCHS/UNESP)
06/10 (terça-feira)
9h – Recepção
Local: Anfi teatro I.
9h30 –1ª Sessão de Debates com Professores do Departamento 
de Direito Público da FCHS/UNESP: “Teorias da Constituição e a 
Cidadania na Dimensão Internacional”.
Debatedores: Professor Doutor Murilo Gaspardo (FCHS/UNESP), 
Professora Regina Laisner (FCHS/UNESP).
11h – Intervalo. 
11h30 – 2ª Sessão de Debates com Professores do Departamento de 
Direito Público da FCHS/UNESP: “Teorias da Constituição e a Cidadania 
Participativa nas Políticas Públicas”
Debatedores: Professora Doutora Elisabete Maniglia (FCHS/UNESP), 
Professor Doutor José Carlos de Oliveira (FCHS/UNESP), Professor 
Doutor José Duarte Neto (FCHS/UNESP).
13h – Intervalo
15h/18h – Reuniões de Grupos de Pesquisa Liderados por Professores do 
Departamento de Direito Público da FCHS/UNESP.
19h – Recepção.
Local: Anfi teatro I.
19h30 – Mesa Redonda: “O Ensino de Direito Público na 
UNESP/Campus de Franca”.
Debatedores: Professor Doutor José Carlos de Oliveira (FCHS/UNESP – 
Coordenador do Conselho de Curso de Graduação em Direito), Professor 
Doutor José Duarte Neto (FCHS/UNESP – Chefe do Departamento de 
Direito Público), Professor Doutor Antônio Alberto Machado (FCHS/
UNESP), Discente Eduardo Ferreira Lopes (Representante Discente 
Titular junto ao Conselho de Curso de Direito), Discente Juliana Simões 
Casagrande (Membro do CADir e do NEDA – Núcleo de Estudo de Direito 
Alternativo); Discente Leonardo Morais (Representante Discente Suplente 
junto ao Departamento de Direito Público).
07/10 (quarta-feira)
8h30 – Recepção
Local: Anfi teatro I.
9h/11h –3ª Sessão de Debates com Professores do Departamento de 
Direito Público da FCHS/UNESP: “Teorias da Constituição e a Tutela e 
Efetividade dos Direitos da Cidadania”.
Debatedores: Professora Doutora Ana Gabriela Mendes Braga (FCHS/
UNESP) e Doutor Fernando Fernandes (FCHS/UNESP).
19h – Recepção.
Local: Anfi teatro I.
19h30 – Conferência: “Cidadania e Ensino Religioso na Dimensão 
Internacional e na Brasileira: as Questões Levantadas pela ADIn 4439/2010 
frente ao princípio constitucional da laicidade do Estado”.
Conferencista: Professora Doutora Nina Beatriz Stocco Ranieri 
(Professora de Teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade 
de São Paulo. Doutora e Livre-docente em Direito do Estado (FD/USP).
Mediador: Professor Doutor Murilo Gaspardo (FCHS/UNESP).
08/10 (quinta-feira)
13h/17h: Sessões de Apresentação de Trabalhos de Pós-graduação e 
Iniciação Científi ca.
Local: Anfi teatro I, Anfi teatro da Biblioteca, Sala do 1º Ano do Curso de 
História, Salas de Reuniões dos Departamentos.
19h30 – Recepção.
Local: Anfi teatro I.
20h – Conferência: “Teoria Constitucional e Cidadania”.
Conferencista: Professor Doutor Roger Stiefelmann Leal (Professor de 
Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São 
Paulo. Doutor em Direito (FD/USP). Procurador da Fazenda Nacional.
Mediador: Professor Doutor José Duarte Neto (FCHS/UNESP)
APRESENTAÇÃO
Em 2013, o Departamento de Direito Público da FCHS/UNESP 
organizou seu "I Seminário de Direito do Estado", o qual consistiu em duas 
mesas de debates com professores convidados de outras instituições e do 
próprio departamento sobre “Reforma Política nos 25 anos da Constituição 
Federal de 1988”. Em 2014, nosso segundo Seminário abordou o tema 
“Novas Perspectivas para a Democracia Brasileira” e, além das conferências 
e debates, passou a compreender sessões de apresentações de trabalhos de 
pós-graduação e graduação.
Nesta terceira edição do Seminário, o tema escolhido foi “Teorias 
da Constituição e Novas Concepções de Cidadania”, o qual articula a área 
de concentração e as linhas de pesquisa do Programa de Pós-graduaçãoem Direito da FCHS/UNESP com questões contemporâneas de grande 
relevância nos campos do Direito Constitucional, do Direito Administrativo, 
da Teoria do Estado e da Ciência Política.
Assim como na edição anterior, o Seminário abordou a temática 
de maneira interdisciplinar, reunindo docentes, pesquisadores e estudantes. 
Em termos metodológicos, procurou-se promover, simultaneamente, 
o debate sobre a produção científi ca dos professores da própria FCHS/
UNESP, especialmente do Departamento de Direito Público (DDPB) – 
mas também em interação com outros Departamentos, e o intercâmbio 
de conhecimentos com outras instituições de ensino e pesquisa, por meio 
de conferências com professores convidados e apresentação de trabalhos 
de pesquisa de discentes. Uma inovação desta edição foi a inclusão de 
um debate sobre o ensino de Direito Público, com a participação de 
representantes do corpo discente.
Ocorreram três conferências com professores convidados: a 
primeira, proferida pelo Professor Doutor Thiago Marrara (USP-FDRP), 
abordou o tema "Políticas Públicas Regulatórias Setoriais e os Acordos de 
Leniência no Processo Administrativo Brasileiro”; a segunda, ministrada 
pela Professora Doutora Nina Beatriz Stocco Ranieri (FD/USP), trouxe uma 
abordagem sobre "Cidadania e Ensino Religioso na Dimensão Internacional 
e na Brasileira: as Questões Levantadas pela ADIn 4439/2010 frente ao 
princípio constitucional da laicidade do Estado"; e a terceira, proferida 
pelo Professor Doutor Roger Stiefelmann Leal(FD/USP) teve como tema 
“Teoria Constitucional e Cidadania”. Todas elas foram seguidas de debates 
com o público presente, mediados por professores da FCHS/UNESP.
As três sessões de debates com professores da FCHS/UNESP 
abordaram os seguintes temas: “Teorias da Constituição e a Cidadania 
na Dimensão Internacional” (Professores Doutores Murilo Gaspardo 
e Professora Regina Laisner); “Teorias da Constituição e a Cidadania 
Participativa nas Políticas Públicas” (Professores Doutores Elisabete 
Maniglia, José Carlos de Oliveira e José Duarte Neto); e “Teorias 
da Constituição e a Tutela e Efetividade dos Direitos da Cidadania” 
(Professores Doutores Ana Gabriela Mendes Braga e Fernando Fernandes).
O seminário também compreendeu sessões de comunicações 
orais nas quais foram apresentados onze trabalhos de pós-graduação e sete 
trabalhos de iniciação científi ca, os quais compõem estes Anais, divididos 
em três eixos temáticos: Teorias da Constituição e a Cidadania na Dimensão 
Internacional; Teorias da Constituição e a Cidadania Participativa nas 
Políticas Públicas; e Teorias da Constituição e a Tutela e Efetividade dos 
Direitos da Cidadania – também articuladas com as linhas de pesquisa do 
Programa de Pós-graduação em Direito da FCHS/UNESP.
Registramos, por fi m, nossos agradecimentos a todos os que 
colaboraram com a organização do Seminário, especialmente a: Direção da 
FCHS/UNESP e membros do Conselho de Departamento, que viabilizaram 
os recursos necessários para custear a vinda dos conferencistas externos 
à FCHS; todos os servidores técnico-administrativos da FCHS/UNESP, 
especialmente o assessor do DDPB, Márcio Augusto Garcia; e aos 
discentes membros da Comissão Organizadora, sobretudo àqueles que se 
dedicaram à publicação destes anais.
Esperamos que a leitura desses Anais seja útil para o 
aprofundamento do debate acadêmico sobre “Teorias da Constituição e 
Novas Concepções de Cidadania”.
Professor Doutor Murilo Gaspardo
Departamento de Direito Público
FCHS/UNESP – Campus de Franca – SP
SUMÁRIO
TRABALHOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
EIXO 1: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A CIDADANIA NA DIMENSÃO
INTERNACIONAL
APARATOS NORMATIVO E INSTITUCIONAL DA UNASUL E A 
(IN)VIABILIDADE DE UMA INTEGRAÇÃO DEMOCRÁTICA
Alfredo Minuci Lugato ............................................................................19
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: ACESSO 
À SUA FUNÇÃO JURISDICIONAL E IMPLEMENTAÇÃO DA 
CIDADANIA EM ÂMBITO INTERNACIONAL
Guilherme Pinho Ribeiro
Marina Ribeiro da Silva ...........................................................................29
PRESIDÊNCIA DEMOCRÁTICA – GOVERNANÇA; 
DESENVOLVIMENTO HUMANO NA AMÉRICA LATINA
Suelen Otrenti ..........................................................................................43
EIXO 2: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A CIDADANIA PARTICIPATIVA
NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO COMBATE À CORRUPÇÃO
Augusto Martinez Perez Filho .................................................................55
A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ NOS SERVIÇOS PÚBLICOS 
DE SANEAMENTO BÁSICO
Christopher Abreu Ravagnani
José Carlos de Oliveira ............................................................................65
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO, POLÍTICAS 
PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS: A CONTRIBUIÇÃO 
DO PODER JUDICIÁRIO PARA A PROMOÇÃO DE UMA 
JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
Renan Lucas Dutra Urban ........................................................................77
EIXO 3: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A TUTELA E EFETIVIDADE 
DOS DIREITOS DA CIDADANIA
DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E ESTADO CAPITALISTA: 
AS CONTRADIÇÕES E LIMITES DA LINGUAGEM DOS 
DIREITOS SOCIAIS COMO ESTRATÉGIA DE LUTA PARA 
A EMANCIPAÇÃO HUMANA
Cauê Ramos de Andrade
Stéfanie dos Santos Spezamiglio .............................................................97
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AUTONOMIA DO DIREITO: 
A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO DIREITO EM 
CONTEXTOS DE INSTABILIDADE POLÍTICO-ECONÔMICA
Guilherme Bollini Polycarpo
 Felipe Rodrigues Xavier
Lucas Jonas Fernandes ...........................................................................113
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E CIDADANIA: O CONSELHO 
NACIONAL DE JUSTIÇA E A ACCOUNTABILITY HORIZONTAL
Marina Ribeiro da Silva
Guilherme Pinho Ribeiro .......................................................................129
O PAPEL DO DIREITO NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA: SOBRE 
COMO A TEORIA CONSTITUCIONAL SUBSTANCIALISTA 
AUXILIA NA REALIZAÇÃO DOS DIREITOS DE CIDADANIA 
NA PERSPECTIVA DOS EXCLUÍDOS DO PROCESSO 
POLÍTICO TRADICIONAL
Henrique Duz Hass ................................................................................141
O MUNICÍPIO COMPETENTE PARA A COBRANÇA DO IMPOSTO 
SOBRE SERVIÇOS (ISS) NO CASO DO ARRENDAMENTO 
MERCANTIL EA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DIANTE O 
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Luciana Campanelli Romeu ...................................................................157
TRABALHOS DE GRADUAÇÃO
EIXO 1: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A CIDADANIA NA DIMENSÃO
INTERNACIONAL
A CIDADANIA PARTICIPATIVA NA DIMENSÃO 
INTERNACIONAL: O PAPEL DA AMÉRICA LATINA ENQUANTO 
AGENTE POLÍTICO NA GOVERNANÇA GLOBAL
Jackeline Ferreira da Costa ....................................................................175
A EXIGÊNCIA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO 
CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO E A DETERIORAÇÃO 
DESSE EXERCÍCIO PELOS CIDADÃOS DA UNIÃO EUROPEIA 
FRENTE À CRISE ECONÔMICA
Laura Rizzo
Renan Fernandes Duarte ........................................................................185
O CONSTITUCIONALISMO GARANTISTA E A EMERGÊNCIA DE 
UM NOVO PARADIGMA: DIÁLOGO ENTRE O PENSAMENTO 
DE BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS E LUIGI FERRAJOLI 
PARA O ALCANCE DE UMA CIDADANIA INTERNACIONAL 195
Raquel Gutierrez de Azevedo
Victor Siqueira Serra ..............................................................................199
EIXO 2: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A CIDADANIA PARTICIPATIVA
NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NA JURISPRUDÊNCIA DO 
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O CONTROLE JUDICIAL 
DE POLÍTICAS PÚBLICAS: CONTRIBUTOS DO MODELO DE 
SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO
Ana Cristina Alves de Paula
Edilberto Marassi Basílio Silveira Júnior ..............................................213
EIXO 3: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A TUTELA E EFETIVIDADE 
DOS DIREITOS DA CIDADANIA
A CRISE DO ESTADO DEMOCRÁTICO E A EFETIVAÇÃO 
DOS DIREITOS DO CIDADÃO
Adolfo Raphael Silva Mariano de Oliveira
Dana Rocha Silveira ..............................................................................235LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA E 
DISCURSO DO ÓDIO HOMOFÓBICO
Jéssica Costa ..........................................................................................253
DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 
E PROTEÇÃO DEFICIENTE DO ESTADO
Renata Canevaroli de Souza ..................................................................267
AS “CLÁUSULAS PÉTREAS” APLICADAS AOS DIREITOS 
SOCIAIS FUNDAMENTAIS: UMA DEFESA DA CIDADANIA NO 
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Tiago Fernando Guedes de Carvalho .....................................................283
TRABALHOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
EIXO 1: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A CIDADANIA NA 
DIMENSÃO INTERNACIONAL
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 19
APARATOS NORMATIVO E INSTITUCIONAL 
DA UNASUL E A (IN)VIABILIDADE DE UMA 
INTEGRAÇÃO DEMOCRÁTICA
Alfredo Minuci Lugato*1
 
INTRODUÇÃO
O presente trabalho justifi ca-se pela importância de uma iniciativa 
que emerge da vontade de todos os países de um subcontinente, que poderá 
construir, sob o prisma da cooperação e da integração, novos mecanismos 
para seu desenvolvimento, e pela análise crítica da institucionalidade e 
dos procedimentos que providenciarão ou impedirão a consecução de tão 
auspiciosos objetivos.
O objetivo principal é a investigação dos motivos que (in)
viabilizam uma integração democrática a partir dos aparatos normativo e 
institucional da UNASUL. Para tanto, busca analisar como a democracia 
se desenvolve diante das diferentes esferas decisórias que transcendem a 
soberania do Estado. Estuda, também, os objetivos da UNASUL na busca 
de uma integração que corrobore em desenvolvimento socioeconômico e 
na construção de uma cidadania sul-americana.
Fundada por seu Tratado Constitutivo em 2008, a União de 
Nações Sul-Americanas (UNASUL) é mais uma iniciativa de integração 
regional no seio da América do Sul. Sua gama de objetivos que transcendem 
fi ns comerciais e sua composição por todos os países do subcontinente, 
entretanto, distinguem-na dos outros blocos. Todavia, sua confi guração 
institucional precária gera desconfi ança sobre seu sucesso em concretizar 
suas aspirações. (BARALDI, VENTURA, 2008, p. 14). Diante disso, 
questiona-se: os aparatos normativo e institucional da UNASUL viabilizam 
uma integração democrática? 
Para desenvolver a problemática, inicialmente serão abordadas 
as limitações da soberania dos Estados no mundo contemporâneo, assim 
como a convivência destes com atores transnacionais, para então discutir o 
ideário democrático frente as novas esferas decisórias e como a UNASUL 
pretende gerar desenvolvimento nos países-membros através da integração.
 Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade 
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 20
A abordagem será multidisciplinar, pois a Teoria do Estado 
e a Ciência Política fornecerão conceitos e premissas basilares para o 
desenvolvimento do presente trabalho. Será adotado o método dialético 
para compreender a institucionalidade e os procedimentos da UNASUL 
perante as ideias bases de democracia, forjadas para o Estado-Nação. Por 
fi m, buscar-se-á nas experiências da União Europeia, do MERCOSUL e 
da CAN, elementos empíricos para comparações com as instituições e 
procedimentos da UNASUL.
1 O MUNDO GLOBALIZADO CONTEMPORÂNEO, AS
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A DEMOCRACIA
A primeira noção de soberania estatal pertence ao francês 
Jean Bodin que, em 1576 (GUIMARÃES, 2013), em um contexto de 
consolidação dos Estados Nacionais na Europa sob a forma de absolutismo 
monárquico, atribui a ideia de “poder absoluto e perpétuo”.
 Para o autor francês, a soberania consiste no direito de: 1. 
Dar leis a todos e a cada um em particular; 2. Declarar a guerra e negociar 
a paz; 3. Nomear os principais magistrados e funcionários; 4. Decidir em 
última instância e de conceder a graça aos condenados; 5. Cunhar moedas 
e de estabelecer pesos e medidas; e 6. Gravar os súditos com impostos e 
contribuições. (LEWANDOWSKI, 1997, p. 235).
Após o Tratado de Paz de Vestefália, datado de 1648, que encerra 
a Guerra dos 30 anos, redefi ne as fronteiras e visa estabelecer a paz entre os 
Estados europeus, passa-se a compreender a soberania como um poder de 
duas vertentes: a soberania interna, no sentido de supremacia, e a soberania 
externa, sinônimo de independência (LEWANDOWSKI, 1997, p. 235).
Tal concepção, que prevalece nos séculos seguintes e demonstra 
uma comunidade internacional incipiente, perpassa pela Santa Aliança e 
pelo Concerto Europeu, “culmina na Sociedade das Nações e esgota-se na 
Segunda Guerra Mundial”. (GUIMARÃES, 2013, p. 103).
Pois, no cenário pós-guerra, constata-se uma Europa horrorizada 
e abarrotada por prejuízos humanos e materiais de proporções até então 
desconhecidas (JEDLICK, 2011, p. 42), e o mundo perplexo com o 
potencial destrutivo das armas nucleares empregadas. Tal panorama 
cristaliza a necessidade de dar efetividade ao direito internacional público, 
por meio de instituições capazes de prover em escala mundial a paz e 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 21
os direitos humanos. (GUIMARÃES, 2013, p. 105). Nessa perspectiva, 
surge, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU).
Da mesma forma, países europeus ocidentais, atentos ao que ocorria 
do outro lado da “Cortina de ferro”, buscaram na integração o alicerce para 
a reconstrução. Em 1948, foi criada a Organização Europeia de Cooperação 
Econômica. No ano seguinte, foram fundados o Conselho da Europa e o 
Tratado do Atlântico Norte (com participação estadunidense). Em 1951, foi 
criada, pelo Tratado de Paris, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço 
(CECA), “a primeira instituição europeia com um objetivo de integração”1, 
que foi concebida com traços de supranacionalidade: isto é, uma Alta 
Autoridade independente dos governos nacionais e uma Corte de Justiça 
que, nos anos posteriores, consagrava o princípio da primazia do direito 
europeu sobre os ordenamentos nacionais (JEDLICK, 2011, p. 42-43).
Após o maior confl ito bélico da história, os Estados Unidos da 
América emergem como a maior potência econômica e política do globo. 
Sob sua liderança e com o apoio do Reino Unido, passou-se a discutir 
a reestruturação “do sistema internacional de controle das relações 
monetárias e comerciais internacionais”. (PINHEIRO, 2009, p. 34). Nessa 
toada, os EUA convocaram 44 países para uma conferência internacional 
na cidade de Bretton Woods, que culminou em negociações que resultaram 
na constituição do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. 
(PINHEIRO, 2009, p. 35-36). Tais instituições, cuja governança foi 
estruturada para garantir uma liberalização do mercado, atendendo aos 
anseios dos EUA, em detrimento de uma dinâmica democrática, foram 
fundamentais na coordenação da globalização fi nanceira neoliberal das 
décadas de 70 e 80, caracterizada pela “integração sistêmica da economia 
em nível supranacional” e pela “ampliação das redes empresariais, 
comerciais e fi nanceiras em escala mundial”, que ao transcenderem 
as fronteiras, impossibilitaram controle político efetivo pelos Estados. 
(FARIA, 2002, p. 52).
Dessa maneira, os Estados nacionais passam a não ter mais pleno 
controle sobre questões da esfera econômica, como sua política monetária 
e fi scal. Além de ter que buscar junto à comunidade internacional soluções 
para enfrentar problemas como epidemias globais, tráfi co de armamentos, 
crises migratórias e o aquecimento global. Nesse sentido, o Estado 
moderno está cada vez mais inserido em redes de interligações regionais e 
globais, permeadas por forças intergovernamentais e transnacionais quase 
1 No original: “la primera institución europea con un objetivo de 
integracion”.(Tradução livre).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 22
supranacionais, e impossibilitado de decidir seu próprio destino. (HELD, 
MCGREW, 2005, p. 35-36).
Portanto, o “Estado não detém a exclusividade da tomada e 
concretização das decisões que afetam a coletividade”. (GASPARDO, 
2015, p. 102). Assim, Clève (2006, p. 321), argumenta que o Estado se 
vê diante de um “paradoxo”, “já que a defesa da soberania não se faz 
apenas desde dentro; faz-se, agora, também, a partir de medidas tomadas 
no contexto da comunidade internacional”. Evidencia-se, então, uma 
limitação da ideia de Estado soberano.
Com o fenômeno da globalização, as estruturas institucionais, 
organizacionais, políticas e jurídicas forjadas desde os séculos XVII e 
XVIII tendem a perder tanto sua centralidade quanto sua exclusividade. 
(...) Com isso, as intervenções regulatórias, os mecanismos de controle 
e direção socioeconômicos e as concepções de ‘segurança nacional’ que 
instrumentalizaram as estratégias de planejamento entre o pós-guerra e os 
anos 70 perdem vigor e efetividade. (FARIA, 2002, p. 32).
Por outro lado, salienta-se que o Estado sempre conviveu com 
questões que transcendiam suas competências, como as ecológicas e 
nucleares. Porém, nota-se o crescimento dessas questões com o aumento 
da circulação de capitais, bens e pessoas em nível global, propiciados pelas 
revoluções tecnológicas. Nesse panorama, as organizações internacionais 
são instrumentos que possibilitam que os Estados canalizem suas demandas 
para uma esfera decisória que tenha efi cácia, seja em nível de governança 
interestatal, regional ou global. Sendo que, “em muitos casos o nível 
regional pode emergir como o mais apropriado nível de governança”.2 
(ARCHIBUGI, 2004, p. 449).
Nesse ponto, exsurge uma questão fundamental: como podem 
essas organizações internacionais conduzir assuntos que afetam diretamente 
o Estado e seus cidadãos de modo legítimo? O problema é corolário da 
ideia de democracia, que foi concebida como regime a ser exercido pelo 
Estado-Nação. (GASPARDO, 2015, p. 107).
Reconhecidamente cético em relação a sistemas democráticos 
nas organizações internacionais, Dahl (1999, p. 20) assevera que qualquer 
tipo de governo dessas fi cará aquém do sistema de controle popular sobre 
as políticas e decisões governamentais próprio da democracia estatal. Em 
outro extremo, Moravcsick (2005, p. 225) defende a legitimidade das 
instituições e mecanismos da União Europeia.
2 No original: “In many cases the regional level might emerge as the most appropriate 
level of governance”. (Tradução livre).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 23
Keohane e Nye Jr (2001, p. 236) argumentam que a base da 
legitimidade das democracias estatais está na boa articulação dos inputs 
políticos, e que estes são muito enfraquecidos no cenário internacional. 
As ideias de inputs, accountability e controle popular, assim como a de 
segurança jurídica, serão fundamentais na análise da legitimidade da 
estrutura institucional e dos procedimentos da UNASUL.
2 UNIÃO DE NAÇÕES SUL-AMERICANAS (UNASUL): UMA
NOVA CONCEPÇÃO DE INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA DO SUL
A UNASUL não é o primeiro bloco regional do subcontinente. 
O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a Comunidade Andina de 
Nações (CAN) são organizações que visam a integração de fi ns econômicos 
entre seus países e que passam por difi culdades, muitas delas frutos de 
suas institucionalidades. O primeiro, que visava a constituição de um 
Mercado Comum, consiste numa união imperfeita; a segunda, que buscava 
a consolidação de uma união aduaneira, se estabeleceu como uma zona de 
livre comércio. (SARAIVA, 2011, p. 9).
“Apoiadas na história compartilhada e solidária” de suas nações 
(UNASUL, 2008), a UNASUL sonha com “a consolidação de uma 
identidade e a criação de uma cidadania sul-americana”. (BARALDI, 
VENTURA, 2008, p. 15). De fato, a integração do subcontinente, 
dominado pelo imperialismo econômico e cultural estadunidense, deve 
almejar voos altos. Para tanto, destaca-se, aqui, a exclusão de outros 
países latinos da América, infl uenciados ainda mais pelos Estados Unidos, 
como o México, embora estes possam ser integrados posteriormente ao 
bloco. (UNASUL, 2008).
Nesse sentido, a UNASUL destaca-se por suas aspirações em 
concretizar direitos humanos diversos e viabilizar uma infraestrutura que 
propicie desenvolvimento socioeconômico. Objetiva erradicar a pobreza e 
o analfabetismo e garantir a seguridade social universal, assim como uma 
“integração energética” e “cooperação em matéria de migração”, entre outros 
muitos anseios, além de uma “integração fi nanceira”. (UNASUL, 2008).
A pauta diversifi cada “que rompe a tradição comercial dos acordos 
subcontinentais” (BARALDI, VENTURA, 2008, p. 14) é audaciosa para 
países semiperiféricos, e fruto de governos identifi cados com a esquerda. 
Além do mais, são nítidas questões que necessitam de cooperação regional: 
Bacia do Prata, Aquífero Guarani, Floresta Amazônica, políticas de defesa 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 24
e segurança, controle de doenças como a aftosa e gargalos na infraestrutura 
que atrapalham as exportações são alguns exemplos que podem ser citados.
A variedade de metas poderá permitir que algumas delas sejam 
mais fáceis de serem negociadas: por exemplo, garantir direitos básicos de 
saúde e acesso universal à educação a seus habitantes é desejo de todos. Em 
contrapartida, temas como “integração fi nanceira, industrial e produtiva” 
(UNASUL, 2008) exigirão um esforço maior e instituições aptas para sua 
implementação, através de procedimentos normativos legítimos e efi cazes.
3 ESTRUTURAS NORMATIVAS E INSTITUCIONAL DA
UNASUL: UM INTEGRACIONISMO DEMOCRÁTICO?
A UNASUL adotou um modelo intergovernamental de 
integração; isto é, seu órgão máximo, que decidirá os rumos do bloco, é o 
Conselho de Chefas e Chefes de Estado e de Governo. (UNASUL, 2008). 
Tal opção pode ser compreendida se contextualizada pela forte tradição 
presidencialista presente no subcontinente e pelo temor em delegar 
competências a órgãos supranacionais, que seriam compostos por países 
de assimetrias econômicas enormes.
Entretanto, a ausência de instituições supranacionais implica 
que a efi cácia das decisões dependerá de cada um dos Estados-membros. 
Assim, a necessidade de cada país incorporar ao seu ordenamento jurídico 
as deliberações do bloco cria grande insegurança jurídica e pode engessar a 
integração. Além do mais, a primazia dos governos nacionais na condução 
do bloco, em detrimento de instituições autônomas, leva a outra questão, 
que é apontada por Archibugi (2004, p. 441): “Estados democráticos não 
necessariamente aplicam em sua política externa os mesmos princípios e 
valores em que seus sistemas internos são construídos”.3 Outro problema 
de se ter como instância máxima o conjunto de chefes dos executivos é 
que esse órgão não terá representação das diversas forças políticas de 
cada país, contrariando o ideal democrático “do confl ito de interesses e da 
disputa equilibrada entre as partes, em termos de poder, e na possibilidade 
de controle e contestações de decisões tomadas.” (MARIANO, 2013, p. 
95). Também contraria a segurança jurídica da integração a possibilidade 
de os Estados se eximirem “de aplicar total ou parcialmente uma política 
adotada” pelo bloco. (UNASUL, 2008).
3 No original: “democratic states do not necessarily aplly to their foreign policy those 
same principles and values upon which their internal system is built”. (Tradução livre).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 25
Salienta-se, ainda, que o caráter não permanente de trabalho dos 
principais órgãos é incompatível com o rol de aspirações.Ao analisar a 
dinâmica institucional da UNASUL, Baraldi e Ventura (2008, p. 15) 
alertam que “os governos sul-americanos seguem desprezando a variedade 
da tecnologia jurídica forjada pelas organizações internacionais quando 
realmente desejam funcionar”.
Visualiza-se também problemas na adoção da regra do consenso 
para “toda a normativa da UNASUL”. (UNASUL, 2008). Obviamente, e 
como já mencionado, uma integração fundada no modelo intergovernamental 
depende que cada país internalize as deliberações do bloco, sendo, portanto, 
a efi cácia das medidas em todos os membros intrínseca a ideia de consenso. 
Porém, numa possível curva em direção à supranacionalidade, por 
exemplo, com a institucionalização do previsto Parlamento Sul-Americano 
(UNASUL, 2008), a regra do consenso constituirá, por si só, um empecilho 
ao aprofundamento da integração. A adoção da “regra da maioria”, basilar 
nos regimes democráticos estatais e no processo legislativo da União 
Europeia, entretanto, demandará uma complexa engenharia para conciliar 
maioria de países, habitantes e representantes.
O défi cit de representatividade pode ser amenizado pela 
constituição do Parlamento. Porém, Mariano (2013, p. 94) cita o exemplo 
do MERCOSUL para alertar que “a mera existência de uma instituição 
representativa não é sufi ciente para garantir a democratização do processo”. 
Da mesma forma, o Parlamento Europeu, embora tenha conquistado 
maiores poderes desde sua gênese, não eliminou o poder dos tecnocratas 
na gestão da União Europeia. Além do mais, nota-se uma crise geral de 
representatividade dentro dos Estados.
Ainda, a ausência de um sistema de soluções de controvérsias 
efi caz põe em cheque a capacidade de interpretação imparcial das normas 
e, consequentemente, o princípio da legalidade. Divergindo os países sobre 
o sentido das normas, eles terão a “negociação direta” como mecanismo 
de solução. Caso infrutífera, caberá aos órgãos da UNASUL a tentativa de 
solução (UNASUL, 2008), sem, no entanto, terem meios para vinculá-los.
Por fi m, a UNASUL aspira na participação popular uma fonte 
de legitimidade que deve “permear todo o funcionamento das instâncias 
do bloco”, pois ela é colocada “como objetivo específi co do bloco”. 
(BARALDI, VENTURA, 2008, p. 15). Sem dúvida, a participação da 
sociedade, tanto na eleição de representantes como no controle sobre as 
decisões políticas, que devem ser públicas, é fundamental. Entretanto, 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 26
a normativa da UNASUL não especifi ca como será a participação dos 
cidadãos na construção da integração.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A UNASUL foi concebida em um contexto em que os países da 
América do Sul, após a redemocratização e a predominância da infl uência 
neoliberal do Norte no fi nal do século XX, viram ascender ao poder 
governos identifi cados com a esquerda. Objetivando uma integração 
para além do comércio, os governos não cederam em coordenar o bloco, 
contando, para isso, com apoio de órgãos burocráticos.
O conteúdo progressista e o apreço pela democracia materializado 
no Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL (UNASUL, 
2010) consubstanciam um promissor pano de fundo em um subcontinente 
negligente com os direitos sociais e em constante fl erte com autoritarismos. 
Entre o ideário e a concretização de seus objetivos, entretanto, há um 
longo caminho. Nesse sentido, os aparatos normativo e institucional da 
UNASUL devem prever mecanismos aptos e legítimos ao desenvolvimento 
da integração. Porém, a predominância dos Executivos nacionais na 
direção do bloco e a não instauração do previsto Parlamento demonstram 
falta de representatividade e de pluralidade no bloco. A UNASUL prevê 
a consolidação de uma “cidadania sul-americana”, mas elitiza seus 
procedimentos ao ignorar até agora a participação popular como fonte de 
legitimidade. Para uma integração democrática é necessária a atuação de 
um Parlamento plural e com efetivos poderes, de um sistema de soluções 
de controvérsias imparcial e efi caz e de meios dos cidadãos exercerem 
controle social sobre as políticas adotadas, que devem ser transparentes.
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 29
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS 
HUMANOS: ACESSO À SUA FUNÇÃO JURISDICIONAL 
E IMPLEMENTAÇÃO DA CIDADANIA EM 
ÂMBITO INTERNACIONAL
Guilherme Pinho Ribeiro1*
Marina Ribeiro da Silva 2**
INTRODUÇÃO
Após as barbáries cometidas na Segunda-Guerra Mundial, a 
comunidade internacional entendeu não mais ser prudente deixar a defesa 
e garantias do indivíduo exclusivamente nas mãos do Estado. Diante desta 
postura da comunidade internacional, instaurou-se um sistema global de 
proteção dos direitos humanos (que não será objeto deste trabalho) e um 
outro nível, com bases regionais, de proteção aos direitos humanos. São 
eles: o Sistema Europeu, Sistema Africano e Sistema Americano. Ou seja, 
com o avento deste processo de globalização dos direitos humanos, há, 
além das esferas jurídicas internas do Estado, uma esfera internacional de 
proteção aos Direitos Humanos. (OLIVEIRA; MAEOKA, 2009, p. 230).
Veja, o principal objetivo deste aparato multinível de proteção 
ao indivíduo é, justamente, benefi ciar o indivíduo alvo de violações aos 
direitos Humanos. Desta maneira, o que defi nirá o aparato de proteção aos 
direitos humanos a ser utilizado (ou o sistema global ou o regional) será 
aquele escolhido pelo indivíduo. Obviamente, aquele que oferecer a maior 
amplitude de proteção. (PIOVENSA, 2010, p. 256).
O principal instrumento normativo do Sistema Interamericano 
é a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (também conhecido 
como Pacto San José da Costa Rica) de 1969, estabelecendo dois órgãos 
de fi scalização à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte 
Interamericana de Direitos Humanos. (PIOVESAN, 2010, p. 253). Apesar 
de assinado em 1969, somente em 1978 passou a vigorar, podendo fazer 
parte apenas Estados membros da Organização dos Estados Americanos. 
 Advogado. Mestrando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de 
Franca, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCHS/UNESP). 
Endereço do CV: http://lattes.cnpq.br/9740238115213457.
 Advogada. Mestranda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais 
de Franca, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho” (FCHS/UNESP). 
Endereço do CV: http://lattes.cnpq.br/6423217930649189.
http://lattes.cnpq.br/9740238115213457.
http://lattes.cnpq.br/
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 30
Além deste documento instituidor dos órgãos de fi scalização, em 1988 foi 
instituído o Protocolo Adicional, denominado Tratado de São Salvador, 
com objetivo de normatizar a proteção dos direitos econômicos, sociais 
e culturais, passando a vigorar em 1988. (OLIVEIRA; MAEOKA, 2009, 
p. 232). Até a assinatura deste protocolo adicional, não havia previsão, 
no Sistema Interamericano, destes direitos econômicos e sociais, apenas a 
determinação de que os Estados buscariam progressivamente a realização 
destes direitos com metas legislativas, conforme se verifi ca no art. 26 do 
Pacto Santo José da Costa Rica, a seguir descrito:
Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo
Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, 
tanto no âmbito interno, como mediante cooperação 
internacional, especialmente econômica e técnica, a fi m de 
conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos 
que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre 
educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização 
dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de 
Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via 
legislativa ou por outros meios apropriados.
Desta maneira é possível apreender uma dupla posição assumida 
entre o Estado-parte e a Convenção: uma obrigação de cunho negativo, 
no sentido de não violar direitos individuais, como, por exemplo, o dever 
de não torturar um indivíduo. Além deste, o Estado assume uma postura 
positiva, possibilitando a adoção de medidas afi rmativas necessárias e 
razoáveis para o exercício de determinados direitos (PIOVESAN, 2010, p. 
257-58). Logo, verifi ca-se que a preocupação da Convenção não é apenas 
no sentido de garantir aqueles direitos tidos liberais, de primeira geração, 
mas também os direitos sociais de segunda geração, em que se espera uma 
posição ativa do Estado, não de abstenção, de não fazer.
O aparato de monitoramento e implementação dos direitos 
enunciados pela Convenção são: a Comissão Interamericana de Direitos 
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Conforme 
ensinamento de GALINDO (2014, p. 149):
Os órgãos que compõem o Sistema Interamericano são a 
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH 
ou Comissão), que por sua vez está a cargo dos diferentes 
Relatórios do sistema, e a Corte Interamericana de Direitos 
Humanos (Corte IDH ou Corte). O primeiro foi criado com 
o objetivo de promover a observância e defesa dos direitos 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 31
humanos na região e ser o órgão consultivo da Organização 
dos Estados Americanos (OEA), em matéria de direitos 
humanos, enquanto a Corte IDH é o órgão judicial do sistema 
responsável pela interpretação e aplicação da CADH, de 
acordo com os casos que sejam apresentados sob a sua 
jurisdição. Ambos os órgãos têm trabalho complementar 
dentro do sistema de petições individuais, em que perante a 
CIDH é esgotada a primeira fase do procedimento e na Corte 
IDH a fase fi nal do mesmo, se for o caso.
1 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi criada em 
1959, pela Organização dos Estados Americanos, para a promoção dos 
direitos humanos na região, além de servir como órgão consultivo à OEA, 
realizando suas funções através de relatórios que advertiam e relacionavam 
as violações de direitos humanos perpetradas nos países membros da OEA. 
(GALINDO, 2014, p. 150). Após este primeiro momento houve uma 
ampliação em seus trabalhos, passando a formular recomendações aos 
Estados, atender consultas realizadas por Estados-membros e a realização 
de processamento de petições individuais no sistema, procedimento que 
será explicado mais adiante (GALINDO, 2014, p. 150). É constituída por 7 
membros eleitos pela Assembleia Geral da OEA, de alta integridade moral 
e reconhecido saber em matéria de direitos humanos. Tem Washington 
como sede. Sempre que há uma vaga, é apresentada lista contendo até 
três nomes, apresentada pelos Estados-membros. O mandato é quatrienal e 
admite-se mais uma reeleição. (JAYME, 2008, p. 87).
O objetivo primordial da Comissão Interamericana de Direito 
Humanos é a de proteção e observância dos direitos humanos na América. 
(PIOVESAN, 2010, p. 259). Ainda segundo a autora, a atuação desta 
Comissão se dá através de recomendações aos governos dos Estados-partes, 
no sentido de tomarem medidas adequadas à proteção desses direitos.
De maneira continuada, a função primordial da Comissão 
Interamericana de Direitos Humanos é de observância e proteção dos 
direitos humanos na América. Uma das maneiras de seu exercício são as 
consultas que podem ser realizadas por qualquer Estado membro da OEA 
à Comissão. Estas consultas consistem em dar aconselhamento no sentido 
de melhorar o nível de cumprimento dos direitos humanos contidos na 
Convenção Americana de Direitos Humanos. Como salienta George 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 32
RodrigoBandeira Galindo (2014, p. 152), estas recomendações (através 
das consultas) tem um caráter preventivo, que tem como objetivo evitar 
futuros danos aos direitos humanos. Ainda, além desta função consultiva, 
– apesar do reconhecimento de não possuir poderes jurisdicionais – a 
Comissão é órgão essencial à ordem jurídica internacional. Isto porque, 
qualquer processo a ser proposto perante a Corte Interamericana de 
Direitos Humanos passa, obrigatoriamente, por um procedimento prévio 
perante a Comissão. Segundo Fernando Gonzaga Jayme (2008, p. 88), 
este procedimento é dirigido observando-se o contraditório e, segundo 
a própria Convenção Americana de Direitos Humanos, é condição de 
procedibilidade para que a Corte possa conhecer e julgar de um processo, 
de maneira que se mostra irrenunciável e irrecusável.
Compete à Comissão o exame das comunicações enviadas por 
indivíduo, ou grupo de indivíduos e, ainda entidades não governamentais 
que denunciem violação a direitos humanos consagrados na Convenção 
Americana de Direitos Humanos. (PIOVESAN, 2010, p. 261). Tal 
constatação pode ser feita através da leitura dos arts. 41, alínea “f” e 44, 
a seguir transcritos:
Artigo 41 - A Comissão tem a função principal de promover 
a observância e a defesa dos direitos humanos e, no exercício 
de seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições:
a) estimular a consciência dos direitos humanos 
nos povos da América;
b) formular recomendações aos governos dos Estados-
membros, quando considerar conveniente, no sentido de 
que adotem medidas progressivas em prol dos direitos 
humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos 
constitucionais, bem como disposições apropriadas para 
promover o devido respeito a esses direitos;
c) preparar estudos ou relatórios que considerar convenientes 
para o desempenho de suas funções;
d) solicitar aos governos dos Estados-membros que lhe 
proporcionem informações sobre as medidas que adotarem 
em matéria de direitos humanos;
e) atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral 
da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem 
os Estados-membros sobre questões relacionadas com os 
direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-
lhes o assessoramento que lhes solicitarem;
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 33
f) atuar com respeito às petições e outras comunicações, no 
exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto 
nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e
g) apresentar um relatório anual à Assembleia Geral da 
Organização dos Estados Americanos.
Artigo 44 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou 
entidade não-governamental legalmente reconhecida em um 
ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar 
à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de 
violação desta Convenção por um Estado-parte.
Veja, assim como no Sistema Global, a petição deve obedecer 
determinados requisitos de admissibilidade, sendo um deles o prévio 
esgotamento dos recursos judiciais internos, excetuando-se aquelas situações 
em que houver demorar injustifi cado ou mesmo quando o ordenamento 
interno do país não possibilitar o devido processo legal. (PIOVESAN, 
2010, p. 261). Ainda segundo a autora (p. 262), há a necessidade de não 
existir litispendência ou coisa julgada internacional. Ou seja, não pode o 
indivíduo ou grupo ou entidade, e. g, ter ingressado com a mesma petição 
em outro sistema internacional de proteção aos direitos humanos.
A primeira função da Comissão, ao receber uma comunicação (em 
forma de petição) é, justamente, esta análise de admissibilidade para, então, 
encaminhar o pedido de solicitação de informações ao Estado denunciado. 
Vide redação do art. 46 da Convenção Americana de Direitos Humanos:
Artigo 46 - Para que uma petição ou comunicação 
apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida 
pela Comissão, será necessário:
a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da 
jurisdição interna, de acordo com os princípios de Direito 
Internacional geralmente reconhecidos;
b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, 
a partir da data em que o presumido prejudicado em seus 
direitos tenha sido notifi cado da decisão defi nitiva;
c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja 
pendente de outro processo de solução internacional; e
d) que, no caso do artigo 44, a petição contenha o nome, 
a nacionalidade, a profi ssão, o domicílio e a assinatura da 
pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade 
que submeter a petição.
2. As disposições das alíneas "a" e "b" do inciso 1 deste 
artigo não se aplicarão quando:
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 34
a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, 
o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos 
que se alegue tenham sido violados;
b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em 
seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou 
houver sido ele impedido de esgotá-los; e
c) houver demora injustifi cada na decisão sobre os 
mencionados recursos.
Superada a fase da admissibilidade (que será tratada de forma 
mais detalhada na seção específi ca deste trabalho), a Comissão buscará 
uma solução amistosa entre as partes, uma espécie de conciliação entre o 
Estado denunciado e o denunciante. (PIOVESAN, 2010, p. 264).
Não havendo esta solução amistosa, a Comissão redigirá relatório 
constando os fatos e conclusões referentes ao caso e, se for cabível, 
recomendações ao Estado-parte. (PIOVENSA, 2010, p. 264). Prossegue 
referida autora, no sentido de que este relatório será encaminhado ao Estado-
parte para que, no prazo de três meses, dê cumprimento às recomendações 
feitas. Dentro deste prazo o caso poderá ser encaminhado à apreciação da 
Corte Interamericana de Direitos Humanos em duas hipóteses: ou a pedido 
da Comissão ou a pedido do próprio Estado-parte. É o que se extrai da 
redação do art. 61 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
2 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é órgãos 
jurisdicional do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Sua criação 
se deu em 1969 e seus trabalhos se iniciaram, de fato, em 1978. Sua sede 
é em San José, na Costa Rica. A Corte é composta por sete juízes eleitos 
por um período de 6 anos – com possibilidade de recondução pelo mesmo 
período – em votação secreta e pelo voto da maioria absoluta dos Estados-
partes da Convenção. (GUERRA, 2012, p. 343). Eleição esta que ocorre 
na Assembleia Geral da Organização.
Para o regular exercício de suas funções, segundo Fernando 
Gonzaga Jayme (2008, p. 89), aos juízes da Corte são garantidos o gozo 
de prerrogativas e imunidades diplomáticas, estabelecendo, ainda, uma 
remuneração compatível com o exercício das funções aos seus membros.
Há, ainda, a possibilidade da atuação de juízes “ad hoc” em se 
tratando de determinadas matérias – prática relativamente comum no 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 35
âmbito da Corte – como determina o art. 55 da Convenção Americana de 
Direitos Humanos transcrito a seguir:
Artigo 55 - 1. O juiz, que for nacional de algum dos Estados-
partes em caso submetido à Corte, conservará o seu direito 
de conhecer do mesmo.
2. Se um dos juízes chamados a conhecer do caso for de 
nacionalidade de um dos Estados-partes, outro Estado-parte 
no caso poderá designar uma pessoa de sua escolha para 
integrar a Corte, na qualidade de juiz ad hoc.
3. Se, dentre os juízes chamados a conhecer do caso, nenhum 
for da nacionalidade dos Estados-partes, cada um destes 
poderá designar um juiz ad hoc.
4. O juiz ad hoc deve reunir os requisitos indicados no artigo 52.
5. Se vários Estados-partes na Convenção tiverem o 
mesmo interesse no caso, serão considerados como uma só 
parte,para os fi ns das disposições anteriores. Em caso de 
dúvida, a Corte decidirá.
Sua regulamentação em sede de direito internacional 
se dá através dos arts. 33, alínea “b” e 52 a 73 da Convenção 
Interamericana de Direitos Humanos
Galindo (2014, p. 153) verifi ca que as funções da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos se divide em duas funções principais: 
a) conhecer e apreciar casos individuais ou interestaduais em que se 
alegue violação de direitos contidos na Convenção Americana de Direitos 
Humanos e; b) emitir opiniões consultivas a pedido dos Estados-membros. 
Ou seja, cumula as funções contenciosa e consultiva.
Esta posição consultiva se consubstancia na possibilidade que 
possuem os Estados membros da Organização dos Estados Americanos 
– e outros órgãos descritos no capítulo X da Carta da Organização dos 
Estados Americanos, dentre eles a própria Comissão Interamericana de 
Direitos Humanos – em solicitar a interpretação da Convenção Americana 
de Direitos Humanos. Além da interpretação da própria Convenção 
Americana de Direitos Humanos, cabe à Corte a interpretação de outros 
tratados concernentes à proteção dos Direitos Humanos aplicáveis aos 
Estados Americanos e o exame de compatibilidade das normas internas 
dos países em relação a esses tratados. (SERRANO, 2011, p. 237).
Já a sua outra função, a contenciosa, se refere à jurisdição que 
possui no sentido de examinar casos que envolvam denúncias de que 
um Estado-parte violou direito protegido pela Convenção. (PIOVESAN, 
2010, p. 210). Há, no entanto uma ressalva. Somente estará submetido à 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 36
jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos aqueles Estados 
que expressamente reconheçam sua Jurisdição, conforme expresso no art. 
62 da Convenção Americana de Direitos Humanos:
Artigo 62 - 1. Todo Estado-parte pode, no momento do 
depósito do seu instrumento de ratifi cação desta Convenção 
ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, 
declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e 
sem convenção especial, a competência da Corte em todos os 
casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção.
2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob 
condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para 
casos específi cos. Deverá ser apresentada ao Secretário Geral 
da Organização, que encaminhará cópias da mesma a outros 
Estados-membros da Organização e ao Secretário da Corte.
3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso, 
relativo à interpretação e aplicação das disposições desta 
Convenção, que lhe seja submetido, desde que os Estados-
partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida 
competência, seja por declaração especial, como preveem os 
incisos anteriores, seja por convenção especial.
Veja, não se pode confundir as duas funções exercidas pela Corte 
Interamericana. Conforme ressalta Cançado Trindade (2003, p. 1), há clara 
distinção entre a função consultiva a função jurisdicional contenciosa. O 
trecho a seguir, de Cançado Trindade (2003, p. 1) faz claramente esta 
constatação, reforçando, inclusive, o exposto acima:
May it preliminarily be recalled that the conventional basis 
for the exercise of the Court's advisory jurisdiction is distinct 
from that for the exercise of its contentious jurisdiction. The 
basis for the exercise of the former is particularly wide, given 
that, under Article 64 of the American Convention, all OAS 
member States (whether Parties to the American Convention 
or not) and all of the main organs mentioned in Chapter 
X of the OAS Charter can request advisory opinions from 
the Court on matters regarding 'the interpretation of this 
Convention or of other treaties concerning the protection 
of human rights in the American states' or, in the case of 
member states, 'the compatibility of any of its domestic laws 
with the aforesaid international instruments’.
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos 
Humanos desde 1992, ingressando no ordenamento jurídico pátrio através 
do Decreto no 678, de 06 de novembro de 1992. Já o reconhecimento da 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 37
competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos ocorreu com 
a edição do Decreto Legislativo no 89, de 03 de dezembro de 1998 e o 
Decreto no 4.463, de 08 de novembro de 2002, instrumentos jurídicos 
que introduziram no ordenamento jurídico brasileiro a Declaração de 
Competência Obrigatória da Corte Interamericana sobre Direitos Humanos. 
(GUERRA, 2012, p. 352). Ou seja, esta competência contenciosa se refere 
ao controle concreto que a Corte faz em relação a um caso particular de 
violação aos Direitos Humanos, submetido a ela via petição individual 
– submetendo-se ao procedimento preliminar necessário da Comissão 
Interamericana de Direitos Humanos – ou via representação direta de 
um Estado, que tem legitimidade de peticionar diretamente à Corte. 
(SERRANO, 2011, p. 237).
Caso a Corte entenda que, de fato, ocorreu violação aos Direitos 
Humanos, determinará que o Estado condenado tome as medidas 
necessárias para a reparação do Direito violado. Pode a Corte condenar 
o Estado ao pagamento de uma indenização à vítima, com força de título 
executivo. (PIOVESAN, 2010, p. 271-72).
3 CONDIÇÕES PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE
Como já tratado de forma introdutória, para que um caso seja 
analisado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos há a necessidade 
de se verifi car o preenchimento de determinados requisitos.
O Estado, ao se defender em uma demanda judicial em âmbito 
internacional que responde perante à Corte Interamericana pode alegar 
exceções preliminares, que prejudicam o julgamento do processo. Para 
Serrano (2011, p. 235), as defesas preliminares apresentadas pelo Estado 
podem se circunscrever em aspectos da competência: tempo, lugar e 
admissibilidade. Ou seja, é o meio de defesa apresentado pelo Estado 
para impedir que haja, de fato, a análise da suposta violação aos direitos 
humanos, impossibilitando que o caso prossiga em seu trâmite regular, 
como base aspectos meramente formais. (SERRANO, 2011, p. 236). 
Segundo consta no art. 48 da Convenção Americana de Direitos Humanos, 
a Comissão processará as petições que atendam aos requisitos. Para tanto, 
há necessidade de transmitir a denúncia ao Estado que, no prazo de 2 meses, 
prorrogáveis por mais um irá apresentar resposta, podendo alegar questões 
referentes à elegibilidade da petição. Pode a Comissão, ainda, convidar as 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 38
partes a tecerem comentários adicionais, seja por escrito ou por meio de 
uma audiência. (GALINDO, 2014, p. 157). Conforme se verifi ca a seguir:
Artigo 48 - 1. A Comissão, ao receber uma petição ou 
comunicação na qual se alegue a violação de qualquer 
dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá 
da seguinte maneira:
a) se reconhecer a admissibilidade da petição ou 
comunicação, solicitará informações ao Governo do Estado 
ao qual pertença a autoridade apontada como responsável 
pela violação alegada e transcreverá as partes pertinentes da 
petição ou comunicação. As referidas informações devem ser 
enviadas dentro de um prazo razoável, fi xado pela Comissão 
ao considerar as circunstâncias de cada caso;
b) recebidas as informações, ou transcorrido o prazo 
fi xado sem que sejam elas recebidas, verifi cará se existem 
ou subsistem os motivos da petição ou comunicação. 
No caso de não existirem ou não subsistirem, mandará 
arquivar o expediente;
c) poderá também declarar a inadmissibilidade ou a 
improcedência da petição ou comunicação, com base em 
informação ou prova supervenientes;
d) se o expediente não houver sido arquivado, e com o 
fi m de comprovar os fatos, a Comissão procederá, com 
conhecimentodas partes, a um exame do assunto exposto 
na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, 
a Comissão procederá a uma investigação para cuja 
efi caz realização solicitará, e os Estados interessados lhe 
proporcionarão, todas as facilidades necessárias;
e) poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação 
pertinente e receberá, se isso for solicitado, as exposições 
verbais ou escritas que apresentarem os interessados; e
f) pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fi m de 
chegar a uma solução amistosa do assunto, fundada no 
respeito aos direitos reconhecidos nesta Convenção.
2. Entretanto, em casos graves e urgentes, pode ser realizada 
uma investigação, mediante prévio consentimento do 
Estado em cujo território se alegue houver sido cometida 
a violação, tão somente com a apresentação de uma 
petição ou comunicação que reúna todos os requisitos 
formais de admissibilidade.
É exatamente neste momento que podem surgir as questões 
referentes às exceções preliminares: seja referente à jurisdição da Comissão, 
seja referente à elegibilidade do caso ou mesmo regras processuais 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 39
da Convenção Americana de Direitos Humanos ou do Regulamento 
da própria Comissão.
Importante destacar que o silêncio do Estado dentro do prazo 
disposto (dois meses, possível uma prorrogação de mais um mês) acarreta 
uma presunção de veracidade dos fatos alegados na petição, conforme art. 
38 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos:
Art. 38: Presumir-se-ão verdadeiros os fatos relatados na 
petição, cujas partes pertinentes hajam sido transmitidas 
ao Estado de que se trate, se este, no prazo máximo fi xado 
pela Comissão de conformidade com o artigo 37 do presente 
Regulamento, não proporcionar a informação respectiva, 
desde que, de outros elementos de convicção, não resulte 
CONSIDERAÇÕES FINAIS diversa.
O primeiro requisito a ser avaliado diz respeito ao esgotamento 
prévio dos recursos judiciais internos do país para que o indivíduo possa 
ter seu caso analisado pela Corte Interamericana (obviamente após 
análise previa da Comissão Interamericana). É o chamado “princípio da 
complementariedade”. (GALINDO, 2014, p. 156).
Há, ainda, a análise de ausência de coisa julgada internacional ou 
litispendência internacional. Isto porque, para que a Corte Interamericana 
esteja autorizada a julgar um caso contra um Estado-membro, não pode a 
matéria ter sido objeto de análise – ou ainda estar em análise – em outro 
órgão jurisdicional internacional. Para que esteja a Corte impedida de 
julgar é necessário que haja coincidência nas partes, nos fatos e da questão 
de direito discutida. Caso estes três elementos não estejam presentes, não 
é possível se falar em identidade de processos, ou seja, a litispendência ou 
coisa julgada internacional. (SERRANO, 2011, p. 243).
No que tange ao sujeito ativo do processo, ou seja, aqueles 
que podem provocar a jurisdição da Corte Interamericana, somente a 
Comissão Interamericana ou os Estados-membros estão autorizados. Logo, 
o indivíduo não está autorizado a ingressar diretamente com a ação no 
âmbito da Corte, havendo necessidade de passar pela análise da Comissão 
Interamericana de Direitos Humanos. (GUERRA, 2012, p. 344).
Quando se fala no sujeito passivo do processo, os únicos legitimados 
são aqueles Estados que aceitaram expressamente a jurisdição da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos. (SERRANO, 2011, p. 238-39).
Quando se fala na competência da Corte Interamericana em 
relação ao tempo, é necessária que a concessão da competência à Corte 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 40
tenha ocorrido anteriormente aos atos de violação aos direitos humanos 
praticados. Como leciona Serrano (2011, p. 241), um caso paradigmático 
fi cou conhecido como Caso Heliodoro Portugal, em que não se sabia o 
paradeiro da vítima desde 14 de maio de 1970. O Estado do Panamá foi 
responsabilizado pelo “desaparecimento forçado” de Heliodoro Portugal 
(ocorrido em 1970), sendo os restos mortais da vítima encontrados apenas 
em 1999. Veja, o Panamá aceitou a jurisdição da Corte Interamericana 
mais de 10 anos após o desaparecimento da vítima, mas mesmo assim 
foi condenada perante a Corte. Isto porque, considerou a Corte que estas 
violações aos direitos humanos envolvendo desaparecimento forcado 
são crimes continuados, permanentes e pluriofensivos. Desta maneira, a 
suscitação de incompetência em razão do tempo não foi acolhida. 
Presentes estes requisitos, a Corte Interamericana de Direitos 
Humanos está apta a julgar o mérito da questão, ou seja, se o Estado é 
internacionalmente responsável ou não pelas violações de direitos humanos 
por ele perpetrado observando, obviamente, o contraditório e a ampla 
defesa, que também permeiam os procedimentos em sede internacional. 
Consequentemente, a Corte ordena que o Estado repare o dano causado – 
caso seja condenado –, ou rejeita as reivindicações dos peticionários, caso 
seja absolvido. (GALINDO, 2014, p. 164).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, conclui-se que o procedimento de ingresso 
de ações perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos pressupõe 
a superação de diversas fases para, enfi m, analisar-se o mérito. Ou seja, 
além da difi culdade que encontra o indivíduo vítima de violação a Direitos 
Humanos têm em atingir, de fato, a Corte, ainda há procedimentos 
complexos para que o mérito possa ser analisado.
Uma crítica feita pela doutrina, como principais expositores 
Cançado Trindade e Flávia Piovesan, diz respeito justamente às petições 
individuais e a impossibilidade de se peticionar diretamente à Corte. Os 
legitimados ativos para ingressar com demandas na Corte são apenas 
os Estados-membros e a própria Comissão Interamericana de Direitos 
Humanos. É diferente do que ocorre no Sistema Europeu de proteção 
aos Direitos Humanos, em que há possibilidade de ingresso por parte do 
indivíduo. O trabalho visou demonstrar os procedimentos de ingresso na 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 41
Corte Interamericana e as questões que podem cominar na extinção do 
processo sem a análise do mérito. São as chamadas questões prejudiciais.
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 43
PRESIDÊNCIA DEMOCRÁTICA – GOVERNAÇA; 
DESENVOLVIMENTO HUMANO NA AMERICA LATINA
Suelen Otrenti1*
INTRODUÇÃO
Existe contradições quando o tema é democracia contemporânea, 
a noção de ser o único regime jurídico legitimo aumenta a incredibilidade da 
população, observando-se na grande recusa durante as eleições e também 
nas manifestações, em contra partida, se há um entendimento fi rmado de o 
Estado Nacional ser incapaz, onde a democracia representativa respondera 
de forma satisfatória conforme demanda da população através dos direitos 
de cidadania em uma história de capitalismo e decisões em um só sistema, 
o que infl uencia decisivamente para a crise de legitimidade, por outo 
lado a ONU, o FMI e a União Européia, apontam uma defi ciência na 
democratização e de efetividade ao cumprir suas missões institucionais, 
o que fi cou mais evidente a partir da crise econômica iniciada em 2008.
Para compreender corretamente esse contexto deve-se considerar 
dois pressupostos, do qual nem todos os problemas enfrentados pela 
democracia contemporânea são devidos à globalização; e estudando 
profundamente a crise de legitimidade dessas instituições representativas, 
do défi cit democrático e dos impactos causados pelos fundamentos da 
cidadania não pode ser o mesmo em âmbitos tão diferentes (como exemplo, 
o da União Europeia e o da América Latina).
Evidentemente, que alguns fatores como o poder das corporações 
transnacionais, o pluralismo jurídico, o processo de homogeneização do 
direito, dentre outros, dão uma certa limitação a competência do Estado 
agir autonomamente como implantar políticas sociais. Muitas decisões 
que tem relação direta com o cidadão são tomadas onde as instituições 
representativas não têm qualquer poder de infl uenciar, comprometendo a 
legitimidade da democracia. O grande poder do défi cit democrático é a falta 
de capacidade cada vez maior do sistema político, ancorado no Estado-
Nação, ao representar os cidadãos na prática efetiva da governança global. 
Por vez, existem vícios que acompanham a democracia anteriores 
a globalização, iniciado século XX, como a deformação da opinião pública 
 Graduanda em Direito.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 44
pela mídia, infl uência do poder econômico, entre outros. A realidade 
latino-americana tem características da própria história e cultura que 
causa uma signifi cativa defi ciência na democracia em nossas instituições 
representativas, dentre as quais destacamos os bloqueios ao exercício 
da soberania de origem externa (condição de dependência) e interna, a 
apropriação do Estado por interesses privados, o populismo, a histórica 
ausência do Estado perante graves problemas sociais, a desigualdade e a 
exclusão social, e a baixa integração social. 
A princípio o objetivo era de manter a paz depois também com 
o propósito de minorar a defi ciência regulatória da economia global, os 
Países constituíram organizações internacionais e blocos regionais, sendo 
fundamentais neste contexto, mas, por outro lado, não apresentam uma boa 
efi ciência ao cumprir os propósitos apresentando também um signifi cativo 
défi cit democrático.
Esta inefi ciência entende-se, pela limitação no orçamento 
impedindo desenvolvimento de grandes projetos. Não possuem receitas 
próprias, inclusive o limitado orçamento depende de transferência de 
recursos dos Estados nacionais. Não conseguindo fazer frente nem ao 
mercado global nem aos interesses das grandes potências, se dispondo, 
a serviço delas. Por conta do não cumprimento de seus objetivos, as 
organizações não tem capacidade de enfrentar uma crise de impotência da 
política e de ajudar como deveria compensando o defi cit democrático das 
instituições representativas nacionais.
Observa-se um grande défi cit democrático das organizações 
internacionais, apresentando uma estrutura desequilibrada de poder, 
porque são dominadas pelas grandes potências militares e econômicas. 
E os mecanismos de representatividade, a clareza e a responsabilização 
são frágeis nas organizações internacionais. Não assegurando a existência 
de participação dos interessados em situações que lhe afetam, existindo 
disputa não só pela defi nição da política a ser aderida, mas também pela 
participação. Os procedimentos decisórios são distantes dos cidadãos, não 
tem controle direto das pessoas eleitas, e são conduzidos por diplomatas e 
especialistas de forma não visível e nem se submetendo à crítica prévia da 
opinião pública, de representantes políticos e de grupos de interesse.
A União Européia, AFTA, ASEAN, APEC e MERCOSUL, 
não estão livres dessa inefi ciência de cumprimento nos seus objetivos e 
ao défi cit democrático. No início a União Europeia não apresenta “uma 
soberania única”, sendo difícil de ser controlada e legitimada pelos 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 45
processos políticos e mecanismos democráticos. Depois, ainda, existe um 
“dualismo expresso por uma instituição representativa, mas sem autonomia 
decisória (Parlamento Europeu), e por agências burocráticas dotadas dessa 
autonomia, porém sem representatividade”. Sendo somente o órgão eleito 
para representar a comunidade e não de decidir. (FARIA, 2002, p. 303–306). 
Archibugi (2005, p. 75) argumenta da avaliação sobre a União 
Européia que será bastante diferente se feita por um estudioso da democracia 
global ou estatal, porque de frente aos Estadosdemocráticos maduros, 
fi cava claro que a UE não é democrática; mas, se considerar as outras 
organizações internacionais, como a ONU, o FMI e a OMC, verifi ca-se a 
transparência bem maior da UE, com mecanismos de prestação de contas 
e responsabilização superiores. O autor ainda (2005, p. 78) destaca que, 
se comparássemos países europeus que pertencem e não pertencem à UE, 
os que não pertencem tem as mesmas limitações que os pertencentes em 
relação à autonomia para enfrentar problemas de impacto transnacional, 
como a poluição, epidemias e a concorrência no comércio internacional, 
mas existe uma diferença que importante destacar, os membros da UE, 
não obstante as limitações inseridas à força econômica e ao peso político 
de cada um, têm a vantagem de participar de um processo deliberativo 
comum e podem usar instituições europeias para defender seus interesses 
e valores contra poluição bem como o comercio desleal. 
Tem-se então, que o fortalecimento das organizações internacionais 
e dos blocos regionais é apenas resposta política inevitável diante da 
globalização. Nota-se ainda que, em geral, a estrutura e o funcionamento 
dessas instituições tem em escala maior, o défi cit democrático do Estado. 
Do mesmo modo, se a relação entre representantes e representados é frágil 
no âmbito nacional, é mais ainda na esfera continental.
Este problema afeta duas vezes os fundamentos da cidadania, 
compreendendo a cidadania como participação político-democrática, 
vê-se que ela é frágil em relação às instituições de governança global e 
regional; por sua vez, a falta de controles democráticos efi cazes sobre 
estas instituições obriga a realização da cidadania enquanto garantia e 
concretização de direitos fundamentais.
Olhando para a América Latina, verifi ca-se que há experiências 
em andamento para integrar econômica e politicamente, bem como 
de instituições de governança regional. A mais consolidada é a do 
MERCOSUL, tendo complexos mecanismos institucionais e ótimos 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 46
resultados na prática, seja em comércio regional ou de cooperação no 
campo de políticas sociais, como exemplo. 
Existem dois projetos recentes bem ambiciosos, mas, ainda 
em curso: a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) e a CELAC 
(Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos). A UNASUL, 
inspira-se no processo de integração da União Europeia e fundada a partir 
dos ideais de integração sul-americana. Seu Tratado Constitutivo determina 
que os seguintes órgãos compõem sua estrutura institucional: a) Conselho 
de Chefes de Estado e de Governo; b) Conselho de Ministros das Relações 
Exteriores; c) Conselho de Delegados; e d) Secretaria Geral. A CELAC foi 
criada na “Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe”, constituindo-
se um novo e mais abrangente organismo regional. Registra-se, ainda, a 
existência de outros dois organismos regionais: a CAN (Comunidade Andina 
de Nações) e a ALADI (Associação Latino-americana de Integração).
O défi cit democrático como na ONU e o FMI, têm um grande 
impacto na efetividade da cidadania na América Latina, ainda mais 
considerando a realidade periférica ou semiperiférica de seus Estados, 
onde ainda tem a dependência econômica e cultural e os direitos de 
cidadania estão longe da plena consolidação. As instituições regionais 
latino-americanas não estão imunes ao problema do défi cit democrático de 
seus próprios processos decisórios.
Os fundamentos para compreender os problemas da cidadania 
na América Latina, nas duas as acepções apresentadas, exige, que seja 
feito uma análise a propósito do défi cit democrático das instituições de 
governança global, e, em especial, das instituições de governança regional 
cima citadas. Revelando, a importância teórica e prática do objeto deste 
projeto de pesquisa: Défi cit Democrático da Governança Global e os 
Fundamentos da Cidadania na América Latina. 
1 OBJETIVOS
Tem como objetivo investigar a democracia e seus problemas, 
e as impressões causadas na cidadania na América Latina, com foco nas 
relações entre cidadania política (nacional e cosmopolita) e cidadania 
econômica (controle do cidadão sobre a economia).
Fazer um estudo para comparar instituições de governança latino-
americanas, que, não obstante as signifi cativas diferenças históricas e 
políticas, são bastante inspiradas pela experiência europeia. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 47
Delimitando ao período iniciado com a crise econômica mundial 
de 2008, eventuais incursões históricas serão desenvolvidas nos estritos 
limites necessários para a compreensão da realidade de fenômenos 
ocorridos a partir de tal período. As atenções estarão voltadas para questões 
como as estruturas e práticas político-decisórias.
2 METODOLOGIA
Estudos de natureza teórica e empírica. Realizando uma análise 
comparativa entre as produções científi cas latino-americana e europeia 
sobre o défi cit democrático de governança global. Do ponto de vista 
empírico, será estudado primeiramente, o suporte jurídico das instituições 
de governança supranacional latino-americanas e europeias e, depois, a 
prática dos processos decisórios de instituições da América Latina e de 
instituições União Europeia para alguma forma de comparação. 
Será utilizado dados produzidos por instituições de referência, 
como a CEPAL e o PNUD, que ajudem a compreender a interface 
entre poder econômico e democracia na governança global, bem como 
os impactos do défi cit democrático de governança global na América 
Latina. Para evitar o equívoco de tentar enquadrar a realidade em teorias 
preconcebidas, bem como conhecer as relações das mudanças em curso 
com o direito. Incorporaremos elementos explicativos das condições 
(sobretudo econômicas) de operação de tais instituições, para que no 
fi nal, possivelmente serem apresentadas propostas alternativas de desenho 
jurídico-institucional (dimensão normativa desta pesquisa). 
3 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO
1ª fase (06 meses): espólio bibliográfi co, leitura a análise das 
obras principais sobre o tema, já com a elaboração das fi chas contendo as 
paráfrases, críticas e eventuais dúvidas. 
2ª fase (07 meses): aprofundamento do espólio bibliográfi co, com 
leitura de bibliografi a complementar e elaboração de esboço dos capítulos. 
3ª fase (07 meses): aprofundamento e aperfeiçoamento do esboço, 
com ampliação da pesquisa bibliográfi ca e da sua leitura, visando já a 
redação do relatório fi nal. 
4ª fase (04 meses): redação do relatório fi nal, com últimas 
correções, acréscimos, preparação de índices, impressão etc.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 48
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 51
www.aeryc.org AERYC (América-Europa de Regiones y Ciudades), é 
um movimento internacional que tem como fi nalidade o desenvolvimento 
da governança territorial. A página eletrônica contém, entre outros temas 
de interesse, os livros com as principais conferências e apresentações 
de suas conferências anuais, assim como boas práticas em governança. 
São de especial interesse, por sua singularidade, os temas de gestão 
regional através dos s sistemas de cidades e as conclusões de suas 
conferências anuais.
GASPARDO, Murilo. Projeto de pesquisa a ser desenvolvido durante 
Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa – RDIDP, junto 
ao Departamento de Direito Público da Faculdade de Ciências Humanas 
e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita 
Filho” (UNESP), Campus de Franca. 
http://www.aeryc.org
EIXO 2: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A CIDADANIA PARTICIPATIVA 
NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 55
A PARTICIPAÇÃO POPULAR 
NO COMBATE À CORRUPÇÃO
Augusto Martinez Perez Filho*
INTRODUÇÃO
É fato público e notório que o vivencia, ao longo do primeiro 
semestre de 2015, uma “crise” política e econômica intimamente ligada 
à corrupção, que em tese, teria sido praticada por indivíduos lotados em 
cargos e funções de grande relevância política ou corporativa. Trata-se, na 
visão de alguns analistas políticos, de um importante momento de transição 
que representa o encerramento do “primeiro ciclo de redemocratização 
brasileira”1. Neste diapasão, ganha realce o papel do Direito e a participação 
popular na defi nição (ou redefi nição) de seu conteúdo e prioridades, dentre 
elas, o combate à corrupção.
Embora não previsto expressamente no bojo do artigo 37 da 
Constituição Federal, a doutrina entende que o princípio da participação 
popular é aplicável à Administração Pública, representando verdadeira 
fonte de legitimidade (MENEZES, 2005, p. 3), consubstanciado na 
“coordenação recíproca de interesses e ações” (MEDAUAR, 2003, p. 229). 
Em outros termos, a participação popular tem o condão de exigir posturas 
mais efi cientes do ente público, ao mesmo tempo em que o auxilia na 
efetivação do princípio da publicidade, além de indicar - empiricamente – 
as aspirações do cidadão.
Inobstante este relevante ofício, “a discussão em torno do 
princípio da participação administrativa é embrionária”. (OLIVEIRA, 
2006, p. 174). Não se olvida a existência de instrumentos legais contendo 
comandos indutores da democracia participativa, tais como a Lei n. 
101/20002 - que trata da responsabilidade fi scal de administradores - e 
a Lei n. 10.257/20013 - conhecida como “Estatuto da Cidade” – ambos 
dispondo acerca de audiências públicas. 
Todavia, especialmente no que se refere ao combate e prevenção 
da corrupção diretamente pelo cidadão, o ordenamento pátrio possui 
* Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita 
Filho” – UNESP, Master of Laws - LLM pela Brigham Young University (EUA). 
Professor de Direito na Universidade Paulista – UNIP, campus Ribeirão Preto-SP. 
1 Entrevista FECOMÉRCIO com analista político Christian Lohbauer. Disponível em: 
https://www. youtube.com/watch?v=IvYtAMo8daQ.Acesso em: 25 set. 2015.
2 Artigo 9º, §4º.
3 Artigo 40, §4º. 
https://www.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 56
parcos instrumentos já conhecidos, tal como a ação popular4 e o direito de 
petição junto a órgãos internos de controle da Administração Pública ou 
instituições de defesa da ordem jurídica, como o Ministério Público. 
Ainda assim, nada há de convidativo para o cidadão, além do 
intrínseco sentimento de patriotismo5, participar ativamente do combate 
deste fenômeno que tanto deprava o Estado. Ao contrário do que 
ocorre em outros países, a participação de cidadãos pode ensejar sérias 
consequências negativas6, representando, por vezes, até mesmo uma 
piora de sua situação sócioeconômica originária, além de, obviamente, 
a possibilidade – remota ou não, a depender das condições concretas – 
de alguma represália. Despiciendo ressaltar que a Lei n. 12.846/2013, 
denominada de “Lei Anticorrupção”, não contempla qualquer instrumento 
de participação popular. 
De outro giro, a participação popular pode contribuir decisivamente 
no combate à corrupção, seja por razões de própria sobrevivência num país 
que tem na corrupção um caráter “[...] sistêmico, em contínua expansão[...]” 
(SANTOS; BIDINO; MELO, 2011, p. 556), seja porque “são os cidadãos 
comuns que carregam o peso da corrupção, são eles que possuem uma 
experiência direta e sofrem com isto[...]”. (NEUMANN, 2010).
O desafi o que se apresenta justifi ca que academia refl ita e 
aponte caminhos aptos ao combate deste mal, almejando a sua completa 
extirpação do meio público ou, na eventual impossibilidade deste afã, ao 
menos mitigá-lo, de modo a trazê-lo aos patamares vivenciados nos países 
4 Artigo 5º, LXXIII da Constituição Federal.
5 Que já seria o sufi ciente, na visão de alguns. Ademais, nos dizeres de John F. Kennedy: 
“Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer 
por seu país.” Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/john_f_kennedy/. 
Acesso em: 23 set. 2015.
6 “[...] a permanência no programa de proteção a testemunhas está longe de ser um mar 
de rosas. A testemunha é obrigada a deixar sua casa e muitas vezes ser sustentada pelo 
governo, que paga uma média três salários mínimos por mês - independente da condição 
fi nanceira do delator. Até o fi m do programa, seu paradeiro não pode ser revelado para 
amigos ou parentes. A grande particularidade do sistema brasileiro é que a proteção nem 
sequer é feita pelo estado, mas sim por ONGs acionadas pelos governos estaduais e 
federal. [...]. Para uma testemunha que corre riscos de vida, trocar de identidade parece 
uma solução simples - mas não é. Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, das 
mais de 1.400 pessoas atendidas pelo programa do governo federal, apenas três tiveram 
o pedido de mudança de nome autorizado pelo Poder Judiciário. Os motivos esbarram 
na burocracia brasileira e na precariedade de articulação com órgãos e programas de 
governo. Ao trocar a identidade, o protegido tem problemas para reconhecer a paternidade 
do fi lho ou resgatar sua aposentadoria. [...]”. NASCIMENTO, Fernanda. Programa de 
Proteção a Testemunhas Desencoraja Denúncia. Disponível em: http://veja.abril.
com.br/noticia/brasil/programa-de-protecao-a-testemunhas-desencoraja-denuncias/. 
Acesso em: 23 set. 2015. 
http://pensador.uol.com.br/autor/john_f_kennedy/.
http://veja.abril.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 57
desenvolvidos. Para tanto, almeja-se por meio deste trabalho, mencionara 
experiência norte-americana da participação popular no combate à 
corrupção, no intuito de apontar caminhos que poderiam servir de 
inspiração ao legislador pátrio, ou, ao menos, proporcionar refl exões acerca 
de outras técnicas e experiências de combate a tal desafi o, historicamente 
observado no Brasil.7
1 DESENVOLVIMENTO
A corrupção e suas lamentáveis consequências não são recentes. 
Trata-se de um acontecimento que há muito se verifi ca nesta pátria, 
conforme aponta Sérgio Turra Sobrane:
A preocupação com o aviltamento do patrimônio público 
remonta ao embrionário surgimento da sociedade brasileira, 
que sempre apresentou uma crônica propensão de 
apropriação do público pelo particular, em benefício próprio 
em detrimento dos contribuintes. (SOBRANE, 2010, p.7)
No ranking de “percepção” da corrupção elaborado em 2014 
pela organização não governamental “Transparência Internacional”8, 
numa escala em que 0 (zero) signifi ca “muito corrupto” e 100 (cem) 
“extremamente limpo”, o Brasil obteve a nota 43 (quarenta e três), resultado 
este que o colocou na 69ª posição dentre os 175 (cento e setenta e cinco) 
países objeto da pesquisa. Em seu desempenho, o Brasil obteve a mesma 
nota que Senegal, e se colocou à frente de países como a Argentina e o 
Paraguai, que receberam respectivamente, as notas 34 (trinta e quatro) e 24 
(vinte e quatro), mas muito distante do Uruguai, que pontuou 73 (setenta e 
três) e Botswana, que obteve 63 (sessenta e três) pontos.9
No combate e prevenção à corrupção, verifi ca-se a centralização 
destas atividades nas esferas governamentais, com ênfase para as 
7 Segundo Rita Biason: “Os primeiros registros de práticas de ilegalidade no Brasil, que 
temos registro, datam do século XVI no período da colonização portuguesa. O caso mais 
freqüente era de funcionários públicos, encarregados de fi scalizar o contrabando e outras 
transgressões contra a coroa portuguesa e ao invés de cumprirem suas funções, acabavam 
praticando o comércio ilegal de produtos brasileiros como pau-brasil, especiarias, tabaco, 
ouro e diamante.” Disponível em: http://www.contracorrupcao.org/2013/10/breve-
historia-da-corrupcao-no-brasil.html. Acesso em: 23 set. 2015.
8 Disponível em: https://www.transparency.org/cpi2014/results. Acesso em: 24 set. 2015.
9 Apesar disto, ocorreu no Brasil ao longo dos últimos anos, importantes avanços no 
combate à corrupção, tais como o Portal da Transparência, mantido pela Controladoria 
Geral da União - CGU desde 2004 e o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e 
Suspensas (CEIS), também mantido pela CGU, desde 2007.
http://www.contracorrupcao.org/2013/10/breve-
https://www.transparency.org/cpi2014/results.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 58
providências reativas – mormente perante o Judiciário10 – em detrimento 
ou, quiçá, representado por uma atuação mais discreta, no âmbito das 
medidas preventivas. Afora o conhecido “disque denúncia”, colocado à 
disposição da população e cujos resultados práticos são questionáveis11, não 
se verifi ca a existência de instrumentos mais sofi sticados e que representem 
um efetivo ganho para o cidadão que decida efetivamente corroborar na 
construção de práticas mais “republicanas”.
Para que a participação popular no combate à corrupção seja 
concretizada, há de se conferir a seus integrantes, identidade e voz, 
valores indispensáveis ao desenvolvimento de uma nova cultura no que se 
refere ao trato da coisa pública, de modo a sobrepujar “[...] a tradição de 
clientelismo, personalismo e autoritarismo presente na história política de 
vários países [...]” (SANTIN, 2004, p.129) ao passo em que possibilita o 
atendimento de ditames ideológicos existentes sob diversas vertentes.
Conforme aponta Carlos Vasconcelos Rocha, ao se viabilizar a 
participação cidadã, obtém-se, à lógica socialista:
[...] o fortalecimento das instituições políticas locais, por 
viabilizarem a participação dos cidadãos nas decisões 
públicas. E fortalecer institucional e politicamente esses 
espaços de participação implicaria criar condições para a 
superação de problemas advindos do Estado centralizado, a 
saber: balcanização do poder público por elites econômicas 
e políticas; exercício de um poder ilegítimo da burocracia 
pública no processode tomada de decisões; e o clientelismo 
como lógica de ação do Estado. (ROCHA, 2011, p. 172).
De fato, muito dos efeitos lesivos à sociedade e que podem 
ser denominados genericamente de “corrupção” deriva do uso indevido 
e ilegítimo da burocracia pública e os poderes dela inerentes, seja para 
promover escolhas – que ao fi nal, acabam por serem nulas, diante da 
tredestinação – ou pelo simples motivo do público ser confundido pelo 
10 As ações penais popularmente conhecidas como o “Mensalão” e a “Lava Jato”, 
inobstante todo o alarde midiático, representaram importante passo na direção do 
fortalecimento das instituições democráticas, além de tornar possível a devolução de 
grandes montantes desviados ilicitamente pelos esquemas. Apesar disto, não há como se 
evitar a tônica de que grande parte das condutas poderia ter se resolvido, houvesse maior 
trabalho preventivo.
11 Não se verifi ca no meio acadêmico a existência de levantamentos acerca dos resultados 
produzidos através deste instrumento e, tampouco, se o próprio aparato policial dele se 
apropriou a fi m de justifi car abordagens de indivíduos e locais, em nome de uma suposta 
“averiguação” da denúncia recebida. A escassez de pesquisas de campo envolvendo 
este tópico torna mais árduo o papel do pesquisador, além de – eventualmente – 
dar azo a especulações.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 59
gestor administrativo, com o privado. Disto é consequência natural, 
a apropriação do bem público, a fi m de se promover ou satisfazer 
o desejo individual. 
Por outro lado, também a lógica liberal aponta apara a participação 
popular na gestão pública, uma vez que disto poderá resultar em:
[...] maior efi ciência e efi cácia da ação pública. Instituir 
espaços de participação da sociedade civil no processo 
de tomada de decisões potencializaria a efi ciência das 
ações públicas, neutralizando os interesses corporativos 
da burocracia e as barganhas clientelistas, possibilitando a 
adequação das decisões às reais demandas da sociedade e 
a articulação de maneiras mais efetivas de fi scalização das 
ações governamentais. A proximidade entre a administração 
pública e a sociedade civil implicaria maior accountability e 
responsiveness. (ROCHA, 2011, p. 173 – grifos no original).
Portanto, pode-se afi rmar que o envolvimento do cidadão na 
gestão pública tem obtido respaldo, ao menos no campo teórico. Há de 
se verifi car o impacto que a participação cidadã poderia ocasionar, ao se 
combater mazelas tão intimamente relacionadas com a cultura e história 
brasileiras. Uma das maneiras mais efi cazes, neste diapasão, são as trocas 
de experiências entre os países. 
Mormente no que se refere ao combate à corrupção, o primeiro 
Estado a adotar uma legislação objetivando regular as práticas negociais 
de empresas transnacionais, foram os Estados Unidos da América, através 
do “Foreign Corrupt Practices Act – FCPA”, de 197712. Desde então, a 
aplicação do FCPA passou a abarcar também empresas que tinham suas 
ações negociadas em bolsa de valores. 
Tal desiderato se faz numa ação conjunta entre o Ministério da 
Justiça dos Estados Unidos e a autoridade responsável pela regulação 
das bolsas de valores norte-americanas, o “Securities Exchange 
Commission - SEC”, conforme explicam Raymond L. Moss e Fernando 
A. Corrêa da Costa Neto:
O FCPA é uma lei que se aplica a empresas americanas 
ou estrangeiras listadas em Bolsa [...] nos EUA, ou que 
sejam obrigadas a preencher relatórios periódicos junto à 
SEC, órgão correspondente à CVM (Comissão de Valores 
12 O Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) é uma lei federal norte-americana, promulgada 
em 1977, que visa combater a corrupção transnacional por determinadas pessoas ou 
entidades relacionadas aos EUA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Foreign_
Corrupt_Practices. Acesso em: 24 set. 2015. 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Foreign_
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 60
Mobiliários) no Brasil. [...] O Departamento de Justiça dos 
EUA (DOJ) e a SEC são responsáveis pela execução do 
FCPA. (MOSS; COSTA NETO, 2015, p. A3).
Uma das possibilidades contidas neste texto legal é a realização 
de investigações a partir de comunicações realizadas por indivíduos, 
denominadas de “whistleblowers” - que numa tradução literal seria “aquele 
que apita”, algo próximo do conceito de “delatores” - instituída a partir 
da reforma fi nanceira e de proteção ao consumidor instituída em 2010, 
a “Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act”, onde 
fi cou estabelecida a possibilidade de pagamento de 10% (dez por cento) a 
30% (trinta por cento) do valor das sanções pagas pelo infrator.
Evidentemente há condições para que tal pagamento ocorra, tais 
como a identifi cação do indivíduo autor da comunicação às autoridades 
responsáveis pela investigação – aqui há de se ressaltar que, num primeiro 
momento é possível a apresentação de denúncia anônima, mas para que 
o valor da recompensa seja levantado, o denunciante deverá revelar sua 
identidade, que deverá constar nos registros ofi ciais13 - bem como, ao fi nal 
da ação das autoridades americanas, ter sido possível a recuperação de, ao 
menos, US$ 1,000.000.00 (um milhão de dólares norte-americanos). 
Críticos desta medida apontam que as pessoas, sobretudo 
funcionários das empresas de capital aberto expostas a este tipo de 
legislação, poderão deixar de utilizar os canais internos de “compliance” 
- existentes para se identifi car, conferir o tratamento adequado e mitigar a 
reincidência de qualquer desrespeito à legislação vigente - para de maneira 
prematura e com o alto custo à imagem da empresa, levar tais informações 
diretamente às esferas governamentais, almejando assim uma possível 
recompensa milionária. Seria como mercantilizar o interesse público.
Apartando-se de tais conceitos, fato é que a medida implementada 
pelo governo norte-americano tem obtido resultados positivos no 
combate à corrupção. Nos últimos 03 (três) anos, o programa premiou 17 
(dezessete) denunciantes em valores acima de US$ 50 milhões. (MOSS; 
COSTA NETO, 2015, p. A3), o que demonstra o alcance e, sobretudo, 
efi cácia desta ação. Como o programa não faz acepção de nacionalidades, 
considerando mais importante o combate à corrupção do que ideologias 
pseudonacionalistas, encontra-se aberto à participação de indivíduos de 
13 Aqui cabe a ressalva que, em princípio, não há previsão acerca da segurança dos 
indivíduos responsáveis pela comunicação denunciando a prática de ilícitos. No entanto, 
isto é possível mediante outros procedimentos junto à polícia.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 61
quaisquer nacionalidades e, somente no ano de 2014, recebeu informações 
de mais de 60 (sessenta) países. (MOSS; COSTA NETO, 2015, p. A3).
O processo de comunicação de alguma hipótese de corrupção 
revela-se simples, pode ser feito online, sem perder de vista sua 
amplitude. (CASSIN, 2010). 
Neste sentido, a comunicação deve ser realizada do modo mais 
detalhado possível. A autoridade americana informa, sem “rodeios” e no 
melhor estilo capitalista, que as chances de uma eventual recompensa 
ampliarão com base na robustez dos fatos narrados e evidências 
apresentadas14. Neste sentido, as autoridades americanas verifi carão se as 
informações apresentadas já não foram por meio de outra fonte obtidas 
ou se já eram objeto de investigação. Ademais, a comunicação pode ser 
individual ou realizada por meio de um grupo de indivíduos que se uniram 
para obter evidências e colaborar com o combate à corrupção.
Neste sentido é possível notar, por meio desta experiência, que 
os institutos de controle social e Democracia participativa representam, 
talvez, uma das maneiras mais efi cazes de empoderamento, ao mesmo 
tempo em que poderepresentar um efetivo ganho na transparência das 
ações perpetradas pela Administração Pública – direta e indireta – além de 
auxiliar na concretização dos princípios da publicidade e efi ciência. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A corrupção no Brasil é responsável pela apropriação indevida 
de grandes montas de recursos públicos, que ao fi nal, são desviados 
para compor o patrimônio particular de indivíduos e organizações, 
representando – assim – uma da várias maneiras e, quiçá, a maior causa 
da ausência de materialização, “nas ruas”, dos direitos sociais previstos no 
texto constitucional. 
Trata-se de um fenômeno alheio às discussões acadêmicas e pouco 
analisado sob a ótica de métodos capazes de extrair mais acuradamente as 
suas causas “raízes” e conexão com o aspecto cultural brasileiro. Portanto, 
o discurso proferido em seu combate acaba por ser vago, desprovido de 
embasamento empírico e, sobretudo, hipotético, pois a realidade concreta, 
possível de ser observada somente por meio da pesquisa de campo, que 
raramente ocorre. Nos dizeres de Salo de Carvalho:
14 O comunicante poderá realizar o “upload” no programa governamental, como forma de 
juntar documentos, cópias de e-mail, recibos, fotosetc.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 62
Cada vez mais tenho a impressão de que os juristas teóricos e 
os atores processuais têm aversão à vida. Vida representada no 
seu trabalho pelas pessoas que demandam Justiça. A hipótese 
ganha relevância em momentos como os atuais, em que é 
possível perceber que a valorização da harmonia (coerência 
e completude) do sistema supera qualquer preocupação com 
a realidade das pessoas que buscam o amparo do direito e das 
suas instituições. (CARVALHO, 2013, p. 49).
Ainda assim, a grande mídia revela, quase que cotidianamente, a 
inefi cácia dos instrumentos de participação de controle popular existentes 
no ordenamento jurídico pátrio, além da inexistência de instrumentos – 
atuais e efi cazes, ressalta-se - de participação popular especifi camente 
projetados para o combate à corrupção. Acrescenta-se a tais desafi os, a 
cultura brasileira, representada pelo “homem cordial” (HOLANDA, 1995, 
p. 139) e o “saneamento” Estatal promovido ao longo da história pátria 
(SAES, 2001, p. 410).
Não há como negar que o conceito de interesse público, tão rico à 
moralidade e avesso à corrupção, é muito pouco conhecido da população 
geral, para quem tal valor seria adstrito aos “funcionários públicos”. 
Rigoroso com o próximo, o brasileiro médio parece auto eximir-se de 
qualquer dever moral:
[...] o modo como o brasileiro compreende a questão do 
interesse público, afi rmando que ele é de responsabilidade 
do Estado, implica o fato de ele compreender a corrupção 
como praticada por funcionários públicos. Como o interesse 
público representa, na dimensão do imaginário coletivo 
brasileiro, uma ideia de interesse do Estado, é esperado que 
a corrupção seja compreendida na esfera estatal e não na 
dimensão da sociedade em seu conjunto. Nesse caso, a cultura 
política vincula, de alguma maneira, o tema da corrupção ao 
tema do Estado, sem perceber a corrupção que é praticada na 
dimensão da sociedade[...]. (FILGUEIRAS, 2009, p. 410).
Apesar disto, ainda é possível combater-se a corrupção e punir os 
responsáveis, dentro de uma esfera democrática de responsabilização, isto 
é, atrelada à obediência dos ditames contidos no devido processo legal, no 
âmbito das instituições constitucionalmente estabelecidas.
Em caso de uma eventual implementação de processos 
participativos mais contundentes, há de se lembrar da necessária regulação 
de tais medidas. Isto porque, do contrário, os processos participativos – 
se pouco sofi sticados – poderão ser objeto de uma verdadeira captura 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 63
ou até mesmo a corrupção (ainda que originalmente, os instrumentos 
participativos tenham sido estabelecidos como forma de combatê-la), por 
movimentos sociais ligados a agremiações políticas ou grupos ligados aos 
diversos segmentos econômicos. 
Neste caso hipotético, o diálogo existente entre os participantes 
oriundos da sociedade e os representantes do Poder público, poderão 
alcançar tamanho grau de politização capaz de comprometer a isenção 
necessária não só para a que a fi scalização dos atos administrativos se 
realize com a devida isenção, mas – também – uma diminuição dos 
padrões técnicos e de qualidade necessários, haja vista a “camaradagem” 
estabelecida entre aqueles que deveriam fi scalizar e os que deveriam ser 
fi scalizados. Neste sentido, é válida a precaução de Marcos Augusto Perez:
Outro fator de risco apresentado pelo incremento da 
participação, ao nosso ver, é o aumento da corrupção. A 
aproximação das autoridades administrativas, ou mesmo 
de legisladores dos interesses dos diferentes grupos sociais 
pode levar ao sacrifício das políticas públicas em favor do 
interesse pessoal de alguns e da venalidade. [...] Parece-nos 
que essa não é uma consequência inevitável da participação. 
Defende-nos desse tipo de consequência, a transparência e 
a devida regulamentação dos processos participativos [...]. 
(PEREZ, 2009, pp. 227- 228).
Finalmente, como medidas hábeis a mitigar o processo de 
corrupção enraizado na Administração Pública, sugere-se a adoção de 
medidas de recompensa mais atrativas, tal como aquelas existentes em 
outros países, por exemplo, os Estados Unidos, onde o “Foreign Corrupt 
Practices Act – FCPA”, estabeleceu percentuais elevadíssimos, caminho 
este que o Brasil merece trilhar.
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Considerações Finais: provocações úteis para orientadores e estudantes 
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 64
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 65
A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ NOS SERVIÇOS PÚBLICOS 
DE SANEAMENTO BÁSICO
Christopher Abreu Ravagnani1*
José Carlos de Oliveira2**
INTRODUÇÃO
A Lei Federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007 – marco 
regulatório do saneamento básico, estabeleceu diretrizes e normas 
para a adequada prestação dos serviços de saneamento básico e para a 
satisfação dos usuários.
Dentre seus princípios fundamentais estão previstos o 
abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo dos 
resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção 
do meio ambiente, bem como o controle social dos referidos serviços.
A Política Nacional de Saneamento Básico relaciona-se com a 
Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei Federal n. 12.305 de 2 de agosto 
de 2010, que por sua vez integra a Política Nacional do Meio Ambiente e 
articula-se com a Política Nacional de Educação Ambiental, regulada pela 
Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999.
Com efeito, tratando do tema água, importante ressaltar a Política 
Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei Federal n. 9.433/97, 
conhecida como Lei das Águas, a qual criou o Sistema Nacional de 
Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentando o inciso XIX 
do art. 21 da Constituição Federal, caracterizador da nova mudança de 
paradigmas no gerenciamento hídrico no Brasil, embora não integre os 
serviços públicos de saneamento básico, conforme art. 4º da Lei n. 11.445. 
Verifi ca-se que as políticas públicas de saneamento básico 
possuem como princípio fundamental a universalização do acesso, bem 
como o controle social, compreendido o conjunto de mecanismos e 
procedimentos que garantem à sociedade informações, representações 
técnicas e participações nos processos de formulação, planejamento e de 
avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico.
 Mestrando em Direito na UNESP.
 Pós-doutorado na Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre em Direito pela UNESP. 
Professor dos cursos de graduação e mestrado UNESP.
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Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 66
Neste contexto, os serviços urbanos de abastecimento de água e 
esgotamento sanitário envolvem, simultaneamente, os desafi os da escassez 
de recursos naturais e o acesso à população a água em padrões adequados 
de qualidade, denotando o quão complexo é o fenômeno da regulação, 
mostrando ser matéria de interesse público de toda a sociedade, superando 
os limites entre regulador e regulado.
Desta feita, justifi ca-se a escolha do tema, em razão da importância 
dessas questões serem analisadas na busca de uma melhor resposta às 
exigências por uma efi ciente Administração Pública, especialmente pela 
água ser um recurso natural esgotável e que não pode ser substituível.
Portanto, o presente estudo tem por objetivo fazer uma análise do 
controle social dos serviços de saneamento básico, a fi m de identifi car quais 
os mecanismos de participação popular foram contemplados na Lei n. 11.445.
Para tanto, o presente trabalho utilizará o método dedutivo 
bibliográfi co. Neste sentido, a pesquisa bibliográfi ca buscará traçar o 
contexto existente no surgimento e fortalecimento da participação popular 
nas políticas públicas de saneamento básico.
1 DIRETRIZES NACIONAIS PARA O SANEAMENTO BÁSICO
A Lei Federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece 
as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política 
federal de saneamento.
Conforme o art. 3º, inciso I, da Lei n. 11.445, considera-
se saneamento básico:
a) abastecimento de água potável, constituído pelas 
atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao 
abastecimento público de água potável, desde a captação até 
as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário, constituído pelas atividades, infra-
estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, 
tratamento e disposição fi nal adequados dos esgotos 
sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento 
fi nal no meio ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos o conjunto 
de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de 
coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino fi nal do 
lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de 
logradouros e vias públicas;
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 67
d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas o conjunto 
de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais 
de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, 
detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de 
cheias, tratamento e disposição fi nal das águas pluviais 
drenadas nas áreas urbanas;
Nos termos do art. 2º, da Lei n. 11.445, constituem princípios 
fundamentais dos serviços públicos de saneamento básico:
I - universalização do acesso;
II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as 
atividades e componentes de cada um dos diversos serviços 
de saneamento básico, propiciando à população o acesso na 
conformidade de suas necessidades e maximizando a efi cácia 
das ações e resultados;
III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza 
urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas 
adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente;
IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de 
serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais 
adequados à saúde pública e à segurança da vida e do 
patrimônio público e privado;
V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem 
as peculiaridades locais e regionais;
VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano 
e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua 
erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e 
outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria 
da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico 
seja fator determinante;
VII - efi ciência e sustentabilidade econômica;
VIII - utilização de tecnologias apropriadas, considerando 
a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de 
soluções graduais e progressivas;
IX - transparência das ações, baseada em sistemas de 
informações e processos decisórios institucionalizados;
X - controle social;
XI - segurança, qualidade e regularidade;
XII - integração das infra-estruturas e serviços com a gestão 
efi ciente dos recursos hídricos;
XIII - adoção de medidas de fomento à 
moderação do consumo de água.
Ressalta-se que a Lei Federal n. 12.862 de 17 de setembro de 2013, 
com o objetivo de incentivar a economia no consumo de água, alterou a 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 68
Lei Federal n. 11.445, de modo que a Política Nacional de Saneamento 
básico vise: adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de 
água (art. 2º, XIII); estímulo ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de 
equipamentos e métodos economizadores de água (art. 48, XII); incentivar 
a adoção de equipamentos sanitários que contribuam para a redução do 
consumo de água (art. 49, XI); promover educação ambiental voltada para 
a economia de água pelos usuários (art. 49, XII).
No que se refere à titularidade dos serviços de saneamento básico, 
a Lei n. 11.445 não aborda diretamente quem são os titulares do serviço, 
mas prescreve que o titular deve prestar o serviço diretamente ou autorizar 
a delegação dos serviços e defi nir o ente responsável pela sua regulação e 
fi scalização, bem como os procedimentos de sua atuação.A prestação de serviços públicos de saneamento observará o 
referido plano de saneamento básico, cuja responsabilidade por sua edição 
será do titular do serviço, devendo conter os objetivos e metas de curto, 
médio e longo prazo para a universalização do acesso. (art. 19, Lei n. 11.445).
Ademais, os serviços públicos de saneamento básico terão a 
sustentabilidade econômico-fi nanceira assegurada, sempre que possível, 
mediante remuneração pela cobrança dos serviços (art. 29, Lei n. 
11.445), devendo atender a requisitos mínimos de qualidade, incluindo a 
regularidade e continuidade dos serviços. (art. 43, Lei n. 11.445).
Incumbe à entidade reguladora e fi scalizadora dos serviços de 
saneamento básico a verifi cação do cumprimento dos planos de saneamento 
por parte dos prestadores de serviços, na forma das disposições legais, 
regulamentares e contratuais. (art. 20, parágrafo único, Lei n. 11.445).
No tocante a regulação do setor, a Lei n. 11.445 trouxe modernos 
princípios regulatórios, como a independência decisória, autonomia 
administrativa, orçamentária e fi nanceira da entidade reguladora, bem como 
transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões. (art. 21).
Com efeito, são objetivos da regulação estabelecer padrões e 
normas para a adequada prestação dos serviços e para a satisfação dos 
usuários; garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas; 
prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, ressalvada a competência 
dos órgãos integrantes do sistema nacional de defesa da concorrência; 
defi nir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e fi nanceiro dos 
contratos como a modicidade tarifária, mediante mecanismos que induzam 
a efi ciência e efi cácia dos serviços e que permitam a apropriação social dos 
ganhos de produtividade. (art. 22, Lei n. 11.445).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 69
Por fi m, vale ressaltar a criação do Sistema Nacional de 
Informações em Saneamento Básico - SINISA, que tem por objetivo: 
coletar e sistematizar dados relativos às condições da prestação dos serviços 
públicos de saneamento básico;disponibilizar estatísticas, indicadores 
e outras informações relevantes para a caracterização da demanda e da 
oferta de serviços públicos de saneamento básico; permitir e facilitar o 
monitoramento e avaliação da efi ciência e da efi cácia da prestação dos 
serviços de saneamento básico. 
2 CONTROLE SOCIAL DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO
BÁSICO
O controle social, um dos princípios fundamentais da Lei n. 
11.445, consiste nos termos do art. 3º, inciso IV, o conjunto de mecanismos 
e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações 
técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, 
de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos 
de saneamento básico.
Desse modo, a Lei n. 11.445 ao prever expressamente a participação 
popular nos processos de formulação e fi scalização das políticas públicas 
de saneamento básico, homenageou expressamente a cidadania (art. 1º, 
II, Constituição Federal de 1988), fundamento do Estado Democrático de 
Direito, como paradigma para as políticas públicas de saneamento básico. 
Neste diapasão, os planos municipais de saneamento básico 
deverão estabelecer mecanismos de controle social, bem como fi xar os 
direitos e deveres dos usuários. (art. 9º, Lei n. 11.445), sendo assegurada 
ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos 
estudos que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou 
consultas públicas. (art. 19, § 5º, Lei n. 11.445).
Dessa forma, a participação social possui papel especialmente 
relevante nos serviços de saneamento básico, em virtude de, nos citados 
serviços, os usuários não terem a oportunidade de recorrerem a outro 
prestador. (JOURALEV, 2007, p. 22).
Neste sentido:
Controle social e participação em saneamento constituem 
certamente temas da mais importante atualidade no Brasil. 
Defi nitivamente não seria exagero proclamar que o país 
acumula signifi cativo défi cit de democracia nas políticas 
públicas e na gestão dos serviços de saneamento, não tendo 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 70
ainda superado o modelo centralizador e pouco aberto à 
participação, característico de seus primórdios e de sua 
evolução ao longo de largos períodos históricos, muito dos 
quais em que a democracia não era a marca dominante. 
(HELLER L.; REZENDE; HELLER P, 2007, p. 37).
Desse modo, a participação popular na gestão e no processo 
regulatório é extremamente importante, mormente no que se refere aos 
serviços de abastecimento de água, os quais são indissociavelmente ligados 
ao direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana.
O controle social e a participação abrangem tanto os usuários 
diretos do serviço de saneamento básico, isto é, os consumidores, bem 
como os não-usuários do serviço.
Ao se estabelecer que o processo participativo envolve 
usuários e não-usuários do serviço, abre-se duas vertentes. 
A participação dos usuários situa-se no âmbito dos direitos 
do consumidor, do cidadão. Por sua vez, a participação dos 
não-usuários refere-se à dimensão do direito à cidadania, que 
deve ser assegurado a todos os indivíduos de uma sociedade. 
(Ibidem, 2007, p. 39).
E concluem os autores:
Deve-se saudar o potencial de ampliação do exercício de 
cidadania no setor de saneamento com a promulgação 
da Lei nº 11.445. Tal documento legal explicita de forma 
clara a participação e o controle social como um dos 
princípios da política de saneamento do país, embora seja 
tímido em estabelecer os elementos concretos para tal, o 
que dependerá da futura dinâmica do setor e da sociedade. 
Ademais, a exigência de elaboração de planos plurianuais 
de saneamento, nos níveis nacional, estaduais e municipais, 
pode constituir importante meio de envolvimento da 
população na problemática do setor e na tomada de decisão 
sobre seus rumos. Tal futuro requererá, no entanto, além 
da ação das formas políticas relacionadas ao tema, uma 
adequada formulação teórica, conceitual e metodológica. 
(Ibidem, 2007, p. 64).
Os temas de interesse da população no processo regulatório 
não se limitam apenas ao acesso aos serviços de utilidade pública, mas 
também a qualidade do serviço, como a qualidade da água, a pressão da 
água, a continuidade do serviço, bem como a sustentabilidade das fontes 
de abastecimento. (JOURALEV, 2007, p. 21).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 71
Solanes (1999) aborda com maestria os aspectos de especial 
interesse dos consumidores no processo regulatório:
A equidade. Nos serviços de distribuição de água potável e 
saneamento básico, o consumidor residencial não tem escolha 
e, portanto, é fundamental ter consciência de que forma estão 
sendo considerados seus interesses diante das empresas 
reguladas, os acionistas e os grandes clientes comerciais.
Os princípios de prestação e regulação dos serviços devem 
estar de acordo com as melhores experiências em âmbito 
internacional, sobretudo; o critério fundamental para a 
lucratividade das empresas reguladas é o princípio da 
taxa de retorno razoável relativa a serviços efi cientes; as 
vantagens estratégicas e de custos dos prestadores devem 
ser transferidas aos consumidores mediante um redução de 
tarifas ou uma melhoria na qualidade do serviço.
Direito à informação adequada e oportuna. Em especial, os 
consumidores têm especial interesse em:
- Serem notifi cados sobre o início e o conteúdo do processo 
de tomada de decisões que irão afetá-los, e sobre os critérios 
segundo os quais tais decisões serão tomadas, e que lhes seja 
proporcionada a mais completa informação a esse respeito.
- Publicação de informação comparativa pelo regulador 
sobre tarifas, níveis de efi ciência, qualidade doserviço 
e outros indicadores relevantes de desempenho 
das empresas reguladas.
- Análises críticas das alternativas públicas e privadas de 
expansão, assim como as diferentes opções tecnológicas, e 
que estas sejam estruturadas de tal modo que não se tornem 
uma carga muito pesada para a economia e o cidadãos, ou 
que não se tornem, eventualmente, um fator regressivo que 
conspire contra o crescimento, e que seja assegurado um 
escalonamento rigoroso no tempo dos objetivos econômicos, 
sociais e ambientais.
- Publicação de uma análise detalhada das opções sob 
consideração e que seja apreciada a opinião dos consumidores; 
que haja a possibilidade de participação bem informada e 
oportuna no debate; e que possa ser conhecida a justifi cativa 
das decisões. (Apud, JOURALEV, 2007, p. 21,22).
Desse modo, nos serviços de abastecimento de água potável, a 
população não tem escolha, não podendo recorrer a outro prestador do 
serviço, razão a qual faz-se mister que os consumidores tenham ciência 
de que modo seus interesses estão sendo considerados diante dos grupos 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 72
com interesses setoriais, bem como dos entes reguladores, sendo sua 
participação de fundamental importância.
Neste sentido, são condições de validade nos contratos que 
tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico 
a realização prévia de audiência e consulta públicas sobre o edital de 
licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato (art. 11, IV, 
Lei n. 11.445), bem como a previsão de mecanismos de controle social nas 
atividades de planejamento, regulação e fi scalização dos serviços. (art. 11, 
§ 2º, V, Lei n. 11.445).
No Estado de São Paulo a agência reguladora responsável por 
regular e fi scalizar o setor de saneamento básico de titularidade estadual, 
assim como de titularidade municipal dos municípios paulistas que assim 
manifestarem interesse, a exemplo a cidade Franca, é a ARSESP - Agência 
Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo, autarquia de 
regime especial, vinculada à secretaria Estadual de Governo, criada pela 
Lei Complementar 1.025/2007 e regulamentada pelo Decreto 52.455/2007.
A noção de atividade regulatória numa perspectiva de mediação 
ativa de interesses envolve uma dupla atividade estatal, pois de um lado, o 
regulador tem de arbitrar interesses de atores sociais e econômicos fortes, 
como ocorre no equacionamento de confl itos envolvendo compartilhamento 
de infraestruturas ou interconexão de redes de suporte a serviços essenciais. 
Doutro bordo, cumpre ao regulador induzir ou coordenar as atividades em 
cada segmento específi co com vistas a proteger e implementar interesses 
de atores hipossufi cientes. (MARQUES NETO, 2003, p.21).
Com efeito, o objetivo do órgão regulador é proteger o interesse 
público, quer dizer, proteger toda a sociedade, o que também inclui o interesse 
dos consumidores. As empresas reguladas, por sua vez, têm interesse 
próprio, ou seja, maximizar seus lucros. Assim, a participação popular no 
processo regulatório é extremamente importante, a fi m de confrontar os 
interesses e pressões das empresas reguladas (JOURALEV, 2007, p. 23).
Por conseguinte, a participação dos consumidores é essencial 
para salvaguardar a neutralidade e a independência do processo 
regulatório, e reduzir o risco de apropriação do marco regulatório e a 
captura do ente regulador.
O fenômeno da captura dos entes reguladores (agências 
reguladoras) ocorre quando há distorção do interesse público em 
favor do interesse privado, motivada pela enorme pressão do poder 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 73
econômico das empresas reguladas e de grupos de interesses. (JUSTEN 
FILHO, 2002, p. 369).
A doutrina também tem reconhecido o risco de captura por parte 
do poder político, isto é, quando as decisões regulatórias são tomadas 
com vistas a atender os interesses dos ocupantes de cargos políticos. 
(MARQUES NETO, 2002, p. 90). Na verdade, são muito sutis os desvios 
da regulação em favor de um ou outro interesse, de maneira que se 
torna um tanto nebulosa a percepção da quebra da imparcialidade ou da 
independência do ente administrativo. (MARQUES NETO, 2005, p. 16).
Umas das formas de minimizar a possibilidade de captura 
é justamente o fomento à participação dos cidadãos nos processos 
regulatórios, com vistas a ampliar a transparência dos atos das agências.
Outrossim, a participação dos consumidores, além de contribuir 
para reduzir o risco de captura do regulador pelas empresas reguladas, 
pode ajudar a dar mais legitimidade as decisões regulatórias, bem 
como contribuir para uma maior estabilidade política e social, o que é 
essencial para a prestação sustentável dos serviços de utilidade pública. 
(JOURALEV, 2007, p. 25).
Neste diapasão, é imprescindível que as agências intensifi quem 
a divulgação de seu papel institucional, bem como os mecanismos de 
participação social, de modo que o processo deliberativo seja o mais 
transparente possível, com vistas a atender ao interesse público.
Ademais, deverá ser assegurado publicidade aos relatórios, 
estudos, decisões e instrumentos equivalentes que se refi ram à regulação ou 
à fi scalização dos serviços, bem como aos direitos e deveres dos usuários e 
prestadores, a eles podendo ter acesso qualquer do povo, independentemente 
da existência de interesse direto. (art. 26, Lei n. 11.445).
É assegurado, outrossim, aos usuários de serviços públicos 
de saneamento básico, amplo acesso a informações sobre os serviços 
prestados; prévio conhecimento dos seus direitos e deveres e das 
penalidades a que podem estar sujeitos; acesso a manual de prestação do 
serviço e de atendimento ao usuário, elaborado pelo prestador e aprovado 
pela respectiva entidade de regulação; acesso a relatório periódico sobre a 
qualidade da prestação dos serviços. (art. 27, Lei n. 11.445).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Federal n. 11.445/07 – marco regulatório do saneamento 
básico no Brasil - estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento 
básico, um serviço público essencial que ainda não dispunha de uma 
regulação específi ca.
Dentre seus princípios fundamentais, a Lei n. 11.445 consagra o 
controle social, compreendido o conjunto de mecanismos e procedimentos 
que garantem à sociedade informações, representações técnicas e 
participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento 
e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico, 
denotando um grande avanço democrático.
Desse modo, há a previsão de participação popular na elaboração 
e revisão do Plano Municipal de Saneamento Básico, de forma a garantir a 
ampla participação das comunidades, dos movimentos e das entidades da 
sociedade civil, por meio de procedimento que, no mínimo, deverá prever 
fases de divulgação em conjunto com os estudos que os fundamentarem, 
bem como o recebimento de sugestões e críticas por meio de consulta 
ou audiência pública.
Dentre as condições de validade dos contratos que tenham por 
objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico, vale destacar: 
(l) a realização prévia de audiência e de consulta públicas sobre o edital de 
licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato; (ll) mecanismos 
de controle social nas atividades de planejamento, regulação e fi scalização 
dos serviços; (lll) a transparência é um dos princípios da Lei n. 11.445/2007 
e a disponibilização dos planos na internet devem ser obrigatórias para que 
a sociedade possa acompanhar o atendimento das metas de universalização.
Incumbe à entidade reguladora e fi scalizadora dos serviços 
a verifi cação do cumprimento dos planos de saneamento por parte 
dos prestadores de serviços, naforma das disposições legais, 
regulamentares e contratuais.
Neste sentido, a participação popular nos processos regulatórios, 
apresenta-se como elemento essencial, mormente quando a decisão da 
agência afetar direitos fundamentais, bem como com vistas a diminuir a 
possibilidade de captura do ente regulador pela empresa regulada. 
Portanto, verifi ca-se que referido diploma legal trouxe um 
grande avanço ao prever o controle social dos serviços de saneamento 
básico, embora com um pouco de timidez ao estabelecer os mecanismos 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 75
concretos para sua realização. Outrossim, faz-se mister à importância da 
informação, bem como a capacitação técnica dos participantes para uma 
participação efetiva.
Ademais, após 31 de dezembro de 2015, a existência de plano de 
saneamento básico elaborado pelo titular dos serviços será condição para o 
acesso a recursos orçamentários da União ou a recursos de fi nanciamentos 
geridos ou administrados por órgão ou entidade da administração pública 
federal, quando destinados a serviços de saneamento básico.
Enfi m, a relevância do tema é tão grande, que o período de 2005 
a 2015 foi proclamado como a “Década Internacional da Água Fonte 
de Vida”, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas 
(ONU), com o objetivo de promover ações integradas em relação ao 
uso e conservação da água, a fi m de ampliar o acesso à água potável e 
aos serviços de saneamento básico a milhões de pessoas do planeta que 
vivem na extrema pobreza.
REFERÊNCIAS
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e esgoto. In: Regulação: Indicadores para a prestação de serviços de 
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Saneamento Básico. Coord. Arlindo Philippi Júnior. Barueri-São 
Paulo: Manole, 2012.
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de instrumentos para a regulação. In: Regulação: Indicadores para a 
prestação de serviços de água e esgoto. Fortaleza: ABAR, ARCE, 2006.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 77
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO, POLÍTICAS 
PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS: A CONTRIBUIÇÃO 
DO PODER JUDICIÁRIO PARA A PROMOÇÃO DE UMA 
JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
Renan Lucas Dutra Urban1*
INTRODUÇÃO 
Os direitos sociais são direitos positivos, na medida em que 
dependem de uma postura ativa do Poder Público para que sejam efetivados. 
Ordinariamente, as prestações materiais exigidas para a realização desses 
direitos são providas por políticas públicas universalistas, que defi nem o 
que atender (as necessidades públicas), quem atender (os destinatários) 
e em que extensão atender (as contingências sociais), em detrimento 
de outras demandas de interesse geral. Como a realização dos direitos 
sociais é custosa, e os recursos fi nanceiros públicos são escassos, os atos 
que decidem pela implementação de determinada política pública trazem 
sempre consigo um trade-off, isto é, uma escolha disjuntiva que não escapa 
de ser trágica (tragic choices). (AMARAL, 2001, p. 150).
O pensamento liberal tradicional classifi cou como próprias dos 
órgãos de representação popular as tarefas de planejar, elaborar e executar 
políticas públicas (“doutrina da questão política”). O constitucionalismo 
tradicional, na esteira dessa doutrina liberal, fez competir aos Poderes 
Políticos a implementação de tais políticas, submetendo exclusivamente 
ao juízo discricionário deles a escolha dos meios de ação política e a 
defi nição das necessidades sociais a serem satisfeitas (LOPES, 2010, 
p. 163). Presentemente, porém, num contexto de constitucionalização 
do direito infraconstitucional e de judicialização das matérias políticas, 
é impossível exagerar o peso da participação do Judiciário no ciclo de 
efetivação das políticas públicas. Mais do que simplesmente fi scalizar 
sua regular constituição e execução, autoridades judicantes têm exercido 
um papel decisivo no próprio processo de formulação dos programas 
 Mestrando em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” 
- UNESP, Campus de Franca. Graduado em Direito pela UNESP. Membro do Núcleo de 
Pesquisas Avançadas em Direito Processo Civil Brasileiro e Comparado – NUPAD/UNESP.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 78
governamentais, infl uenciando as decisões tomadas no âmbito dos Poderes 
Legislativo e Executivo. (TAYLOR, 2007, p. 230).
Se, por um lado, a existência de um grande número de decisões 
judiciais condenando o Poder Público a entregar prestações fáticas sinaliza 
a conquista de normatividade das disposições constitucionais defi nidoras 
dos direitos sociais, por outro, as diversas críticas lançadas contra essas 
decisões colocam um ponto de interrogação sobre a legitimidade e os 
limites da atuação do Judiciário nessa matéria. Nesse particular, podem ser 
apontadas duas difi culdades, basicamente. 
A primeira se liga à própria compreensão da natureza dos direitos 
sociais e da função por eles desempenhada no espaço democrático, em 
virtude das diferentes abordagens fi losófi cas, políticas, econômicas etc. 
que podem ser realizadas a respeito deles. Liberalismo, utilitarismo e 
consequencialismo são exemplos de formulações que têm algo a dizer 
sobre esses direitos. A segunda difi culdade, que pode ser apontada como 
um refl exo da primeira é a concernente à justiciabilidade desses direitos 
e, bem assim, do papel das instituições e da sociedade civil na elaboração, 
execução e controle das respectivas políticas públicas. 
Este texto explora precisamente o tema da justiciabilidade dos 
direitos sociais. O objetivo principal discutir de que modo o Poder Judiciário 
pode contribuir para a realização de uma justiça distributiva, a partir de sua 
atividade de controle das omissões de estatais e de sindicatos das políticas 
públicas. Com ênfase nas dimensões analítica e normativa da abordagem 
dogmáica,1 defende-se a ideia, aqui, de que um maior diálogo entre as 
instituições acerca de políticas públicas pode maximizar o potencial das 
decisões judiciais para promover alguma forma de transformação social, 
especialmente em favor dos grupos socialmente excluídos.
1 DIREITOS DE DEFESA E DIREITOS A PRESTAÇÕES. 
A JUSTICIABILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
Os direitos fundamentais são, basicamente, direitos de defesa ou 
direitos a prestações.2 Os direitos de defesa, também chamados direitos 
de resistência ou negativos, tem como objeto uma ação negativa do 
1 Cf., acerca da distinção entre método de trabalho e abordagem metodológica, bem como 
sobre as dimensões da pesquisa dogmática, SILVA, 2008a, p. 25-26.
2 Cf., sobre a divisão dos direitos fundamentais em direitos de defesa (ou direitosa 
ações negativas) e direitos prestacionais (ou direitos a ações positivas), ALEXY,2008, 
p. 180-218. Na literatura brasileira, ver, por exemplo, a classifi cação proposta por 
SARLET, 2009, p. 162-207. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 79
destinatário – notadamente o Estado. Qualquer que seja a espécie a que 
pertencem – direitos ao não embaraço de ações, direitos à não afetação 
de características e situações e direitos à não eliminação de posições 
jurídicas (ALEXY, 2008, p. 196-201), a consequência jurídica desses 
direitos consiste sempre num não fazer, numa omissão. (BOROWSKI, 
2003, p. 111). Associados ao contexto histórico e fi losófi co de fundação 
do Estado Liberal, os direitos de defesa se aproximam, em ampla medida, 
da categoria dos direitos fundamentais de 1ª geração/dimensão, composta 
pelas liberdades civis e políticas. Na classifi cação de Jellinek, são os 
direitos de status negativo ou libertatis.3
Os direitos a prestações, por sua vez, cumprem a função de 
assegurar aos indivíduos a proteção de determinada situação jurídica ou 
o desfrute de uma utilidade concreta. Seu objeto consiste na entrega de 
prestações normativas ou fáticas, correspondentes aos direitos prestacionais 
em sentido amplo ou em sentido estrito, respectivamente (SARLET, 2009, 
p. 184-189). Eles defi nem, dessa maneira, uma obrigação positiva para o 
Estado, relacionada ao dever de implementação de políticas públicas sociais 
e econômicas. Assim, enquanto os direitos de defesa visam, basicamente, 
a proteger o indivíduo contra as ingerências do Estado em seu âmbito de 
liberdade pessoal, reclamando deste a adoção de comportamentos negativos, 
os direitos prestacionais voltam-se para a realização da igualdade material, 
e impõem ao Estado a adoção de uma postura ativa, isto é, interventiva nas 
esferas econômica e social. (MIRANDA, 1998, p. 40). A singularidade 
dos direitos a prestações reside, portanto, na obrigação dirigida ao Poder 
Público de criar os pressupostos normativos e materiais para a fruição das 
situações jurídicas por eles protegidas. (KRELL, 2002, p. 19). Na qualidade 
de elementos fundamentais do processo de construção e desenvolvimento 
do Estado Social, tais direitos se associam ao status positivo ou civitatis, e 
se confundem, de certa forma, com a categoria dos direitos fundamentais 
de 2ª geração (direitos sociais, econômicos e culturais).4
3 Para uma análise da teoria dos status de Georg Jellinek, cf. ALEXY, 2008, p. 254-275.
4 A identifi cação dos direitos de defesa com os direitos de 1ª geração e dos direitos 
prestacionais com os direitos de 2ª geração não é rigorosamente exata. De fato, nem 
todos os direitos civis e políticos são negativos: muitos deles são preponderantemente 
prestacionais, isto é, veiculam uma obrigação de fazer ao Poder Público – como, por 
exemplo, o direito dos partidos políticos a recursos do fundo partidário e acesso à 
propaganda política gratuita nos meios de comunicação. Por outro lado, nem todos os 
direitos sociais, econômicos e culturais são prestacionais. O direito de greve e a liberdade 
de sindicalização são exemplos de direitos de 2ª geração que impõem deveres negativos 
ao Estado. Cf., no ponto, SARLET, 2009, p. 159-162. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 80
O debate sobre a efi cácia e a efetividade dos direitos fundamentais 
e, particularmente, dos direitos prestacionais, é bastante intenso. Embora 
já tenha se tornado corrente a afi rmação de que não há norma inscrita na 
Constituição que esteja privada de imperatividade e, portanto, de efi cácia 
(SILVA, 2009, p. 81), questiona-se se o Poder Público pode ser obrigado 
pelo Poder Judiciário a adotar as medidas necessárias para a realização 
desses direitos. No que toca aos direitos a prestações materiais ou fáticas, 
em particular – e aos direitos sociais, em especial –, é possível identifi car 
duas recorrentes objeções à possibilidade de que, com base nas disposições 
constitucionais em que assentados, o Estado seja judicialmente forçado a 
prestar os correspondentes serviços públicos. 
O primeiro argumento frequentemente suscitado em desfavor 
da justiciabilidade dos direitos prestacionais sociais diz respeito à 
efi cácia das normas constitucionais que os preveem. A tese subjacente a 
este argumento é a de que os direitos prestacionais estão defi nidos em 
enunciados dotados de baixa densidade normativa e de elevado índice de 
indeterminação semântica, razão pela qual dependem de uma ação estatal 
para que possam ser exigidos judicialmente. Afi rma-se, nesse sentido, que 
os direitos sociais – à diferença dos direitos de defesa, geralmente defi nidos 
em normas constitucionais com aplicabilidade imediata (efi cácia plena ou 
imediata) – estão consagrados em normas programáticas, dotadas de uma 
aplicabilidade apenas mediata (efi cácia limitada). (SILVA, 2009, p. 140). 
Nesses termos, não seria possível postular, originariamente das normas 
constitucionais defi nidoras dos direitos prestacionais, o fornecimento de 
um bem ou a prestação de um serviço; para que os Poderes Políticos possam 
ser compelidos a adimplir as respectivas prestações materiais, seria antes 
necessária uma defi nição legislativa acerca do que é juridicamente devido 
em relação a tais direitos. (SARLET, 2009, p. 289-291).
O segundo argumento geralmente colocado como óbice à 
exigibilidade dos direitos prestacionais possui natureza pragmático-
fi nanceira, e se volta para os custos fi nanceiros que decorrem da efetivação 
desses direitos. Fundado no truísmo de que políticas públicas demandam 
recursos fi nanceiros para que sejam implementadas, e de que recursos 
fi nanceiros públicos são escassos, tal argumento geralmente é invocado 
para o fi m de enfatizar a dimensão econômica de destaque dos direitos 
prestacionais, no sentido de que dependem da existência de disponibilidades 
fi nanceiras de grande monta para que possam se efetivar. (CANOTILHO, 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 81
2008, p. 106). A questão do custo dos direitos conduz à problemática da 
chamada “reserva do possível”, examinada na sequência.
2 CUSTO DOS DIREITOS E A DIMENSÃO ECONÔMICA DE 
DESTAQUE DOS DIREITOS SOCIAIS
A onerosidade do processo de efetivação dos direitos fundamentais 
não é característica exclusiva dos direitos a prestações materiais. Também 
os direitos de defesa – e os direitos a prestações jurídico-normativas – 
implicam gastos públicos, decorrentes sobretudo da necessidade de criação e 
de manutenção dos pressupostos materiais garantidores do exercício desses 
direitos. Não há dúvida, por exemplo, de que é necessário um conjunto de 
dispêndios para a organização e manutenção da Polícia e dos Bombeiros, 
para se proteger determinados bens, como a vida e a propriedade; o mesmo 
pode ser dito relativamente ao cadastramento eleitoral e à realização das 
eleições, eventos que, não obstante onerosos, se afi guram necessários 
para o exercício dos direitos políticos. De modo análogo, é evidente que 
parte de toda a atuação do Poder Judiciário – cujo regular funcionamento 
imprescinde, como se sabe, de vultosos aportes fi nanceiros – volta-se 
para a proteção dos direitos de defesa, como a propriedade, a segurança, a 
imagem, a honra etc. (BARCELLOS, 2008, p. 264-265).
Os exemplos são inúmeros, e não convém alongá-los. A ideia 
enunciada é razoavelmente tranquila e chega mesmo a ser intuitiva: todos 
os direitos, e não só os prestacionais, possuem uma dimensão econômica. 
Por que o argumento do custo dos direitos, então, é geralmente suscitado 
apenas em desfavor dos direitos prestacionais (sociais)? Há, basicamente, 
duas respostas para essa questão.
Em primeiro lugar, os direitos a prestações materiais – 
precisamente porque a efetivação desses direitos pressupõe o oferecimentode serviços e/ou a distribuição de bens – demandam a mobilização de 
maiores valores em relação ao necessário para a satisfação dos direitos de 
defesa. A realização dos direitos prestacionais custa dinheiro – custa muito 
dinheiro.5 Daí falar-se, pois, que a diferença entre os direitos sociais e as 
liberdades individuais, no aspecto econômico-fi nanceiro, não é natureza, 
mas de grau: ambas as espécies de direitos fundamentais reclamam 
dispêndios para que sejam efetivados, mas aqueles, de uma forma geral, 
5 “[...] hoje, como ontem, os direitos sociais, econômicos e culturais despejam um problema 
inquestionável: custam dinheiro, custam muito dinheiro.” (CANOTILHO, 2008, p. 106).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 82
demandam recursos fi nanceiros em volume maior que o necessário para a 
satisfação destas. (BARCELLOS, 2008, p. 265).
Em segundo lugar, os direitos de defesa e direitos a prestações 
signifi cam distintos custos, dado o modo diferente de realização de cada 
um deles. Veja-se, nesse sentido, que os direitos prestacionais sociais, 
pelo fato de que cumprem uma função eminentemente (re)distributiva, 
têm custos que variam de acordo com a necessidade de cada indivíduo. 
Com afi rma José Reinaldo de Lima Lopes, “[...] ao garantir um direito 
à saúde ou um direito à educação, o que se garante é realmente uma 
prestação positiva que será diferente conforme a condição social e pessoal 
de cada indivíduo ou grupo” (LOPES, 2010, p. 157-158). Por outro lado, 
os custos representados pelos direitos de defesa, como os decorrentes 
do funcionamento do aparelho judiciário ou policial, por exemplo, não 
têm relação direta com os interesses que se quer defender: os valores 
decorrentes de um processo judicial não possuem comunicação necessária 
com o real benefício que se venha a obter ao fi nal desse processo; da mesma 
forma, os recursos demandados para a prestação dos serviços de segurança 
pública não variam consideravelmente em função dos interesses ou bens 
que, por meio desses serviços, são protegidos. Além disso, o objeto da 
prestação, relativamente aos custos que importam aos cofres públicos, é 
diferente nos direitos prestacionais típicos em comparação aos direitos de 
defesa: nestes, a prestação é para a proteção de determinado bem que pode 
ter sido adquirido no mercado; naqueles, a prestação é o próprio serviço 
(que pode ser prestado dentro ou fora do mercado), que o Estado oferece 
à sociedade, universal e igualitariamente, por intermédio das respectivas 
políticas púbicas. (LOPES, 2010, p. 158-159).
Há razões sufi cientemente fortes, portanto, para se concluir que é 
no âmbito dos direitos prestacionais que o “fator custo” assume sua feição 
mais destacada, enquanto obstáculo à efetivação dos direitos fundamentais. 
Como consequência, é dentro da esfera dos direitos prestacionais que 
se coloca e se discute, com muito mais ênfase, a questão da relevância 
econômica desses direitos como obstáculo para sua efetivação. Reverbera 
a doutrina, dessa maneira, a ideia de “neutralidade” econômico-fi nanceira 
dos direitos de defesa, no sentido de que – apesar do impacto para os 
cofres públicos que também decorre da realização desses direitos – a tutela 
jurisdicional das liberdades públicas não costuma estar condicionada a 
uma conjuntura econômica favorável ou à existência de disponibilidades 
fi nanceiras estatais. (SARLET, 2009, p. 285). 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 83
Ou seja: não é corriqueiro que se levante, contra a efetivação 
dos direitos de defesa, a objeção da inexistência ou insufi ciência de 
recursos fi nanceiros públicos. Com efeito, é geralmente em desfavor da 
justiciabilidade dos direitos a prestações materiais (e, especialmente, dos 
direitos sociais) que o problema da “reserva do possível”, em suas vertentes 
fática e jurídica,6 é geralmente discutido e suscitado. 
Os argumentos contrários à justiciabilidade dos direitos sociais 
prestacionais – a efi cácia limitada das normas constitucionais que os 
preveem e a reserva do possível –, embora relevantes, não necessariamente 
afastam, em toda e qualquer situação, uma atuação Poder Judiciário no 
campo da justiça distributiva. De fato, como afi rma Virgílio Afonso da 
Silva, é possível propugnar que os órgãos julgadores têm legitimidade 
para controlar políticas públicas e fazer escolhas alocativas e, mesmo 
assim, sustentar que essa atuação está limitada por uma série de fatores, 
relacionados às próprias características estruturais do Poder Judiciário. 
6 A reserva do possível fática diz respeito à situação de ausência de recursos para a efetivação 
dos direitos prestacionais. Pressupõe, conforme se afi rma, um estado de exaustão 
fi nanceira, de absoluta impossibilidade econômica (fática) do Estado (BARCELLOS, 
2008, p. 262). Ad impossibilia nemo tenetur: ninguém está obrigado ao impossível – 
e o Estado, evidentemente, não foge à regra (LOPES, 2010, p. 159). Em situação de 
indisponibilidade absoluta de recursos fi nanceiros, o Estado estaria desobrigado de prover 
os bens e serviços necessários à efetivação dos direitos sociais. A reserva do possível 
jurídica, por sua vez, aponta para a ilegitimidade democrática das decisões judiciais 
que determinam gastos públicos em matéria de direitos sociais. Como se sabe, o Poder 
Judiciário tem características diversas das dos outros Poderes, uma vez que os agentes 
políticos que o compõem – os juízes – não são eleitos pelo povo, isto é, não são investidos 
em suas funções por processos político-majoritários. Ora, as escolhas alocativas possuem 
um caráter nitidamente político, discricionário, uma vez que “não há um critério único 
que possa ser empregado para todas as decisões a serem tomadas”. (AMARAL, 2001, p. 
114). Além disso, elas possuem um caráter multilateral, na medida em que promovem 
a apropriação, em favor de algumas pessoas, de bens ou serviços fi nanciados por toda 
a sociedade (WANG, 2009, p. 16). Diante disso, a reserva do possível jurídica veicula 
uma objeção contra as decisões judiciais que, sindicando omissões estatais ou políticas 
públicas, implicam a alocação de recursos fi nanceiros, necessariamente escassos. É 
invocada, nesse sentido, para afi rmar a necessidade de que tais escolhas alocativas sejam 
determinadas no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, eleitos democraticamente 
e sujeitos à prestação de contas e à responsabilização política (WANG, 2009, p. 16). 
Relacionado ao argumento da ilegitimidade democrática dos órgãos julgadores para fazer 
escolhas alocativas está o da falta de aptidão desses agentes para controlar os programas 
governamentais destinados a concretizar direitos sociais. Nos termos dessa objeção, a 
formulação e a execução das políticas públicas constituem um processo complexo, 
cuja compreensão demanda senso político e alguns conhecimentos técnico-científi cos 
específi cos. Assim, por mais bem preparados que sejam os juízes, eles não disporiam 
das informações e dos conhecimentos necessários para entender a complexidade técnica 
subjacente às políticas públicas e, mais do que isso, para avaliar o impacto de suas decisões 
para o orçamento público e para o plano de justiça distributiva encampado pelo governo. 
Para uma descrição desse último argumento, na perspectiva das críticas à judicialização 
do direito à saúde, em especial, cf. WANG, 2009, p. 11-15.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 84
(SILVA, 2008b, p. 596). A perspectiva do diálogo institucional ajuda a 
esclarecer o ponto. Confi ra-se. 
3 PODER JUDICIÁRIO E DELIBERAÇÃO SOBRE DIREITOS
FUNDAMENTAIS. A TEORIA DO DIÁLOGO INSTITUCIONAL
Na doutrina constitucional, não é difícil encontrar menções à 
existência de uma incompatibilidade ou, quando menos, tensão entre os 
conceitos de democracia econstitucionalismo. O ponto de sustentação 
dessa dicotomia é a associação, de um lado, da ideia de soberania popular 
e vontade da maioria ao conceito de democracia, e, de outro, da ideia de 
limitação do poder e Estado de Direito ao conceito de constitucionalismo.7 
O debate acerca da legitimidade da atividade judicial consistente 
em declarar inválidas as normas e condutas estatais incompatíveis com 
a Constituição pressupõe exatamente a relação problemática entre esses 
dois ideais políticos. 
A atribuição ao Poder Judiciário da competência para verifi car 
a compatibilidade de leis e atos normativos com a Constituição não 
é autoevidente, explicável em si. Ordens constitucionais há que nem 
sequer preveem mecanismos formais de controle de constitucionalidade. 
E, mesmo nos Estados onde eles existem, geralmente não são poucos os 
desacordos sobre os limites e as possibilidades das decisões proferidas 
em sede de jurisdição constitucional. (HABERMAS, 1997, p. 298). Não 
há relação necessária entre a afi rmação da supremacia da Constituição e 
a existência de um controle judicial de constitucionalidade. A escolha por 
determinado tipo de controle é uma questão de conveniência política, não 
um imperativo lógico. (TROPER, 2003, p. 104). As razões (políticas) que 
se colocam a propósito da necessidade de haver (ou não) um guardião da 
Constituição – isto é, uma instituição incumbida de dar a última palavra 
acerca da interpretação constitucional – quase sempre são conduzidas para 
dentro de uma discussão mais ampla, concernente ao desenho institucional 
que se deseja consagrar à vista do princípio da separação dos poderes. 
Essa discussão pode ser estudada desde variadas perspectivas teóricas. 
No ponto, parece ser sufi ciente apresentar um dos debates que mais têm 
chamado a atenção da doutrina contemporânea: a contraposição das ideias 
de Ronald Dworkin e Jeremy Waldron, correspondentes às noções de fórum 
7 Nesse sentido, Michelman, Como exemplo de posição teórica contrária à dicotomia 
democracia-constitucionalismo e, em particular, à concepção de Michelman, cf. 
HABERMAS, 2001, p. 768-781.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 85
dos princípios e maximização da participação popular, respectivamente. 
Dworkin defende uma concepção de Estado de Direito centrada na ideia 
de direitos como um ideal político. Por essa razão, não vê os conceitos de 
democracia e constitucionalismo como opostos ou confl itantes, mas, bem 
ao contrário, como ideais que podem estar reciprocamente implicados: 
o Estado de Direito enriquece a democracia na medida em que garante 
a existência de um fórum independente, um fórum de princípio, no 
qual questões de direito – e não de política – são discutidas e decididas. 
(DWORKIN, 2001, p. 39). 
Aos parlamentos eleitos pelos processos político-majoritários 
compete tomar decisões sobre como melhor promover o bem-estar da 
coletividade (policies). Porém, em uma democracia constitucional, há 
alguns requisitos morais substantivos que não podem fi car à mercê do 
procedimento majoritário. (MENDES, 2008, p. 7). Para Dworkin, assim, 
não procede a objeção segundo a qual falta legitimidade democrática ao 
Judiciário para invalidar as leis e os atos normativos deliberados pelas 
instâncias políticas; o controle judicial de constitucionalidade (judicial 
review) se legitima pelo fato de ser o Judiciário o locus por excelência 
de garantia dos direitos fundamentais contra as maiorias de ocasião. Se 
Dworkin sustenta uma teoria democrática de cariz “substantivista”, 
Waldron fornece uma de cariz “procedimentalista”. Para Waldron, a 
nota de singularidade de sociedades democráticas é o pluralismo, isto 
é, a convivência de doutrinas abrangentes as mais diversas. O caráter 
abrangente dessas concepções doutrinárias produz, inevitavelmente, 
inúmeros pontos de fricção entre elas. A consequência disso é a incidência 
de um profundo desacordo moral sobre qualquer matéria, aí incluídas 
as concernentes a direitos fundamentais e justiça. Waldron contesta, 
assim, a legitimidade atribuída a juízes e tribunais para dizer a última 
palavra sobre questões constitucionais. Na verdade, o desacordo moral, 
precisamente porque inviabiliza a existência de um critério moral de 
correção baseado na justiça, bem ou verdade (ESTLUND, 2008, p. 192), 
impede que se atribua a alguma instituição o ônus da decisão correta. Em 
face da indissolubilidade desse desacordo moral reinante em sociedades 
pluralistas, é preferível – aduz Waldron – o modelo institucional que 
atribui às instâncias político-majoritárias a competência para decidir sobre 
questões envolvendo direitos fundamentais àquele que outorga aos órgãos 
jurisdicionais a competência para fazê-lo. É que, com reservar a tomada de 
decisões sobre direitos fundamentais aos representantes eleitos, enseja-se 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 86
a maximização do direito de participação em igualdade de condições dos 
cidadãos na comunidade – o direito dos direitos –, algo que defi nitivamente 
não ocorre quando essas decisões são levadas a cabo por intermédio de 
uma minoria, a “elite judiciária”. (SILVA, 2009, p. 204).
O embate das ideias de Dworkin e Waldron é emblemático dos 
polos opostos da tradição constitucional preocupada em desenvolver uma 
teoria da autoridade (“quem decide?”). Ilustra, por assim dizer, o dilema 
subjacente a uma questão geralmente pensada em termos binários: ou 
Judiciário ou o Legislativo deve desfrutar da primazia de dar a palavra 
fi nal sobre direitos fundamentais. Assim, não obstante a existência de 
inúmeras vertentes teóricas no intervalo entre as posições de Dworkin e 
Waldron, a literatura hegemônica que debate a legitimidade da revisão 
judicial costuma enfatizar a necessidade de haver uma autoridade defi nitiva 
sobre litígios constitucionais (“última palavra”), propondo ou bem um 
modelo mais próximo da “supremacia judicial” ou bem um modelo mais 
próximo da “supremacia legislativa”. (MENDES, 2008, p. 36). O desafi o 
que se coloca nessa matéria, então, é o de desenvolver teorias gradualistas 
ou intermediárias, que contribuam para o delineamento de modelos 
alternativos ou promovam uma conciliação entre esses tipos puros, 
evitando os inconvenientes que eles apresentam em suas formas isoladas. 
Modernamente, as propostas desenvolvidas no âmbito das chamadas 
“teorias do diálogo” têm, de alguma forma, enfrentado a questão.8
Como se vê, o enfoque deliberativo de democracia associa 
a ideia de legitimidade de uma decisão à de diálogo e persuasão. Mas, 
quais as implicações normativas da adoção de um enfoque deliberativo de 
democracia para o funcionamento de determinado arranjo institucional? 
Que contribuição este enfoque pode oferecer para a compreensão do 
papel (a ser) desempenhado por tribunais e parlamentos no interior deste 
arranjo? As variáveis de legitimidade de uma democracia, responde 
Conrado Hübner Mendes (2008, p. 201), não se esgotam no procedimento 
8 No contexto da ciência política, as teorias do diálogo quase sempre se situam no marco 
teórico da democracia deliberativa. A construção teórica da democracia deliberativa é 
feita por uma literatura vasta e diversifi cada, sendo muitas as versões de seu conceito. 
Roberto Gargarella (2006a, p. 239), por exemplo, propõe um conceito de democracia 
deliberativa à vista de duas características que lhe seriam fundamentais: a tomada de 
decisões após um amplo debate coletivo e a possibilidade de participação e intervenção 
no processo decisório de todos quantos possam ser afetados pela decisão. Já Joshua 
Cohen (2003, p. 346) vincula a noção de democracia deliberativa a um ideal de 
justifi cação das deliberações públicas. Para ele, o conceito de democracia deliberativa 
está enraizado na ideia de fundamentação da decisão coletiva, somente levada a efeito no 
interior de um processoque privilegia a argumentação pública e o intercâmbio de razões 
entre cidadãos iguais.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 87
(input), abrangendo também os resultados (output). Vale dizer: o princípio 
democrático não se resume a uma estrutura formal de poder, fundada 
em uma divisão de competências infl exível. A caracterização de um 
regime como democrático depende também dos resultados substantivos 
alcançados pelas instituições que dentro dele se concertam. Daí a relevância 
da deliberação, que estimula a criação de uma cultura de maior densidade 
argumentativa, à luz da razão pública. Quanto maior a qualidade do 
processo de deliberação pública, maior o grau de legitimidade da decisão. 
O desempenho deliberativo, guiado pela razão pública, é, assim, o critério 
contextual e comparativo de aferição da legitimidade das oscilações 
operadas no âmbito das funções institucionais.9
Um dos principais debates da teoria constitucional contemporânea 
é o que discute se o modelo de controle judicial de constitucionalidade deve 
ser maximalista ou minimalista, isto é, se se deve adotar uma forma forte 
ou forma fraca de revisão judicial. Nesse cenário, é comum encontrar-se 
menções à necessidade de que, em determinadas circunstâncias, o Poder 
Judiciário assuma uma postura mais ativista ou, ao revés, uma postura 
mais autocontida, deferente para com as opções políticas fi rmadas no 
âmbito dos procedimentos majoritários. 
A discussão sobe de ponto, sobretudo no que diz respeito ao 
chamado controle judicial das omissões estatais, geralmente realizado no 
contexto da sindicação das políticas públicas voltadas para a promoção 
dos direitos sociais. 
4 DECISÕES JUDICIAIS E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
A implementação de políticas públicas constitui processo bastante 
complexo, e as difi culdades relacionadas à realização dos direitos sociais 
afetam também os Poderes Políticos, e não apenas o Poder Judiciário. 
(WANG, 2009, p. 32). Além disso, os obstáculos que se apresentam ao 
Poder Judiciário em matéria de políticas públicas, como já apontado, não 
9 Em face disso, é natural que, em determinadas circunstâncias, “a substância subordine 
o procedimento, ou seja, que uma instituição que tenha alcançado a resposta compatível 
com um critério substantivo de legitimidade prevaleça sobre outra” (MENDES, 
2008, p. 201), não obstante a posição formal por elas ocupada no interior do arranjo 
institucional pré-traçado. A última palavra dada por uma instituição formalmente 
incumbida de fazê-lo não é uma decisão sufi ciente em si e tampouco imune a críticas 
substantivas. Aliás, no contexto das teorias dialógicas, que propugnam pela intervenção 
no debate público de todas as partes potencialmente afetadas pela decisão a ser tomada, 
parece mesmo impensável cogitar sobre a existência de um guardião da Constituição 
(GARGARELLA, 2006b, p. 28).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 88
impedem que se reconheça a importância das deliberações judiciais para 
promover alguma forma de transformação social. De fato, juízes e tribunais 
podem ocupar – e frequentemente ocupam – uma posição crucial no debate 
público sobre direitos prestacionais sociais, contribuindo de maneira direta 
ou indireta para a realização de uma justiça distributiva. A contribuição 
direta se dá nas situações em que os órgãos judicantes deliberam sobre 
pedidos de concessão de prestações materiais, determinando a adjudicação 
de um bem ou a prestação de um serviço. (RESENDE, 2010, p. 70). 
Em princípio, é possível conceber, aqui, que o Judiciário – 
individual, coletiva ou abstratamente – corrija políticas públicas defi cientes, 
suplemente políticas públicas insufi cientes ou controle omissões estatais 
propriamente ditas (inexistência de política pública), de modo a compelir o 
Poder Público a cumprir adequadamente seu dever prestacional. Entretanto, 
mesmo nas ocasiões em que não determinam a entrega de uma prestação 
material, as decisões judiciais sobre direitos sociais podem infl uir na 
realidade, transformando-a. 
Uma atuação efi ciente dos órgãos judicantes nessa matéria, 
além de tornar mais incerto e custoso o processo de tomada de decisões 
políticas, propicia naturalmente o fortalecimento da cidadania ativa, 
ampliando a participação democrática para além dos limites minimalistas 
da democracia representativa. (ARANTES; KERCHE, 1999, p. 31). Fala-
se, assim, em contribuição indireta de juízes e tribunais para a realização 
da justiça distributiva, assertiva que reforça a ideia de que o Judiciário 
pode ser um ambiente privilegiado para a discussão e deliberação sobre 
direitos fundamentais, nos limites da razão pública. 
Em matéria de direitos sociais, as decisões judiciais podem abrir 
um importante canal de diálogo entre as instituições, sobretudo quando 
impõem aos Poderes Políticos o ônus de demonstrar, argumentativamente, 
a conveniência e razoabilidade das escolhas alocativas por eles realizadas. 
Ademais, a judicialização dos direitos sociais tem sempre a potencialidade 
de intensifi car o debate público e criar uma mobilização política em torno 
das questões demandadas. (GLOPPEN, 2006, p. 42). 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 89
Os grupos sociais vulneráveis e menos favorecidos, nesse 
contexto, podem ter no Judiciário a via institucional mais efetiva, célere e 
barata para a concretização de suas reivindicações. (WANG, 2009, p. 34).10
Sem embargo, o desempenho deliberativo do Judiciário e as 
características estruturais dessa instituição podem resultar na não realização 
da justiça distributiva desejada. Há diversas variáveis que interferem com 
a qualidade da atuação do Judiciário em demandas relativas à efetivação 
de direitos sociais prestacionais. A questão da acessibilidade à Justiça, por 
exemplo, remete ao problema da difi culdade de se levar ao conhecimento 
do Judiciário muitas demandas que dizem respeito às pessoas pobres 
e menos instruídas. 
A difi culdade (física e jurídica) de acesso à Justiça pode ser, nesse 
sentido, um fator de agravamento da marginalização social. Outro exemplo: 
a forma pela qual juízes e tribunais deliberam sobre políticas públicas 
pode infl uenciar os resultados do programa de macrojustiça implementado 
pelo governo, produzindo frustração do plano de universalização de 
determinadas prestações materiais e, colateralmente, vulneração dos 
preceitos constitucionais que pautam a atuação da Administração Pública. 
Com efeito, uma intervenção exacerbada do Judiciário no âmbito das 
políticas universalistas, além de levantar a suspeita de ilegitimidade 
democrática, pode trazer consequências indesejadas, como a distribuição 
dos bens e serviços apenas entre aqueles poucos que têm acesso às vias 
judiciais e a desestruturação do plano de ação voltado para a concretização 
dos direitos a prestações – contrariando os princípios constitucionais da 
impessoalidade e da efi ciência administrativa, entre outros. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na moldura da teoria dos diálogos institucionais, é um equívoco 
colocar a contribuição de um dos Poderes acima da participação dos 
demais. As instituições são parceiras, e não adversárias, na construção 
10 Inúmeras outras formas de contribuição indireta do Judiciário para a transformação 
social são apontadas na literatura. Uma dessas formas seria a criação de uma espécie 
de “linguagem sobre direitos fundamentais”, produto da impregnação do discurso 
político pelos argumentos e pelas técnicas utilizados pelo Judiciário na resolução de 
litígios constitucionais (a regra da proporcionalidade, por exemplo). A construção dessa 
linguagem teria a virtude de contribuir especialmente para a sedimentação de critérios 
homogêneos de racionalidade e efi ciência no processo de avaliação das políticas 
públicas, além de elevara qualidade das deliberações públicas, estimular o diálogo entre 
os poderes e tornar mais transparentes as interações havidas entre eles. Cf., no ponto, 
Resende, 2010, p. 71-72.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 90
de soluções para os problemas constitucionais. Em matéria de direitos 
sociais, isso implica defender uma “postura judicial fl exível e moderada, 
que deverá variar conforme as razões e contrarrazões apresentados em 
cada caso levado à sua apreciação”. (RESENDE, 2010, p. 100).
A abertura do procedimento judicial para o diálogo com as demais 
instituições e com os atores sociais, nesse sentido, parece ser fundamental 
para legitimar e melhor efetivar as escolhas alocativas realizadas pelo 
Judiciário. As decisões sobre alocação de recursos públicos possuem um 
caráter discricionário, dada a inexistência de um critério único a partir do 
qual possam ser tomadas. Além disso, tais decisões possuem uma natureza 
trágica, dramática, uma vez que envolvem uma escolha acerca do que deve 
ser ou não atendido num cenário de escassez de recursos e de crescimento 
das demandas sociais e econômicas. (AMARAL, 2001, p. 150).
A democratização do procedimento deliberativo, ao permitir 
a prévia manifestação de todos os diretamente interessados na decisão 
a ser proferida, ameniza a chamada “difi culdade contramajoritária”, 
contribuindo para suprir o défi cit democrático da medida adotada pelo 
Poder Judiciário. Além disso, ela ainda enseja que as políticas públicas 
se tornem mais efi cientes precisamente para os mais interessados nelas, 
por meio da cobrança, da fi scalização e da troca de conhecimentos. 
(WANG, 2009, p. 24).
Concluindo, o Poder Judiciário pode se apresentar como um 
importante fórum de deliberação sobre questões de justiça distributiva. No 
entanto, deve decidir sobre tais questões de forma dialogada com os outros 
poderes e com os atores sociais, tendo sempre ciência das limitações de 
sua atuação. (WANG, 2009, p. 39). 
A abertura para o diálogo com as demais instituições e com a 
sociedade civil, nesse sentido, pode ser uma proveitosa estratégia para 
reduzir as difi culdades que, em matéria de direitos sociais e políticas 
públicas, se lhe apresentam, elevando a qualidade de seu desempenho 
deliberativo e maximizando o potencial de suas decisões para promover 
alguma forma de transformação social, notadamente em favor dos grupos 
marginalizados e menos favorecidos. 
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EIXO 3: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A TUTELA E EFETIVIDADE 
DOS DIREITOS DA CIDADANIA 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 97
DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E ESTADO 
CAPITALISTA: AS CONTRADIÇÕES E LIMITES 
DA LINGUAGEM DOS DIREITOS SOCIAIS COMO 
ESTRATÉGIA DE LUTA PARA A EMANCIPAÇÃO HUMANA
Cauê Ramos de Andrade1*
Stéfanie dos Santos Spezamiglio2**INTRODUÇÃO 
Parte-se da perspectiva da Teoria Crítica dos Direitos Humanos e 
da Teoria do Estado Marxista para estabelecer uma crítica à linguagem dos 
Direitos Humanos como horizonte ético para reger as relações e confl itos 
sociais, especifi camente no que tange aos bens delimitados Classe dos 
Direitos Sociais. Entende-se que a interpretação hegemônica dos Direitos 
Humanos opera uma redução dos confl itos sociais à dimensão jurídico-
institucional, ao mesmo tempo em que se assume a priori a imunização 
e desresponsabilização do mercado para o mesmo escopo. Passa, então, 
a questionar os limites e os riscos deste enquadramento, considerando 
os limites funcionais do Estado Capitalista em prover um ambiente 
prestacional e/ou regulatório adequado para a promoção dos bens tutelados 
por estes direitos. 
A atualidade e relevância do tema a ser tratado está ancorada na 
crise paradigmática que enfrenta o modelo de sociabilidade contemporâneo, 
fundada no esgotamento da promessa sustentada na ruptura da ordem 
da guerra fria de que o modelo político e econômico liberal, conjugado 
pela tróika economia de mercado / democracia representativa / horizonte 
ético dos direitos humanos, seria a solução apta a guiar a as nações até a 
condição última da emancipação e desenvolvimento humanos. Frente a 
esta crise, ressurge a necessidade de problematizar e modelar teoricamente 
o núcleo fundamental da sociabilidade atual, explicitando os seus limites. 
Como objetivo, procura-se estabelecer os limites e os riscos 
do enquadramento dos confl itos pelos bens indicados pela categoria de 
 Advogado. Mestrando em Direito do Estado e Graduado pela Faculdade de Ciências 
Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho – UNESP.
 Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais 
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho – UNESP. Mestranda 
em Teoria e Filosofi a do Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da 
Universidade de São Paulo – USP.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 98
Direitos Sociais na linguagem dos Direitos Humanos, considerando 
os limites funcionais do Estado Capitalista em prover um ambiente 
prestacional e/ou regulatório adequado para a promoção destes bens. Para 
tanto, adota-se uma postura metodológica de “hermenêutica da suspeita em 
relação aos Direitos Humanos como são convencionalmente entendidos e 
defendidos”. (CHAUÍ; SANTOS, 2013, p. 43). A hermenêutica da suspeita 
pressupõe a existência de uma posição ofi cial ou hegemônica, e assume a 
posição crítica, de desconstrução, em relação àquela. O principal método 
de análise utilizado é o materialista dialético, no que implica a evidência 
da dependência contextual e histórica do fenômeno social, isto é, a sua 
compreensão a partir da historicidade e da processualidade do ser, assim 
como o privilégio da contradição enquanto categoria de análise. 
1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS 
O discurso dos direitos humanos enquanto linguagem universal 
da dignidade é celebrado enquanto uma conquista rumo à emancipação 
humana. Entretanto, o panorama contemporâneo atesta que os problemas 
sociais permanecem, a despeito da incorporação inclusive constitucional 
desta interpretação universalista. Neste sentido, Chauí e Boaventura (2013) 
questionam se o discurso hegemônico dos direitos humanos seria uma 
derrota histórica, e não uma vitória. Para responder tal questionamento 
parte de uma hermenêutica de suspeita em relação às concepções 
dos direitos humanos vinculados à sua matriz liberal e ocidental, que 
concebem tais direitos enquanto individuais de modo a privilegiar os 
direitos civis e políticos. 
Os direitos humanos seriam reconhecidamente oriundos do 
Iluminismo do século XVIII, da revolução Francesa e também da revolução 
americana, tinham, portanto, uma tradição revolucionária. No entanto, 
foram introduzidos ao discurso político visando objetivos contraditórios. 
A partir do século XIX o discurso de tais direitos passou a ser concebido em 
um nível que seria “antipolítico”. Foram subsumidos no direito do Estado 
e este assumiu a produção dos direitos e da administração da justiça. O 
discurso dominante dos direitos humanos tornou a dignidade humana 
consonante com as políticas liberais, com o capitalismo em suas diferentes 
metamorfoses e com o colonialismo igualmente metamorfoseado. A 
revisão crítica da construção histórica dos direitos humanos perpassa então 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 99
pelo questionamento se por trás de uma energia em prol da emancipação 
houve uma energia contrarrevolucionária. (CHAUÍ, SANTOS, 2013). 
O projeto moderno se estruturou sobre dois pilares: o da 
regulação e o da emancipação. No que se refere ao pilar regulatório é 
possível afi rmar que se estrutura sob os seguintes princípios: o Estado, 
o mercado e a comunidade. Já o pilar da emancipação foi constituído 
por três lógicas de autonomia racional: a racionalidade expressiva das 
artes , a racionalidade cognitiva e instrumental da ciência e da técnica 
e a racionalidade prática da ética e do direito. Nas palavras de Chauí e 
Santos: “O projeto da modernidade julgava possível o desenvolvimento da 
regulação e da emancipação e a racionalização completa da vida individual 
e coletiva”. (CHAUÍ, SANTOS, 2013, p.26). Ocorreu, no entanto que 
o caráter abstrato dos princípios de cada um dos dois pilares modernos, 
por meio do desenvolvimento do capitalismo, levou a maximização da 
regulação excluindo totalmente a emancipação. Neste caso, há que se 
destacar o papel do direito, que como coloca Chauí e Santos (2013, p. 
26): “O direito é simultaneamente um mosaico de retórica, violência e 
burocracia, em que a prevalência de um ou de outro elemento varia 
conforme a presença ou ausência de democracia na sociedade em que 
o direito opera”. Assim, o desenvolvimento e a constituição da crise do 
paradigma da modernidade possui no jurídico um dado fundamental, 
sendo um componente estratégico no processo fracassado de solução de 
contradições. (CHAUÍ, SANTOS, 2013). 
O conceito de lei e de direito adequado ao individualismo burgês da 
teoria política liberal comunica-se justamente com a noção contemporânea 
e universal de direitos humanos. É fato que esta visão reduzida traduziu-se 
muitas vezes em atos de violência e dominação, resultando em uma ilusão 
do poder emancipatório do discurso em questão. Na realidade a vitória 
histórica dos direitos humanos traduziu-se muitas vezes em um ato de 
violenta reconfi guração histórica, ou seja, as mesmas ações que vistas da 
perspectiva de outras concepções de dignidade humana enquanto ações de 
dominação e opressão, foram reconfi guradas como ações de libertação e 
emancipação. (CHAUÍ, SANTOS, 2013). 
Tal refl exão acaba por expor a ilusão referente ao que seria 
o “monolitismo” (CHAUÍ, SANTOS, 2013, p. 49), ou seja, a tentativa 
constante de minimizar as tensões e contradições internas das teorias dos 
direitos humanos, objetivando garantir a ideia de consenso, sobretudo, no 
direito internacional. Assim, o fenômeno recorrente dos duplos critérios 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 100
na avaliação da observância dos direitos humanos não comprometeria 
a sua validade universal. O discurso corrente cria, ainda, uma noção de 
“antiestatismo”. (CHAUÍ, SANTOS, 2013, p. 50-51). O Estado sempre 
permanece no centro dos debates sobre direitos humanos, porém, tal 
centralidade não permite estabelecer o nexo de causalidades entre grupos 
econômicos não estatais e massivas violações de direitos. Ocorre que 
há uma reconfi guração do poder do Estado decorrente da constante 
infl uência de setores econômicos nacionais e internacionais, o que acaba 
por transformar mandadosdemocráticos em mandados de interesses 
particulares minoritários. Parece evidente, portanto que o caráter de 
paradigma da forma em que se estabelece o conhecimento do mundo está 
alicerçado em uma fonte única de conhecimentos que omite contradições e 
cria uma noção estática de realidade a-histórica. (CHAUÍ, SANTOS, 2013). 
2 O DIREITO E O ESTADO CAPITALISTA
O Estado no modo de produção capitalista possui como fundamento 
de sua legitimidade um caráter de representação social aparentemente 
dissociado dos antagonismos de classe, refl etindo, de forma ideológica, o 
lugar público ideal que orienta e limita a ação dos indivíduos para permitir 
a conciliação entre os interesses coletivos, necessários à continuidade da 
produção material da vida social, e os interesses particulares de caráter 
estrutural. Neste sistema se observa relações assimétricas entre os sujeitos 
coletivos em face dos meios de produção, há, portanto, permanentes 
contradições advindas das relações entre possuidores e não possuidores 
dos meios de produção. Tais relações assumem caráter superestrutural 
(não assumem caráter intersubjetivo) e implicam necessariamente em 
privilégios para um dos polos da relação, evidenciando um caráter de 
dominação. (ALVES, 1987). 
Relações que para serem reproduzidas são fundadas na mediação 
dos aparatos de violência legitimada, caracterizados pelos instrumentos e 
instituições especializados na coação legal e na mediação dos aparelhos 
de domínio de difusão ideológico. Mediadas também a nível jurídico por 
meio de procedimentos específi cos, representados por aparelhos de criação 
normativa básica e de suporte dos símbolos e signifi cações jurídicas. O 
poder social contém em si o consenso que se dará conforme a conjuntura 
da relação de confl ito e dos meios ideológicos envolvidos. O consenso é 
a forma de legitimar o poder político, abarcando as crenças e os valores 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 101
comuns, surge, destarte, no contexto do Estado capitalista, para mascarar 
a distribuição desigual dos resultados da produção social. (ALVES, 1987).
(...) a tolerância ou consenso ativo legitimador, dos 
dominados, no sistema capitalista, aparecem exatamente 
porque as verdadeiras relações assimétricas, e contrapostas 
de modo antagônico, estão toldadas por formas ideológicas 
e jurídico políticas que não se acrescemàquelas relações, por 
fora, mas fazem parte interna de sua própria natureza. Por 
exemplo, as relações abstratas da esfera jurídica são efeitos 
e ao mesmo tempo condicionantes da liberdade e igualdade 
formais das partes contratantes no jogo das relações entre 
trabalho e o capital, sem o que as próprias relações de 
produção nesse sistema seriam impossíveis. Esse processo, 
em sua versão liberal, leva a considerar que a concepção da 
harmonia dos interesses particulares e do equilíbrio social 
(através do mercado, do cálculo econômico de cada agente 
e de cada unidade econômica) representa a mais completa 
antítese de toda a lógica de contradição e da luta de classes. 
As diferenças de função e de classe longe de surgirem aí 
como antagônicas, antes se harmonizam. São componentes 
diferenciadas de um sistema equilibrado sobre qual vela o 
Estado. A diferença não constitui uma contradição porque 
está situada num sistema de troca (mercado) onde estão 
ausentes as relações econômicas de exploração. O capital 
não é uma relação social de sujeição, mas um simples fator 
de produção. (ALVES, 2013, p.180-181).
Alves (1987) coloca, portanto, que em uma sociedade de classes, 
mesmo com adesão ativa na crença da legitimidade do poder dominante 
a violência, mesmo de forma simbólica se faz presente através do próprio 
consentimento. Todavia, se por algum motivo o consenso deixa de exercer 
sua função e o caráter assimétrico da sociedade surge e dá ensejo a 
resistências, mais ou menos conscientes, ocorrerá a neutralização destas 
para manutenção do poder econômico e político das classes dominantes, o 
que ocorrerá através da violência real legitimada do Estado. Nas palavras 
do próprio autor: “a violência implícita”, ou melhor, oculta sob a máscara 
da própria ideologia, deixa de ser ameaça virtual para ser atual e viva 
no sentido de eliminar, diretamente pelo exercício da coação física ou 
psíquica, a recusa de obediência dos membros das classes subalternas. 
(ALVES, 1987, p.185). 
O confl ito de classes neste contexto é, segundo Wood (2003), 
“domesticado”, na medida em que tais confl itos tendem a ser enclausurados 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 102
no interior da unidade individual de produção, mas, se porventura sai às 
ruas, o confronto não se dará entre capital e trabalho, pois, será o Estado 
“neutro” e autônomo” que pacifi cará a situação. Ocorre que no capitalismo 
a economia política universaliza as relações de produção abstraindo as 
determinações sócias específi cas, assim, surge uma harmonia aparente 
no que tange as relações sociais. Cumpre-se ai o objetivo ideológico 
de considerar a produção como algo dirigido por leis naturais e 
independentes da história, e sob tal base, edifi ca-se a sociedade burguesa 
teórica. (ALVES, 1987). 
O Estado surge como autônomo e traz em si uma noção de liberdade 
jurídica e igualdade entre indivíduos livres, que podem relacionar-se através 
de trocas econômicas regidas por leis naturais de mercado. Na realidade, 
a hegemonia política no sistema capitalista, enquanto assinala a dialética 
da violência e do consenso, só pode alcançar legitimidade na medida em 
que a adesão dos dominados se funda na convicção do autogoverno pela 
qual todos os cidadãos individuais se sentem participantes da direção 
social mediante as formas de representação democrática. Isso signifi ca 
que o processo democrático da sociedade burguesa engendra nas pessoas 
a crença de que exercem efetivamente a autodeterminação política e 
que, por consequência, controlam os resultados obtidos nesse âmbito, 
independentemente de relações injustifi cadas de dominação e violência. 
Logo, não há reconhecimento de que existem, no plano econômico, 
dominadores e dominados, exploradores e explorados; nem se trata de 
reconhecimento de uma classe dominante legítima; o que existe é a crença 
de que não há classe dominante, ou melhor, de que não existem classes 
sociais. (ALVES, 1987). 
Os poderes de apropriação de mais valia e exploração não 
se baseiam nas relações jurídica ou política, mas sim em uma relação 
contratual entre produtores livres- juridicamente livres e livres dos meios 
de produção – e um apropriador que tem a propriedade privada absoluta 
dos meios de produção. Ocorreu que a democracia foi delimitada à esfera 
política formalmente separada da economia, ou seja, permitiu-se a extensão 
da cidadania restringindo seus poderes de modifi cação substancial da 
sociedade. A separação entre a condição cívica e a posição de classe opera 
nas duas direções: a posição socioeconômica não determina o direito à 
cidadania- e é isso o democrático na democracia capitalista - mas, como o 
poder do capitalista de apropriar se do trabalho excedente dos trabalhadores 
não depende da condição jurídica ou civil privilegiada, a igualdade civil 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 103
não afeta diretamente nem modifi ca signifi cativamente a desigualdade de 
classe, e é isso que limita a democracia no capitalismo. (WOOD, 2003). 
As condições que tornam viáveis a democracia liberal permitem 
a esfera de dominação e coação criada pelo capitalismo. O fundamento 
do desenvolvimento social e econômico camufl a a reprodução das 
relações econômicas dominantes, perpetuando a exploração e apropriação 
privada da mais valia, como também se oferecem as bases materiais para 
incrementar a força de legitimidade do poder político,no sentido de ocultar 
o modo mais perverso de exploração e violência. O direito positivado, 
neste contexto codifi ca a igualdade formal, legitima a monopolização da 
violência do Estado, mascara a dominação política e econômica. Através 
da dogmática, realiza-se uma manipulação teórica dos aparatos conceituais 
a fi m de transparecer que as soluções estão todas em um sistema de 
direito fi nalizado e perfeito, trata-se da instrumentalidade universal do 
direito. (ALVES, 1987). 
A ideologia da igualdade e da liberdade, fundamental para engendrar 
o sujeito livre e igual perante o Direito (sujeito de direito), o contrato, a 
moeda e o cidadão, alimenta a dinâmica reprodutora do capital dentro de 
uma tensão em que se revela a evidência de profundas desigualdades sociais 
encimadas por um Estado que funcionam aparentemente como árbitro e 
tutor imparcial. Mediante o discurso da igualdade, o Estado enfrenta, com 
avanços e recuos de suas instituições múltiplas e diferenciadas, as relações 
estruturais assimétricas, que são paradoxalmente a sua própria razão de ser. 
O direito na sua expressão racional formal traduz as relações instrumentais 
e funcionais de complementação recíproca entre os papéis dos agentes 
sociais e de suas eventuais composições, aparentemente à margem dos 
confl itos estruturais. Portanto, o direito media os antagonismos de classe, 
transpondo-os para relações de confl itos intersubjetivas. (ALVES, 1987). 
3 OS DIREITOS SOCIAIS NO ESTADO CAPITALISTA
Partir do ponto de vista desenvolvido até aqui signifi ca estabelecer 
que a dimensão político ideológica promovida pelo discurso hegemônico 
dos Direitos Humanos, enfeixado com a divisão do mundo social entre 
Esfera Política, confi nada nos limites do Estado, e esfera econômica, tolhida 
de sua dimensão política, concorre para ocultar a reprodução estrutural da 
desigualdade nas sociedades capitalistas, encapsulando a sujeição concreta 
vivenciada pelas classes subalternas na forma de confl itos jurídicos e, 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 104
portanto, intersubjetivos, desvinculados de seu caráter classista. Esta 
posição contraria, logicamente, a CONSIDERAÇÕES FINAIS divulgada 
pela teoria liberal clássica de que a máxima equalização dos anseios 
sociais poderia ser alcançada pelo engajamento dos sujeitos formalmente 
livres e iguais no mercado; e contraria, também, a perspectiva reformista 
que sucedeu o liberalismo clássico, juridicamente representada pela 
constitucionalização da sociedade e pela positivação e garantia dos Direitos 
Sociais, embasada na crença de que a mencionada equalização poderia 
ser alcançada pela sujeição da sociedade de mercado ao bem coletivo por 
intermédio da intervenção Estatal. 
A perspectiva reformista está construída ao redor do fato histórico 
da necessidade de restruturação do marco ideológico capitalista frente a 
insustentabilidade das sociedades cujo mecanismo de regulação social 
é abandonado ao laissez-faire. Como coloca Arrighi (1996), a evolução 
do capitalismo histórico como sistema mundial obedece um movimento 
pendular entre o liberdade econômica e regulação econômica. O motor 
desta tendência está na própria contradição inerente ao modo de produção 
capitalista. O ideal do mercado autoregulado é construído de forma 
apartada da realidade, considerando os elementos essenciais necessários 
à reprodução da produção, quais sejam o trabalho, os recursos naturais 
e o capital, como unidades inertes, mercadorias desvinculadas de sua 
condição real e disponíveis para a compra pelo capitalista. (ARRIGHI, 
1996). Quando confrontada com o real, esta abstração mostra a sua 
fragilidade, expondo a necessidade de intervenção externa para evitar a 
completa desagregação social e a fi m de garantir as mínimas condições de 
reprodução das relações de produção. (POLANYI, 1957, apud ARRIGHI, 
1996, p. 264). Como sumariza Pirenne:
A competição irrestrita leva [os capitalistas] a lutarem entre 
si e logo desperta resistencia (...) no proletariado explorado 
por eles. E, ao mesmo tempo que essa resistência se ergue 
para enfrentar o capital, este, por sua vez, sofrendo com o 
abuso da liberdade que lhe permitira ascender, obriga-se a 
disciplinar seus negócios. Organizam-se cartéis, trustes e 
sindicatos de produtores, enquanto os Estados, percebendo 
que é impossível deixar que patrões e empregados briguem 
anarquicamente, elaboram uma legislação social. (PIRENNE, 
1953, p. 516, apud ARRIGHI, 1996, p.251).
Considerando o enfeixamento institucional das sociedades 
regidas por Estados Capitalistas, é projetado sobre estes o papel de 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 105
interventores externos, responsáveis por mediar as contradições geradas 
pelo funcionamento do sistema, inclusive aqueles entre capital e trabalho. 
No processo histórico, na medida em que se consolidava o modo de 
produção capitalista a partir da incorporação do industrialismo como 
forma dominante das economias européias ocidentais, acompanharam 
a positivação e prática dos primeiros sistemas de proteção social, como 
aquele elaborado pela Alemanha de Bismark, já em 1883. Segundo 
Arrighi (1996, p. 273): 
A disseminação do desemprego, da inquietação trabalhista 
e da agitação socialista, a persistência das depressões na 
indústria e no comércio, os valores da terra que despencavam 
e, acima de tudo, a terrível crise tributária que o Reich vivia, 
tudo isso se conjugou para induzir Bismarck a intervir para 
proteger a sociedade alemã, a fi m de que a devastação do 
mercado auto-regulador não destruísse o edifício imperial 
que ele acabara de construir. 
A relevância desta relação cresce quão mais severa a 
contradição entre capital e trabalho, atingindo especial importância 
frente ao panorama político do século XX. Como coloca Held (1987), o 
panorama de instabilidade política, caracterizado pelo avanço socialista, 
adicionado ao período de panacéia econômica, e, no plano econômico, 
com a idealização de um novo eixo de ação na economia política liberal 
consistente no paradigma Keynesiano do Estado Interventor, possibilitou 
aos segmentos excluídos vissem incorporada parte da sua agenda dentre 
os objetivos do Estado Liberal, com a implantação do Estado de Bem 
Estar na Europa Ocidental. Tratava-se de demonstrar que as demandas por 
melhoria da condição dos trabalhadores deveriam direcionar-se adentro do 
sistema, e não fora dele. 
O sucesso ideológico, neste sentido, foi tão grande quanto as 
progressivas difi culdades enfrentadas na experiência do socialismo real, 
que no geral desvirtuou-se em regimes autoritários, a tal ponto de tornar-
se enunciado célebre a predição de Fukuyama (1992) da queda do muro 
de Berlim como o “Fim da História” - fazendo referência ao binômio 
capitalismo liberal democracia como o último estágio da evolução 
organizativa da sociedade. 
Peculiar foi a forma como este traço incorporou-se no discurso 
jurídico e político hegemônico, não enquanto ligação estrutural entre 
forma política e forma econômica, mas como eixo ético-axiológico 
positivado nos ordenamentos jurídicos nacionais, na forma de Direitos 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 106
Humanos Fundamentais. Assim, na medida em que a teoria política passa 
a incorporar com ímpeto a matriz teórica do novo constitucionalismo, com 
a promulgação das primeiras constituições dos Estados Sociais, a Doutrina 
dos Direitos Humanos concomitantemente se renova, adicionando uma 
nova categoria de direitos não mais concebidos na lógica negativa dos 
direitos de liberdade, mas de garantias positivas ante a prestações Estatais:
O impacto da industrialização e os graves problemas sociais 
e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas 
e a constatação de que a consagração formal deliberdade e 
igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, 
já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos 
reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, 
atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização 
da justiça social. A nota distintiva destes direitos é a sua 
dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a 
intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, 
sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um direito 
de participar do bem-estar social. (SARLET, 2012, p. 33).
O que cabe discutir, no entanto, desde uma sociologia da suspeita, 
é até que ponto a interpretação dos direitos sociais enquanto “vitória 
histórica” pode ser aproveitada para luta pela manifestação concreta das 
necessidades manifestas nestes mesmos direitos. É preciso ter em mente 
que a dialética da luta emancipatória levada a cabo pelos movimentos 
socialistas e comunistas do século XX “não invocaram a gramática dos 
direitos humanos para justifi car as suas causas e as suas lutas”. (CHAUÍ; 
SANTOS, 2013, p. 46). Não obstante, a quantifi cação do relativo sucesso 
da ameaça contestatória que lograram explicitar no campo político deu-se 
com a conformação das suas causas na linguagem das pretensões jurídicas, 
de matriz liberal e individualista. Com efeito, sumarizado por Santos, os 
Direitos Humanos que produziram emergem como argumento de que “o 
Estado deve agir de modo a realizar as prestações que se traduzem em 
direitos”. (ibid, p. 50-51). 
O mal-estar deste fetichismo Estatalista está na manutenção de 
uma perspectiva abstrata e idealista que eclipsa o elemento contingente à 
autonomia Estatal, intrínseco à sua capacidade para a realização dos fi ns 
sociais. Argumentamos esta contingência em dois pontos. 
O primeiro ponto diz respeito à incapacidade paulatinamente 
demonstrada pela democracia representativa, como mecanismo 
de distribuição do poder político, em estabelecer uma composição 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 107
administrativa de fato democrática e sensível às pautas das parcelas 
oprimidas. Este aspecto é bem evidenciado, de um ponto de vista da ação 
coletiva, na refl exão que fazem Offe e Wiesenthal (1984, p. 62-82) sobre a 
capacidade de organização política das parcelas proletárias, de um lado, e 
capitalistas, de outro, evidenciando “um importante desnível estrutural na 
distribuição de poder na sociedade”. (MARQUES, 1997, p. 9). 
Na perspectiva dos autores, a assimetria estrutural na relação de 
dominação que rege o confl ito entre capital e trabalho permeia também a 
capacidade de organização de cada lado desta relação na medida em que, 
por consequência do caráter subjetivo da força de trabalho como princípio 
associativo de cada trabalhador em relação ao caráter objetivo do capital, 
a ação coletiva dos primeiros “deve ser precedida de solidariedade (única 
forma de evitar o dilema do prisioneiro), organização e diálogo, e para o 
capitalista não há necessidade de nenhuma ação, visto que a sua própria 
existência subordina por defi nição o trabalho morto ao seu comando”. 
(MARQUES, 1997, p. 9). Segundo Offe e Wiesenthal (1984, p. 66): 
Como o trabalhador é, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto 
da troca da força de trabalho, está envolvida, neste caso, 
uma gama bem mais ampla de interesses que no caso dos 
capitalistas, os quais podem satisfazer grande parte de seus 
interesses, de certa forma, paralelamente ao seu desempenho 
enquanto capitalistas.
Projetando esta CONSIDERAÇÕES FINAIS à visão da 
democracia de matriz weberiana, que a interpreta como a competição de 
grupos (de interesse) organizados para defi nir os inputs sociais a serem 
priorizados na formulação dos outputs governamentais, que são as Políticas 
Públicas, estabelece-se a priori uma diferenciação assimétrica entre as 
classes que gozarão do acesso preferencial ao controle e à defi nição da 
agenda Estatal, garantindo a sua subordinação mais ou menos direta, no que 
tange às contradições entre capital e trabalho, aos interesses capitalistas. 
O segundo ponto diz respeito à própria contingência do 
Estado Capitalista enquanto tal no que tange à promoção de políticas 
redistributivas em contrário ao interesse do capital, independentemente 
da sua direção. Neste sentido, Offe e Ronge (1984) observam que há 
um conjunto de limitações estruturais inerentes ao Estado Capitalista, 
que circunscrevem o seu caráter classista e explicam a incongruência da 
expectativa da plena submissão do processo produtivo à sociedade por 
meio da intervenção Estatal. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 108
Segundo os autores, sob a forma do Estado Capitalista “o poder 
público está estruturalmente impedido de organizar a produção material 
segundo seus próprios critérios políticos”. (OFFE, RONGE, 1984, p. 123). 
Isto porque a propriedade sobre os meios de produção é, via de regra, privada, 
e projetada em um contexto onde as interações econômicas são igualmente 
regidas pelo regime privado. Assim, para manifestar as fi nalidades estatais 
no plano concreto, é necessário que o poder público atue como agente 
econômico, movimentando recursos fi nanceiros como condição para 
acessar os bens de propriedade privada. Ainda, os recursos econômicos 
disponíveis estão ligados à dependência dos impostos pelo poder público. 
É dizer, a capacidade econômica do Estado está principalmente vinculada 
ao Sistema Tributário e, através dele, à acumulação privada. (OFFE, 
RONGE, 1984, p. 124). 
Como consequência da conjugação destes dois aspectos, é possível 
dizer que para que seja possível exteriorar o poder estatal, ele depende do 
processo de acumulação capitalista, sem ele mesmo ser capaz de organizar 
este processo. (OFFE, RONGE, 1984, p. 124). Assim, há um interesse 
implícito e estrutural da máquina pública em ver expandir e prosperar a 
acumulação privada em seu território, como condição de sua própria ação 
– por contraste, a constrição da acumulação privada implica na diminuição 
do próprio poder de ação da máquina pública (ibid). A contradição em que 
para intervir efetivamente na compensação das desvirtualidades sociais 
geradas pelo ímpeto acumulador do regime capitalista o Estado depende 
da intensifi cação do padrão de acumulação nacional é inescapável, e está 
muito bem representado no discurso que legitimou o desmonte do Estado 
de Bem-Estar nos países europeus, segundo o qual “a multiplicação de 
direitos, particularmente os direitos sociais, seria um fator de perda de 
competitividade dos Estados, na medida em que tais direitos imporiam 
a criação e manutenção de pesadas e dispendiosas estruturas de serviços 
públicos”. (BUCCI, 2002, p. 4). 
Recuperando a refl exão de Offe e Lehardt (1984) sobre a 
relação entre a emergência de políticas sociais do Estado e as pressões 
estruturais da engrenagem capitalista, parece-nos possível aferir que 
a lógica do mercado foi e progride cada vez mais como fator limitador 
da possibilidade de iniciativas Estatais amplas de efetivação de Direitos 
Sociais – não em um sentido completamente negativo, mas como uma 
tensão permanente entre a necessidade estrutural do capitalismo por 
ações institucionais estabilizadoras do processo de proletarização, de um 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 109
lado, e o repúdio à oneração do capital produtivo, de outro. É por isso 
que o uso emancipatório e contrahegemônico da linguagem dos Direitos 
Humanos, e em especial dos Direitos Sociais, passa necessariamente pela 
desconstrução da interpretação hegemônica destes, associada ao ideal 
Liberal, para buscar novas formas e engrenagens capazes de constranger 
inclusive os atores econômicos e privilegiar de fato o homem como 
referencial objetivamente considerado. 
4 A RECONSTRUÇÃOCRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS 
Para construir novos paradigmas políticos, sociais e econômicos 
primeiramente é preciso questionar a racionalidade cognitivo instrumental 
predominante, que perpassa pela noção de que a humanidade estaria 
destinada ao progresso infi nito, proporcionado pelo conhecimento 
científi co, limitando, assim a abertura de formas alternativas de ser e saber. 
A razão moderna mostra-se imponente para suportar o desafi o de interrogar 
alternativas à ideologia do fi m da história. Trata-se da hegemonia de uma 
razão indolente, incapaz de repensar o presente e, portanto, incapaz de 
trazer novas possibilidades para o futuro. Seria necessário uma razão contra 
hegemônica capaz de reinstituir a tensão entre regulação e emancipação. 
Para tanto é preciso centralizar a denominada “sociologia das ausências” 
(CHAUÍ, 2013, p. 28), que busca identifi car as experiências desperdiçadas 
pela razão indolente e questiona sob quais condições pode se constituir 
como alternativa ao modelo hegemônico. Em um segundo momento é 
preciso destacar a denominada “sociologia das emergências” (CHAUÍ, 
SANTOS, 2013, p. 29), para interrogar o presente e investigar em que 
medida tais alternativas podem ser inseridas em um horizonte concreto 
e contemporâneo de possibilidades. (CHAUÍ, SANTOS, 2013). “O que 
a ecologia dos saberes combate são as hierarquias e poderes universais e 
abstratos, naturalizados pela história e por epistemologias redicionistas. 
(CHAUÍ, SANTOS, 2013, p. 36). 
As contradições que perpassam os direitos humanos devem se 
tornar evidentes, pois a injustiça social assenta-se justamente na injustiça 
cognitiva. A técnica sob a ciência moderna se torna tecnologia, intervenção 
que se coloca como legítima e necessária, mas as crises e catástrofes 
decorrentes de tais práticas são socialmente aceitas como custo social 
necessário e inevitável. Como o conhecimento científi co, evidentemente 
não é distribuído socialmente de forma equitativa, as intervenções advindas 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 110
deste são determinadas por classes e grupos privilegiados que monopolizam 
o acesso à ciência. É preciso, para tanto priorizar uma “ecologia dos 
saberes” (CHAUÍ, SANTOS, 2013, p. 33), ou seja buscar a independência 
complexa entre os diferentes saberes que constituem o sistema aberto de 
conhecimento em constante processo de criação e renovação. (CAHUÍ, 
SANTOS, 2013, p.33). 
Isto posto, coloca-se que os direitos humanos não devem ser 
compreendidos, portanto a partir de teorias universalistas, que parecem 
negar a característica cultural e contextualizada dos direitos ao elevá-los a 
uma noção inerente à pessoa humana, independente do lugar de nascimento 
e dos bens que possui de fato acesso. Os direitos humanos constituem 
um produto cultural originado no Ocidente, no contexto da modernidade 
capitalista, advindo da capacidade de reação diante de relações que 
determinaram o capital como a única e global forma de produzir e destinar 
recursos. (FLORES, 2009). Se considerarmos um sentido marcadamente 
social os direitos humanos são segundo a teoria crítica o resultado de lutas 
sociais e coletivas que tendem à construção de espaços sociais, econômicos, 
políticos e jurídicos que permitam o empoderamento de todas e todos pela 
luta plural e diferenciadamente por uma vida digna. (FLORES, 2009). 
A contextualização parece ser essencial, pois a noção de direitos 
humanos, enquanto mera entidades naturais ou direitos infi nitos, carrega 
em si as contradições aqui narradas, em suas diversas etapas de origem. 
Historicamente tratou-se muitas vezes de justifi cações ideológicas para as 
expansões de dominação por todo o globo, assim, como já foi colocado, os 
direitos humanos possuem em si um caráter, ambivalente. É preciso então, 
reforçar o caráter dinâmico e histórico dos processos sociais e jurídicos 
que permitem abrir e garantir o que resulte das lutas sociais pela dignidade 
humana, sendo que esta será advinda das tradições críticas e antagônicas 
que foram marginalizadas ou ocultadas pela ideologia. (FLORES, 2009). 
A questão central que deve ser destacada é a compreensão dos 
direitos humanos não como algo conquistado e estabelecido pela positivação 
jurídica, ao contrário, já que a efetividade de direitos perpassa por 
relações de poder não explicitadas, mas impostas pelo aparato ideológico 
dominante. A problemática se refere à questão da construção das condições 
que facilitem o acesso igualitário aos bens e recursos necessários para uma 
vida digna. O fato é que os direitos humanos enquanto processos e práticas 
antagonistas estão em constante confl ito com hegemonismos aptos em 
furtar procedimentos de acesso aos processos de luta dos marginalizados. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 111
(FLORES, 2009). O direito é um instrumento necessário de garantia e 
consolidação das lutas sociais pela dignidade humana, já que marca um 
círculo simbólico e discursivo ao redor dos sujeitos reconhecidos por ele 
para evitar que as conquistas possam ser desvirtuadas por aqueles que 
possuem o poder. No entanto, da mesma forma que a linguagem não cria 
a realidade, o direito pode ser instrumento a interpretações ideológicas 
da realidade e as formas de acesso aos bens que são funcionais aos 
seus processos materiais não são neutras, ou seja, estão condicionadas 
pela organização hegemônica que impera em um momento histórico 
específi co. (FLORES, 2009). 
Assim, é necessário dirigir atenção a um sistema político, cultural, 
social, econômico e jurídico que consolide e garanta os resultados das lutas 
sociais, neste sentido a virtude do direito poderia estar nos fundamentos 
sobre os quais se sustenta a garantia dos resultados das lutas sociais por 
um acesso igualitário aos bens. Em outras palavras, trata-se de questionar 
se os produtos culturais, que justifi cam as relações sociais e dão base para 
o edifício jurídico, servem para avançar ou obstaculizar os caminhos da 
cidadania efetiva. (FLORES, 2009). 
Para uma ressignifi cação dos direitos humanos torna-se essencial 
uma quebra de paradigmas em que seja possível avaliar criticamente a 
realidade identifi cando as experiências desperdiçadas pela razão indolente e 
questionando sob quais condições é possível aproveitá-las como alternativas 
ao modelo hegemônico. A luta pela emancipação, que é política e social, 
deve perpassar pelo acesso a uma concepção plural de dignidade humana, 
para além de um discurso hegemônico de direitos humanos tantas vezes 
instrumentalizado para fi ns contraditórios. (CHAUÍ, SANTOS, 2013).
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Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 112
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 113
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AUTONOMIA 
DO DIREITO: A PRESERVAÇÃO DA 
INTEGRIDADE DO DIREITO EM CONTEXTOS DE 
INSTABILIDADE POLÍTICO-ECONÔMICA
Guilherme Bollini Polycarpo1*
 Felipe Rodrigues Xavier2**
Lucas Jonas Fernandes3***
INTRODUÇÃO
O Estado Democrático (e Social) de Direito instituído a partir da 
Constituição Federal de 1988, além de ser confi ssão do Estado Brasileiro 
do fracasso na tarefa de efetivar os direitos e garantias fundamentais de 
segunda e terceira dimensões, tem por imperativo sua compreensão também 
como instituinte de um direito autônomo em relação às dimensões políticas, 
econômicas e morais. Isto para que o direito, ora sob o mandamento 
dirigente-compromissório da Constituição, e, portanto, concretizador de 
seus direitos sociais olvidados durante nosso estado de exceção, não seja 
desviado ou solapado de sua missão constitucional pelo pragmatismo 
político em seus mais variados aspectos, desde as injunções partidárias-
parlamentares momentâneas passando pelos discursos morais corretivos 
(que ali encontram voz) e outros paradigmas de cunho fi losófi co-jurídico 
como a análise econômica do direito e o direito jurisprudencial sumular. 
Assim, ante a promulgação de um documento constitucional 
de viés compromissório cujo conteúdo apresenta um rico catálogo de 
liberdades e direitos sociais, econômicos e culturais, surge, com toda 
sua potencialidade, o confronto com a realidade política, econômica 
e fi losófi ca presente em nosso país, o que tem, até hoje, engendrado a 
Advogado; Bacharel em Direito pela UNESP, CV: http://lattes.cnpq.
br/4145892056864510.
 Jurista; Mestrando em Direito no Programa de Pós-Graduação da Universidade 
Estadual Paulista UNESP. Bacharel em Direito pela UNESP; Membro do Corpo Editorial 
da Revista de Estudos Jurídicos (REJ) do Programa de Pós-Graduação em Direito da 
UNESP; CV:http://lattes.cnpq.br/4323708314077775.
 Jurista; Mestrando em Direito no Programa de Pós-Graduação da Universidade 
Estadual Paulista UNESP.Bacharel em Direito pela UNESP; CV: http://lattes.cnpq.
br/5999705722473339.
http://lattes.cnpq.
http://lattes.cnpq.br/4323708314077775.
http://lattes.cnpq.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 114
grande difi culdade no prevalecimento daquilo que Konrad Hesse chamou 
de vontade da Constituição. 
O presente trabalho se justifi ca pela grande difi culdade apresentada 
pelo Governo, juntamente com os movimentos sociais organizados em maior 
ou menor grau, de garantir efetivamente as disposições constitucionais, de 
modo que cada pessoa tenha possibilidade de concretizar uma vida digna 
dentro dos ditames estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos 
Humanos e conquistas posteriores de mesmo cunho. No atual contexto 
brasileiro, vemos um enfraquecimento do poder Legislativo, visto como 
degradado e corroído pelos lobbys e jogos políticos, com consequente 
aumento de poder do Judiciário, chegando ao ponto de os juízes realizarem 
leis (como é o caso das Súmulas Vinculantes). 
O Legislativo parece carecer de alguns elementos cruciais na 
teoria jurídica de Ronald Dworkin já citados: integridade e coerência. 
O método utilizado será o método dedutivo e a premissa inicial 
poderia ser defi nida como: “é necessária a concretização de um direito 
autônomo, isto é, que guarde relação com os conceitos de integridade e 
coerência (Dworkin), para que se dê ensejo à possibilidade de concretização 
plena das garantias constitucionais”.
1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AUTONOMIA DO DIREITO
O Direito adquiriu importante papel frente à política a partir 
do Século XX, de modo que aquele passou a ser além de ordenador e 
promovedor, também agente transformador, enquanto esta passou a 
depender daquele. Assim, a Constituição obteve um caráter democrático 
e tornou-se um campo de possibilidade da realização do próprio Direito. 
(STRECK, 2009, p.2).
A questão, no entanto, de como dar efi cácia aos preceitos 
insculpidos na Carta Magna, quase três décadas após sua promulgação, 
continua aberta sem que haja perspectiva para uma solução concreta. A 
realização de tais preceitos representaria um avanço em relação ao suposto 
“Estado de bem-estar social”1 brasileiro, em termos normativos e, para 
tal, exige um novo viés hermenêutico despido dos antigos preceitos 
cartesianos e positivistas.
1 Quando examinamos o Estado Social, o antigo Sozial staat alemão, ou o mais recente 
welfare state, – que tem em seu corifeu a fi gura de Gunnar Myrdal e em seu idealizador 
o novamente reverenciado John Maynard Keynes – notamos a centralização das decisões 
nas mãos do Poder Executivo, de modo a possibilitar a realização de políticas públicas e 
viabilizar a intervenção que tal modelo exige, por parte do Estado, na economia. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 115
A hermenêutica jurídica ou a interpretação das normas, 
interpretação esta que auxilia na concretização do sentido destas na medida 
em que são analisadas levando-se em conta a resolução de um caso concreto, 
constitui, infelizmente, negligenciado ramo do pensamento científi co 
jurídico, tanto no universo acadêmico quanto nos juizados de nosso país. 
Em nome de princípios instrumentalistas como a celeridade 
processual muito se têm abdicado da interpretação da lei no momento 
da aplicação em um caso concreto, chegando-se ao ponto extremista 
de imaginarmos magistrados chanceladores, isto é, que reproduzem 
mecanicamente diversas decisões diariamente como em uma linha de 
montagem industrial. 
O “fordismo jurídico” brasileiro, no qual há algumas diretrizes 
interpretativas estabelecidas pelo empregador (Súmulas Vinculantes) que 
deverão ser seguidas sem questionamento por todos os empregados de 
primeira instância, a fi m de que a gigante máquina burocrática continue 
produzindo milhões de sentenças contraditórias ou destituídas de atividade 
hermenêutica, é uma demonstração da inaptidão dos poderes públicos, no 
caso, o Judiciário, em se adequar às exigências da modernidade líquida.2
Grande aliado desta “industrialização” do processo é o 
pensamento neoconstitucionalista ou pós-positivista, que, refratário ao 
giro ontológico-linguístico desencadeado pela fi losofi a de Wittgenstein II 
e Heidegger, mantém-se atrelado ao modelo sujeito-objeto e aos arcaicos 
sistemas cognitivos elaborados por Aristóteles em forma de suas categorias 
e desenvolvidos por Kant em sua Crítica da Razão Pura. 
O giro ontológico-linguístico consiste em uma negação da cisão 
defendidapor Pitágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles entre a vida prática 
e a vida contemplativa, metafísica. Trazendo a linguagem para a instância 
a priori¸ removendo-a da condição de problema na relação entre sujeito e 
objeto, e, inserindo-a como condição de possibilidade para a experiência 
humana, o linguistic turn demonstrou aos fi lósofos que interpretar é aplicar. 
E vice-versa. Isto é, a velha fórmula subtilitas intelligendi, subtilitas 
explicandi, subtilitas applicandi (conhecer, interpretar, aplicar) - como 
afi rma Gadamer em Verdade e Método - ignora que estes três atos estão de 
tal forma atrelados que é impossível interpretar sem aplicar, ou conhecer 
sem interpretar (STRECK, 2009, p. 2).
2 Modernidade líquida é um conceito utilizado pelo sociólogo polonês Zygmunt 
Bauman para descrever os tempos da conexão instantânea e da cultura dos descartáveis. 
Na modernidade líquida tudo é, como o nome sugere, líquido, fl uido, em oposição ao 
capitalismo sólido da primeira modernidade, no qual o modelo fordista atingiu seu apogeu.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 116
Desta forma, incorrem em equívoco aqueles que acreditam ser 
possível aplicar uma determinada norma a um caso concreto sem que haja 
um processo interpretativo. Tal atitude constitui um furo, uma ruptura no 
processo hermenêutico, podendo causar grave ameaça à integridade e à 
coerência de um sistema jurídico. Assim é que a pretensão dos ministros 
do Supremo Tribunal Federal de obrigar o uso do antigo brocardo in claris 
cessat interpretatio ao instituir as Súmulas Vinculantes mostra-se em 
desacordo com as atuais concepções hermenêuticas. 
Estas concepções dizem respeito, portanto, à conexão intrínseca 
entre interpretação e aplicação, de modo que consiste em uma atitude 
metafísica a compreensão destes como momentos separados do ato de 
aplicar uma norma. Mas o que esta mudança paradigmática na questão 
central da fi losofi a (o que é a coisa e como a compreendemos?) pode trazer 
em termos de benefícios para a concretização das garantias elencadas na 
Constituição Federal? 
O Judiciário apresenta, em nosso país, no século XXI, lugar 
de destaque, como antes nunca visto, na evolução política do país. 
Asseguradas as garantias fundamentais pela Carta Magna, o Judiciário foi 
permeado pela função de garantir que os direitos objetivos e subjetivos 
sejam faticamente respeitados pelo Estado, de modo que, como afi rma 
Dworkin, as cortes superiores “transformaram-se” em promulgadoras de 
decisões com caráter político. 
Dworkin assinala que, durante o processo de interpretação 
jurídica, opiniões de discrepantes vieses são declaradas (“liberais, radicais 
ou conservadoras”), tanto sobre o que deveria ser, quanto sobre o que 
realmente é nas normas. E oferece, em seguida, o exemplo de interpretação 
referente a cláusula da igualdade de proteção presente na Constituição dos 
Estados Unidos, arrematando: “Não pode haver nenhuma interpretação 
útil do que signifi ca essa cláusula que seja independente de alguma teoria 
sobre o que é a igualdade política e até que ponto a igualdade é exigida 
pela justiça”. (DWORKIN, 2005, p. 246) 
Em suma, o Estado Democrático de Direito “transmutou” o 
judiciário em depositário da decisão nos casos em que os outros poderes 
estejam agindo em desacordo com Constituição, sendo o judiciário, 
portanto, carregado, em suas decisões, de caráter político. É o Judiciário, 
destarte, o garantidor da Constituição. E disto resulta que, inevitavelmente, 
a concretização dos preceitos constitucionais deverá passar pelas mãos 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 117
do judiciário, sendo este responsável pelo processo interpretativo que dá 
sentido à norma no momento de sua aplicação a um caso.
E disto resulta que, inevitavelmente, a concretização dos preceitos 
constitucionais deverá passar pelas mãos do judiciário, sendo este 
responsável pelo processo interpretativo que dá sentido à norma no momento 
de sua aplicação a um caso concreto. Isto é, é o judiciário importante para 
a desmistifi cação da norma como ente, como fato apriorístico do qual não 
é necessária nenhuma interpretação: da norma como coisa em si. 
É a atitude interpretativa das Cortes Supremas e dos tribunais de 
primeira instância responsável, portanto, pela criação gradual do sentido 
das normas quando estas são confrontadas com os fatos concretos. Esta 
atividade interpretativa é imprescindível para a construção de uma tradição 
jurídica. Tradição esta que, como o compreende Dworkin, não pode ser 
olvidada em importantes decisões envolvendo matéria constitucional, 
fato que observamos com frequência no Brasil e é capaz de ameaçar a 
integridade do ordenamento jurídico. 
Por conseguinte, uma Corte Suprema que não se coaduna com os 
preceitos hermenêuticos mais hodiernos, incapaz de superar a empoeirada 
dicotomia sujeitoobjeto, incapaz de compreender que interpretação e 
aplicação são inseparáveis, isto é, incapaz de compreender a inserção na 
mundanidade, no Dasein heideggeriano, será inapta para a concretização 
dos direitos e garantias fundamentais, estando, no entanto, à mercê de 
teorias incompatíveis com nossa tradição jurídica, de produzir sentenças 
contraditórias ou automatizadas, de, fi nalmente, em nome de princípios 
abstratos, cometer injustiças concretas.
Aqui chegamos, portanto, a questão não menos importante das 
correntes subjetivistas que, ao aderirem ao sujeito solipsista cartesiano 
pretendem superar o objetivismo daqueles que acreditam “na ideia de que 
o intérprete extrai o sentido da norma, como se este estivesse contido no 
próprio texto da norma, enfi m, como se fosse possível extrair o sentido-
em-si-mesmo”. São estes os principais defensores da difusão de princípios 
abstratos observada nas últimas décadas, assim como da utilização errônea 
de teorias importadas, como é o caso da ponderação alexyana. 
As teorias solipsistas, defendidas pelo jovem Wittgenstein, 
podem ser sintetizadas na metáfora do solitário na torre de marfi m, para o 
qual: “The world is my world: this is manifest in the fact that the limits of 
language (of that language which alone I undestand) mean the limits of my 
world”. (WITTGENSTEIN, 1988, p. 19). 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 118
Ou seja, para os solipsistas o mundo é, perante o indivíduo, 
somente aquilo que o mundo o é para ele. Apenas sua visão de mundo é a 
verdadeira e é sua interpretação que irá ditar a defi nição de sua existência. 
A arma de um solipsista é a denominada consciência e, quando o caso é o 
universo jurídico, há o aval legislativo para o uso desta como mecanismo 
de solução de contendas através do princípio do livre convencimento ou 
da persuasão racional. 
O princípio do livre convencimento motivado, princípio da 
persuasão racional entre outras denominações - é conceituado por Pontes de 
Miranda como aquele que permite “ao juiz apreciar as provas livremente, 
a fi m de se convencer da verdade ou falsidade, ou inexatidão parcial, 
das afi rmações sobre os fatos da causa”, de forma que não confere “ao 
juiz liberdade absoluta, mas não lhe impõe critérios rígidos e infl exíveis 
(valores tarifados) na apreciação da prova”. (MIRANDA, 1979, p. 517).
Estes limites, prossegue o mestre alagoano, seriam os seguintes:
a) que o juiz fundamente o despacho, ao ordenar diligências 
que reputa necessárias à instrução do processo, e aquele 
em que indefere diligências que tem por inúteis ou 
manifestamente protelatórias (art. 130); b) que dê as razões 
do seu conhecimento, analisando as provas em que se baseou 
e porque lhes atribuiu o valor com que foram levadas em 
conta (arts. 131 e 458, II e III); c) se bem que o art. 131 
lhe confi ra atribuir valor probatório a provas que não foram 
alegadas pela parte, tais provastêm de ser constantes 
dos autos, de modo que o juiz julgue de acordo com as 
‘provas dos autos’, não se afastando, pois, dos princípios. 
(MIRANDA, 1979, p. 523).
O que acontece, no entanto, a despeito do afi rmado por Pontes de 
Miranda, é o uso do princípio do livre convencimento como escusa para 
o decisionismo judicial e a arbitrariedade no momento dos magistrados 
proferirem despachos e decisões. Este abuso da persuasão racional é 
responsável pela enxurrada de processos contraditórios percebidos em 
milhares de comarcas nos rincões do Brasil. Assim, ora o magistrado 
compreende, por meio de sua consciência, que determinado sujeito é 
culpado de um crime tal, enquanto outrora o exato magistrado decide 
pela absolvição de um suspeito de crime semelhante, em circunstâncias 
semelhantes, também guiado por sua consciência. 
E que não confundamos arbitrariedades como estas com 
pluralidade de opiniões interpretativas e criação democrática de uma 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 119
tradição jurídica fundada na prática reiterada. A arbitrariedade jurídica do 
magistrado é uma das várias realidades que integram o caótico sistema 
jurídico nacional, sendo inclusive bombardeada em sua liberdade por um 
remédio não efi caz e capaz de trazer novos males ao invés de profi laxia: as 
Súmulas Vinculantes. 
Entre Súmulas Vinculantes autoritárias que ditam o procedimento 
a ser seguido rigidamente em toda linha de produção de processos não 
permitindo o questionamento, e juízes convencidos de que suas decisões 
devem ser “sentidas” por sua consciência, a Constituição brasileira 
caminha, aos tropeços, buscando meios (lembremos que a Constituição, 
no entanto, não é ente, não existe em si mesma) para tornar tangíveis 
os inúmeros preceitos fundamentais elencados, com ênfase sobretudo 
no extenso artigo 5º. 
O pós-positivismo aliado à difusão de inúmeros princípios 
instrumentalistas ou excessivamente abstratos e à fi losofi a da consciência 
são os principais causadores da incapacidade do Judiciário em atingir a 
integridade e a coerência necessárias ao Direito a fi m de que estes preceitos 
constitucionais tenham efi cácia factual. Estes fatores representam, ainda, 
um grave entrave para a autonomia do Direito. Apenas o entendimento, 
por meio da superação da dicotomia sujeito-objeto, da viragem ontológico-
linguístico e do fi m da cisão entre mundo teórico e mundo prático 
(entre aplicar e interpretar), de que o processo hermenêutico é de suma 
importância para a construção histórico-tradicional do Direito poderá nos 
guiar rumo a concretização das garantias constitucionais, sem que caiamos 
nos perigos ainda vindouros da modernidade líquida.
2 INTEGRIDADE E COERÊNCIA DO DIREITO
Antes de adentrarmos ao núcleo desta última parte, ou seja, 
a teoria da integridade e coerência do direito tal como composta por 
Ronald Dworkin, faz-se mister algumas pequenas ponderações sobre 
uma diferenciação argumentativa importante existente na obra do grande 
jusfi lósofo. Trata-se dos argumentos de política e argumentos de princípio.3
Os argumentos de política justifi cam uma decisão política e, na 
seara judicial, as decisões que se utilizam de tais argumentos protegem 
3 Estes dois tipos de argumentação, segundo Dworkin, os utilizados em todo campo de 
Direito, de modo que qualquer argumento pode ser a um deles retomado e explicado, 
são mais detalhadamente expostos no terceiro item da parte primeira da obra Uma 
questão de princípio (DWORKIN, 2005, p. 105-153), embora o tema perpasse toda a 
doutrina de Dworkin.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 120
ou fomentam algum objetivo coletivo da comunidade (sociedade) como 
um todo, ainda que alguns direitos individuais ou direitos coletivos 
constitucionalmente previstos tenham de ser sacrifi cados para tanto.
Argumentos de política são, por exemplo, os defendidos pela 
Administração Pública ao realocar recursos em momentos de grave 
necessidade (guerras, calamidades públicas, etc.) ou pelo Judiciário 
quando este proíbe a divulgação de segredos militares. Neste último caso, 
o direito à livre expressão garantido pela Constituição é afastado tendo 
em vista a proteção da sociedade nacional vista como um todo, ou seja o 
entendimento de que esta está indiscutivelmente mais segura se as outras 
potências não lhe conhecem os segredos bélicos.
“Uma ‘política’ [é] aquele tipo de padrão que expõe um objetivo 
a ser alcançado, geralmente uma melhoria em alguma característica 
econômica, política ou social da comunidade”. (Dworkin apud 
GUEST, 2010, p. 65).
Já os argumentos de princípio também justifi cam uma decisão 
política, mas a jurisprudência que se desenvolve a partir destes argumentos 
respeita ou garante um direito constitucionalmente previsto de um 
indivíduo ou de um grupo, independentemente se a sociedade como um 
todo (ou a maioria) ganha com isto.
Um direito político é um objetivo político individualizado. 
Um indivíduo tem direito a certa oportunidade, recurso ou 
liberdade, se esta conta a favor de uma decisão política que 
tem probabilidade de promover ou proteger o estado de 
coisas em que ele usufrui o direito, mesmo quando nenhum 
outro objetivo político é servido e algum objetivo político é 
desservido com isso, e conta contra essa decisão o fato de 
que ela retardará ou colocará em perigo o estado de cosas, 
mesmo quando algum outro objetivo político é servido com 
isso. (Dworkin apud GUEST, 2010, p. 65).
Este tipo de argumento calca-se exclusivamente nos direitos 
constitucionais que os indivíduos ou grupos tenham ou não de acordo 
unicamente com a Constituição e o Estado Democrático de Direito 
vigentes. A preponderância não é da sociedade como um todo, do indivíduo 
isoladamente considerado ou de grupos (por maiores que sejam), mas 
sim dos direitos e garantias que estes possuam segundo a ordem político-
jurídica em que vivem. Em suma, os argumentos de princípios defendem 
direitos e os argumentos de política defendem metas. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 121
Segundo a doutrina dworkiana, são os argumentos de princípio os 
ínsitos à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, isto pois, como 
explicado, tendem a proteger o núcleo de tais conquistas democráticas, 
mormente os direitos fundamentais e a própria funcionalidade (efi cácia) 
do Direito, além de ser muito menos maleável por injunções político-
partidárias momentâneas, crises econômicas ou políticas, o que acaba, por 
fi m, a fortalecer a própria integridade do direito e do Pacto Constitucional.
Ingressando agora verdadeiramente no tema da integridade e 
coerência do direito, é de se ter em conta que a responsabilidade política 
que as instituições públicas têm para os cidadãos, responsabilidade 
esta que advém da democracia, impede qualquer confusão entre 
equidade e padronização.
Será a integridade apenas coerência (decidir casos 
semelhantes da mesma maneira) sob um nome mais 
grandioso? Isso depende do que entendemos por coerência 
ou casos semelhantes. Se uma instituição política só é 
coerente quando repete suas próprias decisões anteriores o 
mais fi el ou precisamente possível então a integridade não é 
coerência; é, ao mesmo tempo, mais e menos. A integridade 
exige que as normas públicas da comunidade sejam criadas 
e vistas, na medida do possível, de modo a expressar um 
sistema único e coerente de justiça e equidade na correta 
proporção. Uma instituição que aceite esse ideal às vezes 
irá, por esta razão, afastar-se da estreita linha das decisões 
anteriores, em busca de fi delidade aos princípios concebidos 
como mais fundamentais a esse sistema como um todo. 
(DWORKIN, 2007, p. 253-254).
A coerência pode ser defi nida como uma virtude política 
que as instituições públicas Administração, Judiciário e Legislativopossuem quando repetem suas próprias decisões anteriores o mais fi el ou 
precisamente possível. (DWORKIN, 2007, p. 253). 
Por sua vez, a integridade é também virtude política e, em grau 
superior à coerência, é exigência jurídico-política da democracia e do 
Estado Democrático de Direito ao impor às instituições públicas que as 
normas da sociedade a qual representam, sejam “abstratas” no Legislativo 
ou “concretas” no Judiciário e na Administração Pública, sejam criadas 
“de modo a expressar um sistema único e coerente de justiça e equidade na 
correta proporção”. (DWORKIN, 2007, p. 267), ainda que seus cidadãos 
estejam “divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça 
e equidade corretos”.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 122
A integridade exige uma sintonia precisa entre o que é 
exigido pela justiça e o que é exigido pela consistência da 
tomada de decisões. Às vezes, ela parece um equilíbrio 
entre a integridade (consistência com a justiça) e o ideal de 
justiça, e sugere que a integridade é um tipo de passo abaixo 
da justiça – uma ‘segunda melhor opção’ (em oposição, 
poderíamos dizer, a um passo dentro dela). [...] Se as práticas 
da comunidade devem ser vistas com base na suposição de 
que as pessoas devem ser tratadas ‘como iguais’, vale a 
pena considerar como isso é diferente de ver o caso ideal na 
justiça e, então, sintonizar precisamente a prática ‘ajustá-la’, 
ao caso ideal, tanto quanto possível. (GUEST, 2010, p. 6).
A situação do direito brasileiro é bastante complexa4. Os 
exemplos pululam acerca da completa falta de integridade (e coerência) 
de nossa legislação, quiçá de nossa Constituição, já modifi cada por mais 
de noventa emendas. Como exemplos, a desproporção gritante no Direito 
Penal. A severidade das penas no Direito Tributário, muitas vezes maior 
do que no crime. As leis benefi ciadoras das classes médias e altas.5 Por 
fi m, todo o imbróglio das discussões na Câmara dos Deputados quanto ao 
fi nanciamento privado de campanha6 e quanto à redução da maioridade 
penal7. Ressalte-se que, quanto ao primeiro tema, o Min. Gilmar 
Mendes fez uso das vistas por um ano e cinco meses e o fi nanciamento 
privado de campanhas políticas apenas voltou à pauta do STF após seu 
“afastamento” pelos deputados.
4 Dworkin como citado por STRECK e ABBOUD: “a força gravitacional do precedente 
não pode ser apreendida por nenhuma teoria que considere que a plena força do 
precedente está em sua força de promulgação, enquanto peça de legislação.” (2014, p. 
69). Esta passagem refere-se à chamada commonlização do direito nacional através da 
jurisprudência vinculante (primeiramente as súmulas vinculantes e agora com o Novo 
Código de Processo Civil, principalmente o IRDR – Incidente de Resolução de Demandas 
Repetitivas) que, em realidade, nada tem a ver com a legítima common law, visto que o 
sistema jurídico nacional não pode ser imposto via legislação.
5 “O art. 9º da Lei 10.684/03 trouxe evidentes benefícios aos sonegadores de impostos e de 
contribuições sociais, ao introduzir a possibilidade de o sonegador fi car isento do crime 
em caso de pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia criminal. Enquanto 
isso, ao “cidadão-comum-não-sonegador”, em caso de crime contra o patrimônio em que 
não tenha restado prejuízo à vítima (restituição ou recuperação da res), há somente o 
benefício do desconto da pena (art. 16 do Código Penal).” (STRECK, 2014, p. 70).
6 COM MANOBRA DE CUNHA, Câmara aprova doação de empresas para partidos nas 
campanhas. O Globo, Rio de Janeiro, 27.05.15. Disponível em: http://oglobo.globo.com/
brasil/com-manobra-decunha-camara-aprova-doacao-de-empresas-para-partidos-nas-
campanhas-16281981. Acesso em: 15.09.15.
7 APÓS MANOBRA, Câmara aprova proposta para reduzir maioridade. G1, São Paulo,
Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/07/apos-rejeitar-pec-camara-
aprova-novotexto-que-reduz-maioridade.html. Acesso em: 15.09.15.
http://oglobo.globo.com/
http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/07/apos-rejeitar-pec-camara-
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 123
A perspectiva do direito como integridade implica que toda 
interpretação judicial tenha por fi nalidade uma descrição 
coerente da ordem jurídica em seu conjunto. Isso porque, em 
uma democracia, a interpretação do direito constitucional 
deve considerar a própria democracia. Assim, as decisões 
que interpretam o devido processo legal e a isonomia 
devem, ao serem concretizadas, necessariamente levar 
em conta todo o restante da principiologia constitucional. 
(ABBOUD, 2014, 463).
O direito brasileiro não oferece nenhuma estabilidade ou segurança. 
Está a mercê de temporárias maiorias congressistas. A situação complica-se 
mais desta vez, pois a maioria atual, religiosamente conservadora, pretende 
(já conseguindo) a dissolução de conquistas democráticas importantes: a 
última em questão é o reconhecimento da união homoafetiva pelo STF 
que está para ser afastada através da aprovação, em comissão especial da 
Câmara dos Deputados, do Estatuto da Família, que defi ne como tal apenas 
aquelas formadas entre homem e mulher (o que ironicamente excluiria a 
própria família de Jesus Cristo).
Há uma principiologia constitucional que garante a 
constitucionalidade da democracia, mesmo que os princípios 
não tenham visibilidade ôntica. Ora, o direito possui uma 
dimensão interpretativa. Essa dimensão interpretativa 
implica o dever de atribuir às práticas jurídicas o melhor 
sentido possível para o direito de uma comunidade política. 
A integridade e a coerência devem garantir o DNA do direito 
nesse novo paradigma. (STRECK, 2014, p. 398).
“A integridade diz respeito a princípios: o governo deve ter uma só 
voz ao se manifestar sobre a natureza desses direitos, sem negá-los, portanto, 
a nenhuma pessoa em momento algum”. (DWORKIN, 2007, p. 259).
Ao substituir-se a expressão “governo” da citação acima por 
Judiciário (na verdade a expressão está como sinônimo para “instituição 
pública”) tem-se a exata defi nição dworkiana para a integridade do 
direito na jurisprudência. A integridade compreendida como virtude e 
responsabilidade políticas devida pelos juízes, como membros do Estado, e 
pelos políticos, gabaritados pelo sufrágio popular e respeito ao constituinte 
originário, aos indivíduos. Assim, a estratégia jurídico-política baseada nos 
direitos e garantias que os cidadãos tenham ou não segundo a Constituição, 
estratégia esta que contemple um conjunto único e coerente de princípios 
(ainda que inevitavelmente surjam discordâncias quanto a quais princípios 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 124
e à justeza deles), e não qualquer outra de cunho utilitarista, econômico 
ou que aposte maciçamente na discricionariedade dos juízes-ministros das 
Cortes Superiores para a uniformização das causas e processos(como vem 
acontecendo com nossa legislação processual) passa a ser uma exigência 
conjunta da democracia, da força normativa da Constituição e do próprio 
Estado Democrático de Direito que, para efetivar-se na seara judicial, terá 
de valer-se dos argumentos de princípio acima expostos. 
Por fi m,
Uma democracia se consolida quando todos os Poderes da 
República apreendem que a Constituição é a explicitação do 
contrato social e o estatuto jurídico do político. Estranhamente, 
no entremeio de uma crise, que não é institucional e sim,
política, alguns brasileiros – que se julgam mais virtuosos 
que os demais – querem fazer crer que a culpa da corrupção 
é a Constituição. É como se democracia fi zesse mal a um 
país: é como se fosse culpa da Constituição o afl oramento 
da corrupção em terrae brasilis. Ora, é preciso entender – e 
qualquer estudante de direito sabe disso – que só se pode 
convocar uma Constituinte – ou qualquerminiconstituinte – 
na hipótese de uma ruptura institucional, que deve ser grave, 
com as instituições inviabilizadas, povo na rua, economia 
em crise, etc. Para a convocação de uma assembleia 
constituinte deve haver uma ruptura com a ordem vigente. 
Enfi m, um golpe, uma revolução. Não se dissolve um 
regime democrático porque se quer fazer outro (como seria 
esse ‘outro’?). A Constituição é coisa séria, fruto de uma 
repactuação (‘we the people...’). E nela colocamos cláusulas 
pétreas e forma especial de elaborar emendas. A supremacia 
da Constituição estabelece impedimento para qualquer 
alteração em desacordo com o que o próprio constituinte 
originário estabeleceu. (STRECK, 2014, p. 399).
Portanto, os conceitos de integridade e coerência do direito 
passam a ser armas importantes (inclusive previstos no NCPC – art. 926, 
resta ver se serão, como se deve, seguidos e respeitados) para não somente 
a manutenção da força normativa da Constituição e seus desideratos, 
principalmente os direitos fundamentais, como seu atingimento, pois a ela 
se dá o respeito máximo com vistas à efetivação. Tal importância assume 
cariz dramático ainda mais em momentos de instabilidade econômica e, 
principalmente, política, tais como nosso país vive, para que o Estado 
Democrático (e Social de Direito) e sua Constituição, as próprias conquistas 
democráticas, enfi m, não soçobrem sob o peso do pasto, da farda e da cruz.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese do exposto, podemos destacar que a Constituição da 
República promulgada em 1988 trouxe como paradigma a necessidade de 
implementação de um Estado Democrático de Direito (ainda incipiente, 
diga-se de passagem), o que se deu a partir da previsão de tarefas dirigidas 
aos Poderes bem como a positivação ao longo de seu texto de um rico 
catálogo de Direitos e Garantias Fundamentais. 
Na pretensão de dar efi cácia à Constituição, soluções inspiradas 
na instrumentalidade do processo e celeridade processual passaram a 
ser prestigiadas no campo teórico e posteriormente prático processual 
e constitucional em detrimento do binômio interpretação-aplicação da 
norma, o que resultou em um fenômeno que mais parece um “fordismo 
jurídico”, no qual há algumas diretrizes interpretativas estabelecidas pelo 
empregador (Súmulas Vinculantes) devem compulsoriamente ser seguidas 
sem questionamento por todos os empregados de primeira instância.
Esqueceu-se, neste afã esforço por instrumentos capazes de 
conferir celeridade ao processo, que o ato de interpretar é indissociável 
do processo de aplicação da norma, como já há tempos demonstrado 
pelo linguistic turn.
Outrossim, na intersecção ente os campos político e jurídico, o 
cenário brasileiro é rico em exemplos acerca da falta de integridade (e 
coerência) de nossa legislação, quiçá de nossa Constituição, já modifi cada 
por mais de noventa emendas. 
Decorrente desse estado de coisas marcado pela previsão de 
mecanismos tendentes à tornar as tomadas de decisão judiciárias em 
processos mecanizados, desprezando-se a realidade dos fatos (muitas vezes 
complexos e minuciosos) bem como pelo desprestígio da coerência entre 
as decisões parlamentares e a vontade da Constituição (Konrad Hesse), 
que varia ao sabor dos discricionários interesses daqueles responsáveis por 
concretizar a Constituição (Congresso Nacional), é o completo detrimento 
da estabilidade e segurança no Direito. 
Em prestígio ao conceito de integridade, tão fundamental à 
concretização de um sólido Estado Democrático de Direito, em que as 
decisões são fundamentadas em princípios, é digno de destaque a previsão 
normativa consubstanciada no art. 926 do Novo Código de Processo Civil. 
Resta saber em que medida se dará a efi cácia deste novo preceito.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 126
REFERÊNCIAS
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dos Tribunais, 2014.
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maioridade.html. Acesso em: 07 jul. 2015.
COM MANOBRA DE CUNHA, Câmara aprova doação de 
empresas para partidos nas campanhas. O Globo, Rio de Janeiro, 
27.05.15. Disponível em:
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Acesso em: 07 jul. 2015.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson 
Boeira. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
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Luiz Camargo. Rev. Téc. Gildo Sá Leitão Rios. 2. ed. São Paulo: 
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Carlos Borges. Rev. Téc. Gildo Sá Leitão Rios. Rev. da Trad. Silvana 
Vieira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. (Coleção Teoria e Filosofi a do Direito).
MIRANDA, Pontes de.Comentários ao código de processo civil. 2. ed. 
Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 517 et seq.
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise:uma 
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 127
STRECK, Lênio Luiz. O Brasil revive a escola do direito livre! E dá-lhe 
pedalada na lei! Consultor Jurídico, São Paulo, 25.06.15. Disponível 
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escola-direito-livre-lhe-pedalada-lei. Acesso em: 07.07.15.
STRECK, Lênio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente 
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de D. F. Pears & B. F McGuiness. 2. ed. Londres: Routledge & Kegan 
Paul, 1988. p. 19 et seq.
http://www.conjur.com.br/2015-jun-25/senso-incomumbrasil-revive-
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 129
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E CIDADANIA: 
O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A 
ACCOUNTABILITY HORIZONTAL
Marina Ribeiro da Silva1*
Guilherme Pinho Ribeiro2**
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional (EC) n. 45, de 8 de dezembro de 
2004, criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão integrante do 
Poder Judiciário brasileiro (art. 92, I-A, CF), responsável por controlar 
a atuação administrativa e fi nanceira do Poder Judiciário e por observar 
o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. (art. 103-B, §4º, CF). 
O CNJ, instituto fruto de uma movimentação que recebeu a alcunha de 
Reforma Judiciária, vem, em um contexto caracterizado pela ascensão 
institucional, pela representatividade política e pela necessidade de 
preservação da independência do Judiciário, promover a comunicação 
de tal Poder com a sociedade e com as outras instituições políticas. 
(BARROSO, 2005, p. 123 – 124). 
A Constituição Federal de 1988, nos ensinamentos de José 
Afonso da Silva, imprimiu a noção de que a cidadania é a “consciência de 
pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da 
dignidade como pessoahumana, da integração participativa no processo 
do poder com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve 
também deveres de respeito à dignidade do outro”. (1999, p. 11). No rol 
dos direitos fundamentais, consta o direito à jurisdição, oferecida, em 
âmbito estatal, pelo Poder Judiciário. Daí a importância de pesquisas 
que objetivem captar como atua o CNJ, responsável, dentre outras 
atribuições, pela implementação de práticas que tornem a atividade 
jurisdicional satisfatória. 
São objetivos específi cos deste estudo: i) assimilar como se deu 
a criação do CNJ a partir dos debates para a Reforma Judiciária; e ii) com 
base nas competências constitucionais do CNJ, apreender se o instituto 
funciona, realmente, como mecanismo de accountability horizontal. De 
 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Ciências 
Humanas e Sociais UNESP, campus de Franca. Advogada.
 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Ciências 
Humanas e Sociais – UNESP, campus de Franca. Advogado.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 130
forma a atingirmos os objetivos propostos, utilizaremos o método de 
pesquisa dedutivo bibliográfi co. Assim, revisaremos parte da literatura 
jurídica que versa sobre o Poder Judiciário, sobre o Conselho Nacional 
de Justiça, sobre accountability, sobre direitos da cidadania. A análise das 
fontes secundárias relativas ao tema exposto culminará no delineamento de 
nosso objetivo geral, qual seja, perceber como a atuação do CNJ contribui 
para a concretização do direito à prestação jurisdicional apropriada.
1 A REFORMA JUDICIÁRIA E A CRIAÇÃO DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA
A inquietação que se convencionou chamar de “Reforma do 
Judiciário” foi positivada pela Emenda Constitucional n. 45, em vigor 
desde 3 de janeiro de 2005. Fruto de um projeto que tramitou no Congresso 
Nacional por mais de uma década, a referida Emenda trouxe inovações 
substanciais para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional brasileira, 
intentando modernizar e tornar mais efi cientes as organizações do Poder 
Judiciário e do Ministério Público, auxiliar o acesso dos cidadãos à 
atividade jurisdicional, minorar o rol dos recursos submetidos à apreciação 
dos tribunais, facilitar a tramitação dos processos, efetuar a aplicação dos 
tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, com sua rápida 
inserção no ordenamento jurídico pátrio. (SOARES FILHO, 2005, p. 72). 
Mesmo que o Poder Judiciário tenha sofrido, ao longo dos 
séculos, uma série de enxovalhos e críticas, a situação do início do milênio 
diferia de toda a experiência anterior em, ao menos, dois enfoques: i) 
“[...] a justiça transformou-se em questão percebida como problemática 
por amplos setores da população, da classe política e dos operadores do 
Direito, passando a constar da agenda de reformas” (SADEK, 2004, p. 83); 
ii) “[...] tem diminuído consideravelmente o grau de tolerância com a baixa 
efi ciência do sistema judicial e, simultaneamente, aumentado a corrosão 
no prestígio do Judiciário”. (SADEK, 2004, p. 83). O cenário encontrado 
quando da aprovação da EC n. 45 era (e continua sendo) marcado por uma 
operação de preponderância do Poder Judiciário. Sobre esta marcha de 
excelsitude do Poder, que remonta à promulgação da Constituição Federal, 
assim se posiciona Barroso: 
Sob a Constituição de 1988, recuperadas as liberdades 
democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais 
deixaram de ser um departamento técnico especializado 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 131
e passaram a desempenhar um papel político, dividindo 
espaço com o Legislativo e o Executivo. Embora seus 
métodos e argumentos sejam jurídicos, não é possível deixar 
de reconhecer a repercussão, sobre o interesse publico, de 
decisões judiciais sobre os temas mais variados, que incluem 
o valor das tarifas públicas, a defi nição das hipóteses legitimas 
de interrupção da gestação ou a defi nição dos poderes do 
Ministério Público na investigação criminal. (2005, p. 123). 
Para Sadek, a Constituição de 1988, assim como as Constituições 
resultantes dos processos de redemocratização no século XX, difere muito 
das anteriores, exemplos típicos do constitucionalismo moderno: enquanto 
estas ambicionavam limitar o poder dos monarcas, afi rmar a autoridade 
da Lei e proteger as liberdades individuais, aquelas enfatizam os valores 
democráticos, visando a realização da justiça social, a promoção de direitos, 
a incorporação de valores da igualdade social, econômica e cultural. (2004, 
p. 79). O foco das Constituições cambiou, portanto, passando a prestar 
atenção a “questões concretas, de natureza social, política e econômica, 
fortalecendo a inclinação do Direito de tornar-se pragmático, embaçando 
as fronteiras entre o Direito e a política”. (SADEK, 2004, p. 79). Daí deriva, 
igualmente, a propensão das Constituições mais novas serem bastante 
detalhadas, buscando resolver temas considerados expressivos, bem como 
especifi car metas, regras e políticas de governo. (SADEK, 2004, p. 80). 
Concomitantemente à percepção de primazia do Judiciário, 
Mônica Teresa Costa Sousa identifi ca, ao longo das décadas de 1990 e 
2000, um verdadeiro projeto de reforma do Estado e modernização 
de práticas administrativas em território nacional. Vejamos. A jurista 
determina que a década de 1980, detentora da alcunha de “década 
perdida”, assinala a crise que arrasou os países da América Latina, nos 
contextos organizacional e fi scal, “crise esta que se deu em razão do 
próprio modelo de desenvolvimento experimentado pelos países latinos 
entre as décadas de 1930 e 1970”. (SOUSA, 2014, p. 357). Nesta 
atmosfera de recrudescimento da administração pública, alargou-se o 
Estado e infl acionou-se a burocratização. Tal situação, “[...] em meados da 
década de 1990 não mais tinha lugar em um ambiente socialmente volátil, 
haja vista o processo de expansão das liberdades individuais e sociais, 
proporcionado pela CF/1988”. (SOUSA, 2014, p. 358). 
De modo que, tendo em vista a implementação da efi ciência e da 
boa administração, o governo federal, com início no primeiro mandato de 
Fernando Henrique Cardoso, desencadeia uma sucessão de reformas com 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 132
o objetivo de reorganizar e de reposicionar o Estado brasileiro em todas as 
suas esferas. (SOUSA, 2014, p. 358). Para Sousa, embora e EC n. 45 seja 
posterior ao governo do ex-presidente Fernando Henrique, é indiscutível 
que tal projeto tenha sido “[...] mantido pelos governos seguintes (Luis 
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff), vide a própria criação do CNJ, 
decorrente direto deste novo modelo de administração”. (2014, p. 358).
2 AS COMPETÊNCIAS E AS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO 
NACIONAL DE JUSTIÇA 
Duas semanas antes da publicação da EC n. 45, no dia 15 de 
dezembro de 2004, foi publicada no Diário Ofi cial da União a Exposição 
de Motivos n. 204. Este documento, denominado “Pacto de Estado em 
favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, consubstanciava, 
dentre inúmeros compromissos fundamentais, a implementação da 
Reforma Constitucional do Judiciário, com destaque para a instalação do 
Conselho Nacional de Justiça e a defl agração dos trabalhos da Comissão 
Especial Mista do Congresso Nacional, designada à aprovação de medidas 
legislativas que ampliassem o acesso à Justiça e que tornassem mais ágil a 
prestação jurisdicional (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004):
Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no 
tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A 
morosidade dos processos judiciais e a baixa efi cácia de suas 
decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam 
investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade 
e solapama crença dos cidadãos no regime democrático. Em 
face do gigantesco esforço expendido sobretudo nos últimos 
dez anos, produziram-se dezenas de documentos sobre a 
crise do Judiciário brasileiro, acompanhados de notáveis 
propostas visando ao seu aprimoramento. Os próprios 
Tribunais e as associações de magistrados têm estado à frente 
desse processo, com signifi cativas proposições e com muitas 
iniciativas inovadoras, a demonstrar que não há óbices 
corporativistas a que mais avanços reais sejam conquistados. 
O Poder Legislativo não tem se eximido da tarefa de 
contribuir para um Judiciário melhor, como demonstram a 
recém-promulgada reforma constitucional (EC nº 45/2004) 
e várias modifi cações nas leis processuais. A reforma do 
sistema judicial tornou-se prioridade também para o Poder 
Executivo, que criou a Secretaria de Reforma do Judiciário 
no âmbito do Ministério da Justiça, a qual tem colaborado na 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 133
sistematização de propostas e em mudanças administrativas. 
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004). 
Com sede na Capital Federal, o Conselho Nacional de Justiça é 
composto, nos termos do art. 103-B, CF, por quinze membros, com mandato 
de dois anos, admitida uma recondução. O Texto constitucional determina 
que, dentre tais membros, constarão nove magistrados, dois membros 
do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos, de notável saber 
jurídico e reputação ilibada. Tem-se, ainda que o CNJ, de acordo com o 
art. 92, I-A, CF, pertence ao próprio Poder Judiciário. Carlos Eduardo de 
Abreu Boucault oferece tal perspectiva sobre a questão:
Na verdade, essa problemática encontra suas raízes no 
fenômeno da institucionalização do CNJ, como um 
segmento orgânico do sucedâneo do Conselho Nacional da 
Magistratura, entidade originária da Emenda Constitucional 
n. 7, de 13 de abril de 1977, a qual era composta por sete 
ministros do Supremo Tribunal Federal, escolhidos pelos 
próprios ministros e cuja atribuição precípua defi nia-se 
como essencialmente de natureza correcional com relação a 
atos praticados pelos juízes que, se condenados por ilicitudes 
de toda ordem, seriam punidos com disponibilidade ou 
aposentadoria. [...] Predomina neste contexto uma ilustração 
do corporativismo, fator arraigado à cultura institucional 
da organização política da História do Brasil, expresso 
pelas composições políticas na articulação estruturante 
das instâncias do Judiciário, que mantém seus estamentos 
imunes a qualquer forma de controle externo que visualize 
os meandros silentes e mecanismos sigilosos de processo 
de caráter disciplinar envolvendo membros na carreira da 
magistratura. (BOUCAULT, 2014, p. 356). 
Longe de se pretender corporativista, o Conselho mira ser 
uma solução democrática e transparente para o descrédito generalizado 
a respeito de inúmeros temas relacionados à prática jurisdicional. Em 
seu site, o CNJ informa que sua missão consiste em contribuir para que 
a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, efi ciência e 
efetividade em benefício da Sociedade. Para tanto, empenha-se em zelar 
pela autonomia do Poder Judiciário e pela efetivação plena do Estatuto da 
Magistratura; em defi nir o planejamento estratégico, os planos de metas e 
os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário; em receber 
reclamações, petições eletrônicas e representações contra membros ou 
órgãos do Judiciário; em julgar processos disciplinares; em implementar 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 134
melhores práticas que privilegiem a celeridade, através da elaboração 
e publicação semestral de relatório estatístico sobre movimentação 
processual e outros indicadores pertinentes à atividade jurisdicional em 
todo o País. (CNJ, 2015). 
Adequa-se, desta forma, aos ditames constitucionais expressos no 
art. 103-B, §4º, CF, que confere competência ao CNJ, em linhas gerais, de 
controlar a atuação administrativa e fi nanceira do Poder Judiciário e do 
cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Sousa endossa que o órgão, 
por ter sido concebido a partir de um novo modelo de administrar a coisa 
pública, propicia que qualquer cidadão engendre sua atuação – bastando 
apenas que a representação relacione-se à competência institucional do 
Conselho, e atenda às determinações do art. 42 do Regimento Interno do 
CNJ. (2014, p. 364). A pesquisadora refl ete, fi nalmente, que a harmonização 
a este novo modelo de Administração Pública brasileira se refl ete, também, 
“nas disposições do art. 4º, II, do RICNJ, pois é compromisso deste 
Conselho zelar pela ‘observância do art. 37 da CF/1988 e apreciar, de ofício 
ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados 
por membros ou órgãos do Poder Judiciário”. (SOUSA, 2014, p. 364).
3 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA COMO MECANISMO 
DE ACCOUNTABILITY JUDICIAL 
Anna Maria Campos publicou, em 1990, o estudo “Accountability: 
quando poderemos traduzi-la para o português?”, em um período marcado 
pela reestruturação política e democrática do país e de suas instituições. 
Perplexa com o funcionamento moroso e duvidoso da Administração 
Pública brasileira, a estudiosa tratou de comparar a vivência da 
accountability em solo estadunidense à experiência pátria:
Daí decorreu que a accountability começou a ser entendida 
como questão de democracia. Quanto mais avançado o 
estágio democrático, maior o interesse pela accountability. E 
a accountability governamental tende a acompanhar o avanço 
de valores democráticos, tais como igualdade, dignidade 
humana, participação, representatividade. A inevitável 
necessidade do desenvolvimento de estruturas burocráticas 
para atendimento das responsabilidades do Estado traz 
consigo a necessidade da proteção dos direitos do cidadão 
contra os usos (e abusos) do poder pelo governo como um 
todo, ou de qualquer indivíduo investido em função pública. 
Na proporção em que as organizações ofi ciais aumentam 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 135
seu tamanho, complexidade e penetração na vida do cidadão 
comum, cresce também a necessidade de salvaguardar este 
último dos riscos da concentração de poder nas mãos dos 
servidores públicos, quando esses não são representantes 
ativos dos cidadãos [...] (CAMPOS, 1990, p. 4). 
Sem poder fornecer um sinônimo para accountability, Campos 
dissertou que uma sociedade, para tornar-se capacitada para o exercício do 
controle sobre o Estado, precisa, antes de tudo, atingir um certo nível de 
organização de seus interesses públicos e privados. (1990, p. 5). Isto porque 
existe um caráter de obrigação embutido no conceito de accountability – 
se ela “não é sentida subjetivamente (da pessoa perante si mesma) pelo 
detentor da função pública, deverá ser exigida ‘de fora para dentro’; deverá 
ser compelida pela possibilidade da atribuição de prêmios e castigos àquele 
que se reconhece como responsável”. (CAMPOS, 1990, p. 3). 
Pinho e Sacramento, retomando, passadas quase três décadas, 
o diálogo com Campos, afi rmam que, ainda hoje, grande parte dos 
trabalhos que versam sobre accountability mencionam expressamente a 
difi culdade de se traduzir o termo, adotando, desta forma, o pressuposto 
de que não existe, em língua portuguesa, um vocábulo que, sozinho, 
expresse todo o signifi cado de accountability (2009, p. 1346). Em busca 
de uma síntese, os autores determinam que “accountability encerra a 
responsabilidade, a obrigação e a responsabilização de quem ocupa um 
cargo em prestar contas segundo os parâmetros da lei, estando envolvida 
a possibilidade de ônus, o que seria a pena para o não cumprimento 
dessa diretiva”. (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1348). Não deixam, 
de toda forma, de mencionar as inquietações de Schedler (1999 apud 
PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1349), paraquem o signifi cado de 
accountability, muito embora seja largamente utilizado por instituições 
fi nanceiras, líderes de partidos, ativistas de bases, jornalistas, juristas e 
cientistas políticos, permanece evasivo. 
Guillermo O’Donnell diferencia, em accountability, as 
dimensões vertical e horizontal. Defi ne esta como a existência de agências 
ou organismos estatais que, imbuídos do direito e do poder legal, são 
capacitadas para realizar uma série de ações “[...] que vão desde a supervisão 
de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou emissões 
de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualifi cadas como 
delituosas”. (O’DONNELL, 1998, p. 40). 
Os mecanismos de accountability horizontal incluem as instituições 
do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, se estendendo, também, por 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 136
inúmeras agências de supervisão, como os ombudsmen e as instâncias 
encarregadas de fi scalizar as prestações de contas. (O’DONNELL, 
1998, p. 42). A dimensão vertical da accountability, por sua vez, se dá 
por intermédio de eleições, nas quais os cidadãos votantes podem “[...] 
punir ou premiar um mandatário votando a seu favor ou contra ele ou os 
candidatos que apoie na eleição seguinte”. (O’DONNELL, 1998, p. 28):
Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente 
proferidas, sem que se corra o risco de coerção, e cobertura regular 
pela mídia ao menos das mais visíveis dessa reivindicações 
e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas são 
dimensões do que chamo de "accountability vertical". São 
ações realizadas, individualmente ou por algum tipo de 
ação organizada e/ou coletiva, com referência àqueles que 
ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não. 
(O’DONNELL, 1998, p. 28). 
Pinho e Sacramento sinterizam que, para O’Donnell, “a dimensão 
vertical pressupõe uma ação entre desiguais – cidadãos versus representantes 
– a dimensão horizontal pressupõe uma relação entre iguais – checks and 
balances entre os poderes constituídos” (2009, p. 1351). O CNJ, na visão 
de Tomio e Robl Filho, é um órgão responsável por exercer accountability 
sobre outros agentes estatais como tribunais, magistrados, serviços 
auxiliares, prestadores de serviço notarial e de registro que atuam por 
delegação. Desse modo, a principal modalidade de accountability praticada 
pelo CNJ é a accountability horizontal, mas o órgão também desempenha 
elementos de accountability vertical não eleitoral (2013, p. 41):
Essa competência (fi scalizar legalidade, impessoalidade, 
moralidade, publicidade e efi ciência) possui principalmente 
função de accountability horizontal, já que o CNJ (agente 
estatal) fi scaliza a concretização de valores da administração 
pública. Por sua vez, a concretização desses princípios, 
como a publicidade, permite a realização de accountability 
social (vertical não eleitoral) sobre magistrados e serviços 
auxiliares, sendo aplicadas as sanções de exposição pública 
ou de denúncias às ouvidorias. [...] Por outro lado, a 
publicação dessas informações permite ao povo, mandante 
dos agentes estatais eleitos ou não eleitos, e a grupos da 
sociedade civil exercerem a accountability social sobre o 
poder Judiciário. (TOMIO; ROBL FILHO, 2013, p 42).
Munidos dos dados e informações fornecidos pelo CNJ, os 
cidadãos e outros grupos da sociedade civil tornam-se capazes de debater 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 137
a atuação de todo o Poder Judiciário, “questionando se a independência 
judicial institucional está sendo bem utilizada para prestar uma jurisdição 
adequada e célere aos cidadãos”. (TOMIO; ROBL FILHO, 2013, p. 42). A 
concepção de Sousa é ligeiramente diferente. 
Para a jurista, o CNJ exerce accountability horizontal, uma vez 
que não age como mero sancionador ou controlador das ações do Judiciário, 
mas atua como uma agência estatal de monitoramento e aprimoramento 
(SOUSA, 2014, p. 357). Diante das opiniões aqui apresentadas, cabe ainda 
questionar: o Conselho Nacional de Justiça, integrante do próprio Poder 
Judiciário, pratica, real e especifi camente, accountability horizontal? 
Afi nal, na concepção de O’Donnell (1998), a accountability horizontal 
é exercida por agentes ou agência estatais de forma a fi scalizar e 
responsabilizar outros agentes ou agências do Estado. Ainda não podemos 
fornecer esta resposta. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho aqui apresentado, desenvolvido especialmente para 
que fosse apresentado no III Seminário de Direito do Estado – Teorias 
da Constituição e Novas Concepções de Cidadania, consiste na primeira 
incursão dos autores na seara ainda incerta da accountability. Assim sendo, 
não foram capazes (o trabalho e os pesquisadores) de cravarem conclusões 
estanques e convictas acerca da problemática levantada ao longo do 
desenvolvimento. O texto, antes de mais nada, representa uma tentativa 
honesta de compreender melhor como o Conselho Nacional de Justiça, ao 
exercer sua atribuição de controlar a atuação administrativa e fi nanceira do 
Poder Judiciário e de observar o cumprimento dos deveres funcionais dos 
juízes, funciona como mecanismo de accountability. 
Boaventura de Sousa Santos inicia sua obra “Para uma revolução 
democrática da Justiça“ com a seguinte frase: “Somos herdeiros das 
promessas da modernidade e, muito embora as promessas tenham sido 
auspiciosas e grandiloquentes (igualdade, liberdade, fraternidade), temos 
acumulado um espólio de dívidas”. (2015, p. 6). O Poder Judiciário não 
escapa a esta funesta herança. Amontoam-se processos nos gabinetes e 
cartórios, acumulam-se julgados pouco ortodoxos, dentre outras questões. 
A Reforma do Judiciário, ao instituir o Conselho Nacional 
de Justiça, procurou implementar os ditames democráticos e permitir 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 138
que o Poder, detentor de tantas garantias, pudesse ser fi scalizado e 
responsabilizado por suas eventuais faltas.
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uma instância confl itiva no Poder Judiciário e seu refl exo na garantir 
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 141
O PAPEL DO DIREITO NA CONSTRUÇÃO 
DA CIDADANIA: SOBRE COMO A TEORIA 
CONSTITUCIONAL SUBSTANCIALISTA AUXILIA 
NA REALIZAÇÃO DOS DIREITOS DE CIDADANIA 
NA PERSPECTIVA DOS EXCLUÍDOS DO PROCESSO 
POLÍTICO TRADICIONAL
Henrique Duz Hass*
INTRODUÇÃO
Muito se discute a respeito dos papéis do Estado e do Direito 
na perspectiva da realização dos ditos direitos de cidadania.1 Mas é 
preciso fi car atento para que as apropriações teóricas não se distanciem 
do contexto sócio-político de uma dada conjuntura. Países que apresentam 
uma inserção na modernidade de forma tardia – quer seja pela passagem 
por regimes políticos autoritários, distanciados das práticas sociais 
emancipatórias e garantidoras da liberdade e igualdade ou, ainda, em razão 
de uma simples política econômica alheia a tais prioridades – merecem um 
olhar diferenciado acerca de como o Poder Público e a dogmática jurídica 
deve ser concebida, administrada e praticada.
Algumas particularidades, dissolvidas que estão nos respectivos 
hábitos sócio-políticos, acabam fazendo com que o padrão dogmático mais 
aceito e praticado no “campo jurídico” não esteja devidamente alinhado aos 
desideratos do modelo constitucional assumido. Neste sentido, é possível 
constatar que há uma crise de paradigmas que obstaculiza o acontecer da 
Constituição.2 Há uma aparente falta de correspondência entre o paradigma 
de Direito vigente e o paradigma de Estado adotado, que compromete a 
satisfação deste último em alguns pontos específi cos, que circunscrevem 
os denominados direitos de cidadania.
Se o gozo destes direitos básicos pressupõe uma postura ativa 
do Estado e se a Constituição condensa normativamente os valores 
* Bacharel e Mestrando em Direito pelo Programa de Pós Graduação da Faculdade de 
Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 
UNESP Campus de Franca, na linha de pesquisa “A Cidadania Participativa nas Políticas 
Públicas” na área de concentração “Sistemas Normativos e Fundamentos da Cidadania”.
1 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 21.
2 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 297.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 142
indispensáveis ao exercício da cidadania, nada mais importante que existam 
meios a realizá-los. Assim, através do método dedutivo-bibliográfi co, 
que consiste na apreensão dedutiva das diversas teorias que orbitam o 
assunto, em prol da construção de um posicionamento sufi cientemente 
fundamentado acerca dos objetivos delineados, buscaremos analisar em 
que medida a teoria constitucional substancialista possibilitaria uma maior 
efetivação destes direitos, especialmente para os setores da população que 
se encontram à margem do processo político tradicional, tendo em vista 
a insufi ciência deste para a formação substancial da cidadania e, ainda, o 
paradigma do Estado Democrático de Direito.
1 OS DIREITOS DE CIDADANIA NA PERSPECTIVA DO 
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Naturalmente, quando se fala em direitos de cidadania, ou 
no conceito de cidadania propriamente dito, nos deparamos com uma 
indeterminação, uma disposição muito ampla, cuja abrangência precisa ser 
mais especifi camente delimitada.
Da concepção aristotélica de cidadania, enquanto direito 
reservado a indivíduos dotados da qualidade de cidadãos e que gozariam do 
direito ao voto e à participação no poder público, os direitos de cidadania 
incorporariam a noção liberal de liberdade e, mais tarde, agregariam ao seu 
conceito pressupostos de uma perspectiva universalizante e emancipatória 
a fi m de confi gurar a ideia de cidadão ativo e participativo, cuja atuação 
vitalizaria a própria democracia.
Segundo o entendimento arendtiano, o cidadão, identifi cado pelo 
signo do “cidadão-herói”, é aquele que dispõe do discernimento individual 
obtido mediante o aporte das faculdades do pensamento e do juízo, que 
mobiliza sua ação para o mundo sob uma postura ética e política.3 Isto nos 
remete a ideia de cidadania como aptidão à participação política no espaço 
público, local onde se dá o diálogo entre os cidadãos e as instituições 
públicas no intuito de promover uma discussão plural de opiniões e a 
tomada de decisões. Defi ne-se, pois, cidadania como a ação política de 
3 FLENIK, Marilucia; KOZICKI, Katya. A cidadania e o estado democrático de direito. 
Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em 
Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008. Disponível em: http://www.
conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/11_717.pdf. Acesso em 21 set. 2015. p.788.
http://www.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 143
indivíduos que buscam na esfera do espaço público da pluralidade a 
realização da liberdade.4
No entanto, como falar de cidadania mediante a politização 
do cidadão, de discernimento do indivíduo, de organização política, de 
postura ativa, crítica e construtiva sem a fruição de direitos fundamentais 
básicos que possibilitem a autodeterminação e o gozo da liberdade fática? 
Como bem observa Barcellos5, não há como se falar em “controle político-
social” se a sociedade que deveria fazê-lo não tem condições mínimas que 
fomentem sua autonomia e liberdade, pressupostos de uma participação 
consciente e livre do processo político democrático e do diálogo com 
os agentes públicos.
Falar destes pressupostos nos remete a analisar o conceito de 
cidadania na perspectiva do Estado Democrático de Direito, o que signifi ca 
colocar a liberdade e a igualdade como valores essenciais. E, ainda, insta 
que nos preocupemos com uma dimensão de direitos fundamentais que 
vislumbra realizar tais pressupostos.
Os direitos de cidadania, portanto, visam à construção de elementos 
base para o exercício de uma democracia participativa plena. Mas esta 
necessita da realização de alguns pressupostos, dentre os quais destacam-
se os direitos de participação política, os direitos de liberdade, e, também, 
os direitos de igualdade, caracterizados pelos fundamentais de segunda 
geração, atentos à viabilização de alguns valores como a igualdade material, 
a liberdade fática, a autodeterminação e as “promessas da modernidade”.6
Os direitos de cidadania evoluíram em um processo não linear 
que observa certa correspondência histórico-social, ou seja, guardam 
relação com o momento histórico e com o modelo de Estado vigente. 
No EstadoLiberal de Direito, o caráter abstencionista estatal deixa 
livre o espaço às forças econômicas e adota uma postura jurídica que se 
considera a mais benéfi ca para o desenvolvimento do capitalismo inicial. 
Entretanto, a preocupação com o poder absoluto do Estado propugna a 
proteção da liberdade e da propriedade dos indivíduos face à autoridade 
estatal, garantindo, assim, a exaltação do status do homem como livres 
4 RAMOS, César Augusto. Hannah Arendt e os elementos constitutivos de um 
conceito não liberal de cidadania in Revista Filos, Curitiba: Aurora, v. 22, n. 30, jan./
jun. 2010. p. 268-69.
5 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria 
de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço 
democrático In: Revista de Direito do Estado, v. 3, 2006. p. 29.
6 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 26.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 144
e iguais, além da consagração dos direitos fundamentais individuais 
no constitucionalismo.
Entretanto, o avanço da industrialização fi zera repensar o conceito 
liberal de igualdade. A institucionalização do capitalismo maduro e o 
predomínio da autonomia da vontade amparada pela ideia de igualdade 
formal prejudicam em muito as condições de vida da maior parcela da 
sociedade, ao ponto que tornou-se imprescindível uma mudança de 
postura estatal ilustrada pelo Estado Social de Direito, abdicando-se do 
absenteísmo para intervir nas relações econômicas e na distribuição de 
bens. E, ainda, no que tange ao âmbito jurídico, o Estado transvestiu-se 
da mentalidade de que a garantia da democracia pressupunha não só uma 
estrutura jurídica e um regime político, mas um sistema de vida fundado 
na promoção de direitos econômicos, sociais e culturais, os quais fi zeram 
emergir a esfera dos direitos fundamentais sociais, atentos à redução da 
desigualdade e à concretização da igualdade material.7
Ainda que exista a crítica de enunciada por Boaventura que diz 
que o Estado Social e a consagração dos direitos sociais nas sociedades 
capitalistas foi algo arquitetado para compatibilizar as promessas da 
modernidade com o desenvolvimento capitalista8, o interessante é que 
tais conjecturas acabaram por infl uenciar o constitucionalismo e, por 
conseguinte, a escolha de modelo estatal. Os direitos de cidadania 
evoluíram de tal forma que passaram a integrar a primeira e segunda 
dimensões dos direitos fundamentais, os quais, uma vez consagrados nas 
constituições, formaram uma moldura jurídica que vincula a atuação do 
Estado a realização dos valores neles constantes.
É neste sentido que os direitos de cidadania se relacionam com 
o Estado Democrático de Direito, na medida em que é compreendido 
como um novo paradigma que pretende transformar a produção capitalista 
e a organização social nela inerente em níveis superiores de igualdade 
e liberdade, através da concretização dos direitos fundamentais9, 
especialmente os de segunda geração – que por sua própria natureza 
necessitam de uma postura ativa do Estado – tendo em vista satisfazer as 
condições mínimas necessárias para que o indivíduo possa participar do 
processo político democrático em sua plenitude.
7 NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. O controle de políticas públicas: um desafi o à 
jurisdição constitucional In Revista de Direito do Estado, v. 14, 2009. p. 112.
8 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 22.
9 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 37.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 145
O qualifi cativo “democrático” estabelece uma práxis política 
que modifi que a estrutura econômica e social, e também o sistema 
de produção de bens, para realizar as promessas da modernidade. 
Para isso, a Lei e a Constituição passam a uma forma privilegiada de 
instrumentalizar a ação do Estado.
Esta vinculação estatal é importante uma vez que se percebe que 
um dos âmbitos mais elementares dos direitos de cidadania, os direitos 
sociais, são eminentemente prestacionais. As políticas (neo)liberais 
não são atentas a uma forma de atuação que lhes são contrárias ao seu 
funcionamento e, ainda, defendem a minimização do Estado. Logo, é 
imprescindível para a realização destes direitos a existência de um Estado 
forte e interventor, nos moldes do Estado Democrático de Direito.
Ademais, a preocupação do Estado para com os desideratos 
enunciados pelos direitos fundamentais sociais são de extrema relevância 
em países que não passaram pelo Estado Social, onde a função social 
do Estado não foi estabelecida e, ainda, fora substituída sumariamente 
pela agenda neoliberal. Nestes contextos, onde o Brasil está inserido, o 
enfraquecimento das instituições públicas e a desregulamentação da 
política e da economia fez prejudicar a implementação destes direitos 
sociais, tornando como consequência desta modernidade tardia a existência 
somente de um “simulacro de modernidade”.10
Em nosso país, as promessas da modernidade não se realizaram, 
ocasionando um défi cit social que só as instituições públicas podem 
defender, atuando contra o neoliberalismo pós-moderno na garantia 
de direitos num contexto hostil de globalização e orientação política 
neoliberal. O dilema é: quando mais precisamos de uma postura estatal 
positiva, prestacional, para a satisfação dos direitos sociais enquanto 
pressuposto da cidadania, mais o Estado, único agente capaz de enfrentar 
as desigualdades sociais, se encolhe.
Ocorre que aceitar estes pressupostos implica numa redefi nição 
da política. Não que se deva descartar a proteção a interesses particulares 
e o processo contemporâneo que dá vida à nossa sociedade. Mas trata-se 
de retomar uma estrutura de atuação governamental que favoreça a esfera 
de construção destes pressupostos de cidadania. E, ainda, cujo exercício 
não seja enviesado por uma postura política que expresse os interesses 
pragmáticos de determinados grupos sociais e alheio à politização do 
cidadão e à tutela dos direitos fundamentais. 
10 A expressão é de Vieira, José Ribas. Teoria do Estado. RJ: Lumen Juris, 1995.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 146
Por isso é que se torna imprescindível a existência e a assimilação 
de uma teoria constitucional alinhada a este caráter intervencionista 
estatal, para assegurar à lei e às normas constitucionais a força normativa 
necessária e apta a vincular os governos a realização de tais preceitos.
A principal característica do Estado Democrático de Direito é a 
posição do Estado como garantidor de direitos e garantias fundamentais de 
todos. Que não apenas os proclame, mas que seja de fato um instrumento do 
arcabouço jurídico capaz de constituir a vida plural e garantir a efetividade 
de suas normas. Não basta a lei, é necessária uma postura política atuante e 
preocupada com o fortalecimento dos direitos de cidadania. Faz-se mister 
uma dogmática jurídica alinhada a ideia de Estado criado pela opinião e 
fortalecido pelos cidadãos; não a concepção de Estado criado pelo poder.
Interessa, assim, fomentar a existência de um espaço público 
e de um modelo social apto a se manifestar e a ser ouvido, orientado 
pela qualidade de vida compartilhada e pela tentativa de edifi car uma 
estrutura social que avance em favor dos direitos de seus cidadãos e, 
simultaneamente, previna a si mesma de cometer as mesmas injustiças e 
exclusões que se verifi cavam nas sociedades passadas.
Esta questãoestá inserida na perspectiva do neoconstitucionalismo 
ou no estado do constitucionalismo contemporâneo, o qual compreende 
a Constituição como um fenômeno humano e histórico que é e como 
norma jurídica suprema, dotada de uma força jurídica determinante do 
direito constitucional.11 A partir da incorporação explícita de valores e 
opções políticas nos textos constitucionais, em resposta às opressões e 
injustiças causadas pelos antigos regimes políticos e, ainda, em virtude 
da inefetividade da tradicional democracia representativa, que tem se 
mostrado ilegítima para atuar como instrumento de defesa da liberdade, 
da igualdade e da justiça, a concretização das expectativas de cidadania se 
desloca para a implementação de uma dogmática jurídica instrumentalizada 
segundo as premissas da a) normatividade das normas constitucionais; b) 
superioridade da Constituição sobre o restante do ordenamento jurídico e; 
c) centralidade do texto constitucional no sistema jurídico. 
Tudo isso a fi m de formular uma necessária vinculação estatal 
embasada por um consenso mínimo de objetivos e posturas as quais 
estariam fora da discricionariedade política ordinária. Não se trata de 
substituição do político pelo jurídico, mas de limitação do político pelo 
jurídico com vista à realização dos direitos fundamentais que necessitam 
11 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira 
Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 11.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 147
de uma postura ativa do estado, os quais consubstanciam-se não somente 
em fi ns do constitucionalismo contemporâneo ou em núcleo mínimo da 
dignidade humana, mas também, e mais importante nos termos deste 
estudo, em condição prévia da cidadania.
Assim, sem abdicar das lutas pelas vias do processo político 
tradicional, há de se concordar que o Direito não pode ser mais visto como 
mera racionalidade instrumental da política. A dogmática jurídica, num 
contexto de desigualdades, de inefetividade dos direitos sociais – e, por 
conseguinte, dos direitos de cidadania – e, ainda, de ilegitimidade política 
em satisfazer tais demandas, pode se tornar importante ferramenta. O 
domínio da lei pode impor restrições e defi nir obrigações efetivas ao poder 
que, simultaneamente, defenda o cidadão das intromissões do mesmo e, 
também, lhe dá condições de constituir-se em cidadão politizado.
Entretanto, temos sérias divergências justeóricas, tanto no que 
concerne as teorias constitucionais quanto às tangentes às teorias do 
Direito, que questionam a necessidade desta função intervencionista do 
Direito e do Estado.
2 AS TEORIAS CONSTITUCIONAIS NA EFETIVAÇÃO DOS 
DIREITOS DE CIDADANIA DOS EXCLUÍDOS DO PROCESSO 
POLÍTICO TRADICIONAL
Aceito que os direitos de cidadania, na perspectiva do Estado 
Democrático de Direito, se confundem com os direitos fundamentais e 
que se faz necessária uma dogmática jurídica alinhada à consecução destes 
objetivos, dando uma dimensão coativa a esfera dos direitos formalmente 
existentes, e tendo em vista um contexto fático de défi cit social e de 
desinteresse do processo do processo democrático tradicional em realizar 
uma democracia substancial, partimos para as próximas considerações.
O conceito de Estado Democrático de Direito pressupõe a 
valorização do jurídico e nos leva a uma rediscussão do papel do Direito 
e do Poder Judiciário, sobretudo em países como o Brasil, cujo modelo 
constitucional adotado propugna pela realização de direitos fundamentais.
Entretanto, diante deste redimensionamento causado pelo advento 
do Estado Democrático, do neoconstitucionalismo e, por que não, pela 
consagração dos direitos de cidadania nas Constituições, questiona-se a 
legitimidade teórica do Direito em intervir na política, dotando os poderes 
eminentemente políticos de tarefas que não são erigidas diretamente 
pela formação democrática de vontades. Ou seja, pode o Direito defi nir 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 148
obrigações ao Estado que vincule a sua atuação em favor da realização dos 
direitos de cidadania?
Em face desta problemática, temos duas teorias constitucionais 
que divergem: a teoria procedimentalista e a teoria substancialista. Para 
os primeiros, nos quais estão incluídos autores como Habermas, Garapon 
e Ely, a Constituição deve garantir apenas o acesso aos mecanismos de 
participação democrática, através de um modelo normativo que não se 
baseia em valores ou em conteúdos, mas em procedimentos que assegurem 
a formação democrática da opinião e da vontade. Neste cenário, o Direito 
teria um papel descritivo, prezando pela neutralidade, uma vez que as 
conquistas se dariam através do processo político tradicional.
Já o modelo substancialista de Constituição, que tem como 
defensores Dworkin, Cappelletti, Ferrajoli e Bonavides, trabalha com 
ideia de que a norma constitucional pode conter valores, programas e 
opções políticas, determinando ao Estado as condições de seu agir.12 
Nesta perspectiva o Direito não poderia mais assumir um papel passivo, 
mas produtivo, construtivo, transformador. O Poder Judiciário, nesta 
redefi nição de relações, haveria de exercer mais do que a função de “checks 
and balances”, assumindo o papel de intérprete que tutela a vontade geral 
implícita no direito positivado, inclusive contra as maiorias eventuais.13 
Desta forma, o paradigma substancialista infl uencia na 
hermenêutica a ser aplicada na dogmática jurídica, afetando de modo 
signifi cativo o papel do direito, que deixaria de ser neutro, passivo, 
descritivo e racionalista para agregar-se de um caráter crítico, construtivo, 
transformador e dialético. Esta nova confi guração do direito, subsidiada 
pela teoria substancialista, asseguraria um novo olhar à dogmática jurídica, 
pautada na imperatividade da concretização dos direitos fundamentais a 
partir da consagração da força normativa das normas constitucionais e da 
ideia do Direito como mecanismo de ação estatal.
Ademais, em consequência a esta forma de interpretação do 
Direito e de sua relação com o Estado, haveria de ocorrer um sensível 
deslocamento na relação entre os três poderes públicos, passando o centro 
de decisões a gravitar no Poder Judiciário. Porém, desde que diante 
da inércia ou negligência dos outros poderes, passando, assim, a ser 
instrumento de realização dos direitos não executados.
12 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle 
das políticas públicas In Revista de Direito Administrativo. v. 240, 2005. p. 90.
13 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 43.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 149
Segundo Barroso, “[...] o Judiciário deixou de ser um departamento 
técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, 
capaz de fazer valer as leis e a Constituição Federal, inclusive em confronto 
com outros Poderes”.14
Ocorre que a teoria procedimentalista parte do pressuposto de que 
as instâncias políticas, as quais determinariam objetivamente a atuação 
estatal, são virtuosas no sentido de estarem devidamente alinhadas com 
os interesses do povo, com a realização dos direitos de cidadania, com um 
Estado que valorize a formação da liberdade fática e da igualdade material 
como pressupostos edifi cantes do processo deliberativo majoritário.
Falta a ela uma refl exão crítica sobre este procedimento de 
formação de vontade democrática, que leve em conta as consequências 
da modernidade tardia, o simulacro de modernidade. Arendt já dizia que a 
natureza do sistema representativo partidário faz desvirtuar a fórmula de 
governo do povo pelo povo para o governo do povopela elite emanada do 
povo, transvestindo a democracia em oligarquia.15 Tais conjecturas afetam, 
infelizmente, a capacidade de representação política da parcela atingida 
pelo défi cit social, que se torna desprovida das condições formadoras de seu 
discernimento e politização, carente de capacidade de organização e escassa 
da possibilidade de representação política, deixando-os à marginalidade 
do fl uxo político. Há de ser feita uma apreensão destas características 
brasileiras no momento de se defender a estruturação de uma Constituição 
e de um Estado que deixem reservadas às searas eminentemente políticas 
o futuro dos direitos de cidadania desta parcela de população.
Os moldes pelos quais se opera o processo político atual no Brasil 
conduzem à concretização dos objetivos e fundamentos da Constituição 
vigente através e pela sociedade civil. Assim, o trabalho de interpretação 
e aplicação das normas constitucionais é permeado pelas técnicas de 
representação democrática, as quais usam mais das infl uências políticas, 
ideológicas e fi losófi cas no momento de se posicionar sobre qual o papel 
do texto constitucional. Desta forma, as decisões políticas, derivadas 
que são de uma concepção ajurídica da Constituição, fi liam-se mais aos 
critérios políticos de oportunidade e conveniência, corrompidos, ainda, 
por interesses individuais e corporativos que permeiam o atual contexto 
14 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática 
In Revista de Direito do Estado, v. 13, 2009. p. 74.
15 ARENDT, Hannah. Da revolução. Tradução de Fernando Didimo Vieira e Caio Navarro 
de Toledo, São Paulo: Ática; Brasília: Ed. da UnB, 1990. p. 215.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 150
do processo político16, em detrimento das interpretações jurídicas e dos 
compromissos e deveres enunciados pela Constituição Federal de 1988 e 
pelo paradigmático Estado Democrático de Direito.
Tal formatação do processo político demandaria, para que 
produzisse resultados positivos no âmbito da concretização dos direitos de 
cidadania, um nível de sociedade cívica avançado, dotado de características 
como consenso democrático, base social estável, pressupostos institucionais 
fi rmes, cultura política ampla e desenvolvida, etc.17 Entretanto, tais 
aspectos são difíceis de serem encontrados em países subdesenvolvidos e 
de democracia tardia. Estamos distantes da criação democrática de direitos 
a partir da autonomia dos cidadãos.
Somada a este contexto, devemos levantar a questão medular 
da validade e da legitimidade da democracia representativa clássica em 
ser capaz de empreender uma atividade efetivamente identifi cada com 
os interesses da cidadania, do bem-estar, da justiça e da prosperidade 
social.18 Devemos refl etir criticamente sobre a sua capacidade de fazer da 
Constituição o instrumento legítimo da vontade popular e nacional. Como 
bem observa Streck, num contexto em que parece haver uma alquimia 
eleitoral que prejudica a defesa de direitos e interesses da maioria da 
população que padece pelos males do défi cit social, devemos privilegiar 
os recursos que estão disponíveis para a conquista de uma democracia de 
cidadãos; e, ainda, face ao cenário de organização política incipiente, não 
podemos recusar novas possibilidades de reconstruir a sociabilidade das 
instituições públicas.19 
Somente delegar a vontade democraticamente formada a um 
corpo especializado de intérpretes e executores que coloca em marcha 
um Estado de justiça provençal e assistencialista não é a solução para 
a formação de homens livres e cidadãos ativos. Entretanto, a análise 
crítica das conjunturas da realidade fática da sociedade brasileira que 
caracterizam a crise de paradigmas do Direito e do Estado fazem emergir 
a inaplicabilidade das teses procedimentalistas, que estão longe de dar 
16 BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria 
de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço 
democrático In Revista de Direito do Estado, v. 3, 2006. p. 27.
17 VIANNA, Luiz Wernek ... [et. al.]. A judicialização da política e das relações sociais no 
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 39-40.
18 BONAVIDES, Paulo. A constituição aberta. Belo Horizonte: Livraria 
Del Rey, 1993. p. 9-10.
19 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 
2009. p. 48, nota 58.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 151
condições para a construção de uma concepção substancial de democracia, 
com inclusão social e realização das promessas da modernidade.
Neste interim, a reorganização da política se torna imperativa caso 
queiramos avançar no caminho da liberdade democrática e da proteção dos 
direitos fundamentais. Para Bonavides20, o constitucionalismo social e a 
democracia participativa são ingredientes da receita para a crise política 
brasileira, que restringe a possibilidade de uma cidadania politizada ao 
não garantir meios para que os excluídos do processo político tradicional 
tenham seus interesses sociais tutelados por outro caminho senão o da 
democracia representativa.
Ferrajoli sustenta que a democracia constitucional vigente, pautada 
no Estado Democrático de Direito, é fruto de uma mudança de paradigmas 
da Teoria do Direito causada pela consagração dos direitos fundamentais 
sociais no constitucionalismo.21 Desta forma, não somente a vontade do 
agente político é a fonte da lei que controla a atuação governamental. A 
ideia de Direito como instrumento da política se altera na medida em que 
se reconhece a Constituição como norma cimeira, tornando a política um 
instrumento do Direito. 
Assim, alteram-se, por exemplo, as condições de validade das 
leis, que não mais dependem somente do respeito aos seus procedimentos 
de formação, mas também de correspondência com o conteúdo das normas 
superiores; altera-se a função jurisdicional e a relação do juiz com a lei, 
não estando mais sujeito à letra da lei ou à vontade do legislador, mas 
sim ao conjunto valorativo enunciado pela Constituição; altera-se o papel 
da ciência jurídica, que não mais pode ser só descritiva, mas crítica e 
construtiva; altera-se a natureza da democracia, que agrega uma dimensão 
substancial à tradicional esfera procedimental, obrigando a legislação e 
a política a respeitar os direitos fundamentais sob pena de invalidade; 
e altera-se a relação entre Direito e Política, vez que desgarra-se de sua 
absoluta subordinação para converter a atuação estatal em instrumento 
de ação do Direito.22
20 BONAVIDES, Paulo. Constitucionalismo social e democracia participativa In Temas 
polêmicos do constitucionalismo contemporâneo. Jario Schäfer (Org.) São José (SC): 
Conceito Editorial, 2007. p. 32-33.
21 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 45.
22 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 46.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 152
Conforme observa Vianna23, a judicialização da política é um 
processo em resposta à inefetividade da democracia representativa que 
mostrou-se ilegítima para atuar como instrumento de defesa das liberdades 
e da justiça. Originada não nos aparelhos institucionais, mas na descoberta 
dos preceitos constitucionais pela sociedade civil, este fenômeno vem 
se mostrando como via alternativa para a concretização das expectativas 
de direito e aquisição de cidadania, especialmente para os excluídos 
e desprotegidos que vêm no Estadouma instituição ilegítima para a 
tutela do défi cit social.
Cappelletti é pontual ao examinar como esta reconfi guração dos 
papéis do Direito e da posição do Judiciário é salutar para a efetivação 
dos direitos de cidadania, em especial aos que não fazem parte do tecido 
político. Defende ele que há legitimidade da atividade jurisdicional, pois: 
a) está dissipada a ilusão de que os ramos políticos conseguem materializar 
o consentimento dos governados; b) porque a judicialização se presta a 
efetivar o sentido de justiça e a equidade na comunidade; c) porque tal 
atividade é mecanismo de aumento de representatividade ao dar proteção 
a grupos que não possuem participação política; d) pois a judicialização 
é mecanismo de aproximação do Estado Democrático ao proceder de 
uma atividade legislativa e atuação estatal distantes deste desiderato e e) 
porque se presta a garantir a democracia ao tutelar direito de cidadãos sem 
proteção efi caz em prol da liberdade fática e da participação política.24 
“A política se judicializa para viabilizar o encontro da comunidade com 
seus propósitos declarados da Constituição Federal,”25 para reconectar a 
atuação pública e a democracia representativa aos objetivos enunciados 
no texto constitucional via interpretação e reinterpretação do Direito, 
ou seja, pelo potencial que o Direito e as instituições jurídicas possuem 
em modular as instâncias políticas em nome da realização dos direitos 
fundamentais e da democracia 
Assim, diante de um contexto em que há uma prática adversa à 
concretização dos direitos fundamentais por meio dos processos políticos, 
é importante que haja um meio para que a sociedade defenda seus direitos 
e interesses em prol da realização dos pressupostos que condicionam o 
exercício da cidadania. A dogmática, neste sentido, surge como instrumento 
23 VIANNA, Luiz Wernek ... [et. al.]. A judicialização da política e das relações sociais no 
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 43.
24 CAPPELLETTI, Mauro. Necessidad y legitimidade de la justicia constitucional In 
Tribunales constitucionales europeos y derechos fundamentales, 1984. p. 622-33.
25 VIANNA, Luiz Wernek ... [et. al.]. A judicialização da política e das relações sociais no 
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 40.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 153
para por em marcha esta vontade constitucional que estabelece o Estado 
Democrático de Direito e prioriza a realização dos direitos de cidadania, 
como uma via de resistência às posturas políticas contrapostas a esta 
programaticidade constitucional26. Não podemos entender o processo de 
judicialização como uma patologia no sistema republicano. Ao contrário, 
como defende Barroso, se bem exercida é antes uma garantia para a 
democracia do que um risco27. Há que ser compreendido como um fenômeno 
propiciador de cultura cívica e de uma república democrática disponível a 
todos, mas orientada aos direitos e interesses daqueles marginalizados das 
medidas que o tradicional processo político resulta. 
A atuação do Poder Judiciário enquanto intérprete e aplicador 
dos comandos constitucionais em prol dos procedimentos democráticos 
e dos valores e direitos fundamentais é fenômeno louvável e possível 
inclusive diante de eventual ação da maioria em sentido oposto. “A 
conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra 
a vontade das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do 
constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção judicial, nesses 
casos, sanando omissão legislativa ou invalidando lei constitucional, 
dá-se a favor e não contra a democracia”28. Neste sentido, o advento do 
Estado Democrático de Direito e a construção de uma dogmática jurídica 
subsidiada pela teoria substancialista, que revolucionam a relação entre 
os poderes públicos e o papel do Direito são fundamentos essenciais para 
fomentar a possibilidade de politização da juridicidade como alternativa 
que pode vir a contribuir para o aumento da capacidade de incorporação 
no sistema político, especialmente sob a perspectiva dos marginalizados, 
sem acesso aos poderes políticos, uma oportunidade de vocalizar suas 
expectativas e direitos29.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos de cidadania, da maneira como foram encarados, 
exigem a presença de um Estado forte, ativo e interventor, na medida 
em que esta fi gura institucional se mostra como a única dotada de força 
26 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 53.
27 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. 
In: Revista de Direito do Estado, v. 13, 2009. p. 83.
28 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade 
democrática e instrumentos de realização. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 246.
29 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica 
da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 43.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 154
e posição para guiar as ações da sociedade nesta direção. E para tanto, 
imprescindível um instrumental tão forte quanto, capaz de vincular atitudes 
e coagir aqueles avessos a tais prioridades.
É nesta perspectiva que se apresenta como essencial a fi gura do 
Direito. Mas não um qualquer. É essencial que emerja um Direito alinhado 
aos desideratos do Estado Democrático de Direito, subsidiado pela teoria 
constitucional substancialista. Um Direito que seja capaz de concretizar 
além do plano formal as aspirações deste modelo estatal constitucional. 
Um Direito que responde às investidas que a seara política do Poder 
Público empreende, na contramão da programaticidade que a cidadania 
demanda. Um Direito que verdadeiramente constitua os pressupostos de 
cidadania daqueles que tem seus interesses dissipados e manipulados no e 
pelo processo político tradicional. 
Um Direito ativo, construtivo e preocupado não só em angariar, 
mas prover os meios para que a sociedade ande com suas próprias pernas, 
por meio do processo político. Mas que este andar seja afeto às estruturas 
do seu corpo, para que não comprometa a saúde dos membros que levam 
em direção ao futuro.
REFERÊNCIAS
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e Caio Navarro de Toledo, São Paulo: Ática; Brasília: Ed. da UnB, 1990.
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas 
em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o 
controle jurídico no espaço democrático. In: Revista de Direito do 
Estado, v. 3, p. 17-54, 2006.
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos 
fundamentais e controle das políticas públicas. In: Revista de Direito 
Administrativo, v. 240, p. 83-103, 2005.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e 
legitimidade democrática. In: Revista de Direito do Estado, v. 13, 2009.
BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: 
legitimidade democrática e instrumentos de realização. 2. ed. Rio de 
Janeiro: Renovar, 2004.
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CAPPELLETTI, Mauro. Necessidad y legitimidade de la justicia 
constitucional. In: Tribunales constitucionales europeos y derechos 
fundamentales, 1984.
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FLENIK, Marilucia; KOZICKI, Katya. A cidadania e o estado 
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CONPEDI. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/
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NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. O controle de políticas públicas: um 
desafi o à jurisdição constitucional In Revista de Direito do Estado, v. 
14, p. 107-137, 2009.
RAMOS, César Augusto. Hannah Arendt e os elementos constitutivos de 
um conceito neo liberal de cidadania. In: Revista Filos, Curitiba: Aurora, 
v. 22, n. 30, p. 267-296, jan./jun. 2010.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma 
exploração hermenêutica da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: 
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VIEIRA, José Ribas. Teoria do Estado. Rio de 
Janeiro: Lumen Juris, 1995.
http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 157
O MUNICÍPIO COMPETENTE PARA A COBRANÇA 
DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) NO CASO DO 
ARRENDAMENTO MERCANTIL EA CONSTITUIÇÃO 
FEDERAL DIANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Luciana Campanelli Romeu1*
INTRODUÇÃO
Quando do questionamento sobre o Município competente para 
cobrança do Imposto Sobre Serviços (ISS) no caso do arrendamento 
mercantil, ou leasing, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que 
lhe compete a análise dessa questão.
Defende que o sujeito ativo desta obrigação tributária é o 
município onde ocorreu o fato gerador e não aquele no qual se localiza 
a sede do estabelecimento prestador, como estava expresso no artigo 
12, "a", do Decreto-Lei n. 406/68 e posteriormente prevê o artigo 3º, 
da Lei Complementar n. 116/03, valendo-se de argumentos baseados na 
Constituição Federal de 1988.
Cabe-nos, pois, investigar se Superior Tribunal de Justiça nesses 
julgados, a pretexto do uso de uma técnica de hermenêutica, afastava 
aplicação do artigo 12, "a", do Decreto-Lei n. 406/68 por entender 
que ele não foi recepcionado pela Constituição atual e tem realizado 
uma declaração de inconstitucionalidade implícita d o artigo 3º, da Lei 
Complementar n. 116/03, usurpando, nos dois casos, da competência do 
Supremo Tribunal Federal.
O tema será abordado e explorado utilizando-se o método de 
pesquisa dedutivo. Dessa forma, partir-se-á da análise da jurisprudência 
do Superior Tribunal de Justiça que trata do Município competente para a 
cobrança do Imposto Sobre Serviços no caso do arrendamento mercantil, 
 Doutoranda em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em 
Direito do Estado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), 
Graduada em Direito pelo Faculdade de Direito de Franca (FDF). Bolsista pela CAPES 
durante o mestrado e doutorado. É Professora de Direito na UNIESP. Foi orientadora da 
Pós-graduação em Direito do Curso Luiz Flávio Gomes (LFG), Professora de Direito 
Constitucional na Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal, Professora de Direito 
Constitucional, Direito Tributário e Direito Administrativo no Centro Universitário 
Moura Lacerda, e, Professora no curso preparatório para OAB da PROORDEM. Foi 
Conciliadora do Juizado Especial Cível. Autora de diversos artigos e capítulos de livros 
publicados. Advogada. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 158
ou leasing. Verifi car-se-á se a discussão envolve matéria constitucional, 
sendo, dessa forma, de competenciado Supremo Tribunal Federal.
Como amparo ao método escolhido, será utilizado o estudo 
dogmático jurídico. Tal processo metodológico estuda a lei, a doutrina e 
a jurisprudência, interpretando as normas jurídicas e investigando a sua 
intertextualidade com outras afi ns, sempre na busca de uma aplicação 
equitativa, sistemática, descritiva, valorativa e prática das decisões judiciais.
1 INCIDÊNCI A DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO CASO DO 
ARRENDAMENTO MERCANTIL
Reza o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, conforme 
a Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993: “Compete aos 
Municípios instituir impostos sobre: (...) III - serviços de qualquer natureza, 
não compreendi dos no art. 155, II, defi nidos em lei complementar”.
A Lei Complementar n. 116 de 31 de julho de 2003, que dispõe 
sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competenciados 
Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências, estabelece no 
artigo 1º, que o Imposto Sobre Serviços “tem como fato gerador a prestação 
de serviços constantes da lista anexa”, ressaltando no parágrafo 4º, que 
“a incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço 
prestado”. Como afi rmou Heleno Taveira Torres “tem-se a evidência de 
um regime baseado na prevalência de substância sobre a forma”.1
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o 
“leasing” fi nanceiro deve ser equiparado a “serviço”, em conformidade 
com o artigo 156, III, da Constituição Federal, ao julgar o RE 547.245/SC:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO 
TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. 
OPERAÇÃO DE LEASING FINANCE IRO. ARTIGO 156, 
III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento 
mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing 
operacional, [ii] o leasing fi nanceiro e [iii] o chamado lease-
back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. 
A lei complementar não defi ne o que é serviço, apenas o 
declara, para os fi ns do inciso III do artigo 156 da Constituição. 
Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para 
os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No 
arrendamento mercantil (leasing fi nanceiro), contrato 
1 Limites à modifi cação da jurisprudência consolidada. Revista Consultor Jurídico, 30 
de janeiro de 2013, 8h00. http://www.conjur.com.br/2013-jan-30/consultor-tributario-
limites-modifi cacao-jurisprudencia-consolidada. Acesso em: 22/09/2015. 
http://www.conjur.com.br/2013-jan-30/consultor-tributario-
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 159
autônomo que não é misto, o núcleo é o fi nanciamento, não 
uma prestação de dar. E fi nanciamento é serviço, sobre o qual 
o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma 
compra nas hipóteses do leasing fi nanceiro e do lease-back . 
Recurso extraordinário a que se dá provimento.2
Devo mencionar algumas palavras extraídas do voto do Ministro 
Joaquim Barbosa, neste julgamento:
O cerne do negócio jurídico de arrendamento mercantil 
consiste na colocação de um bem à disposição do arrendatário, 
para uso durante certo prazo, com a opção de compra do bem 
a ser exercida ou rejeitada no futuro. Animam ainda a escolha 
de tal negócio jurídico as condições legais e contratuais e os 
respectivos efeitos tributários.
O propósito negocial está vinculado às características 
da atividade econômica desenvolvida, como evitar a 
obsolescência na linha produtiva e a manutenção de liquidez 
pela desnecessidade de imobilização total e imediata 
de recursos. A arrendadora atua como intermediária na 
criação de uma vantagem produtiva e na aproximação de 
interesses convergentes, ao adquirir o bem do fornecedor a 
pedido da arrendatária. O núcleo essência da atividade de 
arrendamento não se reduz, portanto, a captar, intermediar 
ou aplicar recursos fi nanceiros próprios ou de terceiros. 
Não há, pura e simplesmente, a concessão de crédito 
àqueles interessados no aluguel ou na aquisição de bens. A 
empresa arrendadora vai ao mercado e adquire o bem para 
transferir sua posse ao arrendatário. Não há predominância 
dos aspectos de fi nanciamento ou aluguel, reciprocamente 
considerados. O negócio jurídico é uno. Vale dizer, as 
operações de arrendamento mercantil pertencem a categoria 
própria, que não se confunde com aluguel ou fi nanciamento, 
isoladamente considerados.3
Indiscutível que a qualifi cação do arrendamento mercantil como 
hipótese de incidência do Imposto Sobre Serviços constitui matéria 
constitucional, sendo este o posicionamentoconsolidado, inclusivo no 
Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp nº 877.658/RS, rel. Min. 
Francisco Falcão, DJ de 03/05 /07; REsp 797.948/SC, rel. p/acórdão Min. 
Luix Fux, DJ 01/03/07 e REsp 865.483/SC, rel. Min. Castro Meira, DJ 
26/10/06, AgREsp 998.310/RS, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 0 7.04.08, 
AgRg no REsp 876.590/SC, rel. Min. Humberto Martins, DJ 31.05.2007; 
2 RE 547.245/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, j. 02.12.2009.
3 RE 547.245/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, j. 02.12.2009.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 160
REsp 797.948/SC, rel. p/acórdão Min. Luiz Fux, DJ 01.03.2007; REsp 
919.148/RS, rel. Min. Castro Meira, DJ 28.05.2007 e REsp 886.592/SC, 
rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 26.03.2007, AgRg no REsp 960.492/
RS, rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 06.12.2007, Primeira Turma.
Passamos, pois, para a análise da jurisprudência do Superior 
Tribunal de Justiça sobre o Município competente para a cobrança do 
Imposto S obre Serviços no caso do arrendamento mercantil, sob a luz 
Constituição Federal.
2 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL 
DE JUSTIÇA SOBRE O MUNICÍPIO COMPETENTE PARA A 
COBRANÇA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO CASO DE 
ARRENDAMENTO MERCANTIL
O artigo 3º, da Lei Complementar n. 116/03 diz expressamente 
que o sujeito ativo da obrigação tributária do Imposto Sobre Serviços 
é o Município no qual se localiza a sede do estabelecimento prestador, 
nos seguintes termos:
O serviço considera-se prestado e o imposto devido 
no local do estabelecimento prestador ou, na falta do 
estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto 
nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o 
imposto será devido no local:
I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço 
ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, 
na hipótese do § 1o do art. 1o desta Lei Complementar;
II – da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras 
estruturas, no caso dos serviços descritos no subitem 
3.05 da lista anexa;
III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos no 
subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa;
IV – da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 
7.04 da lista anexa;
V – das edifi cações em geral, estradas, pontes, portos e 
congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 
7.05 da lista anexa;
VI – da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, 
tratamento, reciclagem, separação e destinação fi nal de lixo, 
rejeitos e outros resíduos quaisquer, no caso dos serviços 
descritos no subitem 7.09 da lista anexa;
VII – da execução da limpeza, manutenção e conservação 
de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 161
parques, jardins e congêneres, no caso dos serviços descritos 
no subitem 7.10 da lista anexa;
VIII – da execução da decoração e jardinagem, do corte e 
poda de árvores, no caso dos serviços descritos no subitem 
7.11 da lista anexa;
IX – do controle e tratamento do efl uente de qualquer 
natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos, no caso 
dos serviços descritos no subitem 7.12 da lista anexa;
X – (VETADO)
XI – (VETADO)
XII – do fl orestamento, refl orestamento, semeadura, 
adubação e congêneres, no caso dos serviços descritos no 
subitem 7.16 da lista anexa;
XIII – da execução dos serviços de escoramento, contenção 
de encostas e congêneres, no caso dos serviços descritos no 
subitem 7.17 da lista anexa;
XIV – da limpeza e dragagem, no caso dos serviços descritos 
no subitem 7.18 da lista anexa;
XV – onde o bem estiver guardado ou estacionado, no caso 
dos serviços descritos no subitem 11.01 da lista anexa;
XVI – dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, 
segurados ou monitorados, no caso dos serviços descritos no 
subitem 11.02 da lista anexa;
XVII – do armazenamento, depósito, carga, descarga, 
arrumação e guarda do bem, no caso dos serviços descritos 
no subitem 11.04 da lista anexa;
XVIII – da execução dos serviços de diversão, lazer, 
entretenimento e congêneres, no caso dos serviços descritos 
nos subitens do item 12, exceto o 12.13, da lista anexa;
XIX – do Município onde está sendo executado o 
transporte, no caso dos serviços descritos pelo subitem 
16.01 da lista anexa;
XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, 
na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, no 
caso dos serviços descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa;
XXI – da feira, exposição, congresso ou congênere a que se 
referir o planejamento, organização e administração, no caso 
dos serviços descritos pelo subitem 17.10 da lista anexa;
XXII – do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, 
ferroviário ou metroviário, no caso dos serviços descritos 
pelo item 20 da lista anexa.
Completa o artigo 4º, da Lei Complementar n. 116/03:
Considera-se estabelecimento prestador o local onde o 
contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 162
de modo permanente o u temporário, e que confi gure 
unidade econômica ou profi ssional, sendo irrelevantes para 
caracterizá-lo as denominações de sede, fi lial, agência, posto 
de atendimento, sucursal, escritório de representação ou 
contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.
Vale observar que a norma prevista no artigo 3º desta Lei não 
inovou no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o artigo 12, 
"a", do Decreto-Lei n. 406/68, possuía conteúdo semelhante, qual seja: 
"Considera-se local da prestação do serviço: a) o do estabelecimento 
prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador; b) 
no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação".
Não obstante a previsão objetiva de tais normas, o Superior 
Tribunal de Justiça desde a vigência do artigo 12, "a", do Decreto-Lei 
n. 406/68 vem entendendo que o sujeito ativo da obrigação tributária do 
Imposto Sobre Serviços no caso de arrendamento mercantil é o Município 
onde ocorreu o fato gerador.
Nesse sentido, é possível mencionar vários julgados: REsp 
969.109/RS, rel. Ministro Castro Meira, DJ 08.10.2007 AgRg no AG 
516.637/MG, rel. Min. Luix Fux, DJ 01.03.2004; REsp 431.564/MG, rel. 
Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.09.2004; AgRg no REsp 334.188/RJ, 
rel. Min. Francisco Falcão, DJ 23.06.20 03; EREsp 130.792/CE, rel. Min. 
Ari Pargendler, DJ 12.06.2000; REsp 115.279/RJ, rel. Min. Francisco 
Peçanha Martins, DJ 01.07.1999, AgREsp 845.711/RS, rel. Min. Luiz 
Fux, DJe 29.05.08, AgRg no AgIn 964.198/RS, rel. Min. Mauro Campbell 
Marques, julgado em 25.11.2008, Segunda Turma, DJ 17.12.2008.
Quando da vigenciado artigo 12, "a", do Decreto-Lei n. 406/68 e 
já sob a vigência da Constituição de 1988, o Superior Tribunal de Justiça 
em um dos primeiros precedentes em que se discutiu a matéria, afastou 
a sua aplicação por motivos constitucionais e decidiu que o Município 
competente para a cobrança do Imposto Sob re Serviços é aquele onde se 
realizou o fato gerador, nos seguintes termos:
(...) embora a lei considere o local da prestação d e serviço, 
o do estabelecimento prestado (art. 12 do DL 406/68), ela 
pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território 
se realizou o fato gerador. É o local da prestação de serviço que 
indica o Município competente para a imposição do tributo 
(ISS), para que se não vulnere o princípio constitucional 
implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar 
as prestações ocorridas em seu território. A lei municipal não 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 163
pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar 
efeitos sobre um fato ocorrido no território de município 
onde não pode ter voga.4
Quanto à norma constantedo artigo 12 do Decreto-Lei n. 406/68, 
ressaltou que: “(...) não tem sentido absoluto. A sua compreensão, como 
ensinam os doutrinadores, exige temperamentos. (...) Entender-se de outro 
modo é um contra-senso, eis que, se permitiria que, um serviço, realizado 
dentro das fronteiras de um município, a outro se deferisse”.5
No mesmo sentido:
Cinge-se a controvérsia à fi xação da competência para 
cobrança do ISS, se é do Município onde se localiza a sede da 
empresa prestadora de serviços, conforme determina o artigo 
12 do Decreto-lei n. 406/68, ou do Município onde aqueles 
são prestados. A egrégia Primeira Seção desta colenda 
Corte Superior de Justiça pacifi cou o entendimento de que o 
Município competente para realizar a cobrança do ISS é o do 
local da prestação dos serviços em que se deu a ocorrência 
do fato gerador do imposto. Essa interpretação harmoniza-se 
com o disposto no artigo 156, III, da Constituição Federal, 
que atribui ao Município o poder de tributar as prestações 
ocorridas em seus limites territoriais.6
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL 
E TRIBUTÁRI O. ISS. COBRANÇA. LOCAL DA 
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. 1. ‘O Município competente 
para cobrar o ISS é o da ocorrência do ato gerador do tributo, 
ou seja, o local onde os serviços foram prestados’. (REsp 39 
9.249/RS). 2. Adentrar à questão do local no qual foi prestado 
o serviço, ensejaria reexame de matéria fático-probatória, 
impondo a aplicação da Súmula n. 7 do S TJ: ‘A pretensão 
de simples reexame de prova não enseja recurso especial’. 
3. Precedentes. 4. Ausência de motivos sufi cientes para a 
modifi cação do julgado. 5. Agravo regimental desprovido.7
Colaciono, ainda, verbis:
ISS - FATO GERADOR - DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO – 
AGRAVO DESPROVIDO. 1. Interpretando-se o art. 12 do 
4 Superior Tribunal de Justiça, REsp 41.867/RS, rel. Min. Demócrito 
Reinaldo, DJU de 04.04.94.
5 Superior Tribunal de Justiça, REsp 41.867/RS, rel. Min. Demócrito 
Reinaldo, DJU de 04.04.94. 
6 AgRg no Ag 607.881/PE, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 20.06.2005, p. 209.
7 AgRg no AgIn 516.637/MG, rel. Min. Luiz Fux, j. 05.02.2004, Primeira 
Turma,DJ 01.03.2004.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 164
Decreto-lei n. 406/68, para fi ns de cobrança do ISS, considera-
se o domicílio tributário do local onde se realizou o fato 
gerador (prestação do serviço) e não o do esta belecimento 
do prestador. 2 .Agravo Regimental desprovido.8
Estes precedentes ainda são usados, em conjunto com outros 
que se valem do mesmo entendimento, para fundamentar o afastamento 
da aplicação do artigo 3º, da Lei Complementar n. 116/03, cujo 
conteúdo, como vimos, é idêntico ao da norma prevista no artigo 12, do 
Decreto-Lei n. 406/68:
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ISS. 
ARRENDAMENTO MERCANTIL. SOBRESTAMENTO 
DO AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. 
NECESSIDADE PERÍCIA SUBSTRATO PROBATÓRIO 
SUFICIENTE. SÚMULA N. 7/STJ. FATO GERADOR. 
MUNICÍPIO COMPETENTE PARA RECOLHIMENTO 
DA EXAÇÃO. LOCAL ONDE OCORRE A PRESTAÇÃO 
DO SERVIÇO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. (...)
III- ‘As Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ 
pacifi caram o entendimento de que o ISS deve ser recolhido 
no local da efetiva prestação de serviços, pois é nesse local 
que se verifi ca o fato gerador’ (AgRg no Ag 763.269/MG, 
Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 12.09.2006). Na 
mesma linha: AgRg no Ag 762.249/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 
DJ 28.09.2006 e REsp 695.500/MT, Rel. Min. Franciulli 
Netto, DJ 31.05.2006 (...).9
Conforme excertos do julgado supracitado:
Verifi co que a questão foi decidida de acordo com a 
orientação já pacifi cada no âmbito deste Superior Tribunal de 
Justiça, no senti do de que o ISS é tributo somente exigível 
pelo Município onde se realiza o fato gerador, entendido este 
o local no qual há a prestação de serviço “. “ Verifi co que a 
questão foi decidida de acordo com a orientação já pacifi cada 
no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de 
que o ISS é tributo somente exigível pelo Município onde 
se realiza o fato gerador, entendido este o local no qual há a 
prestação de serviço.10
No mesmo sentido:
 
8 AgRgAg n° 196.490/DF, Relatora Ministra Eliana Cal mon, DJ de 29/11/1999, p. 00153.
9 AgRg no REsp 960.492/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 06.12.2007, Primeira Turma.
10AgRg no REsp 960.492/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 06.12.2007, Primeira Turma.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 165
TRIBUTÁRIO. ISSQN. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO 
SERVIÇO. A RT. 12 DO DECRETO-LEI Nº 406/68. 
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 2 84, 282 
E 356/STF E 211/STJ.
1. Não se conhece do recurso especial pela alegada violação 
ao artigo 535 do CPC nos casos em que a argüição é genérica, 
por incidir a Súmula 284/STF. 
2. A ausência de pré questionamento atrai o óbice das 
Súmulas 282 e 356/STF. 
3.Mesmo na vigência do art. 12 do Decreto-Lei nº 06/68,4 
revogado pela Lei Complementar nº 116/03, a Municipalidade 
competente para realizar a cobrança do ISS é a do local da 
prestação dos serviços, onde efetivamente ocorre o fato 
gerador do imposto. 4. Recurso especial conhecido em parte 
e provido.11 
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE 
INSTRUMENTO - ISS - COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA 
- LOCAL DA EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - 
AUSÊNCIA DE EIVA NO JULGADO - ACÓRDÃO EM 
SINTONIA COM A ORIENTAÇÃO DESTE SODALÍCIO.
Do atento exame dos autos, verifi ca-se que a egrégia Corte 
de origem, embora de modo contrário aos interesses da 
recorrente, apreciou fundamentadamente a questão trazida 
pelas partes. Observa-se, outrossim, que inexiste qualquer 
eiva a ser sanada no v. acórdão recorrido. 'As duas Turmas 
que compõe m a Primeira Seção desta Corte, mesmo na 
vigência do art. 12 do Decreto-Lei nº 06/68,4 revogado pela 
Lei Complementar nº 116/2003, pacifi caram entendimento 
no sentido de que a Municipalidade competente para realizar 
a cobrança do ISS é a do local da prestação dos serviços, 
onde efetivamente ocorre o fato gerador do imposto' (RMS 
17.156/SE, Relator Ministro Castro Meira, DJ 20.09.2004).
Agravo regimental improvido.12
Como afi rmou o Ministro Castro Meira:
(...) a alteração legislativa não trouxe inovação que pudesse 
repercutir na jurisprudência pacifi cada nesta Corte. Muito 
pelo contrário, pois em seu artigo 4º, a Lei Complementar 
116/03 alarga o conceito de estabelecimento para os fi ns de ISS
– o que serve a justifi car a manutenção da orientação já 
fi rmada (...)13.
11 REsp 678.655/SP, Rel. Min. Castro Meira , DJU de 30.03.06. 
12 AgA 636.599/MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 30.05.05
13 TJSC, Embargos de Declaração em Embargos Infringentes n. 2007.001455-0, de Itajaí, 
rel. Des. Cesar Abreu, j. 14-10-2009. 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 166
Este entendimento foi consolidado pela jurisprudência do 
Superior Tribunal de Justiça: REsp 969.109/RS, Rel. Ministro CASTRO 
MEIR A, DJ 08.10.2007 AgRg no AG 516.637/MG, Rel. Min. LUIZ 
FUX, DJ 01.03.2004; REsp 431.564/MG, Rel. Min. TEORI ALBINO 
ZAVASCKI, DJ 27.09.2004; AgRg no REsp 334.188/RJ, Rel. Min. 
FRANCISCO FALCÃO, DJ 23.06.2003; EREsp 130.792/CE, Rel. 
Min. ARI PARGENDLER, DJ 12.06.2000; Resp 115.279/RJ, Rel. Min. 
FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 01.07.1999.
Da análise desses julgados, verifi ca-se que o Superior Tribunal 
de Justiça vem afastando a aplicação de norma que diz ser o município 
competente para a cobrança do Imposto Sobre Serviços sobre leasing 
aquele no qual se localiza a sede do estabelecimento prestador por afronta 
à Constituição de 1988, julgando que a cobrança do tributo em comento 
pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador.
Ora, a prestação de serviço advinda do arrendamento mercantil 
conclui-se apenas com a entrega do bem arrendado, cuja “causa jurídica” 
depende do destino ou do uso do bem. Assim, nesse tipo de operações,só 
no município em que ocorrem os atos de transferência dos bens é onde se 
concretizará o fato gerador do Imposto Sobre Serviços.
Parece-me razoável ser este o município competente para a 
cobrança do Imposto Sobre Serviços sobre arrendamento mercantil, 
tendo em vista o artigo 156, III da Constituição Federal, a cláusula 
pétrea da federação e a autonomia dos municípios, prevista “de modo 
mais signifi cativo”, nas palavras de Carrazza, “no art. 30 da Constituição 
Federal, que, em suma, garante ao município governo e administração 
próprios, no que toca ao seu peculiar interesse”.14
Dessa forma, a meu ver, a norma prevista no artigo 12 do Decreto-
Lei n. 406/68 não foi recepcionada pela atual Constituição e a norma 
contida no artigo 3º, da Lei Complementar n. 116/03 é inconstitucional, 
cabendo razão ao Superior Tribunal de Justiça quanto ao mérito da questão 
ao entender pelo afastamento da aplicação de tais normas.
Ocorre que, por se tratar de questão que envolve matéria 
constitucional, não cabe ao Superior Tribunal de Justiça sua análise, 
conforme se verifi ca no artigo 105, da Constituição Federal. Este prevê que 
compete ao Superior Tribunal de Justiça, dentre outras atribuições, julgar, 
em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, 
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do 
14 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. São 
Paulo: Malheiros, 2009, pp. 186-187.
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Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 167
Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado 
ou lei federal , ou negar-lhes vigência; julgar válido ato de governo 
local contestado em face de lei federal ou der a lei federal interpretação 
divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
A discussão de questão que envolve matéria constitucional, 
nos termos do artigo 102, da Constituição Federal, compete ao Supremo 
Tribunal Federal, ao qual foi conferida, precipuamente, a guarda da 
Constituição, cabendo-lhe, dentre outras atribuições, julgar, mediante 
recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, 
quando a decisão recorrida contrariar dispositivo desta Constituição; 
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei 
ou ato de governo local contestado em face desta Constituição e julgar 
válida lei local contestada em face de lei federal.
Vale observar que, quando se trata de norma anterior à Constituição, 
apesar da discussão da sua compatibilidade com a atual Magna Carta fi car 
no âmbito da efi cácia e não da validade da norma (não recepção desta 
norma pela Constituição vigente), trata-se de matéria constitucional, cuja 
competência pertence ao Supremo Tribunal Federal. Eis o entendimento 
do Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DE LEI LOCAL. 
INVIABILIDADE DE ANÁLISE. SÚMULA 280/ 
Supremo Tribunal Federal. POSSIBILIDADE JURÍDICA 
DO PEDIDO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO 
PELO CONTRIBUINTE. ICMS. VIABILIDADE. 
PRECEDENTES. INTERESSE DE AGIR. EXISTÊNCIA 
DE DANO. CONSIDERAÇÕES FINAIS CONTRÁRIA. 
SÚMULAS 5/Superior Tribunal de Justiça, 7/Superior 
Tribunal de Justiça e 280/ Supremo Tribunal Federal. 
PERDA DO OBJETO. SÚMULA 211/ Superior Tribunal 
de Justiça. SOBRESTAMENTO. RECEPÇÃO DE LEI 
PELA CARTA MAGNA. ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. 
ILEGITIMIDADE PASSIVA. INOVAÇÃO RECURSAL. 
VEDAÇÃO. (...) A pendência de julgamento perante à 
Suprema Corte não inviabiliza o julgamento de demandas 
perante o Superior Tribunal de Justiça. (...) A recepção de lei 
pelo texto constitucional é matéria que escapa à competência 
do Superior Tribunal de Justiça na via do recurso especial. 
7. A questão atinente à ilegitimidade passiva confi gura 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 168
inovação recursal, manobra processual amplamente vedada 
por esta Corte. Agravo regimental improvido.15
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. 
PONTOS NÃO ATACADOS DA DECISÃO AGRAVADA. 
SÚMULA N. 182 DO Superior Tribunal de Justiça. 
JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. 
ART. 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 
CUMPRE AO RÉU O ÔNUS DE COMPROVAR O ÀLIBI 
LEVANTADO PELA DEFESA. ART. 156 DO CÓDIGO DE 
PROCESSO PENAL. EXAME QUANTO À RECEPÇÃO 
DE DISPOSITIVOS LEGAIS PELA CONSTITUIÇÃO 
FEDERAL. COMPETÊNCIA DO Superior Tribunal Federal. 
CRIME DE MOEDA FALSA. ART. 289 DO CÓDIGO 
PENAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. (...) 
4. A verifi cação acerca da recepção de dispositivos legais 
pelo texto constitucional é matéria que foge à competência 
atribuída pela Carta Magna ao Superior Tribunal de Justiça 
no âmbito do recurso especial. (...) 6. Agravo Regimental a 
que se nega provimento.16
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 
535 DO CPC. DEFICIENTE DE FUNDAMENTAÇÃO. 
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS 
FUNDAMENTOS SUFICIENTES PARA MANTER O 
ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/ Supremo 
Tribunal Federal. VERIFICAÇÃO DA RECEPÇÃO DE 
DECRETO PELA CONSTITUIÇÃO. COMPETÊNCIA 
DO Supremo Tribunal Federal. (...) 4. A tese da não 
recepção do Decreto-Lei n. 2.318/86 pela Constituição 
Federal demandaria a análise dos dispositivos da própria 
Constituição, não cabendo a este Tribunal Superior a referida 
análise. Agravo regimental improvido.17
Assim, quando da vigência do artigo 12 do Decreto-Lei n. 406/68, 
o afastamento da sua aplicação com fundamentação na Constituição de 
1988, ou seja, o reconhecimento da não recepção desta norma pela atual 
Constituição, apesar de não confi gurar declaração de inconstitucionalidade, 
15 Superior Tribunal de Justiça - AgRg no AREsp: 3891 74 DF 2013/0293662-4, Relator: 
Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 05/11/2013, T2 - SEGUNDA 
TURMA, Data de Publicação: DJe 13/11/2013. 
16 AgRg no REsp 1367491⁄PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado 
em 23⁄04⁄2013, DJe 02⁄05⁄2013. 
17 AgRg no REsp 1213279⁄PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA 
TURMA, julgado em 02⁄12⁄2010, DJe 14⁄12⁄2010.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 169
é de competência do Supremo Tribunal Federal e não do Superior 
Tribunal de Justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, tanto o artigo 12 Decreto-Lei n. 406/68, como o 
artigo 3º, da Lei Complementar n. 116/03 dizem expressamente que o 
Município competente para a cobrança do Imposto Sobre Serviços no 
caso do arrendamento mercantil é aquele no qual se localiza a sede do 
estabelecimento prestador, sendo incabível qualquer interpretação no 
sentido de que o sujeito ativo da obrigação tributária advinda do leasing é 
o Município onde ocorreu o fato gerador.
Só é possível aos representantes do Poder Judiciário afastar a 
aplicação de norma cabível ao caso por motivos constitucionais diante 
a não recepção de norma anterior à norma constitucional ou mediante 
declaração de inconstitucionalidade, sob pena de atuar de forma ativista e 
invadir a esfera de atuação do Poder Legislativo, ferindo a cláusula pétrea 
da separação de poderes.
Em relação ao artigo 3º, da Lei Complementar n. 116 /03, está 
evidente que o Superior Tribunal de Justiça, a pretexto de uma absurda 
interpretação sistemática, baseada no princípio constitucional implícito 
que atribui ao município o poder de tributar as prestações ocorridas em 
seu território, realizou uma declaração de inconstitucionalidade não 
expressa, usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal. Quando 
da vigência do artigo 12 Decreto-Lei n. 406/68, tendo como parâmetro a 
Constituição Federal de 1988, a discussão fi caria n o âmbito da efi cácia 
e não da validade da norma. Trata-se de não recepção desta norma pela 
atual Constituição, o que confi gura discussão de matéria constitucional, 
a qual também compete ao Supremo Tribunal Federal e não ao Superior 
Tribunal de Justiça.
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TRABALHOS DE GRADUAÇÃO
EIXO 1: 
TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO E A CIDADANIA NA 
DIMENSÃO INTERNACIONAL
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 175
A CIDADANIA PARTICIPATIVA NA DIMENSÃO 
INTERNACIONAL: O PAPEL DA AMÉRICA 
LATINA ENQUANTO AGENTE POLÍTICO 
NA GOVERNANÇA GLOBAL
Jackeline Ferreira da Costa*
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal Brasileira de 1988 estabelece os 
fundamentos do Estado Democrático de Direito no seu art. 1º, dentre eles, 
o da soberania. Segundo Varella, não é possível determinar com precisão 
um conceito de soberania, tendo seu conceito nascido com o processo 
de construção do Estado-Nação.1 A soberania, de acordo com o autor, 
“consolida-se por meio de capacidades e competências. As capacidades 
estão relacionadas à vida internacional. As competências estão relacionadas 
à vida interna”.2 No cenário mundial, a soberania dos Estados ganha 
conotação com a necessidade de formação de institutos globais, como as 
organizações internacionais.
Quanto à Constituição Brasileira, nela é reconhecido o exercício 
do poder pelo povo por meio de representantes eleitos ou na sua forma 
direta. As formas de participação direta são previstas constitucionalmente 
e são realizadas mediante, por exemplo, o voto, o plebiscito, o referendo e a 
iniciativa popular. No entanto, no contexto da Globalização proporcionada 
pelos avanços tecnológicos, um dos maiores desafi os do Estado brasileiro 
é efetivar suas deliberações a nível internacional. A atuação política restrita 
ao âmbito nacional, portanto, se mostra insufi ciente. Como consequência, 
a maneira de exercer a cidadania fi ca a cargo de ser realizada sob a ótica 
da governança global.
A Comissão da Governança Global da ONU defi niu governança 
em seu texto “Nossa Comunidade Global” como:
[…] a totalidade das diversas maneiras pelas quais os 
indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram 
seus problemas comuns. É um processo contínuo pelo qual 
*Instituição de pesquisa: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – FCHS, Universidade 
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Franca. Curso: Direito. 
1 VARELLA, Marcelo. Direito Internacional Público. 4. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2012, p. 259.
2 Ibid., p, 264.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 176
é possível acomodar interesses confl itantes ou diferentes e 
realizar ações cooperativas; Governança diz respeito não 
só a instituições e regimes formais autorizados a impor 
obediência, mas também a acordos informais que atendam 
aos interesses das pessoas e instituições.3
Nesse cenário, organizações internacionais, como a UNASUL, 
destacam a participação cidadã na dimensão mundial, utilizando, para tal, as 
concepções de governança global. Para a análise da cidadania participativa 
na dimensão internacional, porém, é necessário examinar a situação 
periférica ou semiperiférica dos países da América Latina, identifi cando 
os obstáculos enfrentados na efetivação do exercício de sua cidadania no 
âmbito global e na construção de uma identidade sul-americana.
Devido à grande importância do exercício da cidadania no âmbito 
internacional, a presente pesquisa pretende analisar como esse exercício 
se dá na sua forma participativa, com foco nos países da América Latina. 
A ênfase do estudo se dá na situação global desses países e na análise das 
organizações internacionais que esses compõem, como a UNASUL, a fi m 
de que tragam efetividade a essa participação cidadã.
A realização do presente trabalho justifi ca-se frente à grande 
relevância e atualidade do tema, o qual ainda apresenta poucas obras a 
respeito. Com ele, portanto, dar-se-á o devido manuseio da questão, a fi m 
de estudar o instituto da cidadania participativa na esfera internacional, 
buscando soluções para a efetivação desta. O presente trabalho foi enviado 
como projeto de pesquisa ao programa de Pós-Graduação em Direito, da 
FCHS-UNESP, como pré-requisito para o ingresso no Mestrado em Direito.
A pesquisa tem por objetivo geral estudar as formas de participação 
cidadã no âmbito internacional. Dentre seus objetivos específi cos, tem-se: 
reconhecer as formas de participação cidadã na dimensão internacional, 
tendo como agente político os países da América Latina no contexto da 
governança global; analisar a efetivação das organizações internacionais 
que os países da América Latina fazem parte, como a Uniãodas Nações 
Sul-Americanas (UNASUL), como garantidora da participação cidadã 
no âmbito internacional; compreender as diferenças históricas e culturais 
dos Estados-membros da UNASUL, com vistas ao objetivo da construção 
de uma identidade e cidadania sul-americanas; e examinar os obstáculos 
enfrentados pelos países latino-americanos no cenário internacional 
3 COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global. Rio de 
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. Cap. 1.p. 1-9.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 177
a respeito da participação cidadã, devido a sua condição periférica ou 
semiperiférica no âmbito global.
A pesquisa jurídica caracteriza-se pelo pluralismo metodológico, 
visando garantir maior objetividade e complexidade ao estudo. Pretende-se 
analisar, durante a execução do presente trabalho, a cidadania participativa 
na dimensão internacional sob a ótica da Teoria Geral do Estado, utilizando, 
ainda, elementos da Ciência Política, da Filosofi a Política e do Direito 
Constitucional. Para isso, serão adotados os métodos indutivo e dedutivo, 
que, nas palavras de Cervo e Bervian:
A indução e a dedução são, antes de mais nada, formas de 
raciocínio ou de argumentação e, como tais, são formas de 
refl exão e não de simples pensamento.
O pensamento alimenta-se da realidade externa e é produto 
direto da experiência. O ato de pensar caracteriza-se por ser 
dispersivo, natural e espontâneo. A refl exão, porém, requer 
esforço e concentração voluntária. É dirigida e planifi cada. 
A CONSIDERAÇÕES FINAIS de raciocínio constitui o 
último elo de uma cadeia, o período fi nal de um ciclo de 
operações que se condicionam necessariamente.
(...) A indução e a dedução são processos 
que se complementam.4
Além disso, também se adotam os métodos histórico-analítico e 
comparativo, uma vez que se pretende compreender o lugar em que se 
encaixa a América Latina no contexto global.
Quanto à tipologia, a pesquisa será bibliográfi ca e documental, 
uma vez que a condução desta é proporcionada pela leitura de livros, artigos 
e teses, além de documentos legais referentes ao tema, como Tratados e 
Convenções, que compõem o ponto de partida e cerne das discussões, 
assim como a análise da agenda das organizações internacionais.
1 DESENVOLVIMENTO
A atenção voltada à governança global surgiu ao fi nal da década 
de 1980, junto com o progressivo interesse mundial no processo de 
democratização. Paralelamente a isso, é possível perceber a crescente 
importância que as organizações internacionais têm ganhado no cenário 
mundial, proporcionada pela Globalização e pelas inovações tecnológicas.
4 CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científi ca. 4. ed. São 
Paulo: MAKRON Books, 1996, p. 30.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 178
[...] a discussão de governança global, por seu próprio caráter 
original, atribui grande importância não somente à maior 
institucionalização internacional, mas também à ampliação 
da base ontológica de atores contemplados com participação 
e relevância na análise política. Desta maneira, ela supera 
em parte a lógica centrada no Estado ao abranger também 
outros atores transnacionais, tais como ONGs, Organizações 
Internacionais, Corporações Transnacionais, etc.
Trata-se, assim, de uma proposta de alargamento do âmbito 
do debate, de modo a fazer com que se “ouçam” todos 
aqueles que, conscientemente, queiram participar da esfera 
pública internacional. Nesse sentido, a governança surge 
como uma forma de combater o défi cit democrático no nível 
internacional.56
No espírito da governança global, foi assinado em 23 de maio 
de 2008 o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas 
(UNASUL) por quase todos os países do subcontinente americano, sendo 
eles: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, 
Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. O Tratado Constitutivo da 
UNASUL foi promulgado no Brasil com o Decreto n. 7.667, de 11 de janeiro 
de 2012. Nele, propõe-se a integração das conquistas sul-americanas, 
através, por exemplo, dos avanços obtidos pelo Mercosul (Mercado 
Comum do Sul) e pela CAN (Comunidade Andina de Nações), além das 
experiências dos outros países signatários que não compõem esses blocos.
No preâmbulo do Tratado, são elencadas as diretrizes em que a 
organização foi construída, entre elas destaca-se as seguintes partes:
AFIRMANDO sua determinação de construir uma 
identidade e cidadania sul-americanas e desenvolver um 
espaço regional integrado no âmbito político, econômico, 
social, cultural, ambiental, energético e de infraestrutura, 
para contribuir para o fortalecimento da unidade da América 
Latina e Caribe; (...)
RATIFICANDO que tanto a integração quanto a união 
sul-americanas fundam-se nos princípios basilares de: 
irrestrito respeito à soberania, integridade e inviolabilidade 
5 AMARAL, Arthur Bernardes de. Os conceitos de regimes internacionais e de 
governança global: semelhanças e diferenciações. Revista Eletrônica Tempo 
Presente. Disponível em: http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_
content&view=category&id=39&IteIte=127&limitstart=18. Acesso em 
18 de agosto de 2015.
6 Cf. Amaral. Autores mais críticos (BRAND, 2005), no entanto, alertam que esta retórica 
foi e continua a ser instrumentalizada para gerenciar crises que resultam do processo de 
globalização neoliberal.
http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 179
territorial dos Estados; autodeterminação dos povos; 
solidariedade; cooperação; paz; democracia, participação 
cidadão e pluralismo; direitos humanos universais, 
indivisíveis e interdependentes; redução das assimetrias 
e harmonia com a natureza para um desenvolvimento 
sustentável. (grifo do autor).
Portanto, um dos principais cernes da UNASUL é a construção de 
uma identidade e cidadania sul-americanas, a fi m de que, com a integração 
das nações, se possa alcançar o desenvolvimento sustentável e o bem-estar 
dos povos. Fundamentando-se, ainda, em princípios basilares, dentre eles, 
o da participação cidadã.
A UNASUL já nasce com personalidade jurídica internacional 
e, logo na defi nição de seus objetivos gerais e específi cos, o instituto da 
cidadania participativa é lembrado. No art. 2º, defi ne como objetivos gerais:
Artigo 2º. A União de Nações Sul-americanas tem como 
objetivo construir, de maneira participativa e consensuada, 
um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, 
econômico e político entre seus povos, priorizando o 
diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, 
a infraestrutura, o fi nanciamento e o meio ambiente, 
entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade 
socioeconômica, alcançar a inclusão social e a participação 
cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no 
marco do fortalecimento da soberania e independência dos 
Estados. (grifo nosso).
Por sua vez, no art. 3º, é traçado como objetivo específi co “a 
participação cidadã, por meio de mecanismos de interação e diálogo entre 
a UNASUL e os diversos atores sociais na formulação de políticas de 
integração sul-americana” (art. 3º, “p”).
A participação cidadã tem ainda reservada para si o art. 18:
Artigo 18. Será promovida a participação plena da 
cidadania no processo de integração e união sul-americanas, 
por meio do diálogo e da interação ampla, democrática, 
transparente, pluralista, diversa e independente com os 
diversos atores sociais, estabelecendo canais efetivos 
de informação, consulta e seguimento nas diferentes 
instâncias da UNASUL.
Os Estados Membros e os órgãos da UNASUL gerarão 
mecanismos e espaços inovadores que incentivem a 
discussão dos diferentes temas, garantido que as propostas 
Anais do III Seminário de Direitodo Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 180
que tenham sido apresentadas pela cidadania recebam 
adequada consideração e resposta. (grifo nosso).
Deisy Ventura e Camila Baraldi destacam as dimensões em 
que a UNASUL se coloca:
[...] Primeiramente, rompe a tradição comercial dos acordos 
sub-continentais, constituindo um âmbito de integração 
política que abarca a energia, a infra-estrutura, a segurança e 
a cidadania. Ao fazê-lo, justapõe-se, porém, aos processos de 
integração regional pré-existentes, esvaziando a Comunidade 
Andina de Nações (CAN) e o Mercado Comum do Sul 
(Mercosul). Ademais, contradiz o cada vez mais frequente 
recurso à bilateralidade empregado pelos governos da região.
Em segundo lugar, nas cláusulas do tratado, uma nova 
linguagem chuta para escanteio a pluma morna do Itamaraty, 
incorporando parte do acervo do discurso esquerdista 
contemporâneo, a exemplo das alusões à participação social 
e da demarcação de gênero. (...) No mesmo diapasão, a União 
inova ao abocanhar em seus objetivos a quase totalidade 
dos direitos humanos econômicos e sociais já consagrados 
internacionalmente. Ocorre que a escassa tangibilidade do 
processo integracionista conduz à natural percepção destas 
ambições como mera retórica.
Por fi m, a oposição interna ao governo brasileiro fulminou 
a UNASUL com a patética objeção técnica de que o 
funcionamento provisório da Secretaria Geral seria anti-
democrático, por esquivar a devida aprovação prévia do 
Parlamento. Ora, a crítica pertinente é a oposta: inovadora em 
seu conteúdo, mas ortodoxa em sua debilidade institucional, 
a UNASUL corre o risco de tornar-se apenas uma nova 
linguagem para velhos analfabetos em integração regional.7
A UNASUL, portanto, apesar de ter sido construída sobre nobres 
princípios, precisa ser cuidadosamente analisada a fi m de suprir as falhas 
nela existentes. A importância de sua criação da UNASUL é, entretanto, 
inquestionável, uma vez que os Estados Sul-Americanos apresentam ainda 
uma realidade periférica ou semiperiférica não só no âmbito econômico, 
mas principalmente no político, em que o exercício da cidadania não é pleno.
Alguns fatores contribuem para a rotulação de país em 
desenvolvimento. Em relação ao Brasil, por exemplo, podem ser apontados: 
7 VENTURA, Deisy. BARALDI, Camila. A UNASUL e a nova gramática da integração 
sul-americana. Pontes, volume 4 – number 3, 2008. Disponível em: http://fes.org.br/
brasilnomundo/wp-content/uploads/2014/06/ventura-baraldi-unasul-pontes.pdf. Acesso 
em 14 de agosto de 2015.
http://fes.org.br/
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 181
limitado poder militar e não pertencimento a nenhuma aliança militar 
estrito senso; predominância de uma economia exportadora de produtos 
de base; dependência tecnológica; precários indicadores sociais, como os 
relativos ao padrão educacional e à questão da violência; entre outros.
Os elementos que colocam o Brasil na semiperiferia do mundo 
não podem ser vistos somente do ponto de vista global, sendo necessária 
também a análise de seus fatores internos que o mantém nessa realidade. 
Dentre eles, importantes são as características histórico-culturais do 
Brasil, como a apropriação do Estado por interesses privados, que se 
perpetua desde sua criação até hoje, usurpando a soberania popular 
prevista em Constituição.
Ponto de destaque, entretanto, é a ascensão ao poder dos grupos 
partidários de esquerda nos países da América Latina, os quais se propõem 
a representar os interesses da população, com a valorização da participação 
popular e a preservação dos direitos humanos. Essa ascensão aparece 
no contexto do fi m dos regimes autoritários a que esses países foram 
submetidos entre os anos 1960 e 1980.
No dossiê “Desafi os da consolidação democrática na América 
Latina”, consequências decorrentes dos regimes autoritários que essa 
região sofreu são destacadas:
[...] Em diversos países latino-americanos, são rememoradas 
as décadas de regimes autoritários que assolaram a região, 
minando direitos civis, políticos, econômicos e culturais 
e aprofundando desigualdades, injustiças e opressões. 
São também rememoradas as décadas seguintes, até o 
presente, que mobilizaram muitos esforços em prol da 
redemocratização, da maior qualidade da democracia, de 
sua consolidação e radicalização, os quais redundaram na 
ascensão das esquerdas em vários países, mediante acirradas 
disputas entre diferentes projetos políticos de mudança 
social e de sociedade.
(...) A despeito de certos avanços, consideráveis em alguns 
casos, as democracias latino-americanas são em grande parte 
ainda caracterizadas pela falta de correspondência entre 
as instituições e as práticas sociais, entre a legalidade e a 
legitimidade e entre a política e a cultura. Ao mesmo tempo, 
nota-se a falta de correspondência entre Estado e nação, entre 
território geográfi co político-administrativo e identidades 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 182
histórico-culturais, entre direitos constitucionalmente 
previstos e direitos realmente vividos.8
Visa ressaltar que os governos de esquerda, embora tendo 
conquistado o poder, não encontram total apoio da população. Ações 
governamentais que buscam reduzir as desigualdades sociais vêm 
encontrando resistência por parte da elite econômica. Tais confl itos serão 
estudados com cautela no decorrer da pesquisa, em que serão apresentados 
todos os argumentos contrários e favoráveis possíveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Globalização e os avanços tecnológicos proporcionaram o 
estreitamento geográfi co, tornando os Estados e os indivíduos interdependentes 
entre si e apresentando características progressivamente mais próximas de 
uma comunidade global. Para o devido manuseio de questões que infl uenciem 
o planeta como um todo, houve o advento da governança global.
No contexto da governança global, atores estatais e não estatais 
ganham cada vez mais importância. Nessa conjuntura, a criação de uma 
organização com a UNASUL é de extrema relevância para a participação da 
comunidade latino-americana no cenário mundial. Baseada em princípios como 
o da construção de uma “identidade e cidadania sul-americanas”, a UNASUL 
expõe em seu preâmbulo diretrizes nobres, visando uma maior integração 
entre seus Estados Membros e sua maior presença nas relações globais.
A cidadania participativa é expressamente prevista no Tratado 
Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas. No entanto, para que ela 
seja efetivada, é preciso examinar a situação periférica ou semiperiférica 
em que se encontram os países da América Latina. No caso do Brasil, por 
exemplo, apesar de ser considerado uma potência mundial, sua realidade 
é ainda de país em desenvolvimento, com uma condição semiperiférica.
A análise dos fatores internos que caracterizam os países da 
América Latina apresenta derradeira signifi cância para a identifi cação dos 
obstáculos enfrentados para a efetiva participação cidadã latino-americana 
na dimensão internacional, uma vez que eles refl etem o modo como serão 
tratados no âmbito mundial.
Portanto, o estudo das formas de cidadania participativa 
na dimensão mundial, assim como da efetivação das organizações 
8 GUIMARÃES, Débora Messenberg. BARROS, Flávia Lessa de. PINTO, Júlio Roberto de 
Souza. Democracia na América Latina: desafi os e perspectivas. Apresentação. Disponível 
em: http://www.scielo.br/pdf/se/v29n1/02.pdf. Acesso em 13 de agosto de 2015, p. 16-17.
http://www.scielo.br/pdf/se/v29n1/02.pdf.
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 183
internacionais que os países da América Latina fazem parte, será um dos 
focos da pesquisa. A participação cidadã garantida pela UNASUL será 
observada sob a ótica das diferenças histórico-culturais decada Estado 
Membro, com suas devidas particularidades, buscando a almejada 
cidadania sul-americana. Ademais, fatores internos e externos de cada país 
fi nalizam a refl exão dos obstáculos enfrentados no alcance da participação 
cidadã latino-americana no contexto da governança global.
O papel político dos países da América Latina será visto de forma 
crítica, sendo a UNASUL principal agente catalisador para a ascensão 
destes, buscando a efetividade de sua participação cidadã.
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 184
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Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 185
A EXIGÊNCIA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO 
CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO E A DETERIORAÇÃO 
DESSE EXERCÍCIO PELOS CIDADÃOS DA UNIÃO 
EUROPEIA FRENTE À CRISE ECONÔMICA
Laura Rizzo1* 
Renan Fernandes Duarte2**
INTRODUÇÃO 
Os direitos de cidadania são garantidos pelas Constituições 
de Estados Democráticos, uma vez que esses tem como pressuposto a 
supremacia da vontade popular. Entretanto, a noção de cidadania enquanto 
direito de votar e ser votado há muito está ultrapassada. Essa compreende 
também a garantia de outros direitos, que permitem que os indivíduos 
exerçam a cidadania de forma consciente e planejada. 
Entretanto, o contexto da globalização exige que os Estados 
atuem de forma conjunta com outros atores internacionais. Forma-se 
uma relação de interdependência entre eles, especialmente no quesito 
econômico, e percebe-se que o próprio exercício da cidadania vivencia 
uma mudança de foco. 
Nas Constituições dos Estados que compõem a União Europeia 
há a declaração de serem Estados Democráticos, e para que sejam de fato 
considerados como tais, faz-se mister que a soberania do povo seja uma 
realidade. A UE, enquanto bloco econômico, é composta por instituições 
que visam desenvolver projetos para que os próprios Estados que a 
integram progridam, e, no atual contexto da globalização, exige-se que 
os indivíduos exerçam sua cidadania não só pensando no seu respectivo 
Estado, mas no bloco como um todo. 
Entretanto, fatores contemporâneos, como uma crise econômica, 
por desestabilizar a política nacional de diversos países, estimulam a 
rejeição ao projeto europeu, o que eventualmente deixa o exercício da 
cidadania em um nível supraestatal renegado à segundo plano. O presente 
 Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca, 
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCHS/UNESP).
 Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca, 
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCHS/UNESP).
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 186
trabalho visa analisar o motivo por trás dessa rejeição ao exercício da 
cidadania frente à crise econômica na União Europeia. 
Em um contexto de crise, falta a solidariedade entre os países 
da União Europeia, não havendo um estímulo ao exercício da cidadania 
perante a comunidade. É de extrema relevância entender como se dá essa 
falta de solidariedade e como isso afeta o contexto contemporâneo, uma 
vez que o cenário da globalização exige a atuação conjunta dos atores 
internacionais, e sendo os Estados caracterizados enquanto democráticos, a 
participação dos cidadãos é imprescindível. Para isso, é também pertinente 
analisar as teorias sociológica, jurídica e política da Constituição, para que 
se tenha diferentes visões da sua existência perante a sociedade. 
Dessa forma, o trabalho em questão analisa o conceito de 
Constituição a partir das teorias sociológica, jurídica e política; expõe o 
conceito de cidadania presente nas Constituições de Estados Democráticos 
e a mudança de foco do seu conceito clássico frente às exigências do 
mundo globalizado, que demandam uma ação conjunta dos atores 
internacionais, e consequentemente, dos cidadãos; e por fi m, analisa o 
impacto da crise econômica sobre o exercício da cidadania pelos cidadãos 
que compõem a UE, propondo uma hipótese que explicaria a renúncia a 
tal exercício conjunto. 
A pesquisa é de cunho exploratório, tendo por base a pesquisa 
bibliográfi ca, que por analisar material já confeccionado, reúne conceitos 
esparsos e possibilita uma análise mais profunda acerca do problema. 
(GIL, 2002, p. 44). O método indutivo terá seu papel para a análise, 
mesmo que superfi cial, do caso particular da crise que se instaurou na 
Europa e mostrou seus efeitos a partir de 2008, para assim se chegar a 
uma CONSIDERAÇÕES FINAIS. Por fi m, o método dedutivo terá 
ênfase notável, já que se partirá de premissas que estabelecem conceitos 
indispensáveis para a análise do tema tratado. 
1 TEORIAS DA CONSTITUIÇÃO 
A Constituição, enquanto elemento que embasa o Estado 
Democrático de Direito, levou diversos doutrinadores ao estudo de sua 
natureza e atuação na sociedade. A compreensão daquela a partir de teorias 
é fundamental para que seja possível um estudo metódico de sua estrutura. 
Há diversas Teorias da Constituição, mas, para os fi ns do presente estudo, 
abordfundamental, tendo como essência a decisão que expressa a vontade 
Anais do III Seminário de Direito do Estado
Teorias da Constituição e as novas concepções de cidadania 187
constituinte e a unidade política, ou seja, tem como fundamento essa 
decisão, e não o procedimento difi cultoso. (SCHMITT, 2008, online). 
2 CONCEITO DE CIDADANIA NAS CONSTITUIÇÕES DE 
ESTADOS DEMOCRÁTICOS 
A reaproximação

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