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MATERIAL DIDÁTICO POLÍTICAS E PROJETOS PARA O SISTEMA PRISIONAL U N I V E R S I DA D E CANDIDO MENDES CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 Impressão e Editoração 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br SUMÁRIO UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ............................................................................ 3 UNIDADE 2 – POLÍTICAS E PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS .................. 5 UNIDADE 3 – PLANO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA ............................................................................................. 22 UNIDADE 4 – POLÍTICA NACIONAL DE PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS .............................................................................................. 29 UNIDADE 5 – PLANO DIRETOR DE MELHORIAS PARA O SISTEMA PRISIONAL ...................................................................................................... 48 UNIDADE 6 – PLANO DIRETOR DE UM SISTEMA PENITENCIÁRIO – O CASO DE MINAS GERAIS .............................................................................. 50 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 65 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO Dados recentes do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (dezembro de 2013) apontam 556.835 presos no Brasil para um sistema que contava àquela época com 340.421 vagas! Esses números por si só nos levam a perceber a necessidade de investimentos, de mudanças, de comprometimento para com essa parcela da população que, como já vimos falando ao longo do curso, merece respeito à sua dignidade, mesmo estando em situação de privação de liberdade. Para trabalharmos o Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária (PNPCP); a Política Nacional de Penas e Medidas Alternativas (PNPMA), culminando com o Plano Diretor de Melhorias para o sistema prisional, partiremos do básico: o surgimento das políticas públicas, o programa no planejamento governamental e como avaliar políticas e programas nessa seara. Quanto ao PNPCP, veremos as prioridades e medidas; para a PNPMA, nosso caminho passa necessariamente por uma explanação da execução penal no Brasil, os princípios penais, os tipos e funções da pena, não nos esquecendo, é claro, do monitoramento eletrônico. Quanto à pena, principalmente a restritiva de liberdade, podemos considerar realmente como um dos piores castigos para o homem, o qual preserva tanto sua liberdade, portanto, vamos nos alongar sobre ela. Segundo Manfroi (2013), ao longo da história, a pena teve diversos sentidos e formas de aplicação. Na idade média, predominavam as penas baseadas no sacrifício corporal e de morte, sob o pensamento ou argumento de que o corpo deve pagar pelo mal praticado. Na idade moderna apenas é que surgiram as penas privativas de liberdade. Atualmente, existem outras espécies de pena, como a privativa de liberdade, a restritiva de direitos e multa. Mas a evolução é constante, e acredita-se que outras espécies de pena possam surgir, de forma a contribuir para a redução e quiçá, a abolição do crime. Um ano após a reforma do Código Penal, em 1985, no estado do Rio Grande do Sul, na capital Porto Alegre, surgia na Vara de Execuções Criminais 4 um projeto pioneiro de prestação de serviços à comunidade, por iniciativa da Juíza Vera Regina Müller. Nascia efetivamente no Brasil, a aplicabilidade das penas substitutivas, que por meio da expressão penas alternativas ganharam conhecimento público. A introdução dessa modalidade punitiva no ordenamento jurídico brasileiro representa uma evolução em matéria penal, na medida em que cria um novo degrau punitivo diferenciado da prisão, aplicável aos indivíduos que cometam delitos permeados com reduzido potencial ofensivo à sociedade (BARRETO, 2010). Ao final da unidade, teremos a título de exemplo, o Plano Diretor para o Sistema Penitenciário do Estado de Minas Gerais, explicando, de maneira sucinta, as metas propostas que ao final cabem para todos os demais Estados da Federação. Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original e tendo em vista o caráter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas, mas que, de todo modo, podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao longo dos estudos. 5 UNIDADE 2 – POLÍTICAS E PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS Vamos conhecer um pouco das políticas públicas, desde sua origem, passando pelo estado de bem-estar social, definições até modelos de implementação, porque, embora parcela considerável dos profissionais que atuem no serviço público conheçam o caminhar das políticas públicas, outros podem estar vindo de caminhos diferentes e precisam ter “intimidade” e ampliar seus conhecimentos, talvez para participar efetivamente da elaboração dessas políticas, então acreditamos ser importante que tenham uma noção mínima do assunto. 2.1 Para começo de conversa: origem da “política pública” Souza (2006) explica com muita propriedade que entender a origem e a ontologia de uma área do conhecimento é importante para melhor compreender seus desdobramentos, sua trajetória e suas perspectivas. E sua revisão de literatura sobre políticas públicas que dará o tom nesta primeira unidade. A política pública, enquanto área de conhecimento e disciplina acadêmica, nasceu nos EUA, rompendo ou pulando as etapas seguidas pela tradição europeia de estudos e pesquisas nessa área, que se concentravam, então, mais na análise sobre o Estado e suas instituições do que na produção dos governos. Assim, na Europa, a área de política pública vai surgir como um desdobramento dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Estado e de uma das mais importantes instituições do Estado – o governo –, produtor, por excelência, de políticas públicas. Nos EUA, ao contrário, a área surgiu no mundo acadêmico sem estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto para a ênfase nos estudos sobre a ação dos governos. O pressuposto analítico que regeu a constituição e a consolidação dos estudos sobre políticas públicas é o de que, em democracias estáveis, aquilo que 6 o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser: (a) formulado cientificamente; e, (b) analisado por pesquisadores independentes. A trajetória da disciplina, que nasce como subárea da ciência política, abre o terceiro grande caminho trilhado pela ciência política norte-americana no que se refere ao estudo do mundo público. O primeiro, seguindo a tradição de Madison, cético da natureza humana, focalizava o estudo das instituições, consideradas fundamentais para limitar a tirania e as paixões inerentes à natureza humana. O segundo caminho seguiu a tradição de Paine e Tocqueville, que viam, nas organizações locais, a virtude cívica para promover o “bom” governo. O terceiro caminho foi o das políticas públicas como um ramo da ciência política para entender como e por que os governos optam por determinadas ações. Na área do governo, propriamente dito, a introdução da políticapública como ferramenta das decisões do governo é produto da Guerra Fria e da valorização da tecnocracia como forma de enfrentar suas consequências. Seu introdutor no governo dos EUA foi Robert McNamara que estimulou a criação, em 1948, da RAND Corporation, organização não-governamental financiada por recursos públicos e considerada a precursora dos think tanks1. O trabalho do grupo de matemáticos, cientistas políticos, analistas de sistema, engenheiros, sociólogos, entre outros, influenciados pela teoria dos jogos de Neuman, buscava mostrar como uma guerra poderia ser conduzida como um jogo racional. A proposta de aplicação de métodos científicos às formulações e às decisões do governo sobre problemas públicos se expande depois para outras áreas da produção governamental, inclusive para a política social (SOUZA, 2006). Ainda nessa origem americana, a mesma autora acima cita quatro grandes fundadores do conceito. a) Nos idos de 1930, H. Laswell introduz a expressão policy analysis (análise de política pública), como forma de conciliar conhecimento científico/ acadêmico com a produção empírica dos governos e também como forma 1 Think tanks são organizações ou instituições que atuam no campo dos grupos de interesse, produzindo e difundindo conhecimento sobre assuntos estratégicos, com vistas a influenciar transformações sociais, políticas, econômicas ou científicas, sobretudo, em assuntos sobre os quais pessoas comuns não encontram facilmente base para análises de forma objetiva. Os think tanks podem ser independentes ou filiados a partidos políticos, governos ou corporações privadas. 7 de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governo. b) H. Simon (1957) introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers), argumentando, todavia, que a limitação da racionalidade poderia ser minimizada pelo conhecimento racional. Para Simon, a racionalidade dos decisores públicos é sempre limitada por problemas, tais como informação incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, autointeresse dos decisores, entre outros, mas a racionalidade, segundo Simon, pode ser maximizada até um ponto satisfatório pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadre o comportamento dos atores e modele esse comportamento na direção de resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de maximização de interesses próprios. c) Lindblom (1959; 1979) questionou a ênfase no racionalismo de Laswell e Simon e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório, o que não teria necessariamente um fim ou um princípio. Daí, o porquê das políticas públicas precisarem incorporar outros elementos à sua formulação e à sua análise, além das questões de racionalidade, tais como o papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos grupos de interesse. d) Easton (1965) contribuiu para a área ao definir a política pública como um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente. Segundo ele, políticas públicas recebem inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos. Caminhando na esteira dos acontecimentos, embora fazendo um recorte no tempo, iremos nos deparar com o Estado de bem-estar social. 8 2.2 Políticas públicas no Estado de bem-estar social Em linhas gerais, se analisarmos ao “pé da letra”, bem-estar social seria exatamente ter qualidade de vida, ou seja, um estado que reúne um conjunto de fatores que levam o sujeito a ter uma existência tranquila e viver com satisfação. O bem-estar social engloba, portanto, as coisas que incidem de forma positiva na qualidade de vida: um emprego digno, recursos econômicos para satisfazer as necessidades, um lar para viver, acesso à educação e a saúde, tempo para o lazer, entre outros. Apesar de a noção de bem-estar ser subjetiva (aquilo que é bom/favorável para uma pessoa pode não sê-lo para outra), o bem- estar social está associado a fatores econômicos objetivos. O Estado do Bem-Estar Social surgiu em resposta à Grande Depressão, iniciada em 1929, quando aconteceu o “Crash” da Bolsa de Valores de Nova York, crise esta, que se estendeu por quase toda a década de 1930, afetando vários países além dos Estados Unidos. As principais consequências dessa crise foram altos índices de desemprego e uma queda acentuada no Produto. Em resposta à depressão, os Estados Unidos buscou estabilizar o nível da atividade econômica e aprovou uma legislação destinada a atenuar vários dos problemas específicos: seguro-desemprego, seguridade social, seguro federal para os depositantes, programas federais destinados a suportar preços da agricultura e um conjunto de outros programas visando diversos objetivos econômicos e sociais. O conjunto destes programas ficou conhecido como “New Deal”. Nesta época, o Estado passou a intervir intensa e diretamente na economia por meio das suas empresas estatais. No Estado de Bem-Estar, também chamado de Estado-providência (Welfare State) ou ainda Estado Social, o Estado é forte: presta muitos serviços públicos, atua combatendo a pobreza, e também subsidiando empresas (subsídios incluem construir hidrelétricas, telecomunicações e petroleiras para melhorar o sistema). Nesta orientação, o Estado de Bem-Estar intervém na economia e na sociedade com o fim de estimular o desenvolvimento e 9 proporcionar, com mecanismos reguladores e de seguridade social, condições de vida mínimas à grande maioria da população (CRUZ, 2001). O surgimento do Estado de Bem-Estar social pressupôs a garantia de materializar direitos como a vida, a saúde e a alimentação. A partir deste momento, o caráter assistencial e de caridade começa a desaparecer e os benefícios começam a serem percebidos como direitos da cidadania. Mas, neste período, estes direitos ainda eram considerados como dádivas provenientes de um Estado bom (FREIRE Jr, 2005). Como o Estado de bem-estar não se manteve e o sistema capitalista não sustenta a possibilidade do provimento de todos os direitos sociais, fortaleceu-se o estado mínimo aos direitos da população. Neste meio em que promessas não são cumpridas, surge o Estado Democrático de Direito, que busca a efetivação da Constituição, num caráter mais dinâmico e aberto, visando o pleno desenvolvimento humano (FREIRE Jr, 2005). Como afirma Batista et al. (2008, p. 11), as políticas promovidas pelos Estados de Bem-Estar Social no pós-guerra levaram a uma melhoria considerável das condições de vida e de trabalho, contribuindo para o aumento progressivo da expectativa de vida de suas populações. Para Oliveira, Scortegagna e Oliveira (2010), neste contexto globalizado atual, o sistema capitalista encontra novas formas de excluir, surge então, a necessidade de políticas que garantam direitos elementares. Entretanto, as políticas não se formulam aquém da globalização, assim, cabe pensar se realmente as políticas estão incluindo os excluídos. Garantir, por exemplo, o direito ao voto representa realmente um real Estado Democrático de Direito ou a obrigatoriedade sobrepõe a consciência e camufla os interesses do Estado? Sendo assim, torna-se imprescindível pensar o que atualmente representam as políticas públicas, pois estas são permeadas pelas contradições entre a reprodução do capital e as demandas sociais. Segundo Bucci (2002, p. 241), as políticas públicas são 10 programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos relevantes e politicamente determinados. Freire Jr (2005, p. 48) complementae afirma que as políticas públicas são os meios necessários para a efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que pouco vale o mero reconhecimento formal de direitos se ele não vem acompanhado de instrumentos para efetivá-los. Pois bem, quando pensamos em efetivação dos direitos para uma parcela da população que está marginalizada, podemos pensar em idosos, em negros. Podemos também afunilar a política para a educação e pensar em pessoas com necessidades especiais e ainda se pensarmos na saúde, podemos focar em grupos vulneráveis como crianças desnutridas, áreas de doenças endêmicas. Claro que também podemos pensar na população privada de liberdade. Enfim, são muitos os vieses que pode seguir uma política pública. Guarde... As políticas públicas têm sua importância, entretanto, não podem ser consideradas como a solidariedade ou dádivas de um estado bom em prol do bem-estar de toda população, por meio de um discurso caridoso e evasivo. Estas políticas não podem ser estruturadas apenas como meios de promoção política e discurso eleitoreiro. Devem ser formuladas e implementadas segundo as necessidades reais da população e mesmo porque, elas são implementadas, em certa medida, com recursos arrecadados de parcela da população por meio dos “impostos”. Não cabe dizer que as políticas públicas são boas ou ruins, mas é preciso apontar limitações e que estas irão se efetivar garantindo direitos para toda população a partir do momento em que haja movimentos sociais em prol da garantia da cidadania, além de melhores condições de vida e sobrevivência. 11 A cidadania se constrói com a universalidade de direitos. Direito ao trabalho, direito à saúde, direito à assistência social, direito à educação, direito à aposentadoria e à pensão (COBAP, 2007, p. 8). 2.3 Ciclo de uma política pública O ciclo de uma política pública ou também conhecido como elaboração da política pública, na verdade é um esquema de visualização e intepretação que organiza a vida de uma política pública em fases sequenciais e independentes. O ciclo é constituído dos seguintes estágios: identificação do problema; formação da agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão, implementação, avaliação e extinção (SARAIVA; FERARREZI, 2006; SOUZA, 2006). Um problema é a discrepância entre o status quo e uma situação ideal possível. Um problema público é a diferença entre o que é e aquilo que se gostaria que fosse a realidade pública. Um problema público pode aparecer subitamente, por exemplo, uma catástrofe natural que afete a vida de pessoas de determinada região. Um problema público também pode ganhar importância aos poucos, como o congestionamento nas cidades ou a progressiva burocratização de procedimentos e serviços públicos. Um problema público pode estar presente por muito tempo, mas não receber suficiente atenção porque a coletividade aprendeu a conviver com ele, como o caso da favelização das periferias das grandes cidades. Um problema nem sempre é reflexo da deterioração de uma situação de determinado contexto, mas sim de melhora da situação em outro contexto. Por exemplo, a falta de acesso pavimentado de um pequeno município à malha viária estadual passa a ser percebida como um problema relevante a partir do momento em que o município vizinho é contemplado com esse tipo de obra. Às vezes, se meu vizinho compra um carro novo, eu começo a perceber meu carro como velho. A incorporação de problemas na agenda dos governos, ponto de partida para a elaboração de propostas de políticas públicas e de ação governamental, envolve uma série de etapas que têm início com o “acatamento” de um assunto pelo governo, podendo-se identificar, assim, a forma como ele chega ao debate 12 público (COSTA; MELO, 1998) e como captura a atenção dos elaboradores da política (definição da agenda), daí gerando opções de política pública. Em seguida, torna-se necessária a legitimação da decisão, momento no qual se busca apoio político dos atores envolvidos com a política pública, para a obtenção da sua aprovação. Finalmente, implementa-se a política formulada, através da operacionalização em programas e projetos pelas áreas competentes (PINTO, 2008). Vejamos abaixo um esquema do ciclo de formulação de políticas públicas. Ciclo de políticas públicas De acordo com Souza (2006), esta abordagem enfatiza, sobremodo, a definição de agenda (agenda setting) e pergunta por que algumas questões entram na agenda política, enquanto outras são ignoradas. Algumas vertentes do ciclo da política pública focalizam mais os participantes do processo decisório, e outras, o processo de formulação da política pública. Cada participante e cada processo pode atuar como um incentivo ou como um ponto de veto. Se fizéssemos a seguinte pergunta: como os governos definem suas agendas?, teríamos três tipos de respostas: 1ª Resposta: A primeira focaliza os problemas, isto é, problemas entram na agenda quando assumimos que devemos fazer algo sobre eles. O reconhecimento e a definição dos problemas afeta os resultados da agenda. 13 2ª Resposta: A segunda resposta focaliza a política propriamente dita, ou seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a necessidade de se enfrentar um dado problema. Essa construção se daria via processo eleitoral, via mudanças nos partidos que governam ou via mudanças nas ideologias (ou na forma de ver o mundo), aliados à força ou à fraqueza dos grupos de interesse. Segundo esta visão, a construção de uma consciência coletiva sobre determinado problema é fator poderoso e determinante na definição da agenda. Quando o ponto de partida da política pública é dado pela política, o consenso é construído mais por barganha do que por persuasão, ao passo que, quando o ponto de partida da política pública encontra-se no problema a ser enfrentado, dá-se o processo contrário, ou seja, a persuasão é a forma para a construção do consenso. 3ª resposta: A terceira resposta focaliza os participantes, que são classificados como visíveis, ou seja, políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, entre outros, e invisíveis, tais como acadêmicos e burocracia. Segundo esta perspectiva, os participantes visíveis definem a agenda e os invisíveis, as alternativas. A literatura do ciclo de política veio adquirindo progressiva importância nos estudos sobre a elaboração da política pública. Vários trabalhos mencionados por Vianna, já em 1996, indicavam a evolução dos estágios de desenvolvimento dessas políticas. Ainda sobre as fases ou etapas que compõem o processo, Kingdon (1994) e Kelly e Palumbo (1992) citados por Pinto (2008) explicam melhor essas fases: a) determinação da agenda, onde a dinâmica da definição do problema é questão essencial para a compreensão da política pública; b) formulação e legitimação da política (seleção de proposta, construção de apoio político, formalização em lei); c) implementação de políticas (operacionalização da política em planos, programas e projetos no âmbito da burocracia pública e sua execução); 14 d) avaliação de políticas (relato dos resultados alcançados com a implementação das propostas e programas de governo, avaliação dos impactos dos programas e sugestão de mudanças). De acordo com a teoria do ciclo da política pública, o caminho seguido começa com a elaboração de uma agenda, onde interesses e propostas são colocados na “mesa” de negociações, definindo-se preferências que são adaptadas ao projeto político governamental, seguido das etapas de formulação de propostas, escolha de alternativas e implementação das políticas públicas. As explicações acerca da incorporação de determinado item, na agenda do governo, estão baseadas nas perspectivas pluralista ou elitista. Na primeira perspectiva, pluralista, os itens da agenda provêm de fora do governoe de uma série de grupos de interesse, sendo que as questões podem alcançar a agenda, através da mobilização de grupos relevantes. Na segunda, elitista, a explicação privilegia o entendimento de que há um tipo de estabelecimento fechado dentro da determinação da agenda pelo governo, que opera através da difusão de ideias nos círculos profissionais e entre as elites que decidem ou influenciam a política pública (LUKES, 1976 apud PINTO, 2008). Os partidos políticos, os agentes políticos e as organizações não governamentais são alguns dos atores que se preocupam constantemente em identificar problemas públicos. Do ponto de vista racional, esses atores encaram o problema público como matéria-prima de trabalho. Um político encontra nos problemas públicos uma oportunidade para demonstrar seu trabalho ou, ainda, uma justificativa para a sua existência. A partir do momento em que uma espécie da fauna entra em extinção, e isso vem a conhecimento público, surge a oportunidade de criação de uma entidade de defesa daquela espécie. A partir do momento em que um produto importado começa a atrapalhar um setor industrial, surge a oportunidade política de defender os interesses desse setor industrial. Se um problema é identificado por algum ator político, e esse ator tem interesse na resolução de tal problema, este poderá então lutar para que tal problema entre na lista de prioridades de atuação. Essa lista de prioridades é conhecida como agenda. 15 Segundo Pinto (2008), no âmbito dos atores governamentais, pode-se distinguir o grupo da chamada Administração Central, que envolve uma combinação de três atores: o próprio chefe do Executivo, isto é, a autoridade máxima do nível de governo que se esteja considerando; o staff do gabinete executivo do governo e, por último, os dirigentes e assessores nomeados, em função de sua vinculação política ao governante. Esse grupo estabelece as prioridades do processo de construção da agenda, determinam os itens da agenda, decidindo acerca das questões fundamentais no desenvolvimento do processo de formulação das políticas públicas. Os burocratas, isto é, os servidores públicos de carreira, por sua vez, não são considerados por Kingdon tão influentes na determinação da agenda, tendo, no entanto, um impacto maior na especificação de alternativas de solução aos problemas incluídos no debate político. Seu poder, geralmente, manifesta-se no momento da implementação das políticas. As críticas em relação à abordagem da política pública como um ciclo baseiam-se no fato de que a descrição do processo é sequencial e ordenada, pressupondo-se que todas as alternativas são cuidadosamente discutidas para o alcance dos objetivos (modelo racional-abrangente), quando, na prática, a elaboração da política é complexa e interativa. Kingdon (1994 apud PINTO, 2008) acrescenta às limitações da perspectiva incrementalista que pressupõe que as mudanças se dão de forma gradual, a partir da incorporação de pequenas alterações, nas políticas e nos programas, uma crítica do caráter incremental do processo. Nesse sentido, ressalta que a determinação das agendas tem mostrado uma grande quantidade de mudança não incremental. Existem de fato vários modelos teóricos para o ciclo das políticas públicas, mas não entraremos em detalhes desses vieses. De todo modo, vale elencar os principais elementos dos modelos de política pública: a política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz; 16 a política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes; a política pública é abrangente e não se limita a leis e regras; a política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados; a política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo. A política pública envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação (SOUZA, 2006). 2.4 O programa no planejamento governamental Se pensarmos em planejamento governamental, o qual é desenvolvido em níveis que se integram e sincronizam os planos, o programa será um dos seus níveis, a saber: diretriz – conjunto de critérios de ação e de decisão que deve disciplinar e orientar os diversos aspectos envolvidos no processo de planejamento. Trata-se de um nível mais abstrato onde ocorre a formulação geral do objetivo; objetivo – indica os resultados que a administração pretende alcançar com a realização das ações governamentais; metas – é a especificação e a quantificação física dos objetivos estabelecidos; programa – corresponde às ações que resultam em serviços prestados à comunidade, passíveis de quantificação. Elevando o pensamento para a área de planejamento e orçamento público, o Orçamento-Programa é entendido como uma etapa do planejamento e compreende os seguintes aspectos: 17 instrumento de ação administrativa para execução dos planos de longo, médio e curto prazos; previsão das receitas e fixação das despesas com o objetivo de atender às necessidades coletivas definidas no programa de Ação do Governo; instrumento de aferição e controle da autoridade e da responsabilidade dos órgãos e agentes da administração orçamentária e financeira, permitindo, igualmente, avaliar a execução dos programas de trabalho do Governo. Nesse sentido, de componente de um sistema integrado de gerência, o orçamento-programa é entendido como uma das etapas do planejamento e foi adotado na esfera federal pela Lei nº 4.320/64. Segundo Silva (2002), identificam-se na elaboração de um orçamento- programa, algumas fases nítidas e necessárias, quais sejam: 1. Determinação da situação – identificação dos problemas existentes. 2. Diagnóstico da situação – identificação das causas que concorrem para o aparecimento dos problemas. 3. Apresentação das soluções – identificação das alternativas viáveis para solucionar os problemas. 4. Estabelecimento das prioridades – ordenamento das soluções encontradas. 5. Definição dos objetivos – estabelecimento do que se pretende fazer e o que se conseguirá com isso. 6. Determinação das tarefas – identificação das ações necessárias para atingir os objetivos. 7. Determinação dos recursos – arrolamento dos meios: recursos humanos, materiais, técnicos, institucionais e serviços de terceiros necessários. 8. Determinação dos meios financeiros – expressão monetária dos recursos alocados. O orçamento-programa contribui para o planejamento governamental, pois é capaz de expressar com maior veracidade as responsabilidades do 18 Governo para com a sociedade, visto que o orçamento deve indicar com clareza os objetivos perseguidos pela nação da qual o governo é intérprete. Assim, podemos constatar que é princípio fundamental do Estado moderno que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário devem organizar e exercer suas atividades com planejamento permanente, atendendo às peculiaridades locais e aos princípios técnicos convenientes ao desenvolvimento econômico e social. 2.5 Avaliação de políticas e programas governamentais Implementação, execução e avaliação de uma política, um programa, um projeto que seja, são ações que caminham sempre juntas, porque evidentemente é pela avaliação que saberemos estar no caminho certo, onde precisa mudar, aprimorar, corrigir. Segundo Rua (2004), a avaliação de políticas públicas, programas e projetos governamentais têm finalidades bastante precisas: 1) Accountability, significando estabelecer elementos para julgar e aprovar decisões, ações e seus resultados. 2) Desenvolver e melhorar estratégias de intervenção na realidade,ou seja, a avaliação tem que ser capaz de propor algo a respeito da política que está sendo avaliada. 3) Empoderamento, promoção social e desenvolvimento institucional, significando que a avaliação deve ser capaz de abrir espaço para a democratização da atividade pública, para a incorporação de grupos sociais excluídos e para o aprendizado institucional e fortalecimento das instituições envolvidas. Para Höfling (2001), na análise e avaliação de políticas implementadas por um governo, fatores de diferentes natureza e determinação são importantes. Especialmente quando se focaliza as políticas sociais (usualmente entendidas como as de educação, saúde, previdência, habitação, saneamento, entre outras) os fatores envolvidos para a aferição de seu “sucesso” ou “fracasso” são complexos, variados, e exigem grande esforço de análise. 19 Estes diferentes aspectos devem estar sempre referidos a um contorno de Estado no interior do qual eles se movimentam. Torna-se importante aqui ressaltar a diferenciação entre Estado e Governo. Estado pode ser entendido como o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período. Políticas públicas, vimos que seria o Estado em ação, ou seja, é o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade. Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas. As políticas públicas são aqui compreendidas como as de responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. Neste sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais (HÖFLING, 2001). E políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. As políticas sociais têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções industriais. Educação, saúde e previdência social são exemplos de políticas públicas sociais, muitas vezes de corte social, de responsabilidade do Estado, mas não pensada apenas por seus organismos. Elas são interferência do Estado, visando manter as relações sociais de determinada formação social. 20 Mas voltemos para a avaliação, de acordo com Rua (2004), sustenta que quando formal é um julgamento, porque envolve valores; sistemático, porque baseia-se em critérios e procedimentos previamente reconhecidos dos processos ou dos produtos de uma política, programa ou projeto, tendo como referência critérios explícitos, a fim de contribuir para o seu aperfeiçoamento, a melhoria do processo decisório, o aprendizado institucional e/ou o aumento da accountability. Assim sendo, é possível reconhecer que a avaliação contém duas dimensões. A primeira é técnica, e caracteriza-se por produzir ou coletar, segundo procedimentos reconhecidos, informações que poderão ser utilizadas nas decisões relativas a qualquer política, programa ou projeto. A segunda é valorativa, consistindo na ponderação das informações obtidas com a finalidade de extrair conclusões acerca do valor da política, programa ou projeto. Ainda assim, a finalidade da avaliação não é necessariamente distinguir as intervenções de qualquer natureza segundo sejam “boas” ou “más”, “exitosas” ou “fracassadas”. Muito mais importante e proveitoso é apropriar-se da avaliação como um processo de apoio a um aprendizado contínuo, de busca de melhores decisões e de amadurecimento da gestão. A avaliação formal permite julgar processos e produtos de vários modos. Primeiro, levantando questões básicas, tais como os motivos de certos fenômenos (por exemplo: o que causa os elevados índices de morte violenta entre os jovens brasileiros?). Este tipo de avaliação pode focalizar relações de causa e efeito com a finalidade de recomendar medidas para lidar com o problema. Em segundo lugar, a avaliação formal pode ser usada como instrumento de acompanhamento de políticas ou programas de longo prazo. Nesses casos são realizadas várias avaliações em estágios-chave da política ou programa, a fim de prover dados confiáveis sobre os seus impactos e sobre como podem ser estes mitigados ou melhorados. Em terceiro, ao final de um programa ou projeto, a avaliação pode indicar o seu sucesso na consecução dos seus objetivos e permitir avaliar a sua sustentabilidade, ou seja, a possibilidade da sua continuidade através do tempo. 21 A avaliação formal pode contribuir para aperfeiçoar a formulação de políticas e projetos, especialmente tornando mais responsável a formulação de metas, e apontar em que medida os governos se mostram responsivos frente às necessidades dos cidadãos. Pode mostrar se as políticas e programas estão sendo concebidos de modo coordenado ou articulado; e em que medida estão sendo adotadas abordagens inovadoras na resolução de problemas que antes pareciam intratáveis. Pode indicar como vão sendo construídas as parcerias entre governo central e local, entre os setores, público, privado e terceiro setor, identificar as condições de sucesso ou fracasso dessas parcerias e apontar como podem ser aperfeiçoadas, a fim de ganharem abrangência e se tornarem estratégias nacionais das políticas de desenvolvimento (RUA, 2004). Os modelos contemporâneos de formulação de políticas enfatizam a importância dos objetivos compartilhados em lugar das estruturas organizacionais ou das funções existentes. Mas a articulação de políticas/programas não se resume a abordagens compartilhadas de questões comuns. A articulação horizontal entre agências ou organizações requer melhor coordenação entre os gestores e melhor articulação vertical entre os que tomam as decisões e os que os implementam. Isto não é um fim em si mesmo, mas deve estar presente onde agrega valor, e é especialmente importante quando as políticas ou programas se dirigem às questões socialmente perversas. Nesses casos, a avaliação formal permite aprender e incorporar lições à implementação de novas políticas/programas (RUA, 2004). Após estas considerações que não podemos dizer que foram breves, esperamos que entendam a importância da elaboração de uma política pública, da responsabilidade daqueles que a elaboram e porque sua avaliação faz a diferença. 22 UNIDADE 3 – PLANO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA O primeiro dos órgãos da execução penal é o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), com sede na Capital da República e subordinado ao Ministro da Justiça. Já existente quando da vigência da lei (foi instalado em junho de 1980), o Conselho tem proporcionado, segundo consta da exposição de motivos, valioso contingente de informações, de análises, de deliberações e de estímulo intelectual e material às atividades de prevenção da criminalidade. Preconiza-se para esse Órgão a implementação, em todo o território nacional, de uma nova política criminal e, principalmente penitenciária, a partir de periódicas avaliações do sistema criminal,criminológico e penitenciário, bem como a execução de planos nacionais de desenvolvimento quanto às metas e prioridades da política a ser executada. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é integrado por treze membros designados através de ato do Ministério da Justiça, dentre professores e profissionais da área do Direito Penal, Processual Penal, Penitenciário e ciências correlatas, bem como por representantes da comunidade e dos Ministérios da área social. O mandato dos membros do Conselho tem a duração de dois anos, renovado um terço em cada ano. 3.1 As Prioridades do Plano Nacional As medidas sugeridas a seguir são pensadas para acontecer de forma simultânea, porém foram ordenadas iniciando por aquelas que de fato podem caracterizar um novo modelo brasileiro de política criminal e penitenciária, seguidas por aquelas que são a reversão da prática que prevalece atualmente. No campo “detalhamento”, buscarem-se o plano em sua íntegra, verão comentados alguns aspectos relevantes, mas cada medida requer aprofundamento no momento da sua implantação. As “evidências” referem-se a 23 informações que denotam a importância da medida, ao passo que e os “impactos” dizem respeito aos resultados que possam ser alcançados, caso a medida seja executada. Segundo o Ministério da Justiça, algumas medidas representam tão somente o cumprimento da lei, tratando de questões de acesso à justiça e de garantias de direitos, que, se forem observadas pelo governo, já podem representar uma mudança radical nos rumos da política criminal e penitenciária. Outras medidas são opções políticas que entendemos mais interessantes que as atuais (MJ, 2011). 3.2 As medidas O CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – resolveu recomendar a aplicação do Plano Nacional de Política Penitenciária que constitui o conjunto de orientações deste Colegiado destinadas aos responsáveis pela concepção e execução de ações relacionadas à prevenção da violência e da criminalidade, à administração da justiça criminal e à execução das penas e das medidas de segurança, da forma que segue: Medida 1: Sistematizar e institucionalizar a Justiça Restaurativa Detalhamento: a justiça restaurativa pressupõe um acordo livre e consciente entre as partes envolvidas; é um novo paradigma de justiça criminal. Atualmente, há práticas em alguns locais, porém em número reduzido e ainda atreladas ao processo criminal formal. Medida 2: Criação e implantação de uma política de integração social dos egressos do sistema prisional Detalhamento: não existe política de integração social dos egressos do sistema prisional. Alguns Estados têm ações localizadas e, recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciou o programa voltado à empregabilidade (Programa Começar de Novo). Medida 3: Aperfeiçoamento do sistema de penas e medidas alternativas à prisão 24 Detalhamento: superar a dicotomia discursiva que está estabelecida entre a pena de prisão e a pena não privativa de liberdade é um dos atuais desafios da política penitenciária brasileira. Deve-se reconhecer que esses sistemas são complementares e que o funcionamento efetivo de um é vital para o fortalecimento do outro. A presença no sistema carcerário de pessoas que poderiam cumprir sanções alternativas agrava problemas de superlotação e impede a concentração de esforços no combate aos crimes de maior gravidade pelo sistema prisional. Ao mesmo tempo, o sistema alternativo à prisão alcança melhores resultados quando a política prisional lhe dá o devido suporte. Nos últimos dez anos, a política de penas e medidas alternativas alcançou resultados importantes. Essa experiência elevou as penas e medidas alternativas a outro estágio, de modo que os desafios de hoje são diferentes daqueles que estavam postos quando o atual modelo foi gestado. Nesse novo momento, a condução da política deve ganhar outros contornos para que possa atender às demandas atualmente impostas. Medida 4: Implantação da política de saúde mental no sistema prisional Detalhamento: a Lei nº 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, por seu caráter específico e posterior à Lei nº 7.210/84, Lei de Execução Penal, promove uma releitura nos itens que se referem à medida de segurança. Esse tema já foi detalhado pela Resolução N° 4/2010 do CNPCP e pela Resolução N° 113/2010, e Portaria 26, de 31 de março de 2011, ambas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Medida 5: Ações específicas para os diferentes públicos Detalhamento: as diferenças devem ser respeitadas para gerar igualdade de direitos. As questões de gênero, de condição sexual, de deficiência, de idade, de nacionalidade, entre outras, são vividas também no campo criminal e penitenciário, e não devem ser desconsideradas. É uma questão de acesso aos direitos e de gestão das políticas públicas. Medida 6: Prisão provisória sem abuso 25 Detalhamento: no sistema prisional brasileiro, 44% dos presos são provisórios. Porém, o CNJ identificou que os índices de presos provisórios são diferentes nas unidades da Federação, sendo que o Distrito Federal possui o menor percentual, 20%, e o Piauí, o maior, 74%. De qualquer forma, segundo dados da International Bar Association, uma em cada cinco destas prisões é ilegal. Este fenômeno se deve à banalização da prisão cautelar, hoje concedida rotineiramente pelos juízes de primeira instância, que muitas vezes apenas homologam as prisões em flagrante realizadas pela polícia, sem que haja fundamentação apropriada. Se analisarmos o comportamento do Poder Judiciário, veremos que em incontáveis vezes, o uso da prisão provisória é feito em desacordo com a Constituição Federal. Isto pode ser verificado nos mutirões carcerários do CNJ, que revisaram 156.708 processos e beneficiaram 41.404 presos, dos quais 23.915 foram postos em liberdade. Medida 7: Defensoria Pública plena Detalhamento: ainda há três Estados no País que não possuem Defensoria Pública instalada, e quase 50% dos demais Estados têm quadros de pessoal muito aquém do necessário. A maioria dos presos brasileiros é pobre, e sem a Defensoria Pública plenamente instalada não tem direito à defesa ou ao acompanhamento na fase da execução penal. As consequências são inúmeras. Medida 8: Fortalecimento do controle social Detalhamento: o sistema penal, nas suas três instâncias (policial, judicial e penitenciária), por tratar-se de um mecanismo de coerção, tende a fechar-se institucionalmente. As prisões são conhecidas como instituições totais, que, por obrigarem os sujeitos a viver exclusivamente no mesmo espaço, com a mesma rotina, com as mesmas pessoas e por ter uma hierarquia bem definida e desigual (funcionários e presos), propicia com facilidade o adoecimento psíquico, a infantilização, o abuso de poder e a perda de parâmetros sociais. É fundamental que esses espaços possam ser oxigenados com a presença da sociedade civil, inclusive para que a sociedade se envolva na prevenção da criminalidade e não reforce a ideologia da vingança, criando cada vez mais estereótipos. Medida 9: Enfrentamento das “drogas” 26 Detalhamento: desde 2008 ocorre um aumento importante do percentual de presos por tráfico de drogas no País; isso parece decorrer da Lei nº 11.343/2006, que aumenta a pena mínima para o crime de tráfico de drogas, institui tipos abertos e penas desproporcionais, bem como concede poderes extensos aos policiais que efetuam os flagrantes, mesmo se as apreensões forem de pequenas quantidades. É preciso avaliar: em que medida isso realmente contribui no combate ao tráfico de drogas? Ou será que se modifica apenas o lócus de sua atuação? Ao aumentar-se o número de pessoas presas, disponibilizam-semais pessoas vulneráveis para a organização do tráfico e também mais consumidores, pois na medida em que a prisão danifica os laços familiares e profissionais, cria dependências financeiras e sociais dos grupos organizados e rotula os sujeitos, assim uma legião de jovens será empurrada para a vida marginal com eficiência e para continuação da dependência química (a prisão não trata nem física, nem psicologicamente, a dependência em drogas). Outro aspecto a ser observado é o da seletividade penal, eis que a ampliação do poder da polícia reforça a escolha de determinados indivíduos como inimigos, sendo um eficaz filtro negativo do sistema da justiça criminal, dadas as dificuldades das organizações policiais no que tange à formação, metodologia, estrutura de trabalho, corrupção e pressão midiática/social. Medida 10: Arquitetura prisional distinta Detalhamento: na maioria dos casos, os Estados têm construído as mais esdrúxulas e improvisadas estruturas para abrigar pessoas presas. Constatam-se celas sem nenhuma ventilação, iluminação ou incidência de sol e com pé direito baixo em localidades com médias de temperatura de 30 a 40 graus Celsius. Ou unidades que só tem celas, sem espaço para visitas, atividades educativas ou laborais, administrativas ou alojamento para funcionários. Ou, ainda, unidades hiperequipadas com corredores gradeados, sistemas inteiramente automatizados, várias antessalas de segurança, grades entre presos e profissionais de saúde, paredes triplas e metros de concreto armado abaixo da construção para abrigar presos acusados de furto, roubo e pequenos traficantes. Não é possível tanto descaso para com as pessoas e para com o dinheiro público. Medida 11: Metodologia prisional nacional e gestão qualificada 27 Detalhamento: a atuação no sistema prisional, na maioria dos Estados, caracteriza-se por amadorismo e improviso. É urgente a criação da Escola Nacional Penitenciária (ESPEN) com atribuições de pesquisa, ensino e intercâmbio que possam desenvolver e orientar os Estados com respeito a uma metodologia nacional na área prisional, garantido o respeito aos Direitos Humanos e o cumprimento das leis e tratados internacionais. Na ausência de uma carreira melhor definida para os gestores prisionais, muitos governos recaem na escolha de policiais militares, civis ou federais, ou ainda integrantes do sistema de justiça criminal aposentados, que agravam a situação institucional porque adotam metodologias policiais em uma atividade totalmente distinta. Medida 12: Combate aos ganhos da ineficiência Detalhamento: além dos problemas estruturais do sistema e das políticas imediatistas e equivocadas, a sua ineficiência criou mecanismos de compensação que em muitos momentos se configuram como barreiras objetivas para reversão do seu mau funcionamento. Todos os serviços que se tornaram economicamente rentáveis a partir das dificuldades da justiça criminal ou do uso abusivo da prisão (como o mercado das tecnologias de segurança, das administrações prisionais, das construtoras especializadas em estruturas de segurança pública, da alimentação para prisões, dos profissionais autônomos, entre outros) precisam ser identificados e trabalhados no sentido de que venham a ser razoáveis, inclusive oferecendo-se alternativas para que eles não se tornem mais um dos obstáculos para a reversão do quadro vigente. Outro grave entrave é a corrupção existente em todas as dimensões da execução da política criminal e penitenciária. Medida 13: Gestão legislativa Detalhamento: a legislação criminal e penitenciária tem sido construída com base na criminologia midiática e no populismo penal. É possível observar isso com os exemplos das leis dos crimes hediondos, originada pelo sequestro de um empresário, e posteriormente pelo assassinato de uma atriz, e pela lei que instituiu o RDD, motivada por rebeliões sucessivas. Projetos absurdos, incoerentes e pouco fundamentados são comuns, sendo combatidos com dificuldades por mandatos mais sérios e conhecedores da temática, uma vez que 28 a pressão midiática de mentalidade vingativa cala parlamentares de todas as denominações. Medida 14: Construção de uma visão de justiça criminal e justiça social Detalhamento: haveria mais pessoas presas porque há mais delito ou porque há mais políticas criminológicas centradas na prisão? Carranza (2010) demonstra que os dois fatores são verdadeiros, mas, com relação ao aumento do delito, é estabelecida uma relação com a desigualdade na distribuição de renda como sendo um vetor de forte determinação, embora não seja o único. Portanto, é imperativo construir uma nova visão de justiça criminal, lastreada nas ações de justiça social. (BRASIL, MJ, PNPP 2012, disponível em: http://portal.mj.gov.br/classificacao/data/Pages/MJE9614C8CITEMIDD1903654F8 454D5982E839C80838708FPTBRNN.htm). O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) já trouxe contribuição nessa direção, porém com pouco espaço para refletir e integrar os aspectos relacionados às políticas criminais e penitenciárias. O sistema prisional é parte integrante da dimensão da segurança pública, e deve alcançar um patamar de importância política mais relevante. A promoção da segurança social refletirá na melhora qualitativa e na diminuição quantitativa da sua estrutura, mas para isso, deverá ser visto e ouvido com a mesma intensidade que os demais setores da justiça criminal (BRASIL, MJ, PNPP 2012, disponível em: http://portal.mj.gov.br/classificacao/data/Pages/MJE9614C8CITEMIDD1903654F8 454D5982E839C80838708FPTBRNN.htm). 29 UNIDADE 4 – POLÍTICA NACIONAL DE PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS Pena é a resposta dada pelo Estado ao autor de uma infração penal (crime ou contravenção). Num conceito mais dogmático, é a consequência jurídica que surge em virtude da infração da norma penal. Tem o objetivo de aplicar um castigo pelo descumprimento da lei penal e evitar a prática de novos delitos pela mesma pessoa ou por outras, além de buscar reeducar o delinquente para que possa voltar a viver em sociedade (MANFROI, 2013). 4.1 Execução Penal no Brasil A expressão execução é derivada do latim executio, que significa ir até o fim, levar a cabo, tornar concretizável a sentença ou decisão judicial, perseguir. Lima e Peralles (2002) definem a execução penal, como um conjunto de normas e princípios jurídicos, de natureza complexa, isto é, de direitos: constitucional, penal, processual penal e administrativo, que regulam e ensejam a concretização das sentenças condenatórias ou das que impuseram medidas de segurança, aos condenados, internados ou sujeitos a tratamento ambulatorial, respectivamente. A legislação penal atual adotou o sistema vicariante, no qual cabe a pena para o réu imputável e medida de segurança para o acusado imputável. Na hipótese do acusado ser portador de perturbação mental, o juiz aplicará pena ou medida de segurança, conforme a situação clínica do sentenciado constante de laudo pericial de sanidade mental (JACQUES, 2004). O artigo 1º da Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84) dispõe que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. A matéria é regulada especialmente pelo Direito Penal, Direito Processual Penal e Constituição Federal, e não pelo Direito Administrativo. 30 No ensinamento de Nogueira (2000, p. 7), estabelecida à aplicabilidade das regras previstas no Código de Processo Penal, é indispensável à existência de um processo, como um instrumento viabilizador da própria execução, no qual devem ser observados os princípios e as garantias constitucionais a saber: legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real, imparcialidade do juiz, igualdadedas partes, persuasão racional ou livre convencimento, contraditório e ampla defesa, iniciativa das partes, publicidade, oficialidade, duplo grau de jurisdição, entre outros. Vejamos alguns dos princípios penais. 4.2 Os princípios penais O Princípio da legalidade encontra embasamento no art. 5º da CF (XXXIX), no qual encontramos que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Este princípio exige a descrição prévia e específica, na lei penal, da conduta típica, bem como a definição, pela norma penal incriminadora, da sanção aplicável. A garantia Constitucional do nullum crimen mula poena sine lege gera uma limitação, pois ninguém poderá ser punido senão por norma penal expressa em lei em sentido estrito. Não é admissível que a lei formal não dê um disciplinamento do delito e da pena, para se limitar a atribuir a outra fonte ou outras autoridades, a competência para fixar os crimes e penas. O princípio da legalidade tem significado político no que se refere à garantia constitucional dos direitos do homem e jurídico quando fixa o conteúdo das normas incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido genericamente sem definição prévia da conduta punível e determinação da sanetio júris aplicável. Princípio da responsabilidade personalíssima – o inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal, prescreve que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Ninguém responderá por um ilícito penal se não o tiver praticado ou colaborado para sua ocorrência. O princípio veda a responsabilidade penal objetiva, somente respondendo pelo ilícito aquele que tenha agido com dolo ou 31 culpa, desde que haja nexo de causalidade entre a conduta do sujeito e o resultado danoso. Também é no art. 5º da CF que encontramos a regularização para o Princípio da individualização da pena. A própria Carta Magna inicia o processo de individualização prevendo no mesmo inciso a adoção de diversas modalidades de penas pelo legislador, privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. A aplicação da pena deve observar determinados fatores e será variável para cada caso. Conforme o art. 59 do Código Penal, sejam atendidas certas circunstâncias para a fixação da pena in-concreto. A execução penal, através do princípio da individualização, levará em conta a individualidade do condenado, a partir da classificação para ingresso no estabelecimento penal, passando pelo programa de recuperação e reinclusão social, além dos incidentes administrativos e judiciais de execução. Através desse princípio, há outros dispositivos legais que determinam a análise de requisitos subjetivos para cada condenado em particular, como a concessão de certos benefícios, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44, CP), do sursis (art. 77, CP), do livramento condicional (art. 83, CP), da progressão prisional (art. 112, LEP), da obtenção do regime aberto (art. 114, LEP), da saída temporária (art. 123, LEP), entre outros. Evidencia a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei n° 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que determina o cumprimento integral da pena em regime fechado. Ao enunciar no inciso 46 do art. 5º que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as de privação ou restrição de liberdade, de perda de bens, de multa, de prestação social alternativa e de suspensão ou interdição de atos, a Constituição consagrou o princípio da individualização da pena que propõe a necessidade de adaptação da pena ao condenado, consideradas suas características pessoais e as peculiaridades do delito. 32 O Estado Democrático de direito elenca como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III. da CF/88). Portanto, o homem deve ser a medida primeira para a tutela do Estado, alcançando ainda maior destaque no direito penal onde o condenado será encarado como sujeito de direitos, e deverá manter todos os seus direitos fundamentais que não forem lesados pela perda da liberdade em caso de pena privativa. Note-se que a pena é privativa da liberdade, e não da dignidade, respeito e outros direitos inerentes à pessoa humana. Por meio deste princípio da humanização, diversos dispositivos constitucionais conferem limites à atuação estatal no exercício do jus puniendi, em respeito à vida e à dignidade da pessoa humana. O inciso XLVII do art. 5º da CF, dispõe que não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX da Constituição Federal; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. Também é assegurado às presidiárias, condições para permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Quanto ao Princípio da jurisdicionalidade, Miotto (1975) lembra que ao passar em julgado a sentença condenatória, surge entre o condenado e o Estado uma complexa relação jurídica, com direitos, expectativas de direitos e legítimos interesses, de parte a parte, inclusive no que se refere aos incidentes da execução e, como em qualquer relação jurídica, os conflitos, para serem dirimidos, demandam a intervenção jurisdicional. Portanto, a execução penal é de natureza jurisdicional cujo título se funda em processo de conhecimento, e, como qualquer outra execução forçada e decorrente de sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, só poderá ser feita pelo Poder Judiciário, de maneira a resguardar a integridade do condenado e a necessária correlação entre os limites da sanctio júris imposta e seu efetivo cumprimento, evitando-se excesso ou desvio na execução. O processo de jurisdicionalização disposto no artigo 2º e detalhado em outros dispositivos da Lei de Execução Penal, afirma que as garantias jurídicas ao condenado não devem ser apenas aquelas que se relacionam com a lei que 33 regula a execução. Estende-se também ao magistrado, assegurando-se o controle jurisdicional sobre a execução penal. É necessário um juiz da execução penal, conforme os termos da Exposição de Motivos, do exercício de uma jurisdição especializada para definir o caráter complexo da execução que era considerada como de natureza administrativa. Por fim, o Princípio da proporcionalidade, caracteriza-se pela adequação do tipo penal à sanção aplicável nos casos concretos. As penas aplicadas, desproporcionalmente, refletem de maneira negativa numa possível ressocialização do condenado, e, não raro, encontramos penas verdadeiramente absurdas. A pena mal dosada enseja sempre reforma da sentença redundante de nulidade processual, que virá produzir, no futuro, a prescrição penal, o que reflete verdadeiro sentimento de impunidade (JACQUES, 2004). 4.3 Breve história da Pena Fazendo um caminho reverso, vejamos um pouco sobre a história da pena! A pena é conceituada como a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. Ela tem finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora. Retributiva por impor um mal ao violador da norma penal. Preventiva por visar evitar a prática de crimes. Ressocializadora por objetivar a sua readaptação social (DELMANTO, 2002). Não se tem uma data precisa da origem da punição dos crimes. Diversos autores indicam apenas que é “remota” ou que ocorreram “desde há muito tempo” (MONTEIRO, 2006, p. 17). A função da pena, ao longo da história, tem sido a vingança que apresentava a seguinte ordem: 1) vingança privada; 2) vingança divina; e, 3) vingança pública. Na Antiguidade e Período Medieval, a pena tinha um sentido sacral, ou seja, nesta época, os clérigos faltosos eram recolhidos em celas para pensar e se 34 arrepender do erro cometido. Estas celas ou mosteirossão os antecessores da pena de prisão e é daí que surge o nome “penitenciária”, que vem de penitência; observe-se que a diferença entre penitência e pena-criminal reside na moral, ou seja, a penitência pode ser cumprida pelo violador de sua própria moral, sem ninguém impor obrigatoriamente esta sanção, diferente da sanção ética, que é o castigo criminal em que, obrigatoriamente, necessita-se de pelo menos duas pessoas: o condenado e o agente sancionador (MONTEIRO, 2006). Na Idade Moderna, nas palavras de Maquiavel citado por Monteiro (2006), justificavam-se os castigos como forma de intimidação, para a segurança da sociedade e garantia do poder do soberano, concepção própria do absolutismo, que não visava outra finalidade da pena, a não ser a de incutir temor em nome da salvaguarda da monarquia absoluta. Embora tenham sido criadas prisões destinadas aos delitos menos graves, casas de correções para homens e para mulheres, e a doutrina da Igreja tenha registrado movimentos propondo reformas quanto ao trabalho dos presos, à higiene e regulamentação de visitas nos presídios, as penas principais nesta época, conforme evidencia Monteiro (2006), ainda eram as pecuniárias, corporais e capitais [...] Uma das penas largamente impostas nessa época foi a pena de galés, em que o condenado era acorrentado em um banco de um barco e obrigado a remar, sob ameaça de chicote. Monteiro (2006) ressalta, ainda, que a pena privativa de liberdade surge como uma alternativa às penas ferozes e como o principal veículo do processo de mitigação e racionalização das penas aplicadas à época. Um dos marcos da Época Contemporânea é a obra “Dos Delitos e das Penas”, de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria. Conforme a tese do Marquês de Beccaria (1738-1794), considerado o incentivador da Escola Clássica, era preferível prevenir os crimes a puni-los, visando também humanizar a justiça e as penas, com um processo que assegure ao réu a plena possibilidade de defesa, mas ao mesmo tempo célere, evitando-se 35 desta forma a angústia e o tormento que o processo pode ocasionar e a falta de interesse na aplicação da pena. Suas ideias influenciaram vários códigos do século XIX, como o de Napoleão e o da Baviera (JACQUES, 2004). Com o positivismo criminológico, surgido no final do século XIX, com base nos estudos de Darwin e Lamarke, a pena é apontada como medida de defesa social, conforme Fragoso (s.d. apud MONTEIRO, 2006), indicando-se os princípios básicos da Escola Positiva: 1) O crime é fenômeno natural e social, estando sujeito às influências do meio e aos múltiplos fatores que atuam sobre o comportamento, exigindo, portanto, o método experimental ou positivo para explicação de suas causas. 2) A responsabilidade penal é responsabilidade social, pois o homem vive em sociedade, tendo por base a periculosidade do agente. 3) A pena é exclusivamente medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou a sua neutralização, nos casos irrecuperáveis. 4) O criminoso é sempre psicologicamente um anormal, de forma temporária ou permanente, apresentando também muitas vezes defeitos físicos. 5) Os criminosos podem ser classificados em tipos (ocasionais, habituais, natos, passionais e enfermos da mente). A Escola Mista possibilitou a criação das medidas de segurança, o livramento condicional, entre outros. Diante da crise da pena retributiva, no final do século XIX, propõe-se a imposição de métodos corretivos durante a execução penal, não com o objetivo de castigar, mas com o de recuperar o delinquente e torná-lo útil à sociedade (MONTEIRO, 2006). 4.4 Da Pena Privativa de Liberdade (PPL) Segundo Jacques (2004), a pena privativa de liberdade retira do condenado o direito à liberdade. Restringe-a com maior ou menor intensidade, permanecendo em estabelecimento prisional conforme o regime determinado. Classificam-se as penas privativas de liberdade em reclusão e detenção, previstas e impostas na conformidade da gravidade do crime. 36 A pena de reclusão é cumprida em três regimes: fechado, semiaberto e aberto; à de detenção cabe dois regimes: semiaberto e aberto. (CP, art.33) Entende-se por regime, a maneira pela qual a pena privativa de liberdade e cumprida observando o grau ou a intensidade em que a liberdade de locomoção é atingida. O regime fechado é o de segurança máxima ou média, sendo que a execução neste regime é individualizada, resultante de exame criminológico de classificação, artigo 34 do CP, e Lei de Execução Penal, art. 5º. A classificação dos condenados é o requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas de liberdade e da medida de segurança detentiva. Constitui a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é o desdobramento do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais. A exigência dogmática da proporcionalidade da pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado. O regime semiaberto compreende a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar art. 33, § 1º, b do CP. Também ficará sujeito, o condenado, ao exame criminológico para a individualização, art. 35 do CP. O regime aberto é cumprido em casa do albergado ou similar, art. 33, § 1º, c do CP, caracterizando-se pela autodisciplina e responsabilidade do condenado, art. 36 do CP. Guarde... As espécies de pena privativa de liberdade (PPL) são reclusão para os crimes mais graves e detenção para os crimes de menor gravidade. A primeira poderá ser cumprida, inicialmente, nos regimes fechado, semiaberto ou aberto. A segunda não poderá ser cumprida no regime fechado, salvo se durante o cumprimento da pena o apenado cometer falta grave, o que poderá ocasionar a regressão de regime. Pode ser aplicada de forma isolada ou cumulada com a 37 PRD e ou com a pena de multa, no entanto, sempre será a pena principal (MANFROI, 2013). 4.5 Pena Restritiva de Direitos (PRD) São penas alternativas que visam à restrição de algum direito em vez da privação da liberdade. Não podem ser aplicadas de imediato, nem de forma cumulativa à pena privativa de liberdade (PPL). Somente podem ser aplicadas em substituição à PPL. Suas espécies são: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; e, limitação de final de semana. Esta pena possibilita a permanência do condenado junto a sua família, podendo trabalhar e/ou estudar. Como somente se recolhe ao estabelecimento penal nos finais de semana, terá menos contato com os detentos do regime fechado, fator que diminuirá a cultura da prisionalização e contribuirá intensamente para a ressocialização do condenado à sociedade (MANFROI, 2013). As novas modalidades de penas restritivas de direito, entendidas como novas fórmulas, são as demonstradas a seguir: a) Prestação pecuniária: Estabelece o § 1º, primeira parte, do art. 45 do CP: [...] § 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privativa com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. A finalidade da prestação pecuniária é reparar o dano causado pela infração penal, mas conforme entendimento de Bitencourt (2007), teria sido mais adequado e mais técnico defini-la como “multa reparatória”, já que é essa sua verdadeira natureza. b) Perda de bens e valores: Estádefinida no § 3º do art. 45 do CP: 38 Art. 45. (...) § 3º A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime. Observa-se que esta pena recai sobre o patrimônio do condenado em favor do Fundo Penitenciário Nacional. c) Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas: Nessa modalidade, verifica-se a possibilidade da pena substituída ser cumprida em menor tempo, conforme descreve o art. 46 do CP. Art. 46. (...) [...] aplicável às condenações superiores a seis meses de privação de liberdade. § 1º [...] consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2º [...] dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários e estatais. § 3º As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4º Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (artigo 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. Representa um ônus que se impõe ao condenado como consequência da prática da infração penal. d) Interdição temporária de direito: As penas de interdição temporária de direito estão definidas no art. 47 do Código Penal: 39 Art. 47. [...] I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV – proibição de frequentar determinados lugares. Aplica-se a primeira espécie nas hipóteses de crimes praticados no exercício do cargo, função ou atividade, violando os deveres que lhe são inerentes (art. 56 do CP), sendo indispensável que o delito praticado esteja diretamente relacionado com o mau uso do direito interditado, observando que a proibição é temporária. No caso da segunda espécie, sua aplicação também está condicionada à realização de fato criminoso relacionado com a violação de deveres, que são inerentes à profissão, atividade ou ofício que dependem de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público. Aplica-se também quando se tratar de delitos próprios como violação de segredo profissional (art. 154 do CP), omissão de notificação de doença (art. 269 do CP) e patrocínio infiel (art. 355 do CP). A suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo só pode ser aplicada nos crimes culposos de trânsito. A proibição de frequentar determinados lugares não pode recair sobre lugares indeterminados, conforme demonstra Cardoso (2004): [...] o juiz, ao substituir a pena privativa de liberdade por essa modalidade de pena, deve, necessariamente, estabelecer quais os lugares cuja visitação é vedada ao condenado, sendo certo que a definição desses locais deve guardar alguma pertinência com o crime que se visa punir, pois para justificar a proibição, é necessário que haja, pelo menos em tese, uma relação de influência criminógena com o local em que foram cometidas a infração penal e a personalidade e/ou conduta do apenado e que, por essa razão, se pretende proibir a frequência do infrator, beneficiário da alternativa à pena de prisão. 40 e) Limitação de fim de semana: Conforme art. 48 do CP e seu parágrafo único, a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, podendo ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas. f) Multa: Prevista no art. 44, § 2º do CP: Art. 44. [...] § 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. Observa-se quanto à multa substitutiva é que esta não pode ser convertida em privação de liberdade em face do que dispõe a Lei nº 9.268/96, que proibiu a conversão em prisão de multas não pagas (FRAXE, 2008). A pena de multa possui natureza pecuniária, pois consiste no pagamento ao Fundo Penitenciário Nacional (FPN), de uma quantia estipulada na sentença. Embora tenha natureza pecuniária, pelo fato de ser paga ao FPN, diferencia-se da prestação pecuniária, a qual é paga à vítima como forma de compensar ou amenizar o dano causado. Pode ser aplicada como pena principal, quando houver esta previsão no tipo penal ou em substituição à PPL, conforme preconiza o artigo 42, parágrafo 2º do Código Penal. Pode ainda, ser aplicada de forma isolada ou cumulada com uma PRD (MANFROI, 2013). g) Prestação de outra natureza: Prevista no art. 45, § 2º do Código Penal: “[...] a prestação pecuniária pode consistir em Prestação alternativa inominada”. Representa a possibilidade de o juiz, havendo aceitação do condenado, substituir a prestação pecuniária, que se cumpre com o pagamento de dinheiro à vítima, por “prestação de outra natureza”, e conforme Cardoso (2004), 41 sendo por isso uma pena substituta da pena já substituída (prestação pecuniária) e pode se traduzir na entrega de cestas básicas, remédios e outros objetos, sempre que houver, também, a concordância da vítima (CARDOSO, 2004). Muitos autores manifestam-se no sentido da inconstitucionalidade dessa pena, como Bitencourt (2006): [...] pena inominada é pena indeterminada, que viola o princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF e art. 1º do CP). Este princípio exige que preceito e sanção sejam claros, precisos, certos e determinados. 4.6 Funções da pena No Brasil, tanto a legislação penal, como a Constituição Federal, não definem de forma explícita quais são as funções da pena. O artigo 59/CP, embora não deixa claro, está se referindo às funções da pena, prevê que ela deve ser aplicada de forma necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, não fazendo nenhuma menção sobre reeducação ou ressocialização do apenado. Analisando o conceito de pena, é possível extrair também a função ressocializadora, como uma das três funções precípuas da pena. O que existem são diversas teorias sobre as funções da pena como instrumento do Estado na realização do controle social e na proteção dos bens juridicamente protegidos. Jacques (2004) discorre sobre duas funções mais conhecidas da pena, buscando identificar vantagens e pontos positivos, além de identificar defeitos e desvantagens de cada uma, visando formar opinião sobre qual forma de aplicação ou qual função é a que se demonstra mais eficiente. a) Função Retributiva Qualquer indivíduo que pratique ato contrário à lei deve receber do Estado uma resposta, uma punição em forma de sanção previamente estabelecida. A partir do momento que alguém se enquadra num tipo penal, surge para o Estado o direito/dever de sanção por meio de uma medida repressiva ou 42 punitiva (um castigo). A ideia é de punição mesmo, de que o castigo seja a forma de pagamento pelo mal praticado. Origina-se das chamadas teorias absolutistas, para as quais, a pena é justa em si mesmo, não havendo a necessidade de ter outro sentido, pois por meio do castigo ela compensa o mal causado e repara a moral do agente. A ordem violada pelo delito deve ser restabelecida, devendo
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