Buscar

2008-BetinaStefanelloLima

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 133 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 133 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 133 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB 
Instituto de Ciências Humanas – IH 
Departamento de História 
Programa de Pós-Graduação em História – PPGHIS 
 
 
 
 
 
 
 
Teto de Vidro ou Labirinto de Cristal? As Margens Femininas das 
Ciências 
 
 
 
 
 
 
 
 
Betina Stefanello Lima 
 
 
 
Brasília 
Julho/2008 
 
 
 
 
 
 
Teto de Vidro ou Labirinto de Cristal? As Margens Femininas das 
Ciências 
 
 
 
 
Betina Stefanello Lima 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade de Brasília 
como parte dos requisitos para a obtenção do título 
de Mestre, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Rita Laura 
Segato 
 
 
Banca Examinadora: 
Prof.ª Dr.ª Rita Laura Segato (Orientadora) 
Prof.ª Dr.ª Maria Margaret Lopes (IG/Universidade Estadual de Campinas) 
Prof.ª Dr.ª Ondina Pena Pereira (PSI/Universidade Católica de Brasília) 
 
Suplente: 
 Prof.ª Dr.ª Cristina Stevens (LIT/Universidade de Brasília) 
 
 
 
Brasília 
 2008 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedicatória 
 
Dedico esta pesquisa a todas as físicas entrevistadas sem as 
quais não poderia ter feito este trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
 
 
Este trabalho dedica-se à análise qualitativa dos mecanismos de inclusão subalterna das 
mulheres nas ciências, neste caso, as físicas. Esta reflexão é realizada a partir de dezenove 
entrevistas com físicas em variadas posições no Brasil, da participação no evento “Second 
Iupap Conference on Women in Physics” em 2005 e da experiência como analista em ciência 
e tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. A pesquisa 
foi orientada pelas teorias dos Estudos Feministas e de Gênero. As análises realizadas ao 
longo desta dissertação apontam para uma rede complexa de mecanismos que tem perpetuado 
a inclusão subalterna das mulheres no campo científico. 
 
 
Palavras-chave: gênero, ciências, físicas, ascensão profissional, mulheres, feminismos, 
carreira científica. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
This work provides a qualitative analysis of the mechanisms of women subaltern inclusion in 
Science, in this case, Physics. This study is based on nineteen interviews with female 
physicists working on different positions in Brazil, on their participation on the “Second 
IUPAP Conference on Women in Physics” in 2005, and on the experience of a Science and 
Technology Analyst of the National Council for Scientific and Technological Development 
(CNPq). This research was guided by the theories of Feminist and Gender Studies. The 
analysis performed during this work indicate a complex net of mechanisms that has 
perpetuated the subaltern inclusion of women on the scientific field. 
 
 
Keywords: gender and science, Physics, scientific career, feminism 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à vida por ter me deixado conquistar o direito de permanecer respirando, pensando, 
sofrendo, transformando, acreditando... Não que esta declaração seja um louvor à vida, a 
morte é também bem-vinda. 
Agradeço imensamente às pesquisadoras que me receberam e que me permitiram realizar esta 
pesquisa. Algumas delas, especialmente, por compartilharem suas vidas, suas dores, suas 
alegrias e seus dilemas. Sinto-me honrada pela confiança depositada em mim. 
Agradeço ao professor José Jorge de Carvalho por me incitar o gosto pela antropologia ainda 
nas aulas de introdução e incentivo para continuar. Agradeço ao professor José Bizerril e às 
professoras Ondina Pena e Tânia Mara Almeida por terem me possibilitado um caminho a ser 
trilhado no conhecimento durante a especialização de antropologia. A estas duas últimas 
professoras agradeço também o incentivo e encaminhamento ao mestrado e por terem me 
apresentado à Profa. Rita Segato. 
Agradeço a todas as pensadoras (professoras e colegas) a quem tive acesso durante o 
mestrado e que iluminaram esta dissertação de tantas formas que é difícil nominá-las. 
Agradeço à Profa. Diva Couto por suas perguntas e pensamentos temperados de uma 
sagacidade irônica única e também por toda sua confiança e apoio. 
Agradeço à Profa. Tânia Navarro-Swain pelos arrombamentos, nunca definitivos, das grades 
binárias do conhecimento. 
Agradeço à Profa. Cristina Stevens por apresentar os caminhos deliciosos da literatura 
feminista e da metaficção. 
Agradeço à Anette Maia por sua solidariedade infinita e seu saber, cirúrgico e poético cuja 
influência excedeu em muito a esfera acadêmica. 
Agradeço à Profa. Rita Segato por ser uma fonte constante de inspiração e por acreditar em 
mim quando muitas vezes eu mesma duvidava. 
Agradeço à Profa. Ondina Pena pelo seu constante apoio e por suas sugestões ao longo do 
trabalho. 
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico por ter apostado no meu 
projeto, em suas diversas contribuições, cito algumas: Zenilda Pereira por seu 
profissionalismo e empenho as questões referentes à minha licença capacitação sem a qual 
não seria possível realizar esta dissertação; Lourdes Queirós por seu incentivo e incessante 
apoio; ao Prof. José Roberto Drugowich pela confiança depositada no meu trabalho. Agradeço 
especialmente a duas pessoas maravilhosas que me acolheram no Programa Mulher e Ciência 
e se tornaram exemplos em minha vida: Sônia Malheiros e Isabel Tavares. 
Agradeço à Profa. Margaret Lopes por me apresentar os caminhos que a discussão na área de 
gênero e ciência têm tomado. 
Agradeço ao Marcos por seu companheirismo e bom humor essenciais ao clima, por vezes, 
tenso e solitário da construção de um saber teórico. 
Agradeço aos meus pais por apoiarem minhas escolhas ainda que não concordem com elas. 
Agradeço a toda(o)s amigas e amigos por me apoiarem de diferentes formas, mesmo que 
tenha sido para me tirar do foco apenas da dissertação: Linda, Bárbara, Leonardo, Liz, Alinne, 
Denise, Fernanda, Marjorie, Célia, Antônia Cristina, Magali, Dani, Flávia, Ivan, Clotilde, 
Karin, Sandra, Ellen, Claudia, Julianas, Caetano, Giordana e Tana.. Á toda(o)s estes que 
representam as estrelas do meu céu, luzes que dão sentidos a este meu caminho nem sempre 
claro. Agradeço à tate pela leitura atenta e revisão final. 
 
 
 
 
 
Índice 
 
SEJAM BEM-VINDA(O)S: A CASA É NOSSA!? ................................................................7 
Caminhos da Pesquisa ........................................................................................................................ 9 
No meio do caminho existia um tema............................................................................................... 14 
Enquanto Pesquisadora Feminista .................................................................................................... 15 
Roteiro para a Leitura ....................................................................................................................... 17 
CAPÍTULO 1 ..........................................................................................................................19 
Gênero nas Ciências 19 
Ciência: Uma Prática Androcêntrica................................................................................................. 20 
Ciência: Um saber Androcêntrico..................................................................................................... 26 
Outra Ciência .................................................................................................................................... 29 
Um Conto para a História ................................................................................................................. 39 
Outra Física....................................................................................................................................... 43 
CAPÍTULO 2 ..........................................................................................................................46 
Entre Inteligências Descorporificadas e Super-Mulheres:O Drible da Dor
 46 
CAPÍTULO 3 ..........................................................................................................................56 
Violências de Gênero nas Ciências 56 
Sexismo Automático ......................................................................................................................... 59 
Sexismo Instrumental ....................................................................................................................... 67 
CAPÍTULO 4 ..........................................................................................................................72 
Na Contramão dos Discursos: entre “Ser Mulher” e “Ser Cientista” 72 
Casamento e Ciência em Laços e Nós .............................................................................................. 77 
Maternidade: A Realização ............................................................................................................... 85 
Formas de Agir em Conflito ............................................................................................................. 91 
Trajar-se: Do Ultraje à Armadura ................................................................................................... 100 
Política e Ciência ............................................................................................................................ 106 
QUE SEJA UM PONTO, MAS NÃO FINAL.................................................................... 119 
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................123 
ANEXOS ...............................................................................................................................128 
 
 
 7 
 
Sejam Bem-vinda(o)s1: A Casa é Nossa!? 
Admite-se que a mulher estude física, admite-se que ela faça 
doutorado, admite-se que ela esteja por aí fazendo serviços, mas o 
que dificilmente se admite é que ela realmente alcance postos mais 
elevados na carreira. Para verificar isso basta olhar. É muito difícil, e 
não é difícil porque as mulheres não têm competência, é difícil porque 
realmente é dificultado ao máximo e porque talvez nem todas são tão 
ambiciosas, tão decididas como eu fui. 
Joanna 
 
O meu tema de pesquisa e inquietação se refere à lenta e escassa ascensão das 
cientistas nas carreiras em ciências em seu amplo sentido. Nesta dissertação, analiso as 
dificuldades relatadas pelas físicas referentes à carreira científica2. É importante perceber que 
mesmo em áreas científicas constituídas tipicamente enquanto femininas, por exemplo, 
nutrição, as pesquisadoras não se encontram no plural em posições de destaque. A princípio, 
as posições de destaque seriam conseqüências de uma carreira de sucesso. O ápice do sucesso 
de um(a) cientista pode ser caracterizado por grandes descobertas ou brilhantes teorias que 
tragam novos caminhos ou resoluções de problemas, modelos de ampla utilização. Entretanto, 
como mensurar isso? Em tese, as(os) cientistas com este perfil seriam reconhecida(o)s e 
agraciado(a)s com prêmios e com as melhores bolsas, estariam como líderes de grupo de 
pesquisa, ocupariam as posições de titular em suas instituições, estariam nas Academias de 
Ciências de seus países, dentre outras distinções. Considerar que grandes nomes da ciência, 
em especial os de mulheres, não foram reconhecidos e, muitas vezes, elas foram banidas de 
seus meios, induz a pensar que são variáveis complexas as que determinam quem recebe os 
frutos institucionais de uma carreira científica de sucesso. Para fins metodológicos, considero 
 
1 É complicado encontrar uma forma de escrever que escape do formato sexista e androcêntrico da 
linguagem. Um modo de expressão em que o feminino é, de maneira geral, invisibilizado pelo plural 
masculino (exemplo: os cientistas). Inicialmente pensei em escrever conforme sugestão de um colega, 
Felipe Areda, com o x (exemplo: xs cientistas) como forma de utilizar uma linguagem menos sexista, 
uma possibilidade de sair do cunho binário e androcêntrico do dito que se faz real. No entanto, esta 
forma foi esteticamente questionada e considerada pouco palatável, ou seja, de difícil leitura. Assim, 
escolhi escrever fazendo, sempre que necessário, a menção dupla do feminino e do masculino 
(exemplo: a(o)s cientistas). Contudo, decidi por alternar as vogais entre parênteses e a ordem em que 
estas aparecem. Esta forma de escrever, ainda que seja de cunho binário e sexista, confunde, pelo 
menos, a ordem de inclusão e subverte o referente. 
2 Farei o esforço para sair da grade binária na qual somos compelida(o)s a aprisionar o pensamento, 
portanto, não utilizarei a divisão, muito questionável, entre ciências “hard” e “soft”. Sobre esta 
metáfora de separação das ciências “duras” e “moles”, que nitidamente remete à experiência sexual 
masculina, Pauline Bart (citada no trabalho de Ângela Lima e Souza, 2002) sugere a substituição por 
“secas” e “molhadas”. 
 8 
 
como um dos parâmetros para definir uma “posição de destaque” o recebimento das bolsas de 
Produtividade em Pesquisa3 nos mais altos níveis (1A e 1B) do Conselho Nacional de 
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, sem deixar, contudo, de buscar entender 
quais variáveis estão implicadas neste processo. 
A exclusão das mulheres da ciência foi mapeada de duas formas: a horizontal ou 
territorial, que trata da divisão de áreas do conhecimento caracterizadas em femininas ou 
masculinas nas ciências, e a vertical ou hierárquica, que se refere à exclusão das mulheres do 
topo da carreira científica, fenômeno também chamado “teto de vidro4”. Na exclusão 
horizontal, percebe-se o maior número de mulheres em áreas construídas como de menor 
prestígio. Na exclusão vertical, o “teto de vidro” é utilizado como metáfora ao se referir à 
invisibilidade das barreiras5 que dificultam e impedem a ascensão das mulheres na carreira. 
Sandra Harding (1996:56), ao se referir à exclusão das mulheres nas ciências, conclui que “A 
segregação vertical e a horizontal se combinam para garantir a perpetuação desta situação”. 
O principal foco desta pesquisa se refere ao “teto de vidro”. Quais são as barreiras 
encontradas no “teto de vidro”? Como atuam estas barreiras? Quais as estratégias encontradas 
para superá-lo? Quais os custos desta superação? Também me interessa problematizar a 
atuação das pesquisadoras enquanto constituídas nas suas experiências diversas, como 
mulheres. Sua inserção no campo de pesquisa contribui com um outro modo de fazer ciência? 
Fazer ciência se conjuga no feminino e no plural? 
Focar o olhar nas mulheres parece, para muito(a)s, em especial para o(a)s não-
estudioso(a)s ou não-familiarizado(a)s com o tema, descabido. Falar em feminismo, então, 
tem um tom anacrônico ou parece fora de lugar. No discurso veiculado principalmente pela 
mídia, as mulheres já chegaram à tão desejada igualdade e não têm mais do que reclamar. As 
oportunidades estão dadas. Muito é divulgado sobre a igualdade já alcançada entre os sexos, 
por exemplo, em citações sobre já sermos maioria nos cursos superiores e na pós-graduação6, 
mas pouco se fala da baixa representatividade feminina em “posições de destaque” na carreira 
 
3 Estas bolsas são destinadas segundo a definição disponível na página do órgão: “Distinguir o 
pesquisador, valorizando sua produção científica segundo critérios normativos, estabelecidos pelo 
CNPq, e específicos, pelos Comitês de Assessoramento – CAs do CNPq.” A bolsa, em seus diferentes 
níveis, representa status e recursos para a pesquisa. 
4 Londa Schiebinger (2001: 76-80) utiliza as expressões de Margaret Rossiter: segregação hierárquica 
e segregação territorial para vertical e horizontal. Ela somou a estas duas segregações a segregação 
institucional em que cita Harriet Zuckerman: “quantomais prestigiosa uma instituição, mais as 
mulheres demoram para ser promovidas.” Schiebinger também explica o conceito “teto de vidro”. 
5 Estas barreiras são tidas como invisíveis uma vez que não são obstáculos formais. 
6 Consta nas estatísticas divulgadas pelo Diretório de Pesquisa do CNPq que, em 2004, no doutorado, 
a distribuição por sexo era masculino: 7.836 e feminino: 8.750. 
 9 
 
científica. Conforme apresentam as autoras Marta Garcia e Eulália Sedeño (2006) a 
participação das mulheres nas ciências se encontra, mundialmente, em torno de 30%, e em 
altos postos estima-se que em torno de 5 a 10%. Esta taxa ainda é menor nas áreas 
consideradas masculinas. Conforme apresento no Anexo IV, o percentual de mulheres 
bolsistas de Produtividade em Pesquisa (PQ) nível 1A tem a pequena variação não-
progressiva, nos anos de 2001 a 2006, de 22% a 24%. Na área da física há quatro bolsistas 
mulheres PQ-1A para um total de 68 bolsas neste nível em vigência7. 
Já ouvi que esta ascensão é uma questão de tempo... Quanto tempo? Será que esse 
sistema funciona de forma tão linear assim? Será que por elas terem “igualmente” o título de 
doutorado, tido como passaporte para a carreira científica, chegarão ao topo da carreira? Será 
o campo científico, assim, sistematicamente diferente do político, no qual para as mulheres 
serem eleitas, basta, nos termos formais, o título de eleitor(a) e sua filiação partidária? A 
eliminação de barreiras formais é suficiente para garantir as condições de inclusão plena das 
mulheres nas ciências? O que as exclui ou as inclui subalternamente? Quais são estes 
mecanismos? 
 
Caminhos da Pesquisa 
 
 Este trabalho é feito pelas vozes das físicas entrevistadas, nos sentidos que tomaram 
pela minha interpretação e do que pude fazer emergir destes discursos. São falas localizadas 
de pesquisadoras de hoje, na física, no Brasil, de diferentes regiões: Sul, Nordeste, Centro-
Oeste e Sudeste, a maioria do estado de São Paulo. Doze das dezenove entrevistadas são do 
estado de São Paulo, alocadas em diferentes instituições. São pesquisadoras de diferentes 
estágios na carreira, inclusive, duas aposentadas e uma estudante de doutorado. A maioria que 
entrevistei possui bolsa de Produtividade em Pesquisa em todos os diversos níveis: 1A, 1B, 
1C, 1D, 2. São mulheres de diferentes idades, origens, classes sociais, linhas de pesquisa, 
posições na carreira. Entrevistei apenas uma pesquisadora negra, ainda em início de carreira. 
 Costuro uma colcha de retalhos com os recortes que obtive sobre suas vidas enquanto 
mulheres e cientistas. Não há um fio que as amarre previamente. Tramo os depoimentos com 
o discurso das teorias de gênero e feministas. Costuro as falas sobre suas experiências 
 
7 Dado consultado em 28/01/2008 em 
<http://plsql1.cnpq.br/divulg/RESULTADO_PQ_102003.prc_comp_cmt_links?V_COD_DEMANDA
 10 
 
próprias de um feminino que não é único. Assim, não assumo que a categoria mulher ou que a 
categoria cientista tenham um sentido único, mas uma complexa rede de características na 
qual variados elementos dessa rede estão presentes em diferentes casos. Segundo sugerido por 
Linda Nicholson (2000:35), utilizo a metáfora de uma tapeçaria: “que adquire unidade através 
da sobreposição dos fios coloridos, mas na qual nenhuma cor em particular pode ser 
encontrada.” 
Conforme a perspectiva de Joan Scott (1999), assumo o conceito de experiência 
enquanto mais representativa de uma posição do que de uma essência. Experiências que 
constituem sujeito(a)s, no caso as físicas, e que são também constituídas por elas, porém não 
de forma aleatória, e sim nas formas disponíveis no social, no cultural, no histórico, na 
linguagem. Como a própria autora expressa: 
Ser um sujeito significa estar “sujeitado a condições de existência 
definidas, condições de designação de agentes e condições de 
exercício”. Essas condições possibilitam escolhas, apesar de não 
serem ilimitadas. Sujeitos são constituídos discursivamente, a 
experiência é um evento lingüístico (não acontece fora dos 
significados). Já que o discurso é, por definição, compartilhado, a 
experiência é coletiva assim como individual. Experiência é uma 
história do sujeito. A linguagem é o local onde a história é encenada. 
(Scott, 1999:42) 
 
Costuro uma versão possível de histórias do presente com as ferramentas, melhor 
dizendo, com as agulhas que aprendi a manejar neste momento da minha própria trajetória. 
Infelizmente, na história que costuro, minhas cientistas não serão visibilizadas8. Escolhi não 
identificá-las, pois o comprometimento de anonimato permitiu que me contassem fatos de 
suas vidas que possivelmente não teriam sido relatados. Em alguns casos, o anonimato foi 
crucial para que pudessem aceitar o meu convite para a entrevista. Assim, muitos detalhes 
tiveram que ser ocultados e muito do que ouvi também teve que ser calado a fim de que 
tivessem sua identidade preservada. Muitas informações relevantes terão que ser omitidas 
como, por exemplo, o estado ou a instituição à qual são vinculadas. Esta atitude parte da 
percepção de que a comunidade das mulheres na física é relativamente pouco numerosa e, 
logo, estes dados já seriam suficientes para identificar as fontes das falas. 
Escolhi seus pseudônimos segundo os nomes de pesquisadoras destacados no livro 
 
=200310&V_TPO_RESULT=CURSO&V_COD_AREA_CONHEC=10500006&V_COD_CMT_ASS
ESSOR=FA> 
8 Afinal, a visibilização das mulheres nas ciências é também um foco importante dos estudos de 
gênero e ciência. 
 11 
 
“Pioneiras da Ciência no Brasil”, de Hildete Pereira de Melo e Ligia M C S Rodrigues. Trata-
se de uma estratégia de visibilização da história das mulheres na ciência. As cientistas cujos 
primeiros nomes utilizarei para substituir os das minhas entrevistadas são: Johanna 
Döbereiner (agronomia), Elza Furtado Gomide (matemática), Neusa Amato (física), Carolina 
Martuscelli Bori (psicologia), Bertha Lutz (biologia), Eulália Maria Lahmeyer Lobo 
(história), Nise da Silveira (psiquiatria), Ruth Sontag Nussenzveig (biologia), Marília Chaves 
Peixoto (matemática), Maria da Conceição de Almeida Tavares (economia), Victória Rossetti 
(agronomia), Elisa Frota-Pessoa (física), Marta Vanucci (biologia), Graziela Maciel Barroso 
(Botânica), Alice Piffer Canabrava (história), Maria Josephina Matilde Durocher (obstetrícia), 
Blanka Wladislaw (química), Maria José von Paugartten Deanne (parasitologia), Sonja 
Ashauer (física). 
 Pretendo deixar, ao longo dos capítulos, suas vozes – ainda que editadas9 – para que 
outra(o)s tomem seus próprios rumos e possam ir além da minha análise. 
Destaco que apenas duas entrevistadas têm alguma aproximação com a discussão 
temática sobre gênero e têm expressado publicamente esta posição. As demais são 
perfeitamente representativas do universo amplo das mulheres atuantes no campo da física. 
Muitos relatos apresentados nesta dissertação se aproximam de outros que obtive ao longo do 
trabalho com pesquisadoras de diversas áreas durante a especialização. Os depoimentos das 
físicas também dialogam com outras falas expostas nos trabalhos, por exemplo, de Carla 
Cabral (2006) sobre as trajetórias acadêmicas das engenheiras da Universidade Federal de 
Santa Catarina e Nádia Lima et alli (2003) sobre as experiências de cientistas de diversas 
áreas na Universidade Federal de Alagoas - UFAL e na Universidade Federal Rural de 
Pernambuco - UFRPE. 
Escolhi a área da física como campo de pesquisa por ser uma área majoritariamente 
masculina onde, provavelmente, os mecanismos operados pelo gênero estão mais nitidamente 
expostos. Também por terem sido algumas físicas as organizadoras das primeiras conferências 
sobre o assunto no Brasil: “Congresso Mulheres Latino-Americanasnas Ciências Exatas e da 
Vida” em 2004 e “Second Iupap Conference on Women in Physics” em 2005. Tive a 
oportunidade de participar deste último evento enquanto pesquisadora. 
Esta pesquisa está pautada na análise das dezenove entrevistas que realizei com 
pesquisadoras em física e na observação do Congresso Internacional Second Iupap 
Conference on Women in Physics em 2005, realizado no Rio de Janeiro. Essa observação teve 
 
9 As falas foram editadas apenas com o objetivo de torná-las de fácil compreensão. 
 12 
 
lugar quando ainda era estudante de especialização em Antropologia da Universidade Católica 
de Brasília, deste trabalho de campo saíram muitas impressões, posteriormente consideradas e 
elaboradas ao longo do mestrado em Estudos Feministas e de Gênero e desta dissertação. 
 A série de conferências sobre o tema de mulheres na física é resultado de uma 
iniciativa da International Union of Pure and Applied Physics – IUPAP. Em 1999, esta 
organização, preocupada com a sub-representação das mulheres na física em muitos países, 
formou um grupo de trabalho. Este grupo realizou a primeira conferência sobre mulheres na 
física em 2002, em Paris. Participei da segunda conferência realizada 2005, no Rio. Em 
outubro de 2008, a Coréia será sede da terceira conferência. 
A primeira conferência contou com mais de 300 participantes com o objetivo de 
discutir barreiras locais, dividir histórias de sucesso e propor estratégias de aumento da 
participação das mulheres na física10. A segunda conferência foi elaborada com o mesmo 
intuito da primeira, além de propor pensar os progressos feitos desde o último encontro. A 
conferência foi realizada em quatro tipos de eventos: palestras, mesas redondas, grupos de 
discussão e apresentação de pôsteres. A programação pode ser consultada no anexo III. Os 
tópicos temáticos tratados nos grupos de trabalhos são sobre estratégias para: 1) atrair 
meninas para a física; 2) ter sucesso na carreira; 3) ter mulheres em posição de liderança em 
âmbito nacional e internacional; 4) melhorar a estrutura institucional e o ambiente das 
mulheres na física; 5) aprender com as diferenças regionais e entre países, e 6) conciliar 
família e trabalho. As participantes se inscreviam em apenas dois dos grupos, no entanto, 
resolvi participar um pouco em cada um dos grupos como parte da minha estratégia de 
observação participante. Ao final da conferência foi apresentado um resumo do que foi 
discutido em cada um dos grupos. 
Consegui duas entrevistas formais, gravadas no local da conferência. As outras 
entrevistas foram somente anotadas e não foram contabilizadas nesta pesquisa, ou seja, não 
estão entre as dezenove apontadas na dissertação. Apesar de não terem sido sistematicamente 
contabilizadas, os resultados das entrevistas anotadas foram incorporados a este trabalho. A 
maior parte das minhas observações foi feita a partir do que ouvi nos grupos de discussão e na 
conversa informal, seja em grupos no momento da refeição, seja nos percursos de ônibus. 
Apresentei-me como pesquisadora do assunto e funcionária do CNPq. Minha presença e 
minhas perguntas direcionaram para que grande parte dos assuntos tratados fosse sobre as 
dificuldades encontradas na carreira de física por serem mulheres. Considero ter sido 
 
10 O resumo histórico da conferência pode ser acessado em <http://www.cbpf.br/~women-physics/> 
 13 
 
relevante o fato de eu ter me apresentado também como funcionária do CNPq, um dos órgãos 
federais mais importantes de financiamento de pesquisa e formação acadêmica. 
No trabalho de campo feito durante o mestrado realizei dezesseis entrevistas formais, 
todas gravadas. Apenas uma entrevista não pôde ser gravada, já que não foi previamente 
marcada. Utilizei um roteiro semi-estruturado de perguntas nas entrevistas que poderá ser 
consultado no anexo II. Este roteiro foi elaborado com perguntas tais como: Como foi sua 
escolha pela física? Já pensou em desistir da carreira? Teve dificuldades especificamente por 
ser mulher? Estas perguntas foram elaboradas para orientar a entrevistada a construir o seu 
discurso sobre sua história de vida enquanto cientista e mulher. É importante pontuar que 
cada entrevistada aprofundou temas diferentes conforme suas experiências: para umas a 
maternidade, para outras a luta política, entre outros. A duração das entrevistas variou de 
trinta minutos a aproximadamente 140 minutos. Somente uma entrevista foi realizada em dois 
encontros. A maior parte das entrevistas foi feita no local de trabalho das pesquisadoras, em 
suas salas ou laboratórios. Uma entrevista foi realizada na residência da cientista e outras três 
foram feitas no decorrer de eventos11. 
Após a transcrição das entrevistas, agrupei em tópicos suas variadas falas em temas 
recorrentes como maternidade, topo da carreira, assédio sexual, agressividade na carreira, e 
assim sucessivamente. Li e reli o conteúdo de cada um dos tópicos até que pudesse reagrupá-
los em capítulos temáticos, analisados segundo as teorias feministas e de gênero. Obviamente, 
não pude tratar nesta dissertação de toda a riqueza e multiplicidade do mundo que me foi 
apresentado pelas físicas, portanto, escolhi alguns elementos para analisar. 
Esta dissertação também foi elaborada segundo as observações advindas das 
experiências enquanto analista em ciência e tecnologia no CNPq e expostas como relatos 
etnográficos. 
Conforme propõem as autoras Maria Margaret Lopes e Maria Conceição Tavares 
(2005:83): “no caso das discussões sobre gênero em ciências, se não se trata mais apenas de 
darmos a nossa versão ao ‘Why so few?’, como muitas continuam fazendo, cabe agora maior 
engajamento nas discussões internacionais dessa década, problematizando nossas versões do 
‘Why so slow inside sciences?’, acrescentando, ainda, nossas próprias especificidades de “por 
que a morosidade da inserção das ciências nos estudos de gênero?” 
Os tópicos escolhidos pretendem abordar aspectos destas perguntas: por que tão 
poucas cientistas? Por que tão devagar na ascensão da carreira científica? Que diferença faria 
 14 
 
a atuação das mulheres nas ciências? São as três perguntas que guiam minha pesquisa e que 
permeiam os textos produzidos pelas estudiosas do tema. São perguntas inseparáveis e busco 
possibilidades de entendimento, principalmente, para as duas primeiras questões. 
 
No meio do caminho existia um tema... 
 
A escolha do tema não foi aleatória, a atuação das mulheres cientistas tornou-se uma 
inquietação a partir de algumas experiências. Apresento alguns marcos desta trajetória. As 
desigualdades sociais (raciais, de classe, de sexo...) desde muito cedo me inquietaram; no 
entanto, as desigualdades decorridas de sexo, em um corpo construído no feminino, afetaram-
me mais concretamente: na família, na escola, no trabalho, no ambiente social em que existo. 
Foi inicialmente no curso de especialização em Antropologia e Mundos Contemporâneos, da 
Universidade Católica de Brasília, em 2004, que estas experiências tomaram um sentido mais 
amplo e teórico pelas lentes das relações de gênero. 
A partir deste referencial teórico, as evidências da desigualdade de gênero se 
concretizaram também no campo profissional, no desempenho das atividades enquanto 
analista em ciência e tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e 
Tecnológico-CNPq, na área da matemática. Desigualdades de gênero observadas no sistema 
científico, como por exemplo, na interação durante quatro anos com um comitê de 
assessores12 formado unicamente por pesquisadores homens, e também na estrutura 
hierárquica do quadro de funcionário(a)s do órgão, onde as mulheres estão em cargos de 
confiança menos remunerados e de menor responsabilidade. 
Também fui impelida ao tema pela divulgada declaração do reitor da Universidade deHarvard, Lawrence H. Summers, em 2005, em uma conferência do Centro Nacional de 
Pesquisa Econômica intitulada “Diversificando a Ciência e a Engenharia de Trabalho: 
Mulheres, Minorias Subvalorizadas e suas Carreiras em Ciência e Engenharia”, em que ele 
afirmou que a explicação para o menor número de mulheres nos campos das Ciências Exatas 
 
11 Como dito anteriormente, duas entrevistas foram realizadas no Second Iupap Conference on Women 
in Physics. 
12 O Comitê de Assessores é formado por representantes de áreas do conhecimento e tem a atribuição 
de analisar e julgar os pedidos de bolsas e recursos encaminhados ao CNPq. 
 15 
 
deveria ser atribuída a diferenças inatas entre os sexos. 
Já interessada pelo tema, participei do Grupo Interministerial “Mulher e Ciência” 
formado pela Secretaria Especial de Políticas Públicas, CNPq, Ministério da Educação, 
Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros parceiros. Além das discussões estimulantes, 
fiquei impressionada com os dados apresentados por Isabel Tavares, analista em Ciência e 
Tecnologia do CNPq, que podem ser verificados nos gráficos do anexo I. 
 
Enquanto Pesquisadora Feminista 
 
Entendo que pesquisar e (re)produzir conhecimento, na perspectiva feminista, é se 
permitir escrever o texto na primeira pessoa, é tornar visível minha responsabilidade e 
comprometimento com o tema, é tomar posição e apresentá-la, é permitir ser concreta(o), 
comum e local. 
Adoto a perspectiva de Donna Haraway (1995) na construção de saberes localizados, 
ou seja, saberes posicionados, que recusam o descomprometimento do incorpóreo, que 
assumem sua visão parcial e que permitem, ao tornarem-se parte do que estudam, 
desenvolverem uma relação interativa entre sujeitos. Assim, abandono a relação binária de 
apropriação sujeito/objeto13. 
Estar nos estudos feministas é questionar freqüentemente os termos dos discursos que 
circulam e concretizam o mundo. É pelo menos suspeitar do feminino conjugado no passivo, 
do sujeito oculto feminino, da impossibilidade de plural feminino nas esferas de poder, do 
feminino como objeto, do feminino citado precedido de palavras como “apesar”... É se 
constituir no discurso e ao mesmo tempo desnaturalizá-lo, desconstituir-se. É encontrar os 
lugares que são contra-lugares. É escapar para uma heterotopia e encontrar lugares de 
(re)criação (Tânia Swain, 2003). 
Assim, empreender uma pesquisa em estudos feministas passa necessariamente por 
questionar os pressupostos da ciência conhecidamente androcêntricos da universalidade, 
neutralidade e objetividade. Valores que, apesar de sua política de não-localização e 
descomprometimento, incorporam o homem, branco, heterossexual, eurocêntrico, capitalista, 
 
13 Esta abordagem será melhor discutida no capítulo 1. 
 16 
 
patriarcal, falocêntrico como sujeito do conhecimento. 
Assumo uma perspectiva pós-moderna, apresentada por Jane Flax (1991), no sentido 
de questionar as crenças fundadas na razão iluminista: 1) a existência de eu estável e coerente; 
2) o conhecimento científico como objetivo, seguro e universal; 3) o conhecimento como 
tradução da realidade; 4) a razão como transcendental e universal; 5) a conexão simples entre 
razão, autonomia e liberdade; 6) a ciência como neutra e necessariamente benéfica; 7) a 
linguagem como transparência. 
Também compreendo o pós-modernismo, conforme delineado por Linda Hutcheon 
(1998), enquanto fenômeno contraditório, múltiplo, permeado pela desconstrução, desafiador 
das instituições, que evoca um passado para uma reelaboração crítica, destituidor de 
fronteiras, desessencializador, de certezas áridas e movediças. 
Identifico-me com as perspectivas pós-identitárias e mesmo pós-modernas na tentativa 
de tornar mais escorregadias as grades mentais em que aprisionamos o mundo. A constante 
recusa de um lugar singular e idêntico, comumente pautado por um sistema binário e 
hierarquizado, provavelmente possibilite a formação de grades mentais mais fluídas e 
libertárias. Grades mentais sim, pois assumo que o pensamento, ainda que subversivo, é 
constituído nos limites do imaginário14 social, amplo e diversificado, de caráter histórico e 
sociocultural. Entretanto, a constituição de identidade ainda é, para mim, estratégia política. A 
obtenção de direitos, por exemplo, passa por essa amarração identitária. E ainda que 
recusemos os lugares, tão fechados e rígidos, a nós destinados, nossa sociedade ainda 
funciona por meio deles. 
Por mais que eu questione ser definida por um detalhe anatômico ainda estou imersa e 
fui constituída por uma sociedade que se pauta nesta diferença. Por mais que problematize 
essa pauta, por exemplo: no preenchimento do meu currículo Lattes será socialmente 
necessário que eu assinale “feminino”. Paradoxalmente, foi esta invenção binária e 
hierárquica, reflexo de práticas discursivas e não-discursivas de hierarquia, que me permitiu 
observar a pouca representatividade das mulheres em posições de destaque e formular meu 
projeto de pesquisa. 
Penso que, por mais opostas que possam parecer, as estratégias pós-identitárias e 
 
14 O imaginário não significa deformação do real, é entendido aqui como forma de apreensão, 
concretização, constituição do real (Bazco, 1985). Ou ainda, a relação do real e do imaginário não é 
dicotômica, como também enfatiza Tânia Swain (1996: 56): “o imaginário e o real não são como 
opostos, mas como dimensões formadoras do social, em um processo atualizador imbricado; 
imaginário e real não se distinguem, senão arbitrariamente.” 
 
 17 
 
identitárias não são excludentes. Ambas estratégias têm seu lugar em uma luta que deverá ser 
travada em várias frentes. Acredito que posições identitárias são bem-vindas para fazer 
reivindicações pontuais, e para a reflexão sobre as amarras representacionais e seus resultados 
concretos, no presente. Considero as posições pós-identitárias como lugar principal da 
desnaturalização do passado e formulação de novas configurações do futuro, como discursos 
que emergem e se consolidam contra o discurso “hegemônico”. 
Neste prisma, me aproximo da afirmação de Linda Nicholson (2000: 38): “Talvez seja 
hora de assumirmos explicitamente que nossas propostas sobre as ‘mulheres’ não são 
baseadas numa realidade qualquer, mas que elas surgem de nossos lugares na história e na 
cultura; são atos políticos que refletem os contextos dos quais nós emergimos e os futuros que 
gostaríamos de ver.” 
 
Roteiro para a Leitura 
 
No primeiro capítulo, discuto os principais marcos teóricos que pontuam o debate 
sobre gênero e ciências. A ciência é estruturada em pilares androcêntricos, ou seja, os 
requisitos considerados para produzir conhecimentos científicos legítimos obedecem a um 
formato masculino. O feminino, construído como oposto, parcial e menor que o masculino, é 
excluído da lógica das ciências, à qual se atribui generalidade e masculinidade. Esta lógica 
perversa resulta em saberes científicos sexistas que corroboram com a marginalização das 
mulheres nas ciências. Assim, o feminismo acadêmico é apontado como uma possibilidade de 
construção de outras ciências. 
No segundo capítulo, busco entender as manobras utilizadas pelas cientistas para não 
se identificarem com este lugar de dor e violência constitutiva do pertencimento ao sexo 
feminino em uma sociedade patriarcal. Entendo que estas manobras são possíveis segundo a 
articulação com representações sociais mais amplas como a definição de ciência e de 
cientista. 
No terceiro capítulo, analiso as diferentes violências relatadas pelas físicas em seu 
percurso acadêmico segundo a perspectiva teórica de gênero e feminista. 
 18 
 
No quarto capítulo,analiso os temas abordados de forma recorrente nas entrevistas e 
destaco nestas falas que os atributos do perfil de um(a) cientista se contrapõem ao que é 
considerado positivo para feminilidade. 
 19 
 
 
Capítulo 1 
Gênero nas Ciências 
Neste capítulo, apresento os principais marcos teóricos que pautam a discussão de 
gênero nas ciências. A expressão “gênero e ciências”, segundo Margaret Lopes (2006), foi 
utilizada pela primeira vez em 1978 como título de um artigo de Evelyn Fox Keller, a respeito 
de objetividade. Margaret Lopes (2006) apresenta as três linhas de pesquisa posteriormente 
formadas no âmbito da temática “gênero e ciências” citadas por Keller: mulheres na ciência, 
construções científicas de gênero e influência do gênero nas construções históricas da 
ciência. Esta dissertação se insere principalmente na primeira linha sem, contudo, deixar de 
abordar questões referentes às últimas duas. Portanto, proponho analisar a atuação das 
mulheres físicas com enfoque nas dificuldades relatadas para ascensão na carreira, 
entendendo que estas dificuldades são produzidas pelo patriarcado15 estruturante tanto do 
sistema científico quanto da sociedade, em seu sentido amplo. 
Assim, a análise sobre a inclusão, atuação e ascensão das mulheres na carreira 
científica implica em um questionamento sobre a cultura hegemônica das ciências. Trata-se de 
compreender que a ciência é centrada em valores masculinos e o quanto este padrão 
androcêntrico16 restringe a participação das cientistas. A limitada atuação das mulheres nas 
ciências é percebida pelo pequeno número de pesquisadoras em posições de destaque na 
carreira científica e pelo quanto seus saberes e práticas são invisibilizados pela história. A 
 
15 Utilizo o termo patriarcado para me reportar a um sistema diversificado de opressão às mulheres. 
Conforme afirma Carole Pateman (1993: 18): “a sociedade civil moderna não está estruturada no 
parentesco e no poder dos pais, no mundo moderno, as mulheres são subordinadas aos homens 
enquanto homens, ou enquanto fraternidade. O contrato original é feito depois da derrota política do 
pai e cria o patriarcado fraternal moderno.” Pateman aborda em seu livro “Contrato Sexual” que o 
contrato social enquanto relato da constituição da esfera pública da liberdade civil, institui tanto a 
liberdade dos homens quanto a sujeição das mulheres. A autora afirma que o patriarcado é o único 
conceito que se refere especificamente à sujeição das mulheres e ao poder masculino constituído pelo 
fato dos homens serem homens. Enfatizo, porém, que não me aproprio do patriarcado enquanto uma 
categoria universal, homogênea e a-histórica. Destaco ainda que mesmo no interior do sistema 
patriarcal, as opressões às mulheres são distintas uma vez que estas também são alocadas nesta 
estrutura de forma diferenciada, atravessadas por outras questões como a racial. 
16 O androcentrismo é uma palavra proveniente do grego, “andros” se refere a homem. É um conceito 
que apresenta o olhar masculino como central para a leitura da realidade, onde o homem é a única 
medida para o conhecimento e para representação global de humanidade. 
 20 
 
cultura androcêntrica tem cerceado a atuação das pesquisadoras e este cerceamento não tem 
impulsionado fortemente para uma mudança na cultura hegemônica das ciências. Trata-se de 
um sistema de retroalimentação onde o discurso científico hegemônico exclui o feminino17 
das ciências, assim como não se conjuga uma ciência como campo de atuação das mulheres e 
um lugar possível para o feminino sem a ampla participação das cientistas. As possibilidades 
de debater questões relacionadas com feminismo, gênero e ciências são estratégias de 
resistência e ruptura ao padrão androcêntrico na produção científica, para que não apenas as 
mulheres atuem nas ciências mas também outro(a)s atores e atrizes estejam apt(o)as a levar 
outros valores e construir outros saberes científicos, como o pensamento negro ao questionar 
o racismo acadêmico. 
Neste capítulo, apresento as discussões teóricas sobre o androcentrismo nas ciências a 
partir das teorias feministas e de gênero. O tópico denominado “Ciência: Uma Prática 
Androcêntrica” concentra a análise dos valores e práticas necessárias para produzir uma 
ciência considerada legítima; o tópico “Ciência: Um saber Androcêntrico” aponta para a 
produção de conhecimentos científicos marcadamente sexistas e heteronormativos; o tópico 
“Outra Ciência” apresenta a discussão sobre a possibilidade de produzir ciência de outras 
formas e expõe algumas contribuições teóricas feministas ao conhecimento científico; o 
tópico “Outra História” situa a discussão feminista e de gênero no campo da História, e 
finalmente, “Outra Física” aponta para a possibilidade da diversidade dos olhares das 
mulheres ser vetor de mudança na produção de conhecimentos na Física. 
 
Ciência: Uma Prática Androcêntrica 
 
Diversas autoras, em especial Sandra Harding, Evelyn Fox Keller, Londa Schiebinger 
e Donna Haraway, apontaram para o caráter androcêntrico das ciências. Os parâmetros para 
produzir uma ciência considerada legítima estão configurados segundo o androcentrismo. 
Este orienta a produção de um saber descorporificado em que a mente é separada do corpo e 
 
17 Destaco que a palavra “feminino” é uma construção binária que só faz sentido a partir do seu oposto 
masculino. Também não entendo que as mulheres sejam necessariamente as portadoras do feminino 
embora, por pertencerem ao sexo feminino, sejam automaticamente enquadradas desta forma pelos 
discursos hegemônicos. As mulheres são usualmente associadas a uma categoria conjugada no 
singular, o “ser mulher”. No entanto, destaco que as mulheres, dispostas em um lugar comum pelo 
discurso hegemônico, são submetidas, ainda que de maneiras diversas, à socialização feminina. 
Portanto, tornam-se prováveis agentes de outras formas de produção do conhecimento científico. 
 21 
 
possui primazia sobre outros componentes corporais. A dicotomia corpo e mente operada na 
cultura científica também está relacionada com as representações sociais: do corpo associado 
ao feminino e da mente ao masculino. Assim, tanto o corpo quanto o feminino são 
marginalizados nas ciências. 
O saber descorporificado apresenta-se na forma de uma prática de pesquisa orientada 
pelos valores da neutralidade, universalidade e objetividade. Estes valores excluem corpos, 
uma vez que o conhecimento é gerado a partir de um ponto não-localizável. Assim, os únicos 
sujeitos de conhecimento, que pretensamente podem excluir seus corpos na produção do 
conhecimento, são o que Donna Haraway (1995: 27) chama de “os que ocupam as posições 
de dominadores auto-idênticos, não marcados, incorpóreos, não mediados, transcendentes, 
renascidos”. A posição de dominante está alocada segundo a estrutura do “Patriarcado 
Capitalista Branco” que define o homem, branco, de países colonizadores enquanto quem 
deve produzir e para quem deve ser produzida ciência. 
A relação hierárquica entre sujeito e objeto também responde ao formato 
androcêntrico das ciências. Na pesquisa científica, pressupõe-se um sujeito que analisa a fim 
de gerar um conhecimento para a dominação e controle do objeto. A idéia de observação 
pressupõe um sujeito que observa o objeto em uma ação que não supõe interação, e sim 
dominação, já que o(a) observador(a) assume a posição de sujeito e o(a) observado(a) de 
objeto. Esta relação de dominação entre sujeito e objeto tem sido associada ao disposto no 
gênero em que feminino é tomado enquanto objeto e o masculino enquanto sujeito. Também 
se questionam as razões pelas quais, ao contrário de uma relação hierárquica, no formato das 
relações de gênero, a pesquisa não seria orientada para uma relação de interação, por 
exemplo, entre sujeito(a)s. 
O modo de produção científico tambémse pauta na pretensão de supressão da 
subjetividade. Novamente, encontra-se a relação dicotômica entre subjetividade e 
objetividade estruturada na forma do gênero onde a objetividade associada ao masculino é a 
postura mais valorizada para um(a) cientista. Assim, os valores associados ao masculino, dos 
quais as mulheres são consideradas naturalmente desprovidas, são os adequados para produzir 
conhecimentos científicos. 
Nesta perspectiva, Sandra Harding (1996) aponta que as características balizadoras 
tais como a objetividade, a preferência pelo modelo quantitativo e o raciocínio linear são 
representadas como masculinas e são as mesmas necessárias para produzir conhecimentos 
científicos legitimados. Por conseguinte, não é aleatória a configuração do cientista enquanto 
um ser descorporificado, ou seja, que observa seu objeto de estudo de um ponto de 
 22 
 
observação não-passível de localização. De que lugar é possível observar sem ser observado? 
Acaso seria também coincidência que a imagem do cientista tem sido editada como apenas 
sujeito de pesquisa e não como objeto? Como se sua presença não fosse percebida e não 
condicionasse suas possibilidades de pesquisa? Esta representação do “ser cientista” e “do 
fazer ciência” estão muito longínquas, não casualmente, do construído como feminino: em 
sua imagem associada ao corpo, à subjetividade, ao lugar de objeto. Esta imagem está 
desenhada segundo o formato da própria masculinidade. 
Um olhar não-localizado de um ser descorporificado é a ferramenta para a construção 
de um saber pretensamente universal já que este se torna não-localizável. Somente nesta 
configuração de “fazer ciência” é possível anunciar um saber: neutro, universal e objetivo. 
Santiago Castro-Gómez afirma que este modo cartesiano de fazer ciência, ainda no topo da 
legitimidade da produção do conhecimento científico, necessita da distância entre sujeito e 
objeto (objetividade) e impõe a decomposição do todo em partes. Assim, ele afirma que a 
colonialidade do saber obedece a um modelo epistemológico da modernidade ocidental 
chamado “Hybris do ponto zero”. O autor explica que no início da formação do paradigma 
epistemológico das ciências houve uma ruptura no modo como a natureza era vista. A visão 
orgânica e integral de natureza, em que a humanidade era parte integrante, foi substituída, 
com a formação do sistema capitalista e expansão colonial, pela separação do ser racional 
(cultura) da natureza. Dentro dessa visão fragmentária e hierarquizada, o conhecimento é 
destinado não mais para compreender as ligações entre todas as relações do todo, mas a 
decompor a realidade para dominá-la. 
Segundo o autor, a “Hybris do ponto zero” é caracterizada pela forma em que a ciência 
moderna gera conhecimento como se estivesse no lugar de Deus, em uma plataforma invisível 
e situada fora do mundo, mas diferente de Deus, por primar pela visão analítica e não-
orgânica do mundo. A “Hybris do ponto zero” é explicada como o pecado da desmedida em 
que a ciência moderna pretende ser um ponto de vista acima de todos os pontos de vista, sem 
se considerar um ponto de vista. 
Evelyn Fox Keller (1989) também afirma que o desenvolvimento da ciência moderna, 
a partir de uma visão mecanicista das ciências, emerge e reflete a ideologia de gênero. A 
autora aponta Francis Bacon como a ponte de transição entre as concepções herméticas e 
mecanicistas. Keller compara as metáforas dos discursos herméticos com as dos discursos 
mecanicistas, por exemplo, enquanto para os primeiros a imagem utilizada era de um(a) 
hermafrodita, no sentido de uma fusão de masculino e feminino, para os mecanicistas era de 
um super-homem viril, no sentido do homem (masculino) dominar a natureza (feminino). As 
 23 
 
metáforas mecanicistas abordam a ciência enquanto poder, dominação e uma força 
suficientemente viril capaz de penetrar e subjugar a natureza: 
 
A meta da nova ciência não é o intercâmbio metafísico e sim a 
dominação, não é a união mente e matéria e sim o estabelecimento do 
‘Império do Homem sobre a Natureza’. O triunfo daqueles que se 
agruparam de um modo geral como ‘filósofos mecânicos’ representou 
uma derrota decisiva da visão da natureza e da mulher como algo 
divino, e de uma ciência que, de acordo com isto, havia garantido a 
ambas ao menos certo respeito. 
 (Keller, 1989: 62, tradução minha18) 
 
O discurso central da ciência moderna é estruturado por metáforas de controle e 
dominação, seus objetivos são a apropriação e a manipulação de uma natureza que não 
interage, é inerte. As características normalmente associadas à natureza também são 
“naturalmente” aplicadas às mulheres, já que natureza e mulher são construídas como 
sinônimos, ou melhor, como termos metonímicos. A relação hierárquica que se estabelece, na 
pesquisa científica, pressupõe um pesquisador na posição de dominador que será masculino, 
já que a natureza coisificada é significada como feminina. 
Mary Gergen (1988: 112), em uma leitura de vertente psicanalítica, também analisa o 
conceito de objetividade nas ciências enquanto uma construção masculina. A autora propõe 
que a preferência pela separação entre sujeito e objeto de pesquisa, ao invés de um modelo de 
interdependência entre eles, segue o modelo masculino de desenvolvimento desenhado pela 
psicanálise, em que a construção de uma identidade pessoal masculina pressupõe separação e 
diferenciação em relação aos seus agentes maternais/femininos19. Assim, o teor da relação e 
os termos envolvidos estão definidos para uma configuração masculina com as quais as 
mulheres, em outros processos de construção de identidade, não estariam imediatamente 
identificadas. Esta abordagem de desenvolvimento da identidade masculina é baseada na 
teoria apresentada por Nancy Chodorow (1979: 72): “um menino, em sua tentativa de obter 
uma identificação masculina ilusória, freqüentemente define essa masculinidade em termos 
amplos e negativos, repelindo tudo o que é feminino ou relacionado às mulheres”. A 
 
18 “La meta de la nueva ciencia no es el intercambio metafísico sino la dominación, no es la unión de y 
materia sino el estabelecimiento del ‘Imperio Del Hmbre sobre la Naturaleza’. El triunfo de aquellos 
que han sido agrupados de um modo general com ‘filósofos mecánicos’ representó uma derrota 
decisiva de la visión de la naturaleza y la mujer como algo divino, y de una ciencia que, de acuerdo 
com ello, habría garantizado a ambas al menos cierto respeto’. 
19 Esta abordagem também aparece nas obras de Sandra Harding (1996) e Evelyn Fox Keller (1989). 
 24 
 
interpretação psicanalítica20 do processo de individuação masculina apresentada por 
Chodorow parece ser uma possibilidade de explicação teórica para esta estrutura de gênero 
cravada nas ciências e na nossa sociedade, em que há um banimento ou inferiorização de 
práticas, saberes e valores considerados femininos. Este processo é produzido à semelhança 
da construção da própria masculinidade de negação e menosprezo do feminino: em que a 
entrada no simbólico, no afirmar-se ser humano, significa a negação do materno constituído 
no feminino. 
Ao invocar como necessárias as características como objetividade e neutralidade para 
a produção de conhecimentos científicos legítimos, cria-se uma separação estanque entre a 
atividade científica e a sociedade, como se a(o) cientista não fosse um ser cultural, social e 
histórico. Ruth Hubbard (1988) expõe a construção da objetividade para as ciências naturais: 
 
 As ciências naturais alcançam sua objetividade considerando a 
natureza e os fenômenos naturais (inclusive as outras pessoas) como 
objetos isolados. Para isso os cientistas dessa área comumente 
negam, ou pelo menos ignoram, seu relacionamento com os ‘objetos’ 
de seu estudo. Em outras palavras, os cientistas nas ciências naturais 
descrevem suas atividades como se eles eas atividades existissem 
num vácuo. Neste vácuo, então, eles fabricam fatos e formulam leis. 
Tomemos, por exemplo, as ‘leis do gás ideal’. Elas pretendem 
descrever o comportamento de partículas (moléculas de gás) que não 
têm relação umas com as outras ou com outras substâncias – 
partículas que não são reais, mas ‘ideais’. (Ruth Hubbard, 1988: 30) 
 
Este afastamento da(o) pesquisador(a) garante a suposição de que o conhecimento 
científico seja incomparavelmente superior aos outros conhecimentos produzidos no seio da 
própria sociedade. Este isolamento do(a) cientista sugerido pela objetividade não busca 
apenas uma distância entre sujeito e objeto, busca uma distância hierárquica entre sujeitos 
distintos de conhecimento: o público em geral, o(a)s pesquisado(a)s, entre outros. Esta é uma 
manobra para garantir autoridade, pois a fala científica, conforme divulgada, não é de um ser 
dentre nós, ou seja, nenhum(a) “não-cientista” possuiria as características necessárias e 
legítimas para questionar os conhecimentos científicos produzidos. Nesta manobra de retirada 
de voz, toda(o)s não-cientistas são tornado(a)s objetos. 
A universalidade é outro conceito utilizado para mascarar a produção de verdades e 
tem sido utilizada em larga escala para justificar os pontos de vista dos grupos dominantes e 
 
20 É nítido que este modelo de individuação passa por papéis e uma estrutura familiar definida e 
estática, não levando em consideração as novas organizações familiares como as de famílias 
 25 
 
também como formas de opressão às mulheres, colonizado(a)s, negro(a)s, entre outro(a)s. 
Ilana Löwy (2000) traz importantes elementos para o questionamento da ciência construída 
enquanto universal, neutra e objetiva. A autora expõe que um dos argumentos utilizados para 
se afirmar que a ciência é universal refere-se à representação de natureza enquanto universal, 
estável, com leis imutáveis. Além desta descrição de natureza ser questionável, parece mais 
uma tentativa de uma separação radical entre humanidade (cientistas) e natureza (dados), 
como se fosse possível qualquer acesso direto e imediato a esta natureza, e como se os 
diversos olhares e manipulações não construíssem a própria natureza. Ilana Löwy afirma 
sobre a fabricação do conhecimento pretensamente universal: “segundo eles, não é porque são 
universais que os conhecimentos científicos circulam, eles são universais porque circulam” 
(Löwy, 2000: 31). A autora explica que para que as leis da gravidade se tornassem válidas 
para e o(a)s habitantes da Melanésia, foram precisos o ensino destas leis nas escolas, a 
formação de professore(a)s, a impressão de livros e a contínua ligação com os centros deste 
saber no exterior. Segundo ela: “este é o preço da manutenção de uma natureza universal, 
estável e previsível” (idem, 2000: 31). 
São conceitos, metáforas e imagens de todo um sistema androcêntrico que erguem 
fronteiras entre o masculino/científico, em um lado, e o feminino/excluído da ciência em 
outro. São fronteiras fundadas em dicotomias, tais como: objetivo e subjetivo, racional e 
emocional, sujeito e objeto, cultura e natureza, mente e corpo, ciências duras (hard sciences) e 
ciências moles (soft sciences) que configuram quem pode produzir ciência e para quem a 
ciência é produzida. Estas equações de valores são construídas pelo, para e no sistema de 
gênero que define como sujeito do conhecimento o homem enquanto representante do 
masculino em um modo de fazer ciência cujas habilidades e características necessárias e 
valorizadas são tidas como masculinas. A ciência dita universal é uma ciência branca, 
masculina, elitista, ocidental, colonial, ainda que sua forma de apresentar-se tente mascarar 
suas características invocando um sujeito universal, isto é, que representa a todas as posições. 
O molde para atuar em ciências é pré-determinado e coercitivo. É uma ciência feita por 
pouco(a)s e para pouco(a)s. 
 
 
 
 
homoafetivas. 
 26 
 
Ciência: Um saber Androcêntrico 
 
Não apenas o modo de fazer ciência é androcêntrico como também os saberes 
científicos, enquanto conhecimentos socialmente constituídos e produzidos, muitas vezes, são 
sexistas e androcêntricos21. Conforme aponta Londa Schiebinger: 
O poder da ciência ocidental – sua metodologia e epistemologia – é 
celebrado por produzir um conhecimento objetivo e universal que 
transcende as restrições culturais. Com respeito a gênero, raça, e 
muito mais, entretanto, a ciência não é neutra. Desigualdades de 
gênero, incorporadas nas instituições da ciência, influenciaram o 
conhecimento saído destas instituições. (Londa Schiebinger 2001: 
206) 
 
Uma vertente importante dos estudos realizados em gênero e ciência propõe analisar 
os saberes produzidos pela ciência. Fabíola Rodhen (2001), por exemplo, analisa a 
institucionalização da “medicina da mulher” ou da ginecologia de nossos dias como uma 
ciência da diferença. Conforme a autora afirma, os fenômenos exclusivamente femininos 
como a gravidez e o parto eram assuntos estudados na obstetrícia. O surgimento da 
ginecologia demonstrou o interesse em posicionar a mulher como um objeto de investigação 
mais precisa, agora reduzida à função dos seus órgãos sexuais e reprodutores. Não existe 
semelhante especialidade para os homens, o conhecimento médico não considerou necessário 
explicá-los em função de seus órgãos genitais e reprodutores, ou seja, sua sexualidade não foi 
vista como um problema a ser estudado para explicar sua natureza humana. Nesta ótica, 
muitas teorias foram utilizadas como argumentos legítimos e verdadeiros para impedir o 
acesso das mulheres, por exemplo, ao estudo. Segundo Rodhen (2001: 77), o argumento 
comum utilizado no final do século XIX era que as mulheres, principalmente na puberdade, 
não poderiam estudar para não gastar a energia necessária ao amadurecimento dos órgãos 
sexuais e reprodutivos. Esta preocupação com o desgaste físico feminino e suas danosas 
conseqüências não era voltada para as trabalhadoras de classes populares, conforme apontou 
Mary Putnam Jacobi citada pela autora. Mary foi a primeira mulher a ser admitida na “New 
York Academy of Medicine”.22 A entrada de mulheres na medicina trouxe a esperança da 
contestação e a formação de outros discursos médicos com argumentos que ajudariam a 
justificar a inclusão das mulheres enquanto cidadãs plenas. 
 
21 Além de trazerem outras marcas de seu local de produção elitista, racista, eurocêntrico. 
22 Pesquisa feita na Internet: <http://ocp.hul.harvard.edu/ww/people_jacobi.html> 
 27 
 
A ninfomania e a histeria eram construídas como doenças advindas do mau-
funcionamento dos órgãos reprodutivos femininos, ou seja, anomalias tidas como tipicamente 
femininas em que os considerados distúrbios femininos, corporais e mentais, eram resumidos 
a distúrbios funcionais do aparelho sexual-reprodutivo. Fabíola Rodhen (2001: 142) aponta 
para um quadro abrangente de sintomas que mostra como qualquer comportamento feminino 
seria passível de ser enquadrado como histérico: da irritabilidade fácil à falta de energia. Por 
sua a vez, a ninfomania era a construção como anomalia do desejo sexual exacerbado das 
mulheres em um contexto social em que os homens tinham “naturalmente” mais desejo 
sexual. A satiríase, nome dado ao distúrbio derivado do excesso de desejo masculino, foi 
pouco diagnosticada em homens e raramente se falava em castração e reclusão como 
comumente se aplicava às pacientes femininas. Tampouco, como discute a autora (Rodhen, 
2001: 29), comportamentos como adultério e flerte, que caracterizam a ninfomania, eram 
utilizados para diagnosticar a satiríase. Afinal, os homens não eram definidos pelasua 
genitália. 
Fabíola Rodhen (2001: 42) também assinala que, enquanto a ciência da mulher é a 
ginecologia, a ciência do homem é a antropologia: 
 
De um lado temos uma ciência do homem que é também uma ciência 
da humanidade, aquela que permite a instauração da diferença e a 
comparação entre outras unidades, as raças, os povos, as civilizações. 
De outro, temos uma ciência da mulher, que descreve e justifica a 
diferença sexual. O interessante é que ambas têm em comum o recurso 
a supostos dados biológicos que legitimam visões de mundo e 
hierarquia sociais. 
 
Assim, se por um lado temos uma ciência, a antropologia, cuja referência é o homem 
branco e ocidental, do outro, temos um conjunto de conhecimentos, no campo da ginecologia, 
que tornam a mulher reduzida a seu aparelho reprodutor, como objeto de toda a construção da 
diferença sexual enquanto base para a desigualdade social. As mulheres como sujeitos de 
conhecimento ou como seres humanos em sua completude orgânica são excluídas ou 
marginalizadas pelas duas ciências. 
Poderia se argumentar que todas estas concepções de mulher reduzida ao seu sexo são 
noções do passado. No entanto, não é o que aponta, por exemplo, Emily Martin (2006), em 
seu livro: “A Mulher no Corpo”, em que ela afirma que o corpo da mulher é visto como uma 
fábrica de bebês. Os fenômenos tais como a menstruação e a menopausa são vistos, segundo 
esta ótica, enquanto falhas nesta produção. Nesta perspectiva, toda a vida das mulheres é 
 28 
 
definida por fases em relação ao seu ciclo reprodutivo (puberdade, menopausa, TPM...), como 
se o cerne da natureza feminina estivesse baseado na reprodução, e isto seria um dado 
biológico e não uma construção sociocultural. 
Emily Martin (2006) também aponta para o fato de que os processos femininos, por 
exemplo, a menstruação, são descritos de forma pejorativa, em termos de falência e 
deterioração. A autora afirma que o revestimento estomacal também possui um processo 
cíclico de expulsão, mas que este não recebe a descrição negativa da menstruação: 
Pode-se escolher entre olhar para o que acontece no revestimento do 
estômago e do útero negativamente, como falência e decomposição, 
necessitando de reparos, ou positivamente, como produção e 
reabastecimento contínuos. Como dois lados da mesma moeda, o 
estômago, que tanto mulheres como homens têm, cai no lado positivo; 
já o útero, que apenas as mulheres têm, cai no lado negativo. (Emily 
Martin 2006: 100) 
 
A autora também traz uma reflexão sobre a Síndrome Pré-Menstrual – SPM, mais 
comumente chamada de Tensão Pré-Menstrual – TPM, ao apontar para uma lista ampla de 
“sintomas” psicológicos, emocionais, físicos com os quais as mulheres “sofrem” neste 
período. Os sintomas da TPM são biologicamente explicados como uma “disfunção da 
produção de hormônios durante o ciclo menstrual, em particular o hormônio feminino, a 
progesterona23”. Estimativas apontam que três quartos das mulheres sofrem de TPM, ou seja, 
a maioria das mulheres sofre “disfunções” hormonais, o que nos leva a crer que o próprio 
funcionamento do aparelho reprodutor das mulheres é tido como um problema. Portanto, a 
TPM, da forma como é descrita, tornou-se uma nova forma de enquadrar a mulher em um 
sexo-problema, de colocá-la novamente como um ser (des)governado pela natureza, tendente 
à histeria. Como a autora afirma, são momentos, justificados pela medicina, em que as 
mulheres podem liberar toda sua raiva e contestação contra o sistema patriarcal que as oprime. 
No entanto, se de um lado, este discurso biológico da TPM permite esta liberação, por outro, 
não permite uma reflexão profunda das causas sociais deste mal-estar das mulheres. Emily 
Martin cita, no início do livro, um trecho muito significativo de Adriene Rich (Do 
Nascimento da Mulher): 
Não conheço nenhuma mulher – virgem, mãe, lésbica, casada, 
celibatária, tire ela seu sustento como dona-de-casa, garçonete de 
festas ou técnica de tomografia cerebral – para quem o próprio corpo 
não seja um problema fundamental: seus significados encobertos, sua 
fertilidade, seu desejo, sua assim chamada frigidez, seu discurso 
sangrento, seus silêncios, suas mudanças e mutilações, suas violações 
 
23 Emily Martin, 2006: 183. 
 29 
 
e maturações. (Adrienne Rich apud Emily Martin, 2006: 31) 
 
A quem interessa este discurso de significar processos unicamente femininos como 
problemas e anomalias? O patriarcado se concretiza em discursos científicos que remetem à 
natureza os fundamentos das desigualdades entre homens e mulheres. Lewontin, Rose e 
Kamin (2003: 161) chamam a atenção para a forma com que a influência dos hormônios tem 
sido utilizada como justificativa para cercear e impedir as mulheres a assumir cargos de 
comando, como diretoras e presidentas. Os autores explicam que o determinismo biológico 
constrói que as diferenças humanas de comportamento entre homens e mulheres encontram 
paralelismo em sociedades não-humanas24 (de primatas a roedores). Este paralelismo carrega 
uma aparente universalidade das leis biológicas que não pode ser negada simplesmente 
desejando que essas fossem mais justas. Estas leis são construídas para não admitirem 
contestação. Outro argumento determinista, apontado pelos autores, afirma que as diferenças 
sexuais são formuladas segundo a gradual seleção natural, assim as diferenças entre os sexos 
não somente são naturais como funcionais, ou seja, estas são convertidas em uma grande 
vantagem para a espécie. Eles apontam como algumas teorias que avaliam o desempenho dos 
meninos em matemática como superior ao das meninas é tomado como uma evidência que se 
justifica biologicamente desconsiderando o contexto histórico, social e cultural. Os autores 
enfatizam a impossibilidade de explicar o comportamento da(o)s humano(a)s somente pela 
biologia, não há ser humano que se desenvolva sem a influência do seu meio cultural. 
Os saberes sexistas e androcêntricos são múltiplos. Há aqueles conhecimentos 
produzidos em nome de um universal que, na verdade, é um saber unicamente sobre o 
masculino; há aqueles produzidos sobre a mulher que servem para concretizar diferenças 
enquanto assimetrias. São saberes produzidos na lógica do gênero que determina enfoques, 
descrições, objetos de pesquisa, abordagens, pressupostos, teorias sexistas e androcêntricas. 
 
Outra Ciência 
 
A partir das teorias apresentadas, percebe-se que a participação das mulheres nas 
ciências é efetivada por um processo de inclusão em um mundo já constituído e estruturado 
 
24 Sandra Harding (1996: 88) também aponta para esta ênfase da ciência conforme apresentarei no 
capítulo 3. 
 30 
 
em pilares androcêntricos. Em que medida esta inclusão pode levar à transformação para uma 
ciência feita com pluralidade de valores e olhares? Nos diálogos entre feminismos25 e 
ciências, Londa Schiebinger (2001) aponta para um importante debate, ainda binário, que 
permeia a literatura de gênero, feminismo e ciências. Trata-se do que ela chama de “becos 
sem saída”: a oposição entre a ciência analisada pelo feminismo da igualdade e pelo 
feminismo da diferença. De um lado, os feminismos da igualdade buscam a eqüidade entre os 
sexos nas ciências, de forma que a ciência se torne também uma tarefa das mulheres. De 
outro, os feminismos da diferença alertam para o fato de que os termos do mundo das ciências 
foram construídos por um referente masculino. A inserção do feminino se dará, portanto, pela 
igualdade segundo o modelo masculino. Assim, os feminismos da diferença propõem a 
construção de uma ciência feminina. No entanto, ao se determinar os termos de uma ciência 
feminina, o feminino busca suas antigas essencializadas etiquetas construídas a partir do pólo 
masculino, ou seja, o feminino torna-se não mais do que não-masculino. 
Os caminhos, conforme apontadoacima, para pensar e fazer uma Outra ciência se 
dividem, ou talvez se multipliquem. Marta González e Eulália Sedeño (2006) nos propõem 
um mapa26 das diferentes vertentes: o empirismo feminista ou ingênuo, o enfoque 
psicodinâmico, a teoria feminista do ponto de vista, os empirismos feministas contextuais e as 
epistemologias pós-modernas. 
Segundo as autoras, o empirismo feminista ou ingênuo não questiona as normas 
científicas tradicionais e sim critica sua aplicação incorreta, ou seja, teorias repletas de 
sexismo são frutos de uma ciência praticada inadequadamente. Esta linha teórica não 
considera que a ciência tenha que ser repensada, preocupa-se com o sexismo presente na 
ciência sem responsabilizar seus métodos e sua estrutura. Desta forma, a postura 
epistemológica correta garantiria a produção de conhecimentos livres do sexismo. Considero 
esta vertente, em parte, próxima ao feminismo da igualdade ao focar na inclusão das mulheres 
sem se preocupar com a violência estrutural daquilo que já está construído em pilares 
androcêntricos. 
O enfoque psicodinâmico trabalha com a idéia de uma ciência feminina, ou seja, 
diferenciadas pela socialização as mulheres teriam outras perspectivas, práticas e teóricas, 
sobre a ciência. Parte desta lógica é que as cientistas mulheres, por seu lugar de socialização, 
 
25 Feminismos enfaticamente no plural por contemplar múltiplas abordagens e posições: igualitário, da 
diferença, da feminitude... Descarries (2000) nos oferece um possível mapa dos feminismos. 
26 Há outros mapeamentos disponíveis: Margaret Lopes (1998, 2006), Cecília Sardenberg (2002), 
Alexandra Martinez (2001), Maria Teresa Citeli (2000), Sandra Harding (1996). 
 31 
 
desenvolveriam uma imagem mais complexa e interativa do mundo e poderiam, por exemplo, 
inventar novas formas de relação não-objetificantes com seus temas de pesquisa.27 Uma das 
críticas feitas a esta linha teórica é que esta parte de uma essencialização do feminino e de 
uma naturalização da mulher. Além disto, também considero como questionável pensar na 
socialização das mulheres e não considerar a socialização pela qual passam para se tornarem 
cientistas. Afinal, as cientistas, em suas diversas áreas, são socializadas para atuarem no meio 
científico e são compelidas a produzir conhecimento científico e a fazer ciência de modo 
masculino. Assim, a socialização das cientistas, ainda que na sua diversidade, não pode ser 
desconsiderada. 
A teoria feminista do ponto de vista defende a construção de uma ciência feminista em 
que as mulheres, em sua condição de marginalidade no sistema, ocupariam uma posição 
privilegiada de análise como pesquisadoras. No entanto, me pergunto quais mulheres têm esta 
vantagem epistêmica: as feministas? Quais feministas28liberais, sociais, da feminitude? Quais 
são elegíveis para ocupar este local privilegiado de conhecimento? E os outros sujeitos 
marginalizados como população negra, indígena, entre tantos, também são portadores de uma 
outra ciência ainda que não necessariamente feminista? 
Os empirismos feministas contextuais argumentam que o foco de análise não deve ser 
colocado no sujeito de conhecimento, mas na comunidade científica.29 De certa forma, o 
enfoque na comunidade resolve o problema de quem é o(a) sujeito(a) apto(a) para fazer uma 
outra ciência, já que esta responsabilidade recai sobre o grupo. É interessante a ênfase dada na 
comunidade por ressaltar as características sociais da produção de conhecimento científico. 
No entanto, conforme sublinham Marta González e Eulália Sedeño (2006), esta abordagem 
não está isenta de questões, uma vez que implica na problematização de conceitos como 
comunidade e consenso. 
As epistemologias pós-modernas entendem que produzir ciência é um espaço de 
negociação, mais de interesses do que de verdades. Este enfoque melhor dimensiona gênero e 
ciência enquanto arenas de disputa por poder. Estas correntes são fundamentadas nos pós-
estruturalismos e no desconstrucionismo e têm sido criticadas por seu relativismo cujo terreno 
não se considera sólido o bastante para o compromisso feminista. 
 
27 Parte desta discussão pode ser entendida no texto de Sondra Farganis (1997). 
28 Conforme assinalou Francine Descarries (2000), dentre tantas autoras, não há feminismo no 
singular. 
29 Segundo Maria Conceição da Costa e Neide Osada (2006), esta visão não defende a formação de 
uma ciência feminista, mas a inclusão da perspectiva feminista no processo de produção das ciências. 
 32 
 
Uma outra forma de apresentar o mapa de implicações entre feminismo e ciências gira 
em torno do conceito de objetividade. Para Evelyn Fox-Keller (1989), as mulheres, por sua 
socialização diferenciada, seriam possíveis portadoras do que chama de “objetividade 
dinâmica”, que se define pela relação interativa com o que estuda; ao contrário da tradicional 
“objetividade estática”, que estabelece uma relação de apropriação pela objetificação do que 
se estuda, característica tida como do universo masculino. Estas categorias podem ser 
apropriadas pelo acima denominado “enfoque psicodinâmico” e, portanto, as críticas à 
essencialização do feminino podem ser aplicadas da mesma maneira. Para Sandra Harding, a 
“objetividade forte” é aquela consciente da sua parcialidade e de seu contexto social. A autora 
é conhecida pela corrente da “teoria feminista do ponto de vista”. Donna Haraway (1995) 
complementa esta argumentação ao enfatizar o conhecimento situado, utilizando o conceito 
de “objetividade corporificada”. A autora considera que a perspectiva parcial e localizada é a 
única possível. No entanto, a autora problematiza a posição de privilégio ao qual o(a)s 
sujeito(a)s marginais podem estar associado(a)s na produção do saber, ela alerta para o perigo 
de se romantizar a visão dos menos poderosos. Donna Haraway tem sido reconhecida como 
uma autora pós-moderna. 
As três abordagens - “objetividade dinâmica”/”objetividade estática”, “objetividade 
forte” e “objetividade corporificada” - estão empenhadas em ressignificar o conceito de 
objetividade. A objetividade tem sido considerada um valor central para a definição de um 
saber científico. As ressignificações feministas do conceito de objetividade apontam para uma 
tentativa de não perder legitimidade científica. É desta fronteira discursiva que o conceito de 
objetividade continua sendo reeditado como forma de legitimação e superioridade do discurso 
científico? Será tão necessário diferenciar a ciência de outros discursos? Margaret Lopes 
(2006) assinalou que a busca pela ressignificação do conceito de objetividade representa, para 
muitas teóricas feministas, a recusa tanto a um construtivismo tido como reducionista quanto 
ao objetivismo tido como não-reflexivo. A autora também aponta que muitas críticas foram 
tecidas a estas construções de objetividade enquanto centrais e atemporais nas ciências. A 
autora também traz a discussão de outros teóricos não pertencentes ao campo de gênero, que 
lembram que o conceito de objetividade não é monolítico e nem imutável. 
Em outro artigo publicado, Margaret Lopes (1997) também afirma que um dos 
elementos de distanciamento entre algumas teorias feministas de crítica às ciências e a 
maioria dos estudos sociais sobre a ciência é justamente o conceito de objetividade. De um 
 
Segundo Alexandra Martinez (2001), Helen Longino defende a instituição de uma democracia 
 33 
 
lado, os estudos sociais sobre ciência entendem a produção do conhecimento científico como 
uma construção social e recusam valores como objetividade que podem lhe garantir um lugar 
à frente de outros tipos de conhecimento. De outro lado, conforme assinala a

Continue navegando