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Efeitos civis da sentença penal

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1. A condenação penal irrecorrível produz efeitos: 
· Principais: imposição das penas privativas de liberdade (reclusão, detenção e prisão simples), restritivas de direitos, pecuniária e eventual medida de segurança.
· Secundários: de natureza penal, como impedimento ou revogação do sursis e da reabilitação; e de natureza administrativa e civil, como os listados abaixo (de interesse para esse capítulo): 
· a obrigação de reparação do dano resultante do crime, prevista no art. 91, I, do CP (obrigação para com o sujeito passivo ou prejudicado pelo crime); 
· o confisco, previsto no art. 91, II (obrigação para com o Estado); 
· a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo (art. 92, I); 
· a incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela (art. 92, II);
· inabilitação para dirigir veículo (art. 92, inc. III).
Condenação penal e reparação civil
1. O CPP, em seu art. 63, preceitua que, “transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito de reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. No parágrafo único da disposição, acrescentado pela Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, consta que, “transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido”.
2. Antes do advento da Lei n. 11.719/2008, a sentença penal condenatória produzia um título executivo judicial ilíquido. A sentença penal condenatória funcionava como sentença meramente declaratória no tocante à indenização civil. Com as alterações produzidas no CPP, a sentença penal condenatória, quando fixado judicialmente em seu âmbito o valor mínimo da indenização devida, constituirá título executivo judicial líquido.
3. O art. 935 do CC diz que a responsabilidade civil é independente da criminal. Assim, o sujeito pode ser absolvido no juízo criminal em face da prática de um fato inicialmente considerado delituoso e, entretanto, ser obrigado à reparação do dano no juízo cível. Assim, em face da prática de um crime, o ofendido (representante legal ou herdeiro) pode agir de duas formas: 
· aguardar o desfecho da ação penal; transitando em julgado a sentença condenatória, pode ingressar no juízo cível com o pedido de execução para efeito de reparação do dano; 
· ingressar desde logo no juízo cível com a ação civil de reparação do dano (actio civilis ex delicto).
Absolvição penal e reparação civil
1. Em caso de absolvição penal, somente estará impedida a via civil de reparação do dano em caso de inexistência material do fato (art. 66, CPP) e (em regra) nas hipóteses em que a absolvição se dá com base nas causas de exclusão da antijuridicidade (art. 65, CPP).
· Art. 66 do CPP: “Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”
· Art. 65 do CPP, “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. Assim, a absolvição criminal com base nas causas de exclusão da antijuridicidade, em regra, exclui o exercício da ação civil de reparação do dano. Só não o exclui quando a lei civil, embora reconhecendo a licitude do fato, determina a obrigação do ressarcimento do dano. Em que caso a absolvição criminal em face de incidência de causas de exclusão da antijuridicidade não exclui a actio civilis ex delicto? No caso dos arts. 929 e 930 do CC.
2. A absolvição penal lastreada em fundada dúvida sobre a presença de causa de exclusão da ilicitude não produz coisa julgada no cível.
3. A absolvição criminal com fundamento em causa excludente da culpabilidade (CP, arts. 21, 22, 26, caput, e 28, § 1º) não impede a ação civil de reparação do dano.
Confisco
Art. 91 - São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
§ 1º Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. 
§ 2º Na hipótese do § 1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.
Conceito
Confisco é a perda de bens do particular em favor do Estado
Permissão 
1. O confisco permitido pelo art. 91, II, do CP não incide sobre bens particulares do sujeito, mas sim sobre instrumentos e produto do crime.
2. Só é permitido em relação aos crimes, sendo inadmissível nas contravenções.
Confisco do patrimônio ilícito do condenado 
O art. 91-A do CP, incluído pela Lei Anticrime (Lei n. 13.964/2019), autoriza o juiz, em condenações por crime com pena máxima superior a seis anos de reclusão, a decretar a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com seu rendimento lícito.
Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. 
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
2. Do ponto de vista processual, para que essa perda seja decretada na sentença, é necessário que o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, requeira expressamente sua aplicação, indicando a diferença entre o patrimônio lícito do agente e o total de bens sobre os quais exerce domínio ou usufruto, direto ou indireto (art. 91-A, § 3º)
3. No curso do processo, haverá contraditório a respeito da matéria, facultando-se ao réu impugnar a pretensão ministerial, apontando a licitude da origem dos bens ou a compatibilidade destes com seu rendimento legal (art. 91-A, § 2º).
Efeitos específicos da condenação
Art. 92 - São também efeitos da condenação: 
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: 
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
Tratando-se,v.g., de condenação a dois anos de reclusão por corrupção passiva simples, crime funcional típico descrito no art. 317, caput, do CP, opera-se a perda do cargo (alínea a); se o funcionário público, em outro caso, vem a ser condenado por crime cometido fora do exercício da função (delito comum), dá-se a perda do cargo somente se a pena privativa de liberdade for superior a quatro anos. Ex.: homicídio simples consumado, em que a pena mínima é de seis anos de reclusão.
II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado;   
A incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela, depende de três condições: 
· que o crime seja doloso; 
· que seja cominada pena de reclusão; e, 
· que figure como vítima do crime o filho ou filha, descendente, uma pessoa titular do mesmo poder familiar, tutelado ou curatelado.      
 
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. 
O terceiro efeito específico da condenação é a inabilitação para dirigir veículo. Depende de dois requisitos: 
· que o crime seja doloso; 
· que o veículo tenha sido utilizado “como meio” para a sua prática.
Nota: Em matéria penal, o automóvel aparece como: a) causa da prática de crimes; b) instrumento para a prática delituosa; e c) objeto material do crime. No primeiro caso, o veículo surge como causa material de infrações penais, como danos pessoais no trânsito etc. No último, como objeto material de furtos, apropriações indébitas etc. No segundo, como meio material de execução do crime doloso, como homicídio e lesão corporal, tráfico de entorpecentes etc. Somente nessa hipótese é que a condenação produz o efeito específico da inabilitação para dirigir veículo.
Referências:
JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte geral – arts. 1 ao 120 do CP. Vol 1. Atualizador: André Estefam. 37 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

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