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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS MARIANA CANAVEZI DE VITTA POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA- SP FRANCA 2011 MARIANA CANAVEZI DE VITTA POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA- SP Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do titulo de mestre em Serviço Social. Área de Concentração – Serviço Social: formação e prática profissional. Orientadora: Profª. Dra. Célia Maria David FRANCA 2011 1 Vitta, Mariana Canavezi de Políticas públicas para a inclusão escolar: desafios e prespectivas no município de Franca - SP / Mariana Canavezi de Vitta. –Franca: [s.n.], 2011 172 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social).Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Orientador: Célia Maria David 1. Serviço Social – Portadores de necessidades especiais. 2. Edu- cação especial – Inclusão escolar. 3. Ensino municipal – Políticas públicas – Franca (SP). I. Título CDD – 362.3 2 MARIANA CANAVEZI DE VITTA POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR: DESAFIOS E PERSPECTIVAS NO MUNICÍPIO DE FRANCA - SP Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do titulo de mestre em Serviço Social. Área de Concentração – Serviço Social: formação e prática profissional. Banca Examinadora Presidente:_____________________________________________________ Profª. Dra. Célia Maria David 1º Examinador(a):________________________________________________ 2º Examinador(a):________________________________________________ Franca, _____ de ________________de 2011. 3 Aos Guerreiros da Vida... Ao meu avô Mário...um guerreiro na vida, pelo muito que me ensinou... 4 AGRADECIMENTO ESPECIAL À minha querida orientadora Profª. Dra. Célia Maria David que com sua paciência, compreensão e crença no ser humano, possibilitou-me concluir este trabalho de grande significado na minha vida pessoal e profissional. Meu eterno agradecimento, respeito e admiração. 5 AGRADECIMENTOS Talvez a atitude mais complicada para um pessoa seja reconhecer e expressar para outros tudo o que eles significam para nossa construção como seres humanos. Gostaria aqui de agradecer a todas as pessoas que sempre estiveram comigo e contribuíram cada qual à sua maneira, para construção do meu caráter, dos meus valores e da minha atuação no mundo. Ouvir os conselhos e as histórias de meus avós contribuiu para que a vida fosse compreendida com o mais pleno amor. A incondicionalidade faz com que os sentimentos sejam expressos em sua plenitude. Obrigada pelos conselhos, broncas, sorrisos, gargalhadas, emoções e direcionamentos. Vô Mário, vó Guigui, vô Tuti e vó Adélia, palavras não bastam... Errar, acertar, acertar, errar.... pais e filhos... a relação da busca e da certeza. Busca pelo certo, pelo cuidado, pela razão. Certeza do amor, da compreensão e da presença. Ter vocês faz-me forte! Conquistar espaços, trilhar conquistas, cuidar...À minha irmã Maiara, o mais profundo sentimento de amor... Trilhar caminhos, dividir conquistas, construir talvez, uma vida juntos. Tufic o companheiro, o amigo e o amor de anos e que venham muitos anos. E à Janis, nossa complementação familiar... Agradeço aos meus tios, tias, primas e primos, que a cada dia me fazem compreender as diferenças e a necessidade de estar juntos, mesmo longe. Às pessoas maravilhosas que sempre estão ao meu lado, em todos os momentos de alegria, de tristeza, de dúvida e que com certeza contribuíram para que a caminhada não fosse em vão: meus amigos. Seu Jorge, Nádia, Aninha, Derso, Rodrigo, Aender, Momo, Preta, Mamona, Bubba, Mojica, Cogú, Morato, Gustavo, Lecão, Raquel, Pereira, Silvana, Paulo, as Flores, os meninos da República Buraco, os meninos da República Blackout, à banda Pancilhamas, ao Grupo Cantagallo e à Associação Banda Musical de Franca. Em especial à Lê e a Brunna, por dividirem momentos importantes de aprendizado e convivência. À Gislaine, uma amiga inexplicável, que me fez enxergar na vida as possibilidades que ela tem a oferecer! Também à toda minha turma de mestrado. 6 Acreditar em educação é acreditar em pessoas e por isso, agradeço a todos os meus meninos e meninas dos PETs 11, 15, 22 e 25, por fazerem com que minha crença na possibilidade de mudança e no ser humano fosse revigorada em cada dia, em cada momento das aulas. O que aprendi com vocês, tempo nenhum apaga. À equipe SENAC – Franca, por serem fundamentais para a minha formação profissional. Em especial ao Fábio, Vanessa, Márcia, Cláudia e Lina (equipe PET). Mais que professores! Aos meus educadores, motivadores e amigos Vânia e Genaro. Vocês foram fundamentais para a minha formação como ser humano e para a formação da minha visão de educação, que carregarei e construirei por toda a minha vida. À Laura por todo o apoio estrutural e psicológico para que esse trabalho fosse entregue. À toda a equipe do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e à Neide, por todo o apoio. Agradeço a todos os participantes da pesquisa, pessoas que me ofereceram a oportunidade de desvelar um novo horizonte educacional acreditando que é possível lutar pelas pessoas e com as pessoas. Finalmente agradeço a todas as pessoas que contribuíram para a minha vida. Cada qual à sua maneira, jamais serão esquecidas. 7 De tudo ficaram três coisas: A certeza de que estamos começando, A certeza de que é preciso continuar, A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Façamos da interrupção um caminho novo Da queda, um passo de dança Do medo, uma escada Do sonho, uma ponte Da procura, um encontro [...] E assim terá valido a pena. (Fernando Sabino) 8 VITTA, Mariana Canavezi de. Políticas públicas para a inclusão escolar: desafios e perspectivas no município de Franca – SP. 2011. 172 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2011. RESUMO A presente pesquisa teve o objetivo de analisar a implementação das políticas públicas para a inclusão escolar no município de Franca – SP. O recorte recaiu sobre as séries iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino, pois dos 319 educandos com necessidades educacionais especiais regularmente matriculados, que apresentaram laudo médico e frequentam o Atendimento Educacional Especializado, 222 estão nesse nível educacional. Focou-se mais especificamente na compreensão da inclusão escolar de educandos com deficiência, público-alvo das práticasinclusionistas da rede municipal. Para que se pudesse compreender a temática, optou-se por adotar como metodologia a análise qualitativa de caráter sócio-histórico que englobou a análise documental, a observação participante e entrevistas semiestruturadas. Inicialmente foi realizada uma contextualização histórica dos modelos educacionais e sua relação com o desenvolvimento da Educação Especial no Brasil, para que se pudesse compreender a temática estudada. Em seguida, foi realizada a discussão sobre as concepções teóricas e práticas que a proposta necessita para que seja desenvolvida com sucesso nos ambientes escolares. Posteriormente, a pesquisa focou-se na análise das diretrizes internacionais, nacionais e do Estado de São Paulo, para que se pudesse compreender as bases legais que fundamentam as propostas municipais. A partir dessa análise foi realizada a contextualização das propostas educacionais da rede municipal de ensino, bem como a importância da municipalização da educação. No que se refere à pesquisa de campo, as observações participantes foram realizadas em duas escolas municipais de Franca – SP, sendo uma com recursos físico/arquitetônicos e materiais necessários para a efetivação da proposta de inclusão escolar e outra sem esses recursos, o que possibilitou a compreensão de como a inclusão escolar se estrutura em ambientes diversos e quais os mecanismos adotados pelos gestores e educadores para que todos os educandos com necessidades educacionais especiais desenvolvam-se plenamente. Palavras-chave: inclusão escolar. políticas públicas. rede municipal de ensino. desafios – perspectivas. Franca – SP. 9 VITTA, Mariana Canavezi de. Public politics for educational inclusion: challenges and perspectives in the city of Franca – SP. 2011. 172 p. Dissertation (Masters in Social Services) – Humanities and Social Sciences College in Franca - State University Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2011. ABSTRACT This research aimed at analyzing the public policies implementation for the educational inclusion in the city of Franca. The selected profile was the early grades of Basic Education of public municipal schools, because 222 out of 319 regularly enrolled students with special educational needs (who rendered medical reports and attended to Specialized Educational Services) are in these educational grades. The focus was on comprehending the educational inclusion of students with deficiencies – the target group of the municipal school's educational inclusion policies. For the theme to be understood, the adopted methodology was a qualitative sociohistorical analysis that embraced the documentary analysis, the participant observation and the semi-structured interviews. Initially a historical contextualization of educational models was made, and its relation to the development of Special Education in Brazil was verified, in order that the topics were comprehended. After that, a discussion was made, concerning the theoretical and practical concepts that this proposal demands, for it to be successfully carried out in the the school environment. Posteriorly, the research focused on the analysis of international, national and state guidelines for the explanation of the legal bases that justify the municipal proposal. From this analysis, the municipal educational proposals were contextualized, and so the importance of municipal education was shown. Participant observations were made at two municipal schools of Franca – SP, as field research. One of these schools offered sufficient physical/architectural resources and materials for the educational inclusion proposal to be effectuated, and the other one offered none of these resources. This enabled the comprehension of the way educational inclusion structures itself in diverse environments, and showed what mechanisms were adopted by managers and educators, so that all students with special educational needs can fully evolve. Keywords: educational inclusion. public policies. public municipal schools. challenges – perspectives. Franca – SP 10 LISTA DE SIGLAS AEE Atendimento Educacional Especializado AIPD Ano Internacional da Pessoa com Deficiência APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais AVD Atividades de vida diária BPC Benefício de Prestação Continuada CADEME Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais CEAA Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos CEB Conselho de Educação Básica CEE Conselho Estadual de Educação CENEC Campanha Nacional de Educação de Cegos CENESP Centro Nacional de Educação Especial CENESP Centro Nacional de Educação Especial CESB Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro CFE Conselho Federal de Educação CID Classificação Estatística Internacional de Doenças CNE Conselho Nacional de Educação CNER Campanha Nacional de Educação Rural CORDE Coordenação de Educação Especial DA Deficiência Auditiva DEC Departamento de Educação e Cultura DF Deficiência Física DM Deficiência Mental DV Deficiência Visual EAD Educação à Distância ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EJA Educação de Jovens e Adultos EMDEF Empresa Municipal para o Desenvolvimento de Franca EMEB Escola Municipal de Educação Básica EMEI Escola Municipal de Educação Infantil FDF Faculdade de Direito de Franca FEAC Fundação de Esporte, Arte e Cultura FMI Fundo Monetário Internacional FNEP Fundo Nacional do Ensino Primário 11 FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério GT Grupo de Trabalho HC Hospital das Clínicas IBC Instituto Benjamin Constant IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP Instituto Nacional de Pedagogia INES Instituto Nacional de Surdos INPS Instituto Nacional de Previdência Social INSS Instituto Nacional do Seguro Social IPRS Índice Paulista de Responsabilidade Social IPVS Índice Paulista de Vulnerabilidade Social LBA Legião Brasileira de Assistência LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LIBRAS Língua brasileira de sinais LOAS Lei Orgânica da Assistência Social LOM Lei Orgânica Municipal MEC Ministério da Educação e Cultura NARC National Association for Retarded Children OEA Organização dos Estados Americanos ONG Organização não governamental ONU Organização das Nações Unidas PAR Plano de Ações Articuladas PNE Plano Nacional de Educação PPP Projeto Político Pedagógico PSEC Plano Setorial de Educação e Cultura PUC Pontifícia Universidade Católica REP Reunião Pedagógica QI Quociente de Inteligência SAPES Serviços de Apoio Especializado SE Secretaria de Educação SEAD Sistema Estadual de Análise de Dados SEESP Secretaria de Educação Especial SENEB Secretaria Nacional de Educação Básica SUAS Sistema Único da Assistência Social 12 TGD Transtorno Global do Desenvolvimento UE União Europeia UFC Universidade Federal do Ceará UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância UNI-Facef Centro Universitário de Franca UNIFRAN Universidade de Franca 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................15 CAPÍTULO 1 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL ...........................................20 CAPÍTULO 2 A INCLUSÃO COMO MODELO EDUCACIONAL....................................................49 2.1 Os paradigmaseducacionais...........................................................................52 2.2 A proposta de inclusão escolar .......................................................................54 2.3 As práticas educacionais .................................................................................58 CAPÍTULO 3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR .......................................67 3.1 Diretrizes internacionais...................................................................................69 3.2 Políticas nacionais ............................................................................................75 3.3 A proposta do Estado de São Paulo................................................................94 CAPÍTULO 4 O MUNICÍPIO DE FRANCA – SP.............................................................................98 4.1 A municipalização do ensino em Franca – SP..............................................103 4.2 A proposta de inclusão escolar na rede municipal de ensino de Franca – SP ......................................................................................................111 CAPÍTULO 5 A PESQUISA DE CAMPO......................................................................................116 5.1 O caminho percorrido.....................................................................................117 5.2 Os participantes e o cenário da pesquisa.....................................................121 5.2.1 Os sujeitos......................................................................................................121 5.2.2 As escolas ......................................................................................................126 5.3 A realidade vivida............................................................................................129 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................154 REFERÊNCIAS.......................................................................................................159 APÊNDICES APÊNDICE A - Questões que nortearam as entrevistas ....................................166 APÊNDICE B - Relato de observação ..................................................................167 APÊNDICE C - Autorização para a pesquisa de campo.....................................170 ANEXOS ANEXO A - Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais – 2008 .......................................................................172 15 INTRODUÇÃO 16 Certo dia, do ano de 2007, em uma conversa com amigos, estávamos falando sobre nossas experiências educacionais, tanto como estagiários, quanto como professores. Nessa conversa, um amigo reproduziu um diálogo que ocorreu no último dia de aula do seu período de substituição, quando este realizava a chamada dos alunos: Amigo professor: - Paula, o Tiago não frequenta mais essa escola? Paula: – Ora professor, lógico que frequenta, ele não falta nenhum dia! Amigo professor: - Você tem certeza? Nessa sala? Paula: - Sim professor! Amigo professor: - Então por que ele nunca respondeu à chamada? Eu quase o reprovo por faltas! Paula: - É por que ele é surdo, professor! Como ele vai ouvir o senhor fazer a chamada? O meu amigo contava-nos esta história, dizendo que há mais de um mês dando aula naquela escola, nunca ninguém havia o avisado que existia um aluno com deficiência auditiva naquela sala1... Este diálogo foi o ponto de partida para algumas questões que foram ganhando forma e fundamento e que se transformaram em inquietações, tais como: o que é a proposta de inclusão escolar? Como ela se concretiza na prática? Qual o papel dos professores, dos alunos, da comunidade escolar, dos pais e dos gestores frente a essa proposta? Como se desenvolve o processo de ensino e aprendizagem no contexto da inclusão escolar? Com o amadurecimento dessas inquietações, advindas de uma simples conversa informal, surgiu o argumento e o objetivo de caráter acadêmico que deram origem à pesquisa aqui empreendida. Segundo Glat (2003), a proposta de inclusão escolar surgiu em decorrência de um processo histórico de lutas e reivindicações sociais de garantia dos direitos de educandos com necessidades educacionais especiais ao acesso e permanência na escola. Desse modo, compreendem-se por necessidades educacionais especiais as condições diferenciadas que o educando estabelece com o seu processo de ensino- aprendizagem e que podem ser decorrentes de causas orgânicas, aspectos socioeconômicos, altas habilidades/superdotação e dificuldades acentuadas de aprendizagem. A presente dissertação analisa a implementação da proposta de inclusão escolar no município de Franca – SP. O recorte recaiu sobre as séries iniciais do 1 Os nomes dos sujeitos são fictícios. 17 Ensino Fundamental (1º ano ao 5º ano), pois dos 319 educandos com necessidades educacionais especiais regularmente matriculados, que apresentaram laudo médico e frequentam o Atendimento Educacional Especializado, 222 estão nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Ao realizar uma maior aproximação da realidade educacional do município, constatou-se que o público-alvo das suas propostas inclusivistas são os educandos com deficiência, sendo esta a delimitação mais específica para o direcionamento teórico, conceitual e analítico do presente trabalho, pois orientou a pesquisa para a compreensão das deficiências, da história da educação de educandos com deficiências e das posturas sociais e políticas que foram e são assumidas para a inclusão de pessoas com deficiência em todos os ambientes sociais. O estudo teve como objetivo principal analisar e compreender as relações estabelecidas entre as propostas municipais para a Educação Inclusiva e o que se concretiza no ambiente escolar, principalmente na sala de aula, tendo como objetivos específicos: • Verificar a influência que as políticas públicas internacionais, nacionais e estaduais exercem nas diretrizes municipais para a inclusão escolar. • Analisar os aspectos socioculturais que permeiam a questão da inclusão, não só no ambiente escolar, mas na comunidade que o cerca. Para que esses objetivos fossem alcançados, a presente dissertação foi organizada em cinco capítulos. O primeiro capítulo “Da Educação Especial” apresenta a trajetória histórica da educação dos deficientes, focando mais especificamente a história da Educação Especial no Brasil. Este capítulo proporciona ao leitor, a contextualização da temática e a compreensão de como a educação do deficiente foi estruturada desde suas concepções iniciais até a sua inclusão nos sistema educacional geral. Apresenta-se a construção de aspectos pedagógicos que contribuíram para o pensar das deficiências e suas possibilidades de aprendizagem, relacionando-as com o histórico da Educação Especial no Brasil e aliando a análise às ações e direcionamentos seguidos para o sistema educacional geral. Desse modo, objetiva-se compreender a movimentação política e social pelas quais a Educação Especial passou até deixar de ser encarada como um sistema de ensino paralelo. 18 O segundo capítulo, “A inclusão como modelo educacional”, discute as perspectivas educacionais que a proposta de inclusão enseja, tais como, o repensar da prática docente e sua relação com o educando com necessidades educacionais especiais, a ressignificação dos paradigmas educacionais no processo de construção do conhecimento escolar, as reformulações sobre o pensar dos mecanismos de avaliação educacional, a necessidade de formular recursosde acessibilidade físico/arquitetônica e didática. Para abordar essas temáticas o capítulo divide-se em três partes: “Os paradigmas educacionais”, “A proposta de inclusão escolar” e “As práticas educacionais”. No terceiro capítulo foram analisadas as políticas públicas para a inclusão escolar em três esferas: a internacional, a nacional e a do Estado de São Paulo. A proposta de inclusão escolar ganhou destaque no decorrer da década de 1990 e início da década de 2000 no contexto das políticas públicas educacionais, não só no âmbito nacional, mas também mundial, tornando necessária a compreensão da inter-relação entre os aspectos globais e locais. Sabe-se da grande quantidade de documentos existentes com relação à temática, porém, para o presente trabalho analisou-se somente os que são referenciados pelas políticas e propostas do município de Franca – SP. Na esfera internacional analisou-se inicialmente a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994). No âmbito Federal estudou-se a Constituição Federal (1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 (1996), evidenciando os aspectos relativos principalmente à descentralização da educação. Foi analisada também a Lei nº 10.172 de 2001 que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), a Resolução CEB/CNE nº 2 de 2001 que regulamentou as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2007). Já no Estado de São Paulo analisou-se a Resolução SE nº 11 de 2008. A fim de complementar a pesquisa documental, foram analisados alguns Decretos e Resoluções pertinentes à temática que foram promulgados a nível Internacional e Federal e que balizam as atuações nas três esferas governamentais brasileiras. São eles: a Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência (1999), a Carta para o Terceiro Milênio (1999), a Declaração Internacional de Montreal sobre 19 Inclusão (2001), a Lei nº 8.069/90 que implementa o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei número 10.098 de dezembro de 2000 que dispõe sobre a Acessibilidade e a Lei número 10.436, de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). O quarto capítulo intitula-se “O município de Franca – SP” e tem por objetivo compreender o universo estudado. Discutiu-se o papel do município no cenário educacional brasileiro. Neste capítulo, também foi analisada a Lei Orgânica Municipal e seus direcionamentos para o campo educacional, o histórico da municipalização do ensino na cidade e, por fim, a proposta municipal para a educação, materializada no Referencial Curricular da Educação Infantil e do Ensino Fundamental das Escolas Públicas municipais de Franca (2008). O quinto capítulo, “A pesquisa de campo”, mostra a metodologia aplicada para o desenvolvimento do trabalho, a apresentação e a voz dos sujeitos da pesquisa e o cenário que foi analisado. As observações participantes foram realizadas em duas escolas municipais de Franca – SP, sendo uma com recursos físico/arquitetônicos e materiais necessários para a efetivação da proposta de inclusão escolar e outra sem esses recursos, o que possibilitou a compreensão de como a inclusão escolar se estrutura em ambientes diversos e quais os mecanismos adotados pelos gestores e educadores para que todos os educandos com necessidades educacionais especiais desenvolvam-se plenamente. É nas Considerações Finais, construída a partir das constatações empíricas e reflexões teóricas realizadas no decorrer da investigação, que se enfatizou as perspectivas para a inclusão escolar no cenário educacional brasileiro, bem como os desafios encontrados nas pesquisas educacionais e os entraves para o desenvolvimento de pesquisas educacionais no Brasil, relacionando essas perspectivas às relações que as políticas públicas educacionais estabelecem com a prática e a realidade educacional. 20 CAPÍTULO 1 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL 21 O presente capítulo tem o propósito de apresentar um breve histórico da Educação Especial no Brasil, traçando os caminhos que levaram à adoção do modelo de educação inclusiva no país. A contextualização da temática é fundamental para que se possa compreender a inclusão escolar como um processo que foi construído ao longo de uma trajetória de lutas e reivindicações sociais. É Mazzotta (2005, p. 15), quem reflete sobre a importância de tal enfoque, Ignorando sua longa construção sociocultural, muitos têm sido os que entendem a situação atual como resultado exclusivo de suas próprias ações ou de contemporâneos seus. Em razão disso, é extremamente valioso clarificar alguns momentos da evolução das atitudes sociais e sua materialização, particularmente aquelas voltadas para a educação dos portadores de deficiências. Para Jannuzzi (2006) o modo de se pensar e de se agir com o diferente, depende da organização social como um todo, em íntima relação com as descobertas das diversas ciências, das crenças e das ideologias apreendidas pela complexidade da individualidade humana. Dentro dessa prerrogativa, a educação do deficiente também depende da organização e da dinâmica social na qual ele está inserido. Significar os caminhos que o olhar acerca da deficiência percorreu e consequentemente os caminhos que a Educação Especial percorreu até ser vista como parte integrante da Educação Geral, contribui para a compreensão do modo como a sociedade atual se posiciona frente às problemáticas que envolvem o respeito à diversidade e à diferença. Nessa perspectiva, faz-se necessário discutir sobre os conceitos que são fundamentais para o entendimento das modificações que o atendimento às pessoas com deficiência sofreu ao longo de sua trajetória. Sassaki (1997) afirma que os conceitos inclusivistas surgiram lentamente, a partir de conceitos que hoje podemos chamar de conceitos pré-inclusivistas e refletem posicionamentos e as ações da época em que foram elaborados. Esses conceitos são encontrados nas concepções políticas e pedagógicas que direcionaram o atendimento educacional aos deficientes e permeiam até os dias de hoje a prática educacional no interior da sala de aula. Ao se aliar a utilização dos conceitos, com a história da Educação Especial no Brasil, compreende-se como as políticas educacionais para o setor foram elaboradas, considerando a relação dinâmica e intrínseca que há entre a necessidade prática e a teórica. 22 [...] somente quando o “clima social” 2 apresentou as condições favoráveis é que determinadas pessoas, homens ou mulheres, leigos ou profissionais, portadores de deficiência ou não, despontaram como líderes da sociedade em que viviam, para sensibilizar, impulsionar, propor, organizar medidas para o atendimento às pessoas portadoras de deficiência. (MAZZOTTA, 2005, p. 16-17). Por se tratar de uma temática que envolve diretamente a dinâmica social, os conceitos e práticas estão interligados. Partindo desta perspectiva, Glat e Blanco (2007, p. 19) evidenciaram a importância de focar a análise histórica linear com um olhar dialético, pois, “[...] um paradigma não se esgota com a introdução de uma nova proposta, e, na prática, todos esses modelos coexistem, em diferentes configurações, nas redes educacionais de nosso país.” O texto analisa a história da educação especial no Brasil, relacionando os aspectos socais, políticos e pedagógicos para esse nível educacional. Desse modo, fundamenta-se a base que irá proporcionar a compreensão dos aspectos socioculturais e políticos que estruturaram o atendimento educacional do aluno com deficiênciae consequentemente do conceito de inclusão escolar que serão discutidos nos próximos capítulos. Segundo Mazzotta (2005), a Educação Especial no Brasil, desde seus primórdios passou por modificações significativas, em parte determinadas pela luta de pessoas direta ou indiretamente envolvidas com a questão e em parte por contribuições diretas de ações governamentais. Esse nível de Educação, tradicionalmente se configurou como um sistema paralelo e segregado de ensino, voltado ao atendimento especializado de pessoas com deficiências, distúrbios graves de aprendizagem e de comportamento e altas habilidades ou superdotação. Ao percorrer os caminhos da institucionalização da Educação Especial no Brasil, pode-se constatar que a mesma configurou-se como um serviço especializado por agrupar profissionais, técnicas, recursos e metodologias específicas para cada uma dessas áreas. Sua estruturação iniciou em meados do 2 O autor entende como clima social “[...] o conjunto de crenças, valores, ideias, conhecimentos, meios materiais e políticos de uma sociedade em um dado momento histórico” (MAZZOTTA, 2005, p. 16), e essa será a concepção adotada no presente trabalho. 23 século XIX, com a organização de serviços para o atendimento a cegos, surdos e deficientes físicos3. Essa concepção de Educação Especial caracterizou-se pela segregação institucional que era praticada, tendo como pressuposto a ideia de “[...] prover, dentro das instituições, todos os serviços possíveis já que a sociedade não aceitava receber pessoas com deficiência nos serviços existentes na comunidade.” (SASSAKI, 1997, p. 29-30). Para Aranha (2004) essa maneira de estruturar a Educação Especial ficou conhecida como o paradigma da institucionalização, o qual se fundamentava na crença de que a pessoa diferente seria melhor cuidada e protegida se fosse confinada em um ambiente segregado e construído à parte da sociedade. Tendo como marco fundamental a criação do “Instituto dos Meninos Cegos” e a criação do “Instituto dos Surdos-Mudos”, a Educação Especial no Brasil era orientada por ações em torno da deficiência e embasada nos pressupostos médicos que se pautavam no defeito e na deficiência em si mesma, procurando respostas em teorias educacionais sensoralistas vindas principalmente da França, país procurado pelas elites que lá iam estudar. No dia 12 de setembro de 1854, D. Pedro II, por meio do Decreto Imperial nº 1428, fundou na cidade do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. A fundação do Imperial Instituto deveu-se em grande parte, a um cego brasileiro, José Álvares de Azevedo, que estudara no Instituto dos Jovens Cegos de Paris, fundado por Valentin Haüy no século XVIII. Por ter obtido muito sucesso na educação de Adélia Sigaud, filha do Dr. José F. Xavier Sigaud, médico da família Imperial, José Álvares de Azevedo despertou a atenção e o interesse do Ministro do Império, Conselheiro Couto Ferraz. Sob a influência de Couto Ferraz, D. Pedro criou tal Instituto que foi inaugurado dia 17 de setembro de 1854, cinco dias após a sua criação. (MAZZOTTA, 2005, p. 28). O Imperial Instituto destinava-se ao ensino primário e alguns ramos do secundário, ensino de educação moral e religiosa, de música, ofícios fabris e trabalhos manuais. Sob o regime de internato, o Imperial Instituto dava aos seus alunos a possibilidade de serem repetidores, e após o exercício de dois anos nessa função, o direito de trabalharem como professores da instituição. Dessa maneira, os alunos formavam-se e permaneciam no Imperial Instituto sob a tutela do Estado. 3 Mazzotta (2005) nos mostra que até a década de 1950 do século XX, as iniciativas voltadas ao atendimento de deficientes eram isoladas, refletindo o interesse de alguns educadores pelo atendimento educacional de pessoas com deficiência. 24 Nota-se nesse período que a possibilidade de trabalharem e se desenvolverem era percebida como um favor cedido pelo Estado. Em 17 de maio de 1890, já no governo republicano, o Imperial Instituto passou a chamar-se Instituto Nacional dos Cegos pelo Decreto nº 408 e, em 24 de janeiro de 1891, pelo Decreto nº 1320, a escola passou a denominar-se Instituto Benjamin Constant (IBC), nome adotado até os dias de hoje, em homenagem a Benjamin Constant Botelho de Magalhães, ex-professor de matemática e ex-diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Ainda durante o governo de D. Pedro II, em 26 de setembro de 1857, pela Lei nº 839, foi fundado na capital do Brasil, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, que teve sua denominação modificada para Instituto Nacional dos Surdos-Mudos e, em 1957 pela Lei nº 3198 passou a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). O Instituto Nacional de Educação de Surdos exerce suas atividades até hoje na cidade do Rio de Janeiro. Sua criação ocorreu graças ao empenho de Edouard Hüet, educador francês com surdez congênita e professor do ensino emendativo do Instituto de Bourges, na França. Hüet chegou ao Brasil em 1855, recomendado pelo Ministro da Instrução Pública da França e, com o apoio do embaixador da França no Brasil, Monsieur Saint George, aproximou-se do Marques de Abrantes que o apresentou a D. Pedro II. O Imperador, interessado pelos planos que Hüet tinha para a educação de surdos-mudos, permitiu a criação e o desenvolvimento de tal Instituto que se caracterizou como um estabelecimento educacional voltado para a educação literária e o ensino profissionalizante de meninos surdos-mudos, com idade entre 7 e 14 anos. [...] essas duas instituições para deficientes foram intermediadas por vultos importantes da época, que procuraram transmitir ensinamentos especializados aceitos como fundamentais para esse alunado, e ficaram diretamente ligadas à administração pública. O atendimento era precário, visto que em 1874 atendiam 35 alunos cegos e 17 surdos, numa população que em 1872 era de 15.848 cegos e 11.595 surdos; porém, abriram alguma possibilidade para a discussão dessa educação, no I Congresso de Instrução Pública, em 1883, convocado pelo Imperador em 12 de dezembro de 1882. Entre os temas desse Congresso constava a sugestão de currículo de formação de professor para cegos e surdos. (JANNUZZI, 2006, p. 14-15). Como salientado por Jannuzzi (2006), os Institutos foram criados por influência dos chamados notáveis, homens ligados diretamente à figura do 25 Imperador e que com seus estudos na Europa, tomaram as primeiras iniciativas para viabilizar o atendimento educacional às pessoas deficientes no Brasil. Importa ressaltar que mesmo que a Educação do deficiente tenha se iniciado, ela refletia a situação do sistema educacional geral desse período, que reportava a um amparo governamental quase inexistente e mantenedor dos mesmos mecanismos que marcaram o período colonial, ou seja, uma sociedade majoritariamente rural e uma elite agrária atrelada diretamente ao poder. Nessa época o ensino fundamental destinado ao povo era precário, visto que não havia pressão social para sua efetivação, uma vez que a elite no poder resolvia o problema educacional por meio do ensino domiciliar, contratando professores particulares. A educação popular e muito menos a dos deficientes, não era motivo de preocupação. Na sociedade ainda pouco urbanizada, apoiada no setor rural, primitivamente aparelhado, provavelmente poucos eram considerados deficientes; havia lugar, havia alguma tarefa que muitos deles executassem. A população era iletrada na sua maior parte, as escolas eram escassas, como já foi salientado, e dado que só recorriam a ela as camadas sociais alta e média, a escola não funcionou como crivo, como elemento de penetração de deficiências. [...] Certamente só as crianças mais lesadas despertavam alguma atenção e eramrecolhidas em algumas instituições. (JANNUZZI, 2006, p. 16, destaque do autor). Com a Proclamação da República (1889), o federalismo adotado pela Constituição de 1891 proporcionou certo grau de independência para os estados brasileiros. No âmbito educacional, cada estado podia desenvolver sua organização escolar, sendo que o Congresso Federal ainda tinha o direito de criar Instituições de Ensino Superior e secundário nos estados, ficando o ensino primário inteiramente a cargo estadual. Alguns estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro buscaram desenvolver a educação primária por meio do aumento de verbas para o setor. No que se refere à educação do deficiente inicia-se uma estruturação tímida nesses estados4. Até o início do século XX, poucos são os registros de instituições educacionais que prestavam atendimento a deficientes, prevalecendo o atendimento segregado em classes anexas a hospitais, asilos e hospitais psiquiátricos5. 4 O Instituto Benjamin Constan (IBC) e o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM) foram ligados diretamente ao poder central até o ano de 1973. Isso resultou em benefícios financeiros para ambos, sendo que em 1891 os Institutos receberam juntos um verba de 251.000$000 contos de réis, quantia essa que ultrapassou a designada para a Escola Superior de Minas (Ouro Preto), 221.000$000 contos de réis. 5 Para maiores informações consultar Jannuzzi (2006) e Mazzotta (2005). 26 Sob esse enfoque o olhar médico tinha precedência: a deficiência era entendida como uma doença crônica, e todo o atendimento prestado a essa clientela, mesmo quando envolvia área educacional, era considerado pelo viés terapêutico. A avaliação e a identificação eram pautadas em exames médicos e psicológicos com ênfase em testes projetivos e de inteligência, e rígida classificação etiológica. (GLAT; BLANCO, 2007, p. 19). Se, de um lado, os profissionais vão refletindo as expectativas da sociedade vigente na época, justificando a separação do deficiente por meio do discurso médico-pedagógico, por outro lado, a atenção à deficiência começa a tornar possível a vida dos mais prejudicados, juntamente com a família e outros setores da sociedade por meio do desenvolvimento de conhecimentos mais sistematizados e voltados para a compreensão das deficiências. Para Jannuzzi (2006, p. 38), Há a apresentação de algo esperançoso, de algo diferente, alguma tentativa de não limitar o auxílio a essas crianças apenas ao campo médico, à aplicação de fórmulas químicas ou outros tratamentos mais drásticos. Já era a percepção da importância da educação; era o desafio trazido ao campo pedagógico, em sistematizar conhecimentos que fizessem dessas crianças, participantes de alguma forma da vida do grupo social de então. Daí as viabilizações possíveis, desde a formação dos hábitos de higiene, de alimentação, de tentar se vestir, etc. necessários ao convívio social. Elas colocam de forma mais dramática o que se vai estabelecendo na educação do deficiente: segregação versus integração na prática social mais ampla. O fortalecimento das discussões acerca da educação de deficientes no Brasil pode ser evidenciado por meio de publicações e estudos para apontar e definir medidas para o setor. Segundo Mazzotta (2005, p. 30-31): Alguns importantes indicadores do interesse da sociedade para com a educação dos portadores de deficiência, no começo do século XX, são os trabalhos científicos e técnicos publicados. Como exemplo cabe destacar que, em 1900, durante o 4º Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, no Rio de Janeiro, o Dr. Carlos Eiras apresentou a monografia intitulada Da Educação e Tratamento Médico- Pedagógico dos Idiotas. Por volta de 1915 foram publicados três outros importantes trabalhos sobre a educação de deficientes mentais: A Educação da Infância Anormal no Brasil, de autoria do Professor Clementino Quaglio, de São Paulo, e Tratamento e Educação das Crianças Anormais da Inteligência e A Educação da Infância Anormal e das Crianças Mentalmente Atrasadas na América Latina, obras de Basílio de Magalhães, do Rio de Janeiro. Na década de vinte, o importante livro do Professor Norberto de Souza Pinto, de Campinas (SP), intitulado Infância Retardatária. Esses trabalhos contribuíram para a compreensão da deficiência e aprofundaram as considerações acerca da deficiência mental. As obras acima 27 mencionadas discutiam o grau de alguns parâmetros de anormalidade e de diferenciação de alunos nas escolas primárias do Brasil. Essa postura refletia o momento histórico da Primeira República que tinha como conceito de anormalidade os indivíduos que de alguma maneira perturbavam a ordem vigente. Em uma época em que a urbanização começou a se estruturar, começou a se atentar também para as diferenças que não eram perceptíveis em uma primeira impressão. Mesmo de modo tímido, a educação primária foi crescendo, o que possibilitou a percepção do diferente no sistema escolar. Isso não significou automaticamente que os considerados anormais fossem assim considerados por apresentarem alguma patologia. Para Glat (2007) os conteúdos escolares abordados nas escolas primárias refletiam os anseios das camadas com maior poder aquisitivo, não possibilitando a assimilação rápida e adequada aos recém-chegados nas classes escolares, o que, de certo modo, contribuía para a classificação de anormalidade para alunos que não acompanhavam os conteúdos escolares. Nessa época, a educação no Brasil sofreu grande influência do movimento da Escola Nova, movimento este que enfatizava a atenção às diferenças individuais nos sistemas escolares. Essa teoria também foi muito influenciada por educadores que trabalharam com crianças deficientes, tais como Maria Montessori e Ovide Decroly e, no que se referia à Educação Especial, fez-se presente principalmente na educação dos deficientes mentais, destacando a importância da metodologia de ensino e da preocupação com o diagnóstico e os testes de inteligência. Toda preocupação com testes de inteligência foi ampliada a partir de 1920 com a intenção de valorizar e desenvolver a educação do considerado normal, servindo para a exclusão do considerado anormal. Segundo Jannuzzi (2006, p. 24), Profissionais diversos como médicos, psicólogos, professores vão atuando na área, estruturando no fim dos anos de 1920 a base de associações profissionais que, de maneira ambígua e imprecisa, foram criando um campo de reflexão à procura de um espaço efetivo para a concretização de sua ação pedagógica. Na década de 1930, com o início do envolvimento da psicologia no campo educacional, houve uma singela alteração no modo de se encarar e atender a deficiência. Isso se deveu principalmente pela atuação de Helena Antipoff, pedagoga russa residente na França e que veio ao Brasil a convite do Governador de Minas Gerais. Helena Antipoff ajudou a fundar a Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais 28 (1935)6, organizou oficinas pedagógicas de trabalho, enfatizou a importância do uso de métodos e técnicas de ensino. Com os trabalhos dessa educadora, iniciou-se mais sistematicamente a educação dos considerados deficientes mentais. A influência psicopedagógica não descentralizava o enfoque na deficiência, mas de certa forma tentava abrandar o enfoque médico, intensificando o ensino para deficientes menos comprometidos em escolas públicas. Muitos autores passaram a utilizar o termo ensino emendativo para fazer referência ao público da educação especial, termo esse que significava corrigir falta, tirar defeito e que no contexto da educação geral da época tinha a função de suprir falhas decorrentes da anormalidade, buscando adaptar o educando ao nível social dos considerados normais. A partir de 1930, a sociedade civil começa a organizar-se em associações de pessoas preocupadas com o problemada deficiência; a esfera governamental prossegue em desencadear algumas ações visando à peculiaridade desse alunado, criando escolas junto a hospitais e ao ensino regular; outras entidades filantrópicas especializadas continuam sendo fundadas; há surgimento de formas diferenciadas em clínicas, institutos psicopedagógicos e centros de reabilitação, geralmente particulares, a partir de 1950, principalmente. (JANNUZZI, 2006, p. 68). No que se refere à posição do Estado brasileiro frente à educação do deficiente, nota-se que esta ainda não era considerada problema nacional, o que acontecia também com a educação popular. A primeira reforma em âmbito nacional, a Reforma Francisco Campos (1931), contemplou principalmente o ensino superior, comercial e secundário, e criou o Conselho Nacional de Educação para assessorar o ministro da administração e direção da educação nacional, deixando de lado o ensino primário e nem se referindo à educação especial. Na Constituição Nacional de 1934, o deficiente não é mencionado, mas o artigo 149 deste dispositivo legal, afirmava que a educação era direito de todos, gratuita e obrigatória a todos os brasileiros. Porém, nota-se que pouco esforço foi feito para que a mesma acontecesse de modo amplo e efetivo, mesmo que as mudanças na organização social e econômica do Brasil demandassem uma atenção maior à educação popular devido ao desenvolvimento da industrialização, surgindo a 6 Em 1926, um casal de professores criou a primeira instituição para atendimento de deficientes mentais no Estado do Rio Grande do Sul. Chamado Instituto Pestalozzi, foi inspirado pela Pedagogia Social do educador suíço Henrique Pestalozzi e foi o precursor da criação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (1935), Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro (1948) e Sociedade Pestalozzi de São Paulo (1952), demonstrando a organização e a iniciativa da sociedade civil para com o atendimento de pessoas deficientes. 29 necessidade de ler, escrever e contar para ocupar os novos empregos que surgiam, ou simplesmente para morar nas cidades. Até esse período, o discurso sobre o atendimento educacional do deficiente, como será visto ao longo da história da Educação Especial no Brasil, foi realizado com muita ambiguidade, principalmente no que se referia à responsabilidade desse atendimento. Exemplo dessa afirmação estava nos argumentos utilizados pelo presidente Epitácio Pessoa em 1919, ao dizer que o atendimento dessas pessoas deveria ser encarado como serviço de assistência pública, sob a responsabilidade do Conselho Administrativo do Patrimônio e Superintendência do Ministério dos Negócios Interiores. Da mesma maneira, Getúlio Vargas em 1937 afirmou que o ensino emendativo, de aplicação difícil e restrita, também vai receber ampliações, abrangendo os fisicamente anormais, os retardados de inteligência e os inadaptados morais. Segundo Jannuzzi (2006), embora a promessa não fosse cumprida, o presidente continuou sem clareza quanto à esfera própria desse atendimento, visto que prescreveu que no ensino dos anormais de inteligência, a ação do poder público seria realizada de acordo com as normas fixadas pelo Instituto Nacional de Pedagogia, em conexão com o serviço de Assistência a Psicopatas, sendo que os inadaptados morais ficariam a cargo do Ministério da Justiça. Na década de 1940, as ações educacionais relacionadas à deficiência mantiveram o mesmo viés das décadas anteriores, porém, no que se refere ao ensino primário, considera-se importante destacar a criação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP), em 1942, que começou a operar em 1946 e que regulamentava a distribuição de verba para o ensino primário em todo o território nacional. Segundo Paiva (2003), a regulamentação do FNEP deu início ao período de auxílio do Governo Central aos Estados para a difusão do ensino primário, arcando a União com as despesas relativas às construções escolares e à qualificação do corpo técnico e os Estados com a manutenção das unidades escolares. Encerrava-se, assim, a tradicional luta em favor da ajuda federal ao ensino primário, num momento em que já ninguém duvidava da necessidade de expansão desse nível de ensino, cuja situação, mostravam os dados do INEP7, era muito precária8. (PAIVA, 2003, p. 154). 7 Em 1947 foi criado o Instituto Nacional de Pedagogia, mais tarde Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), para centralizar informações e promover estudos sobre educação. 8 Segundo dados do INEP, em 1946 havia cerca de 23 milhões e 200 mil menores de 18 anos, quase 50 % da população dessa faixa etária, sem acesso ao ensino primário, ou com o mesmo incompleto. 30 Essa atuação do governo central junto à educação popular deu início à criação e implementação de Campanhas voltadas ao desenvolvimento de setores educacionais até então defasados. As Campanhas9 foram criadas na década de 1950 para aperfeiçoar diversos setores educacionais, tais como a Educação rural e educação pré-escolar e possibilitaram, mesmo que de modo superficial, a criação de uma estrutura burocrática e ampla para desenvolver os setores mais esquecidos e escondidos da educação brasileira. É nessa perspectiva que Mazzotta (2005) enfatiza que o atendimento educacional dos excepcionais foi explicitamente assumido, a nível nacional, pelo governo federal, com a criação de Campanhas especificamente voltadas para este fim. Tais Campanhas vieram em razão da necessidade de expansão dos serviços de atendimento educacional especial. Importa ressaltar que quando a primeira Campanha para a Educação Especial foi proposta, as Campanhas com foco na educação popular comum já estavam amortecidas e eram criticadas por não resultarem em ações amplas e realmente efetivas. A primeira Campanha para a educação do deficiente foi lançada pelo Decreto Federal nº 42.728 de 3 de dezembro de 1957 e foi denominada Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (CESB), que tinha por “[...] finalidade promover, por todos os meios a seu alcance, as medidas necessárias à educação e assistência, no mais amplo sentido em Todo o Território Nacional.” (MAZZOTTA, 2005, p. 49). Em 1958, pelo Decreto Federal nº 44.236 de 1º de agosto, foi criada a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, vinculada ao Instituto Benjamin Constant. Segundo Mazzotta (2005), em 1960 essa Campanha deixou de ser vinculada ao Instituto e passou a chamar-se Campanha Nacional de Educação de Cegos (CENEC) vinculada diretamente ao Gabinete do Ministro de Educação e Cultura. A proposta dessa Campanha era educar e reabilitar os deficitários da visão, manter e instalar Centros de Reabilitação e Oficinas Protegidas, Programa de Reabilitação Domiciliar, integrá-los ao comércio, agricultura, indústria, atividades artísticas e educativas, tanto em instituições privadas quanto públicas, formação de pessoal especializado e atendimento médico- pedagógico e médico-social. 9 Entre elas destaca-se a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), Campanha Nacional de Educação Rural (CNER). Tais Campanhas tinham o objetivo de promover o desenvolvimento educacional em setores que estavam defasados e para isso necessitavam de parcerias entre sociedade civil e governo para o financiamento. 31 No ano de 1960, outra Campanha foi instituída por influência dos movimentos liderados pela Sociedade Pestalozzi e pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, ambas do Rio de Janeiro. Denominada Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (CADEME), foi subordinada ao Ministério da Educação e tinha por “[...] finalidade, promover em todo o território nacional, a educação, treinamento, reabilitação e assistência educacionaldas crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo.” (MAZZOTTA, 2005, p. 91). As Campanhas realizadas na área da deficiência vão chamando a atenção para o problema10 e, segundo Jannuzzi (2006, p. 90), Era uma forma conveniente de o governo baratear sua atuação, uma vez que aceitava voluntariado, verba vinda de donativos nacionais e estrangeiros ou de serviços prestados pela própria campanha, o que poderia amortecer os gastos públicos com o setor, sem que se pudesse afirmar completa ausência de seu envolvimento. Essas Campanhas foram perdendo forças por causa do seu caráter filantrópico, pela pouca abrangência que tiveram e por não resultarem em ações significativas, sendo extintas pelo governo federal em 1963. As esferas particulares, principalmente a sociedade civil, continuaram sendo determinantes para o desenvolvimento desse nível de educação e objetivaram o cumprimento de garantias para atender as especificidades das deficiências. O enfoque médico e o psicopedagógico permaneceram no cenário educacional da Educação Especial brasileira até a década de 1970, por meio da criação, pela sociedade civil, de centros de reabilitação, clínicas psicopedagógicas, tendo continuidade as classes anexas a hospitais e serviços geralmente privados que empregavam profissionais da área da saúde e educação. Durante a década de 1950, mesmo com a ação das Campanhas, a escassez de serviços e o descaso do poder público de modo geral, deram origem a movimentos comunitários que culminaram com a implantação de redes de escolas especiais privadas filantrópicas para aqueles que sempre estiveram excluídos das escolas comuns. 10 O censo de 1956 revelou a “[...] existência de 100 mil cegos e 50 mil surdos no país, dentre os quais apenas 0,3% e 1,5 % recebiam educação oficial sistemática” (JANNUZZI, 2006, p. 71). Até 1950, havia cinquenta e quatro instituições de ensino regular que prestavam algum tipo de atendimento especializado, sendo quarenta voltadas para deficientes mentais e catorze que atendiam também alunos com outras deficiências. Havia também três instituições especializadas que atendiam deficientes mentais e oito que se dedicavam ao atendimento de outros deficientes. 32 Dentre as instituições não governamentais criadas na década de 1950, destacou-se a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), por ser representativa até os dias de hoje em nossa sociedade, além de ter sido fundada em um momento em que a institucionalização da educação especial e dos procedimentos de reabilitação se fortaleciam e passar por inúmeras adaptações devido às mudanças que ocorreram nas políticas educacionais brasileiras. A primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) do Brasil foi fundada na cidade do Rio de Janeiro em 11 de dezembro de 1954, sob influência do casal norte-americano Beatrice e George Bemis, membros da National Association for Retarded Children (NARC) associação fundada em 1950 nos Estados Unidos. No dia 4 de abril de 1961, foi fundada a APAE São Paulo, como entidade particular, assistencial e sem fim lucrativo, com o objetivo de cuidar dos problemas relacionados com o excepcional deficiente mental. Atuantes até os dias de hoje, as APAEs do Rio de Janeiro e de São Paulo deram impulso à criação de mais de 2.000 Associações filiadas na Federação Nacional das APAEs. No mesmo ano da fundação da primeira APAE, foi criado o Conselho Brasileiro para o Bem-estar dos Cegos, fundado a partir da organização dos deficientes, mostrando assim o fortalecimento da ação dos mesmos para a criação e garantia de seus direitos. A década de 1960 foi marcada por mudanças socioeconômicas no país. Essas mudanças refletiram um gradativo aumento da oferta de ensino, a fim de corresponder às perspectivas desenvolvimentistas da sociedade da época. Pensava-se na sistematização e organização do ensino em função das necessidades de mão de obra para as indústrias. No dia 20 de dezembro de 1961 foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.02411. Neste dispositivo legal ficou destinado à Educação Especial o Título X, com dois artigos destacados da Educação de Primeiro Grau, evidenciando a necessidade de se refletir acerca da Educação Especial no cenário nacional ainda que de modo precário. Nesse Título lê-se: Título X – Da Educação de Excepcionais Art. 88° - A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade. 11 A LDB nº 4.024 demorou treze anos para ser votada, demonstrando de certo modo o início de um debate político-ideológico mais profundo no que se referia aos rumos da educação brasileira. 33 Art. 89° - Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções. (BRASIL, 1961, online). Nota-se que à Educação Especial ficaram relegadas possibilidades para que ela ocorresse. Segundo Edler Carvalho (1997, p. 65), ao dizer que “[...] deve, no que for possível, enquadrar-se ao sistema geral de ensino.”, partia-se do pressuposto de que havia uma possibilidade desse nível de ensino não obter sucesso no sistema geral de educação, ou ainda, poderia interpretá-la no sentido de que a Educação Especial ainda não fazia parte do sistema geral de educação, que deveria abarcar todos os serviços educacionais comuns e especiais. Outra interpretação ainda é cabível ao texto da referida lei: [...] quando não for possível à educação de excepcionais enquadrar- se no sistema geral de educação, que ela constitua um subsistema especial de educação, à margem do sistema geral e independente dos demais níveis educativos. (CARVALHO, R. E., 1997, p. 65). Já no artigo 89° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024 ficou claro a postura do Estado, que se eximiu de assumir sua responsabilidade frente à Educação Especial, passando-a para ONGs e instituições particulares. Tais instituições legitimaram-se, recebendo como reconhecimento de sua representatividade, incentivos financeiros advindos do poder público por meio de convênios e parcerias, o que reforçou em grande parte a trajetória que a educação especial seguiu ao longo de sua construção, ou seja, observou-se o afastamento do Estado na caracterização das condições educacionais necessárias ao atendimento do alunado da educação especial, relegando este a setores particulares. Com essa postura, O que não ficou claro foi a natureza dos serviços educacionais a serem oferecidos, nem seus vínculos com o sistema geral de educação. O tratamento especial a elas preconizado sob as formas de bolsa de estudo, empréstimos e subvenções gerou muita polêmica, principalmente pela indefinição das ações educativas oferecidas e dos critérios de eficiência e da iniciativa privada e relativa à educação de excepcionais. (CARVALHO, R. E., 1997, p. 66). Apesar dos contrastes, o referido documento, pelo menos em parte, já acenava para a oferta do ensino para alunos com necessidades especiais no sistema geral de ensino. A instituição da obrigatoriedade da escolarização básica foi um fator que conferiu um “[...] considerável aumento de alunos com deficiência, 34 dificuldade de aprendizagem e outras necessidades especiais na sala de aula regular.” (FERREIRA, 1993, p. 94). Em contrapartida, o sistema educacional especializado continuou em expansão, devido principalmente à iniciativa privada. Em consonância com a Lei nº 4.024/61, foi elaborado no ano de 1962 o primeiro Plano Nacional de Educação que regulamentou a distribuição de recursos para o ensino primário, secundário e superior. EssePlano passou por uma revisão em 1965, na qual ficaram destinados 5% dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário para a educação de excepcionais e bolsas de estudos para crianças deficientes. No ano de 1964, ocorreu no Brasil o Golpe Militar estabelecendo a ditadura até o ano de 1985. Nesse período o Estado deixou de lado o populismo até então adotado pelos governos anteriores e passou a tomar medidas que infligiam a liberdade individual por meio de diversos atos institucionais. No que se refere à Educação, Romanelli (1978) destacou o seu significado mais fortemente relacionado como fator de desenvolvimento econômico do país, dividindo-o em dois momentos nitidamente definidos e que estiveram diretamente relacionados às concepções e práticas das políticas educacionais durante o período ditatorial. O primeiro corresponde àquele em que se implantou o regime e se traçou a política da recuperação econômica. Ao lado da contenção e da repressão, que bem caracterizavam esta fase, constatou-se uma aceleração do ritmo do crescimento da demanda social de educação, o que provocou, consequentemente, um agravamento da crise do sistema educacional, crise que já vinha de longe. [...] O segundo momento começou com as medidas práticas, a curto prazo, tomadas pelo Governo, para enfrentar a crise, momento que se consubstanciou, depois, no delineamento de uma política de educação que já não via na urgência de se resolverem os problemas imediatos, ditados pela crise, o motivo único para reformar o sistema educacional. (ROMANELLI, 1978, p. 196). No contexto acima apresentado, foi apenas na década de 1970 que surgiu uma resposta mais contundente do poder público para a questão da deficiência (FERREIRA, 1993; MAZZOTTA, 2005; JANNUZZI, 2006). Possivelmente esse avanço foi decorrência da ampliação do acesso à escola para a população em geral, da produção do fracasso escolar e da “[...] consequente implantação das classes especiais nas escolas básicas públicas, na época predominantemente sob a responsabilidade dos sistemas estaduais.” (FERREIRA, 1993). No dia 11 de agosto de 1971 foi aprovada a Lei nº 5.692, que teve sua redação alterada pela Lei nº 7.044 de 18 de outubro de 1982. Esta Lei fixou as 35 Diretrizes e Bases do ensino de 1° e 2° graus tanto comum, quanto especial e definiu como objetivo geral da Educação no Brasil “[...] proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, preparação para o trabalho e para o exercício da cidadania” (BRASIL, 1971, online). Com relação mais específica à Educação Especial, a referida Lei dedicou um artigo no Capítulo I que tratava Do Ensino de 1° e 2° Graus: Art. 9° - Os alunos que apresentam deficiências físicas ou mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. (BRASIL, 1971, online). Edler Carvalho (1997) destacou que a Lei foi alvo de discussões, pois reduziu a um único artigo as diretrizes para o atendimento de pessoas com necessidades educacionais especiais diversas, como por exemplo, enquadrar como deficientes físicos as pessoas que possuem deficiências sensoriais. Outro fator questionável foi a inserção de alunos com defasagem idade/série na Educação Especial, sem serem necessariamente deficientes, o que segundo a autora, acarretou em um inchaço nas classes especiais com alunos que não deveriam ser encaminhados para elas, gerando muitas vezes o abandono escolar desses alunos por falta de estímulo e perspectiva de mudança. A partir da referida Lei, o Conselho Federal de Educação (CFE) na figura de seu relator Valnir Chagas, emitiu o Parecer nº 848/72 que registrou uma solicitação do Ministro da Educação e Cultura “[...] no sentido de que forneça subsídios para o equacionamento do problema relacionado com a educação dos excepcionais.” (JANNUZZI, 2006, p. 140). Disse o Conselheiro Valnir Chagas (apud CARVALHO, R. E., 1997, p. 68): É o tratamento especial do artigo 9°, que de forma alguma dispensa o tratamento regular em tudo que deixe de referir-se à excepcionalidade. Do contrário, ter-se á frustrado o objetivo primeiro da própria educação, que é o ajustamento social do educando. Esse tratamento especial pode ser feito na mesma escola, em seção a ele destinada, ou em outro estabelecimento adrede organizado, segundo o princípio da intercomplementaridade contido no artigo 3° da Lei 5.692. Sua dosagem, por outro lado, será função do grau de desvio para mais ou para menos que o aluno apresente em relação à ‘normalidade’. Para Mazzotta (2005), o pronunciamento do Conselho Federal de Educação enfatizou uma abordagem do tratamento especial como medida integrante de uma 36 política educacional que tratou a educação de excepcionais como uma linha de escolarização, portanto como educação escolar, possibilitando assim, que o Conselho Federal de Educação assumisse seu papel normativo também com relação à Educação Especial. Neste sentido, o Conselheiro Valnir Chagas sugeriu três medidas a nível nacional para viabilizar as aspirações do Conselho. [...] uma atuação nacional para incremento dessa linha de escolarização deve fixar-se em três pontos fundamentais: a) o desenvolvimento de técnicas a empregar nas várias formas de excepcionalidade; b) o preparo e aperfeiçoamento de pessoal e c) a instalação ou melhoria de escolas ou seções escolares especializadas nos diversos sistemas de ensino. Os dois primeiros terão de apoiar-se grandemente sobre as universidades, cujos programas de ensino e pesquisa, à medida que se amplie a oferta de educação para excepcionais encontrarão um campo ideal para a experimentação e prática nas próprias escolas ou seções especializadas em que se instalem. (MAZZOTTA, 2005, p. 69-70). Observou-se nesse ponto a influência das Universidades e dos estudos nelas realizados para o setor12. Ademais, verificou-se também a preocupação voltada à capacitação de profissionais para o atendimento aos alunos especiais. Com o intuito de prover e ampliar os meios de acesso à escolarização às pessoas com deficiência, em 1972 foi criado um Grupo de Trabalho (GT) com a tarefa de reunir elementos para direcionar a política e as linhas de ação do Governo Federal na área da educação de excepcionais. No mesmo ano, para a educação geral, foi instituído o 1º Plano Setorial de Educação e Cultura (PSEC) que tinha como meta desenvolver a educação brasileira em todos os seus níveis, priorizando o que até então era defasado. No que se refere à Educação Especial, o Plano conceituou o seu público, destacando algumas diretrizes para esse nível de educação. [...] excepcionais são definidos como os mentalmente deficientes, todas as pessoas fisicamente prejudicadas, os emocionalmente desajustados, enfim, todos os que requerem consideração especial no lar, na escola e na sociedade. São apontadas como diretrizes da educação especial a integração e a racionalização, bem como definidas duas grandes linhas de programação: expansão das oportunidades de atendimento educacional aos excepcionais e apoio técnico para que se ministre a Educação Especial. (MAZZOTTA, 2005, p. 91). 12 Exemplo dessa perspectiva foi a implementação do Programa de Mestrado em Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos, no ano de 1978. Esse foi o primeiro curso de pós- graduação strictu senso específico da área de Educação Especial do país e tinha como área de concentração o ensino de pessoas com deficiência mental. 37 Com referência à integração educacional, destacou-se que essa tendência, na forma como foi apresentada na pauta dos compromissos oficiais, caracterizou-se muito mais pela defesa da participação efetivado indivíduo com deficiência, no sentido de que este pudesse fazer valer os seus direitos enquanto membro da sociedade, do que pela integração que representasse a inserção desse indivíduo no ensino regular. Seguindo as linhas norteadoras do 1º PSEC, em 1973 foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) que, segundo Jannuzzi (2006), tinha como objetivo promover a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais em todo o território nacional, implantando subsistemas de Educação Especial nas diversas redes públicas de ensino através da criação de escolas e classes especiais. Seguindo a linha de formação de recursos humanos, contida nas políticas para o setor, o CENESP implementou projetos de capacitação de profissionais especializados em todos os níveis, inclusive com o envio de docentes de Universidades para cursos de pós-graduação no exterior, o que contribuiu efetivamente para o desenvolvimento científico e acadêmico da área. O órgão tinha autonomia financeira e administrativa e até 1981 era supervisionado pelo MEC, quando passou a ser fiscalizado pela Secretaria de Ensino de Primeiro e Segundo Graus (SEPS), vinculada ao MEC. Para Mendes e Lima (2009), a criação do CENESP em 1973, pode ser considerada o primeiro passo mais concreto do governo federal para traçar políticas nacionais para a área, tendo em vista que até sua criação o que ocorria eram eventos isolados e ações ocasionais no que se referia à educação das pessoas com deficiência. Ele foi o primeiro órgão público no âmbito federal, responsável pela regulamentação da política nacional relativa à educação dos considerados “excepcionais”. Sua finalidade era planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da educação especial, do ensino pré- escolar ao superior, inclusive o ensino supletivo, para os diferentes tipos de deficiência e alunos com problemas de conduta e os superdotados. (LIMA, 1998, p. 42). O CENESP estabeleceu como meta principal para 1974-1978 o apoio técnico à educação especial treinando técnicos da equipe do MEC e secretarias de educação e capacitando professores para atuarem diretamente com o público da 38 educação especial em escolas regulares ou especializadas13. A partir de 1979, a prioridade do órgão era expandir quantitativamente esse nível de educação, considerando que já existiria um bom respaldo qualitativo para que isso ocorresse. Segundo Jannuzzi (2006), no que se referiu ao apoio às instituições privadas, no ano de 1979 o CENESP prestou assistência a 279 instituições, favorecendo o atendimento às categorias que exigiam assistência especializada, projetos de construção e propostas curriculares. Durante toda a sua existência, o CENESP voltou suas ações para a capacitação de profissionais para atuarem junto à educação de deficientes. O órgão, em convênio com Universidades Federais, tais como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), elaborou uma série de propostas curriculares específicas, com adaptação de conteúdos disciplinares e métodos para as diversas categorias de excepcionalidades. Com a criação desse órgão, ocorreu o fortalecimento de alguns mecanismos de apoio aos sistemas estaduais de ensino, recursos para a confecção de materiais pedagógicos, para projetos de profissionalização, para instituições particulares, para formação de agentes comunitários, seminários, etc. Paralelamente à atuação do CENESP e direcionado a todos os setores da educação, o 2º Plano Setorial de Educação e Cultura (PSEC), elaborado no Ministério da Educação e Cultura para o quinquênio 1975/79, apresentou uma avaliação geral da situação escolar no país e explicitou que, apesar da expansão do sistema educacional, existia um descompasso entre a expansão e a demanda por escolarização, pois essa continuava em níveis bem baixos. O Plano colocou a educação como um dos fatores de transformação social, além de instrumento básico para a plena realização do ser humano. Nele a educação especial aparecia entre as suas prioridades e ações, tendo como objetivo geral “[...] assegurar igualdade de oportunidades aos educandos que apresentam condições especiais de desenvolvimento bio-psicológico ou físico [...]” e tinha como objetivo específico “[...] integrar o excepcional ao sistema regular de ensino, sempre que for possível, proporcionado-lhe condições de acompanhar o processo educativo.” (MAZZOTTA, 2005, p. 95). 13 Em 1976, o então presidente Ernesto Gaisel afirmava que foram treinados 135 técnicos e 3.610 professores para garantir a qualidade da expansão da educação especial no país. 39 Como se pode notar, nesse período o poder público começou a direcionar seu olhar à área da educação especial, principalmente citando-a nos documentos oficiais, porém, continuou, ainda, a concepção de políticas especiais, com ações casuísticas, para tratar da educação de alunos com deficiência. Não se observou a efetivação concreta de políticas públicas com vistas a garantir a universalização do acesso à educação, principalmente à Educação Especial. Segundo Ferreira (1998) ampliou-se o número de vagas na Educação Especial nesta época, mas isso se deu nas instituições filantrópicas e nas classes especiais recém-criadas nas escolas comuns, destinadas a absorver determinadas categorias de alunos excepcionais e egressos das classes comuns. Nas instituições filantrópicas, de forma, segregada ficavam “[...] os alunos considerados portadores de deficiências leves: os ‘treináveis’, os ‘dependentes’ e uma parcela dos ‘educáveis’ (encaminhados inclusive pelas escolas públicas regulares).” (FERREIRA, 1998, p. 89, destaque do autor). Mendes (2002, p. 63) ao contextualizar o paradigma da integração educacional afirma que: Na década de 70, houve uma mudança filosófica em direção à ideia de educação integrada, ou seja, escolas comuns passaram a aceitar a ideia de incorporar crianças ou adolescentes deficientes em classes comuns ou, ao menos em classes especiais ou de recursos, em ambientes com o mínimo possível de restrição. Percebe-se nessa fase o predomínio do paradigma de serviços, com base na crença de que pessoas diferentes tinham o direito de conviver socialmente com as demais pessoas, mas que deviam ser, antes de tudo, preparadas, em função de suas peculiaridades, para assumir seus papéis na sociedade. Para Ferreira (1993, p. 89), nessa época, ao contrário da realidade de muitos países, cujo movimento era por ambientes menos restritivos, no Brasil, [...] sob o discurso da integração, a ampliação do acesso deu-se de modo quase exclusivo nos espaços considerados menos apropriados para a integração escolar e social. E, nas escolas públicas regulares [...] recusava-se a matrícula daquelas pessoas que mais necessitariam dos apoios considerados especializados. Glat (2007, p. 23) ao discutir essa questão aponta que: As classes especiais, que deveriam ser um meio para o aluno alcançar o ensino regular, tornaram-se um fim em si mesmas. E, mais grave ainda, acabaram virando depósito de alunos que apresentavam problemas de aprendizagem. Em outras palavras, eram ‘exilados’ para classes especiais alunos com dificuldades de adaptação às exigências de uma escola cujas práticas eram desvinculadas da realidade social na qual estava inserida. Passou-se 40 a responsabilizar a própria criança pelo insucesso da escola. A culpabilização pelo fracasso na aprendizagem era, geralmente, justificada por disfunções intrínsecas, deficiências ou problemas sociais que afetavam a possibilidade de aprender. Jannuzzi (2006) e Mazzotta (2005) apontam que outro objetivo do CENESP era a ação conjunta de órgãos que possibilitariam o atendimento ao excepcional em diversas áreas. Assim sendo, em 1977, pela Portaria Interministerial nº 477, de 11 de agosto, os Ministérios
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