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INCERTEZA DE MEDIÇÃO E PROPAGAÇÃO DE INCERTEZA UNESP - Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá 1 0.1. Introdução Ao se atribuir um valor numérico a uma grandeza temos associado ao mesmo uma incerteza. Esta incerteza se propaga quando a grandeza é usada em alguma operação matemática. Veremos como isto ocorre e as regras basicas para estimar esta propagação. Veremos também as formas de atribuirmos valores à incerteza que adotaremos na prática laboratorial e como escrevê-la de forma correta. 0.2. Estimativa de Incerteza Suponha uma medição do peŕıodo de oscilação de um pêndulo usando um cronômetro. Fazendo esta medição varias vezes podemos distinguir duas fontes de incerteza: a primeira é se o cronômetro mede o tempo de modo correto segundo o padrão internacional do tempo. A segunda fonte é do processo de medição. O instante em que acionamos o cronômetro para iniciar e terminar a marcação do tempo será diferente em cada medição. O primeiro tipo de erro é um exemplo do chamado erro ou incerteza sistemática (“systematic” em inglês)e o segundo um exemplo de erro ou incerteza aleatória ( “random” em inglês). Os erros sistemáticos não podem ser descobertos por meio de análise estat́ıstica como ocorre com erros aleatórios [1][2]. A incerteza final de uma grandeza é dada pela combinação de todos os tipos de incerteza conforme: (0.1) σ = √ σ21 + σ 2 2 + . . . σ 2 N onde σi com i = 1, . . . , N são as diversas incertezas. Na prática são feitas algumas adequações uma vez que pode ser dif́ıcil discri- minar as diversas fontes de incerteza e seus valores. Além disso o número de dados pode ser pequeno impossibilitando uma definição precisa do métodos estat́ıstico a ser empregado. Será adotado neste laboratório didático apenas uma das incertezas dadas a seguir como a incerteza resultante da medição ou do processo inicial de análise de dados. Estaremos admintindo que o número de dados seja grande, mais que 100 , e que sejam bem descritos pela função distribuição normal (gaussiana). Do ponto de vista experimental estaremos supondo que os procedimentos experimentais para a tomada de dados foram corretos e que os instrumentos de medição utilizados são todos certificados. Com isso teremos as três fontes de incerteza: a - Instrumental: leitura direta em um instrumento que sugere um intervalo de confiança entre um valor máximo xmax e mı́nimo xmin. Atribuimos um valor médio para a grandeza x̄ = (xmax + xmin)/2 e uma incerteza (0.2) σ = |xmax − x̄| = |xmin − x̄| 1Material didático para o Laboratório de Eletricidade e Magnetismo elaborado por Milton E. Kayama, docente do Departamento de F́ısica e Qúımica. 1 2 Esta forma de atribuir a incerteza será utilizada também em em casos de medições indiretas. Por exemplo, em uma medição onde variamos a resistência elétrica para obtermos um dado valor de corrente medida em um ampeŕımetro, pode ocorrer que este valor de corrente seja invariável para valores de resistências entre xmax e xmin. A incerteza será dada pela metade do intervalo como expressa na equação acima. b - Estat́ıstica: consideremos N medições independentes de uma grandeza y, realizadas sob as mesmas condições, que resulte em valores y1, y2, ......., yN para a grandeza. O valor médio < y > da grandeza é dado por: (0.3) < y >= ∑N i=1 yi N O valor da incerteza padrão σ associada a < y > é a estimativa do desvio padrão experimental da média[3]: (0.4) σ = √∑N i=1(< y > −yi)2 N(N − 1) c - Gráfica: consideremos N medições independentes de paresx, y, realizadas sob as mesmas condições, que resulte em valores (x1, y1); (x2, y2); .......; (xN , yN ). Em um ajuste destes pontos experimentais a uma reta y = ax+ b em um gráfico y×x, com todos os pontos yi’s com a mesma incerteza σy o método dos mı́nimos quadrados (MMQ) fornece as incertezas nos coeficientes a e b: (0.5) σ2a = N β σ2y σ 2 b = ∑N i=1 x 2 i β σ2y onde (0.6) β = N N∑ i=1 x2i − ( N∑ i=1 xi) 2 Fórmulas para incertezas diferentes em y ou da reta passando pela origem são dadas no tópico que descreve o MMQ. 0.3. Representação numérica de incertezas Com muita frequência o valor de uma incerteza resulta de várias operaçãoe fei- tas em calculadoras ou computadores, que fornecem valores com um grande número de algarismos. Por outro lado uma incerteza é uma quantidade estimada. Assim ao escrevê-la tomamos um valor aproximado derivado deste valor numérico com vários d́ıgitos, usando um pequeno número de algarismos significativos. Vale como regra geral: Regra: o valor numérico da incerteza é representada com apenas 1 (um) algarismo significativo. Aceita-se usar dois algarismos caso o primeiro número seja 1 ou 2. A tabela dada a seguir ilustra alguns exemplos: 0.4. PROPAGAÇÃO DE INCERTEZAS 3 0,12 ⇒ 0,1 ou 0,12 2,34 ⇒ 2 ou 2,3 0,398 ⇒ 0,4 0,042 ⇒ 0,04 0,56 ⇒ 0,6 7,12 ⇒ 7 0,0087 ⇒ 0,009 0,092 ⇒ 0,09 Um número como 0,35 pode ser arredondado para 0,3 ou 0,4. Não existe regra ou convenção que defina que a aproximação vá para um lado ou outro. A escrita da incerteza na forma correta é importante pois ela determina onde o valor numérico de uma grandeza deve ser truncado. Por exemplo, suponha um valor da aceleração g que depois de alguns cálculos tenha resultado em um valor numérico 9,82344 com incerteza 0,418. Neste caso o valor numérico da incerteza que se adota é 0,4 apenas. Escrevemos o valor final na forma g= 9,8 ± 0,4 m/s2 ou g= (9,8 ± 0,4) m/s2. O número de casa decimais na incerteza determina o número de casa decimais da grandeza. 0.4. Propagação de Incertezas Considere (0.7) y = f(x, z, t, .....) ou uma grandeza y relacionado a outras x1 ± σ1, x2 ± σ2, x3 ± σ3, . . . . . . através de uma função f . Supondo os xi independentes entre si e cada uma com incerteza σi a incerteza final σy em y é dada por: (0.8) σ2y = N∑ i=1 ( ∂f ∂xi )2σ2i Usando esta equação podemos determinar a incerteza resultante de diversas operações matemáticas. Os casos mais importantes são: 0.4.1. Soma e subtração. Na soma e/ou subtração: (0.9) y = x+ z − t =⇒ σ2y = σ2x + σ2z + σ2t ou, na soma e na subtração de grandezas independentes entre si, as incertezas ao quadrado se somam. 0.4.2. Multiplicação e divisão. Na multiplicação e/ou divisão (0.10) y = xz t =⇒ ( σy y )2 = (σx x )2 + (σz z )2 + (σt t )2 ou, na multiplicação e na divisão de grandezas independentes entre si, as incertezas relativas ao quadrado se somam. 0.4.3. Potência. Na potência: (0.11) y = xm , m = número real =⇒ σy = |mxm−1|σx ou σy y = ∣∣∣mσx x ∣∣∣ 4 0.4.4. Outros casos. Para função trigonométrica: y = cos ax , a = constante =⇒ σy = |a sen ax|σx(0.12) y = sen ax , a = constante =⇒ σy = |a cos ax|σx(0.13) onde ax é o argumento da função trigonométrica em radiano (não grau). Para o logaritmo na base a: (0.14) y = loga x =⇒ σy = ∣∣∣∣ 1ln a ∣∣∣∣ σxx onde x e y são adimensionais. 0.5. Média ponderada Consideremos a medição de uma grandeza y usando diferentes meios e processos onde se obtém um conjunto de valores como: y1 ± σ1 y2 ± σ2 . . , . . . . . . , . . . . yN ± σN O melhor valor que se pode atribuir para a grandeza é a média ponderada dada por [4]: (0.15) y = ∑N i=1 yi σ2i∑N i=1 1 σ2i com a incerteza: (0.16) σ = 1√∑N i=1 1 σ2i Chamamos de peso estat́ıstico ao valor de 1/σ2i . Por exemplo, suponha dois valores do comprimento l de uma mesa: l1=4,62 ± 0,12 m e l2=4,1 ± 0,3 m. Os pesos estat́ısticos são respectivamente 1/0,122 ≃ 69 e 1/0,32 ≃ 11. Como este peso é maior para l1 o seu valor é mais importante. A média ponderada é (4,62/0,122+4,1/0,32)/(1/0,122+1/0,32)=4,557 m. A incer- teza é 1/(1/0,122+1/0,32)1/2=0,11 m. Portanto o melhor valor que atribuimos ao comprimento da mesa é l = 4,5 ± 0,1 m ou l = 4,55 ± 0,11 m. 0.6. Exerćıcios 0.6.1. Contas. Determine os valores finais usando as fórmulas de propagação de incertezas dadas no texto: a- (5± 1) + (8 ± 2) - (10 ± 4) b- (5 ± 1) × (8 ± 2) c- (10 ± 1)/(20 ± 2) d- (30 ± 1) × (50 ± 1)/(5,0 ± 0,1) 0.6. EXERCÍCIOS 5 Figura 1. Mesa entre paredes. Resp.:(a)3 ± 5; (b)40 ± 13; (c)0,50 ± 0,07; (d) 300 ± 13 0.6.2. Contas com fórmula. Em um resistor com resistência R e corrente I a potência dissipada é P = RI2. Com R=470 ± 50 Ω e I=0,13 ± 0,03 A calcule os valores de P e sua incerteza. Escreva o valor de P na forma correta. Resp.: 7,94 W com incerteza de 3,76 W ( e não algo como 2,72 W). Então P= 8 ± 4 W. 0.6.3. Comprimento. Deseja-se determinar o comprimento de uma mesa que se localiza entre duas paredes como ilustra a figura abaixo. A medição é feita com um instrumento que tem uma incerteza final de σ= 0,2 cm. Uma primeira medição mede-se o comprimento L da mesa; na segunda medição mede-se A, C e D e se obtem o comprimento L1 da mesa usando L1 = A − (C + D). Detemine o comprimento da mesa. Solução: Na primeira medição mede-se 100,0 cm. Então L=100,0 ± 0,2 cm. Na segunda medição mede-se A=200,0 ± 0,2 cm, C=60,0 ± 0,2 cm , D=40,0 ± 0,2 cm. Então L1 = A− (C +D)=200,0 − (60,0 + 40,0)=100,0 cm. A incerteza é σL1 = √ σ2 + σ2 + σ2 = √ 3 σ =(1,7)(0,2)=3,4 cm. Então L1=100 ± 3 cm. Embora o comprimento da mesa seja igual nos dois casos, a incerteza no segundo é maior. Isso faz com que o segundo procedimento seja incorreto. Na atribuição de um valor a uma grandeza, no caso o comprimento da mesa, o processo correto é o que leva a um valor com menor incerteza, no caso uma medida direta. Procedimentos com incerteza maior não são tolerados e são simplesmente incorretos. 0.6.4. Oscilação. Com um cronômetro acionado manualmente, com algum treino, é posśıvel medir tempos a partir de 1 segundo com incerteza de 0,1 segundo. Vamos supor a medição do peŕıodo de oscilação de um pêndulo cujo valor aproxi- mado é ≈ 0,5 s. Medir apenas uma oscilação daria um resultado com incerteza de (0,1/0,5)=0,2 , ou seja, de 20%. Então é mais apropriado medir várias oscilações e dividir o tempo final pela quantidade de oscilações: a - se medirmos 5 oscilações e o tempo de 2,4 ± 0,1 s, qual o peŕıodo τ da oscilação? b - qual o valor de τ se medissemos 20 oscilações com um tempo de 9,4 ± 0,1 s ? c - a incerteza de τ melhoraria infinitamente medindo o tempo de mais os- cilações? 6 Resp.:(a) 0,48 ± 0,02 s ( ou 4%); (b) 0,470 ± 0,005 s ( ou 1%); (c)Não. Em primeiro lugar, o pêndulo vai parar de oscilar. Mesmo que encontre um meio de superar isto outras coisas irão impedir a busca da medição com alta precisão. Por exemplo, em uma medição de horas, a confiança do cronômetro pode ser compro- metida. Além disso o periodo τ pode variar devido a mudanças na temperatura, umidade e outros fatores. 0.6.5. Diâmetro. A medição do diâmetro D de um disco circular resulta em D= 6,0 ± 0,1 cm. Este valor é usado para calcular o perimetro P e o raio R do disco usando P = πD e R = D/2. Quais as respostas? [ A fórmula da proparação de incerteza para divisão e multiplicação se aplica neste caso. Para o raio R calculado com D × 1/2 o numero 1/2 é naturalmente, exato.] Resp.: P= 18,8 ± 0,3 cm; R= 3,00 ± 0,05 cm 0.6.6. Volume. Mede-se o raio de uma esfera e resulta em R =2,0 ± 0,1 m. Como se escreve o valor do volume V desta esfera? Resp.: V = 34 ± 5 m3 0.6.7. Quadrado. Em um pêndulo a relação entre a aceleração da gravidade g, o comprimento L do pêndulo e o peŕıodo T de oscilação é dado por g = 4π2L/T 2. Supondo os valores L=92,95 ± 0,01 cm e T=1,936 ± 0,004 s determine g. Resp.: g = 979 ± 4 cm/s2 Bibliografia [1] John R. Taylor, An Introduction to Error Analysis, 2nd edition, University Science Books, Sausalito, 1997; [2] Semyon G. Rabinovich, Measurement Errors and Uncertainties, Theory and Practice, 3rd. edition, American Institute of Physics Press, Basking Ridge, 2005; [3] Barry N. Taylor e Chris E. Kuyatt, Guidelines for Evaluating and Expressing the Uncertainty of NIST Measurement Results, National Institute of Standards and Technology, Technical note 1297, 1994; [4] José Henrique Vuolo, Fundamentos da Teoria de Erros, Editora Edgard Blucher, São Paulo, 1992; 7
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