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Série Temas em Educação Escolar
n.22 – 2015
CINEMA E EDUCAÇÃO: 
ALGUMAS LEITURAS 
POSSÍVEIS
Faculdade de Ciências e Letras, UNESP – Univ Estadual Paulista, 
Campus Araraquara
Reitor: Julio Cezar Durigan
Vice: Marilza Vieira Cunha Rudge
Diretor: Arnaldo Cortina
Vice: Cláudio César de Paiva
Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar
Coordenador: Prof. Dr. Ricardo Ribeiro
Vice-Coordenador: Prof. Dr. Newton Duarte
SÉRIE TEMAS EM EDUCAÇÃO ESCOLAR Nº 22
Conselho Editorial Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em 
Educação Escolar
Célia Regina Rossi
Edilson Moreira de Oliveira
José Luís Vieira de Almeida
José Vaidergorn
Luci Pastor Manzoli
Luci Regina Muzzeti
Maria Cristina Senzi Zancul
Marta Leandro Silva
Sebastião de Souza Lemes
Silvia Regina Ricco Lucato Sigolo
Editoração eletrônica
Eron Pedroso Januskeivictz
Arte da capa
Alexandre Aparecido Fachinette
Normalização
Ana Cristina Jorge
(CRB 8/5036)
CINEMA E EDUCAÇÃO: 
ALGUMAS LEITURAS 
POSSÍVEIS
Maria Cristina de Senzi Zancul
Denis Domeneghetti Badia
Alessandra Aparecida Viveiro
(Org.)
Copyright © 2015 by Laboratório Editorial da FCL
Direitos de publicação reservados a:
Laboratório Editorial da FCL
Rod. Araraquara-Jaú, km 1
14800-901 – Araraquara – SP
Tel.: (16) 3334-6275
E-mail: laboratorioeditorial@fclar.unesp.br
Site: http://www.fclar.unesp.br/laboratorioeditorial
SUMÁRIO
Apresentação
Maria Cristina de Senzi Zancul, Denis Domeneghetti Badia e 
Alessandra Aparecida Viveiro ............................................................. 7
Para além das palavras
José Pedro Antunes ............................................................................. 9
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde 
ninguém jamais esteve
Alexandre Harlei Ferrari .................................................................. 13
A língua das mariposas: ciência, imaginação, autonomia e liberdade
Miriam Suleiman ............................................................................... 33
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas 
reflexões 
Alexandre Marucci Bastos ................................................................ 47
Estrelas na Terra – toda criança é especial
Ana Teresa Scanfella ......................................................................... 83
Onde vivem os monstros? Desvendando o imaginário infantil
Bruna Cury de Barros ..................................................................... 101
5
6
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema 
Claudia Ximenez Alves ..................................................................... 111
Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical 
Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza .................................. 133
Acaso e diversidade: aprendendo com as diferenças a partir de 
Um conto chinês
Maria Cristina de Senzi Zancul e Alessandra Aparecida Viveiro ...... 149
Uma reflexão a partir dos filmes Adeus meninos e Rapsódia em 
agosto
Talita Mazzini Lopes ....................................................................... 155
Um filme para apreciar com olhos e alma de artista
Marta Regina Sene .......................................................................... 165
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
Edson Renato Nardi ........................................................................ 177
Organizadores e autores .................................................................... 195
7
APRESENTAÇÃO
A interação com múltiplas linguagens, entre elas o cinema, pode 
contribuir para análises sobre diversas temáticas da contemporanei-
dade e para uma educação do olhar. A partir dessa perspectiva, temos 
desenvolvido a disciplina optativa Cinema e Escola, no Programa de 
Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras 
de Araraquara – UNESP. 
Fazendo uso de obras cinematográficas de diferentes gêneros, bus-
camos fomentar discussões sobre relações entre escola, ciência, tecno-
logia, ambiente e sociedade. Ao longo de duas edições da disciplina, a 
diversidade de visões expressas pelos participantes durante os encontros, 
bem como os debates e discussões ocorridos, inspiraram o convite para 
a produção dos textos que compõem esta coletânea. 
Os capítulos aqui apresentados foram produzidos por alunos e 
professores vinculados às seguintes linhas de Pesquisa: Formação do 
Professor, Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas; Estudos Históricos, 
Filosóficos e Antropológicos sobre Escola e Cultura; Política e Gestão 
Educacional. A maior parte dos autores atua em diferentes níveis da 
escolarização, da Educação Básica ao Ensino Superior. 
Cada autor escolheu livremente um ou mais filmes e buscou desen-
volver reflexões a partir de sua escolha. As produções revelam concep-
ções e interpretações pessoais, estão relacionadas às áreas de atuação ou 
aos temas de pesquisa dos autores e expõem diferentes olhares sob as 
temáticas em questão, ou seja, trazem algumas leituras possíveis, entre 
tantas outras que poderiam emergir. Na apresentação, o Prof. José Pedro 
Antunes oferece um panorama da obra, a partir dos textos que fazem 
parte dela. 
8
A ordenação dos capítulos é somente a forma de organização que 
escolhemos, pois os textos se referem a temas diversos e têm propostas 
diferentes. Sendo assim, entendemos que o leitor poderá ler o capítulo 
que quiser, no momento que quiser.
Esperamos que a leitura possa contribuir para a reflexão sobre o 
potencial do cinema na atribuição de sentidos a temas da atualidade e 
inspirar novas possibilidades. 
Maria Cristina de Senzi Zancul
Denis Domeneghetti Badia
Alessandra Aparecida Viveiro
9
PARA ALÉM DAS PALAVRAS
Da minha graduação em Assis, entre 1969 e 1972, guardo a memó-
ria de uma efervescência cultural hoje inimaginável na universidade 
pública. A Unesp ainda não existia, era o tempo dos Institutos Isolados 
da USP. Que a instituição que me abrigara se chamasse Faculdade de 
Filosofia, Ciências e Letras me permite, hoje, ter a exata compreensão 
da imensa lacuna que se instalou com a desativação dos cursos de filo-
sofia, que era o eixo centralizador da busca e dos esforços das faculdades 
que os abrigavam.
Vale ainda dizer que, naquele tempo, já o vestibular nos inculcava a 
ideia de que a passagem da vida colegial para a vida universitária teria 
que ser um salto qualitativo. Que uma das provas fosse de “cultura 
geral”, só isso bastava como sinalização de que, qualquer que fosse o 
curso escolhido, algumas exigências se impunham como fundamentais 
para o conjunto dos universitários. 
Cada ingressante, como se supunha, seria recebido como alguém 
que deu provas de estar antenado no mundo, de minimamente acompa-
nhar a vida política e cultural do país, saber do movimento editorial, da 
produção teatral e cinematográfica, enfim, cada qual se sentia parte de 
uma comunidade de interesses, imbuído de aspirações que nos alçassem 
a patamares mais elevados de conhecimento.
O curso de filosofia reunia um corpo de professores recém-forma-
dos, com experiência nos melhores cursinhos de São Paulo, e uma leva 
de alunos igualmente advindos de uma formação colegial que fizera 
deles leitores, pensadores críticos e, detalhe que mais de perto nos inte-
ressa, cinéfilos. Pois foi desse agrupamento de “filósofos” que surgiu a 
ideia de um cineclube. 
10
Para além das palavras
Eu não saberia dizer com certeza se esse cineclube já existia antes da 
minha chegada, mas, disso me recordo perfeitamente, a mera existência 
de um cineclube foi para nós um diferencial de extrema relevância, 
transformou as nossas vidas e marcou a nossa convivência. Ao longo de 
quatro anos, penso ter visto os clássicos mais representativos da história 
do cinema, e, condição sine qua non, cada sessãoincluía um comen-
tário, normalmente feito por um dos professores do curso de filosofia, 
seguido de acalorado debate. 
Devo dizer da enorme surpresa que foi encontrar na programação 
filmes que eu jamais imaginaria num evento dentro da academia. Ter 
visto, por exemplo, No tempo das diligências, eu que então ainda não 
sabia da importância de John Ford, vale dizer, eu que ainda não sabia 
de nada, ainda prisioneiro de tantas ideias preconcebidas, foi um desses 
espantos. Mais espantoso ainda foi ver, ao longo dos debates, que tan-
tos filósofos pudessem manifestar tanto interesse tanto por um “mero” 
faroeste.
Com aquela vivência do cinema, aprendemos que era possível um 
raciocínio para além das palavras, que avivaria o nosso interesse pela 
pintura, pela fotografia, enfim, pelas artes não-verbais. Que eu tenha 
mantido bem aceso esse interesse ao longo da minha carreira é algo que 
carrego como um troféu. Que eu tenha, depois, como docente, sempre 
insistido em passar adiante essa minha vivência não cabe nas planilhas, 
não entra no Lattes, mas é algo que sempre me manteve vivo e atuante.
Essas minhas reminiscências revelam os pressupostos deste meu 
texto de apresentação. É fácil imaginar o quanto tenho me sentido 
bafejado pela sorte e honrado a cada participação que gentilmente me 
oferecem nas atividades da disciplina “Escola e Cinema”. O mesmo 
valendo para a oportunidade de apresentar um livro que reúne alguns 
resultados das atividades desenvolvidas por seus participantes. Vejo com 
imensa simpatia a possibilidade de me referir a essas atividades sema-
nais não como aulas, mas como sessões de cinema seguidas de debate 
e produção textual. Foi o que me suscitou a postura dos alunos em 
classe quando com eles estive. Resumindo: foram ocasiões sumamente 
agradáveis.
O volume reúne trabalhos de duas turmas, vale dizer de duas 
ocorrências da disciplina referida, respectivamente, em 2011 e 2013. 
São onze textos de reflexão crítica a partir de obras cinematográficas 
11
José Pedro Antunes
livremente escolhidas pelos respectivos autores. É preciso dizer que as 
escolhas dos filmes revela, primeiramente, uma saudável ausência de 
preconceitos. Há tempos defendo que as sessões cult ou os cineclubes 
não devem se prender rigidamente ao cânone do chamado cinema 
de arte. Eu mesmo jamais me oporia à inclusão, por exemplo, de 
filmes de gênero, ou mesmo de produções do cinema declaradamente 
comercial.
Na publicação, uma escolha aponta nesse sentido. Jornada nas 
Estrelas, que acaba sendo cult num sentido mais pop, é analisado sob 
os aspectos científico, psicológico, sociológico e ético-filosófico.
Algumas escolhas, como A Língua das Mariposas, Como Estrelas na 
Terra – toda criança é especial, Onde Vivem os Monstros, Valentin e Não 
sou eu, eu juro! e Música do Coração possibilitam reflexões sobre o uni-
verso infantil e o papel da formação escolar no desenvolvimento da 
criança. Já em Adeus meninos e Rapsódia em agosto e O Artista, os autores 
não deixam nenhuma dúvida sobre a instrumentalidade almejada, no 
caso, perfazendo análises decididamente voltadas para a prática escolar. 
Ainda tendo por escopo a aplicação, algumas escolhas se distinguem 
pela proposta de levar para a prática nas escolas as atividades desenvolvi-
das na disciplina, acertadamente preconizando, cada qual a seu modo, 
uma formação menos setorizada, portanto, mais holística. Se Sonhos de 
Akira Kurosawa traz entre seus temas o “desenvolvimento sustentável”, 
o filme argentino Um conto chinês inclui temas igualmente candentes e 
momentosos, quais sejam, o acaso e a diversidade. 
Um dos capítulos escapa às classificações acima esboçadas, inserin-
do-se, a meu ver, e essa não deixa de ser uma contribuição inestimável, 
no âmbito da reflexão propriamente filosófica: “Por uma captação do 
Belo na produção cinematográfica: uma leitura kantiana do cinema em 
contraposição à proposta logopática”.
Para concluir esta apresentação, gostaria de destacar dois momentos 
em que a ideia de uma reflexão propriamente cinematográfica acaba 
se anunciando como salto necessário e incontornável. E tenho certeza 
que docentes e discentes já terão intuído essa necessidade, posto que 
ela sempre parece despontar em meio às reflexões feitas a partir dos 
filmes presenciados. 
O primeiro deles surge numa citação de Andrei Tarkóvski, que fala 
de um diálogo entre artista e espectador: “Ao se emocionar com uma 
12
Para além das palavras
obra-prima, uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo 
chamado de verdade que levou o artista a criá-la”. Longe de serem ape-
nas objetos propícios à reflexão acerca de determinados temas, e não 
significa que essa reflexão seja irrelevante, os filmes são, eles próprios, 
textos a demandar exegese, são sujeitos (vozes autorais) a nos propor 
diálogos numa linguagem bastante específica, posto que imagética, não-
-verbal.
Um outro momento vai ser encontrado em “Acaso e diversidade: 
aprendendo com as diferenças a partir de Um Conto Chinês”. Ao falar 
da sala de aula, em sua diversidade, como “espaço profícuo de trocas 
e aprendizado”, as autoras falam de “abertura e diálogo, para além das 
palavras”.
Assim, é no leque saudavelmente variado de escolhas e nos também 
saudavelmente arriscados voos ensaiados por estes autores que reside, 
a meu ver, a vitalidade desta publicação. O que equivale a dizer que, 
sem pretender realizar na breve duração de dois semestres letivos todo 
o potencial implícito em sua proposta, a disciplina terá levado os alu-
nos, aqui autores, a dar passos decisivos em seu modo de ver os filmes 
e, consequentemente, de ver o mundo, a vida, seus afazeres, com a 
consciência de que os nossos raciocínios e os nossos diálogos também 
podem se dar para além das palavras.
José Pedro Antunes
Docente do Departamento de Letras Modernas da 
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP
13
FICÇÃO CIENTÍFICA, 
CIÊNCIA E EDUCAÇÃO: 
AUDACIOSAMENTE INDO ONDE 
NINGUÉM JAMAIS ESTEVE
Alexandre Harlei FERRARI
No início de cada episódio, em off, a voz do capitão James Tiberius 
Kirk, comandante da nave estelar Enterprise da Federação Unida de 
Planetas ou, simplesmente, Frota Estelar, narrava a missão da espaço-
nave, enquanto as imagens contemplavam o infinito espaço sideral. 
Aquela voz pronunciava algo que passaria a ser um ícone dos fãs de 
ficção científica no mundo todo: 
O espaço, a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar 
Enterprise, em sua missão de cinco anos para exploração de novos 
mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosa-
mente indo onde nenhum homem jamais esteve. (JORNADA..., 
2015)1.
Jornada nas Estrelas ou Star Trek, no original em inglês, foi uma série 
de televisão produzida nos Estados Unidos com 79 episódios, divididos 
1 Transcrição da fala, em off, da abertura dos episódios exibidos no Brasil, a partir da versão da 
dublagem original. Vale lembrar que, posteriormente, com as novas séries derivadas, a frase 
de abertura foi atualizada, substituindo a palavra “homem” por “ninguém”, num movimento, 
aparentemente movido pelo “politicamente correto”.
14
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
em três temporadas e exibidos entre os anos de 1966, quando estreou 
na rede de Televisão NBC, até 1969, quando foi encerrada devido à 
baixa audiência, segundo os padrões para a época.
A série foi criada por Gene Roddenberry2, um roteirista e produtor 
apaixonado por ficção científica que elaborou o roteiro para uma rede 
de televisão dos EUA, cujas histórias retratavam as expedições de uma 
singular tripulação de humanos e não humanos (alienígenas), envoltos 
em diversos e conflitos e aventuras dentro de uma nave espacial pelos 
confins da galáxia, em busca de novos conhecimentos, desafiando limi-
tes, pesquisando novas civilizações e novas formas de vida e seguindo 
para além dos horizontes conhecidos.
Os personagens principais eram: o comandante da espaçonave 
Enterprise(ela própria um elemento essencial na série), identificado 
como capitão James T. Kirk, um estereótipo do cidadão norte-ameri-
cano (homem, viril, arrojado, audacioso, anti-herói, etc.); o alienígena 
de orelhas pontudas do planeta Vulcano, Dr. Spock, oficial científico, 
criado numa cultura do raciocínio lógico e apartado das emoções afe-
tivas; o oficial médico, Dr. McCoy, humano, com características de 
homem britânico, cheio de valores morais; a Tenente Uhura, humana, 
negra3, oficial-chefe de comunicações; o Sr. Scotty, engenheiro criativo, 
com soluções pouco usuais, de nacionalidade escocesa; o Sr. Sulu, que 
assumia o posto de piloto da espaçonave, de nacionalidade japonesa; o 
Alferes Checov, o navegador, de nacionalidade russa, um personagem 
com ares caricatos, atabalhoado.
Além das inovações tecnológicas de Star Trek, uma de suas maiores 
e mais significantes contribuições para a história da televisão foi 
seu elenco multirracial e multicultural. Isso se tornou comum na 
televisão a partir da década de 1980, porém nos anos 1960 isso 
era algo controverso e arriscado. Na ponte da Enterprise havia um 
2 Nasceu em 1921 e faleceu em 1991. Trabalhou como policial na cidade de Los Angeles – 
Califórnia, EUA; fez curso para piloto, mas não seguiu carreira. Após a Segunda Guerra 
Mundial, voltou a trabalhar como policial até tornar-se roteirista e produtor de séries televi-
sivas. Após sua morte, foi cremado e teve suas cinzas lançadas no espaço.
3 Nichelle Nichols foi a intérprete da tenente Uhura, uma das personagens principais da série. 
Representou, oficialmente, a primeira mulher negra, afrodescendente, a assumir um papel de 
destaque na cultura televisiva norte-americana, além de ter protagonizado, na mesma série, o 
primeiro beijo inter-racial da televisão ao lado do capitão Kirk.
15
Alexandre Harlei Ferrari
piloto japonês, um navegador russo, uma oficial de comunicações 
negra, um engenheiro escocês e um primeiro oficial alienígena.
(STAR ... 2015a)4.
Para além de mitos e folclore acerca da série, das histórias levadas ao 
ar, de seu criador e dos atores e suas personagens, Star Trek não foi uma 
série bem-sucedida em sua primeira exibição nos Estados Unidos. De 
fato, nas três temporadas em que existiu oficialmente, foi considerada 
pelos chefões da emissora NBC como uma série muito complexa, difícil 
de ser entendida quando pensada para um público não identificado 
com a temática ciência e ficção científica (STAR..., 2015a).
Todavia, a legião de trekkers, como mundialmente são conhecidos 
os fãs da série, cresceria ao longo dos anos, gradativamente à medida 
que a mesma chegava ao fim de sua existência, em 1969, quando foi 
exibida no horário das 22 horas, às sextas-feiras, o que é considerado, 
para o padrão norte-americano, um horário fadado ao fracasso. Mesmo 
a intervenção dos fãs, que se acumulavam naquele momento, não foi 
suficiente para manter a série no ar. O sucesso veio mesmo com as 
constantes reprises, já nos anos de 1970.
A partir dos anos de 1970, Jornada nas Estrelas foi exportada 
mundo afora, conquistou públicos com suas histórias extraordinárias 
e as aventuras protagonizadas por sua tripulação, tendo como pano 
de fundo as mais inverossímeis invenções tecnológicas, as paisagens 
mais espetaculares e os difíceis dilemas psicológicos que eram postos 
às personagens que compunham o elenco fixo e volante dos episódios 
exibidos, influenciando o imaginário cultural de toda uma geração de 
espectadores.
Enquanto produto de uma indústria cultural, Jornada nas Estrelas 
deu origem a um longevo, diversificado e lucrativo mercado imagético, 
tendo sido produzidos, com o mesmo elenco e argumentos da série 
original, seis filmes para o cinema: Jornada nas Estrelas: O Filme, 1979; 
Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan, 1982; Jornada nas Estrelas III: À 
4 Talvez a assim chamada enciclopédia livre Wikipédia – referência eletrônica aqui indicada – 
não seja a melhor fonte de consultas para capítulos como este, porém, como no caso o mote 
para o tema em discussão é uma reconhecida série televisiva norte-americana de sucesso mun-
dial, cujas informações são dispersas e cheias de folclore e mitos, vemos na página do assunto 
Star Trek da enciclopédia uma fonte de informações com certa credibilidade. 
16
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
Procura de Spock, 1984; Jornada nas Estrelas IV: A Volta Para a Terra, 
1986; Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira, 1989; e Jornada nas 
Estrelas VI: A Terra Desconhecida, 1991.
Com o sucesso da franquia no cinema, uma nova série televisiva foi 
produzida e, embora baseada no contexto original, um novo elenco foi 
lançado, porém, sem o mesmo charme, carisma e empatia do anterior. 
Concebida como Star Trek – The Next Generation, 1987-1994, a série 
rendeu ainda outros quatro filmes para o cinema (1994, 1996, 1998 
e 2002).
Recentemente, em 2009 e 2013, com o intuito de recontar a his-
tória, sem as amarras já estabelecidas pelas séries e filmes anteriores, 
dando fôlego a uma possível nova franquia com base na estrutura ini-
cial, foram lançados mundialmente os longas-metragens Star Trek (o 
décimo primeiro filme), que teve grande sucesso de público/bilheteria 
e crítica; e Star Trek – Além da Escuridão, com a mesma repercussão e 
êxito do anterior. 
Outra característica do sucesso que veio com o reconhecimento 
internacional da obra foi que Star Trek conseguiu derivar o argumento 
original da história para outras quatro séries de televisão, conhecidas 
como Star Trek – The Animated Series, 1973-1974; Star Trek – Deep 
Space Nine, 1993-1999; Star Trek – Voyager, 1995-2001; e Star Trek – 
Enterprise, 2001-20055.
Ao recuperamos a história desta série de televisão, apresentando 
algumas de suas características básicas, nosso objetivo é situar o leitor 
no caminho a ser percorrido neste ensaio sobre ficção científica, ciência 
e educação.
De fato, apesar de não ser um jovem daquela época e não ter vivido 
os anos de 1960 e 1970 tão intensamente como os integrantes de uma 
geração particular, pude acompanhar meus irmãos mais velhos nesta 
saga, já que eles nasceram em 1960/1961 e cultuaram a série em suas 
repetições, no final dos anos de 1970 e ao longo de toda a década de 
1980.
Naqueles momentos em que dividíamos a atenção ao assistir os 
episódios exibidos pela televisão brasileira, na reprise da série, perce-
5 Para outras referências e informações sobre a série Star Trek indicamos, apesar da controvérsia, 
que seja acessada a página da Wikipédia (STAR ..., 2015a), que consideramos como uma fonte 
confiável de informação no que tange a este assunto especificamente.
17
Alexandre Harlei Ferrari
bia o olhar atento com que meus irmãos acompanhavam o desenrolar 
das histórias, além de observar nosso interesse por mundos, máquinas, 
seres, viagens à velocidade da luz e outras coisas fantásticas, que iam 
muito além do mundo real que conhecíamos. 
Tecnologias como o teletransport – a desintegração das pessoas em 
partículas e sua reintegração num outro lugar, sem qualquer falha neste 
processo; ou os processadores de alimentos que construíam os alimentos a 
serem ingeridos, com as mesmas características, consistência e aparência 
dos alimentos que ingeríamos; ou a “velocidade de dobra”, que era a 
velocidade com a qual a nave se deslocava pelo espaço sideral, superior à 
velocidade da luz, sem se esfacelar – tudo isso era a coisa mais fantástica 
que eu, como criança, podia imaginar.
Toda aquela tecnologia e desenvolvimento científico mostravam um 
Planeta Terra, integrante de uma Federação Unida de Planetas, sem 
desordens como fome, miséria, guerras ou disputas territoriais e com a 
cura de quase todas as doenças existentes; naquele lugar, aparentemente, 
não existiam problemas ambientais e outras questões corriqueiras que 
afligem a humanidade nos dias de hoje. 
As imagens exibidas, talvez com algum exagero de linguagem, eram 
o retrato sonhado de um futuro possível,com muitas promessas e pers-
pectivas, além, é claro, de um possível admirável mundo novo, onde 
já teríamos solucionado quase todos os problemas que enfrentamos e 
todas as dificuldades vividas nos anos de 1970 e 1980 não seriam mais 
do que lembranças do passado.
Todavia, é importante considerar que esta “visão de futuro” retra-
tada na série original situa-se num distante horizonte hipotético, fruto 
da imaginação de um homem deslumbrado com as possibilidades da 
ficção científica e dos avanços tecnológicos, e que não chegou, de fato, 
a acontecer até o presente momento.
De qualquer modo, esta série produziu algo muito mais interessante 
do que somente sonhos de um futuro fantástico: levou toda uma gera-
ção a interessar-se pelo tema ciência, ou seja, as hipotéticas invenções 
e avanços tecnológicos apresentados no enredo da série despertaram o 
interesse de muitos pelo conhecimento científico. Na prática, a ficção 
científica, tratada como literatura, tornou possível desenvolver o inte-
resse pelo saber científico.
18
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
Assim, entre o mero entretenimento de ficção científica e o conheci-
mento científico categórico, fundamentado nas ciências exatas, biológi-
cas e humanas, podemos pensar que aquilo que é retratado no universo 
de Star Trek, com a mistura de todos seus elementos e o deslumbramen-
to que provocam, torna possível tratar de assuntos ásperos e próprios 
da ciência de uma forma sutil, favorecendo a aprendizagem a partir 
da curiosidade, num conjunto de ações impulsionadas pela busca de 
respostas, pela verificação de possibilidades e pelo questionamento das 
possíveis verdades existentes nas histórias, sem com isso fixar-se em 
conceitos e conteúdos de difícil assimilação. 
A ficção científica, embora possa ser percebida dentro de um arca-
bouço de contos, ideias, conceitos, acepções e proposições na ordem 
de um universo fantástico e talvez pouco provável de vir a tornar-se 
real, não deixa de ser uma porta de entrada para um conjunto de 
conhecimentos organizados e reconhecidos dentro da ciência acadê-
mica.
A propósito disso, ciência e ficção podem caminhar juntas. 
Em diferentes discursos a ficção apresenta-se como o mítico, o 
onírico, o artístico ou o literário. Podemos afirmar que são discur-
sos de representação e apresentação implícitas e/ou explícitas do 
mundo visível, sendo comum a estas representações o sentido da 
palavra. [...] A ficção é o ato da criação, no qual percebemos, com 
base em nossos referenciais, o mundo que nos cerca. Não há, nesta 
produção, mesmo revelando aspectos importantes da realidade, a 
preocupação em se produzir um discurso da verdade [...] Mesmo 
não se preocupando em produzir verdades, os escritores de fic-
ção acabam por produzirem um mundo ainda não pensado pelas 
‘ciências’, mas sem se preocupar em explicar o mundo. (GOMES-
MALUF; SOUZA, 2008, p.275).
Para os autores, o mundo da ficção torna real o imaginário, constrói 
possibilidades e amplia os aspectos da realidade no imaginário humano 
e, à medida que “oportuniza a criação de um discurso que seja validado 
pelo real/racional”, torna a ficção digna de crédito como qualquer outro 
discurso que se apresenta como “leitura do real” (GOMES-MALUF; 
SOUZA, 2008, p.275-276). Além disso, 
19
Alexandre Harlei Ferrari
Ao ser a ficção científica uma narrativa que estabelece uma rela-
ção intrínseca entre o conhecido e o desconhecido, não se preo-
cupando com a previsão do futuro, o que se espera é somente um 
mundo imaginado [...] Não há, na ficção científica, a profecia em 
si, mas esta se impregna de elementos da realidade e da produção 
da Ciência para se fazer ficcional e real perante a opinião públi-
ca. Além das profecias, as obras ficcionais podem ser consideradas 
como antevisões [...]. (GOMES-MALUF; SOUZA, 2008, p.276-
277).
No que concerne à ciência e educação, os autores apontam estudos 
que identificam, já na década de 1970, nos Estados Unidos, a utilização 
de filmes de ficção científica por professores do ensino superior como 
recurso didático no ensino de ciências. 
Os autores concluem que:
A produção literária envolvendo o gênero ficção científica transfor-
mou-se em uma fonte de informação em tempo real e imaginário. 
No tempo real é apresentado ao público o que na Ciência se discute 
atualmente e quais os direcionamentos apresentados pelas novas 
pesquisas; e em tempo imaginário, a ficção científica transforma o 
caminhar das pesquisas científicas em “futuro possível”, oferecen-
do a possibilidade de se fazer Ciência, antecedendo os resultados 
a serem alcançados. Ao trabalhar entre estes dois mundos, a fic-
ção científica favorece o acesso a diferentes produções da Ciência, 
oportunizando, com base em uma obra artística, o contato com 
as transformações que o homem da Ciência vem imprimindo ao 
mundo. (GOMES-MALUF; SOUZA, 2008, p.280).
Seja no ensino de ciências, como exposto há pouco, seja no ambien-
te da sala de aula, a ficção científica permite a abordagem de um uni-
verso significativo de temas nos currículos escolares, que podem ser 
mediadores de conceitos e possibilitam a reflexão ou mesmo uma apro-
ximação do imaginário com o real.
Nesse aspecto, Machado (2011), ao discutir a atratividade das obras 
cinematográficas de ficção científica junto ao público em geral, bem 
como de sua utilização na educação, chama atenção para o apelo ima-
20
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
ginário e imagético que estas obras podem proporcionar na discussão 
de questões psicológicas, filosóficas, sociológicas, políticas, econômicas, 
ambientais, etc. Para o autor, 
De certa forma o exercício da exploração de potenciais futuros é um 
dos principais objetivos disciplinares da FC na educação. Vivemos 
em uma sociedade atribulada com mudanças sociais rápidas, as 
quais nos forçam a olhar para o futuro. Essa busca futurística deve 
ser uma função básica e contínua no campo da educação. Se levar-
mos em conta o princípio de que os educandos devem estar prepa-
rados para um mundo em que uma iminente diversidade embrio-
nária de novos estilos de vida, valores e sistemas sociais concorrerão 
para coexistir, então, a educação deve necessariamente expandir seu 
domínio disciplinar para o campo da projeção futurística também, 
a fim de poder abarcar o exame do que é possível no potencial do 
desenvolvimento humano. (MACHADO, 2011).
Em consonância com Machado (2011), Piassi e Pietrocola (2009, 
p.527) ressaltam que
A FC tem sua própria maneira de falar sobre ciência, que é uma 
maneira que não encontramos mesmo em outras expressões fic-
cionais que falam da ciência. Ela é didática, porque se propõe a 
veicular ideias, mas não no sentido de explicar o que é a ciência 
ou ensinar conceitos científicos, embora isso possa ocorrer ocasio-
nalmente. O que ela veicula, acima de tudo, são as questões que 
incomodam ou estimulam as pessoas, e que são questões originadas 
na ciência e na nossa relação sociocultural com ela. 
Para os autores, a ficção científica se configura no campo de discus-
são sobre a própria ciência, permitindo que questões mais profundas 
sejam alçadas ao debate social, partindo do campo ficcional em direção 
à realidade científica (PIASSI; PIETROCOLA, 2009).
Aliás, a partir da proposição de Piassi (2007), é interessante observar 
que os “temas recorrentes, ou lugares comuns”, que inserem e situam a 
ficção científica dentro da literatura e da cinematografia, podem “[...] 
abranger desde a temática geral abordada na obra até os objetos des-
21
Alexandre Harlei Ferrari
critos no texto ou apresentados no filme de ficção científica”, sendo 
que “[...] esse amplo conjunto constitui um repertório que é uma das 
principais características do gênero” (PIASSI, 2007, p.118).
Nesse sentido o autor descreve, a partir da compilação de diversos 
autores, que os principais tópicos (lugares-comuns) ligados à temática 
ficção científica,são: “viagens em naves interplanetárias e interestelares”; 
“exploração e colonização de outros mundos”; “guerras e armamentos 
fantásticos”; “impérios galácticos”; “antecipação, futuros e passados 
alternativos”; “utopias e distopias”; “cataclismas e apocalipses”; “mun-
dos perdidos e mundos paralelos”; “viagens no tempo”; “tecnologias e 
artefatos”; “cidades e culturas”; “robôs e androides”; “computadores”; 
“mutantes”; “poderes extrassensoriais” (PIASSI, 2007, p.118).
De qualquer modo, a respeito do tema sobre o qual discorremos, 
tendo em vista a abordagem realizada por Piassi (2007), o que nos move 
é aceitar a possibilidade de que, apesar das diferentes e muitas vezes 
extravagantes abordagens da ficção científica frente ao conhecimento, 
ao desenvolvimento humano, às sociedades, às tecnologias e tudo mais, 
alguns dos acontecimentos podem ser considerados possíveis de se tor-
narem realidade na existência humana, em algum momento futuro.
Para Piassi (2007, p.125), 
A construção dos elementos a partir do discurso científico não 
significa, porém que os elementos devam possuir base científica. 
O que eles devem possuir, isso, sim, é uma dinâmica de funciona-
mento que remeta à ciência e às suas formas próprias de explicar o 
mundo, dinâmica essa incorporada aos elementos como forma de 
sustentação de sua verossimilhança.
E, ainda, de acordo com o autor, 
Nas obras de ficção científica, a conjecturabilidade no âmbito da 
racionalidade científica será tanto mais presente quanto mais forte-
mente for estabelecida uma rede de relações baseadas em vínculos 
de causalidade, ou seja, as relações criadas com os elementos sendo 
causais e inteligíveis dentro de uma estrutura de racionalidade cien-
tífica. Além disso, quanto mais densa for essa rede, em outras pala-
vras, quanto mais as relações estabelecidas sejam potencializadas 
22
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
por uma multiplicidade de implicações, maiores as possibilidades 
de levantar questões de cunho científico-filosófico, e é aí que, ao 
nosso ver, reside o particular interesse da ficção científica como 
instrumento de ensino. (PIASSI, 2007, p.133).
Em defesa da ideia que nos move, entendemos que a ficção científica 
pode inserir-se nos diferentes aspectos do processo educativo como 
elemento coparticipante no ensino, o que significa dizer que, a parir de 
uma obra de ficção científica, especialmente de cunho cinematográfico, 
temos ingredientes que permitem ampliar as possibilidades metodoló-
gicas para a consecução do objetivo de ensinar.
Notadamente, não reduzimos esta perspectiva de “ensinar” a algum 
campo específico do conhecimento humano, isto é, salientando a ficção 
científica não estamos reduzindo esta perspectiva somente ao ensino 
de ciências, de física, da química ou da matemática etc., mas ampliado 
para outras áreas como a sociologia, a psicologia e a filosofia, além de 
questões de ética e moral. Seja como for, 
Quem, ao assistir um filme de guerra espacial, já sentiu uma certa 
angústia ao ouvir o impossível som retumbante de naves explo-
dindo no vácuo do espaço certamente deve ter questionado se a 
ficção científica não presta um desserviço ao ensino de ciências. 
Porém, o que muitos professores e pesquisadores têm defendido 
é que – com ou sem falhas conceituais – a ficção científica pode 
se constituir num importante recurso em sala de aula. (PIASSI, 
2007, p.135).
Tirando os excessos de (d)efeitos especiais, incrementados e apresen-
tados em obras de ficção científica na arte cinematográfica, por exem-
plo, e, para além de simplesmente encontrar erros conceituais e cien-
tíficos nessas obras, entendemos que é possível, com segurança, adotar 
tal recurso na educação com ganhos significativos para o processo de 
ensino-aprendizagem. 
Retornando a Piassi (2007, p.141), a inserção da ficção científica na 
sala de aula tem por perspectiva proporcionar ao aluno a investigação 
dos caminhos da ciência, corroborando para um “processo de proble-
matização” e de “investigação cultural ativa”. 
23
Alexandre Harlei Ferrari
É preciso observar, diante do discurso empreendido, que não se trata 
de reduzir uma obra cinematográfica de ficção científica a meros deta-
lhes observáveis, relacionáveis ou refutáveis a determinados conteúdos 
curriculares em sala de aula. Ao contrário, preservar a integridade da 
obra, sua composição, sua estética no conjunto que lhe cabe, é também 
permitir ampliar os horizontes de discussão (PIASSI, 2007). 
Não nos cabe defender, em vista dos elementos discutidos, que a 
obra cinematográfica tenha um fim apenas didático – a didatização 
do cinema em sala de aula –, mas que ela contribua, para além dos 
elementos associáveis aos conteúdos abordados, com elementos para 
diferentes e amplas reflexões conceituais, filosóficas, científicas, socio-
lógicas e psicológicas. 
Portanto, possibilita-se à obra cinematográfica, no caso a ficção cien-
tífica6, mediante a escolha dos objetivos a serem alcançados em sala de 
aula, favorecer o olhar múltiplo e heterogêneo, levando o aluno ao “[...] 
prazer da leitura, à apreciação da obra em sua força artística” (PIASSI, 
2007, p.148).
Diante dessas considerações, retornando ao tema que trouxemos à 
discussão (ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo 
onde ninguém jamais esteve), nosso objetivo é ponderar que a obra 
composta pela série televisiva original de Star Trek e a série cinemato-
gráfica composta por seis filmes longa-metragem possam ser utilizadas 
em sala de aula como elementos discursivos capazes de suscitar debates 
diversos, como os que já mencionamos: teórico-científicos, conceituais, 
filosóficos, sociológicos, psicológicos, etc.
Não obstante, é óbvio que consideramos a impossibilidade de que, 
no ambiente escolar, na sala de aula, na duração da aula proposta, seja 
possível dar contar de uma obra gigantesca (episódios e duração) como 
Jornada nas Estrelas. Com certeza, reconhecemos a real impossibilidade 
de trabalhar todos os conteúdos abordados nos diferentes episódios, 
tanto da série de televisão, quanto da série de filmes para o cinema. Por 
isso, diante dos elementos, optamos por nos ater a uma única obra de 
toda a série – Jornada nas Estrelas: o filme 7. 
6 De fato, nesta questão da não didatização da obra cinematográfica, nossa ressalva cabe a 
qualquer outro gênero, que não somente à ficção científica.
7 Porém, diante da perspectiva que as múltiplas possibilidades do ensino nos propõem, espe-
cialmente daquelas para além da sala de aula, não menosprezamos o fato de que Jornada nas 
24
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
Como apresentamos anteriormente, a opção pela série de televisão 
e cinema Jornada nas Estrelas deve-se por seu aspecto de pensar – con-
tar, imaginar, supor e vislumbrar – a existência humana num futuro 
distante. Um futuro com diversas possibilidades da vida em relação às 
tecnologias e ao universo conhecido, salientando que
A série Jornada nas Estrelas é conhecida por popularizar diver-
sos artefatos tecnológicos imaginários, tais como o aparelho de 
teletransporte, as pistolas phasers, o motor de dobra que permite 
viagem acima da velocidade da luz, entre muitos outros. (PIASSI, 
2007, p.346).
O episódio cinematográfico Jornada nas Estrelas: O filme (Star 
Trek: The Motion Picture, no original em inglês) foi produzido pelos 
estúdios da Paramount Pictures nos Estados Unidos (EUA) e teve seu 
lançamento nos cinemas em 7 de dezembro de 1979, sendo um lon-
ga-metragem de 131 minutos, com direção de Robert Wise (STAR..., 
1979).
O elenco principal do filme (que apareceria nos outros cinco filmes 
da sequência) foi composto pelo mesmo elenco da série de televisão 
original (1966 – 1969), sendo:
• William Shatner como James T. Kirk – o antigo capitão da nave 
espacial Enterprise, neste filme alçado à condição de almirante 
da Frota Estelar.
• Leonard Nimoy como Dr. Spock – ooficial de ciências meio 
humano e meio vulcano da nave Enterprise. 
• DeForest Kelley como Leonard McCoy – o oficial médico-
-chefe.
• James Doohan como Montgomery Scott – o engenheiro-chefe.
• Walter Koenig como Pavel Chekov – o oficial de armas da nave. 
• George Takei como Hikaru Sulu – o piloto. 
Estrelas vá para além da sala de aula, extrapolando o ambiente escolar para o extraclasse, no 
qual os alunos poderiam ter acesso ao acervo completo.
25
Alexandre Harlei Ferrari
• Nichelle Nichols como tenente Uhura – a oficial de comuni-
cações. 
A outra parte do elenco, que dava sentido ao enredo deste episódio, 
era composta por:
• Persis Khambatta como Ilia – a navegadora delta da Enterprise. 
• Stephen Collins como Williard Decker – o novo capitão da 
Enterprise, que é temporariamente rebaixado a comandante 
enquanto Kirk assume o comando da nave.
• Majel Barret como Christine Chapel – médica especialista a 
bordo da nave espacial.
• Grace Lee Whitney como Janice Rand – chefe de transporte 
da nave.
• David Gautreaux como Branch – comandante da Estação de 
Monitoramento Epsilon. 
O enredo do filme, a história que movimenta a produção é estabe-
lecida assim:
Uma estação de monitoramento da Frota Estelar detecta uma força 
alienígena escondida dentro de uma enorme nuvem de energia que 
se move pelo espaço indo em direção a Terra. A nuvem destrói três 
cruzadores Klingon e a estação de monitoramento em seu caminho. 
Na Terra, a nave estelar USS Enterprise passa por uma grande refor-
ma. Seu antigo capitão, o agora almirante James T. Kirk, trabalha 
em São Francisco como chefe de operações da Frota Estelar. A Frota 
envia a Enterprise para investigar a nuvem, já que esta é a única 
nave em distância de interceptação, fazendo com que seus sistemas 
sejam testados durante a viagem.
Kirk consegue reconquistar o comando da nave devido a sua expe-
riência no espaço, enfurecendo o capitão Willard Decker, que 
supervisionou toda a reforma da nave como oficial comandante. 
Os testes dos novos equipamentos da Enterprise vão muito mal, 
26
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
dois oficiais, incluindo o oficial de ciências, são mortos em um 
problema do transporte e a nave é quase destruída em um proble-
ma dos motores de dobra. A tensão entre Kirk e Decker aumenta 
quando o primeiro mostra nenhuma familiaridade com as novas 
instalações da nave. Spock chega como oficial de ciências substi-
tuto, explicando que quando ele estava em Vulcano, passando por 
um ritual para expulsar todas as emoções, ele sentiu uma presença 
que ele acredita vir da nuvem.
A Enterprise intercepta a nuvem de energia e é atacada. Spock 
consegue identificar uma mensagem vinda da nuvem e envia uma 
resposta, permitindo que a Enterprise entre na nuvem. Uma sonda 
aparece na ponte da nave, ataca Spock e sequestra a navegadora Ilia. 
Ela é substituída por uma androide, na verdade uma sonda enviada 
por “V’Ger” para investigar a tripulação. Decker fica perturbado 
por perder Ilia, com quem teve uma relação romântica. Ele fica 
aflito enquanto tenta extrair informações da sonda que possui os 
sentimentos e as memórias de Ilia enterradas em algum lugar. 
Spock faz uma caminhada espacial por dentro da nave alienígena 
e tenta fazer um elo mental com ela. Ele descobre que V’Ger é, na 
verdade, uma máquina viva. No coração da gigante nave, V’Ger é 
revelado como sendo Voyager 6, uma sonda do século XX da Terra, 
que se acreditava estar perdida. A sonda danificada foi encontrada 
por uma espécie alienígena de máquinas vivas que interpretaram 
sua programação original como instruções para aprender tudo que 
há para ser aprendido e retornar essas informações de volta para 
o Criador. 
As máquinas constroem a enorme nave para que Voyager cumpra 
seu objetivo. Em sua jornada, ela adquire tanto conhecimento que 
acaba por desenvolver uma consciência própria. Spock percebe 
que V’Ger não possui a habilidade de definir um objetivo por si 
próprio além de sua programação original, ela acha sua existência 
vazia e sem propósito. Antes de transmitir suas informações, V’Ger 
insiste que o Criador venha em pessoa para finalizar a sequência. 
Percebendo que a máquina quer se juntar ao seu Criador, Decker 
27
Alexandre Harlei Ferrari
se oferece para V’Ger. Ele se junta à sonda Ilia e V’Ger, criando 
uma nova forma de vida que desaparece em outra dimensão. Com 
a Terra salva, Kirk direciona a Enterprise para uma nova missão. 
(STAR ..., 2015b). 
Da história deste episódio, voltando-nos para questões educativas 
sem, contudo, minimizar ou simplesmente didatizar a obra cinemato-
gráfica, podemos retirar alguns elementos interessantes para discussões:
1. Campo Científico – Tecnologia e Desenvolvimento Tecnológico
Jornada nas Estrelas nos transporta a um “possível” futuro da 
humanidade – Século XXIII, e retrata supostas conquistas no campo 
da tecnologia como a construção de naves capazes de viajar pelo espa-
ço sideral em velocidade superior à velocidade da luz; a capacidade 
de nos teletransportar – ou seja – o transporte da matéria através de 
sua decomposição e recomposição de um local físico para outro; a 
produção de alimentos sintéticos – alimentos com combinação de 
elementos químicos, não nocivos, que teriam as mesmas proprieda-
des dos alimentos “naturais” – aqueles extraídos dos vegetais e seres 
animais (carne).
Neste tópico, a discussão pode envolver o debate sobre o desenvolvi-
mento tecnológico e a possibilidade de se atingir um nível de evolução 
capaz de produzir as máquinas referidas, com alguns aspectos a questio-
nar: o conhecimento científico é capaz de chegar a tal ponto, superando 
os limites do conhecimento real sobre questões no campo da Física ou 
da Química?; Seríamos capazes de superar os limites impostos pelas leis 
da física, como a gravidade e a velocidade da luz?
2. Campo Psicológico – As Relações Interpessoais e a Pressão 
Psicológica
O filme expõe, além das características inerentes às personagens, 
determinadas peculiaridades psicológicas em relação à função que exer-
cem para si e para os outros, isto é, o comandante da nave exerce o 
papel de comandante ao mesmo tempo em que se relaciona com os 
outros e com a sua função. Da mesma forma, cada personagem segue 
a mesma ordem, o que contempla um ciclo de discussão acerca de: a 
capacidade dos indivíduos de lidarem com suas responsabilidades; a 
28
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
necessidade dos indivíduos de viverem em comunidade; a identidade e 
a alteridade das personagens representadas e por aí segue.
Uma das partes comuns aos diferentes enfoques é tratar da questão 
da convivência profissional num determinado espaço físico, por exem-
plo, a espaçonave limita a existência social de cada um à função que 
exercem e à impossibilidade de deixarem aquele local, caso queiram 
abandonar a jornada (o trabalho para o qual são contratados). É possí-
vel ver aqui as múltiplas relações dos indivíduos com o espaço social e 
físico que ocupam numa determinada condição: são livres para ir e vir, 
circular pelos espaços, mas não são livres para serem autônomos e dei-
xarem o lugar, caso queiram desistir. Percebemos a autonomia relativa 
com que cada indivíduo estabelece sua identidade e sua existência, não 
sendo possível “voltar para casa”, quando bem desejar. 
3. Campo Sociológico: A Dimensão do Indivíduo para Além do 
seu Planeta
É preciso perceber a questão que se coloca: indivíduos em uma nave 
espacial, vagando pelo universo, numa pressuposta missão científica 
de pesquisa a novas formas de vida, novas civilizações, audaciosamente 
indo onde ninguém jamais esteve. 
Como seria possível aceitar que pessoas, num dado momento, 
pudessem se ausentar da sociedade em que vivem, para viajar para mui-
to além das cidades, Estados, países e continentes: uma viagem para 
além da galáxia conhecida. Assim, que impactos teríamos nas relações 
sociais,na cultura, na dimensão simbólica e prática da participação do 
indivíduo na vida pública das sociedades? 
Estaríamos aceitando a perspectiva de que as pessoas pudessem ir, 
como nas navegações do neocolonialismo, para novos lugares e espaços 
geográficos sem, com isto, termos a garantia de retorno ou mesmo, 
numa dimensão maior, é viável pensar na possibilidade dos indivíduos 
deixarem sua comunidade numa passagem só de ida?
Estamos prontos a lançar seres humanos ao espaço sem fim, sus-
tentando a ideia de que pode ser uma partida sem volta? A humani-
dade aceitaria, passivamente, que indivíduos fossem remetidos para 
além do sistema solar, sem que houvesse garantia de comunicação ou 
retorno?
29
Alexandre Harlei Ferrari
4. Campo Ético-Filosófico: A Capacidade Humana de Escolher e 
Observar
Que questões éticas estariam postas à humanidade no momento em 
que se permitisse pesquisar novas formas de vida e novas civilizações 
como um projeto nobre? Ou seja, investigar, universo afora, a fim de 
encontrar outras formas de vida, implicaria na neutralidade da não 
interferência naquilo que fosse encontrado? Que decorrências haveria 
para a humanidade descobrir civilizações mais ou menos avançadas que 
a nossa? Como nos portaríamos diante de diferentes sociedades? 
As relações ético-filosóficas postas neste contexto podem ser inú-
meras, de ordem conceitual, inclusive, em relação ao pressuposto de 
“guiar” indivíduos ao desconhecido, sem, com isso, lhes oferecer garan-
tias de que será seguro e de que retornarão ao local de partida. Seria 
possível comparar as singularidades em relação às grandes navegações? 
Seria possível aceitar o impacto que o homem levou às áreas coloni-
zadas? 
O enredo do filme, em sua essência, traz ainda outras questões que 
podem ser discutidas: 
• O homem enviou ao espaço as sondas Voyager1 e 28 – fato real, 
acontecido no ano de 1977. Estas sondas, pequenos artefatos 
tecnológicos equipados com câmeras e sistema de comunicação 
que transmitem os registros realizados, navegam pelo sistema 
solar, estudando e investigando os planetas e os fenômenos ao 
longo do caminho. Em 2004, as sondas completaram sua mis-
são no nosso sistema solar, isto é, chegaram aos seus limites e 
encontram-se, agora, no limiar do espaço, rumo ao infinito. 
Detalhe: carregam dentro de si um disco de ouro com diversas 
gravações que “exemplificam” a vida humana (música, imagem, 
textos, cartas, etc.).
O argumento do filme: num futuro distante, uma destas sondas é 
encontrada por uma civilização espacial que decodifica a sua linguagem 
e a manda de volta para que o criador (os homens que a enviaram ao 
espaço) obtenha a resposta que procurava no início. Pois bem, que 
8 Cf. NASA (2015). 
30
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
dados esta sonda coletou ao longo de sua viagem? Que informações 
ela pode nos trazer? E mais, o que esta sonda, agora uma entidade que 
adquiriu consciência, pode dizer ao homem?
É possível imaginar que a NASA – Agência Espacial Norte-
Americana, com duas sondas Voyager lançadas rumo ao espaço infinito, 
pode trazer alguma informação sobre algo tão distante de nós? Seremos 
capazes de identificar a origem do universo? É possível encontrar outras 
formas de vida? Ou seja: estamos ou não sós no universo?
Voyager 1 e 2 poderão continuar indefinidamente seu percurso em 
direção ao universo infinito e, ainda que possam colidir com outros 
corpos celestes e serem destruídas a qualquer momento, poderiam 
seguir sua jornada sem destino para sempre? Contudo, tendo em vista 
a tecnologia com que foram construídos seus motores, propulsores e 
os sistemas de navegação, pararão de funcionar por volta do ano de 
2020, quando não mais será capaz de produzir energia. Literalmente 
será uma máquina a deriva no cosmos, carregando consigo o disco 
de ouro que contém a localização do Planeta Terra e traços de nossa 
civilização. 
Porém, será que, caso aceitemos a ideia da existência de outra civi-
lização e esta sonda for encontrada por “alguém”, esta civilização será 
capaz de decodificar as informações contidas no disco? A mesma civi-
lização será capaz de se comunicar conosco? 
A despeito do filme (e da série e sua sequência de filmes), o que 
mais nos instiga é discutir os avanços tecnológicos em relação à capa-
cidade humana de produzir tal desenvolvimento científico, ou os 
fatores éticos, filosóficos e sociológicos que podem vir a derivar dos 
temas abordados e que podem ser utilizados em sala de aula. De fato, 
o que nos move é a reflexão acerca da nossa capacidade de suportar 
a ideia de que uma aventura como esta possa nos lançar ao infinito 
desconhecido. 
Aliás, para encerrarmos nossa conversa, fica a reflexão acerca da 
possibilidade de uma destas sondas ser encontrada por uma civilização 
capaz de entendê-la e responder às perguntas nela contidas. Assim sen-
do, podemos, um dia, receber um bilhete perguntando se queremos a 
sonda de volta ou mesmo se aceitamos trocar ideias sobre cultura ou 
culinária. De fato, e essa pergunta exige alguns minutos de silêncio: será 
que estaremos aqui para receber o tal bilhete? 
31
Alexandre Harlei Ferrari
REFERÊNCIAS
GOMES-MALUF, M. C.; SOUZA, A. R. de. A ficção científica e o ensino 
de ciências: o imaginário como formador do real e do racional. Ciência & 
Educação, Bauru, v.14, n.2, p.271-282, 2008. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/ciedu/v14n2/a06v14n2.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2015.
JORNADA nas estrelas. Direção: Robert Wise. Los Angeles: Paramount 
Pictures, 1979. 1 DVD (131 min).
JORNADA nas estrelas: abertura de séries de TV. 1 Vídeo (7min46). 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=VVpdti-dTds&NR=1>. 
Acesso em: 22 fev. 2015.
MACHADO, C. A. A ficção científica e sua aplicação na educação. Rio 
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Disponível em:<http://www.grupem.pro.br/docs/artigo14.pdf>. Acesso em: 
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NASA. Jet Propulsion Laboratory. Vovager: the intersteller mission. Disponível 
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PIASSI, L. P. de C. Contatos: a ficção científica no ensino de ciências em 
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Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: 
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PIASSI, L. P. de C.; PIETROCOLA, M. Ficção científica e ensino de ciências: 
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STAR trek: the motion picture. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. 
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Star_Trek:_The_Motion_
Picture>. Acesso em: 22 fev. 2015b.
32
Ficção científica, ciência e educação: audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve
STAR trek: the original series. Direção de Joseph Pevney, Marc Daniels e 
outros. Interpretes: William Shatner; Leonard Nimoy; DeForest Kelley; 
James Doohan; Walter Koenig; George Takei; Nichelle Nichols. New York: 
Desilu Productions/Paramount Television, 1966-1969. 3 DVD. Série TV, 79 
episódios (50min cada). Exibido originalmente pela NBC Television.
FICHAS TÉCNICAS
FILME
Jornada nas Estrelas: o Filme
Título Original: Star Trek: The Motion Picture 
Ano: 1979
Produção: Estúdios Paramount Pictures
País: EUA
Idioma: Inglês (EUA)
Direção: Robert Wise.
Elenco: William Shatner; Leonard Nimoy; DeForest Kelley; James Doohan; 
Walter Koenig; George Takei; Nichelle Nichols.
Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica
Duração: 131 minutos
SÉRIE
Jornada nas Estrelas
Título Original: Star Trek – The Original Series (1966 – 1969)
Ano: Lançamento: 8 de setembrode 1966 (encerramento: 3 de junho de 
1969), 79 episódios
Produção: Desilu Productions/Paramount Television
País: EUA
Idioma: Inglês (EUA)
Exibição: NBC Television
Diretor: Joseph Pevney; Marc Daniels e outros
Elenco: William Shatner; Leonard Nimoy; DeForest Kelley; James Doohan; 
Walter Koenig; George Takei; Nichelle Nichols.
Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica
Duração: 50 minutos (cada episódio) 
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A LÍNGUA DAS MARIPOSAS: 
CIÊNCIA, IMAGINAÇÃO, 
AUTONOMIA E LIBERDADE
Miriam SULEIMAN
A história se passa um ano antes de ocorrer a Guerra Civil Espanhola 
(1936-1939). Moncho é um garoto de sete anos de idade que vive 
numa pequena aldeia, ao norte da Espanha. O garoto tímido, que sofre 
de asma, tem receio de ir ao seu primeiro dia de aula, pois naquela 
época os professores utilizavam como método pedagógico os castigos 
corporais. Para o menino, o professor “tem cara de malvado” e, como 
diz ao seu irmão mais velho na noite anterior ao primeiro dia de aula, 
para não apanhar, quer ir à América, “como fez o tio para não ir à guer-
ra”. Além do mais, já sabe ler e escrever, pois o pai havia lhe ensinado, 
quando ele esteve doente.
No dia seguinte, as crianças brincam em frente à escola, e Moncho é 
apresentado ao professor pela mãe, que pede ao mestre para ser paciente 
com ele, pois o menino se sente como “um pardal fora do ninho”. O 
apelido, Pardal, provoca gozações por parte dos alunos logo nos pri-
meiros instantes na classe, quando o professor pede a Moncho que se 
apresente, porém, posteriormente será uma forma carinhosa de trata-
mento do professor com o aluno.
Dom Gregório, o professor, longe da figura de mau, como Moncho 
imaginara, o recebe com afeto e o conduz à sala de aula. Porém, ao se 
apresentar à turma e se defrontar com uma exposição à qual não estava 
34
A língua das mariposas: ciência, imaginação, autonomia e liberdade
acostumado, faz xixi nas calças e, em seguida, sai correndo, escondendo-
-se na floresta até o anoitecer.
O professor, num gesto de humildade, compreende que, embora 
não tenha sido a intenção, causou constrangimento ao garoto e vai 
até a casa de Moncho, para se desculpar e pedir que ele volte à escola. 
Moncho retorna então à classe, de mãos dadas com Dom Gregório, 
que solicita aos demais alunos que o recebam com uma salva de palmas. 
O menino senta-se numa cadeira, ao lado da mesa do professor e, após 
responder corretamente a uma pergunta feita à classe, passa a se sentar 
ao lado de Roque, um garoto que acaba se tornando seu amigo.
Moncho, então, começa a se interessar pelos estudos. Em casa, conta 
aos familiares o que aprendeu, faz perguntas à mãe, mostrando curio-
sidade sobre diversos assuntos. Curiosidade esta que será cada vez mais 
instigada pelo seu mestre, com o passar dos dias.
Dom Gregório, um velho professor, é um homem solitário, que 
havia perdido sua esposa quando esta tinha 22 anos. Sensível, calmo, 
compreensivo, foge aos padrões dos mestres da época. Apaixonado pela 
profissão, mostra um grande respeito para com aqueles garotos em for-
mação, não bate, como era costume na época, trata-os com carinho e 
jamais grita. Adepto dos ideais democráticos, busca formar seus alunos 
tendo como base os princípios de liberdade. Ao invés de castigar, pro-
cura conciliar os conflitos, como em um episódio de uma briga entre 
Moncho e outro colega de turma, José Maria. O professor questiona 
o motivo da briga e, na sala de aula, pede para que Roque troque de 
lugar, para que José Maria se sente ao lado de Moncho. Mas ele alega 
que Roque é seu amigo e Dom Gregório, compreendendo que aquela 
amizade era importante para que o pequeno Moncho pudesse se inte-
grar ao ambiente escolar, permite que Roque continue sentado ao seu 
lado, solicitando apenas aos garotos brigões que apertem as mãos, num 
gesto de reconciliação. 
Outra cena, em que fica evidente a personalidade serena do mestre e 
a sua coerência com seus princípios de formação para a liberdade e para 
a autonomia, é quando ele está explicando um conteúdo à turma, e os 
alunos não demonstram o menor interesse, conversando, brincando e 
fazendo bagunça na sala. Dom Gregório, sem se irritar, simplesmente 
se cala e os alunos, pouco a pouco, percebendo a atitude do professor, 
também se calam, permitindo que a aula prossiga.
35
Miriam Suleiman
Porém nem todos veem com bons olhos as práticas pedagógicas 
adotadas por Dom Gregório. A Espanha vivia um clima político ten-
so e de conflitos ideológicos. Parte da sociedade se identificava como 
nacionalista, de direita, em defesa da pátria contra o comunismo ateu, 
enquanto outros, de esquerda, eram favoráveis à república (MOTTA, 
2008). Esse conflito de ideias fica evidente em um diálogo entre o 
padre da cidade e Dom Gregório. O religioso reclama ao professor que 
Moncho seria coroinha, porém o menino havia se desinteressado pelos 
assuntos da Igreja, após começar a estudar. O professor justifica que 
o garoto havia passado muito tempo trancado, por ter estado doente, 
portanto é natural que se interesse por outras coisas. Citando um trecho 
em latim, o padre diz: “Aves deixam seu calor nos ninhos”, ao que o 
professor responde, também em latim: “A liberdade estimula o espírito 
dos homens fortes”.
E esse espírito é estimulado pelo professor. Moncho, antes um garo-
to retraído, passa a buscar conhecer tudo que está à sua volta. Junto 
com seu amigo Roque, espia um casal de namorados e procura entender 
sobre amor e sexo. Mas quando chega a primavera, o menino aprende 
algo que o fascina: a língua das mariposas.
Na escola, Dom Gregório anuncia que, ao chegar a primavera, a 
turma terá aulas de História Natural ao ar livre. Na aula, explora o 
assunto, afirmando que a natureza “é o espetáculo mais surpreendente 
que o homem pode presenciar”. Moncho, com os olhos brilhando e os 
ouvidos atentos, acompanha a explanação do professor: 
Vocês sabiam que as formigas têm rebanhos de gado que dão leite 
e açúcar? Sabiam que algumas aranhas inventaram o submarino 
milhares de anos atrás? Vocês sabiam que as mariposas têm lín-
guas? A língua das mariposas é como a tromba de um elefante. 
Mas muito mais fina e enrolada como uma mola de relógio. (A 
LÍNGUA..., 1999).
O professor faz o desenho, na lousa, da língua em espiral das mari-
posas, e Moncho observa, encantado.
Dom Gregório não apenas ensina conteúdos teóricos, mas estimula 
a imaginação de seus alunos. No que se refere ao ensino de Ciências, 
Pietrocola (2004) considera importante exercitar a imaginação, da 
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A língua das mariposas: ciência, imaginação, autonomia e liberdade
mesma forma que no ensino das Artes. Segundo o autor:
As atividades científicas se tornam interessantes e instigadoras 
quando são capazes de exercitar a curiosidade. Por meio da ima-
ginação, o pensamento passa a apreender o desconhecido bus-
cando uma explicação para os enigmas. A curiosidade serve de 
fio condutor para as atividades, que de outra forma passam a ser 
burocráticas e exercidas com o propósito de cumprir obrigações. 
(PIETROCOLA, 2004, p.130-131).
Nas cenas em que Dom Gregório leva os alunos para as aulas de 
História Natural ao ar livre, percebemos claramente o papel do pro-
fessor no sentido de despertar o interesse e a curiosidade dos alunos, 
instigando seus sentidos e a sua imaginação. Os alunos observam a 
natureza e tudo que está ao seu redor, ouvem o canto dos pássaros e 
dos grilos, sentem o cheiro do mato, enquanto o professor retoma os 
conteúdos trabalhados em aula, associando teoria e prática:
— Esperem. Lembram-se do que lhes disse sobre a língua das mari-
posas? 
— É como uma mola de relógio.
— Isso mesmo.
— E para quê? Para alcançar o néctar que as flores possuem no 
cálice. Com cuidado, sem incomodá-las.
— O que é néctar?
— Néctar é um suco doce que as flores têm que atrai os insetos. 
Em troca, os insetos espalham as sementes das flores. Atenção!... 
Lá tem uma. Quando você enfia no açucareiro o dedo molhado 
não parece que você sente o doce como se a ponta do dedofosse 
sua língua? A língua da mariposa é assim. Cheirando o néctar, a 
mariposa desenrola a língua e alcança o fundo do cálice da flor... 
(A LÍNGUA..., 1999).
Segundo Pietrocola (2004), aprender através da experiência é uma 
atividade prazerosa, pois se mobiliza não somente a razão, mas também 
as emoções. Trabalhar com a imaginação proporciona emoções que 
permanecem vivas na mente.
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Miriam Suleiman
Freire (2006) enfatiza a importância de, para além de uma trans-
missão passiva dos conhecimentos, reforçar a capacidade crítica dos 
alunos. Para o autor, é possível aprender criticamente e as condições 
para que isso ocorra exigem a presença de “[...] educadores e educandos 
criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e 
persistentes” (FREIRE, 2006, p.26).
Na aula ao ar livre, tudo é novo para Moncho. As cores, os sons e os 
seres vivos, cada detalhe o faz descobrir um mundo misterioso que até 
então ele não conhecia. Dom Gregório conduz com maestria aquelas 
mentes e o filme focaliza em especial a de Moncho, que passa a admirar 
todos aqueles elementos da natureza. Não são apenas conhecimentos 
científicos, todo um novo mundo se abre aos olhos daquele menino, 
com o auxílio de seu grande mestre. A emoção é tamanha que o garoto 
tem uma crise de asma e é socorrido por seu professor que o mergulha 
na água, aliviando seus sintomas.
Com as roupas molhadas, os dois se dirigem à casa de Moncho. O 
pai, em agradecimento, oferece-lhe um terno, alegando que, por ser 
alfaiate, é o que pode lhe ofertar. Embora relutante, o professor aceita. 
Moncho, ao levar o terno pronto ao velho professor, mal imagina que 
outro acontecimento irá transformar ainda mais sua vida: o professor 
lhe apresenta o prazer da leitura e empresta-lhe o livro A ilha do tesouro, 
de Robert Louis Stevenson (1956). “Os livros são como um lar. Nos 
livros nossos sonhos se refugiam para não morrer de frio”, diz Dom 
Gregório a Moncho.
Esse episódio é também marcado de simbolismos. Antes de pegar 
o livro A ilha do tesouro, Dom Gregório tira da prateleira a obra A con-
quista do pão (KROPOTKINE, 1953). Mas, num gesto de hesitação, 
devolve-o e pega o outro livro. 
Podemos refletir a respeito dessa cena. A história se passa às vésperas 
da Guerra Civil Espanhola. Dom Gregório era um republicano, adepto 
dos ideais de liberdade e democracia. O livro A conquista do pão, publi-
cado pela primeira vez em Paris, em 1892, continha ideias anarquistas. 
Estaria Dom Gregório protegendo seu pupilo, tendo em vista que uma 
Guerra Civil era uma possibilidade real? Ou o que falou mais alto, nesse 
momento, foi a sensibilidade de um mestre que, com toda a sua expe-
riência, percebe a fase em que seu aluno se encontra, compreendendo 
que ele ainda não está pronto para entender tais conceitos? As duas 
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A língua das mariposas: ciência, imaginação, autonomia e liberdade
hipóteses são possíveis. Entretanto, podemos considerar que o livro 
escolhido pelo professor, A ilha do tesouro, se relaciona perfeitamente 
com o contexto vivido pelo menino. Moncho está descobrindo o mun-
do, e, nesse momento, o maior tesouro que o mestre pode lhe oferecer é 
a descoberta desse mundo novo, cheio de mistérios que o garoto pouco 
a pouco irá explorar.
É possível inferir também que Dom Gregório, fiel a seus ideais 
democráticos, não influenciaria seus alunos a seguir suas ideias, mas 
os formaria para serem pessoas autônomas, capazes de refletir e fazer 
suas próprias escolhas. Segundo Freire (2006, p.59): “O respeito à 
autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético”, e um 
professor não estaria exercendo sua função docente de forma ética se 
conduzisse seus alunos a seguir seus pensamentos, de forma imposi-
tiva, não respeitando o direito do educando de assumir suas próprias 
convicções.
Podemos ir um pouco além nessa reflexão. No livro A ilha do tesou-
ro, o garoto Jim Hawkins vive em uma pacata cidade, no litoral da 
Inglaterra, e vê a sua vida mudar depois que um velho marinheiro, o 
capitão Bill Bones, chega à região e se hospeda na pequena pensão da 
família do menino. Pouco antes de morrer, o capitão lhe deixa um mapa 
que o levaria a um tesouro. A partir de então, Jim e seus amigos partem 
em um navio em busca desse tesouro.
Se considerarmos o livro A ilha do tesouro como uma metáfora dos 
acontecimentos entre Moncho e Dom Gregório, perceberemos elemen-
tos de convergência. Moncho, assim como Jim, é um garoto que vive 
num vilarejo tranquilo do interior. Seu contato com Dom Gregório 
muda a sua vida, da mesma forma que a aproximação entre Jim e o 
capitão Bones altera a rotina do garoto. O mapa do tesouro, entregue 
a Moncho pelo professor, é o conhecimento que o faz navegar por esse 
mundo desconhecido, descobrindo coisas a cada nova experiência. 
Assim como acontece com o capitão Bones e Jim, Dom Gregório 
não permanecerá por muito tempo ao lado de Moncho. Porém as lições 
valiosas que o garoto recebeu são como um mapa de um tesouro que 
ele descobrirá por toda a vida. Como um bom mestre, as lições não 
são entregues de forma pronta. O que o professor faz, vai além disso: 
ele sensibiliza, encanta, desperta o interesse, aguça a curiosidade e os 
sentidos, o que faz com que Moncho vá aos poucos se aventurando por 
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Miriam Suleiman
um mundo que, para ele, é desconhecido. Talvez o maior segredo da 
docência seja esse: manter vivo no aluno o desejo de saber, de questio-
nar, de procurar e de buscar. E este talvez seja o maior tesouro que um 
aluno pode receber.
Há outras cenas em que Dom Gregório reconhece o papel de educar 
para a liberdade. Em uma delas, o professor, já aposentado, continua 
a fazer as atividades ao ar livre com Moncho, ensinando-lhe sobre os 
elementos da natureza. O garoto está curioso para ver como é a língua 
das mariposas, a “tromba em espiral”, e Dom Gregório anuncia que a 
escola recebeu um microscópio, que há muito tempo havia solicita-
do. Assim, os dois vão à floresta, munidos de um puçá, que Moncho 
recebeu de presente do mestre, para capturar mariposas e observar sua 
língua ao microscópio. 
Porém, no meio do percurso, a atenção de Moncho é desviada por 
vozes de meninas brincando em um rio. Moncho as observa, e lá está 
Aurora, irmã de seu amigo Roque, a quem o garoto havia se referido 
como a menina com quem irá se casar, quando for adulto. Ela o con-
vida para um banho de rio. Dom Gregório aconselha o menino a levar 
uma flor para Aurora. 
— Lembra-se do tilonorrinco?
— Aquele pássaro que dá à namorada uma flor que é linda e muito 
cara.
— Exatamente. Uma orquídea. Venha. Seja como um tilonorrinco.
— Mas isto não é uma orquídea.
— Dá na mesma. (A LÍNGUA..., 1999).
Nesse momento, o professor vira as costas, humildemente, deixando 
que seu pupilo vá até a garota, enquanto solta a mariposa capturada. 
Essa cena nos sugere que o mestre entende o momento de se retirar e, 
ao libertar a mariposa, na verdade está libertando seu aluno, para que 
siga seu caminho, pois o que deve prevalecer é a autonomia de Moncho 
em suas escolhas.
Poderíamos afirmar que a atitude do aluno foi indisciplinada? O 
professor, embora não estivesse exercendo formalmente sua prática 
docente, uma vez que já havia se aposentado, deveria ter insistido para 
que Moncho retornasse à atividade a que ambos haviam se proposto? 
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A língua das mariposas: ciência, imaginação, autonomia e liberdade
Ou a decisão foi baseada em um consenso entre ambos, não verbalizada 
formalmente?
Sobre a questão da disciplina, Freire (2006) considera que o pro-
fessor deve exercer sua autoridade, porém essa não deve se sobrepor à 
liberdade do educando. De acordo com o autor:
Resultando da harmonia ou do equilíbrio entre autoridade e liber-
dade, a disciplina implica necessariamente o respeito de uma pela 
outra, expresso na assunção que ambas fazem de limites que não 
podem ser transgredidos [...]. Somente nas práticas em que autori-
dade e liberdade se afirmam e se preservam enquanto elas mesmas, 
portantono respeito mútuo, é que se pode falar de práticas disci-
plinadas como também em práticas favoráveis à vocação para o ser 
mais. (FREIRE, 2006, p.88-89).
Portanto, podemos considerar a atitude de Dom Gregório como a 
de um professor que percebe o momento de deixar que o próprio alu-
no exerça sua autonomia. Agindo assim, o professor demonstrou um 
profundo respeito à liberdade do educando, não impondo suas normas. 
A história poderia parar por aí e ter um final feliz. Porém não deve-
mos nos esquecer de que o filme tem como pano de fundo os horrores 
de uma guerra que está para acontecer. E, como o contexto histórico 
influencia diretamente as nossas vidas, não poderia ser diferente com 
os personagens do filme.
Com relação ao ambiente político, no início dos anos 1930, na 
Espanha, Motta (2008) explica que a Guerra Civil Espanhola se inse-
riu nos conflitos internacionais do período. Havia interesses tanto 
materiais quanto político-ideológicos, por parte de países como a 
França, a Inglaterra, a Itália, a Alemanha e a União Soviética, os 
principais protagonistas do quadro de tensões da época. Do lado 
nacionalista, a Itália fascista e a Alemanha nazista se solidarizaram 
com as forças contrárias à República na Espanha, alinhando uma 
coalizão de direita, semelhante à que permitiu a ascensão de Hitler 
e Mussolini ao poder. Essas forças eram contrárias aos comunistas, 
socialistas, anarquistas, democratas e liberais. Porém, como explica 
Motta (2008, p.580), “[...] havia razões mais concretas para o apoio: 
a Itália desejava estabelecer hegemonia na bacia do Mediterrâneo, e 
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Miriam Suleiman
a Alemanha cobiçava os recursos naturais da Espanha para alimentar 
sua máquina de guerra”. 
Do outro lado, a esquerda lutava em defesa da República, contra as 
forças do fascismo e da reação. Os opositores à esquerda, conforme nos 
explica Motta (2008, p.580), não se identificavam como fascistas, “[...] 
embora parte dele efetivamente fosse (os falangistas), mas sim como 
nacionalistas em luta pela pátria espanhola, agredida pelo comunismo 
ateu”. 
Dom Gregório, assumidamente de esquerda, não sairia ileso desses 
acontecimentos. E os momentos finais do filme mostram a realidade 
cruel da falta de liberdade em tempos de guerra. Falta de liberdade em 
um sentido amplo: o corpo físico é privado de liberdade, em função de 
as pessoas não poderem expressar seus pensamentos. É o que acontece 
com Dom Gregório. Ao ver a notícia de que a Guerra Civil estava 
iniciada, percebe que seus ideais, contrários aos do governo, podem ser 
uma ameaça à sua integridade. Essa cena é retratada quando Moncho, 
ao sair com seu amigo Roque para espiar novamente o casal de namo-
rados, vê o seu professor encostado em uma árvore, se sentindo mal e 
vomitando. Talvez o grande mestre não esteja apenas pensando em sua 
própria liberdade, mas na de sua pátria, a liberdade de pensamento, o 
sonho de ver uma nação de homens livres sendo ameaçada pela guerra 
que estava por vir, com toda a violência que isso implica. 
Mas há ainda outras cenas incomodam o espectador. No final do 
filme, a família de Moncho, adepta das ideias republicanas (o pai per-
tencia ao partido republicano), é levada a hostilizar, por meio de pala-
vras, um grupo de moradores da cidade, contrários ao regime que se 
instalava. Entre os moradores, que caminham em meio à multidão na 
direção de um caminhão que irá conduzi-los sabe-se lá onde, está Dom 
Gregório. O pai de Moncho exibe uma expressão de revolta e tristeza, 
ao ter de tomar aquela atitude para proteger sua família e Moncho, 
orientado pela mãe, repete as palavras agressivas ao ver o professor: 
“Ateu!” “Comunista!” Ele corre atrás do caminhão, atirando pedras 
com um ar assustado, enquanto repete: “Ateu, comunista”, dizendo em 
seguida, “Tilonorrinco; Tromba em espiral”. 
Nessa passagem tocante, talvez o diretor do filme tenha sentido a 
mesma tristeza, a mesma angústia, a mesma revolta que muitos expec-
tadores podem sentir e outras emoções nem sempre expressas por pala-
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A língua das mariposas: ciência, imaginação, autonomia e liberdade
vras. Como diz Tarkovsky (2002, p.49): “Ao se emocionar com uma 
obra-prima, uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo 
chamado de verdade que levou o artista a criá-la”. A figura humana do 
professor e seu papel na formação do aluno são elementos muito fortes 
nesse filme. 
Essa talvez seja uma grande lição para refletirmos. Quanta dife-
rença nos fazem as lições de vida que aprendemos com as pessoas 
que agem com amor, em nome de um ideal, preocupadas não ape-
nas em transferir conhecimentos, mas em formar e transformar vidas 
com seus ensinamentos! Dom Gregório é um exemplo de dedicação 
e amor à docência, de crença e de esperança na formação humana. 
Acreditando em seus ideais de liberdade, os expressa com atitude 
e palavras, conforme se nota em seu discurso, ao se aposentar: “Se 
permitirmos que somente uma geração, somente uma geração, cresça 
livre na Espanha, então ninguém nunca poderá tomar sua liberdade” 
(A LÍNGUA..., 1999).
Segundo Freire (2006, p.41), ensinar exige reconhecer e assumir a 
identidade cultural. Segundo o autor:
Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é 
propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns 
com os outros e todos com professor ou a professora ensaiam a 
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e 
histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, 
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.
Qual a importância de se exercer a docência com entusiasmo, com 
brilho nos olhos, com dedicação, com firmeza de propósitos, certos 
de que nosso trabalho é capaz de transformar vidas, como fazia o pro-
fessor Gregório? Como assumir nossas convicções, indo além de um 
“treinamento pragmático” (FREIRE, 2006, p.42), mas engajados em 
formar mentes críticas? Como ser capaz de sensibilizar e de estimular a 
percepção estética com tanta maestria e delicadeza como o mestre retra-
tado no filme? E como formar alunos encantados pelo saber inquietos, 
instigados, curiosos, insatisfeitos com as respostas prontas, buscando 
cada vez mais desvendar os mistérios da natureza e descobrir o novo? 
Talvez não existam respostas para esses questionamentos. 
43
Miriam Suleiman
Pietrocola (2004), fazendo uma aproximação entre as Ciências e as 
Artes, chama a atenção para a importância do exercício da imaginação 
e dos sentidos no processo de ensino e aprendizagem. O autor explica 
que, ao aprender a lidar com situações imaginadas, a criança se prepara 
para lidar com as adversidades do seu cotidiano. Segundo o autor,
A complexificação da vida em sociedade e, principalmente, o 
aumento recente do papel do conhecimento na estruturação do 
nosso cotidiano exigiram a educação formal dos indivíduos para 
aprenderem as representações socialmente partilhadas. Educar 
a nossa imaginação por meio de atividades previamente estabe-
lecidas aumenta as chances de sobrevivência no mundo atual. 
(PIETROCOLA, 2004, p.130). 
Para o autor, os indivíduos devem ser capazes de incorporar as cria-
ções das diversas áreas do conhecimento humano, enfatizando que as 
Ciências possuem papel de destaque pelo seu potencial de explicar, 
representar e transformar o mundo. O autor assinala que “[...] não 
basta a liberdade criativa proporcionada pelos jogos de infância; é neces-
sário ampará-la pela educação científica que alimenta a imaginação” 
(PIETROCOLA, 2004, p.130).
A prática docente tem papel de destaque, na medida em que pode 
possibilitar o exercício da imaginação e despertar o senso crítico dos 
alunos. Segundo Laburú e Nardi (2003, p.255), o professor
[...] não é um doutrinador, um padronizador de hábitos e valores, 
mas um profissional buscando mentes criativas e participativas, que 
dá espaço para o sadio pluralismo de ideias. Reconhece o direito de 
seus alunos de questionar e de procurar razões, incentiva o trata-
mento de regras e normas vigentes,como se não fossem inerentes 
à natureza das coisas.
Os autores salientam, também, que os alunos não devem apenas 
aplicar os critérios ou as regras ensinadas cegamente, mas ser capazes 
de compreender suas proposições e a justificação dos argumentos que 
elas oferecem, buscando o desenvolvimento de todas as possibilidades 
dos educandos (LABURÚ; NARDI, 2003).
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A língua das mariposas: ciência, imaginação, autonomia e liberdade
Contudo, para que o aluno seja capaz de aprender de forma mais 
efetiva, analisando e procurando respostas para as diversas questões da 
vida cotidiana e do mundo que o cerca, é importante que o professor 
elabore estratégias que tornem a aprendizagem mais motivadora. De 
acordo com Gasparin (2005, p.15), o aluno “[...] deve ser desafiado, 
mobilizado, sensibilizado; deve perceber alguma relação entre o conte-
údo e a sua vida cotidiana, suas necessidades, problemas e interesses”. 
Para isso, é necessário que o professor apresente o conteúdo de forma 
a despertar nos alunos o desejo de aprender, estabelecendo conexões 
entre os assuntos trabalhados em sala de aula e a realidade de vida em 
que eles estão inseridos.
Se fôssemos definir um conceito-imagem (CABRERA, 2006) para 
a obra A Língua das Mariposas este seria “liberdade”. Uma liberdade 
que, uma vez conquistada, permanece com o indivíduo, para toda a 
sua vida. Uma liberdade que nenhuma situação ou pessoa é capaz de 
tirar. A liberdade que faz nossos pensamentos ultrapassarem todas as 
fronteiras, que nos faz sonhar, que nos faz imaginar e acreditar num 
mundo melhor.
A Língua das Mariposas(1999) é um filme repleto de simbolismos. 
A língua desse inseto é o órgão que busca o doce sabor do néctar, que 
o nutre e confere a ele a vitalidade para gozar de sua liberdade. As asas 
coloridas representam a beleza de se aventurar pelo mundo, sem amar-
ras ou prisões. Qualquer um que possa beber do néctar do conhecimen-
to, adquire o poder de se aventurar nas asas da liberdade, desvendando 
as belezas do mundo e descobrindo seu encantamento.
REFERÊNCIAS
CABRERA, J. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. 
Rio de Janeiro: Rocco, 2006. 
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 
São Paulo: Paz e Terra, 2006.
GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 
Campinas: Autores Associados, 2005. 
KROPOTKINE, P. A conquista do pão. Rio de Janeiro: Organização Simões, 
1953.
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Miriam Suleiman
LABURÚ, C. E.; NARDI, R. Pluralismo metodológico no ensino de ciências. 
Ciências & Educação, Bauru, v.9, n.2, p.247-260, 2003.
A LÍNGUA das mariposas. Direção de José Luis Cuerda. Elenco: Fernando 
Fernán Gomez; Manuel Lozano; Uxía Blanco Gonzalo Uriarte; Alexis de Los 
Santos; Gullermo Toledo.[S.l.]: Sogetel – Las Producciones del Escorpión, 
1999. 1 DVD (96 min).
MOTTA, R. P. S. Francisco J. Romero Salvadó: a guerra civil espanhola. 
Revista Brasileira de História, São Paulo, v.28, n.56, p.579-582, 2008.
PIETROCOLA, M. Curiosidade e imaginação: os caminhos do conhecimento 
nas ciências, nas artes e no ensino. In: CARVALHO, A. M. P. (Org.). Ensino 
de ciências: unindo a pesquisa e a prática. São Paulo: Pioneira Thomson, 
2004. p.119-133.
STEVENSON, R. L. A ilha do tesouro. São Paulo: Saraiva, 1956.
TARKOVSKI. A. A. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 
FICHA TÉCNICA
FILME
A Língua das Mariposas
Título original: La Lengua de las Mariposas
Ano: 1999
Produção: Sogetel – Las Producciones del Escorpión
País: Espanha
Idioma: Espanhol
Direção: José Luis Cuerda
Elenco: Fernando Fernán Gomez, Manuel Lozano, Uxía Blanco, Gonzalo 
Uriarte, Alexis de Los Santos, Gullermo Toledo
Gênero: Drama
Duração: 96 minutos
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O DESENVOLVIMENTO 
SUSTENTÁVEL E 
SONHOS DE KUROSAWA: 
ALGUMAS REFLEXÕES 
Alexandre Marucci BASTOS
Introdução
De assustador a fascinante. Adjetivos que talvez melhor represen-
tassem os limites do campo das sensações, quando a força elástica do 
vapor, estudada por Denis Papin nos anos de 1690, foi efetivamente 
colocada em prática por James Watt, em 1776. O som imponente dos 
pistões e bielas, em movimentos firmes e cadenciados, supostamente 
intimidava e empolgava simultaneamente, mas não obstante evidencia-
va o crepúsculo de uma era artesanal fabril para a abertura de uma trilha 
revolucionária na indústria que a humanidade seguiria daí em diante.
Eclodia-se nesse contexto a Primeira Revolução Industrial, deli-
mitada de 1780 a 1860, caracterizada como a do carvão e do ferro. 
Definitivamente as máquinas a vapor proporcionaram que o trabalho 
humano pudesse ser substituído, bem como a força motriz muscular 
do homem, do animal, da roda d’água ou até do vento. Com a apli-
cação do vapor às máquinas, iniciam-se grandes transformações nos 
transportes, nas comunicações, na agricultura e, sobretudo, nas oficinas 
artesanais – que se converteram em indústrias.
48
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
Os artesãos começam a desaparecer em razão de suas pequenas ofi-
cinas darem lugar a fábricas e operários, na forma de usinas produtivas 
baseadas na divisão do trabalho. Surgem seguidamente novas indús-
trias e diminuem as atividades rurais. Inicia-se a migração de grandes 
massas humanas das áreas agrícolas para as proximidades das fábricas, 
provocando o êxodo rural e, consequentemente, uma urbanização que 
só tendia a ser desordenada.
Como dito, concomitantemente às mudanças radicais providencia-
das no universo industrial, o mundo presenciava uma transformação 
também nos transportes e nas comunicações, entre as quais se des-
tacam: a navegação a vapor (1807); o aperfeiçoamento da locomoti-
va a vapor (1825); os surgimentos das primeiras estradas de ferro na 
Inglaterra (1825), nos Estados Unidos (1829) e no Japão (1832); o 
telégrafo elétrico (1835) e a primeira linha telegráfica ligando Baltimore 
a Washington nos EUA (1843); e o telefone (1856).
Se o breve relato sobre alguns aspectos inerentes ao lapso tempo-
ral relativo à Primeira Revolução Industrial já demonstra o quanto a 
humanidade foi lançada em uma nova realidade, há de se destacar que 
isso era apenas o começo de tantas outras transformações pelas quais 
o mundo ainda passaria. Em 1856, com destaque, surge o processo da 
fabricação do aço; e a eletricidade, que permaneceu como não mais 
que uma curiosidade intelectual por milênios, já era vista como uma 
alternativa factível de aproveitamento energético em meados do século 
XIX. Dessa forma surgiam os elementos fulcrais para uma nova rodada 
revolucionária.
A Segunda Revolução Industrial, de 1860 a 1914, também entendi-
da como a do aço e da eletricidade, seria iniciada a partir do momento 
em que o ferro foi substituído pelo aço, e o vapor pela eletricidade e 
por derivados de petróleo como fontes de energia. No tocante ao uso 
de combustíveis fósseis, o impacto e passivo ambiental gerado só seria 
sentido, e até debatido de forma contundente, apenas no século seguin-
te, no transcurso dos anos de 1960 a 1970.
À época, nessa questão de se levar a efeito o uso de combustí-
veis fósseis como fonte de energia, além das finalidades em proces-
sos industriais, cabe pertinência uma suposta relação de tal uso com 
a invenção, em 1873, do motor a combustão interna por Gottlieb 
Wilhelm Daimler na Alemanha, assim como quando Daimler e Karl 
49
Alexandre Marucci Bastos
Friedrich Benz iniciam a produção de automóveis naquele país, a 
partir de 1880. Isto culminaria com a produção em massa (ou em 
série) de automóveis promovida, nos EUA, por Henry Ford, no início 
do século XX.
Quanto à eletricidade, destaca-se a transformação desencadeada a 
partir da vitória de Nikola Tesla e George Westinghouse sobre Thomas 
Edison na Guerra (ou Batalha) das Correntes, travada nas duas últimas 
décadas do século XIX. Em 1887, o governo americano define a corren-
te alternada de Testa e Westinghouse como modelo mais eficiente para 
a distribuição de energia elétrica, em detrimento dacorrente contínua 
de Edison.
Pouco anos depois na Europa, em 28 de dezembro de 1895, Paris 
assistia à primeira exibição pública de cinema promovida por Georges 
Méliès, utilizando o “cinematógrapho” dos irmãos Auguste e Louis 
Lumière. Destarte, em algumas décadas, o cinema se transformaria no 
mais fantástico meio para criar ilusões da verdade, pelo qual a impressão 
de realidade poderia se prestar à dominação ideológica e/ou comercial 
(BERNARDET, 2000). 
O século XX iniciava-se, portanto, sob um cenário repleto de condi-
ções favoráveis para que o capitalismo fosse tonificado. Uma era em que 
a dominação comercial seria potencializada e novas formas e dinâmicas 
organizacionais – para ganho de escala industrial – seriam desenvolvi-
das e implantadas. Conforme aponta Bastos (2012), em razão dessa 
nova realidade empresarial-fabril, a produtividade das indústrias foi em 
muito multiplicada e, ao aumentar a eficiência industrial, os preços dos 
mais diversos bens de consumo ficaram mais acessíveis.
Mediante essa nova dinâmica, segundo o mesmo autor, os trabalha-
dores puderam comprar mais facilmente mercadorias que necessitavam 
ou desejavam e com isso e a vida das pessoas foi se tornando cada vez 
mais confortável. Essa nova realidade tirou parte da humanidade da 
escassez, propiciando a aquisição de mercadorias que antes apenas a par-
cela mais abastada podia consumir. Mas isso teve um preço: a demanda 
por insumos, combustíveis, matérias-primas e produtos acabados foi 
sendo dilatada continuamente. Tanto que já no início do século XX os 
primeiros sintomas relativos aos impactos ambientais provocados por 
tal conjuntura já começaram a ser percebidos por parte da sociedade 
(BASTOS, 2012).
50
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
Nesse roteiro cronológico surgiu, na década de 1920, mesmo tími-
da, certa preocupação com o acelerado ritmo de consumo de recursos 
naturais, bem como uma intensa e crescente produção de resíduos pela 
humanidade (BASTOS; SOUZA, 2013). Todavia, embora tal preocu-
pação pudesse incitar um pretenso movimento ambientalista, qualquer 
iniciativa nesse sentido, nas primeiras décadas do século XX, por certo 
encontraria fortes barreiras, sobretudo em um momento em que o 
Taylorismo e o Fayolismo eram dominantes. Nesse tempo, ideias de 
figuras como Frederick Winslow Taylor, Jules Henry Fayol e as práticas 
industriais exitosas de Henry Ford dominavam o mundo capitalista 
(BASTOS; SOUZA, 2013).
O mundo se reconfigurava. Novas dinâmicas organizacionais aliadas 
às revolucionárias tecnologias industriais afetaram a economia global 
no início do século XX, aguçando o instinto de governantes quanto à 
expansão de seus domínios. Nações se equiparam com inovações béli-
cas – desde tanques de guerra a aviões e potentes navios – que poten-
cializaram o poderio e a capacidade destrutiva e de combate de suas 
forças armadas.
Complementam o toque dramático, nesse contexto histórico, alguns 
fatos marcantes: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que redese-
nhou o mapa geopolítico da Europa; a Crise de 1929, em cujo período 
subsequente, até produtos agrícolas (inclusive os que poderiam alimen-
tar a humanidade) eram sumariamente incinerados no intuito de ele-
var seus preços de mercado; a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), 
na qual o antissemitismo foi além do absurdo com o holocausto. Na 
mesma linha de absurdos, a apresentação ao mundo, no Japão, do alto 
poder destrutivo da bomba atômica, quando duas delas foram lançadas 
sobre civis: uma em Hiroshima e outra sobre Nagasaki, respectivamen-
te, em 6 e 9 de agosto de 1945.
Tais fatos dariam o arremate final de um retrato sobre a voracida-
de humana tanto na ânsia de concentrar poder em suas formas mais 
nefastas, como em predar seu próprio hábitat; fazendo com que as 
preocupações com o meio ambiente ficassem recônditas até meados da 
década de 1960, de forma que o tema só seria efetivamente debatido 
nos primeiros anos de 1970.
É a partir dessas explanações introdutórias que procuramos con-
textualizar o filme Sonhos (1990) de Akira Kurosawa com o desenvol-
51
Alexandre Marucci Bastos
vimento sustentável, convergindo tal discussão para os postulados de 
Abraham Maslow, Grö Harlem Brundtland, Robert Costanza e Ignacy 
Sachs, buscando promover algumas reflexões.
Sonhos de Kurosawa: do imaginário à agenda global preservacionista
Partindo do princípio de que um filme pode ser considerado como 
um produto acabado para uma finalidade específica, ele traz consigo 
imanências constituídas ao longo de sua produção, iniciando-se em sua 
concepção. Nesse aspecto, Oliveira (2006) faz uma observação quanto 
ao fato de ser muito comum a noção da autoria de filmes pela diferença 
que um específico diretor, produtor ou roteirista de arte pode fazer no 
produto final.
No entanto, quando analisados pela perspectiva de um contexto 
embasado por noções gerais, advindas de representações coletivas gera-
das, filmes expressam não só o olhar das pessoas envolvidas em sua 
elaboração. Eles mostram, indiretamente, “o imaginário de seus espec-
tadores”, sobretudo quando se considera que, “[...] antes mesmo de vir 
a contribuir na formação e reforço de hábitos culturais, a produção de 
um determinado filme leva em conta a visão de seu público-alvo, seu 
universo de referências, conhecimentos e expectativas” (OLIVEIRA, 
2006, p.141). Nesse sentido, aponta Oliveira (2006, p.141), mais do 
que outras produções artísticas como um livro ou uma pintura as obras 
cinematográficas revelam “[...] o olhar de uma época ou de uma socie-
dade”. Por tal texto, nos permitimos inferir que Kurosawa teria propor-
cionado esse olhar em Sonhos (1990).
Em alusões sobre Kurosawa, consoante ao seu filme Sonhos, Ungier 
(2010, p.3) se refere a ele como um cineasta que transformou suas dores 
e prazeres em imagens oníricas partilhadas com o mundo, ao decalcá-
-las em fitas de celuloide. A autora ressalta a generosidade do cineas-
ta, pois, diferentemente do sonhador comum que projeta seu próprio 
filme para um único espectador, Kurosawa permite que seja feita uma 
catarse de nossos afetos, conferindo sentido aos nossos fantasmas mais 
ameaçadores.
A análise de Sonhos (1990), procedida para a elaboração deste texto, 
nos leva a conjecturar que, talvez pelo fato de Kurosawa não estabelecer 
uma sequência ou inter-relação entre cada um dos oitos sonhos pre-
52
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
sentes em sua obra, o filme oferece uma interessante lógica, proposta 
como um mosaico concebido pelo imaginário, em relação à determi-
nada subjetividade contemplativa.
Algo como um caleidoscópio que Kurosawa faz girar, de modo que 
os fragmentos das cenas se transformem em um todo, e deste todo, em 
novas partes. Um processo contínuo de superação e mediação intrínseco 
ao espectador, que permite a ele deslocar-se do máximo da raciona-
lidade à total não racionalidade, desqualificando progressivamente a 
razão, de maneira a ensejar certa implicação mítica. Daí, retomando 
o caminho de volta, promovendo a racionalização progressiva daquilo 
que se tornara mítico. Um ciclo que estaria relacionado à dinâmica do 
ideologema, dentro da “tópica” sociocultural.
O ideologema é um conceito operativo auxiliar do “miticiano” – 
para empregar aqui uma expressão querida a Gilbert Durand (1994 
apud ARAÚJO, 2010, p.691) – que foi forjado na base heurística do 
conceito durandiano de mitologema (tema mítico); da noção de “trajeto 
antropológico” e na constatação de Jung, o qual vê nos substantivos 
simbólicos, que são os arquétipos (designados de imagens primordiais 
em tipos psicológicos), “[...] o estado preliminar, a zona matricial da 
ideia”. Durand (1984 apud ARAÚJO, 2010, p.691) já havia realçado 
esta observação capital quando fez a seguinte assertiva:
Longe de recalcar a imagem, a ideia representa o compromisso 
pragmático do arquétipo imaginário num dado contexto históri-
co e epistemológico. […] Aquiloque seria, portanto, dado “ante 
rem” na ideia, o seu molde afetivo-representativo, o seu motivo 
arquetipal; é aquilo que explica igualmente que os racionalismos 
e as démarches pragmáticas das ciências nunca se desembaracem 
completamente do halo imaginário, e que todo o racionalismo, 
todo o sistema racional traga em si os seus próprios fantasmas. 
(DURAND, 1984 apud ARAÚJO, 2010, p.691).
O ideologema, dessa forma, pode ser definido como um complexo 
significante que articula e mobiliza, ao nível actancial (eu social da “tópi-
ca”), o sentido figurado (semantismo simbólico e afetivo-emocional) 
com as ideias-força veiculadas pelas ideologias (orientações mais con-
ceptualizadas, mais abstratas e rarefeitas), presentes em dado contexto 
53
Alexandre Marucci Bastos
histórico sociocultural (ARAÚJO, 2010). Destarte, o ideologema, den-
tro da “tópica” sociocultural, aparece como uma espécie de submarino, 
conforme se pretende ilustrar pelo iconográfico da Figura 1 a seguir, 
desenvolvido com base em Teixeira e Araújo (2011, p.73).
Figura 1 – O submarino do ideologema, dentro da “tópica” sociocultural
Fonte: Elaboração própria desenvolvida a partir de Teixeira e Araújo (2011, p.73).
Com base na Figura 1, é possível visualizar o trajeto percorrido por 
tal submarino (do ideologema), o qual parte do sentido histórico (lite-
ral, próprio), situado no porto racional (superego social) da “tópica”, em 
direção ao nível fundador (o designado “id” social ou antropológico), 
passando pelo nível actancial (ego social), com a tarefa de coletar os 
54
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
traços míticos, por meio dos diferentes sentidos – alegórico, metafórico 
e anagógico –, a fim de fazer o caminho inverso que será sempre um 
movimento de vaivém contínuo, em direção ao nível racional, mas 
antes procedendo, no nível actancial (theatrum societatis com os seus 
atores, hierarquias, castas, estratificações), a uma espécie de trabalho de 
centrifugação, mediante as metáforas e as alegorias, em que o sentido 
verbal e epitético das imagens se substancializa ou se teatraliza. É neste 
sentido, pois, que podemos dizer que o símbolo se esconde por detrás 
da sua máscara, ou seja, teatraliza-se em forma de metáforas (ARAÚJO, 
2010).
Quando a expressão “[...] se esconder por detrás da máscara, 
teatralizando-se em forma de metáforas”(ARAÚJO, 2010, p.692)é 
evocada, abre-se espaço para tentar entender a razão de Kurosawa 
dar tanta ênfase à morte e à autoquíria, em Sonhos (1990). De fato a 
morte se faz presente em todos os oito elementos oníricos do filme 
e o suicídio é contextualizado em três deles. Embora a morte seja 
tratada de distintas formas por Kurosawa nessa obra, ele proporciona 
diferentes reflexões sobre algo que seria a única certeza futura do 
homem, apesar de não raro a insensatez humana a estar antecipando 
dolosamente em muitos sentidos. A seguir, é oferecida a sequência 
dos elementos oníricos do filme, intitulados, em síntese, conforme 
interpretação nossa:
1º Sonho: O casamento das raposas
2º Sonho: O pomar de pessegueiros
3º Sonho: A nevasca
4º Sonho: O túnel
5º Sonho: Van Gogh e os corvos
6º Sonho: Monte Fuji em erupção
7º Sonho: O ogro
8º Sonho: A aldeia dos moinhos d’água
Embora tais recortes oníricos ainda sejam objetos de discussão alhu-
res neste texto, seria permitido desde já inferir em linhas gerais que, 
por intermédio de Sonhos (1990), Kurosawa teria, subliminarmente, ou 
não, a intenção de provocar questionamentos quanto às preocupações, 
os fantasmas que afligem a humanidade: a morte, a culpa, as artes como 
55
Alexandre Marucci Bastos
elementos substanciais na composição da essência humana, a preserva-
ção da natureza em contraponto ao consumismo desenfreado, a vida 
terrestre posta em perigo por atividades nucleares.
No entanto, se não há como aprofundar nas razões que levaram 
a morte a ser tão enfatizada no filme, por conta de estrita subjeti-
vidade relacionada a supostos fantasmas que poderiam estar à vol-
ta de Kurosawa, haveria indícios suficientes para supor os motivos 
que o estimularam a seguir pela vereda preservacionista, alertando 
sobre os perigos que rondavam a vida na Terra. Tal motivo justifica 
a elaboração deste texto, propondo uma ensejada correlação entre o 
desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa, a começar por 
alguns fatos que antecederam o ano de produção do filme, os quais 
são destacados a seguir:
O filme Sonhos foi produzido em 1990, quando o debate sobre as 
questões ambientais estava em pleno período de consolidação na agenda 
global, cuja tangibilidade conceptiva teria sua essência por intermédio 
de dois registrosrelativos ao ano de 1972:
No dia 1º de março de 1972, no Smithsonian Institution, em 
Washington, nos Estados Unidos, o Clube de Roma divulgou o docu-
mento Os limites do crescimento(MEADOWS et al., 1972), no qual 
foram apresentados os resultados do estudo, elaborado por um grupo 
de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), sobre 
as tendências e os problemas econômicos que ameaçavam a sociedade 
global.
Ainda em 1972, realizou-se, em Estocolmo (Suécia), a Primeira 
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano 
(de 5 a 16 de junho). Dela resultou a “Declaração de Estocolmo” 
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972), na qual foi 
realçada a necessidade de inspirar e guiar os povos do mundo para 
a preservação e a melhoria do ambiente humano, momento em que 
foram estabelecidas as bases para a nova agenda ambiental do Sistema 
das Nações Unidas.
Tal agenda ainda seria marcada por outro evento relevante pro-
movido pela ONU em 1987, entretanto, nesse ínterim, ocorreram 
dois acidentes nucleares de dimensões catastróficas: um em 28 de 
março de 1979, na usina de Three Mile Island, em Dauphin County, 
Pensilvânia, Estados Unidos; e outro, em 26 de abril de 1986, na usina 
56
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
de Chernobyl, ao norte da Ucrânia, à época ainda uma das Repúblicas 
Socialistas Soviéticas.
Quanto ao evento promovido pela ONU em 1987, este se refere à 
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), 
presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Grö Harlem 
Brundtland. Dessa Comissão se obteve o relatório “Nosso futuro 
comum” (Our common future)1, no qual a expressão desenvolvimento 
sustentável (DS) seria chancelada oficialmente, possibilitando que fos-
sem estabelecidas consistentes bases em relação à formulação de uma 
teoria do DS. Para tanto, o relatório em questão introduziu e inter-
-relacionou uma significativa gama de parâmetros na formatação con-
ceitual que configurou o desenvolvimento sustentável como uma nova 
estratégia de desenvolvimento.
Dada a plausível repercussão de tais eventos à época – e partin-
do do princípio de que os mesmos não passaram despercebidos por 
Kurosawa –, ganha certa consistência a pretensão deste texto, conforme 
sugere seu próprio título: O desenvolvimento sustentável nos Sonhos de 
Kurosawa: algumas reflexões a partir de Maslow (1943), Brundtland 
(2012), Costanza (1991) e Sachs (1986, 1993).
Do debate preservacionista à Sustentabilidade e ao Desenvolvimento 
Sustentável
Pelo que já foi trazido à luz na discussão na seção introdutória deste 
texto, em decorrência dos efeitos provocados pela onda consumista que 
ganhou força exponencial a partir do início do século XX, em função 
da significativa redução de preços de produtos acabados e, consequen-
temente, a tonificação do capitalismo, dilatando sua voracidade, bem 
como outros fatos históricos que se seguiram – duas guerras mundiais 
intercaladas pela Crise de 1929 –, haveria como se entender as supostas 
razões que fizeram com que a discussão ambiental aguardasse seu tempo 
e momento para conquistar espaço e relevância, na pauta da discussão 
preservacionista mundial.
Portanto, não seria o caso de dizer, com contundência, que a ques-
tão foi vilipendiada ou tergiversada dolosamente,mas sim que a mes-
1 United Nations (1987).
57
Alexandre Marucci Bastos
ma poderia ter sido inevitavelmente ofuscada por conta de uma série 
de circunstâncias – que inclusive se permearam –, e que uma agenda 
ambiental fosse postergada. Conforme contextualiza Bastos (2012), por 
causa da crise de 1929, Franklin Roosevelt, quando na presidência dos 
Estados Unidos da América, já havia implementado políticas econô-
micas intervencionistas nos EUA, por meio de uma série de programas 
implementados, denominada “New Deal”, cujos propósitos residiam em 
tentar reverter os efeitos recessivos provocados pela Grande Depressão 
que se seguiu após a aludida crise.
Ainda no transcurso da década de 1930, o economista britânico 
John Maynard Keynes também propunha um novo modelo econômi-
co, no qual o Estado se prestaria a intervir na dinâmica econômica, de 
modo a proporcionar um cenário de plena empregabilidade. A aplica-
ção do modelo econômico de Keynes foi levada a termo pelo mundo 
capitalista após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo nas décadas de 
1950 e 1960 (BASTOS, 2012). Seguindo por esta mesma abordagem, 
Offe (1983) assinala que o período de crescimento econômico provo-
cado pelas políticas “keynesianas”, adotadas pelo mundo capitalista no 
período pós-guerra, também dificultou a consolidação de uma agenda 
ambiental, mas a crise dos anos de 1970 expos os desajustes funcionais 
da produção capitalista industrial.
Sob tais circunstâncias, a preocupação com o meio ambiente 
passou finalmente a se sobrepor aos obstáculos conjunturais das mais 
diversas ordens que a fizera ficar reprimida por décadas, e o debate 
preservacionista foi enfim franqueado. Suas primeiras manifestações 
se deram ao longo dos anos de 1960, ganhando força ao final daquela 
década e no início dos anos de 1970. Segundo Martins e Gallo (2001, 
p.128), o ano de 1972 foi particularmente importante para as questões 
do meio ambiente em razão de dois fatores: (a) publicação, pelo Clube 
de Roma, do estudo Limits of Growth (MEADOWS et al., 1972); 
e (b) Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em 
Estocolmo, na Suécia. Tais fatores são comentados a seguir, a partir da 
síntese elaborada por Bastos e Souza (2013, p.210-212):
(a) Clube de Roma | O relatório/estudo Limites do crescimento: 
o Clube de Roma foi fundado em abril de 1968, por inicia-
tiva do empresário italiano Aurélio Peccei e do cientista esco-
58
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
cês Alexander King. Seus idealizadores convidaram um seleto 
grupo de personalidades internacionais das áreas acadêmica, 
empresarial, da diplomacia e da sociedade civil para discutir 
o dilema do pensamento de curto prazo predominante nos 
assuntos internacionais; em particular, as preocupações sobre o 
consumo sem limites definidos de recursos em um mundo cada 
vez mais interdependente(THE CLUB OF ROME, [1968], 
CLUB DE ROMA, [1990]).
Seus membros refletiram sobre o senso comum que predo-
minava na época, pelo qual um crescimento econômico era 
entendido como a solução dos males sociais. Trouxeram, 
então, à luz da discussão o possível impacto do crescimento 
ilimitado no meio ambiente e ao próprio futuro da huma-
nidade. E, a fim de confirmar suas percepções e pressupo-
sições, o Clube decidiu, em 1970, recorrer a um grupo de 
pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) 
para que fosse elaborado um estudo sobre as tendências e 
os problemas econômicos que ameaçavam a sociedade glo-
bal (THE CLUB OF ROME, [1968], CLUB DE ROMA, 
[1990]). 
A equipe do MIT foi composta por dezessete experts, tendo à 
frente Donella e Dennis Meadows, além de Jürgen Randers e 
William Behrens III. Os resultados deste estudo foram divulga-
dos no dia 1º de março de 1972, no Smithsonian Institution, em 
Washington, nos Estados Unidos, sob o título de “Os Limites 
do Crescimento” (MEADOWS et al., 1972)2.
O relatório e suas conclusões tiveram um impacto sem prece-
dentes que marcou, em grande parte, a virada conceitual da 
década de 1970 e – ainda segundo um dos sites oficiais da 
organização3 – um notável giro copernicano do pensamento 
em termos ambientais, dando ainda, dentre tantas referências, 
o seguinte crédito ao documento:
2 Mais de quarenta anos se passaram desde a publicação deste documento; e não raro surgem 
referências ao mesmo como Relatório do Clube de Roma ou Relatório Meadows.
3 Club de Roma ([1990]).
59
Alexandre Marucci Bastos
Os efeitos internacionais desta publicação nas áreas de polí-
tica, economia e ciência podem ser descritas como um Big 
Bang: o Clube de Roma havia demonstrado a contradição 
do crescimento ilimitado e irrestrito do consumo de mate-
rial em um mundo claramente finito de recursos e trouxe 
o tema para o topo da agenda global. (THE CLUB OF 
ROME, [1968]).
(b) A Conferência de Estocolmo (Suécia), de 1972: com base 
nas informações dos sites da Organização das Nações Unidas – 
ONU (no Brasil) e do Programa das Nações Unidas para o 
Meio Ambiente – PNUMA4, dos dias 5 a 16 de junho de 1972, 
realizou-se, em Estocolmo, a Primeira Conferência das Nações 
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano.
Entre os objetivos principais do evento estava discutir e reava-
liar o modelo de crescimento humano e sugerir a criação de um 
Plano de Ação Mundial. Foram debatidos temas relativos ao 
desenvolvimento, crescimento econômico e proteção ambien-
tal. Tal Conferência acabou sendo um marco e sua declaração 
final representou um oportuno “Manifesto Ambiental”. Ao 
abordar a necessidade de inspirar e guiar os povos do mun-
do para a preservação e a melhoria do ambiente humano, a 
Declaração de Estocolmo estabeleceu as bases para a nova agenda 
ambiental do Sistema das Nações Unidas.
Chegamos a um momento da história em que devemos orien-
tar nossos atos em todo o mundo com particular atenção às 
conseqüências que podem ter para o meio ambiente. Por igno-
rância ou indiferença, podemos causar danos imensos e irre-
paráveis ao meio ambiente da terra do qual dependem nossa 
vida e nosso bem-estar. Ao contrário, com um conhecimento 
mais profundo e uma ação mais prudente, podemos conseguir 
para nós mesmos e para nossa posteridade, condições melho-
res de vida, em um meio ambiente mais de acordo com as 
necessidades e aspirações do homem [...]. A defesa e o melho-
4 Cf. ONU (1972) e UNEP (1972).
60
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
ramento do meio ambiente humano para as gerações presentes 
e futuras se converteu na meta imperiosa da humanidade. 
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇOES UNIDAS, 1972, p.2).
Ainda na Conferência de Estocolmo, foi deliberado, pelos governos 
presentes, que a ONU deveria criar um órgão encarregado de coordenar 
uma resposta global a esses desafios. Foi assim que, em dezembro de 
1972, nascia o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – 
PNUMA (UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME, 
1972), com sede em Nairóbi, no Quênia. Para Bastos (2007), com o 
advento da Conferência de Estocolmo, o debate sobre desenvolvimento 
ganhou a intensidade em escala global. Porém, nem a publicação do 
Clube de Roma e tampouco a Conferência de Estocolmo foram frutos 
do acaso. Elas resultaram, mormente, dos debates sobre os riscos da 
degradação ambiental.
Pelas colocações de Offe (1983), infere-se que, apesar de a questão 
do meio ambiente conquistar seu espaço na agenda global de discussão, 
o senso comum predominante no início da década de 1970 ainda seria 
influenciado pelas teorias “keynesianas”, carregando a ideia subjacente 
de que, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em longo prazo, o 
crescimento econômico seria condição necessária e suficiente para a 
superação do subdesenvolvimento. A questão ambiental ainda estaria 
reduzida à sua dimensão de base de recursos naturais, sendo vista até 
como um eventual obstáculo ao crescimento, consectário, de menor 
importância.
Entretanto, não obstante o espectro da discussão tratar de uma con-
juntura mundial à época, que emulavapredominantemente as questões 
ecológicas e as de recursos não renováveis, o portal da conscientização 
sobre a importância de um Desenvolvimento Sustentável foi enfim 
franqueado a partir da Conferência de Estocolmo, propiciando que a 
altercação se expandisse além do âmbito restritivo definido pelo binô-
mio econômico-ambiental (BASTOS, 2007) e, com isso, permitindo 
que conceitos como “desenvolvimento sustentável”, “ecodesenvolvi-
mento” e “sustentabilidade” começassem a ser formatados.
Citando preliminarmente a expressão “ecodesenvolvimento”, Bastos 
(2007) registra que tal terminologia teria sido introduzida no debate 
61
Alexandre Marucci Bastos
por Maurice Strong5 no início da década de 1970, como alternativa 
para a recorrente dicotomia “economia-ecologia”. Na mesma perspec-
tiva, pelo contexto proposto por Romeiro (1999), o conceito de “desen-
volvimento sustentável” surgiu pela primeira vez no início dos anos de 
1970, com o nome de “ecodesenvolvimento”, na forma de uma resposta 
à polarização exacerbada provocada pela publicação do relatório do 
Clube de Roma, cujo cenário opunha partidários de duas visões opostas 
sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente.
Mediante o exposto, é comum ver as expressões “ecodesenvolvi-
mento” e “desenvolvimento sustentável” sendo tratadas como sinôni-
mos em muitas literaturas, nas quais ambos os conceitos chegam a se 
fundir e até se complementar. No entanto, conforme ressalta Bastos 
(2007), ao contrário do “ecodesenvolvimento”, o conceito de “desen-
volvimento sustentável”, seu contemporâneo, acabou predominando e 
obtendo maior ênfase em função de ter sido adotado em documentos 
importantes. Sua definição mais conhecida foi cunhada em 1987, pela 
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU 
(CMMAD), presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Grö 
Harlem Brundtland, que adotou o conceito de “desenvolvimento sus-
tentável” em seu relatório Nosso futuro comum (Our common future), 
também conhecido como Relatório Brundtland:“Desenvolvimento sus-
tentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente 
sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem suas 
próprias necessidades” (UNITED NATIONS, 1987).
Quanto às expressões “desenvolvimento sustentável” e “sustentabi-
lidade”, seria o caso de anotar que a primeira evolui constantemente; 
quanto à segunda é sugerido certo cuidado em sua utilização, con-
forme se discorre: segundo Bastos e Souza (2013), sustentabilidade 
refere-se à característica ou condição do que é sustentável; este, por sua 
vez, é aquilo que pode ser sustentado, passível de sustentação. Porém, 
os mesmos autores promovem uma ressalva ao destacar o fato de que, 
quando tais verbetes foram inseridos em uma abordagem sobre o tema 
desenvolvimento, houve tanto uma derivação como uma extensão 
de sentido, pelas quais o mundo despertou para uma nova realidade. 
5 Secretário-geral da Conferência de Estocolmo de 1972 e primeiro diretor executivo do 
Programa das Nações Unidas de Meio Ambiente.
62
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
Nesse contexto, destaca-se o entendimento à expressão proposto por 
Costanza, Daly e Bartholomew (1991). Embora reconheçam que o 
conceito de sustentabilidade requeresse muita pesquisa adicional, os 
autores propõem a seguinte definição prática ao mesmo:
Sustentabilidade é uma relação entre sistemas econômicos humanos 
dinâmicos e sistemas ecológicos maiores igualmente dinâmicos – 
embora normalmente mais lenta, em que (1) a vida humana pode 
continuar indefinidamente, (2) os seres humanos podem prosperar, 
e (3) as culturas humanas podem até se desenvolver; mas desde 
que sejam respeitados os limites de tais atividades humanas, de 
modo a não destruir a diversidade, complexidade e função dos 
sistemas ecológicos de suporte à vida. (COSTANZA; DALY; 
BARTHOLOMEW, 1991, p.8-9, tradução nossa).
Pelo preconizado por Costanza, Daly e Bartholomew (1991), é 
possível constatar certa complexidade envolvendo o teor da expressão 
sustentabilidade, sobretudo quando os autores a colocam como um 
relacionamento entre sistemas econômicos dinâmicos e sistemas eco-
lógicos maiores e também dinâmicos, embora de mudança mais lenta. 
Tal fato exige atenção especial na utilização da expressão, bem como 
sua respectiva contextualização.
Nesse contexto, pelas colocações de Bastos e Souza (2013), o atual 
entendimento sobre a terminologia sustentabilidade passou por várias 
contextualizações nas últimas décadas, compilando – em diacronia – 
outras expressões ao longo desse período. Segundo esses autores, surgi-
ram, além das expressões sustentabilidade e desenvolvimento sustentá-
vel, conceitos como educação ambiental, ecodesenvolvimento, gestão 
ambiental, ecossistema, responsabilidade socioambiental, dentre outros, 
os quais ganharam, à sua maneira, em função de cada ensejo e conve-
niência, sua peculiar intensidade e respectiva importância.
Souza (1994) destaca que muitos autores reconhecem que os avan-
ços mais sensíveis em relação à formulação de uma teoria do desen-
volvimento sustentável ocorreram a partir da divulgação do relatório 
Nosso futuro comum, já que esse documento ampliou as discussões sobre 
desenvolvimento e meio ambiente a partir do momento em que intro-
duziu e relacionou uma significativa gama de parâmetros na formatação 
63
Alexandre Marucci Bastos
conceitual que veio configurar o desenvolvimento sustentável como 
uma nova estratégia de desenvolvimento.
O mesmo autor salienta ainda que, por tal contexto, emergiram 
dois conceitos importantes da noção de desenvolvimento sustentável: 
o de “desenvolvimento” e o de “sustentabilidade”, ambos caracterizados 
pela multiplicidade e controvérsia conceitual. Controvérsia conceitual 
que permite entender que ainda esteja imperando em viés nos dias 
atuais, conforme reconhece a ex-premiê norueguesa Brundtland, tida 
como a principal responsável por introduzir tais expressões no cotidiano 
mundial.
Em entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, Brundtland 
(2012) assume que, para ela, a expressão é “desenvolvimento susten-
tável”, reiterando que o conceito é esse, apesar de, nos últimos anos, 
as pessoas adotarem a expressão “sustentabilidade” como uma forma 
alternativa de se referir ao tema, alertando, ainda, que os conceitos de 
desenvolvimento sustentável e de sustentabilidade têm sofrido abusos, 
especialmente por parte das empresas.
A ex-premiê destaca o fato de ela ter sempre muito cuidado em não 
usar a palavra “sustentabilidade” isoladamente, tal qual um conceito 
que cobre a visão para o futuro; pois, para ela, o mundo precisa de 
sustentabilidade em diversas áreas, mas também precisa de desenvolvi-
mento sustentável. Quando inquirida sobre o abuso e o mau uso dos 
conceitos, como se houvesse um sequestro, pelo mundo empresarial, 
para fazer greenwash (no sentido de um apelo de marketing para dar 
aparência de verde), Brundtland (2012, p. C17) faz a seguinte assertiva:
Acho que há mais abuso quando se fala de sustentabilidade. Porque 
essa palavra foi introduzida depois, num contexto diferente, como 
se integrasse aquilo que o desenvolvimento sustentável significa... 
Palavras sempre podem ser mal usadas. Mas não se pode simples-
mente dizer: “Esse conceito foi distorcido, então deixamos o con-
ceito de lado”. Porque eu não acho que nós possamos encontrar 
uma maneira nova e melhor de descrever do que trataram a nossa 
comissão e a Rio-92. Não vale a pena reinventar a roda porque 
alguém a roubou ou tentou roubá-la. Ela vai ser roubada de novo. 
Mesmo que alguém inventasse outra definição, e eu ainda não vi 
isso, eles encontrariam um jeito de fazer mal-uso dela.
64
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
Mediante o exposto, percebe-se certo alerta quanto ao uso indiscri-
minado da expressão sustentabilidade, sobretudo quando tal utilização 
compromete a essência do que representa, de fato, umdesenvolvimento 
sustentável. Nesse aspecto, ganha relevo a citação sobre a “Rio-92”, 
por Brundtland (2012). A menção refere-se à Conferência das Nações 
Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada na cida-
de do Rio de Janeiro, Brasil, de 3 a 14 de junho de 1992. Tal evento é 
também conhecido como o Grande Encontro da Terra ou Cúpula ou 
Cimeira da Terra; Eco 92 ou ainda Rio 92. 
Souza (1994) e Arid (2003) registram que a Conferência 
Internacional do Rio de Janeiro (Eco-92) aprovou o Relatório 
Brundtland e promulgou cinco documentos principais: Agenda 
21; Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente; Declaração 
de Princípios sobre o Manejo Florestal; Convenção sobre Diversidade 
Biológica; Convenção Geral sobre Alterações Climáticas. Os países 
signatários comprometeram-se a cumprir os programas e a considerar 
a degradação ambiental como causa da pobreza, da fome e da 
ignorância.
Bastos (2007) complementa, arguindo que a Agenda 21 pode ser 
considerada como o documento mais importante que resultou da Rio-
92, mesmo ela sendo configurada como um programa de ação em for-
ma de recomendações, revestido pelo caráter da não obrigatoriedade. 
A despeito de certo ceticismo que incidiu sobre a Agenda 21 (por ser 
facultativa), ela foi “sancionada” pela comunidade internacional, pro-
piciando um novo e vigoroso impulso ao desenvolvimento socioeco-
nômico, o qual é condição sine qua non de uma estratégia planetária 
comum para a gestão do meio ambiente e dos recursos, capaz de deter, 
ou pelo menos reduzir e adiar, os efeitos deletérios da mudança global 
(SACHS, 1993).
Nesse sentido, a Agenda 21 (BRASIL, [1992]) pode ser definida, 
segundo o Ministério do Meio Ambiente brasileiro (BRASIL, [199-]), 
como um instrumento de planejamento para a construção de socieda-
des sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos 
de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Os temas 
fundamentais da Agenda 21 foram tratados em 40 capítulos organiza-
dos em quatro Seções, compreendendo 1.412 parágrafos, distribuídos 
por 118 áreas de programas, conforme o tema de cada capítulo. Nas 
65
Alexandre Marucci Bastos
palavras de Brundtland (2012), o grande mérito do Encontro do Rio de 
Janeiro, de 1992, foi ter enrijecido a concepção conceitual do desenvol-
vimento sustentável. Ela salienta, sobretudo, que não houve ainda nova 
e melhor maneira de descrever todo o significado de desenvolvimento 
sustentável, além daquelas já tratadas na Comissão que ela presidiu, em 
1987, e a Rio-92, em 1992.
Conforme colocam Bastos e Souza (2013, p.215), seria neste ponto 
que os postulados de Ignacy Sachs (1993) ganhariam relevância, por 
meio dos quais, desde a década de 1970, este autor já providenciava 
alguns dos fundamentos do debate contemporâneo sobre a necessidade 
de um novo paradigma de desenvolvimento, baseado na convergência 
entre economia, ecologia, antropologia cultural e ciência política. Sachs 
(1993) – membro do grupo que auxiliou a preparação das Conferências 
de Estocolmo e do Rio de Janeiro e dos dois encontros prelimina-
res sobre o meio ambiente e o desenvolvimento que as antecederam, 
Founexem 1971 e Haia em 1992 –, em seu trabalho Estratégias de 
transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente, publicado 
em 1993, no ano seguinte à Rio-92, traz uma perspectiva multidimen-
sional diretamente relacionada ao processo de um desenvolvimento 
sustentável.
Antes, porém, Sachs (1986) já atribuía ao ecodesenvolvimento 
(posteriormente definido como desenvolvimento sustentável) um esti-
lo de desenvolvimento que, em cada ecorregião, insiste nas soluções 
específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados 
ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades imediatas, 
como também aquelas de longo prazo. O autor ainda asseverava que, 
em vez de atribuir um espaço excessivo à ajuda externa, tal modelo de 
desenvolvimento dá um voto de confiança à capacidade das socieda-
des humanas de identificar os seus problemas e de lhes dar soluções 
originais – ainda que estas se inspirem em experiências alheias, porém 
reagindo contra as transferências passivas e o espírito de imitação – e 
pondo em destaque a autoconfiança.
Dessa forma, Sachs (1993, p.24-27) aponta que, no processo de 
desenvolvimento, devem ser consideradas, simultaneamente, cinco 
dimensões de sustentabilidade, a saber: (1) ambiental; (2) econômica; 
(3) social; (4) cultural; e (5) espacial (espaço-territorial).
66
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
Por meio de sua abordagem multidimensional, Sachs propiciou, 
segundo Bastos (2007), uma nova capacidade propositiva, proporcio-
nando novas perspectivas à discussão, pois, além das questões econô-
micas, ambientais e sociais, inseriu, outrossim, a cultura e a ocupação 
espaço-territorial como novas categorias de análise, conforme sinteti-
zamos no Quadro 1 a seguir.
Quadro 1 – Síntese das dimensões de sustentabilidade
Dimensão de 
sustentabilidade Premissa/ênfase
1. Ambiental 
(ecológica) Foca a questão dos recursos naturais
2. Econômica 
Possibilitada pela alocação e gestão efi-
ciente de recursos e um fluxo regular de 
investimentos públicos e privados
3. Social Busca da maior igualdade social possível
4. Cultural Respeita as especificidades dos ecossiste-mas, das culturas e dos diferentes locais
5. Espacial 
(espaço-territorial) Foca a questão da ocupação territorial
Fonte: Sachs (1993, p.24-27).
Se levarmos a termo o postulado por Sachs (1993), estabelecen-
do que, ao planejar o desenvolvimento, de modo que ele seja susten-
tável, devem ser consideradas, simultaneamente, suas dimensões de 
sustentabilidade, busca-se representar tal entendimento por meio do 
iconográfico da Figura 2, pela qual seria demonstrada a dinâmica de 
tal abordagem multidimensional em equilíbrio no propósito de um 
desenvolvimento sustentável.
67
Alexandre Marucci Bastos
Figura 2 – Desenvolvimento sustentável a partir do equilíbrio 
(equanimidade) entre as suas dimensões de sustentabilidade
Fonte: Bastos (2007, p.4).
A partir da Figura 2, Bastos (2007) elabora uma arguição teóri-
ca, alegando que qualquer prioridade ou preterição quanto a uma ou 
mais das dimensões de sustentabilidade afetaria o nível de um desen-
volvimento sustentável pretendido. Pois a inter-relação entre todas as 
dimensões seria alterada, ocasionando a assimetria da intersecção cen-
tral, a qual, somente quando simétrica, indicaria a presença do desen-
volvimento sustentável. Para ilustrar o que Bastos (2007) traz à luz da 
discussão, apresentamos a Figura 3.
Figura 3 – A ruptura do desenvolvimento sustentável em função 
de diferentes atenções dadas às dimensões de sustentabilidade
Fonte: Elaboração própria a partir de Bastos (2007, p.38-41).
68
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
Por meio dos elementos pictóricos da Figura 3, é possível perceber 
que, quando há diferentes atenções reservadas às dimensões de sus-
tentabilidade, aquela intersecção na forma pentagonal simétrica da 
Figura 2 é afetada, sugerindo que um cenário correspondente a um 
efetivo desenvolvimento sustentável deixaria de existir. Na situação 
1 da Figura 3, quando a dimensão ambiental é preterida, passa a ser 
verificada que a área da intersecção, além de assimétrica, resumiu-se a 
algo semelhante a um resto de queijo; na situação 2, onde a dimensão 
econômica é demasiadamente priorizada, a interseção simplesmente 
foi eliminada.
Nesse sentido, apesar de a Figura 3 ter como exemplos as dimen-
sões de sustentabilidade ambiental e econômica, em abstração lógica 
é possível proceder a exercícios imaginários distintos. Por exemplo: 
detraindo a dimensão cultural (inclusive vilipendiando a educação), 
não seria possível equalizar a econômica, pois em tese não haveria mão 
de obra capacitada, tampouco como elevar o nível da dimensão social. 
Por outro lado, se a atenção for demasiadamente reservadaà dimensão 
ambiental, haveria tanto implicações na dimensão espacial como na 
econômica, o que supostamente repercutiria na dinâmica de ocupação 
antrópica e nas providências de obras de infraestrutura e implantação 
de novas plantas industriais. Já em uma eventual ênfase na dimensão 
social, exemplificada por meio de extremadas políticas assistencialistas, 
como meras transferências de renda sem contrapartidas pelos benefi-
ciários, todas as demais dimensões poderiam ser comprometidas em 
longo prazo.
Ou seja, conforme já alertaram Costanza, Daly e Bartholomew 
(1991), quando se pretende contextualizar, na prática, a sustentabili-
dade, se depara com uma realidade complexa, pois sustentabilidade é 
uma relação dinâmica, que envolve grandes sistemas econômicos huma-
nos e ecológicos dinâmicos, embora mais lentos, o que implica, nessa 
lógica, que a sustentabilidade não pode ser tratada de forma parcial mas 
sim com a maior amplitude possível, sugerindo, dessa forma, que seja 
reservada especial atenção tanto na utilização dessa expressão como em 
sua respectiva contextualização.
Brundtland (2012) reforça esse entendimento, ao assumir que ela 
mesma sempre tem muito cuidado em não usar a palavra sustenta-
bilidade isoladamente, como se tal conceito cobrisse a visão para o 
69
Alexandre Marucci Bastos
futuro. Para Brundtland (2012), o conceito a ser usado nesse sentido é 
o desenvolvimento sustentável, reiterando sua subjetividade quanto 
ao fato de não ser possível encontrar uma maneira nova e melhor de 
descrever os propósitos envolvidos nesse aspecto, do que já foi tratado 
entre a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 
de 1987, e a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e 
desenvolvimento de 1992 (Rio-92).
Mediante o exposto, cabe certa pertinência em inferir que a uti-
lização da expressão sustentabilidade isoladamente poderia, de fato, 
ocasionar tanto uma derivação desconexa a determinado contexto como 
uma extensão de sentido que eventualmente residiria em um vácuo 
propositivo. Assim, quando alguém diz, por exemplo, que a empresa 
“x” prima pela sustentabilidade (de sua lucratividade?...), ou que a edu-
cação para a sustentabilidade (...?) deve ser priorizada, tais colocações 
sugerem uma mensagem truncada que, supostamente, estaria aquém 
do que representaria a real essência de um desenvolvimento sustentável.
Nesse contexto, portanto, Sachs (1993) teria dado sua cota de con-
tribuição não só para a consolidação conceitual relativa ao desenvolvi-
mento sustentável, como também na consolidação da sua respectiva e 
ensejada teoria, mormente ao estabelecer cinco dimensões de sustenta-
bilidade como forma programática de tratar sobre um desenvolvimento 
que se configuraria como sustentável, pelo qual seria dado um voto 
de confiança à capacidade das sociedades humanas de identificar seus 
próprios problemas (SACHS, 1986).
Quando, por meio do relatório Nosso futuro comum, instituiu-se 
que: “[...] desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz 
as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações 
futuras satisfazerem suas próprias necessidades” (UNITED NATIONS, 
1987, tradução nossa), ganham relevância os postulados de Abraham 
Maslow (1943), que, já no início da década de 1940, havia sugerido 
que os seres humanos têm cinco níveis de necessidades: fisiológicas, de 
segurança, sociais, de autoestima e de autorrealização.
Pelo contextualizado por Maslow (1943), as pessoas buscam satisfa-
zer as suas necessidades de nível inferior, progredindo – e retroagindo –, 
conforme dado momento, constituindo, dessa forma, um contexto 
dinâmico hierárquico e até piramidal. Tal postulado ficaria conheci-
do como a “hierarquia de necessidades de Maslow”, ou “pirâmide de 
70
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
Maslow”, ou ainda como a “pirâmide da hierarquia de necessidades 
humanas de Maslow”.
A despeito de algumas controvérsias que possam recair sobre a teoria 
de Maslow, Bastos (2012), baseado nela, avança ao colocar que as neces-
sidades mais básicas, entendidas como primárias, seriam as fisiológicas 
e as relativas à segurança. Já as demais, seriam secundárias, inerentes às 
necessidades sociais, de autoestima e de autorrealização.
Ainda pelo raciocínio de Bastos (2007, 2012), uma mesma neces-
sidade humana tende a perder importância e nitidez, de acordo com o 
nível de prioridade de cada indivíduo, por exemplo: uma pessoa que 
está passando fome (necessidade fisiológica) não terá nenhum interesse 
em saber se está respirando ar puro (necessidades de segurança), nem 
como é vista pelos outros (necessidade social ou autoestima), assim 
como não terá nenhum interesse pelos últimos acontecimentos no 
mundo da arte (necessidade de autorrealização). Mas, à medida que 
uma necessidade importante é satisfeita, a próxima necessidade mais 
importante entraria em jogo. A Figura 4 sintetizaria pictoricamente o 
aludido sobre a teoria de Maslow.
Figura 4 – Pirâmide da hierarquia de necessidades humanas de Maslow
Fonte: Elaboração própria a partir de Maslow (1943) e Bastos (2007, 2012).
E a morte, seria possível relacioná-la a certa necessidade? E a extin-
ção da humanidade, onde fica nesse contexto? Qual futuro estará 
reservado à espaçonave Terra, se a consciência acerca de um desen-
volvimento sustentável não for entendida como inadiável? Tais ques-
tionamentos podem ser vistos supostamente implícitos em Sonhos 
71
Alexandre Marucci Bastos
(1990) de Kurosawa que, neste texto, são objetos de reflexões, a par-
tir de Maslow (1943), Brundtland (2012), Costanza (1991) e Sachs 
(1986, 1993).
Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões 
O senso comum pressupõe que a raça humana seja predominante-
mente dotada de raciocínio, enquanto os animais possuem apenas de 
instinto. Por tal leitura, o ser humano seria também o único a agir por 
motivação, o que implica em uma tênue linha, separando necessidades 
de desejo. Animal mata por necessidade, para saciar sua fome ou de sua 
prole. Para se defender.
O homem chega a matar por desejo, por prazer ou por outras razões 
que não justificariam sua aludida racionalidade. Chega a ceifar sua 
própria vida em autoquíria, seja prontamente ou ao longo de um deter-
minado período. E a de outrem, inclusive como sequelas de seus atos 
presentes na forma de um legado perverso deixado a gerações futu-
ras. Dessa forma, dos oito recortes oníricos de Sonhos (1990), todos 
envolveriam ansiedades humanas que, de uma forma ou outra, teriam 
origem no conflito situado entre necessidades e desejos. Já à questão 
preservacionista, Kurosawa nessa obra dá o devido relevo nos três últi-
mos sonhos, dos quais este texto reserva especial atenção ao 8º(A aldeia 
dos moinhos d’água).
No 1º Sonho (O casamento das raposas), não obstante o sexo ser 
um instinto natural dos seres vivos, inclusive classificado como uma das 
necessidades humanas primárias pelos postulados de Maslow, a “morte” 
sugerida ao menino – em tal passagem onírica – poderia estar associada 
ao fato de ele ter abdicado de sua ingenuidade, ao presenciar algo que 
talvez ainda fosse cedo para ele, como o acasalamento entre os seres, 
despertando sua libido. A prematura descoberta do sexo pelo garoto, 
comprometendo sua pureza ao abrir o portal da luxúria, da lascívia ou 
algo semelhante, o faria “matar” sua inocência.
Por conta de seu ato, o menino se viu condenado e vilipendiado 
pelas pessoas de seu meio. Se por um lado, o sexo passaria a ganhar 
espaço entre suas necessidades primárias, por outro a capacidade de 
ele satisfazer suas necessidades de autoestima e sociais (secundárias) 
haveria de ser comprometida em decorrência de sua volição, a qual foi 
72
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
repudiada pelos seus próximos. Para reverter tal situação, Kurosawa 
lança duas opções metafóricas: que o menino primasse pela sua hon-
ra, em razão do que descobriu, por meio do seppuku (suicídiopelo 
desventramento, mais conhecido como haraquiri), ou, em remota 
possibilidade insinuada, que ele conseguisse transformar aquela sua 
descoberta em algo sublime, declinando sumariamente de deprava-
ções. Isto seria tão difícil de conseguir, que corresponderia a algo 
como atingir a apoteose oferecida aos que conseguem encontrar o 
local onde um arco-íris termina.
Kurosawa destaca valores nipônicos em momentos especiais de 
Sonhos. Assim como no 1º Sonho, ele também recorre a estes valores no 
2º Sonho (O pomar de pessegueiros). A sequência do filme reproduz, 
com requintes plásticos e fotografia de colorido exuberante, a tradição 
hierárquica japonesa. Em passível analogia à hierarquia das necessidades 
humanas, bem como quanto aos aspectos preservacionistas, propõe-
-se uma reflexão a partir do enredo desenvolvido nesse 2º Sonho: dos 
aspectos sensitivos insinuados à preservação daquilo fora do alcance do 
poder pecuniário, a mensagem poderia estar na essência das palavras do 
menino: quando, em autodefesa da acusação de ele ser o responsável 
pela erradicação de um pessegal, e que comer seus frutos é o que apenas 
lhe interessaria, o garoto argumenta que: “Pêssegos podem ser compra-
dos, mas onde comprar todo um pomar em flor?” (SONHOS, 1990).
Na simplicidade das palavras do menino, haveria uma suposta carga 
de sabedoria que sintetizaria tanto os postulados de Maslow como a 
essência do que representaria um desenvolvimento sustentável, sobretu-
do ao dimensionar de forma magnífica os limites do poder do dinheiro. 
Em um sentido convergente ao 3º Sonho (A nevasca), seria o caso de 
entender que muitas vezes temos algo de imenso valor e sequer nos 
damos conta disso – talvez só depois de perdê-lo. Não raro deixamos 
de enxergar o quão próximo estamos daquilo que realmente nos faria 
regozijados, conquanto, em razão das tempestades provocadas pela 
mesquinhez humana, deixamos de percebê-lo. Assim isso poderia estar 
ocorrendo quanto à importância reservada ao desenvolvimento sus-
tentável, de forma que ainda prevaleceria um suposto abismo entre as 
meras retóricas de discursos e ações efetivas inadiáveis a esse propósito.
Nesse contexto, seria como se aquele menino do 1º Sonho nos per-
guntasse se havíamos visto aquele maravilhoso arco-íris que surgiu em 
73
Alexandre Marucci Bastos
esplendor e respondêssemos que estávamos muito ocupados com os 
problemas da terra e, assim, não tínhamos tempo para ficar olhando 
para o céu. Tal qual nosso “submarino de ideologema”, isso significa 
estar preso nas profundezas da não racionalidade, sob os efeitos de 
implicações míticas nefastas. Estaríamos impedidos de emergir, devido 
a discursos dilemáticos decorrentes do inconsciente coletivo cultural, 
em um palco do theatrum societalis, cujos atores comporiam o elenco 
de um jogo social autodestrutivo.
Tanto no 4º Sonho (O túnel) como no 5º Sonho (Van Gogh e os 
corvos), Kurosawa nos provocaria a uma leitura em que as emoções e as 
ansiedades humanas, mormente as decorrentes de nossas necessidades 
de segurança, sociais e de autoestima, dificultariam o desapego ou a 
ruptura com valores estipulados por cada indivíduo, quiçá comprome-
tendo o espectro da autorrealização. No 4º Sonho, a travessia do túnel 
pelo oficial japonês poderia ser a forma pela qual ele adentrou em outra 
dimensão, na qual pudesse enfrentar suas frustações.
Aquela imagem fantasmagórica do soldado Noguchi, bem como o 
diálogo que se seguiu nessa outra dimensão, seria o ensejo para o ofi-
cial se retratar não só perante o soldado, como frente a toda tropa que 
comandava, pelo fracasso em missão de guerra, em que todos sucum-
biram, com exceção do oficial. No entanto, mesmo ainda vivo e tido 
como grande líder, ele se via destruído. Sequelas da estupidez humana, 
ao promover guerras que nunca foram ou jamais serão justificadas, 
deixadas aos sobreviventes.
Se no 4º Sonho o oficial se deparou com a dura realidade de não 
mais conseguir atingir sua autorrealização e ver sua autoestima restar 
marcescente, no 5º Sonho Van Gogh ainda estaria buscando suprir 
tais necessidades. Tal qual uma locomotiva desenfreada, em um ritmo 
alucinante, Van Gogh se lançou a pintar freneticamente como se fosse 
uma fuga. Sua angústia maior, em função de seu estado de espírito, seria 
por decidir entre a beleza dos campos de trigo e a funestação represen-
tada pelo corvo: Morte? Enigma? Mau presságio?... Ou “inteligência 
necrófaga”? Difícil saber, talvez fossem sequelas do absinto, levando-o 
à autoquíria.
Pelo teor dos 4º e 5º sonhos, poderíamos sugerir o quanto a ple-
na consciência humana, sobre a importância de um desenvolvimento 
sustentável, pode estar refém de questões emocionais. Em uma escala 
74
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
de prioridades, se o homem se presta a ceifar vidas humanas, inclusive 
a dele própria, passa a ser um desafio e tanto defender a eviternidade 
de sua própria raça. Para reforçar ainda mais esse contexto, em que o 
homem estaria vilipendiando os aspectos preservacionistas e as possí-
veis consequências decorrentes de tal postura, Kurosawa nos incita a 
outras reflexões por meio do 6º Sonho (Monte Fuji em erupção) e do 
7º Sonho (O ogro).
Intensas explosões, que vinham por detrás do monte Fuji, abrem o 
6º Sonho, dando a impressão de ele estar em erupção. Mas não se trata 
disso, e sim de um acidente nuclear ocorrido em uma usina. As imensas 
nuvens incandescentes seriam decorrentes das explosões de seus seis 
reatores atômicos. Seria uma premonição de Kurosawa, antevendo duas 
décadas antes o acidente na central nuclear de Fukushima?... Apesar 
de não chegar às proporções do filme, chega a dar calafrios saber que 
Fukushima também operava com seis reatores.
No lugar de lavas vulcânicas, a ameaça era representada por letais 
nuvens radioativas. Encurralados à beira do que seria uma falésia, e 
em meio a um cenário desolador, só restava, aos poucos ainda vivos, 
condescender à morte por suicídio, lançando-se ao fundo do mar, ou 
enfrentar as nuvens de radioatividade, as quais traziam consigo uma 
identificação própria, dada pela respectiva cor: a vermelha seria a do 
plutônio 239 que causa câncer. A amarela do estrôncio 90, causando 
leucemia. A roxa, césio 137, afetaria a reprodução, provocando muta-
ções e fazendo nascerem monstruosidades. De tão estúpido, o homem, 
em nome do poderio econômico, coloriu a radioatividade segundo as 
desgraças por ela oferecidas.
Se no 6º Sonho, os sobreviventes fossem apenas aqueles alcançados 
pela nuvem do césio 137, sobrariam seres e plantas mutantes em meio 
a um cenário degradado ou até deformado. Um contexto surrealista 
funesto, conforme insuflado pelo 7º Sonho, no qual estariam seres 
que já foram humanos, mas agora são ogros monstruosos, frutos da 
própria estupidez da humanidade, cuja ganância chega ao ponto de 
destruir o alimento que produz para elevar seus preços de mercado. 
A insaciável sede de poder, resultando inclusive em guerras nucleares, 
nas quais não haveria vencedores, apenas o restolho que, para sobre-
viver, teria de apelar ao canibalismo. Uma mera postergação do que 
seria o fim trágico da humanidade: a autofagia do último. Os mais 
75
Alexandre Marucci Bastos
fortes devorando os mais fracos, o poder indicado pela quantidade 
de cornos. Quanto mais chifres, mais poderoso. A imagem da besta 
apocalíptica.
Por intermédio do 7º Sonho, vemos um mundo no qual só res-
tariam ogros em farrapos, daquilo que já foram ternos de executivos, 
Kurosawa permite reflexões quanto à efemeridade e à insignificância 
do poder, cujo cume terminaria em nada. Desse modo, por mais que 
alguém seja poderoso, estará se tornando um monstro se não rever seus 
procedimentos como a forma de tratar os outros, estabelecer e adminis-
trar limites no selvagem mundo capitalista. Enfim, deve-se preocupar 
com o presente, sem jamais desprezar as gerações futuras.
Partindo dos questionamentos lançados nos sete primeiros sonhos, 
quantoàs preocupações e aos fantasmas que deveriam atormentar a 
humanidade: a morte, a culpa, as artes como elementos substanciais na 
composição da essência humana, a preservação da natureza em contra-
ponto ao consumismo desenfreado, a vida terrestre posta em perigo por 
atividades nucleares, eis que Kurosawa propõe uma apoteose no último 
sonho. Um bálsamo para arrefecer tantas angústias.
No 8º Sonho (A aldeia dos moinhos d’água) as desgraças, enfim, 
dão uma trégua. A sequência das cenas iniciais, deste último recorte 
onírico, traz um lugar lindo, tranquilo, no qual o ritmo é ditado por 
rodas d’água movidas pelo curso de um riacho, que inspira leveza e paz. 
Alguns espectadores privilegiados, podem até alcançar uma sensação de 
frescor, oferecida por aquele cenário. Quiçá sentirem-se “ressuscitados” 
ou, ao menos, sendo arrebatados de algum dos pesadelos anteriores 
enredados por Kurosawa.
Não obstante a morte ser trazida novamente ao contexto no 8º 
Sonho, ela agora seria tratada de maneira peculiar pelos habitantes de 
uma aldeia (sem nome específico, talvez apenas “Aldeia dos moinhos 
d’água”). Nela vive um ancião que traz consigo uma sabedoria ímpar. 
De suas palavras simples emanam mensagens poderosas. Questionado 
sobre a ausência de eletricidade naquele lugar, o ancião argumenta que 
ela é desnecessária; nada mais que uma conveniência. E, pelas conve-
niências, as pessoas jogam fora o que é realmente bom.
Iluminação? Velas e óleo de linhaça. Quanto à escuridão da noite? 
Assim elas devem ser... Por que elas deveriam ser claras como o dia? Se 
iluminarmos a noite, não será possível ver suas estrelas. Tratores para a 
76
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
agricultura? Para quê?... Se podemos usar cavalos e bois. Combustível? 
Lenha principalmente, mas sem cortar as árvores, usar apenas aquelas 
que padecem naturalmente e que se secam após caírem. E, se delas fizer 
carvão, haverá tanto calor como uma floresta inteira. Até o esterco de 
vaca também é um bom combustível. Na aldeia, o que predomina é 
viver como nos remotos tempos. De forma natural. A modernidade 
haveria de ser refutada, conforme a eloquência empregada na retórica 
do ancião, a seguir reproduzida:
Hoje em dia as pessoas se esquecem de que elas são só uma parte da 
natureza. Destroem a natureza, da qual nossa vida depende. Acham 
que sempre podem criar algo melhor. Sobretudo os estudiosos. 
Eles podem ser inteligentes, mas a maioria não entende o coração 
da natureza. Eles só criam coisas que acabam tornando as pessoas 
infelizes. Mesmo assim, orgulham-se tanto de suas invenções. E, 
o que é pior, a maioria das pessoas também se orgulha disso. Elas 
veem tais invenções como milagres. Idolatram-nas. Elas não sabem, 
mas estão perdendo a natureza. Não percebem que vão morrer. As 
coisas mais importantes para os seres humanos são ar limpo e água 
limpa; e as árvores e as plantas nos dão isso. Tudo está sendo sujado; 
poluído para sempre. Ar sujo, água suja, sujando os corações dos 
homens. (SONHOS, 1990).
Na sequência, o ancião lança um contexto paradigmático: pessoas 
agem na maioria das vezes sem saber o porquê de suas condutas. Há 
quem diga que a vida é dura. Isso é só conversa. Na verdade é bom estar 
vivo. É emocionante. Quanto à morte, funerais em exaltação. Motivo 
para agradecer ter tido a chance de viver intensamente o que a vida nos 
dá, sem precisarmos matar a natureza. A morte só deve ser questionada 
se for de crianças ou jovens, ou quando a antecipamos por volições estú-
pidas. Um paradoxo criado pela própria humanidade, seja nas guerras 
seja na busca desenfreada de um (des)envolvimento irracional.
Neste sonho, portanto, é oferecida uma mensagem clara sobre os 
efeitos corrosivos provocados pela insaciabilidade humana. As pala-
vras daquele sábio ancião nos fariam entender o que seria um planeta 
sustentável. Muito se fala em desenvolvimento sustentável e susten-
tabilidade atualmente. No entanto, ainda existe um abismo separan-
77
Alexandre Marucci Bastos
do a retórica de um discurso das ações efetivas nesse sentido. Ainda 
se observam muitas condutas paradoxais. Insistimos em permanecer 
cegos em meio à nevasca provocada pela modernidade. Tomados, mes-
mo que inconscientemente, pela virulência do “ter” em detrimento da 
essência do “ser”. O “infinito” consumindo o “finito”. De uma forma 
que até a satisfação das necessidades básicas de gerações futuras estaria 
sendo comprometida desde já, aniquilando o que seria “Nosso futuro 
comum”. 
Além de prevalecerem os pressupostos lançados pelo Relatório 
Brundtland, na “Aldeia dos moinhos d’água” (UNITED NATIONS, 
1987), as ações humanas estariam moldadas em consonância com o teor 
da Declaração de Estocolmo (UNITED NATIONS ENVIRONMENT 
PROGRAMME, 1972), quando, por meio do maior conhecimento e 
de ações mais sábias, os aldeões tinham uma vida melhor tanto no pre-
sente como a que se antevia para a posteridade, com um meio ambiente 
em sintonia com as necessidades e esperanças humanas locais.
Ademais, a relação harmoniosa entre os sistemas dinâmicos, quanto 
à prática da sustentabilidade elencados na obra editada por Costanza 
(1991), estaria sendo mantida, pois naquela aldeia a vida humana pode-
ria continuar indefinidamente, seus moradores poderiam prosperar, e a 
cultura vigente se desenvolveria sem desrespeitar as atividades humanas, 
de modo a não destruir a diversidade, a complexidade e a função dos 
sistemas ecológicos de suporte à vida. 
Com os sistemas dinâmicos relacionados à prática da sustentabili-
dade em harmonia na aldeia, surgiriam, em tese, as condições ideais 
para que um desenvolvimento sustentável fosse estabelecido, mormente 
quanto ao equilíbrio entre as cinco dimensões de sustentabilidade apon-
tadas por Sachs. Naquela aldeia, devido à sólida noção do que realmen-
te se fazia necessário para satisfazer as necessidades locais, a dimensão 
econômica não foi enfatizada de modo a comprometer as dimensões 
sociais, culturais, espaço-territorial e, sobretudo, a ecológico-ambiental. 
A despeito de insinuada utopia, naquela aldeia um pequeno tacho de 
estrume de vaca teria infinitamente mais valor que um automóvel de 
luxo ou um colar de brilhantes.
Aquele ancião da aldeia, por meio da simplicidade de suas palavras, 
passou uma mensagem poderosa, cujo teor nos faz perceber que se real-
mente desejássemos viver em um mundo utópico, ele existiria: bastaria 
78
O desenvolvimento sustentável e Sonhos de Kurosawa: algumas reflexões
nos contentar com as coisas mais simples que a vida já nos oferece, 
limitando-nos em satisfazer nossas necessidades em limites razoáveis. 
Talvez lá isso fosse possível, por ser uma comunidade distante das influ-
ências e das conveniências perniciosas propostas pela modernidade, 
bem como isolada em seu próprio mundo. Um lugar longe da cruel 
realidade imposta pelos valores predominantes assumidos por aqueles 
tidos como homens civilizados.
Em antinomia, seria imprescindível saber distinguir “necessidade” 
de “desejo”. Talvez aí residam os grandes problemas da humanidade, já 
que necessidades podem ser saciadas, enquanto desejos são constante-
mente expandidos, sem limites definidos pelo homem. Animais bus-
cam satisfazer suas necessidades, enquanto o ser humano, além destas, 
busca satisfazer seus desejos, os quais muitas vezes geram ganância, sede 
de poder, busca de posição social. Tais elementos não estão presentes 
naquela “Aldeia dos moinhos d’água”.
Na aldeia, seus habitantes buscam estabelecer um modo de vida 
prioritariamente para satisfazer as duas primeiras faixas de necessi-
dades da pirâmide de Maslow (fisiológicas e segurança). Quanto à 
terceira (sociais), agem com prudência e muita sabedoria, de forma 
que as demais (status e autorrealização) seriam satisfeitas de forma 
natural, sem colocar em risco a própria sobrevivência deles ou de suas 
gerações futuras, algo que poderíamos aprender com eles: o verda-
deiro significado do desenvolvimento sustentável.Lá, jamais haveria 
espaço para que a estupidez humana prosperasse, para que os seres 
humanos se tornassem ogros. Isso, sobretudo, enquanto eles estiverem 
distantes dos efeitos perniciosos provocados pelo que chamamos de 
modernidade.
Considerações Finais
Embora a morte seja tratada de distintas formas por Kurosawa em 
Sonhos (1990), ele proporciona diferentes reflexões sobre algo que seria 
a única certeza que temos, apesar de não raro a insensatez humana 
estar antecipando a morte em muitos sentidos. Podemos insistir em 
querer permanecer como em uma guerra durante todo o percurso de 
nossas vidas, mas podemos viver de outra forma, quiçá utópica, mas 
possível, conforme nos é ensinado pelo ancião da “Aldeia dos moinhos 
79
Alexandre Marucci Bastos
d’água”: Pessoas agem, na maioria das vezes, sem saber o porquê de 
suas condutas. Volições estúpidas que seriam decorrentes de um para-
doxo estabelecido pela própria humanidade, pelas regras predatórias 
da modernidade. Para um desenvolvimento sustentável, o “ser” não 
poderia ser substituído integralmente pelo “ter”.
Como exemplo de predominância do “ter”, alguns países, para 
priorizar a dimensão econômica, poderiam criar meios para univer-
salizar a aquisição de veículos, sobretudo para as camadas menos 
favorecidas economicamente. Impostos seriam reduzidos e farta linha 
de crédito seria criada para esse propósito. No entanto, país desen-
volvido não seria aquele onde os mais pobres podem comprar auto-
móveis, mas sim aqueles onde os ricos usam o transporte público, 
compartilhando com os mais pobres o mesmo sistema de mobilidade 
urbana.
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FICHA TÉCNICA
FILME
Sonhos
Título original: Yume/Dreams
Ano: 1990
Produção: Hisao Kurosawa e Mike Y. Inoue
País: Estados Unidos / Japão
Idioma: Japonês
Direção: Akira Kurosawa
Elenco: Akira Terao, Mitsuko Baisho, Toshie Negishi, Mieko Harada, 
Mitsunori Isaki, Toshihiko Nakano, Yoshitaka Zushi, Hisashi Igawa, Chosuke 
Ikariya, Chishu Ryu, Martin Scorsese.
Gênero: Drama
Duração: 119 minutos.
83
ESTRELAS NA TERRA – 
TODA CRIANÇA É ESPECIAL
Ana Teresa SCANFELLA
Existem pedras preciosas entre nós, que desafiaram os cami-
nhos do mundo, pois podiam olhá-lo com olhos distintos. 
Sua forma única de pensar, nem todos compreenderam. 
Sofreram oposição. E ainda assim foram vencedores, e o 
mundo ficou maravilhado. 
Como Estrelas na Terra (2007).
Com a visão ofuscada por um pensamento limitado pela lógica de 
padrões quecerceiam nossos sistemas sociais, muitas vezes não conse-
guimos enxergar o brilho da criatividade infantil, presente na diferença 
e na especificidade de cada criança. O belíssimo filme Como estrelas na 
Terra – toda criança é especial, a partir de uma metáfora ligada à imagem 
de um corpo celeste que possui luz própria – a estrela –, vem nos propor 
um olhar mais apurado acerca do potencial de cada ser humano.
Pautando-se em preocupações atuais de grande parte dos países e 
de seus sistemas sociais e educacionais, a história retrata os conflitos e 
as dificuldades de um menino disléxico para ser inserido socialmente 
e atender às exigências de escolas baseadas em um ensino mais tradi-
cional, que valoriza uma autonomia pautada na competitividade. Sem 
possuir conhecimentos sobre aquele distúrbio e por entender que o 
84
Estrelas na Terra – toda criança é especial
desinteresse do garoto pela aprendizagem escolar era fruto de falta de 
disciplina e preguiça, o drama da família se intensifica com a crença 
de que medidas educativas rígidas e disciplinares, baseadas na punição, 
seriam praticamente a única alternativa válida, a última esperança... 
A punição enquanto meio para a redenção.
Essa superprodução foi desenvolvida pelo ator, produtor e diretor 
Aamir Khan em sua Aamir Khan Productions, que atua no papel do 
professor substituto Ram Shankar Nikumbh. O nome original do 
filme: Taare Zameen Par – Every Child is Special, significa exatamente, 
segundo Machado (2008), “Estrelas na Terra – Toda criança é especial”. 
A referida produtora integra a rede conhecida como Bollywood, e 
é uma das principais indústrias cinematográficas regionais de cinema 
da Índia, com base em Mumbai, capital do Estado do Maharashtra. 
Ela não possui um espaço físico próprio, uma sede ou um complexo 
de estúdios, sendo, portanto, sustentada por uma rede de estúdios, 
diretores e produtoras espalhadas por Mumbai. 
Lançado nas salas indianas em 21 de dezembro de 2007, Taare 
Zameen Par ganhou o prêmio de melhor filme no Filmfare Awards de 
2008, além do prêmio de melhor direção para Aamir Khan e também 
de melhor letra de música com Maa (que significa “mãe” em híndi). 
O estreante Darsheel Safary, que interpreta Ishaan Awasthi ganhou o 
prêmio de melhor ator pela crítica. 
Ao longo do filme, as músicas aparecem como videoclipes, com 
imagens que além de ilustrar a melodia, fazem parte do desenrolar da 
história. Estes clipes dão movimento ao enredo, provocando sensações 
de agitação, angústia, tristeza, sofrimento, alegria, esperança, superação 
e vitória. Com isso, o espectador é envolvido em uma trama de uma 
ficção repleta de realidade, fazendo jus à colocação no início do filme: 
“Qualquer semelhança entre ficção e vida real é mera coincidência”.
A perspectiva cinematográfica e a sonoplastia são conduzidas com 
o cuidado de tomarem do real os aspectos que vivificam a ficção, isto 
porque com o cinema é possível passar “[...] a impressão de que é a 
própria vida que vemos na tela, brigas verdadeiras, amores verdadeiros” 
(BERNARDET, 2006, p.12). O movimento produz a impressão de 
realidade. Assim, o enredo é desenvolvido num contexto que guia o 
espectador por um universo repleto de emoções, movimentando-o pelas 
tramas da história, de forma que inúmeros sentimentos vão aflorando à 
85
Ana Teresa Scanfella
medida que as cenas se sucedem entre detalhes das músicas e suas letras, 
dos clipes, ações e expressões dos atores, comportamentos e atitudes.
Desse modo, Taare Zameen Par coloca na tela situações que, para 
além de emocionar, conduzem a uma reflexão crítica acerca da realida-
de, sobre questões que necessitam ser repensadas como, por exemplo: 
as relações sociais pautadas na concorrência e numa busca por posições 
econômicas, a inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais 
na sociedade e na escola, a formação deficitária dos professores para 
avaliar e atender satisfatoriamente crianças com necessidades especiais, 
de maneira a incluí-las em salas de aula regulares, entre outras.
Este filme, portanto, não se limita ao puro e simples entreteni-
mento, mas atende a uma função do cinema enquanto crítica social. 
Conforme Teixeira e Lopes (2008, p.10), “[...] o cinema deve ser um 
meio de explorarmos os problemas mais complexos do nosso tempo 
e da nossa existência, expondo e interrogando a realidade, em vez de 
obscurecê-la ou de a ela nos submetermos”.
Aamir Khan busca, com sutileza de detalhes, envolver o espectador 
na história de maneira que este possa, além de se emocionar, inserir-se 
na realidade de um disléxico, sentindo um pouco as angústias por ele 
vivenciadas perante as exigências de um mundo baseado na leitura e 
escrita.
A cena inicial do filme mostra letras em movimento que se emba-
ralham na tela e a voz de professoras ao fundo, lendo a uma velocidade 
cada vez maior. Duas dessas professoras aparecem na tela com um livro 
nas mãos e, enquanto leem freneticamente, a imagem ao fundo mostra 
mais letras, que se aceleram num ritmo ágil e colorido. Quanto mais 
estas letras se agitam, mais aumenta o som característico de uma ambu-
lância, que se aproxima cada vez mais, como num pedido veemente 
por socorro. 
Essa imagem caracteriza bem o sentimento de um disléxico, perante 
a pressão que sofre diante de um professor ou da instituição escolar que 
não compreendem seu problema. Todo seu ser grita por socorro, pois, 
diante da incompreensão e de formas diversas de coação, se intensificam 
as reações provenientes de uma disfunção relacionada a mecanismos 
neurológicos.
Após esta introdução plena de significados, que remete ao tema 
central da obra, acontece uma pausa brusca e, diante de uma tela negra, 
86
Estrelas na Terra – toda criança é especial
a história retrocede, conduzindo para a apresentação do personagem 
principal. A cena de águas calmas, com peixinhos nadando retrata ago-
ra um cérebro em harmonia com a natureza. Aos poucos vai surgin-
do, como em um espelho, o reflexo do rosto alegre do menino Ishaan 
Awasthi que, debruçado sobre a sarjeta, direciona toda a sua atenção 
para capturar pequenos peixinhos com uma espécie de peneira, no 
intuito de colocá-los em um pote de vidro. 
O aparecimento abrupto de um homem a puxar Ishaan pela camisa 
interrompe a tranquilidade da cena, que lembrava a sutileza de um 
sonho. O homem em questão era um dos responsáveis pelo transporte 
escolar, bravo com o menino pelo seu atraso de mais de dez minutos, 
lembrando a ele seus atrasos frequentes. O menino senta-se próximo 
ao motorista e seus olhos percorrem o vidro translúcido do pote, acom-
panhando o vaivém dos peixinhos. A cena continua como uma viagem 
pela imaginação de Ishaan, por meio de belíssimas cenas com desenhos 
animados que retratam o fundo do mar, o espaço sideral, jardins, entre 
outros. Com isso, o diretor dá prosseguimento à apresentação do elenco 
deste drama. 
O retorno do menino a sua casa marca o retorno às imagens “reais” 
da história. Ao entrar em sua casa, as amáveis cobranças e repreensões 
da mãe confirmam a indisciplina de Ishaan e nota-se uma relação de 
ternura que se estabelece entre mãe e filho. O irmão mais velho chega 
exibindo suas provas e boas notas. Ishaan, então, sai para o quintal e fica 
sentado acariciando dois cachorros, quando a bola de alguns garotos 
que jogavam futebol cai próxima a ele. Na tentativa de jogá-la de volta, 
ele a atira do outro lado do muro. Os garotos o repreendem e Ishaan 
parte para briga com um deles. 
Quando o pai de Ishaan chega do trabalho, à noite, a mãe do meni-
no com quem ele havia brigado vai até sua casa, cobrando de seus pais 
atitudes mais enérgicas, pois seus comportamentos inadequados eram 
reincidentes. O pai mostra-se cansado com as reclamações frequentes 
por parte de vizinhos e da escola e zanga-se com o filho até que a mãe 
se interpõe, docilmente.
Essas primeiras cenas localizam o personagem no contexto da his-
tória. Uma criança que não demonstrava interesse em ir à escola e que 
aochegar a casa jogava suas provas para os cachorros, pois estas evi-
denciavam seu desempenho ruim nos estudos; que era inábil para lan-
87
Ana Teresa Scanfella
çar uma bola na direção correta; que apresentava um comportamento 
impulsivo, capaz de entrar facilmente em uma briga e de destruir com 
fúria objetos encontrados em seu caminho, como fizera com o vaso da 
vizinha, mãe do garoto com quem havia se atracado. Envolver-se em 
confusão e apresentar comportamentos inadequados eram, portanto, 
os traços que caracterizavam Ishaan como indisciplinado e sem limites.
Ishaan estudava em uma escola só para meninos, pautada numa 
rígida disciplina e constituída por professores com posturas inflexíveis, 
com cobranças voltadas exclusivamente ao desempenho quanto aos 
conteúdos, que desconsideravam os processos individuais de aprendi-
zagem. A alfabetização, direcionada à leitura e escrita, baseava-se no 
ensino da língua inglesa e as provas escritas eram os principais parâme-
tros para avaliar o desempenho dos alunos, enquanto as notas mediam 
o grau de conhecimento, numa análise exclusivamente quantitativa. 
Nesse contexto, os professores não estavam preparados para lidar com 
a diversidade, ou seja, não eram capazes de olhar as necessidades e espe-
cificidades de cada aluno, avaliar e adaptar metodologias e atividades, 
quando preciso.
Diante dessa realidade, de um fracasso escolar cada vez mais acen-
tuado, com reprovação e castigos frequentes que o estigmatizavam, o 
sofrimento de Ishaan se intensifica. Ele, então, se refugia em atividades 
que lhe dão prazer como o desenho e a pintura, afagar seus cachorros, 
olhar e pegar peixinhos... Os comportamentos inadequados, como bri-
gas também podem ser considerados fuga, um modo de chamar atenção 
e pedir ajuda.
O estigma de ser preguiçoso colocava sobre o menino a culpa por 
seu rendimento insatisfatório, partindo-se do pressuposto de que suas 
atitudes eram uma escolha e podiam ser controladas, se ele assim 
desejasse.
As atitudes severas do pai exibem a marca do seu rude amor. Ele, 
na verdade, almeja o bem para o futuro do filho, segundo sua visão 
competitiva de mundo, fruto da cultura em que está inserido e com 
isso, suas atitudes se justificam.
Nesse cenário o ritmo diferenciado do menino, que caminha na 
calmaria de um mundo imaginário repleto de sonhos, fantasias e per-
sonagens mágicos, choca-se com o ritmo frenético da correria cotidiana 
de seus pais, típica de um universo capitalista. Ansiosos, eles passam a 
88
Estrelas na Terra – toda criança é especial
pressionar cada vez mais o menino. A letra de uma das músicas retrata 
esta agitação e cobrança diária:
Amarre os sapatos, aperte o cinto.
Prepare-se para a batalha.
Carregue seu fardo.
Com pastas em mão e decisão firme
dominaremos o mundo.
Manteremo-nos firmes.
Assim funciona o mundo, continue.
Seu destino lhe espera, siga em frente.
(COMO ESTRELAS..., 2007).
Para refugiar-se dessas pressões, por parte dos pais e da escola, sua 
fértil imaginação lhe permitia mergulhar num mundo só dele, repleto 
de desenhos, cores, fantasias e tranquilidade. Um universo seguro sob 
as asas de sua criatividade. 
A realidade o aprisionava e, diante das incompreensões que sofria, 
sua alma gritava por liberdade. A fuga em busca de liberdade e de paz 
interior que mais lhe causou satisfação foi também a que lhe acarre-
tou maiores perdas no futuro. Isso aconteceu em um determinado dia, 
quando Ishaan decidiu faltar às aulas por não ter feito uma tarefa de 
matemática. Ele caminhou aleatoriamente pelas movimentadas ruas da 
cidade de Mumbai, observando tudo ao seu redor, com êxtase e entu-
siasmo, enquanto uma sensação de liberdade o preenchia de felicidade e 
prazer. Nesse momento, a música que acompanhava as cenas e sua letra 
expressa emoções e sentimentos com riquezas de detalhes:
Um pouco doce, um pouco azedo.
Um tanto perto, não tão longe.
Tudo de que necessito é ser livre.
Perto o suficiente para tocar...
Mas, desaparece como miragem.
Perto o suficiente para tocar...
Além das nuvens fica meu mundo [...].
(COMO ESTRELAS..., 2007).
89
Ana Teresa Scanfella
Essa façanha foi descoberta pelos pais de Ishaan e mudou drastica-
mente sua vida. Sob os protestos do menino e de sua mãe, o pai decide 
transferi-lo para um colégio interno, em meados do ano letivo, acredi-
tando que seu maior problema estava relacionado à falta de disciplina 
e que atitudes mais rígidas seriam, portanto, a solução. 
Logo na recepção do internato, o diretor atende às expectativas do 
pai, quando diz que no colégio vive-se sob uma regra – a disciplina. 
Nesta perspectiva, coloca ainda que já domaram os cavalos mais selva-
gens e garante que dará conta do menino. Apesar de concordar com o 
marido, como que submissa em seu papel social, a mãe não deixa de 
demonstrar angústias e incertezas. 
Na primeira noite no colégio, entre choro, medo, aflição, deses-
pero e solidão, enfim inúmeros sentimentos de tristeza, Ishaan clama 
por seu porto seguro: sua mãe, imagem tão bem retratada na letra da 
música Maa:
Eu nunca contei,
como tenho medo do escuro.
Eu nunca contei,
o quanto me importo com você.
Mas você sabe, não Mãe?
Você sabe de tudo, minha Mãe.
Não me deixe sozinho na multidão,
não encontrarei o caminho de casa.
Não me mande para longe,
para onde você não vai se lembrar de mim.
Eu sou assim tão ruim, Mãe?
Sou tão ruim?
Às vezes quando papai me lança alto pelos ares
meus olhos te procuram,
esperando que você venha me pegar em segurança.
Não conte a ele, mas morro de medo.
Eu não demonstro, mas meu coração se afunda.
Você sabe de tudo, não Mãe?
Você sabe de tudo, minha Mãe. [...].
(COMO ESTRELAS..., 2007).
90
Estrelas na Terra – toda criança é especial
A partir daí, a saga de Ishaan no internato inicia-se com repreensões 
pelo fato de ele não conseguir se vestir com êxito, de marchar de modo 
descoordenado e se interessar mais pelas cenas que se passavam do outro 
lado da janela do que pelas lições registradas na lousa. A palmatória, 
castigos e expressões depreciativas por parte dos professores são mais 
fortes a cada dia, de forma que, ainda que ele quisesse, não conseguiria 
atender às exigências. 
Com a autoestima cada vez mais baixa, Ishaan sente-se incapaz de 
reagir e, em estado depressivo, tão bem retratado na letra da música 
que move esta parte da história, nãoconsegue mais enxergar nas coisas o 
lado colorido que antes o encantava. O desânimo e a desesperança pas-
sam a tomar conta dele e seus dias são uma sequência de tédio e tristeza.
Meus olhos estão vazios.
Até as lágrimas me abandonaram.
Silêncio preenche meu coração.
Não sinto mais dor, estou amortecido.
Todos os sentimentos me deixaram...
Estou vazio [...].
(COMO ESTRELAS..., 2007).
O currículo do colégio estava fundamentado em uma cultura per-
meada por rígidos padrões, incapazes de permitir um olhar diferen-
ciado sobre os conteúdos. Estes, por sua vez, eram transmitidos de 
forma sistemática e avaliados por meio de sua reprodução pelos alunos. 
Ao interpretar um poema, a partir de um ponto de vista particular e 
profundo, Ishaan não é compreendido pelo professor e desvalorizado 
diante da turma, ao passo que outro aluno que faz uma interpretação 
“padronizada” é elogiado. 
A conduta arraigada dos professores não lhes permitia enxergar para 
além daquilo que já se consubstanciara como monótona rotina peda-
gógica. Suas crenças estavam presas a costumes pouco desafiadores. 
Desse modo, eles não eram capazes de vislumbrar o ser humano, mas 
enxergavam futuros empreendedores de negócios rentáveis e competi-
tivos, que funcionariam como uma máquina preparada para o mercado 
de trabalho. Assim, nas concepções dos professores, aqueles que não 
fossem capazes de atender a esta sistemática deveriam frequentar escolas 
91
Ana Teresa Scanfella
especiais, pois a adaptação de métodos e avaliações não era uma ideia 
concebível. Na fala de um deles ao professor substituto de Artes este 
ponto de vista fica claro:
[...] Essaé uma escola formal. Seu estilo de cantar-e-dançar não 
funciona aqui. Aqui preparamos as crianças para a batalha da vida. 
Crianças têm de competir, fazer sucesso, vencer. O lema de nossa 
escola é: “ordem, disciplina e trabalho”. Os três pilares do sucesso. 
(COMO ESTRELAS..., 2007).
A chegada do professor substituto para ministrar as aulas de Artes 
movimenta a escola. Diferentemente do professor titular, que fazia das 
aulas um amontoado enfadonho de atividades mecânicas de reprodução 
do real, já no seu primeiro dia de aula surpreende a turma de Ishaan 
com novidades: o doce som de uma flauta e a surpresa de aparecer 
fantasiado de palhaço que canta e dança alegremente com a turma:
Veja, é uma árvore?
Ou um homem coberto com uma capa?
Está chovendo?
Ou o céu esqueceu-se de fechar a torneira?
O mundo é o que você enxerga...
Através de suas lentes.
Então liberte sua mente...
Abra suas asas e deixe as cores se espalharem.
Vamos! Vamos girar novos sonhos.
Balance!
Chacoalhe bem!
Mexa uma perna!
É divertido! [...].
(COMO ESTRELAS..., 2007).
A postura do professor e a letra da música inspiram liberdade, 
mudança de olhar perante uma realidade de ensino baseada em padrões 
rígidos que limitam a imaginação e a criatividade. A música e a dança 
vislumbram um lado artístico e humano dos alunos, acorrentado pelas 
severas regras disciplinares que regiam o comportamento naquele lugar. 
92
Estrelas na Terra – toda criança é especial
Com isso, as crianças experimentam um outro olhar sobre a realidade, 
permeado por um sentimento que liberta e permite exprimir a criati-
vidade reprimida. Todos ficam animados e felizes, exceto Ishaan que 
permanece na cadeira, mergulhado em sua apatia. 
A postura de Ishaan é percebida pelo sensível professor Ram e, com 
seu olhar atento, analisa os cadernos do aluno, percebendo seu pedido 
de socorro. Em uma visita aos pais do menino, conclui que Ishaan pos-
sui dislexia. A partir disso, sua preocupação se direciona a resgatar este 
aluno e ele passa a planejar aulas que visam, num primeiro momento, 
elevar sua autoestima. A perspectiva e atitudes deste professor farão 
grande diferença na vida de Ishaan.
Em uma de suas aulas, o professor fala sobre grandes ícones da 
humanidade, como: Albert Einstein, Walt Disney, Agatha Christie, 
Leonardo da Vinci, Thomas Edison, conhecidos por todos os alunos 
e que, na infância, tiveram dificuldade para aprender a ler e escrever. 
Comenta sobre a superação e criatividade destes gênios, propondo um 
desafio fora da sala de aula: cada aluno deveria inventar algo. Ishaan 
cria um barquinho com uma hélice que o impulsiona sobre as águas e 
surpreende a todos.
O professor Ram toma a iniciativa de falar com o diretor e após 
relatar as potencialidades de Ishaan coloca-se à disposição para ajudar 
o garoto. Para tanto, solicita a compreensão dos outros professores, no 
sentido de desenvolverem formas diferenciadas para avaliar a aprendi-
zagem daquele aluno em relação aos conteúdos, enquanto ele ainda não 
estivesse alfabetizado. Com isso, Ram mobiliza toda a escola em prol 
da inclusão deste aluno. 
O ensino proporcionado pelo professor baseia-se numa metodologia 
diferenciada que, aos poucos, vai ajudando Ishaan a superar suas dificul-
dades relacionadas à leitura e escrita e, consequentemente, contribuindo 
para o resgate de sua autoconfiança. 
Todavia, a criatividade e a ousadia de Ram não se limitam a isso. 
Com o consentimento do diretor, ele promove um concurso de pintura, 
na escola, numa manhã de domingo. Neste dia, grande parte dos alunos 
e professores se envolve no evento. A melhor produção seria capa do 
anuário do colégio no ano subsequente. 
Após o julgamento, a obra de arte de Ishaan é revelada e, de maneira 
bastante introvertida, ele atende à solicitação de ir até a frente para ser 
93
Ana Teresa Scanfella
homenageado. Todos o aplaudem com entusiasmo. Surpreso e emocio-
nado, ele se dirige ao professor e, com lágrimas molhando suas faces, 
o abraça num gesto de carinho e gratidão. A vitória se estabelece num 
reconhecimento coletivo pelo seu talento.
Essa cena final demonstra o poder da arte de sensibilizar e emocio-
nar as pessoas, fazendo aflorar seu lado humano, criativo e solidário. 
A arte não limita, ela possibilita que se desbravem novos caminhos 
por meio da imaginação. Assim, a visão abrangente do professor Ram 
permitiu a ele enxergar para além das aparências e criar situações que 
despertassem sentimentos capazes de unir as pessoas e incluir as dife-
renças, reconhecendo limites e potencialidades.
A dislexia, com suas consequências e reações, é o assunto principal 
tratado ao longo de todo o filme. Aamir explora o tema com compe-
tência e oferece tantos detalhes que permite ao espectador compreen-
der e refletir sobre esse distúrbio. Diante disso, retomar alguns trechos 
do filme e explorar um pouco mais a questão da dislexia pareceu-nos 
essencial.
Letras que dançam: a dislexia
“Elas... Estão dançando. As letras estão dançando.” Esta fala de 
Ishaan (COMO ESTRELAS..., 2007), após tentar ler em voz alta algu-
mas frases do livro a pedido da professora, demonstra um dos sintomas 
vivenciado por disléxicos quando diante de situações de leitura. No 
filme elas indicam também um pedido inconsciente de socorro, perante 
a pressão e inflexibilidade por parte da professora.
A representação dessa imagem mental de letras que dançam aparece 
nas cenas iniciais do filme, como já colocado, e também naquelas que 
retratam a agonia de Ishaan no colégio interno, quando se encontra 
diante da fala do professor de literatura e de uma lousa repleta de pala-
vras. Neste caso, o espectador pode assumir a visão de Ishaan e, assim, 
visualizar letras que se embaralham na lousa, num movimento cada vez 
mais acelerado e frenético, como que dançando realmente.
Segundo a Associação Brasileira de Dislexia – ABD (2011), orga-
nização não governamental reconhecida nacional e internacionalmen-
te, a dislexia pode ser definida como um distúrbio ou transtorno de 
aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração. Provém de uma 
94
Estrelas na Terra – toda criança é especial
condição hereditária marcada por alterações genéticas, evidenciando 
também alterações no padrão neurológico.
A dislexia passa a ser alvo de preocupação contemporânea pelo fato 
de impedir a aprendizagem escolar satisfatória de alunos que apresen-
tam tal transtorno. De acordo com a ABD (2011), é o distúrbio de 
maior incidência nas salas de aula. Deste modo, há necessidade de 
repensar práticas pedagógicas capazes de avaliar a dislexia e direcionar 
adaptações eficazes ao ensino de crianças que a apresentam.
Inspirado nessa realidade emergente, que solicita dos profissionais 
da educação e dos pais um olhar diferenciado voltado às crianças com 
tal dificuldade, o filme Taare Zameen Par apresenta cenas que per-
mitem ao espectador “vivenciar” sensações próprias de um disléxico 
e, além disso, provocam reflexões acerca da conduta dos pais e dos 
professores.
Ao longo de todo o filme, aspectos relacionados à dislexia são pon-
tuados, tais como falha na percepção visomotora e coordenação para 
jogar a bola e marchar, bem como vestir adequadamente a roupa. A 
reclamação das professoras e da diretora aos pais também aponta algu-
mas características referentes a este distúrbio, ao mesmo tempo em que 
indica o despreparo das mesmas para lidar com tal situação, avaliando-a 
como falta de atenção e de empenho por parte do menino:
Não há melhoras nas atividades em sala nem do dever de casa. 
Ele continua no mesmo patamar que estava no ano passado. Os 
livros ainda são seus inimigos. Ler e escrever são castigos para 
ele. Às vezes sua escrita em inglês parece russo. Repete o mesmo 
erro de propósito. Nunca presta atenção às aulas. O tempo todo 
pedindo licença pra ir ao banheiro. “Estou com sede. Quero ir ao 
banheiro”. Atormenta a turma toda com suas brincadeiras bobas. 
Vocês devem ter visto suas provas, não é mesmo? Zero em todas as 
matérias.Segundo ano na terceira série. (COMO ESTRELAS..., 
2007).
Nesse contexto, a postura do professor Ram passa a ser um refe-
rencial importante para a compreensão da dislexia e projeta maneiras 
mais assertivas de intervenções metodológicas que viabilizam o pro-
cesso ensino-aprendizagem. Sua fala direcionada aos pais de Ishaan, 
95
Ana Teresa Scanfella
no momento em que vai à casa do menino e observa seus cadernos e 
pinturas, é extremamente significativa porque aponta diversos aspectos 
relativos ao distúrbio. A retomada de suas colocações pode contribuir 
para um melhor entendimento dos problemas normalmente enfrenta-
dos por um disléxico:
[...] Um padrão que se repete. Erros que se repetem.
B no lugar de D e D no lugar de B. Ele confunde letras similares.
S e R invertidas, como muitas outras.
H e T. Imagens refletidas.
Animal... Três grafias distintas numa mesma página.
Ele mistura palavras com grafias parecidas, como “anda” e “nada”; 
“s-ó-l-i-d-o” vira “s-ó-i-l-e-d-o”.
Dificuldade em reconhecer as letras.
Quando você lê maçã sua mente conjura a imagem de uma maçã. 
Ishaan não consegue ler a palavra, portanto não entende o signi-
ficado.
Para alguém conseguir ler e escrever, é essencial relacionar sons com 
símbolos, saber o significado das palavras. Ishaan não consegue 
atender a essa necessidade básica.
Essa dificuldade em ler e escrever se chama dislexia.
Às vezes as crianças podem ter problemas adicionais, como dificul-
dades em seguir múltiplas ordens. Vá para página 65, capítulo 9, 
parágrafo 4, linha 2. Ou coordenação mecânica ruim ou péssima.
Ishaan tem dificuldades em abotoar a camisa ou amarrar os sapatos. 
Se você lançar uma bola ele consegue pegar? Ele nunca consegue.
Porque ele não consegue relacionar o tamanho, velocidade e distân-
cia. Qual é o tamanho da bola, a distância, a que velocidade viaja... 
Quando ele consegue já é tarde demais. (COMO ESTRELAS..., 
2007).
As intervenções metodológicas aplicadas pelo professor Ram tam-
bém são apresentadas de forma bastante ilustrativa, oferecendo um 
repertório de exemplos de atividades que podem ser desenvolvidas com 
alunos disléxicos. Vale lembrar que, de acordo com a ABD, não há 
um tratamento considerado “o melhor” ou “o único”, mas sugere-se, 
apenas, a adoção do método multissensorial, cumulativo e sistemático, 
96
Estrelas na Terra – toda criança é especial
por meio do qual se utilizem ao máximo todos os sentidos, uma vez 
que o disléxico assimila satisfatoriamente tudo que é vivenciado con-
cretamente.
No início o professor incentiva Ishaan a olhar seus cadernos e a 
observar sua própria escrita, tomando consciência de seus erros mais 
frequentes. A partir disso, Ram propõe atividades que possibilitam o 
desenvolvimento da sensibilidade visomotora, da coordenação e da rela-
ção fonema-grafema, tais como: a escrita de letras com o dedo indicador 
em uma caixa com areia; a escrita de letras no braço do menino com o 
dedo indicador do professor sendo que o garoto, com os olhos fecha-
dos tenta identificá-las por meio do tato; a escrita de letras com tintas 
coloridas e pincel grosso em uma grande folha de papel; a construção 
de letras, objetos e animais com massinha; a leitura do que o professor 
escreve na lousa; a escrita do número oito em um painel com quadri-
culados grandes e com o tempo em quadriculados cada vez menores; a 
montagem de jogos de encaixe; a escrita, na pauta do caderno, de textos 
ditados pelo professor; a escrita de palavras e frases na lousa; a leitura 
de livros com o auxílio do professor; a leitura de livros de histórias 
com textos e desenhos; a realização de somas e subtrações a partir de 
numerais escritos nos degraus de uma escada, que o menino deveria 
saltar de forma a realizar a conta sugerida pelo professor e conseguir o 
resultado correspondente; o desenvolvimento de jogos no computador 
que envolvem noções espaciais e de localização; a observação de obras 
de artes – quadros de pintores conhecidos.
No momento do filme em que essas intervenções pedagógicas acon-
tecem, as cenas se passam em forma de clipe, ao som de uma suave 
música instrumental. Com isso, transmitem uma sensação de equilí-
brio, segurança e paz que permitem a retomada da vida de Ishaan. O 
vínculo entre professor e aluno se estabelece numa relação marcada pelo 
prazer, por meio de um ensino e de uma aprendizagem satisfatórios. A 
partir do momento em que vai aprendendo a enxergar, aceitar e lidar 
com suas próprias limitações, aos poucos o menino resgata sua autoesti-
ma e o encantamento pela vida, superando seus bloqueios relacionados 
à leitura e escrita.
97
Ana Teresa Scanfella
Para concluir...
Enquanto arte cinematográfica este filme nos permite refletir sobre 
uma realidade bem retratada por meio da ficção. O contexto traz as 
especificidades da cultura indiana, mas nos leva a enxergar muito de 
nossa cultura. Sem desconsiderar a diferença existente entre as culturas 
indiana e brasileira, é possível reconhecer diversas aproximações nas 
condutas dos pais e dos profissionais da educação, de ambos os países. 
No filme, podemos observar posturas e metodologias mais tradicio-
nais, com o professor à frente da sala com carteiras enfileiradas, prezan-
do por disciplina, silêncio e atenção total ao conteúdo transmitido. Em 
situações como esta, o aluno deve permanecer sentado, sem conversar 
ou interagir com os colegas, mantendo-se sempre concentrado nas falas 
do professor e nas atividades propostas por ele. 
Em sua turma, Ishaan passa a ser um desafio, porque não possui o 
perfil de aluno que atenda a tais exigências. Sua dificuldade para apren-
der a ler e escrever o paralisava diante de tarefas que estavam além de 
suas habilidades, pois ainda que se esforçasse, a seu modo, os mesmos 
erros se repetiam com frequência. 
Sua exaustão diante dessa situação o levava a emitir comportamen-
tos de fuga, extravasados por meio de brincadeiras, pedidos frequentes 
para ir ao banheiro e tomar água, lições incompletas ou não realizadas. 
O desenho e a pintura eram seu ponto de equilíbrio, através dos quais 
expressava sua criatividade e harmonia com a natureza e a vida. 
Em relação às habilidades artísticas, Ishaan se sobressaía, sendo capaz 
de compreender o mundo e expressar seus sentimentos com traços fir-
mes e coloridos na folha de papel. Na sua fala ao diretor, o professor 
Ram reconhece esse fato: “Pinceladas seguras. Uso incrível das cores. 
Sem medo! Que criatividade para oito anos de idade!”. Estas aptidões 
estavam adormecidas e não se manifestavam perante uma realidade 
educativa despreparada para entender as necessidades daquele aluno e 
trabalhar no sentido de potencializar seus talentos.
Nesse contexto, surge a didática diferenciada do professor Ram, uti-
lizando a arte enquanto recurso de sensibilização e criatividade. Numa 
de suas aulas, ele faz uma colocação que expressa seu ponto de vista: 
“Qual o propósito da arte? Expressar emoções” (COMO ESTRELAS..., 
2007). Logo, em sua prática pedagógica, além de apenas transmitir con-
98
Estrelas na Terra – toda criança é especial
teúdos, está preocupadoem respeitar e exploraro lado humano enquanto 
expressão dos sentimentos e emoções. 
A arte, dessa forma, pode nos introduzir em suas linguagens, sen-
sibilidades e olhares, possibilitando outras formas de ver, sentir e ler a 
realidade. Com isso, nos abre caminhos para repensarmos a educação, 
uma vez que a escola e a docência estão presas a uma linguagem e a uma 
leitura única (ARROYO, 2008).
O posicionamento do professor Ram representa uma concepção 
de ensino com vistas a superar ações educativas que excluem pessoas, 
pelo fato de suas diferenças não atenderem às exigências de um padrão 
curricular imposto pelo sistema escolar. Nesse sentido, o filme de Aamir 
Khan nos propõe um novo olhar acerca do ser humano em formação, 
capaz de reconhecer as especificidades e valorizar o potencial de cada 
um. Para tanto, é preciso nos desvencilhar de preconceitos típicos de 
uma sociedade capitalista,na qual somente indivíduos capazes de gerar 
lucro são enaltecidos. 
A presença da arte neste filme nos possibilita enxergar que é possível 
transcender a alienação proveniente da ideologia imposta pelo sistema 
econômico. Ou seja, a arte sensibiliza nosso olhar de modo a vislumbrar 
o brilho que emana de cada sujeito, fazendo-nos perceber aquilo que 
o torna especial e único, e que faz resplandecer sua luz própria, assim 
como estrelas na Terra.
REFERÊNCIAS
ARROYO, M. G. Uma celebração da colheita. In: TEIXEIRA, I. A. C.; 
LOPES, J. S. M. A escola vai ao cinema. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 
2008. p.125-135.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA [ABD]. O que é dislexia? 
Disponível em: <www.dislexia.org.br>. Acesso em: 20 jul. 2011.
BERNADET, J. C. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção 
primeiros passos; 9).
COMO estrelas na terra: toda criança é especial. Direção: Aamir Khan. 
Roteiro: Amole Gupte. [Mumbai]: Aamir Khan Productions, 2007. 1 DVD 
(165 min).
99
Ana Teresa Scanfella
MACHADO, I. Como estrelas na terra. 2008. Disponível em: <http://
cinemaindiano.blogspot.com.br/2008/06/como-estrelas-na-terra.html>. 
Acesso em: 23 jul. 2011.
TEIXEIRA, I. A. C.; LOPES, J. S. M. A escola vai ao cinema. 2.ed. Belo 
Horizonte: Autêntica, 2008. 
FICHA TÉCNICA
Como estrelas na Terra – toda criança é especial 
Título original: Taare Zameen Par – Every Child is Special.
Ano: 2007
Produção: Aamir Khan Productions
País: Índia.
Idioma: híndi
Direção: Aamir Khan, Amole Gupte
Elenco: Aamir Khan, Darsheel Safary, Tanay Cheda, Sachet Engineer, Tisca 
Chopra, Vipin Sharma.
Gênero: Drama
Duração: 165 minutos.
101
ONDE VIVEM OS MONSTROS? 
DESVENDANDO O 
IMAGINÁRIO INFANTIL
Bruna Cury de BARROS
Introdução
Parece tão verdadeiro – embora a gente saiba que é de men-
tira – que dá para fazer de conta, enquanto dura o filme, 
que é de verdade. Um pouco como num sonho: o que a 
gente vê e faz num sonho não é real, mas isso só sabemos 
depois, quando acordamos. Enquanto dura o sonho, pen-
samos que é verdade. (BERNARDET, 1985, p.12).
O presente texto faz uma reflexão entre os desafios enfrentados pelas 
crianças ao longo do seu processo de desenvolvimento, com a história 
vivenciada pelo personagem Max do filme Onde vivem os monstros. 
Entretanto, destaca-se que a análise realizada neste capítulo trata apenas 
de uma única interpretação diante das muitas possibilidades de enten-
dimento com as quais este filme permite ser olhado, compreendido e 
apreciado. 
O filme Onde vivem os monstros se baseia no livro infantil de 
Maurice Sendak, o qual retrata o processo de construção de identida-
de de uma criança, assim como a busca infantil para compreender o 
mundo em que vive. 
102
Onde vivem os monstros? Desvendando o imaginário infantil
Utilizando uma linguagem metafórica, esta película aproxima o 
espectador da difícil batalha de uma criança com todos os seus “mons-
tros” internos, sejam eles representados pela dificuldade na comuni-
cação e no desafio em lidar com seus sentimentos, como o medo, o 
ciúme e a raiva. “Como posso dizer o que estou sentindo se eu mesmo 
não sei que sentimento é esse?” É esta a indagação que aflora ao longo 
do desenrolar da trama. 
Apesar de esta obra se basear em um livro infantil, devido à estética 
cinematográfica, o filme destina-se mais para o público jovem/adulto do 
que para as próprias crianças, uma vez que as cenas possuem cor entris-
tecida e há poucas falas; além disso, o modo como a história é apresen-
tada também exige do espectador uma compreensão mais elaborada.
Envolvendo um olhar sobre a criança e sobre o universo infantil, 
os tópicos que seguem apresentam uma breve síntese do filme e, pos-
teriormente, uma discussão sobre a falta de diálogo e compreensão da 
criança, o envolvimento infantil com um mundo fantasioso na busca 
da compreensão da realidade e os desafios gigantescos que, por vezes, 
se assemelham a monstros presentes, tanto na vida dos adultos como 
na vida das crianças. 
Compreendendo a história do filme
O filme Onde vivem os monstros é formado por cenas não muito 
longas e com poucos diálogos. No desenrolar da trama, nota-se como 
as pequenas passagens da vida cotidiana de Max tornam-se, para ele, 
momentos de difícil compreensão. Sentimentos que envolvem a falta de 
atenção de sua irmã e de sua mãe, o surgimento de novos “amigos” de 
ambas, a ausência do pai, a dificuldade em lidar com a morte e a soli-
dão, o ciúme e a raiva que estarão presentes ao longo de todo o filme. 
A película inicia-se com Max montando um iglu com a neve que 
havia caído no quintal de sua casa. Em busca de companhia para o 
divertimento em seu novo esconderijo, Max convida a sua irmã, Claire, 
para participar da brincadeira. Entretanto, ignorado por ela, Max 
inventa suas próprias brincadeiras solitariamente.
Em seguida, alguns amigos de Claire chegam à sua casa, e Max vê 
neles uma chance de envolvimento com a sua brincadeira no quintal. 
Inicia aí uma “guerra” de bolas de neve. Tudo está indo muito bem, 
103
Bruna Cury de Barros
todos parecem estar se divertindo, até que o iglu é destruído por um dos 
amigos de Claire. Extremamente magoado e ressentido com a situação, 
Max chora e pede silenciosamente, por meio de seu olhar, “ajuda” à 
irmã que ignora-o novamente.
Irritado, o menino reage à falta de atenção e cuidado de sua irmã 
mais velha. Impulsivamente, Max entra no quarto de Claire e começa 
a desarrumar, a molhar e a quebrar objetos pessoais da adolescente. 
Claramente abalado e arrependido de sua reação, o menino se recolhe 
em seu quarto à espera de sua mãe, a qual, posteriormente, o ajuda a 
arrumar novamente o quarto da irmã. 
A próxima passagem mostra Max indo à escola. Em sala de aula, o 
professor fala sobre o fim do mundo, sobre a não existência mais do 
Sol e a morte dos seres vivos. A possível extinção do Sol e daqueles que 
habitam a Terra parece o preocupar muito, porém ele não conta o fato 
a ninguém.
Voltando para casa, Max constrói uma cabana em seu quarto, chama 
sua mãe para ver, mas ela não lhe dá atenção. O menino fica enciumado 
com a situação, uma vez que a sua mãe está com um amigo na sala, 
um suposto namorado. Vestido com uma fantasia de lobo, ele sobe 
em um balcão da cozinha e começa a fazer “birra”. Não entendendo a 
estranha atitude do menino, a mãe o tira do balcão e diz que ele está 
“descontrolado”. Novamente, num ato de impulsividade, Max a morde, 
deixando-a muito brava. 
Transtornado com o ocorrido, Max, enfim, foge de casa.
Correndo no meio da rua durante a noite, o menino se depara com 
as margens de um mar onde há um barco à vela abandonado. O peque-
no garoto sobe no barco e, após algum tempo remando, desembarca 
em uma ilha supostamente deserta.
Chegando à ilha, no entanto, Max começa a observar, de lon-
ge, que existem monstros enormes que moram naquele lugar. Os 
seres eram estranhos, alguns tinham pelos, outros penas, uns ain-
da possuíam bicos. Ao todo, sete monstros habitavam aquela ilha. 
Posteriormente, Max saberia que estes monstros eram amigos entre 
si e que possuíam os seguintes nomes: Carol, Douglas, Judith, KW, 
Ira, Toro e Alexander. Max também aprenderia uma grande lição com 
estes monstros e perceberia que, afinal de contas, não eram assim tão 
estranhos e terríveis.
104
Onde vivem os monstros? Desvendando o imaginário infantil
Após ficar um tempo escondido e observando os habitantes da 
ilha, Max percebe que apenas um monstro, Carol, começa a brincar 
de destruir algumas casas de madeira que existiam naquele lugar. 
Nesse momento, Max também resolve ajudar o monstro a destruir 
as casas. 
Os monstros não conheciam Max e ficam revoltados com a sua 
atitude, por isso resolvem devorar o menino. Percebendo que estava 
correndo risco de ser comido vivo, Max inventa uma história para se 
livrar do problema e afirma ser um rei com grandes poderes. Apesar 
da desconfiança inicial, os monstros se envolvem na história criada por 
Max e o nomeiam também como o rei daquelailha.
Max e os sete monstros iniciam ali uma convivência permeada de 
brincadeiras, porém também de desentendimentos e algumas brigas 
provenientes da relação estabelecida. Logo de início, o menino esta-
belece uma relação bastante próxima à Carol, em algumas situações 
o monstro se assemelha muito ao garoto, principalmente quanto ao 
ciúme e à impulsividade. KW, por sua vez, também desperta a atenção 
de Max, ao mostrar seu lado mais maternal e cuidadoso.
Max, como rei daquelas terras, comandava os monstros, dava ideias 
de novas brincadeiras, coordenava e organizava a ilha, posição a qual 
nunca pôde estar em sua casa real. No convívio familiar, ele nunca era 
ouvido, entretanto, na ilha, o menino não somente era ouvido como 
se tornara rei, era ele quem dava as ordens, que escolhia quem iria par-
ticipar da brincadeira, que jogo seria jogado, e os monstros obedeciam 
aos seus comandos.
Em certo momento, o menino teve a ideia de construir um forte, o 
qual abrigaria a todos e os protegeria de qualquer inimigo que tentasse 
entrar nesse novo lar. A trama do filme vai se desenrolando permeada 
ao processo de construção do forte.
Em meio a essa nova situação, percebe-se que a relação entre Carol e 
KW, a qual já era um pouco estremecida, fica ainda mais difícil. A situ-
ação se complica quando KW quer trazer seus dois novos amigos, Bob 
e Terry, para morarem junto com eles no forte. Carol fica indignado 
com a ideia. Nesse momento compreendemos a semelhança das inda-
gações, dúvidas e preocupações de Carol com as mesmas proposições 
levantadas por Max, antes de o garoto chegar à ilha, as quais seriam: 
Como podemos gostar de mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Como 
105
Bruna Cury de Barros
deixar todos felizes? Como permitir que uma pessoa nova, a qual não 
se conhece muito bem, possa entrar em minha casa?
Olhando para a reação de Carol e relacionando-a com o desenten-
dimento que teve com a sua mãe, Max consegue compreender melhor 
os seus medos e desafios. Aos poucos, o menino passa a transpor as 
relações estabelecidas entre os monstros àquelas provenientes de sua 
casa, compreendendo melhor o seu mundo, a sua realidade, as regras 
de convivência e o relacionamento com as pessoas que ama. 
A partir dessa compreensão, Max já está pronto para voltar para a 
sua casa. Ele, portanto, se despede dos sete monstros, sobe em seu barco 
a vela e rema até retornar à realidade novamente. 
Afinal, onde vivem os monstros?
Aprendemos com o cinema que a história [...] pode ser 
mudada, segundo o olhar infantil, para que haja um outro 
futuro, diferente do anunciado [...]. Nesse processo, graças 
à infância, adultos que não sabiam rir nem chorar se huma-
nizam. (KRAMER, 2003, p.92).
Max é uma criança, como outra qualquer, que gosta de brincar, se 
veste com fantasias, constrói cabanas em seu quarto e, assim como tan-
tas outras crianças, demonstra ainda não saber se comunicar de forma 
clara com outros sujeitos, no caso do filme com a sua mãe e a irmã mais 
velha. Esta situação fica bem perceptível na primeira parte do filme, 
pois Max pouco fala ou conversa com seus familiares e amigos. 
Proveniente desta dificuldade em comunicar-se e expor seus senti-
mentos, o menino age de forma impulsiva em alguns momentos em 
que se sente frustrado ou com raiva. Desta forma, ao não conseguir 
falar sobre aquilo que está sentindo, o menino quebra diversos objetos 
do quarto de sua irmã, sobe na mesa da cozinha, morde sua mãe e foge 
de casa.
A relação comunicação-compreensão entre Max e sua mãe pode-
ria ser melhorada, caso o menino fosse escutado e o seu modo de 
expressão fosse entendido. O fato de minimizar ou infantilizar os 
desafios, dificuldades e medos das crianças traz às mesmas uma 
insegurança e um não saber lidar com as situações novas. A incom-
106
Onde vivem os monstros? Desvendando o imaginário infantil
preensão e a falta de diálogo provocam em Max um sentimento de 
solidão. 
A falta de escuta à criança é denominada por Kramer (2003) como 
uma violência aos pequenos. A autora atenta para o fato de que até 
mesmo nas relações familiares pode-se perceber a existência de uma 
violência velada pela falta de diálogo e escuta. 
Olhar para a criança e buscar compreendê-la pode proporcionar ao 
adulto um maior entendimento também ao 
[...] valor da imaginação, da arte, da dimensão lúdica [...]. Entender 
que as crianças têm um olhar crítico que vira pelo avesso a ordem 
das coisas [...] exige que possamos conhecer nossas crianças, o que 
fazem, de que brincam, como inventam, de que falam. E que pos-
sam falar mais. Se história e linguagem são dimensões fundamentais 
que dão humanidade aos sujeitos, se acreditamos que há uma his-
tória a ser contada porque há uma infância do homem, poderemos 
compreender melhor nossas crianças[...] (KRAMER, 2003, p.106).
Entremeado à falta de compreensão e de escuta, pode-se interpretar 
a fuga de Max para a ilha como uma busca particular para o entendi-
mento das suas vivências cotidianas. 
Ilha perdida? Monstros que conversam? Um menino tomando pos-
se de um reino? A partir dessa situação fantasiosa, percebe-se que o 
imaginário infantil está em ação! O “faz-de-conta” se apresenta com 
toda graciosidade no filme da mesma forma como o prazer do mun-
do imaginário é proporcionado às crianças: um mundo sem adultos, 
supostamente sem regras, onde a brincadeira impera e o ator central da 
história é a própria criança.
Aqui se compreende a palavra “imaginação” como toda a ativida-
de que recria aquilo já existente; a fantasia vem modificar a realidade 
vivenciada, criando, assim, uma nova realidade caracterizada pelas sig-
nificações próprias de seu criador. Esta realidade criada irá influenciar 
as significações sobre o real (FERREIRA, 1998). 
Tal concepção fica bastante perceptível na trama do filme, uma vez 
que Max busca auxílio do “faz-de-conta” para compreender o mundo 
em que vive e as situações problemáticas que enfrentou com a irmã e 
a mãe.
107
Bruna Cury de Barros
Ao envolver completamente a criança, o jogo de fantasia lhe per-
mite liberdade em expressar seus sentimentos e emoções, propiciando 
também a aprendizagem de condutas e conhecimentos (SANTOS, 
2001). Fazendo uso deste recurso, portanto, considera-se que Max 
pôde “[...] reviver situações que lhe causaram enorme excitação e ale-
gria ou alguma ansiedade, medo ou raiva, podendo [...] [desta maneira] 
expressar e trabalhar essas emoções muito fortes ou difíceis de suportar” 
(OLIVEIRA et al., 1992, p.57).
A ilha dos monstros é a materialização de uma brincadeira cria-
da por Max para tentar compreender estes sentimentos e interações 
sociais. Apesar de superficialmente parecer um jogo sem regras, quando 
o contexto do filme é analisado mais atentamente, nota-se que muitas 
regras permeiam a fantasia do menino na sua relação construída com os 
monstros. Como exemplo, ressalta-se o momento em que Carol reage 
com ira ao descobrir que Max não é um rei de verdade ou ainda quando 
Max passa a construir um quarto somente seu no forte, quebrando o 
combinado de todos os habitantes da ilha em dormirem “amontoados” 
em um mesmo ambiente.
Outro ponto a ser destacado se refere propriamente aos monstros. 
Estes personagens desempenham um papel essencial para a construção 
da fantasia de Max, assim como para o seu processo de autoconhe-
cimento. Ora como representantes dos sentimentos do menino, ora 
personificando seus familiares (mãe e irmã) e a si próprio, os monstros 
demonstram ter alguns sentimentos e características bastante aflorados, 
como: o ciúme, a raiva, a impulsividade, o acolhimento, o carinho, o 
cuidado, a possessão e a quietude. 
Assim como Max enfrenta certo desafio ao se relacionar com todos 
os monstros da ilha, o menino também demonstra dificuldade na 
compreensão de seus próprios sentimentos e emoções. Neste sentido, 
entende-se também que o menino está em busca da construção de sua 
identidade (“Quem sou eu? Como eu sou? O que eu gosto ou não 
gosto?”) e, desta forma, eletambém se encontra em um momento de 
dificuldade para saber como agir frente a novas demandas, situações, 
vivências e pessoas tão diferentes. 
Os seus próprios sentimentos e dificuldades, dessa maneira, mais se 
assemelham a monstros feios e gigantescos, os quais em um momen-
to inesperado querem lhe devorar vivo e em outra ocasião se tornam 
108
Onde vivem os monstros? Desvendando o imaginário infantil
melhores amigos e companheiros de novas experiências.
Envolvido nesse processo de desenvolvimento da identidade, cons-
trução de sua individualidade e compreensão sobre o mundo em que 
vive, Max busca lugares pequenos para acolher-se, proteger-se e isolar-
-se. Tal isolamento é marcado em algumas passagens, como no iglu 
construído no quintal de sua casa, numa cabana montada em seu quar-
to, na sua “fuga” para a ilha e, por fim, na construção de um quarto 
somente seu no forte da ilha.
Assim como afirmam Oliveira e colaboradores (1992), esse processo 
de construção da identidade ocorre, principalmente, no confronto 
do sujeito com situações mais intensas, desafios e mudanças na vida. 
Durante a infância, estas situações podem parecer ameaçadoras, pro-
vocando medo e insegurança à criança, da mesma forma como o Max 
demonstrou ter ao longo do filme. 
Entretanto, muito se engana quem acredita que esta busca pela 
“individuação”se restringe ao momento da infância, pois este processo 
acompanha o sujeito ao longo de toda a sua vida através do “[...] con-
fronto de duas tendências opostas: a atração por aquilo que é familiar, 
que nos dá apoio e segurança, e o desejo de explorar e buscar a novida-
de” (OLIVEIRA et al., 1992, p.35). 
Portanto, o sentimento de medo sobre algo também pode vir a 
proporcionar ao sujeito um ambiente propício ao descobrimento, 
conhecimento e crescimento. Esta exploração proporciona ao bebê, 
à criança, ao jovem e ao adulto o aprendizado e, por conseguinte, o 
desenvolvimento humano.
Talvez, então, os monstros devam continuar vivendo dentro dos 
mundos imaginários até a mais avançada idade do sujeito. A cada fase 
da vida, um monstro diferente e uma nova maneira de reconhecê-lo, 
entendê-lo e enfrentá-lo. 
Considerações Finais
Quantas vezes os professores também não se deparam com vários 
“Maxes” dentro das instituições educativas e que, assim como no filme, 
também não são compreendidos pelos próprios educadores? 
Percebe-se, muitas vezes, que
109
Bruna Cury de Barros
[...] a relação adulto-criança, apesar dos perceptíveis avanços com 
que podemos contar em nossa sociedade [...], é todavia marca-
da pelo preconceito que concebe a criança como um ser incapaz, 
alguém que não sabe [...] De uma forma ou de outra [...] reserva-
mos para eles um lugar menos importante nas relações sociais de 
que eles participam – família, na creche, na pré-escola. E tal atitude 
obstaculiza o desenvolvimento infantil. (MELLO, 1999, p.26).
Muitas crianças ainda não são ouvidas nas instituições educativas, 
não são compreendidas no seu modo de olhar para o mundo, não são 
respeitadas pela maneira como se relacionam, aprendem e se desenvol-
vem, tendo também os seus medos e desafios minimizados a tamanhos 
tão pequenos que se tornam quase que invisíveis aos observadores.
Ao promover ambientes nas instituições educativas que permitem 
que as crianças tenham contato com diversas experiências, culturas e 
que se relacionem com outras crianças e adultos, propicia-se um rico 
espaço para o desenvolvimento infantil (MELLO, 1999). Além disso, 
assim como a brincadeira de “faz-de-conta” ocupa lugar principal no 
filme “Onde vivem os monstros”, a atividade lúdica também possui um 
papel de fundamental importância à criança no seu processo de desen-
volvimento. Por meio da brincadeira, a criança aprende e compreende 
as suas vivências, regras sociais e relações interpessoais, ousa experimen-
tar diferentes experiências e situações, assumindo novos papéis e perso-
nagens para, enfim, construir o seu próprio “eu” e compreender o outro.
Olhar para a criança, ouvi-la e oferecer aquilo de que ela necessita 
são atitudes necessárias para estabelecer um vínculo de comunicação e 
conseguir compreender o seu mundo, assim como seus gostos pessoais, 
vontades, medos e desejos. É também dar oportunidade para que ela 
se expresse, que se sinta acolhida e auxiliada para enfrentar novos e 
importantes desafios. É conhecer um pouco mais do mundo imaginário 
e fantástico que só as crianças são capazes de criar com tanta beleza, 
profundidade e graciosidade. 
110
Onde vivem os monstros? Desvendando o imaginário infantil
REFERÊNCIAS
BERNADET, J. C. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 1985.
FERREIRA, S. Imaginação e linguagem no desenho da criança. Campinas: 
Papirus, 1998.
KRAMER, S. Infância, cultura contemporânea e educação contra a barbárie. 
In: BAZÍLIO, L. C.; KRAMER, S. Infância, educação e direitos humanos. 
São Paulo: Cortez, 2003. p.89-100.
MELLO, S. A. Algumas implicações pedagógicas da Escola de Vygotsky para 
a educação infantil. Pro-posições, São Paulo, v.10, n.1, p.16-27, 1999. 
OLIVEIRA, Z. et al. Creches: crianças, faz de conta & cia. Petrópolis: Vozes, 
1992.
ONDE vivem os monstros. Direção: Spike Jonze. Produção: Gary Goetzman, 
John B. Carls, Maurice Sendak, Tom Hanks, Vincent Landay. [S.l: s.n.], 2009. 
1 DVD (101 min).
SANTOS, V. L. B. Promovendo o desenvolvimento do faz-de-conta na 
educação infantil. In: CRIADY, C.; KAERCHER, G. E. P. S. Educação 
infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. p.83-106.
FICHA TÉCNICA
FILME
Onde vivem os monstros
Título original: Where the wild things are
Ano: 2009
Produção: Gary Goetzman, John B. Carls, Maurice Sendak, Tom 
Hanks, Vincent Landay
País: EUA.
Idioma: Inglês
Direção: Spike Jonze.
Elenco: Catherine Keener; Max Records; Pepita Emmerichs; Max 
Pfeifer; Madeleine Greaves; Joshua Jay; Ryan Corr. 
Gênero: Fantasia/Aventura/Drama.
Duração: 101 minutos.
111
VALENTIN E LEON E O 
PROTAGONISMO INFANTIL À 
LUZ DE WALTER BENJAMIN: 
CONSIDERAÇÕES PARA SE PENSAR 
INFÂNCIAS POSSÍVEIS NO CINEMA 
Claudia Ximenez ALVES
El cine nos abre los ojos, los coloca a la distancia justa y los 
pone em movimiento.1
(LARROSA, 2007, p.115).
Introduzindo o assunto
Durante minha atuação como professora universitária da disciplina 
Psicologia da Educação, em Cursos de Licenciatura, de diferentes áreas 
do conhecimento, na Universidade onde leciono, muitas vezes solicitei 
aos alunos, como atividade acadêmica, discussões de filmes.
Em meio a questões pensadas sob diferentes perspectivas teóricas 
vinculadas ao campo de estudos sobre o qual tematizo, a Psicologia 
da Educação, a temática/conteúdo (que versa na maior parte das vezes 
sobre práticas sociais e culturais diversas envolvendo infâncias, assim 
1 “O cinema nos abre os olhos, os coloca a uma distância justa e os põe em movimento” 
(LARROSA, 2007, p.115, tradução nossa).
112
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
como conceitos e significados sociais de realidades e existências de 
infâncias possíveis em espaços geográficos e históricos os mais diver-
sos) e o modo como são representados os filmes em discussão sempre 
foram associados a suas imagens e a linguagens verbais e visuais, às 
formas de atuação, aos cenários, assim como aos planos de câmera, 
à trilha sonora, à qualidade da luz ou mesmo às fotografias tomadas 
por eles. Digo isso porque elementos referentes à forma e à estética 
fílmica sempre impactaram e provocaram as percepções e as análises 
implicadas nas discussões em questão. Na verdade, estariam compro-
metidas se não fossem identificadas. Todavia, não nos propusemos 
neste texto a caracterizá-los amiúde, mas apenas a evocá-los, pois sabe-
mos das limitações de nossos recortes e escolhas. Desta feita, convoco, 
ou melhor, convido você, leitor, a acompanhar estes apontamentos 
acerca das tramas que entrelaçam os filmes Valentin (2002) e Não sou 
eu, eu juro! (2008).Do que vimos, o que podemos dizer? Entre significados e repre-
sentações as mais diversas, ambos os filmes narram histórias de vidas, 
criando uma atmosfera autobiográfica que envolve o espectador do 
início ao fim de suas tramas. 
Complexa parece a possibilidade de categorizá-los: Valentin é consi-
derado [nas informações catalogadas nos encartes] comédia dramática2e 
Não sou eu, eu juro!, drama familiar. 
Em relação a referências sobre eles, encontrei um artigo científico, 
publicado na Revue Childhood & Philosophy, v. 4, n. 8, 2008, escri-
to por Liliana J. Guzmán. Nele, a autora, que o intitula “Mares de 
algodón. Imagenes poéticas para una experiencia de infancia (Lectura 
del film Valentín)”, considera o filme “[…] como un texto que dá 
visibilidad de la Infancia como inquietud de formación, como construc-
ción de una poética propia (de sí, subjetiva) y como un (nuevo) camino 
2 O filme obteve numerosos prêmios nas modalidades de melhor direção, montagem, ator reve-
lação, música e filme no ano em que foi divulgado comercialmente. Entre eles cito: Holanda 
Film Festival, Bezerro de Ouro; Melhor Diretor de Longa-Metragem, 2002; Mar del Plata 
Film Festival - Menção Especial de Melhor Filme; Newport International Film Festival: Prêmio 
do Público; Melhor Filme, Alejandro Agresti; 2003. Oslo Films do Festival Sul: Prêmio do 
Público; Alejandro Agresti, 2003; Film Critics Association Awards Argentino; Melhor Direção 
de Arte; Melhor Diretor, Alejandro Agresti; Melhor Edição; Melhor Filme; Melhor Música; 
Melhor ator Mirim; Melhor Roteiro Original; 2004. Imagen Foundation Awards, Melhor 
Filme, 2004.
113
Claudia Ximenez Alves
de encuentro consigo mismo a través de una experiencia con el otro” 
(GUZMÁN, 2008, p.62)3.
Além dele, o texto “Filosofia e infância: entre o improviso e a cria-
ção”, de Paula Ramos de Oliveira, publicado no livro Filosofia, apren-
dizagem, experiência, organizado por Walter Kohan e Siomara Borba 
(2008), trata do personagem Valentin ressaltando-lhe a imagem de 
infância que afirma revelar-lhe. Para Oliveira (2008, p.246), “[...] 
trata-se de uma obra que consegue abrir-se à alteridade da infância. 
[...] Vê-se uma criança amadurecida pelo que vive, porém esse ama-
durecimento não ofusca o seu ser criança. É amadurecido, mas escorre 
infantilidade dele...”. 
Sobre Não sou eu, eu juro! não encontramos artigos acadêmicos, 
apenas alguns poucos comentários e fragmentadas sinopses em alguns 
blogs pessoais na rede mundial de computadores, especialmente em 
língua inglesa e francesa. O filme, lançado em setembro de 2008, é 
baseado em dois textos autobiográficos: C’est pas moi, je le jure! de 1997 
e Alice court avec René de 2000, ambos do escritor canadense Bruno 
Hébert. Foi premiado no Festival Internacional de Cinema de Toronto, 
no ano de 20084. 
Ambos os filmes nos trazem, em seus expressivos personagens e 
enredos, [considerados pela crítica cinematográfica de reconhecida 
qualidade], a possibilidade da transcendência, do arrebatamento e da 
fruição estética. Nesse sentido, escolhê-los para esta análise fílmica não 
foi tarefa fácil, uma vez que havia muitas outras opções que correspon-
diam a nossas intenções de estudo, pois tematizavam a infância e seu 
universo de constituição psíquica. 
Em ambos, tanto o ritmo dado aos enredos como os variados recur-
sos utilizados na edição das películas, como fotografia, cor e cenário, 
3 “[...] como um texto que dá visibilidade da Infância como inquietude de formação, como 
construção de uma poética própria (de si, subjetiva) e como um (novo) caminho de encontro 
consigo mesmo através de uma experiência com o outro” (GUZMÁN, 2008, p.62, tradução 
nossa).
4 Além deste, obteve premiações como Melhor Filme Canadense, Melhor Ator no Atlantic 
Film Festival, em Halifax; Melhor Filme Canadense, Melhor Diretor no Vancourver Film 
Critics Prêmios; Prêmio Deutsche Kinderhilfswerk e Urso de Cristal no Festival Internacional 
de Berlim; Melhor Filme Canadense nos Prémios Indie; Melhor Fotografia no Jutra Awards 
2009; Prémio Junior em Cannes; Valois Melhor Filme no Festival de Cinema Francófono de 
Angoulême, em 2009; Além deles, quatro outros prêmios internacionais, entre outros em Tel 
Aviv, Madrid e Belfast.
114
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
permitem o envolvimento do espectador junto aos sentimentos, angús-
tias e experiências vividas por Leon e Valentin nas referidas tramas.
Nos dois longa metragens, ficcionais, temos narrativas sobre a for-
ma como crianças percebem muitas das fraquezas de caráter, carên-
cias emocionais e fragilidade dos adultos que o cercam. Em torno de 
inquietações como estas, os enredos são tecidos, e os protagonistas Leon 
e Valentin se posicionam. Ser criança e estar criança se alternam em 
ambos os enredos, implicam-se mutuamente e provocam no espectador 
uma certa inquietação, especialmente no que diz respeito a elementos 
que envolvem significados e práticas de violência de natureza física e 
simbólica atrelados aos personagens. São filmes que, em comum, tra-
zem consigo tensões e conflitos intensos, permeados por momentos de 
humor, melancolia, nostalgia e extrema sensibilidade. 
Tanto em Leon quanto em Valentin encontramos eventos impac-
tantes, do ponto de vista emocional, que cumprem papéis catalisadores 
e dão o ponto de culminância, a partir dos quais se resolvem deter-
minadas narrativas e cenas. Nesses momentos, nos vemos diante de 
temáticas difíceis de serem “digeridas”, como na cena em que Valentin 
narra o modo como o pai o trata quando fala da mãe judia à Letícia, 
mandando-o sair do carro e deixando-o sozinho na rua, ou mesmo 
quando seu pai o agride, gritando, oprimindo-o e xingando-o de “mole-
que miserável”. Ou, ainda, quando Valentin devolve os brinquedos que 
ganhara de Letícia e lhe fala no meio da rua sobre seus sentimentos de 
traição e solidão. Em Leon, quando o menino se joga de uma grande 
rocha diante de seu pai, ou quando é rejeitado por Léa ao presentear-lhe 
com bonecas, ou mesmo quando sua mãe vai embora e é segurado pelo 
pai e, principalmente, em mais uma cena impactante do filme, ao final, 
quando pela terceira vez realiza uma tentativa de suicídio, colocando-
-se diante de uma peça de boliche para virar alvo da bola que vem em 
sua direção. Em todas estas cenas, especialmente porque convocam a 
sensibilidade e a emoção do espectador, os diretores Alejandro Agresti 
e Philippe Falardeau não escorregam em sentimentalismos ou lugares-
-comuns, pois parecem justamente procurar conciliá-los, sem apologias, 
tornando os filmes, a nosso ver, ainda mais convidativos para serem 
(re)assistidos. 
Vale dizer que o silêncio que ecoa nos momentos mencionados nos 
é compensado pela música de refinado cuidado, que soa sem impor ou 
115
Claudia Ximenez Alves
expor as cenas. Aqui, caberia comentar, também, nossa percepção de 
que a maturidade dos respectivos diretores torna notável a forma como 
conduzem as tramas e nos apresentam seus filmes. Não se furtam a 
mostrar-nos que a infância é constituída por múltiplas formas e faces 
em diversos lugares e tempos históricos e sociais. 
Infância no cinema
O cinema que aborda, olha (para) a infância e que busca capturá-la 
através de diálogos e cenários que atravessam e constituem a cultura 
da infância, a partir de percepções e experiências vividas por crianças, 
em planos, sequências, imagens e cenários muitas vezes comoventes, 
com narrativas e estéticas que se destacam pela riqueza de possibi-
lidades e fruições, de expressões, gestualidades, simbolismos, ques-
tionamentos, inquietações, conflitos, reinvenções, ressignificações e 
formas de compreensão e interpretação da realidade pela perspectiva 
da criança, para nós caracteriza o cinema que nos propomos a apre-
sentar neste texto.
A despeito da heterogeneidade que ambos os filmes carregam con-
sigo, cabe dizer que mobilizam nossa capacidade de pensar a infância 
paraalém da forma como vem sendo constituída sua imagem através 
das crianças, nas suas representações generalizadas e generalistas e, por-
tanto, limitadas, muitas vezes por adultos. Queremos dizer que, olhar 
para a(s) infância(s) considerando sua instigante realidade, pode ser em 
si uma das possibilidades que a arte cinematográfica pode nos propor-
cionar. Se partirmos da premissa de que a cinematografia como arte 
pode nos espelhar e nos permitir ver-nos através dela, então, podemos 
considerar a entrada e a apropriação do cinema no contexto educativo 
como uma criativa e ampla forma de articulação entre a arte e a edu-
cação, no sentido de que ela não é nem impositiva nem instrucional, 
podendo, inclusive, provocar uma transformação, ainda que lenta, 
porém duradoura, na experiência sensível dos alunos. 
Nesse sentido, em meio e a partir das experiências cinematográficas 
que abordam a infância como tema em foco, é comum nos depararmos 
com inúmeras práticas sociais, discursos e sentidos psicológicos, cultu-
rais e sociais advindos de um corpo diverso de diretores, críticos, públi-
cos e teorias, tanto no campo do cinema quanto no campo da infância. 
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Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
Filiados a alguns desses elementos que envolvem o universo cine-
matográfico, costumamos nos ater a diferentes aspectos passíveis de 
análises vinculadas a este objeto: as infâncias no cinema. Dimensões 
textuais, contextuais e paratextuais que se referem à natureza estética, 
semiótica, cultural, política, econômica, psicológica, social e ideológica 
a ele inerente são encontradas na produção de filmes com este perfil.
Em relação especialmente à cinematografia recente existente /dis-
ponível sobre a infância, podemos dizer que é qualitativa, quantitati-
va e expressivamente representada por películas que tratam enredos, 
personagens e imagens produzidos em países e culturas os mais diver-
sos e distantes entre si. Em películas de origem iraniana, argentina, 
francesa, grega, espanhola, japonesa, brasileira ou chinesa disponí-
veis, encontramos inúmeras opções que apresentam a pluralidade do 
universo infantil sob a perspectiva contemporânea de reconhecidos 
diretores e cineastas. 
Para efeito de uma breve indicação de cineastas que vêm represen-
tando esta temática, em seus respectivos filmes, e que propõem formas 
de percepção e de construção de subjetividades, além de elementos 
tais como manifestações culturais e de inteligibilidade da realidade e 
do mundo, sob a forma de imagens e sons em movimento, citamos: 
Majid Majidi em Filhos do Paraíso (Irã, 1997) e A Cor do Paraíso 
(Irã, 1999); Giuseppe Tornatore em Cinema Paradiso (Itália, 1988); 
Walter Salles em Central do Brasil (Brasil, 1998); Théo Angelopoulos 
em A eternidade e um dia (Grécia, 1998), Paisagem na Neblina (Grécia, 
1988) e Um olhar a cada dia (Grécia, 1995); Bahman Ghobadi em 
Tempo de Embebedar cavalos (Irã, 2000) e Tartarugas podem voar (Irã-
Iraque, 2004); Akira Kurosawa em Rapsódia em Agosto (Japão, 1991), 
José Luis Cuerda em A Língua das Mariposas (Espanha, 1999); Zhang 
Yimou em Nenhum a menos (China, 1999); Murilo Salles em Como 
nascem os anjos (Brasil, 1996); Cedric Kahn em O avião (França/
Alemanha, 2005); Jaques Doillon em Ponette (França, 1996), Samira 
Makhmalbaf em A maçã (Irã-França, 1998), Alan Parker em As cin-
zas de Ângela (EUA, 1999); Abbas Kiarostami em E a vida continua 
(Irã, 1991), Onde fica a casa do meu amigo? (Irã, 1987) e Gosto de 
cereja (Irã, 1996); Maurizio Nichett em Ladrões de Sabonete (Itália, 
1989); Jafar Panahi em O Balão Branco (Irã, 1995) e Siddig Barmak 
em Osama (Afeganistão, 2003). 
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Claudia Ximenez Alves
Essas criações, dentre outras referências do cinema que tematizam 
sobre a infância, para ficarmos nesses exemplos, trazem-nos, na sua 
potencialidade de expressão e polemização de representações filosóficas, 
antropológicas, políticas, sociológicas, educacionais e psicológicas, a não 
dicotomização ou fragmentação entre a imagem e a palavra, o sensível 
e o inteligível, a transparência e a latência. Nesse sentido, nos oferecem 
um amplo espectro de possibilidades. Enquanto linguagem artística, 
essas obras comportam ideias, palavras, sons, movimentos, gestos, ima-
gens e histórias. Além disso, nos inquietam, multiplicam, ampliam 
e subvertem nossas concepções, pensamentos, desejos e sentimentos. 
Inspirados nessas premissas, elegemos os longas-metragens 
Não sou eu, eu juro! eValentin, dirigidos por Philippe Falardeau 
(Canadá) e Alejandro Agresti (Argentina), nos anos de 2002 e 2008, 
respectivamente, buscando com este exercício levantar, com eles e a 
partir deles, alguns elementos acerca da multiplicidade de situações 
que envolvem a(s) cultura(s) da infância contemporânea. Para isso, 
tomamos por base as reflexões do filósofo Walter Benjamin, especial-
mente sobre cultura da infância e teoria estética do cinema. Portanto, 
a escolha dos filmes para este texto obedeceu a critérios tanto temá-
ticos quanto estéticos. 
Na realidade, procuramos partir de imagens ora subterrâneas ora 
manifestas que os dois filmes nos apresentam de infâncias e crianças, 
para buscarmos o cinema como arte, visto que para nós a arte cine-
matográfica produz um impacto nas representações humanas através 
de suas alegorias construídas, a partir de realidades sociais e culturais 
objetivas e subjetivas. 
Nosso objetivo, com esta reflexão acerca dos referidos filmes, é 
provocar e, se possível, ampliar debates acerca do que pode suscitar 
e representar o cinema no contexto educacional. E mais do que isso, 
ressaltar a possibilidade de exercitar os múltiplos sentidos de apreensão 
e intervenção da realidade que ele nos propõe, especialmente quando 
o inserimos na instituição educativa. 
A teoria estética do cinema em Walter Benjamin 
Na teoria estética de Benjamin, o cinema permite a aproximação 
do homem a uma prática perceptiva, em outras palavras, aos apelos 
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Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
e anseios perceptivos do homem moderno. Ainda que sob a forma 
de choque, e rompendo com estruturas associativas dos espectado-
res, Benjamin (1985) afirma que o cinema enquanto meio de comu-
nicação se volta para o homem moderno que ele conceitua como 
“caleidoscópio dotado de consciência”. Pensando assim, ainda que 
entenda que diante de um filme o homem se relacione com o objeto 
“distraidamente”, conforme as palavras e teoria estética benjaminiana, 
tal relação não destitui os encantos e a reação otimista do filósofo com 
a sétima arte.
Para Benjamin (1985), a montagem de um filme se aproxima à 
perspectiva de montagem cinematográfica de Sergei Eisenstein, cineasta 
russo de grande reconhecimento internacional, especialmente no 
cenário identificado como cult movie, que o concebe como sendo um 
fazer histórico e filosófico que se relaciona com a realidade.
Benjamin (1985) não se manifesta de modo pessimista em relação 
a possíveis interfaces entre o cinema e a educação, visto que o consi-
dera como agente de renovação e que pode orientar o homem através 
da refiguração da realidade. Nesse sentido, potencialidades e possibi-
lidades são atribuídas ao cinema por Benjamin(1985), enquanto obra 
de arte e/ou representação e manifestação artística, enquanto veículo 
que possibilita o acesso à imagem cotidiana, tomada pela receptivi-
dade óptica. O cinema, nessa perspectiva, possibilita e potencializa 
a interrupção do tempo linear, via cortes e montagens de imagens 
contínuas, velozes, fragmentadas, ampliadas ou reduzidas e permite 
o questionamento da ilusão e a consciência da realidade pela lente 
da câmera. 
Dito de outro modo, permitindo-lhe revelar e desvelar aspectos da 
realidade, o autor, ao ressaltar a ampliação da percepção sensível que o 
cinema mobiliza no homem, lhe atribui um caráter pedagógico, catár-tico e/ou terapêutico, uma vez que penetra e descreve a realidade pelo 
seu avesso, estranhamento, distanciamento, enfrentamento, significa-
ção social, psicológica, emocional, política e cultural. Assim também, 
elementos como confronto, transformação e interpretação são dados 
como possibilidades e mediações inerentes ao cinema empreendido 
sobre aquele que assiste a ele.
Segundo Tomain (2004, p.118), 
119
Claudia Ximenez Alves
Benjamin não se preocupa com o conteúdo dos filmes, mas única 
e exclusivamente com a sua forma, o que equivale a dizer que para 
o autor a arte cinematográfica sugere uma nova percepção [...]. 
O homem moderno é um individuo que compreendeu que per-
ceber o mundo ao seu redor significa ter o choque como rotina, 
experimentá-lo, e foi o cinema seu verdadeiro educador.
Benjamin (1985) afirmou que a imagem no cinema não é algo imó-
vel, um arquétipo ou algo fora da história, mas sim uma imagem-movi-
mento carregada de uma tensão dinâmica. Para ele, o cinema enquanto 
imagem dialética é em si o próprio elemento da experiência histórica, 
visto que a experiência histórica se faz pela imagem, e as imagens estão 
elas próprias carregadas de história. 
O cinema, a partir da estética benjaminiana, possibilita o exercício 
e o aprofundamento de uma percepção sobre o mundo, a partir de 
uma linguagem que fragmenta e não regulariza os ritmos de tempo 
histórico nos cotidianos representados. O tempo para Benjamin, neste 
caso, pode ser percebido pelos espectadores de um filme como sendo 
recortado, não linear, descontínuo, irregular, tal como o identificamos 
nos filmes ora discutidos. 
A cultura da infância em Benjamin
Walter Benjamin, um dos mais instigantes intelectuais da moderni-
dade e teórico que inspira e fundamenta estes apontamentos, dedicou 
parte de seus investimentos às relações existentes entre infância, cultura, 
história e memória na sociedade contemporânea pós-século XX: objeto 
que perpassa o tema abordado neste paper. 
Em seus ensaios, o filósofo critica tanto o autoritarismo de idade que 
submete e subjuga as crianças, entendendo ser esta uma representação 
de pedagogia antieducativa, quanto reconhece o adultocentrismo pre-
sente nas relações sociais, como reflexo de um processo de pedagogiza-
ção, naturalização e infantilização da infância (e da cultura). 
Para Benjamin (1985), sua teoria sobre a infância concebe-a como 
categoria central da história. Nessa forma de ver, trata a criança como 
indivíduo social inserido numa história, pertencente a uma classe social, 
produtor e produto de sua cultura. Tal perspectiva nos oferece a possi-
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Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
bilidade de compreendermos a história pela forma como concebemos a 
infância, desnaturalizando-a e atribuindo-lhe identidade própria. 
Ao percorrermos o ensaio “Infância em Berlim por volta de 1900”, 
Benjamin (1985) nos permite dizer que os conceitos por ele utilizados, 
tais como memória, narração, rememoração, reminiscência, infância, 
cultura, brincar, brinquedos e modernidade, partem de um estilo onde 
os sentidos se apresentam ora ditos ora silenciados, onde o passado do 
narrador perpassa experiências pessoais que provocam no leitor uma 
reação empática que desperta e evoca reminiscências de uma infância 
imaginada, recriada, perdida e reencontrada pelo e no sujeito que a 
acompanha. 
Sobre tais elementos, cabe o destaque para Valentin e Não sou eu, 
eu juro! que, de modo análogo à análise benjaminiana, colocam em 
destaque o papel da criança como narradora e autora de sua história. 
História apresentada (ora dita ora silenciada) pelas imagens provoca-
tivas de uma experiência estética de intenso significado. Nelas e com 
elas nossos sentidos são postos em cena, potencializados pelas sensa-
ções fortemente impactantes em nós mobilizadas. Dificilmente ficamos 
insensíveis estética ou emocionalmente às cenas protagonizadas por 
Leon ou Valentin. O autoritarismo de idade que subjuga as crianças nos 
filmes aqui retratados, aliado ao adultocentrismo presente nas relações 
crianças-adultos, diverge da perspectiva de abordar a infância pautada 
em parâmetros naturalizantes. 
Não sou eu, eu juro! eValentin são filmes que pensam e colocam a 
criança no cinema a partir de contradições e tensões estabelecidas entre 
os personagens e suas experiências com a cultura, com os adultos, com 
a sociedade em que vivem, pares, objetos lúdicos e, sobretudo, com seu 
entorno familiar. 
Para Benjamin (1985), todo indivíduo social está inserido numa 
história, sendo, portanto, pertencente a uma classe social, produtor e 
produto de sua cultura. Tal perspectiva benjaminiana nos oferece a pos-
sibilidade de compreendermos as histórias de Leon e Valentin, a partir 
de suas identidades construídas social, cultural e psicologicamente em 
suas experiências vividas.
Ainda sob a perspectiva do respeitável filósofo, as crianças gostam de 
brincar e sentem-se irresistivelmente atraídas pelos destroços e resquí-
cios que surgem em seu cotidiano doméstico ou de espaços outros com 
121
Claudia Ximenez Alves
os quais tenham contato. Tal como em Valentin, quando brinca com 
sucata no mezanino de sua casa, em um espaço reservado a objetos des-
cartados ou pouco utilizados, e constrói foguetes e sua roupa espacial, 
ou mesmo em Leon, quando utiliza um objeto descartado da garagem 
de sua casa como corda para se enforcar ou um guarda-sol para refugiar-
-se em um local isolado, em meio a um milharal, distante de sua casa. 
Sobre Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de 
Benjamin 
As crianças que protagonizam os filmes ora discutidos nos inspiram 
a refletir sobre o conceito de cultura infantil contemporânea de um 
modo, digamos, pouco consensual. Porque não são ingênuas, de com-
portamentos previsíveis e passivos em relação a seu mundo e aos adultos 
que com ele convivem. Tal como preconiza Benjamin, são crianças que 
estabelecem relações com sua cultura, história e memória na sociedade 
contemporânea, a partir de realidades múltiplas. 
Assim, as infâncias e os lugares da infância revelados e desvelados a 
partir dos personagens Leon e Valentin trazem consigo um tempo que 
não é passível a medidas cronológicas, mas um tempo vivido, pulsante, 
interior, inquieto, dinâmico, silencioso, indisciplinado, abandonado, 
livre, desfalecido, solitário e frágil, um tempo que interroga, deseja, se 
distrai, se exalta, subtrai, se impõe e que se constitui como tempo da e 
na vida das infâncias plurais com as quais nos deparamos, nas diferentes 
culturas e sociedades contemporâneas. 
Tal como o pensamento benjaminiano nos permite identificar, não 
nos vimos amparados por perspectivas de infância(s) complacentes, 
infantilizadas, simplistas e/ou reducionistas. Nesse sentido, desde nos-
so olhar até nossos sentimentos e percepções que não os percebemos 
como neutros ou vazios, dialogaram e interagiram com as intenções 
dos referidos cineastas, uma vez que os filmes foram estruturados e 
problematizados por inúmeras perspectivas e intenções de seu dire-
tor. A esse respeito, acreditamos que suas experiências, formas de 
representação de mundo e valores conferem múltiplos sentidos a uma 
produção fílmica, pois resultam de saberes e concepções de realidade 
não isentos de ideologias e referências sociais e culturais de quem as 
produziu. 
122
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
Aqui caberia dizer, também, que os conhecimentos que o especta-
dor possui tanto da linguagem audiovisual, quanto de si mesmo, lhe 
permitem identificar-se e reconhecer-se com os personagens e enredos. 
Dito de outro modo, acreditamos que o vínculo estabelecido entre 
espectador e trama depende, em grande parte, de suas projeções de 
sentimentos e experiências, associados e ressignificados a circunstâncias 
envolvidas a eles. Neste caso, nossasopiniões, formas de apropriação 
e de produção de significados nos parecem constituídas por discursos 
e elementos compartilhados nos contextos sociais e culturais aos quais 
estão vinculados. 
Em resumo: não nos parece que estamos autorizados a afirmar que 
o cinema que põe em cena (a)s criança(s), e que busca apreendê-las e 
capturá-las utilizando representações destas, impõe interpretações aos 
seus espectadores. Nesse sentido, não afirmamos que estejamos [segu-
ramente] diante de um olhar propriamente infantil. Acreditamos que o 
“pacto” que estabelecemos com um filme e sua trama é atravessado pela 
fronteira indistinta que separa a ficção da realidade, a experiência vivida 
do(s) espectador(es) com as experiências dos personagens. 
Assim sendo, a grandeza narrativa, simbólica e visual destas pelícu-
las não nos isenta de colocarmo-nos diante de projeções imbuídas de 
percepções múltiplas de infância(s).
O avesso de narrativas hollywoodianas...
Não sou eu, eu juro! 
Leon, um menino de dez anos de idade, vive em uma família em 
moldes tradicionais, com seu irmão mais velho, sua mãe e seu pai. Sob 
condições confortáveis do ponto de vista material, acompanha o proces-
so de separação de seus pais, de modo a presenciar agressões entre seus 
pais e a frequente depressão e/ou insatisfação de sua mãe pela vida que 
tem com a família, não sem manifestar suas formas de enfrentamento 
a elas. A trama foca o protagonismo infantil a partir desta separação, 
junto às formas de elaboração de Leon nas relações estabelecidas com 
pares, pai, mãe, irmão e amiga e o cotidiano que envolve suas desco-
bertas e crises nesse processo. 
As adversidades na vida de Leon, especialmente perdas, dores e cri-
ses, são experimentadas a partir de ações e gestos, representativos de 
123
Claudia Ximenez Alves
um imaginário infantil permeado por sentimentos de liberdade, afeto 
e uma forte carga de rebeldia. Profundamente perturbado por desejos 
de reencontrar a mãe, com quem tem uma cumplicidade e uma rela-
ção simbiótica, que pelas palavras do pai, o abandona e vai para outro 
país, Grécia, em busca de poesia e harmonia pessoal, assim como pelo 
sentimento de perda e “luto”, age de modo agressivo e destrutivo, tanto 
com objetos quanto consigo mesmo.
Chamando a atenção do pai por inúmeras vezes em situações de 
fuga, tentativas de suicídio, ou mesmo por conta de notas baixas na 
escola, alterna momentos de solidão e isolamento, sendo mobilizado 
por Léa, uma menina de sua idade que estuda em sua escola, e que, 
como ele, vive os mesmos dilemas e angústias de perda e abandono do 
pai. Identificando-se mutuamente e em meio a seus conflitos e dores, 
ambos tentam colocar em ação um plano de fuga para a Grécia, finaliza-
do após o desfecho inesperado e frustrado de busca de Léa por seu pai. 
O enredo conjuga em Leon sentimentos fortemente carregados de 
impotência, isolamento, desilusão e estranhamento diante do mundo. 
Inicia com a cena do menino pendurado pelo pescoço com uma corda 
em uma árvore do quintal de sua casa e o desespero de seu irmão cha-
mando a mãe para resgatá-lo. Já quase desfalecido, assim nos é apresen-
tado como uma criança inquieta, melancólica e solitária que conclama 
demasiada atenção para si.
Valentin, um menino de oito anos de idade, vive em um bairro 
pobre de Buenos Aires com a avó, uma mulher idosa, afetiva e amar-
gurada com a ausência do marido, recém-falecido. Estuda em uma 
escola pública grande, não tem problemas com notas, tem um pai 
ausente e egoísta que o visita com pouquíssima frequência e que o 
violenta cada vez que se refere à mãe. Não tem notícias de sua mãe 
desde os três anos de idade, quando então passou a viver com a avó. 
O personagem ora evocado vê nas namoradas do pai a possibilidade 
de ter uma mãe, mas não concretiza seu desejo, pois seu pai não se 
estabiliza nas relações afetivas, nem tampouco se envolve com suas 
vivências e experiências. Ao comportar fantasias em suas brincadei-
ras, deseja ser astronauta e ter uma mãe. Resgata a todo tempo suas 
referências familiares, desde o fascínio por seu tio Ciche que mora em 
cidade muito distante e o visita de vez em quando até a identificação 
com a música irreverente que sua tia deixara em discos, quando fugira 
124
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
quando ainda era bem pequeno. Ambientado na Argentina na década 
de 1960, Valentin tem um amigo de sua idade, Roberto Medina, com 
quem compartilha seus brinquedos e peripécias lúdicas, e Rufo, um 
vizinho músico, adulto, com quem troca confidências, angústias e 
constrói uma relação sólida de amizade. 
A história de Valentin é atravessada pela história de seu contexto 
social e cultural, ambientada num período de transformações e tur-
bulências políticas e culturais de seu país, Argentina. Nesse contexto, 
menciona os gêneros musicais que percebe e incorpora, assim como os 
carros mais velozes e as novidades da tecnologia, como o contato e o 
encantamento com os gravadores portáteis surgidos naquele período. 
Há menção, ainda, ao assassinato de Che Guevara na Bolívia, como um 
fato histórico que contextualiza sua experiência cultural e social vivida. 
Aproximações e Distanciamentos entre Valentin e Não sou eu, 
eu juro!
Tanto Valentin quanto Leon nos apresentam histórias de vidas atra-
vessadas pela dimensão de uma temporalidade repleta de fragmentos 
que reúnem êxitos e ruínas do presente e do passado; passado de duas 
crianças representadas como autores de suas histórias. Os movimentos 
de ontem e agora aparecem relacionados por uma lógica de ritmos 
dados por sentimentos e percepções de mundo. Assim, somos captura-
dos, nós espectadores, por imagens e cenas que nos permitem por vezes 
sentirmo-nos “sujeitos” diante das tramas que envolvem os personagens. 
Defrontamo-nos com experiências que subjetiva e/ou objetivamente 
retratam e representam nosso cotidiano vivido. Uma sensação de “entra-
nhamento” estético, visual e emocional pode ser facilmente captada e 
identificada em expressões faciais de espectadores, quando assistem a 
estes filmes. Nas cenas que vemos Valentin brigando com Letícia, ou 
contando-lhe de sua amargura com o pai violento, ou ainda, tendo a 
notícia da morte da avó, ou acompanhando o verdureiro ambulante na 
carroça pelas ruas de seu bairro, ou sentindo saudades de Letícia no colo 
da avó, ou ouvindo-a cantar, temos alguns exemplos desses momentos 
de intensa sensibilização estética e emocional diante de imagens com 
vivências muito próximas às experimentadas por nós, espectadores, 
cotidianamente. 
125
Claudia Ximenez Alves
Assim, também, nos lembramos das cenas em que Leon se fere no 
peito para justificar ao pai sua ausência e sumiço por um dia, assim 
como quando se joga de cima de uma rocha diante dos olhos do pai 
ou se coloca diante das peças do boliche para ser atingido na cabeça, 
ou ainda, quando entrega as bonecas à Léa, sua amiga. 
Nos dois filmes, as crianças são abordadas como protagonistas de 
suas histórias de vida, dramas familiares, realidades e peculiaridades 
culturais e históricas. Ambos retratam uma temporalidade histórica 
comum: o final dos anos 60 do século XX: um na Argentina, outro em 
Quebec-Canadá. 
As duas crianças mostram-se solitárias (como já dito anteriormen-
te) e desejam intensamente a presença da mãe em suas vidas. Ambos 
carregam em suas histórias a impossibilidade de saberem “as verdades” 
que os adultos ocultam delas. Ambos percebem que mentiras e segredos 
permeiam os motivos que perfazem tais ausências maternas. Ambos 
sentem-se traídos pelos adultos e reagem de modos diferentes diante 
da compreensão que constroem sobre a relação entre fantasia e realida-
de. Valentin fora abandonado, quando bem pequeno, ainda com três 
anos de idade, assim a avó justifica a sua ausência, assim como Leon 
que presencia a partida da mãe da casa onde vive com o pai, não tendo 
opção de visitá-la, se comunicar comela ou revê-la.
O mundo dos adultos é apresentado de forma hostil, sem promessas 
de felicidade. Um cotidiano carregado de dores, perdas, descobertas, 
crises e adversidades. Ambos perturbados pelo desejo de reencontrar 
a mãe. Valentin e Leon simbolizam a dor do “luto” e agem de modos 
bastante diferentes na forma de expressão e resolução de conflitos. 
Enquanto Leon age de modo impulsivo, agressivo e extremamente 
destrutivo, tanto com objetos quanto consigo mesmo, chamando a 
atenção do pai por inúmeras vezes em tentativas de experimentar sua 
revolta interior diante do abandono e da perda da mãe, Valentin busca 
formas de ajuda médica para a avó que percebe doente e teme per-
der, assim como elabora um plano para aproximar uma ex-namorada 
de seu pai que a tem como amiga, Letícia, do amigo músico, Rufo, 
identificando-se tanto com sua origem judia quanto com a sensibi-
lidade de ambos. 
A necessidade de recriarem o mundo cotidiano para si transcorre 
paralela à necessidade de terem a presença de suas mães. Os dois 
126
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
meninos procuram compreender o sentido das traições e das menti-
ras que os adultos sustentam para eles em suas infâncias. Procuram, 
neste espaço e lugar, demarcar e sobreviver à violência emocional 
que sofrem com estes vínculos afetivos familiares. Suas histórias e 
dramas familiares são retratados por marcas que alternam ausências 
e presenças simbólica e afetivamente significativas em suas vidas. O 
tio Chiche e o pianista Rufo, como referências de afeto incondicio-
nais, se aliam às presenças da avó, de Letícia e do amigo Roberto 
Medina em Valentin e compartilham sensações alternadas de afeto 
e conflitos. 
Alternando momentos de solidão e isolamento, Valentin e Leon ges-
tualizam traços e tramas, desejos e fantasias, designados como perten-
centes ao mundo infantil. Com um imaginário tipicamente permeado 
por sentimentos de liberdade e afeto, as tramas apresentam roteiros com 
diálogos inteligentes e carregados de forte teor crítico e provocativo.
Seus pares, o amigo de Valentin, Roberto Medina, e Léa, uma amiga 
que estuda em sua escola, vivem histórias paralelas que se aproximam e 
convergem, arrebatando-nos com momentos de cumplicidade e ludi-
cidade entre crianças.
Nas duas obras, destaca-se uma infância compreendida como cons-
trução cultural, a partir de personagens que não se enquadram em 
rótulos predeterminados ou legitimados como típicas e modelares repre-
sentações “idílicas” de infância. 
A cultura infantil expressa pelos diretores Philippe Falardeau e 
Alejandro Agresti, respectivamente, se aproxima daquela à qual se refe-
re Larrosa (2001, p. 284) quando diz: “[..] a criança não é antiga nem 
moderna, não está nem antes nem depois, mas agora, atual presente. 
Seu tempo não é linear, nem evolutivo, nem genético, nem sequer 
narrativo”.
Se nos dois filmes a separação de pais ganha expressividade e con-
vergência nas formas de percepção das crianças que protagonizam os 
enredos, essas situações não são, todavia, desenvolvidas com (ou por) 
desdobramentos semelhantes. 
Em Valentin, mesmo com a ausência do pai e da mãe e da morte da 
avó, únicas referências familiares de sua vida, o menino nos surpreende 
com formas de resolução que buscam a (re)configuração de uma família 
como representação de segurança e afeto. Em Não sou eu, eu juro! Leon 
127
Claudia Ximenez Alves
provoca situações de violência contra seu próprio corpo, colocando sua 
vida em risco em diversas vezes, em sucessivas tentativas de suicídio. 
Sendo assim, os modelos familiares apresentados nos dois filmes abrem 
perspectivas de análises passíveis a diferentes dimensões e campos de 
estudos, como sociologia e psicologia, por exemplo. 
As histórias de Leon e Valentin são retratadas em um tempo histó-
rico (finais dos anos de 1960) demarcado pela presença da religião em 
suas vidas. Tanto Valentin quanto Leon se relacionam (sob uma pers-
pectiva crítica e questionadora) com as influências dos preceitos católi-
cos em suas formações. Nas cenas em que Leon olha para um crucifixo 
pendurado na parede antes de arrombar um piano na casa dos vizinhos, 
ou mesmo quando conversa com o padre no hospital, assim como 
quando percebe os vizinhos discriminando-o por não mais representar 
o modelo convencional de família, legitimado como aceitável para uma 
convivência social consensual, são constituídas as percepções sobre si 
e sobre o mundo das e nas crianças protagonistas. Em Valentin, temos 
uma cena em que o menino questiona com o tio, dentro de uma igreja 
católica, sobre como o avô (então falecido) poderia estar feliz já que no 
céu (para onde disseram que ele iria após ter morrido) tudo seria muito 
bom. Questiona sobre a morte e sobre a vida após a morte, a partir de 
suas perspectivas de pensamento e valores. 
Para além dos diálogos que problematizam a realidade e a cultura 
da infância, nos quais se relacionam história e temporalidade em suas 
vidas, a realidade e suas possibilidades de transformação encontram 
potenciais formas de experiências em ambos os filmes. Para tanto, as 
vicissitudes cotidianas, domésticas e escolares nos são mostradas através 
de vozes em primeira pessoa (por vezes in off) nas duas crianças em suas 
confissões, fragilidades, incertezas, desamparos, solidões, pensamentos, 
sonhos, ilusões e sentimentos de traição.
Como mostra dessas representações, suas experiências com a bebida 
(em Valentin), com o roubo, o cigarro e o suicídio (em Leon), com a 
dor e com o amor (em ambos) desafiam valores da sociedade e mostram 
formas de rebeldia, provocando em nós uma perturbadora sensação de 
angústia e desrazão. 
Nesse sentido, o imaginário por vezes transgressor e, ao mesmo tem-
po, pleno de construções de ambos, nos levanta questões polêmicas e de 
difíceis expressões e resoluções. A exemplo dos adultos solitários Rufo, 
128
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
a avó de Valentin e Letícia, de um lado; e a mãe de Leon, de outro: 
cultivam com eles experiências de amizade e afeto, em seus refúgios de 
saudade e de perdas, criando com eles espaços de confiança, cumplici-
dade, confissões, solidão e amor. 
Em Leon temos os lugares secretos, em meio a um imenso espaço 
verde, cercado e isolado. Lugares que elege para sentir e refletir sobre 
sua vida. Lugar de si e para si. Lugar de perguntas e projetos. Em 
Valentin, o desejo de ser astronauta, amado, de saber, de transcender 
a morte, a perda, a dor e as ausências. Desejo de interrogar a vida e os 
adultos: eis algumas das inquietações de Leon e Valentin apresentadas 
a nós, a partir de metáforas e perguntas sem respostas. Para nós, cada 
cena, cada palavra e cada movimento dos personagens infantis destes 
dois filmes catalisam nossas emoções e projeções permitindo-nos, com 
intensidades e significações diferenciadas, em cada um de nós, formas 
de apropriações particulares. 
Ainda sobre os filmes, entendemos que a cultura da infância por 
eles retratada não nos é apresentada como inocente nem passiva, mas 
como aquela que envolve a criança em atividades sociais representadas 
por espaços e bens materiais e simbólicos, impregnados e legitimados 
por suas referências culturais e históricas. Em outras palavras, esta 
cultura infantil desvela marcas de sujeitos sociais com produções e 
conhecimentos próprios, diferenciados dos adultos. Na cena em que 
Valentin procura um médico para a avó ou mesmo quando busca 
Letícia para devolver-lhes os presentes que ela lhe dera, age como 
se espera socialmente de um comportamento adulto e não infantil 
diante destas circunstâncias, revelando autonomia em seus gestos, 
perguntas e atos. 
Essa forma de compreensão nos é dada por Kramer (1999) e por 
Larrosa (2006)em dois momentos distintos. Em “Infância e educação: 
o necessário caminho de trabalhar contraa barbárie”, Kramer (1999) 
conclama a possibilidade de a criança de hoje conquistar a capacidade 
de escrever sua história, apropriando-se das diferentes formas de produ-
ção de sua cultura, criando-a, expressando-a e transformando-a. Assim, 
a autora concebe a criança na infância como aquela que olha e pode 
subverter a sua realidade, que dessacraliza a legitimidade da palavra do 
adulto sobre si e a incapacidade de olhar criticamente a realidade em 
que se vive. Valentin, por exemplo, vive a solidão e a opressão, mas não 
129
Claudia Ximenez Alves
perde a capacidade de sentir e olhar com sua própria lente infantil, dife-
rente e singular em relação à do adulto. É um menino que não se rende 
à solidão nem ao abandono, ou mesmo ao aparente caos suplantado por 
sua realidade. Portanto, mesmo sensível às perdas e aos sustos, não se 
deixa abater, pois mesmo sua melancolia não o impede de buscar outras 
e novas formas de sobrevivência em sua história de vida. 
Descobrir-se escritor e organizar um plano para aproximar Letícia 
de Rufo para compor uma “nova família”, na trama de Valentin, neste 
caso, pode ser associado a Leon se posicionando diante de uma peça de 
boliche após descobrir a (também) dor silenciosa de seu irmão, levando-
-nos às palavras de Larrosa (2006, p.72), quando afirma que 
[...] olhar para uma criança não é o mesmo que saber o que é uma 
criança, não é o mesmo que se identificar com ela. Uma criança é 
sempre algo diferente do que projetamos sobre seu rosto [...]. Por 
isso, necessitamos de cinema: para que nos ajude a olhar para a 
infância em sua alteridade constitutiva, à justa distância.
Valentin e Leon nos propiciam, enquanto obras cinematográficas, 
elementos para pensar sobre como a infância se constrói na história de 
uma criança. Mais do que isso, nos permitem refletir sobre a infância 
enquanto inquietude de formação, de si, sobretudo a partir da relação 
entre uma criança e os lugares em que transita, desde os espaços esco-
lares e familiares até os de convivência com os amigos, pares e objetos 
de seu cotidiano. 
Considerações Finais
O fio de reflexão tomado neste texto parte da perspectiva de que 
filmes são metáforas pelas quais procuramos perceber, sentir e conhe-
cer a realidade e o nosso mundo. Tal compreensão pretende justificar 
e filiar-se aos motivos que nos levaram à escolha destas duas películas 
para análise. Trata-se de produções de cinematografia recente, dirigidas 
por cineastas premiados em festivais de grande relevância no gênero, 
que enredam crianças em seus tempos de infância. 
Falardeau (NÃO SOU..., 2008) e Agresti (VALENTIN, 2002), a 
nosso ver, chamam nossa atenção e nos comovem com personagens 
130
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
expressivos, principalmente quando alternam nos enredos e nas his-
tórias trazidas ao espectador momentos de intenso encantamento e 
arrebatamento. 
Os cenários de ambos os filmes são carregados de detalhes como-
ventes, com fortes conteúdos simbólicos latentes e manifestos. Sendo 
assim, tanto a fruição estética como a fruição simbólica que emanam de 
Valentin e Não sou eu, eu juro! elucidam aquilo que a infância permite 
dimensionar e experimentar. Não se trata de dizer que os filmes ora 
referidos são ou foram destinados a um público infantil especificamen-
te. Na realidade, arriscamo-nos a dizer que não o foram. 
Pensamos que sejam filmes que abordam a infância com crianças 
como protagonistas, mas que utilizam linguagens voltadas para espec-
tadores adultos: filmes de infância, mas não necessariamente para a 
infância. São, para nós, películas que referenciam a infância a partir de 
sua voz: a infância como protagonista e posta em cena(s). 
Para finalizar, nos apropriamos do pensamento de Teixeira, Larrosa 
e Lopes (2006, p.15), quando afirmam que:
O cinema nos encara com o rosto enigmático da infância. Um 
rosto que nos enfrenta, nos olha e nos escapa. O rosto, juntamente 
com o gesto, é também lugar de exposição, de revelação. O rosto 
é o lugar do aparecer, pura aparência. É o mais descoberto, e ao 
mesmo tempo, é também o mais misterioso. Tudo está exposto 
em um rosto, que é pura abertura, pura exterioridade: tudo está 
voltado para fora, e ao mesmo tempo, tudo está oculto, fechado, 
voltado para dentro. O rosto mostra e oculta. Mostra o que oculta 
e oculta o que mostra. Tudo está ali e tudo se escapa. E, também, 
sem dizer nada [...].
131
Claudia Ximenez Alves
REFERÊNCIAS
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1985. (Obras escolhidas, v.1).
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LARROSA, J. Dar a palavra: notas para uma dialógica da transmissão. 
In: LARROSA, J.; SKLIAR, C. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da 
diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.281-295.
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Angelopoulos e uma coda sobre três filmes iranianos. In: TEIXEIRA, I. A. 
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In: LARROSA, J.; TEIXEIRA, I. C.; LOPES, J. M. S. (Comp.). Miradas 
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NÃO SOU eu, eu juro! Direção: Philippe Falardeau. Produção de: Luc Déry 
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KOHAN, W. O.; BORBA, S. (Org.). Filosofia, aprendizagem, experiência. 
Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p.245-256.
TEIXEIRA, I. A. C. ; LARROSA, J.; LOPES, J. S. M. (Org.). A infância vai 
ao cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 
TOMAIN, C. S. Cinema e Walter Benjamin: para uma vivência da 
descontinuidade. Estudos de Sociologia, Araraquara, v.9, n.16, p.101-122, 
2004. 
VALENTIN. Direção: Alejandro Agresti. Produção: Julio Fernández, Thierry 
Forte, Laurens Geels, Massimo Vigliar e Pablo Wisznia. [S.l.: s.n], 2002. 1 
DVD (86 min).
132
Valentin e Leon e o protagonismo infantil à luz de Walter Benjamin: 
considerações para se pensar infâncias possíveis no cinema
FICHAS TÉCNICAS
FILME
Não sou eu, eu juro!
Título Original: C’est Pas Moi, Je le Jure!
Ano: 2008
Produção: Luc Déry e Kim McCraw
País: Canadá
Idioma: Francês
Direção: Philippe Falardeau
Elenco: Antoine L´Ecuyer, Suzanne Clément, Daniel Brière, Catherine 
Faucher, Gabriel Maillé.
Gênero: Comédia/Drama
Duração: 105 minutos.
FILME
Valentin
Título Original: Valentin
Ano: 2002
Produção: Julio Fernández, Thierry Forte, Laurens Geels, Massimo Vigliar e 
Pablo Wisznia
País: Espanha/Argentina
Idioma: Espanhol
Direção: Alejandro Agresti
Elenco: Julieta Cardinali, Carmen Maura, Jean Pierre Noher, Mex Urtizberea, 
Rodrigo Noya, Alejandro Agresti, Carlos Roffé, Lorenzo Quinteros, Stéfano 
Di Gregorio
Gênero: Drama
Duração: 86 minutos.
133
MÚSICA DO CORAÇÃO: UMA 
METÁFORA PARA O TRABALHO 
SENSÍVEL DE UMA PROFESSORA 
NA ESCOLA REGULAR A PARTIR 
DA EDUCAÇÃO MUSICAL 
Caroline RANIRO
Moniele Rocha de SOUZA 
Considerações iniciais
É fato que a música é parte inerente da existência e surge com 
espontaneidade junto a todas as descobertas da vida. Trata-se de uma 
vivência, de uma compreensão interior e do despertar da força inata 
ao ser humano. A música é uma atividade que compreende a essência 
humana, por meio da intencionalidade do homem na construção de 
“significações na sua relação com o mundo” (PENNA, 2010, p.20).
A inserção da música no processo de formação do indivíduo tem 
sido muito valorizada por algumas sociedadese vem sendo reconhe-
cida no mundo todo como favorecedora do alargamento de inúmeras 
capacidades humanas (JOLY, 2000). Nesse sentido, o trabalho com 
a música na escola, por meio da Educação Musical, tem se mostrado 
de fundamental importância para o desenvolvimento do indivíduo, 
propiciando ao sujeito formas interessantes e agradáveis para serem tra-
balhados aspectos ligados ao desenvolvimento social, cognitivo, motor 
e afetivo. 
134
Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical
Um dos objetivos dessa área é desenvolver o pensamento e a lingua-
gem, a partir de condições dadas ao indivíduo para descobrir os sons 
que o rodeiam e que ele pode criar, conseguindo, através deles, novas 
maneiras de se expressar e se comunicar. Um trabalho que envolva o 
ensino de música pode colaborar no desenvolvimento da linguagem, do 
raciocínio lógico, do desenvolvimento motor, do senso crítico, estético 
e reflexivo e de outros aspectos cognitivos – como também atua na 
determinação, na autoconfiança, na autoestima, na colaboração, na 
comunicação, na motivação e em outros aspectos emocionais e relacio-
nais dos alunos. Segundo Penna (2010), a sensibilidade musical pode 
ser desenvolvida em qualquer indivíduo, pois
[...] não se refere a uma sensibilidade dada, nem razões de vontade 
individual ou de dom inato. Trata-se, na verdade, de uma sensibi-
lidade adquirida, construída num processo muitas vezes não cons-
ciente em que as potencialidades de cada indivíduo (sua capacidade 
de discriminação auditiva, sua emotividade etc.) são trabalhadas e 
preparadas de modo a reagir ao estímulo musical. Se o educador 
acreditar que a questão da sensibilidade é dada de berço, ou que 
em termos de música, “não há nada para aprender, basta escutar”, 
então tornará inútil o seu próprio trabalho. (PENNA, 2010, p.32, 
grifo do autor).
Por acreditarmos que o trabalho com Educação Musical, assim 
como com as demais linguagens artísticas, pode promover uma 
sociedade melhor e mais sensível, é que este texto se propõe a relatar 
reflexões sobre a obra cinematográfica Música do coração (1999) que 
apresenta a história de uma professora de música que, por meio do 
ensino coletivo de violino em uma escola pública de Nova Iorque, 
contribui para a formação musical de seus alunos e, com seu traba-
lho, busca humanizar membros da escola bem como de sua comu-
nidade local. 
Muito embora a narrativa do filme apresente a realidade de uma 
escola da periferia dos Estados Unidos, algumas situações nele retratadas 
são semelhantes às existentes nas escolas de ensino público do Brasil. 
Portanto assistir a uma produção desta natureza nos permite refletir 
sobre as possibilidades de um trabalho mais qualificado, no desenvol-
135
Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza
vimento do processo de ensino e aprendizagem de música também no 
contexto brasileiro.
Um retrato de Música do coração
Música do coração é um filme de 1999, produzido nos Estados 
Unidos, sob direção de Wes Craven e roteiro de Pamela Gray. Foi 
caracterizado como drama, possui 124 minutos de duração e apre-
senta como elenco Meryl Streep, Aidan Quinn, Angela Basset, Kieran 
Culkin, Cloris Leachman, Henry Dinhofer, Michael Angarano, Robert 
Ari, Teddy Coluca, entre outros artistas. 
O drama conta a história de Roberta Guaspari (Meryl Streep) – 
formada em Magistério – que acabou de perder o marido para uma 
amiga e, de volta para casa de sua mãe, não sabe qual é o rumo que sua 
vida vai tomar – ainda com esperança de que o marido volte pra casa. 
Percebe que precisa conseguir um emprego para ajudar com as despe-
sas da casa e com o sustento de seus dois filhos e, por isso, começa a 
trabalhar no comércio local como empacotadora. Neste trabalho acaba 
reencontrando um ex-colega da escola que se tornou escritor, Brian 
Sinclair (Aidan Quinn). Como ele conhecia os talentos de Roberta 
com o violino e ao saber que ela havia se formado professora, Brian 
sugere que ela vá procurar emprego em uma escola pública de Nova 
Iorque, localizada em um bairro de periferia, East Harlem, cuja diretora 
Janet Williams (Angela Basset) já havia sido alvo de um artigo que ele 
escrevera e, portanto, ele poderia indicar Roberta a ela. Os alunos da 
escola passavam por muitas adversidades e a princípio, por uma ques-
tão de experiência profissional, a diretora da escola não quis contratar 
Roberta por acreditar que ela não tinha o perfil necessário à instituição. 
Mas a necessidade de trabalhar prevaleceu, e Roberta, com o apoio de 
seus dois filhos (que aprenderam a tocar violino com a mãe), consegue 
convencer a diretora da escola a lhe dar uma chance – após uma rápida 
apresentação dos meninos que pôde revelar um pouco de seu trabalho. 
Ao iniciar na escola como professora substituta, ela enfrenta resis-
tência de alguns alunos e também de pais, mas como era determinada 
acaba por assumir a frente de um projeto promissor com a comunida-
de. Os alunos vão se envolvendo, tomando gosto pela música e pelo 
violino. Com o tempo, o curso é ampliado e vagas são disputadas em 
136
Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical
sorteios pelos alunos. O projeto de Roberta passa a ter merecido reco-
nhecimento na escola, entre alunos e professores. 
Música na escola: expressão na sala de aula
A música é uma forma de linguagem que faz parte da cultura huma-
na, estando presente em todas as culturas e assumindo em cada grupo 
social inúmeras funções e relações bastante significativas (BRÉSCIA, 
2003). Ela se realiza como expressão artística, por meio da apreciação e/
ou do fazer musical. Penna (2010) salienta que a música se desenvolveu 
historicamente de modo estruturado e organizado. Segundo o autor, 
“[...] sendo uma linguagem artística, culturalmente construída, a músi-
ca – juntamente com seus princípios de organização – é um fenômeno 
histórico e social.” (PENNA, 2010, p.30).
O ensino da música tem sido apontado como fundamental para o 
desenvolvimento de capacidades mentais, físicas e afetivas – de modo 
que atenda globalmente o indivíduo, contribuindo para o desenvol-
vimento pleno deste, em seus aspectos sociais, culturais, cognitivos e 
terapêuticos (JOLY, 2000).
De acordo com Joly (2000), é de extrema importância a presença da 
música no processo educativo pelo desenvolvimento que ela oferece à 
criança. Para Penna (2008, p.44), “[...] ela articula-se à inserção do indi-
víduo em seu meio sociocultural, devendo, portanto, contribuir para 
tornar a sua relação com o ambiente mais significativa e participante”. 
Para Zampronha (2007), a presença da música na escola oportuniza 
a criação de espaços cognitivos, de modo a oferecer aprendizagens, a 
partir da exploração de ambientes e práticas que estimulam a ação, o 
comportamento e a criatividade. Para a autora,
[...] pontuar música e educação é assinalar a necessidade de sua 
prática nas escolas, auxiliar o educando a concretizar sentimentos 
em formas expressivas, favorecer a interpretação de sua posição 
no mundo, possibilitar a compreensão de suas vivências, conferir 
sentido e significado à sua condição de indivíduo e cidadão. Como 
toda comunicação envolve conflito, poder, ideologia e negociação, 
o educando precisa aprender a lidar com esses valores com compe-
tência e autonomia, e aí emerge a potencialidade da música como 
137
Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza
agente mediador, auxiliando-o na construção de um diálogo com 
a realidade. (ZAMPRONHA, 2007, p.130, grifo do autor).
Zampronha (2007) acredita que é de fundamental importância a 
presença do ensino de música na escola, devido a suas características 
e benefícios ao desenvolvimento global da criança. Aspectos que são 
adquiridos por alunos, a partir do ensino de música, podem ser evi-
denciados e apresentar reflexos em outras disciplinas, ou em diversas 
situações internas ou externas à escola. Alémdisso, para Akoschky 
(1998), a Educação Musical cria oportunidades para que crianças e 
jovens reflitam e questionem sobre as condições e os caminhos da arte, 
da cultura e do pensamento humano. Cabe acrescentar que, pelo fato 
de a linguagem musical compor o universo da arte em termos de frui-
ção, apreciação e criação, ela facilita o desenvolvimento da sensibilidade 
e formação humana – assim como pode ser percebido ao longo da 
história de Música do coração. 
No filme, a professora Roberta educa musicalmente grupos de alu-
nos, possibilitando a eles que vivenciem o violino – instrumento agudo 
de cordas friccionadas. Ensinar as crianças de forma coletiva parece para 
Cruvinel (2005) atuar mais na motivação dos alunos do que no ensino 
individual: eles se sentem ainda mais estimulados e rendem mais. Para a 
autora, esse formato oferece possibilidade para que todos os indivíduos 
se desenvolvam musicalmente e considera que todos são capazes. Isso 
desmistifica certos paradigmas como “dom” e “talento”. 
Lino (1999, p.70) concorda e acentua que “[...] todos podem e 
devem fazer música, para que possam desenvolver e ampliar suas pos-
sibilidades musicais”. Além disso, em grupo, os alunos podem compar-
tilhar dificuldades, sucessos e experiências com seus colegas. O papel 
do professor vai ser de mediador e de facilitador que propõe ideias e 
atividades a serem realizadas e construídas em grupo. Se ele é atento 
e sensível, conseguirá visualizar a individualidade de cada aluno, res-
peitando e valorizando a diversidade do grupo – assim como atua a 
personagem Roberta Guaspari. 
As aulas, por serem coletivas, propiciam um maior envolvimento do 
aluno com o instrumento e com o ambiente artístico como um todo. 
Suas experiências se ampliam na medida em que ele as troca com os 
demais integrantes. Assim, neste tipo de prática, os alunos desenvol-
138
Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical
vem habilidades importantes para o fazer musical: percepção auditiva, 
coordenação motora, concentração, memória, raciocínio, agilidade, 
relaxamento e disciplina. Também habilidades fundamentais para a 
vida: cooperação, solidariedade, autoconfiança, autonomia, determina-
ção, colaboração, comunicação, senso crítico, autoestima, entre outras 
coisas que os estarão beneficiando no ambiente escolar e em todos os 
outros contextos em que eles se inserem: família, igreja ou projetos 
sociais, por exemplo. 
De acordo com Penna (2010, p.49), o processo de ensino e apren-
dizagem de música, uma vez que visa a “[...] uma participação mais 
ampla na cultura socialmente produzida, efetua o desenvolvimento dos 
esquemas de percepção, expressão e pensamento [...]” fundamentais 
para a assimilação da linguagem musical. Para a autora, diante disso, 
o indivíduo pode se desenvolver criticamente, por meio dos discursos 
musicais possíveis no ambiente. Nesse contexto, a mesma autora aponta 
que a música torna-se a peça-chave para um processo formativo mais 
abrangente, colaborando para o desenvolvimento social do indivíduo. 
É preciso aprofundar cada vez mais o compromisso com a educação 
básica, pois só assim a educação musical pode de fato pretender o 
reconhecimento de seu valor e de sua necessidade na formação de 
todos os cidadãos. Este é, portanto, o grande desafio. (PENNA, 
2002, p.18).
Diante do exposto, acerca do universo da Educação Musical, apre-
sentamos nossas reflexões a partir da seleção de algumas cenas específi-
cas do filme Música do coração. 
Determinação e confiança para o trabalho com música na escola 
regular
É destaque no filme, em uma de suas cenas iniciais, o momento 
em que a professora Roberta volta à sala da diretora na tentativa de 
convencê-la a mudar de opinião e a contratá-la como professora subs-
tituta da escola. Para tanto, Roberta realiza uma apresentação musical 
com um repertório executado junto aos seus filhos no violino, como 
amostra do resultado de suas aulas oferecidas no instrumento musical às 
139
Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza
duas crianças. É notável, neste trecho do filme, a forma como a música 
tocada pelos três sensibiliza a diretora da escola e a encanta ao mesmo 
tempo, a ponto de fazer com que a mesma mude de opinião sobre as 
aulas de violino na escola. Hummes (2004) utiliza a teoria de Allan 
Merrian, em sua dissertação, para descrever e refletir, à luz do autor, 
sobre as diferentes funções que a música exerce no ser humano. Nesse 
sentido, podemos relacionar tal cena a partir da teoria expressa por 
Hummes (2004), condizente com a função de “expressão emocional”, 
quando a música expressa sentimentos e ideias no comportamento das 
pessoas. Na cena descrita, percebemos claramente essa função da música 
simbolizada na mudança de comportamento e da fala da diretora àres-
peito da prática do ensino de violino na escola, após ouvir os filhos de 
Roberta tocando o instrumento. 
É interessante, também, perceber, nessa cena, a motivação e a visão 
acerca do processo de ensino e aprendizagem musical da professora 
Roberta. A diretora diz que ela pode, sim, ensinar os alunos, mas que 
acha que seria “impossível” que os mesmos aprendessem mediante a 
indisciplina e o fato de não poderem contar com o apoio dos pais para 
o estudo do instrumento musical. Mesmo assim, a professora enfatiza o 
discurso de que a indisciplina não é o problema e que o fato de os pais 
não poderem ajudar os filhos também não constituium problema. Ao 
contrário, ela diz que os próprios alunos poderão ajudar uns aos outros 
no estudo do instrumento. Com isso, a professora mostra sua sensibi-
lidade e perseverança em relação a sua prática. Mostra que, quando as 
aulas são planejadas e quando há a intenção pedagógica de que o ensino 
se concretize, não há meios que possam impedi-lo de realizar-se. 
Nessa mesma parte do filme, é visível o antagonismo entre as visões 
pedagógicas apresentadas pelos dois professores de música que estão 
presentes na sala da diretoria. Um professor titular desconfia da pro-
posta de Roberta e pensa ser impossível que a professora consiga realizar 
um bom trabalho, uma vez que a indisciplina e a falta de interesse dos 
alunos é o maior empecilho. O mesmo professor, ainda, complementa 
seu discurso, dizendo que, desde que está na escola, “o máximo que os 
alunos aprenderam foram as notas dó, ré e mi” e que, com a professora, 
talvez, pudessem chegar a aprender a tocar a nota “fá”. A professora, 
então, discorda da posição adotada pelo professor e diz ser possível aos 
alunos tocar violino e que são muito capazes disso também. 
140
Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical
Para Pizzato e Hentschke (2010, p.46), “[...] tarefas nem muito 
fáceis, nem muito difíceis, mas que exijam esforço, investimento dos 
alunos [...]”, parecem ser de extrema relevância para a motivação na 
aprendizagem musical. Porém, as autoras destacam que atividades com 
o intuito de desafiarem os alunos devem ser coerentes com as capacida-
des percebidas nos alunos. É nesse ponto que a proposta da professora 
Roberta parece fundamentar-se. Não só por essa cena específica como 
em todo o decorrer do filme, notamos que Roberta acredita que, ao ofe-
recer condições que estimulem os alunos a estudar, como, por exemplo, 
emprestar o violino para eles levarem em casa, o processo de ensino e 
de aprendizagem ganha espaço. 
Educação Musical na e para a diversidade
Na cena em que a professora inicia a segunda aula de música com as 
crianças na posição em pé, para se exercitarem no violino, observamos 
que Roberta demonstra sensibilidade e atenção com uma de suas alu-
nas: ela procura adaptar uma maneira para melhor acomodar a criança 
que possui uma deficiência física em uma das pernas.
Segundo Louro (2012, p.6), “[...] nem sempre uma pessoa com 
deficiência necessita de adaptações proporcionadas pela tecnologia assis-
tiva”.Nesse sentido, a ação da professora Roberta com a aluna se torna 
relevante, pois ela soube criar condições para que a estudante pudesse 
tocar o violino sem precisar de um tipo especial de tecnologia para 
tanto. Roberta mostrou-se sensível e competente em perceber e atuar 
nas condições físicas da aluna, tornando possível que a mesma conse-
guisse se desenvolver musicalmente no mesmo espaço da aula junto 
aos demais alunos. Diante disso, Roberta tornou real a aprendizagem 
musical para uma aluna com deficiência física. Essa postura explica-se 
em Louro (2012, p.9) no argumento de que “[...] é absolutamente 
possível transformar o fazer musical em algo concreto para pessoas com 
deficiências. É questão de interesse e informação por parte dos profis-
sionais da área da educação musical”. 
Nesse mesmo contexto, a professora Roberta incentiva sua aluna 
com deficiência física a não desistir do instrumento só porque ela não 
consegue tocá-lo em pé como as outras crianças. A partir disso, a profes-
sora conta-lhe sobre um famoso violinista que também tinha o mesmo 
141
Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza
problema nas pernas que a aluna e que, nem por isso, desistiu de tocar. 
Desse modo, Roberta incentiva a aluna a ficar em pé e a tocar o instru-
mento, mesmo ela não demonstrando conforto para isso. Usa o discur-
so de que a força para o equilíbrio do corpo primeiro vem de dentro de 
nós. Com essa fala, percebe-se que a professora humaniza a aluna, pois 
usa elementos motivadores para aperfeiçoar o aprendizado musical da 
criança e fazê-la persistir em sua atuação junto ao instrumento. 
Há outra cena do filme em que, em uma das aulas, a professora 
percebe que alguns alunos não estudaram o violino em casa, eques-
tiona o motivo com uma aluna, de forma repreensiva. A aluna diz 
não ter estudado devido à avó ter sido assaltada e morta. O olhar da 
professora, na cena em questão, evidencia o ato de humanização entre 
professor e aluno: evidencia-se a urgência da flexibilidade do processo 
de ensino e aprendizagem, a fez repensar em relação às suas exigências 
e sua atenção enquanto professora e, a partir daí, parece que ela passa 
a acompanhar de forma mais atenta e sensível essa aluna e os demais. 
Ao escutar os alunos, o professor abre espaço para compreender como 
o conhecimento deles é construído, assim como suas subjetividades. 
Uma escuta sensível possibilita fortalecer vínculos cognitivos, afetivos 
e sociais essenciais a toda relação estabelecida entre professor e alunos 
(CERQUEIRA, 2006). 
É por isso, que aprender/ensinar só faz sentido para cada um dos 
envolvidos nesse processo se houver uma conexão entre as partes, 
se na sala de aula, [...], for possível sentir o universo afetivo, ima-
ginário e cognitivo do outro para poder compreender de dentro 
suas atitudes, comportamentos e sistema de ideias, de valores, de 
símbolos e de mitos. (CERQUEIRA, 2006, p.33). 
No filme, é possível destacar também a questão étnico-racial na sala 
de aula, apresentada em uma cena em que uma mãe de um aluno negro 
decide retirá-lo das aulas de violino por ser um instrumento musical 
que executa músicas compostas por “brancos”. A professora Roberta, 
no entanto, a princípio, não consegue argumentos que provem o con-
trário perante a decisão da mãe do aluno. Porém, mais tarde, passado 
certo tempo, em outra cena, a professora mostra-se refletindo sobre o 
assunto e torna a falar com a mãe do garoto. Dessa vez, com argumen-
142
Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical
tos convincentes, indicando à mãe que, dessa forma, não o protege 
do mundo, que existem pessoas negras bem sucedidas em esportes de 
“branco” e que o menino não pode ser privado das coisas de que gosta, 
que o satisfaçam e o tornam feliz, como tocar violino. 
Nesse sentido a professora se expressa, dizendo que, quando o meni-
no toca, ele fica radiante e que a mãe do menino deveria ver isso para 
entender o gosto do filho em tocar o instrumento. Argumenta também 
que não se deve olhar com diferença para o que um povo criou, nem 
considerar tal patrimônio cultural apenas pertencente a um determi-
nado grupo. Roberta diz que nada deve interferir na escolha por uma 
atividade que se deseja realizar, seja ela criada por um branco, negro, 
ou não. Essa escolha, para a professora de violino, deve ser feita de 
forma livre e intuitiva: deve-se focar no bem-estar que tocar um ins-
trumento provoca ao espírito de quem se deleita nesta ação. Após isso, 
a mãe reconsidera sua posição de não deixar que o aluno participe 
das aulas de violino e passa, agora, a permitir que o aluno frequente 
as aulas. Notamos que a professora busca criar um ambiente em que 
estudantes de diferentes grupos étnicos e sociais sintam-se valorizados 
e efetivamente possam participar de diferentes experiências educativas 
(PINTO, 1999). 
Um ensino de música para além da técnica instrumental
O enredo do filme nos faz refletir sobre os efeitos da música para 
além da criação de sons e da execução técnica de notas musicais. Fica 
clara a diferença entre o ensino de música apenas como a aprendizagem 
de uma linguagem técnica – para um ensino de música humanizado, 
sensível e que se adapta às necessidades e aos perfis dos educandos. 
O papel representado pelo professor titular de música da escola 
revela um personagem que apenas se atenta à transmissão de técni-
ca pura de instrumento e leitura musical – além da disciplina que a 
música e seu ensino podem oferecer aos alunos. Já Roberta mostra-se 
completamente atenta às formas e sensações oferecidas pela música 
em sua essência. Utiliza e desenvolve a disciplina com seus alunos, por 
meio do ensino técnico da linguagem, mas também não recusa e nem 
resiste a desenvolver a suavidade e leveza que essa mesma proporciona 
aos alunos. E é essa uma das características da sensibilização provocada 
143
Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza
por uma “música do coração”. Sons trabalhados também na delicadeza 
dos movimentos, na troca de olhares entre professora e alunos, na aten-
ção à diversidade dos alunos, considerando suas características físicas e 
sociais, entre outras. 
Mais do que oferecer treinamentos ou desenvolvimento de habili-
dades técnicas, a Educação Musical deve possibilitar a compreensão 
da música e do fazer musical como algo repleto de significações e 
vinculado à vida. (OLIVEIRA, 2011, p.87).
E é exatamente assim, ensinando os alunos a serem melhores na 
música e também na vida, que a protagonista do filme ultrapassa as 
barreiras da sala de aula, contagiando toda a comunidade escolar e 
local – pelo seu envolvimento em prol do desenvolvimento integral de 
seus educandos. 
Porém, apesar do sucesso de Roberta com as aulas de música, depois 
de lecionar por dez anos, o conselho da escola decidiu cancelar a verba 
do projeto. 
De acordo com DeNora (2003), o fazer musical no contexto escolar 
cria relações de identidade e pertencimento social na comunidade a 
qual se propõem. Isso é perceptível na cena do concerto musical que 
encerra a obra, onde toda a comunidade se empenha em arrecadar 
fundos para que o projeto da música na escola siga adiante: professo-
ra, diretora, familiares, músicos profissionais, imprensa e outros. Fica 
evidente que escola e comunidade estavam totalmente envolvidas com 
a questão do ensino da música revelado pelo trabalho da professora e 
pela sua motivação e crença de que os alunos mereciam as aulas também 
para os próximos anos. Completa Oliveira (2011, p.86): “[...] através 
da prática musical, diferentes grupos criam um espaço de legitima-
ção e identidade social, de status e poder de consumo, minimizando a 
exclusão e agregando valor à cultura de grupos, social e culturalmente 
marginalizados”. 
Música na escola regular: o contexto brasileiro
No filme, a professora Roberta Guaspari atua em uma escola regu-
lar situada em East Harlem, bairro periférico de Manhattan, distrito 
144Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical
de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Toda a trama do filme foi pen-
sada para este contexto. Na realidade brasileira, a música passa a ser 
conteúdo obrigatório nas escolas por meio da Lei 11.769/2008 em 
toda Educação Básica; porém, não componente exclusivo do currículo 
escolar (BRASIL, 2008). O prazo-limite para implantação desta Lei era 
agosto de 2011. Para sanar questões que emergiram da lei, a Câmara de 
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou e definiu, 
em dezembro de 2013, as Diretrizes Nacionais para a operacionalização 
do ensino de Música na Educação Básica. Principais aspectos que o 
documento preconiza:
• Atribui às escolas a oferta de atividades musicais para todos os 
seus estudantes. 
• Atribui às escolas que organizem seus quadros de profissionais 
da educação com professores licenciados em Música e não 
exclui a participação de mestres, músicos e outros profissionais 
relacionados à área de Música que, integrados aos professores 
especialistas, possam atuar em conjunto em prol da formação 
musical na escola. 
• Define que, além das aulas de Música, projetos e ações sejam 
desenvolvidos como complemento das atividades letivas. 
• Estabelece que as redes de ensino realizem concursos específicos 
para contratação de licenciados em Música e promovam cursos 
de formação continuada sobre o ensino de Música para profes-
sores da Educação Básica. 
• Indica que sejam viabilizados espaços adequados para realização 
das atividades musicais escolares. 
• Considera importante a oferta de cursos de formação continu-
ada tanto para professores licenciados em Música, quanto para 
pedagogos, uma vez que estes últimos são os profissionais que, 
prioritariamente, atuam como professores únicos na Educação 
Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, incluindo a 
Educação de Jovens e Adultos. Sendo assim, salienta que cabe 
às instituições formadoras de professores incluírem o ensino de 
145
Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza
Música nos currículos dos cursos de Pedagogia (BRASIL, 2013; 
QUEIROZ, 2014). 
O Parecer e o Projeto de Resolução que definem tais Diretrizes ain-
da aguardam homologação pelo Ministro da Educação, mas já podem 
ser considerados um avanço significativo para o campo da Educação 
Musical, pois como afirma Queiroz (2014, p.6): “Fornecem perspecti-
vas para um ensino de música embasado na diversidade de sujeitos, na 
pluralidade cultural, no respeito às diferenças, na igualdade de direitos 
e nos princípios da formação ética e humana.”
Se a Educação Musical no Brasil vem ganhando o espaço que mere-
ce na contribuição para o desenvolvimento integral dos alunos, espe-
ramos que ela seja bem aplicada – a fim de não investirmos somente 
em técnicas e execução de instrumentos, mas que tenhamos professores 
sensíveis, como se mostra Roberta, e que tenham a real intenção de 
formar cidadãos melhores, mais conscientes, mais reflexivos, providos 
de recursos emocionais e intelectuais e aptos a contribuir para uma 
sociedade mais sadia e humana. “Podemos pensar, a partir do exposto, 
que é primordial que os educadores sejam capazes de desenvolver um 
trabalho que esteja diretamente ligado aos contextos sociais e às reali-
dades dos alunos” (OLIVEIRA, 2011, p.87). 
Nesse sentido nós percebemos a necessidade de enfatizar a relevância 
do ensino de Música na escola brasileira como componente curricular 
da Educação Básica, na mesma perspectiva abordada pelo filme com 
relação à presença exclusiva do ensino de Música como disciplina na 
grade da escola regular. A partir disso, destacamos que, apesar de o 
Brasil, atualmente assegurar espaço para o ensino de Música nas escolas 
de Educação Básica, ainda não é satisfatória a efetividade do mesmo, e 
sua presença é bastante reduzida. 
Para não finalizar
A partir de Música do coração, pudemos compreender, como aponta 
Fabris (2008), como o cinema de fato pode ser objeto de estudo produ-
tivo para educação. Consideramos, ainda, que histórias cinematográ-
ficas podem produzir efeitos diferentes, nas diferentes culturas em que 
circulam. Isso significa que as mesmas cenas por nós estudadas podem 
146
Música do Coração: uma metáfora para o trabalho sensível de uma 
professora na escola regular a partir da educação musical
provocar as mesmas ou outras reflexões em outros espectadores. Outras 
cenas do filme as quais não inserimos neste trabalho ainda podem ser 
também alvos de reflexão para aqueles que se propuserem a conhecer 
com mais profundidade esta obra – uma vez que cada produção impri-
me sentidos particulares.
A fim de finalizar as nossas, esperamos que um dia, efetivamente, as 
aulas de Música se tornem uma realidade nas escolas de nosso país. Não 
quaisquer aulas, mas aulas transformadoras que, de fato, sejam conduzi-
das assertivamente por professores que busquem uma formação integral 
para seus alunos. Certamente, isso consolidaria conquistas valiosas para 
o campo da Educação Escolar, sobretudo no que diz respeito a for-
mar pessoas mais humanas e sensíveis. Como dizia Koellreutter (1997, 
p.38): “Como instrumento de libertação, a arte torna-se um meio indis-
pensável de educação, pelo fato de oferecer uma contribuição essencial 
à formação do ambiente humano”. 
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Caroline Raniro e Moniele Rocha de Souza
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FICHA TÉCNICA
FILME
Música do coração
Título Original: The Music of the Heart
Ano: 1999
Produção: Alan Miller, Marianne Maddalena, Stuart M. Besser, Susan Kaplan, 
Walter Scheuer
País: EUA
Idioma: Inglês
Direção: Wes Craven. 
Elenco: Aidan Quinn, Angela Bassett, Cloris Leachman, Gloria Estefan, Jean 
Luke Figueroa, Meryl Streep
Gênero: Drama
Duração: 126 minutos.
149
ACASO E DIVERSIDADE: 
APRENDENDO COM AS 
DIFERENÇAS A PARTIR 
DE UM CONTO CHINÊS
Maria Cristina de Senzi ZANCUL
Alessandra Aparecida VIVEIRO
Ao montarmos o programa para a disciplina Cinema e Escola, ofer-
tada no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade 
de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP, no segundo semestre de 
2012, decidimos incluir um filme argentino. Conversando sobre as 
possibilidades, pensamos, praticamente ao mesmo tempo, em Um conto 
chinês (2011), com a proposta de focalizar a questão da comunicação 
entre as pessoas. Depois da escolha, procuramos, sem sucesso, algum 
artigo que tratasse desse filme. Resolvemos, então, escrever nós mesmas 
um texto que pudesse instigar as discussões com nossos alunos. 
Foi assim que concebemos este material. Consideramos o texto 
incompleto, pois certamente apresenta lacunas. No entanto, vem con-
tribuir com um olhar sobre o filme, diante de inúmeros que podem 
surgir na interação da obra com cada interlocutor. 
Uma vaca cai do céu
Enquanto o filme começa, ouvimos o som de um diálogo, em uma 
língua que não entendemos, e lemos a informação de que a história é 
baseada em fatos reais.
150
Acaso e diversidade: aprendendo com as diferenças a partir de Um conto chinês
Na cena inicial, em meio a uma paisagem muito bonita, em 
Fucheng, na China, vemos um casal, que parece apaixonado, dentro 
de um barco ancorado em um rio. Eles trocam algumas palavras e, 
mesmo sem dublagem ou legendas, percebemos que são de carinho. 
Logo nesse primeiro momento somos alertados para o fato de que 
a compreensão vai além do simples entendimento das palavras pro-
nunciadas.
Envolvidos em uma atmosfera tranquila, o rapaz e a jovem celebram 
seu noivado, quando, de repente, uma vaca cai do céu e atinge, em 
cheio, o barco. O rapaz aparece se debatendo no rio e, depois de um 
corte, a ação é transportada para uma loja de ferragens, na Argentina. 
Aquela primeira cena parece, então, deslocada do que vem a seguir. 
Ficamos em dúvida sobre o que ela representou, mas, como o título 
do filme é Um conto chinês (2011), podemos pensar que aquele seria 
o conto que dá nome ao filme, ou uma fábula, ou outra coisa assim. 
Só no final do filme iremos entender a relação entre o começo e 
tudo o mais que acontece. E entramos na história do mal humorado, 
mas correto Roberto, com sua loja e sua casa cheias de tranqueiras, de 
seu hóspede inesperado e enigmático Jun, e da generosa Mari, uma 
verdadeira especialista em comunicação. 
Um conto chinês é apresentado como uma comédia. No entanto, 
embora o filme tenha trechos que nos fazem rir, é difícil classificá-lo 
como comédia pois nenhum dos aspectos da história que é contada 
pode ser considerado engraçado. Na verdade, o filme traz, de forma 
leve, muitos dramas presentes na vida da maioria das pessoas. Trata de 
perdas, de solidão, de isolamento, de problemas de comunicação, de 
dificuldades de relacionamento, mas também de tentativas de entender 
o outro, de superação de diferenças, de solidariedade, de amor e de 
esperança. O filme fala da diversidade, das diferenças. Mas, com muita 
sensibilidade, mostra também que os maiores obstáculos na interação 
com o outro estão em nós mesmos. 
Apesar do temperamento difícil do personagem e da tragédia a par-
tir da qual a ação se desenrola, o filme é leve e repleto de momentos 
bem humorados.
A questão que percorre o filme é: como duas pessoas tão distintas, 
com padrões culturais, costumes e línguas completamente diferentes 
podem se comunicar? Que características Roberto percebeu em Jun e 
151
Maria Cristina de Senzi Zancul e Alessandra Aparecida Viveiro
que foram capazes de desencadear a preocupação e o sentimento de 
cuidado? O que nos faz tão parecidos em certos aspectos? 
No convívio que se estabelece entre os dois homens, percebemos 
que o diálogo pode ser, muitas vezes, muito difícil e, em outros momen-
tos, incrivelmente simples. Que existem pessoas que se comunicam 
com grande facilidade, enquanto outras são extremamente resistentes 
a qualquer forma de contato que as faça ter de ouvir o outro. Que às 
vezes podemos nos entender melhor com alguém bastante diferente de 
nós, do que com pessoas que falam nossa língua.
No universo lacônico, mas nem por isso ausente de comunicação, 
que se estabelece entre Roberto e Jun, surge Mari, portadora de uma 
capacidade imensa de tentar entender, seja Roberto, seja Jun. Na ver-
dade, em alguns momentos, ela se comunica melhor com Jun, mesmo 
sem compreender ou falar qualquer palavra em chinês, do que com 
Roberto, incapaz de perceber suas expressivas manifestações de afeto.
Solidão, silêncio, a presença do outro e a comunicação
O que essa história “baseada em fatos reais”, que mais parece uma 
fábula, pode nos levar a pensar sobre a comunicação nas relações huma-
nas e, talvez até na escola, de modo particular?
Que analogias podemos fazer, se é que podemos, entre dois adul-
tos, de mundos diferentes, que, por força de circunstâncias, precisam 
conviver no mesmo local e as relações que se estabelecem dentro do 
espaço escolar?
O sistemático Roberto, envolto em lembranças do passado, leva 
uma vida metódica. Mora sozinho e, em sua rotina silenciosa, reproduz 
gestos que organizam seu tempo e seu espaço. Levanta e dorme nos 
mesmos horários, repete os mesmos rituais, todos os dias, no trabalho 
e na vida.
Não dá chances para o imprevisto, nem para um amor ou mesmo 
um sorriso. Tem como lazer o estranho hábito de colecionar reporta-
gens sobre fatos que considera bizarros. Incluem-se, aí, desgraças das 
mais diversas ordens, ocorridas em todos os cantos do mundo. Em 
outros momentos de folga, com o carro estacionado em uma avenida 
conhecida de Buenos Aires, observa aviões que chegam e partem no 
aeroporto. E, num desses dias, é surpreendido por um chinês, arremes-
152
Acaso e diversidade: aprendendo com as diferenças a partir de Um conto chinês
sado para fora do táxi, após ser roubado. Está machucado, desesperado, 
sem dinheiro. 
Jun vem em busca de um tio que não vê há tempos. Perdido em 
meio à cidade desconhecida, passa a contar com o auxílio de Roberto 
na tarefa de localizar o parente. No entanto, Roberto não fala chinês e 
Jun não conhece nada de espanhol. 
Os dois estabelecem, aos poucos, formas de comunicação para alémda linguagem falada. Gestos, olhares, símbolos. Para Roberto, o caos 
se instala pois se vê diante do imprevisto, do novo, que o faz quebrar 
todas as suas rotinas e certezas.
Ter alguém em sua casa o obriga a tentar alguma comunicação e um 
mínimo grau de relacionamento.
Durante o tempo de convivência, observamos tentativas de Roberto 
para se comunicar com Jun. Porém, em certos momentos, embora tente 
fazer-se entender, não parece estar preocupado em “escutar” seu hós-
pede. 
Algumas cenas são marcantes. Em uma delas, Jun, que passara a 
auxiliar Roberto em tarefas da loja e da casa, esbarra e destrói, sem 
querer, uma coleção de pequenos bibelôs que o argentino, ano a ano, 
comprava para a mãe, já falecida. Uma espécie de mausoléu mantido 
por Roberto. De forma simbólica, Jun auxilia Roberto a quebrar amar-
ras que o prendem ao passado.
Uma figura de destaque é Mari. Camponesa, criadora de vacas lei-
teiras e irmã de um vizinho, nutre claramente uma paixão por Roberto, 
alimentada por um rápido envolvimento dos dois no passado. O muro 
que o portenho estabelece com o mundo exterior, no entanto, parece 
impossibilitá-lo de trazer qualquer pessoa para a sua vida. Mas Jun vem 
sem autorização e desequilibra a ordem estabelecida. 
Jun consegue interagir perfeitamente com Mari, como se fossem 
grandes amigos, enquanto Roberto não consegue dialogar e se abrir 
nem mesmo para a pessoa que lhe olha nos olhos de forma apaixona-
da. A língua não é a barreira... Ela está em locais mais profundos, na 
compreensão que se tem do outro e de nós mesmos. 
Ao longo do filme, muitos detalhes se revelam. Roberto é um sobre-
vivente da Guerra das Malvinas que, ao regressar para casa, descobre 
que perdera o pai. Lá, se depara com uma revista que traz, na capa, sua 
imagem estampada com uma arma em punho. Isso o faz acreditar que, 
153
Maria Cristina de Senzi Zancul e Alessandra Aparecida Viveiro
vê-lo em combate, fez o pai sofrer e causou sua morte. Traumatizado e, 
tendo como ponto de partida aquela reportagem sobre a guerra, inicia 
sua coleção de notícias, que reflete, para ele, o que é a vida: absurda e 
bizarra.
Jun também é um sobrevivente... A sua amada morre em um inu-
sitado acidente, quando uma vaca despenca dos céus sobre um barqui-
nho, no momento em que a pediria em casamento. A cena, que nos 
intriga na abertura do filme, ganha sentido ao ser explicada por uma 
das reportagens bizarras que Roberto coleciona. E ambos compreendem 
que estavam ligados antes do “acaso” cruzar seus caminhos.
Quando Jun finalmente consegue reencontrar o tio, deixa Roberto, 
mas este já não é o mesmo que conheceu quando chegou à Argentina. 
Um último recado de Jun fica em um desenho na parede do quintal: 
uma vaca, que remete à sua história, faz Roberto pensar em Mari, a 
camponesa que deixara partir. Naquele momento Roberto entende o 
que Jun quer lhe dizer. Simbolicamente, Jun, pela vivência da dor de 
perder a sua amada, mostra a Roberto que este pode estar deixando 
partir um grande amor. E com essa comunicação definitiva, o final 
do filme nos leva a entender que nada, desde o início, foi acidental no 
encontro entre Roberto e Jun.
Para alguns espectadores Um conto chinês pode mesmo parecer 
uma divertida comédia sem compromisso. Mas, como nos diz Cabrera 
(2006, p.46, grifo do autor), em sua análise sobre uma concepção filo-
sófica de cinema, “[...] não se deve excluir em absoluto o elemento 
“diversão”, enquanto ligado ao impacto sensível (que, ao mesmo tempo 
que espanta ou assusta, também diverte)”.
Para além do filme: a diversidade em sala de aula 
Transpassando as barreiras do filme, Um conto chinês (2011), um 
drama com toques de humor, nos faz rir, emocionar e, sobretudo, pen-
sar. Como professores, quantas vezes as barreiras para o diálogo com 
o outro não estão em nós mesmos? Quantas vezes, mesmo falando a 
mesma língua, não estamos com discursos alheios aos nossos alunos? A 
diversidade de sala de aula, numa profusão de culturas, vivências, expe-
riências, é um espaço profícuo de trocas e aprendizado. No entanto, isso 
só pode ocorrer se houver abertura e diálogo, para além das palavras. 
154
Acaso e diversidade: aprendendo com as diferenças a partir de Um conto chinês
A tendência que temos em buscar causas externas para os proble-
mas – o outro não me entende, o outro não se adapta, o outro não 
quer – pode ser repensada quando olhamos para nós num movimento 
de reconhecer o nosso papel como protagonistas nos processos de inte-
ração: o que posso fazer para estabelecer um diálogo, uma ponte que 
nos una, apesar e em razão das diferenças? 
Esperamos que Jun, assim como fez com Roberto, consiga trazer 
o caos e desestabilizar também um pouco das nossas certezas. Todos 
os dias encontramos “pequenos chineses” em nossas salas de aula, nos 
incitando a derrubar muros e construir pontes. O nosso desafio está 
em superar traumas de experiências ruins vivenciadas anteriormente 
e reconhecer, a cada momento, uma nova oportunidade de interação.
REFERÊNCIAS
CABRERA, J. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. 
Rio de Janeiro: Rocco, 2006. 
UM CONTO chinês. Direção: Sebastián Borensztein. Produção: Pablo Bossi, 
Juan Pablo Buscarini, Gerardo Herrero, Axel Kuschevatzky, Ben Odell. [S.l.: 
s.n.], 2011. 1 DVD (93 min).
FICHA TÉCNICA
FILME
Um conto chinês
Título original: Un cuento chino
Ano: 2011
Produção: Pablo Bossi, Juan Pablo Buscarini, Gerardo Herrero, Axel 
Kuschevatzky, Ben Odell
País: Argentina/ Espanha
Idioma: espanhol
Direção: Sebastián Borensztein
Elenco: Ricardo Darín, Muriel Santa Ana, Javier Pinto, Ignacio Huang, Julia 
Castelló Agulló, Enric Cambray.
Gênero: Comédia Dramática
Duração: 93 minutos.
155
UMA REFLEXÃO A PARTIR 
DOS FILMES ADEUS MENINOS 
E RAPSÓDIA EM AGOSTO
Talita Mazzini LOPES
No presente texto apresentamos uma reflexão a partir de dois fil-
mes, quais sejam, Adeus meninos (1987) e Rapsódia em agosto(1991). 
Inicialmente, fazemos uma breve síntese dos filmes e, posteriormente, 
procuramos estabelecer uma relação entre ambos, ressaltando algumas 
possibilidades de uso no processo educativo. 
Uma breve síntese do filme Adeus meninos
O filme Adeus meninos, de Louis Malle, produzido em 1987 na 
França e na Alemanha, retrata um momento repugnante da história da 
Alemanha e dos países por ela invadidos, qual seja o nazismo.
A história narrada pelo filme se passa em um internato católico, 
localizado em Fontainebleau, na França, na época em que esse país 
havia sido invadido pelos alemães nazistas. Nesse colégio, crianças e 
adolescentes, filhos de burgueses, eram enviados para se protegerem da 
guerra e da violência que estava sendo vivenciada na época. 
Diante desse cenário e tendo como pano de fundo o ambiente 
escolar, Malle narra, com muita dramaticidade e melancolia, algumas 
relações estabelecidas entre os homens como, por exemplo, a amizade 
construída entre dois alunos: Quentin e Bonét, um menino judeu que 
se encontra refugiado no colégio, juntamente com outros dois garotos. 
156
Uma reflexão a partir dos filmes Adeus meninos e Rapsódia em agosto
Além da amizade, Malle mostra, no desenrolar do filme, a raiva e 
a vingança de um garoto, ajudante de cozinha do internato, que sem-
pre era humilhado pelos alunos da escola. No colégio, assim como na 
sociedade, haviam algumas regras a serrem cumpridas. Apesar disso, 
alguns alunos “burlavam” essas regras com o auxílio do ajudante de 
cozinha que, em troca de alimentos, conseguia cigarros para os alunos. 
Um dia esse fato foi descoberto pelos padres, dirigentes do internato, 
que repreenderam o garoto e o expulsaram do colégio. Com raiva e para 
vingar-se dos alunos que sempre o destrataram, o ajudante de cozinha 
denuncia a presença de judeus no colégio interno.
A partir desta denúncia, o exército alemão invade a escola com o 
intuito de prender os judeus e o padre Jean, que acobertava os refu-
giados. 
Conforme podemos observar, embora a escola fosse vista como um 
lugar de proteção,a violência também se faz presente em seu interior 
de várias maneiras. Como bem coloca Rodrigues (2003, p.36),
Brota na forma da corrupção, da traição, da vingança. Emerge do 
gesto traidor de uma criança rejeitada [...]. E mais ainda: a violên-
cia penetra o ambiente protegido também pelo lado de fora, pois 
a qualquer momento a paz interna pode ser esgarçada pela polícia 
vigilante. 
Na cena final do filme e, a meu ver, a mais trágica e melancólica, 
os alunos do internato estão enfileirados quando o exército alemão 
nazista conduz os três judeus e o padre Jean para fora da escola. Nesse 
momento, Bonét recua e lança um olhar triste e desalentador para seu 
companheiro e amigo Quentin, que assiste a essa cena sem nada poder 
fazer. Outro fato marcante nessa cena diz respeito ao padre Jean que, 
ao ser conduzido para fora do colégio, volta e olhando para os alunos 
da escola, diz emocionado: “adeus meninos”.
Uma breve síntese do filme Rapsódia em agosto
O filme Rapsódia em agosto, de Akira Kurosawa, produzido em 1991 
no Japão, retrata um episódio trágico e marcante da história mundial, 
qual seja, o lançamento da bomba atômica a cidade japonesa Nagasaki, 
157
Talita Mazzini Lopes
realizado pelos Estados Unidos, em 06 de agosto de 1945, final da 
Segunda Guerra Mundial. 
Em meio a metáforas e poesias, o filme conta a história de uma 
sobrevivente do ataque nuclear sobre a cidade de Nagasaki, Kane, uma 
senhora de 80 anos, que perdeu seu marido durante o bombardeio.
Com o intuito de abordar as diferenças de valores e culturas do 
Japão antes e pós-guerra, Kurosawa relata as férias de verão em que qua-
tro crianças passaram na companhia de sua avó, Kane, enquanto seus 
pais estavam no Havaí, visitando o irmão rico desta senhora, Suzujiro, 
que estava doente.
Inicialmente, as crianças não se interessam pelos valores e costu-
mes da avó e, inclusive, reclamam da comida preparada pela senhora 
Kane, não se importando com os seus sentimentos. É possível verificar, 
inclusive nas vestimentas das crianças, a influência da cultura norte-
-americana em seus modos de vida. 
Entediados com as férias, os quatro netos tentam convencer a avó a 
aceitar o convite do irmão Suzujiro em ir visitá-lo no Havaí, mas a avó 
reluta e as crianças não compreendem o porquê. Um dia, os netos resol-
vem ir até a escola na qual o avô lecionava e ao chegarem lá, deparam-se 
com um monumento feito em homenagem às crianças mortas pelo 
bombardeio. Nesse momento, os netos da senhora Kane começam a 
compreender os motivos pelos quais a avó não tem interesse em ir para 
o Havaí e começam a se preocupar e se interessar pelo passado e pela 
história vivenciada pela avó.
A senhora Kane conta, então, a pedido dos netos, o episódio da 
bomba atômica, os medos e traumas pelos quais ela, seus irmãos e 
marido passaram, descrevendo com muita emoção os clarões vermelhos 
observados no céu durante o ataque aéreo. 
As quatro crianças, que passaram a respeitar os valores da avó, 
começam a repudiar inclusive os atos de seus pais, que viam no tio 
milionário, Suzujiro, e em seu filho Clark, uma possibilidade de 
ascensão econômica e social. Vale mencionar, que durante a visita 
feita pelos filhos da senhora Kane a seu irmão, eles fizeram questão 
de não mencionar o falecimento de seu pai durante o ataque nuclear, 
para não constranger o tio e o primo norte-americanos e, consequen-
temente, para não perderem a oportunidade de estreitar relações com 
os parentes ricos. 
158
Uma reflexão a partir dos filmes Adeus meninos e Rapsódia em agosto
Clark, ao saber da causa do falecimento de seu tio por meio de uma 
carta escrita pelos netos da senhora Kane, resolve ir até o Japão conhe-
cer sua tia. Tendo como pano de fundo uma noite enluarada, Clark 
pede desculpas à sua tia pela morte de seu marido. Em um momento 
melancólico e grandioso que revela uma virtude humana, o perdão, a 
senhora Kane aperta a mão de seu sobrinho, desculpando-o. 
Após esse episódio, Clark recebe a notícia do falecimento de seu 
pai e, imediatamente, retorna ao Havaí. A senhora Kane, triste pelo 
acontecimento, mostra-se um pouco arrependida pelo fato de não ter 
ido visitar seu irmão e, em um momento de desespero, sai correndo 
em meio a uma forte tempestade, que, por meio dos raios, relâmpagos 
e clarões no céu, remete aos ataques aéreos vivenciados outrora. Diante 
disso, seus filhos e netos também saem correndo para alcançá-la. 
Como bem coloca Yamauti (2005), que faz uma análise crítica do 
filme, 
[...] após a reconciliação entre presente e passado, após a reconci-
liação entre os povos, as três gerações revivem o holocausto nuclear 
de uma forma psicodramática, lavando as suas almas numa forte 
tempestade. As três gerações aparecem na tempestuosa, porém bela, 
dramatização com os seus laços finalmente reatados.
Os temas abordados nos filmes relatados e algumas possibili-
dades de uso na educação 
O filme Adeus meninos (1987), retrata a ideologia nazista que quis 
“extirpar do mundo ocidental sob seu domínio a presença física e moral 
da cultura judaica”. Por ser considerada uma “cultura da submissão e da 
fraqueza”, a cultura judaica era vista, pelos alemães, como responsável 
“pela decadência moral da raça ariana” e, por esse motivo, precisava ser 
eliminada. “Para isso o plano é radical: há de se eliminar fisicamente os 
judeus e seus descendentes” (RODRIGUES, 2003, p.34).
Esse episódio trágico vivenciado pela humanidade durante a 2ª 
Guerra Mundial denuncia o preconceito contra determinadas raças e 
suas culturas, bem como o desejo de dominação do homem sobre o 
próprio homem. 
159
Talita Mazzini Lopes
Segundo Ferry (1994) o homem é o ser da antinatureza que, dife-
rente dos animais programados por um código, por uma regra natural, 
denominada instinto, que governa seus comportamentos, afasta-se de 
suas determinações biológicas e torna-se livre para escolher ou rejeitar. 
Este ato de liberdade, no entanto, é utilizado, muitas vezes, em seu 
próprio prejuízo, uma vez que “[...] os homens dissolutos entregam-se a 
excessos que lhes causam a febre e a morte, porque o espírito corrompe 
os sentidos e a vontade ainda fala quando a natureza se cala” (FERRY, 
1994, p.35).
São exatamente esses excessos, corrompidos pelos sentidos, pela von-
tade e pela ambição humana que tornam possíveis atos de preconceito, 
como o vivenciado pela ideologia nazista, pois como bem coloca Ferry 
(1994, p.35):
O que é, em seu fundo filosófico, o racismo, senão a pretensão de 
encerrar uma categoria dos seres humanos numa definição essencia-
lista? Existiria uma essência do negro, do árabe, do judeu, em fun-
ção da qual eles possuiriam certas características insuperáveis, posto 
que inscritas em seu próprio conceito. É então, senão indiferente, 
pelo menos secundário, que se procure classificar ulteriormente os 
defeitos e as qualidades numa escala hierárquica de raças.
A suposta superioridade de uma raça em relação à outra e o precon-
ceito são temas que, ainda hoje, estão muito presentes em nossa socie-
dade. As partidas de jogos de futebol, em que os torcedores insultam 
os jogadores negros é um bom exemplo disso. Outra barbárie que se 
instaura nos tempos atuais é a homofobia e o preconceito com relação 
aos homossexuais que, muitas vezes, são agredidos fisicamente nas ruas, 
em virtude única e exclusivamente de sua opção sexual. 
Temas como estes podem e devem ser discutidos em sala de 
aula, pois como bem colocam os Parâmetros Curriculares Nacionais 
(PCN), ao tomar para si o objetivo de formar cidadãos críticos e 
participativos, a escola deve abordar conteúdos consonantes com as 
questões sociais de cada momento histórico, cuja aprendizagem e 
assimilação são as consideradas fundamentais para que os educan-
dos possam cumprir seus direitos e deveres. Nesse sentido, de acor-
do com o referido documento, temas como “Pluralidade cultural” e 
160
Uma reflexão a partir dos filmes Adeus meninos e Rapsódia em agosto
“Orientação sexual” devem ser incorporadosaos currículos das áreas 
como temas transversais, já que envolvem “[...] problemáticas sociais 
atuais e urgentes, consideradas de abrangência nacional e até mesmo 
mundial” e que favorecem a compreensão da realidade e a participa-
ção social (BRASIL, 1998, p.65). 
Como podemos observar, o filme em questão pode ser utilizado, em 
sala de aula, não só como uma ferramenta que ilustra um momento 
histórico e trágico da humanidade, mas também como um recurso que 
pode favorecer discussões sobre temas atuais e pertinentes em nossa 
sociedade. 
Ademais, como pondera Rodrigues (2003, p.47), este filme “[...] 
deve ser compreendido como um eloquente discurso contra o esqueci-
mento que aliena os homens de sua responsabilidade no passado e os 
perdoa, previamente, da responsabilidade para com o futuro”. 
O filme Rapsódia em agosto, por sua vez, retrata outro momento 
marcante da humanidade, vivenciado durante a 2ª Guerra Mundial: a 
disputa pelo poder político e econômico e o lançamento das bombas 
atômicas, pelos Estados Unidos, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, 
com o intuito de alcançar essa hegemonia política.
Do mesmo modo como o filme Adeus meninos, o filme Rapsódia em 
agosto denuncia a pretensão humana de dominar o próprio homem. 
Afinal, como argumenta Serres (1991), ao compactuar o contrato pré-
vio que a guerra e o conflito armado impõem, os beligerantes aca-
bam por aceitar toda e qualquer destruição advinda desse combate. 
Destruições essas que dizem respeito tanto as milhões de mortes oca-
sionadas, quanto às destruições materiais, uma vez que, “[...] tanques 
e canhões, aeronaves, equipamentos, transportes e cidades” são total-
mente aniquilados (SERRES, 1991, p.20). 
Nesse sentido, além de discussões acerca da dominação do homem 
sobre o próprio homem, o filme pode suscitar questões sobre a domi-
nação da natureza pelo homem, bem como as consequências dessas 
relações para a nossa sociedade, já que a violência e a guerra vivenciadas 
no passado ainda se fazem presentes atualmente, como bem destaca 
Serres (1991). Segundo o referido autor,
O balanço das perdas infligidas hoje ao mundo equivale ao das 
devastações que uma guerra mundial teria deixado atrás de si. 
161
Talita Mazzini Lopes
Nossas relações econômicas chegam, contínua e lentamente, aos 
mesmos resultados que produziria um conflito curto e global, como 
se a guerra já não mais pertencesse apenas aos militares desde que 
estes a fazem ou a preparam com instrumentos tão científicos quan-
to os que outros utilizam na pesquisa ou na indústria.(SERRES, 
1991, p.44).
O avanço científico, o progresso tecnológico e o atual padrão de 
desenvolvimento econômico, baseado no consumo e no lucro a qual-
quer custo, têm ocasionado não apenas uma crise ambiental, em con-
sequência da degradação dos recursos naturais, mas também uma crise 
social, em virtude da desigualdade, da exclusão, da miséria, da fome e 
da violência gerada. 
Forjamos uma sociedade de extremos e fomos forjados nela. Dados 
das Nações Unidas apontavam, no final da década de 1990, que 
20% da população mundial consumia cerca de 86% dos recursos 
naturais do planeta. De um lado a opulência da riqueza e do con-
sumo, com sua sede insaciável de exploração dos recursos naturais 
a qualquer custo (socioambiental), transformando os recursos em 
bens materiais e descuidando-se dos resíduos do processo e do des-
carte dos produtos consumidos. Do outro, a debilidade da miséria 
com sua insalubridade e um modo de vida sem oportunidades, em 
que só resta a luta pela sobrevivência a qualquer custo (socioam-
biental). Extremos que se juntam na degradação socioambiental 
como resultado historicamente produzido pela sociedade moderna. 
(GUIMARÃES, 2010, p.53).
Vale mencionar que, no que concerne ao aspecto cultural, essa socie-
dade do consumo, representativa do atual modelo de desenvolvimento 
econômico, provoca um processo de massificação cultural, de endeu-
samento da cultura norte-americana, tida como uma cultura moderna, 
única e universal, fato que também pode ser verificado no filme. Esse 
processo elimina a diversidade cultural do planeta, que é vista como 
um entrave ao desenvolvimento econômico e à hegemonia da civili-
zação ocidental industrializada de consumo. Outro ponto merece ser 
ressaltado é a possibilidade de se trabalhar com “[...] os valores induzi-
162
Uma reflexão a partir dos filmes Adeus meninos e Rapsódia em agosto
dos pela sociedade do consumo e a visão de mundo que a conforma” 
(GUIMARÃES, 2010, p.51). 
Assim, além de temas como “Meio Ambiente”, “Trabalho e 
Consumo” que, de acordo com os PCN (BRASIL, 1998), devem ser 
trabalhados nas escolas como temas transversais, a “pluralidade cultural” 
e a questão dos “valores da sociedade” são outros assuntos que também 
podem ser abordados a partir do referido filme. 
Concluindo nossas reflexões, podemos afirmar que tanto o filme 
Adeus meninos, quanto o filme Rapsódia em agosto, relatados neste texto, 
podem se tornar importantes ferramentas didático-pedagógicas para 
auxiliar o trabalho docente no debate de questões sociais atuais e urgen-
tes, que devem ser incorporadas nos currículos das diferentes áreas, 
conforme afirmam os PCN (BRASIL, 1998).
Além disso, a utilização destes filmes em sala de aula pode se 
constituir em mais uma metodologia possível dentro da Educação 
Ambiental, que segundo Reigota (2005, p.10), nada mais é do que 
uma educação política, que “[...] reivindica e prepara os cidadãos para 
exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética 
nas relações sociais e com a natureza”.
REFERÊNCIAS
ADEUS, meninos. Direção: Louis Malle. [S.l.: s.n.], 1987. 1 DVD (110min). 
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares 
nacionais: introdução. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 
Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/web/pcn/05_08_introducao.pdf>. 
Acesso em: 10 ago. 2008.
FERRY, L. A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem. São 
Paulo: Ensaio, 1994. 
GUIMARÃES, M. A formação de educadores ambientais. Campinas: 
Papirus, 2010. 
RAPSÓDIA em agosto. Direção: Akira Kurosawa. Produção: Hisao Kurosawa. 
[S.l.: s.n.], 1991. 1 DVD (98 min). 
REIGOTA, M. O que é educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2005. 
163
Talita Mazzini Lopes
RODRIGUES, N. Adeus, meninos: um discurso contra o esquecimento. In: 
TEIXEIRA, I. A. C.; LOPES, J. S. M. A escola vai ao cinema. 2.ed. Belo 
Horizonte: Autêntica, 2003. p.27-47.
SERRES, M. O contrato natural. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1991. 
YAMAUTI, N. N. Rapsódia em agosto, uma canção pela paz entre os povos. 
Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n.51, ago. 2005. Disponível em: 
<http://www.espacoacademico.com.br/051/51yamauti.htm>. Acesso em: 19 
mar. 2015. Não paginado.
FICHAS TÉCNICAS
FILME
Adeus, meninos
Título original: Au revoir les enfants
Ano: 1987
País: França/Alemanha.
Idioma: Francês
Direção: Louis Malle 
Elenco: Gaspard Manesse, Raphael Fejto, Francine Racette, Stanislas Carre 
de Melberg, Philippe Morier-Genoud.
Gênero: Drama.
Duração: 110minutos.
FILME
Rapsódia em agosto
Título original: Hachigatsu no kyôshikyoku
Ano: 1991
Produção: Hisao Kurosawa
País: Japão
Direção: Akira Kurosawa
Elenco: Choichiro Kawarazaki, Hidekata Yoshioka, Hisashi Igawa, Mieko 
Suzuki, Mitsunori Isaki, Narumi Kayashima, Richard Gere, Sachiko Murase, 
Tomoko Otakara, Toshie Negishi Fumiko Honma e outros.
Gênero: Drama. 
Duração: 98 minutos.
165
UM FILME PARA APRECIAR COM 
OLHOS E ALMA DE ARTISTA
Marta Regina SENE
O cinema é infinito – não se mede. 
Não tem passado nem futuro. 
Cada imagem só existe interligada.
À que a antecedeu e à que a sucede. 
Vinicius de Moraes (2009, p. 319)
O que é um artista? Alguém dotado de grande sensibilidade e que 
expressa sua visão de mundo através da Arte, ou seja, um realizador de 
obras de Arte por meio das múltiplas linguagens possíveis. A obra de 
Arte tratada aqui é o filme O Artista (2011) que faz uma homenagem 
ao universo cinematográficodo cinema mudo. 
O Artista é um filme mudo francês, dirigido e escrito por Michel 
Hazanavicius e estrelado por Jean Dujardin e Bérénice Bejo. Conta a 
história de George Valentin na Hollywood, dos anos 1927 até 1932, 
um ator de cinema mudo que entra em declínio com a chegada do 
cinema falado e de Peppy Miller, uma atriz em ascensão. 
Neste texto, descrevo os principais aspectos do filme e teço alguns 
comentários, regados por contribuições de outros olhares. Comentários 
que demonstram apenas possibilidades de interpretação da imagem em 
movimento que é também um processo de alfabetização visual.
166
Um filme para apreciar com olhos e alma de artista
O auge da fama
O filme começa com o uso de metalinguagem na cena em que 
George Valentin é torturado por cientistas russos que querem arrancar 
informações. Na cadeira de tortura, grita e diz que não falaria nada. 
A cena alterna imagem e legenda do cinema mudo. Os torturadores 
aumentam as descargas elétricas, levando o homem à exaustão. Os 
guardas o levam, o cachorro aparece e vai até ele. Essa primeira cena 
recorda a poética dos filmes do Expressionismo alemão1 e inicia o filme 
O Artista, um filme mudo que homenageia filmes da época do cinema 
mudo e mostra o embate entre tradição e modernidade que já se inicia 
com o fato de sermos parte da plateia, acompanhando um filme dentro 
de outro filme.
George Valentin vai atender às fãs e aos jornalistas ansiosos por 
fotos e depoimentos. No meio do público, está Peppy Miller uma fã e 
pretendente a atriz. Tentando ver melhor o ator, ela derruba a carteira 
e tenta recuperá-la, se esgueira entre seguranças e fãs. Sem notar vai 
parar ao lado de George Valentin. Eles se entreolham por um instante, 
levantam as sobrancelhas e desatam a rir. A plateia vibra, e os fotógrafos 
registram, a moça é irreverente e performática como o artista, e um 
dos fotógrafos registra o beijo que ela dá no rosto do artista. Numa 
época em que os costumes e a moral eram outros, e os beijos não eram 
mostrados no cinema, esse será o único e significativo beijo de todo o 
filme, pois foi o mote inicial do descontentamento da esposa dele que 
culminou na separação e serviu de escada para a ascensão de Peppy 
como atriz. Essa cena lembra a poética das cenas iniciais do clássico 
Cantando na chuva.
George toma café em casa, e a sua esposa lê o jornal na poltro-
na. Fica enciumada com a foto do beijo. Atrás deles há duas estátuas 
brancas, um homem e uma mulher, com traços simples, geométricos e 
estilizados, e insinuam o casal que se formará entre o artista e a moça 
do jornal.
Peppy Miller vai aos Estúdios Kinograph, senta-se ao lado do 
homem com chapéu coco que segura um macaco2 e se mostra no jor-
1 O efeito remete ao filme Metropolis, de Fritz Lang.
2 O macaco é um símbolo do inconsciente com seus aspectos bons e maus. No Oriente está 
associado à sabedoria, agilidade, inteligência e ao desprendimento. Para os povos astecas e 
167
Marta Regina Sene
nal “Quem é essa garota?”. Peppy não se abate pela indiferença do 
homem, mantém-se firme em seu propósito de ser atriz, diferente de 
George Valentin, ao longo do filme, que é influenciado pelas opiniões 
alheias e que aparece ilustrado com os macaquinhos sábios em vários 
momentos. A cena do homem com o macaco me lembrou do filme 
falado A Princesinha, dirigido por Alfonso Cuarón.
George Valentin e Peppy Miller se reencontram nos estúdios edan-
çam sapateado juntos num cenário de nuvens, assim como os per-
sonagens de Debbie Reynolds e Gene Kelly. Valentin faz questão da 
presença dela como parceira para a gravação do filme O Caso do alemão, 
e o produtor acaba consentindo.
Ela vai ao camarim do artista e é surpreendida por ele que lhe dese-
nha uma pinta3 no rosto e diz: “Se quer ser atriz, tem que ter algo que 
as outras não têm”. Na sequência, Peppy aparece numa série de cartazes 
de filmes, recurso do filme A Hora da estrela que mostra sua ascensão 
como atriz.
Orgulho e isolamento, o declínio do artista
George assiste ao teste de som de um filme falado e recusa a moder-
nidade. Em seu camarim, ouve o barulho do copo na superfície, der-
ruba o pincel de se barbear e joga a navalha. Mas seu som é inaudível, 
fala alto contra o espelho e se afasta, assustado com a reflexão sonora, 
derrubando a cadeira. Escuta o telefone, o cachorro, o despertador, vol-
ta ao espelho e tenta gritar, mas não consegue, só ouve os sons irritantes 
e constantes do ambiente. Sai correndo pela porta, escuta seus próprios 
passos, as gargalhadas de um grupo de dançarinas, o vento nas folhas de 
coqueiro, e o barulho de uma pena caindo como se fosse uma grande 
explosão, grita, tapa os ouvidos e acorda do pesadelo.
Essa cena marca a percepção do artista sobre a importância dos sons 
e representa o início da perturbação do seu psiquismo. Ele os percebe, 
mas parece destinado a permanecer mudo e incapaz de se lançar às 
produções do cinema falado. 
maias, seu simbolismo estaria ligado às artes. Na iconografia cristã, representaria a imagem 
do homem degradado pelos vícios da malícia e da luxúria (MACACO, 2014). 
3 A pinta é uma homenagem à atriz Marylin Monroe, uma das mais famosas atrizes de cinema 
do século XX.
168
Um filme para apreciar com olhos e alma de artista
Ao longo do filme, é ridicularizado muitas vezes pela mulher que 
desenha bigodes e óculos parecidos com a figura exótica de Salvador 
Dali4 nas capas e fotos dele. 
Por conta do orgulho, não aceita a mudança do cinema mudo para 
o falado e se lança a uma produção independente. Escreve, produz, 
dirige e atua no filme Lágrimas de amor, mostrado com a alternância de 
holofotes e imagens da gravação e de folhas de cheque sendo assinadas, 
até o momento em que os holofotes se apagam, e o filme está pronto.
Decepciona-se com as declarações de Peppy Miller para a impren-
sa, enquanto janta num restaurante com o chofer Clifton. Ela fala 
que “as pessoas estão cansadas de atores velhos fazendo caretas para 
serem entendidos” (O ARTISTA, 2011). Estão sentados de costas 
um para o outro, um decadente outro em ascensão. Ela faz caras e 
bocas e ri “Que saia o velho e entre o novo. Abram caminho para 
os jovens. É a vida!”. Valentin levanta e lhe diz: “Eu abri o caminho 
para você” (O ARTISTA, 2011). Entra em falência por conta da 
quebra do Mercado de Ações. O cofre e os três macaquinhos, o cego, 
o surdo e o mudo5, aparecem aqui sinalizando sua limitação que 
será retomada ao longo do filme. Seu filme é um fracasso. Na última 
cena, ele afunda na areia movediça. Assim como esse personagem, 
George Valentin é engolido pela areia movediça do orgulho que o 
leva ao fundo do poço e à falência. Peppy chora vendo a cena, como 
a personagem do filme. 
Anônimo entre a multidão, percebe a grande fila para o filme A 
Pinta com Peppy Miller. Em casa, encontra o cartão da esposa rom-
pendo o casamento, ela sugere que ele assista A Pinta. O recado está 
numa foto dele que ela ridicularizou. Close do quadro do retrato dele 
que parece rir pelas suas costas.
A cena em que Peppy vai até sua casa para se desculpar pelo res-
taurante lembra a clássica cena do filme Cantando na chuva, só que ao 
contrário, ela com o guarda-chuva, e ele na porta conversando. 
4 Dali, além das experiências com o Dadaísmo e o Surrealismo, realizou experiências com o 
cinema e, em 1929, colaborou com o cineasta espanhol Luis Buñuel no curta-metragem 
Un Chien Andalou.
5 Os macaquinhos sábios estão no Santuário Toshogu, na cidade de Nikko, Japão. Chamam-se 
Mizaru (o que cobre os olhos- cego), Kikazaru (o que tapa os ouvidos- surdo) e Iwazaru (o 
que tapa a boca- mudo). O provérbio diz: “Não ouça o mal, não fale o mal e não veja o mal.”
169
Marta Regina Sene
O fracasso do filme do artista é relembrado através de um cartaz do 
filme Lágrimas de amor que é pisoteado pelos transeuntes, numa rua 
molhada de chuva. 
O contraste entre o esquecimento de George Valentin e a noto-
riedade de Peppy Miller aparece também na cena que mostra os pés 
delaesticados com um sapato fino de pedrarias brilhantes e na mesma 
posição os pés do artista com o sapato gasto.
Sua decadência é mostrada por cenas de consumo de álcool e a perda 
dos seus pertences. Vende o fraque e os sapatos na loja de penhores. 
Demite o chofer Clifton e pede que fique com o carro como pagamento 
e procure outro emprego. São leiloados seus objetos como os macaqui-
nhos, o busto feminino, a escultura do casal e o retrato dele. 
Razão e emoção em conflito
Após perder tudo, entra em conflito entre a razão e a emoção que 
é demonstrado na cena em que aparece diante de uma mesa de vidro 
bebendo e fumando, a filmagem gira e inverte a posição confundindo 
qual o original e qual o reflexo. Ele despeja a bebida transparente na 
mesa que se espalha e deforma seu reflexo. 
No balcão de um bar, George Valentin bebe e fuma, sua autoconsci-
ência aparece como a miniatura dele vestido de caçador. Está diminuí-
do, o caçador fala e atira contra ele, que ignora. Uma tribo de guerreiros 
africanos avança de encontro ao artista que, na confusão, caí desmaiado 
no chão do bar. O chofer Clifton chega e o leva desacordado para casa. 
A cena mostra um cartaz do filme Anjo da Guarda com Peppy Miller, 
numa metáfora ao cuidado dela com o artista. 
Sozinho e fracassado, George Valentin assiste aos próprios filmes, 
levanta e vê sua sombra refletida na tela branca e diz: “Veja no que 
você se tornou. Você foi estúpido. Você foi orgulhoso.” (O ARTISTA, 
2011). Close da sombra que se retira da tela e o abandona. Ele chama: 
“Hei! Volta aqui, fracassado”, mas ela não retorna. Devaneia a ponto 
de sentir-se abandonado até pela própria sombra. Avança pela sala, 
voltando-se contra o projetor e jogando-o ao chão, destrói as películas, 
o cachorro late para impedi-lo, George olha com orgulho para a des-
truição da sala e ateia fogo aos filmes que se consomem rapidamente. 
Ele se afasta e toma consciência do que fez. O cachorro sai correndo 
170
Um filme para apreciar com olhos e alma de artista
pelas ruas para buscar ajuda. Valentin procura um filme e o salva do 
fogo, abraça a lata e senta a um canto da sala. É salvo pelo cachorro e 
o guarda. Torna-se visível para todos pela tragédia.
Peppy sabe da notícia do incêndio pelos jornais e vai ao hospital 
vê-lo. Vê que ele salvou do fogo o filme em que atuaram juntos. Leva 
George para descansar na casa dela.
Peppy vai ao set de filmagem e convence o produtor a contratar 
George Valentin para o filme Fagulha de amor que consente que ela dê 
o roteiro a ele. O chofer Clifton leva o roteiro para ele que põe o roteiro 
de lado. Clifton o adverte “Cuidado com o orgulho, senhor. A Srta. 
Miller é boa. Acredite.” Valentin fica pensativo, a cena mostra o chofer 
indo para o carro, o artista o observa da janela, e o chofer olha lá de 
baixo para cima, a câmera filma em Plongée e contraplongée 6 parecendo 
sugerir o orgulho e a arrogância do artista. 
Na casa de Peppy, ele descobre um cômodo com seus objetos que 
foram leiloados. Ele retira os lençóis que os cobrem um a um, quando 
descobre a escultura do casal, aparece close do macaquinho cego, em 
seguida mais um lençol jogado e close no macaquinho surdo, e depois 
no macaquinho mudo. Ele descobre o retrato dele que parece rir da 
situação, olha e se afasta, entra um facho de luz, é a revelação, todos 
sabem, menos ele.
Decide partir e deixa o curativo no chão da sala. Na rua, observa o 
antigo fraque na vitrine como se estivesse vestido nele. Um guarda se 
aproxima e fala com ele que não compreende nada. Olha surpreso e 
confuso, a boca do guarda aparece em close falando de modo gentil, o 
artista não diz nada e se afasta, enquanto o guarda fica sem entender.
Peppy retorna trazendo flores, encontra a faixa do curativo e desco-
bre que George partiu. Entra no carro e sai dirigindo pelas ruas. 
6 “Plongée significa mergulhada em francês, é o termo usado para definir um tipo de 
enquadramento em que a câmera filma o objeto de cima para baixo, situando o espectador 
em uma posição mais acima do objeto, vemos a imagem como se estivéssemos mais altos. 
Esse enquadramento produz um efeito de diminuir o objeto, de inferiorizar, pois o situa em 
um plano onde existe algo maior do que ele, que o olha desde cima e dá conta de toda a sua 
dimensão. O contraplongée, é como o nome sugere, o contrário do plano anterior, neste a câmera 
filma o objeto de baixo para cima, situando o espectador abaixo do objeto e o engrandecendona 
tela, isso gera uma sensação de grandiosidade e superioridade do que está sendo filmado em 
relação ao observador” (CINEMA..., 2014). 
171
Marta Regina Sene
George Valentin está no que restou da sua sala, sentado na poltrona, 
com as mãos unidas, e de cada lado da tela aparece uma boca falando, a 
boca do guarda, do produtor, de Peppy e da esposa dele. Leva a mão à 
boca como o macaquinho mudo e chora, as falas parecem de zombaria, 
close em várias bocas, uma de cada vez tomando toda a tela, alternam-
-se bocas femininas e masculinas, elas gargalham, agora o artista está 
com as mãos no ouvido como o macaquinho surdo. Levanta, vai até 
o armário da cozinha e de costas pega uma caixinha preta, a arma. 
Close na arma. Senta em meio à destruição, também está destruído, o 
cachorro puxa a barra da calça dele. Quando a câmera mostra o ponto 
de vista dele, a imagem é desfocada, close nas mãos, close no cachorro, 
close nele segurando a arma na boca, ele chora, aparece na tela a ono-
matopeia “BANG!”. A cena mostra o carro de Peppy batido na árvore. 
O acidente o traz de volta à realidade, justamente o barulho da batida 
salvou sua vida. O som que foi sua ruína com a resistência ao cinema 
falado, agora é a sua redenção. 
“Ah, se me deixasse ajudar George Valentin.” Ele diz: “Impossível, 
Peppy. Sou passado. Ninguém quer me ouvir falar.” Ela chora. Em 
seguida, ri parecendo ter um insight. “Podemos tentar uma coisa. 
Confie em mim.” (O ARTISTA, 2011).
Renascendo das cinzas como fênix
A cena seguinte mostra as craquetes da KinographStudios seguradas 
por vários jovens com a inscrição Sparkle Love. Ele e Peppy aparecem 
dançando sapateado7, num cenário de colunas brancas com um céu 
escuro, mas luminoso de estrelas. É uma homenagem a Fred Astaire e 
Ginger Rogers no filme Never Gone Dance, o cenário da dança é pare-
cido, e a coreografia também. Os dois sapateiam e valsam, correm em 
direção à câmera e aguardam o parecer do diretor. Recomeça a orga-
nização no set de gravação para filmar novamente. Quando o diretor 
diz “gravando” ocorre blackout da tela, começa a música e sobem os 
créditos. O artista reconquista seu espaço e tal qual a fênix renasce das 
cinzas, mas a cena do filme fica por nossa conta. 
7 A dupla Jean Dujardin e Bérénice Bejo ensaiaram as cenas de dança no mesmo estúdio de 
Debbie Reynolds e Gene Kelly.
172
Um filme para apreciar com olhos e alma de artista
Matutando sobre a linguagem do Artista 
No filme, George Valentin é influenciado pelo mal e só enxerga 
aquilo que ele quer. Essa influência do mal é representada muitas 
vezes através do ícone dos macaquinhos sábios. Valentin ouve o mal, 
acha que falam mal dele, mas é incapaz de enxergar o mal que faz a si 
próprio, arruinando sua vida com o orgulho. Pélbart (2004) tem uma 
fala que me faz pensar no drama do personagem George Valentin: “Às 
vezes tenho a impressão de que não sou igual a mim mesmo. Nós cha-
mamos de louco quem está povoado de uma multidão de ideias que 
se alternam ou coexistem, e que são incompatíveis entre si...”Pélbart 
(2004, p.1) menciona que a essa experiência de virar outro Fernando 
Pessoa chamava “outrar” e tornava-se outro para escrever, usando 
favoravelmente.
Considero que, embora O Artista (2011)resgate esses dramas huma-
nos da solidão, amor, sofrimento e da superação, não o faça em um 
modo de clichê. O filme causa sono para muitos que não estão acos-
tumados com filmes artísticos, porque ele pede a desaceleração desse 
processo capitalista no qual estamos inseridos, esse mundodo caos e da 
correria, onde tudo é fugaz. Já desde a primeira cena, somos forçados a 
assistir a um filme mudo e em preto e branco, propondo essa desacele-
ração e a ponte entre o passado e o presente. Foi aclamado pela crítica, 
mas nem sempre pelo grande público, pois muitos o consideram um 
filme enfadonho pela característica de ser um filme mudo. Ganhou os 
principais prêmios do Oscar 2012, incluindo melhor filme, diretor e 
ator. Foi premiado como melhor filme de 2012 também em Cannes, e 
conquistou outros prêmios.
Conforme Canofre (2012), O Artista foi celebrado pela audácia de 
ressuscitar o cinema mudo e o preto e branco, mas também foi alvo 
de críticas por usar a música de Bernard Herrmann do filme Um corpo 
que cai, de Alfred Hitchcock, como parte da trilha do filme de Michel 
Hazanavicius. A atriz Kim Novak, protagonista do filme de Hitchcock, 
declarou publicamente que o filme de Hazanavicius “poderia e deveria 
ter sido capaz de se apoiar sozinho” sem ter de depender da trilha com-
posta por Herrmann para “adicionar mais drama”. O diretor limitou-se 
a responder que seu objetivo era criar uma “carta de amor ao cinema” 
e prestar um tributo à sua história (CANOFRE, 2012).
173
Marta Regina Sene
Essa intenção fica realmente clara em O Artista(2011), na medida 
em que resgata ícones clássicos do cinema, como Cantando na chuva, 
Luzes da ribalta, Nunca dançarei, entre outras. George Valentin é a 
reunião de homenagens à história da velha Hollywood. Seu nome é 
homenagem ao italiano Rodolfo Valentino que foi ícone do cinema dos 
anos 1920, e sua morte repentina, aos 31 anos, ficou marcada como 
a primeira demonstração em massa de histeria de fãs por um ator de 
cinema.
Ainda, segundo Canofre (2012), o bigode e o sorriso canastrão são 
emprestados de Douglas Fairbanks. Também ícone do cinema mudo e 
um dos sócios da UnitedArtists, famoso tanto por seus filmes como por 
sua vida pessoal, acabou se aposentando por não conseguir se encaixar 
no novo cinema. E, conforme Canofre (2012), a referência ultrapassa 
a composição física do “artista”. Quando Valentin, falido, assiste a um 
de seus filmes antigos, Hazanavicius usa imagens originais de um dos 
filmes de Zorro de Fairbanks, substituindo apenas as sequências em 
close up com Dujardin. 
O número final, a ligação entre o cinema velho e o novo, traz os dois 
em um número de jazz, em uma referência a Al Jonson e o filme que 
mudaria os rumos da sétima arte em 1929, mas também as produções 
de Freddie Astaire e Ginger Rogers. Enquanto todo o cinema falava, os 
dois só precisavam sapatear.
Conforme Calhado (2012), a Invenção de Hugo Cabret (pres-
ta uma bela homenagem a Georges Meliés), de Martin Scorsese, 
e O Artista, do francês Michel Hazanavicius, apontam a crise de 
Hollywood com a revolução do digital que barateou e popularizou 
a realização cinematográfica, e a pirataria que ameaça o modelo de 
negócios de Hollywood. O Artista é uma reação a esta crise, buscan-
do nostalgicamente o cinema mudo, a era de ouro de Hollywood e 
o cinema-espetáculo. Em preto e branco, mudo e com inteligente 
uso do som, a obra faz referências a Charles Chaplin, Gene Kelly, 
Rodolfo Valentino, entre outros astros do período. O filme home-
nageia “o artista” na performance de Jean Dujardin e Berenice Bejo 
e aponta que a união entre passado e presente pode ser um novo 
paradigma para o futuro. Os dois filmes defendem que o caminho 
a seguir é aliar o clássico com a tecnologia e resgatar a função do 
cinema de criar sonhos.
174
Um filme para apreciar com olhos e alma de artista
O cachorrinho Uggie8 brilha no filme e colabora para o brilho do 
artista. O figurino de época, os cenários, os recursos de filmagens e a 
bela trilha sonora permitem que os amantes do cinema reconheçam 
referências pontuais. O filme reúne o melhor da gênese do cinema 
americano e é um exercício de metalinguagem e semiótica. Haznavicius 
traz o mundo do cinema dentro do filme, conta a história do persona-
gem George Valentin e do seu universo, a poética do filme não usa os 
efeitos que dominam Hollywood, resgata a nostalgia, a simplicidade e 
o culto ao cinema clássico.
A relação “Cinema e Escola” em O Artista
Uma relação que estabeleço entre esse filme e a educação é que o 
professor não pode dominar-se pelo orgulho e fechar os olhos para o 
futuro, deve unir o clássico ao presente e às necessidades e buscas apon-
tadas pelo futuro, caso contrário pode ser superado e perder seu valor e 
reconhecimento. Como no filme, enquanto a indústria cinematográfica 
evoluía, George Valentin enfrentava a decadência, a falência e o esque-
cimento, dramas que lhe roubaram o equilíbrio, a sanidade e o levaram 
à depressão. Felizmente conheceu a jovem e talentosa Peppy Miller que 
o ajudou na retomada da carreira e no resgate da sua autoestima. O 
professor também é um artista. Precisa estar aberto para o novo e para 
as relações interpessoais, aceitando outros pontos de vista.
O Artista (2011) é um filme que, de certo modo, trata da dificul-
dade de comunicação entre as pessoas. O personagem principal é 
dotado de ostracismo, tem dificuldade de comunicação, mas encontra 
a superação e o amor. Na trama, as tentativas de conversa da esposa 
e o alerta de Clifton dão sinais da necessidade de maior interação e 
comunicação. 
Neste texto, os comentários realizados sobre o filme O Artista (2011) 
enfocaram a relação Cinema como expressão cultural e da comunicação 
entre pessoas. O filme é como a poesia que não se esgota e que, segundo 
Pignatari (2011), “cria modelos de sensibilidade”, quer ser compreen-
dido, quer ser amado.
8 Uggie, o cão da raça Jack Russell Terrier, ganhou o 1º Golden Collar Award em 2012 de 
Melhor Cão em um filme (CINECLICK, 2012).
175
Marta Regina Sene
REFERÊNCIAS
O ARTISTA. Direção: Michel Hazanavicius. Produção: Thomas Langmann, 
Emmanuel Montamat. [S.l.: s.n.], 2011. 1 DVD (100min).
CALHADO, C. A cinéfila [Blog]: manifesto ao cinema espetáculo.2012. 
Disponível em: <http://cyntiacalhado.wordpress.com/tag/rodolfo-valentino>. 
Acesso em: 12 dez. 2014.
CANOFRE, F. O artista (Michel Hazanavicius, 2011). 2012. Disponível em: 
<http://multiplotcinema.com.br/2012/03/o-artista-michel-hazanavicius-2011>. 
Acesso em: 12 dez. 2014.
CINECLICK: tudo sobre cinema. Ficha técnica : O Artista. Disponível em: 
<http://www.cineclick.com.br/o-artista>. Acesso em: 12 dez. 2012. 
CINEMA para aprender e desaprender. Plongée e contra plongée. Disponível 
em: <http://cineadcap.blogspot.com.br/2009/06/plongee-e-contra-plongee.
html>. Acesso em: 12 dez. 2014. Não paginado.
MACACO. In: SIGNIFICADO dos simbolos. Disponível em: <http://www.
significadodossimbolos.com.br/busca.do?simbolo=Macaco>. Acesso em: 
12dez. 2014. 
MORAES, V. Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
PÉLBART, P. P. Poéticas da alteridade. Bordas, São Paulo, n. 0, p.1-7, 2004. 
Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/bordas/issue/view/533/
showToc>. Acesso em: 8 set. 2012. 
PIGNATARI, D. O que é comunicação poética. Cotia: Ateliê, 2011.
176
Um filme para apreciar com olhos e alma de artista
FICHA TÉCNICA
FILME
O Artista
Título original: The Artist
Ano: 2011
Produção: Thomas Langmann, Emmanuel Montamat
País: França/ Bélgica
Direção: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, 
Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Beth Grant, Ed Lauter, Joel Murray, Bitsie 
Tulloch, Ken Davitian, Malcolm McDowell.
Gênero: Drama
Duração: 100 minutos.
177
POR UMA CAPTAÇÃO DO BELO NA 
PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: 
UMA LEITURA KANTIANA DO 
CINEMA EM CONTRAPOSIÇÃO 
À PROPOSTA LOGOPÁTICA
Edson Renato NARDI
Se nos fosse dada a oportunidade de perguntar, a uma pessoa que 
tenha experimentado algumas das principais mudanças tecnológicas 
surgidas a partir do século XX, quais as experiências marcantes que ele 
obteve ao se relacionar com as tecnologias e que carregaria consigo ao 
longo de sua vida, certamente não seria improvável que ele viesse a citar 
umaou outra experiência cinematográfica.
Embora Louis Lumière, um dos pioneiros dessa novidade tecno-
lógica, tenha previsto que “o cinema é uma invenção sem um futuro” 
(LUMIÈRE apud DABEK, 2011, p.30), percebe-se hoje que o cami-
nho talvez seja o de afirmarmos algo inverso, ou seja, o de que não 
podemos imaginar um futuro sem a presença do cinema.
Há de se dizer que o processo de construção da linguagem cinema-
tográfica não foi e não é fácil, passando por altos e baixos, por interpre-
tações e reinterpretações de quais seriam os caminhos a serem seguidos. 
Alguns de seus usos acabaram por ser contestados e criticados, dentre os 
quais a utilização como mecanismo de manipulação e doutrinamento, 
o que se pode perceber, por exemplo, em cenas de O triunfo da vontade 
178
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
(1935), de Leni Reifenstahl, no momento em que o indivíduo se ren-
de às forças das massas nazistas. Em contrapartida, seguindo caminho 
inverso, não há como deixar de citar a ironia bombástica e emancipa-
dora relativa à análise desta mesma massa nazista em O grande ditador 
(1940), inesquecivelmente interpretado pelo sempre original Charles 
Chaplin. 
Diante desses dois exemplos, consideramos oportuno afirmar que, 
em nossa análise, é extremamente difícil ou mesmo impraticável, a pos-
sibilidade de aprisionar a produção cinematográfica nesta ou naquela 
categoria, neste ou naquele juízo de valor, pois uma das características 
que vislumbramos como centrais no cinema é sua eterna capacidade de 
se reinventar, quer como linguagem, quer como proposta ideológica.
Dito isso e tendo como ponto de partida esses elementos brevemen-
te apresentados, é de nossa intenção, neste texto, tratar do cinema. Mais 
do que isso, pretendemos fazê-lo tendo como elemento de interlocu-
ção da obra cinematográfica as contribuições produzidas pela Filosofia. 
Pretendemos, também, realizar um breve exame de abordagens dadas ao 
cinema e, por outro lado, tecer algumas considerações críticas referentes 
a uma dessas abordagens.
Especificamente em relação a nossa opção de escolha pela Filosofia, 
esta já se mostra difícil de início, pois, como bem o sabemos, é na seara 
filosófica que foram dirigidos alguns ataques ao cinema e a suas preten-
sões. E para que o leitor possa vislumbrar alguns desses ataques, nada 
mais justo que apresentar um exemplo manifestado por dois dos prin-
cipais críticos do cinema e tecnologias similares, os filósofos Theodor 
Adorno e Max Horkheimer:
O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. 
A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua 
como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este 
pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percep-
ção quotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a 
perfeição com que suas técnicas duplicam os objectos empíricos, 
mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o 
prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. 
Desde a súbita introdução do filme sonoro, a reprodução mecânica 
pôs-se ao inteiro serviço desse projecto. A vida não deve mais, ten-
179
Edson Renato Nardi
dencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro. Ultrapassando 
de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e 
ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes 
possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fíl-
mica permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados 
exactos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador 
entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade 
[…] São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige, é 
verdade, presteza, dom de observação, conhecimentos específicos, 
mas também de tal sorte que proíbem a actividade intelectual do 
espectador, se ele não quiser perder os factos que desfilam veloz-
mente diante de seus olhos. (ADORNO; HORKHEIMER, 2012, 
p.59-60).
De acordo com os filósofos, o aprisionamento do espectador pela 
obra cinematográfica acabaria por deixá-lo à mercê daquilo que inti-
tulam indústria cultural e, consequentemente, afastado cada vez mais 
de um tema muito caro a eles e à corrente filosófica que representam: 
a possibilidade de emancipação. Embora compreendamos as conside-
rações desses filósofos, advindas, sobretudo, da constatação do poder 
deste meio de comunicação a partir das experiências que vivenciaram 
concretamente na Alemanha nazista, há de se dizer que essas conside-
rações não foram uníssonas, inclusive, no próprio núcleo desta mes-
ma corrente filosófica. Como exemplo citamos as considerações sobre 
o cinema de outro grande representante, o também filósofo Walter 
Benjamim: 
Através do seu efeito de choque, o filme corresponde a essa forma 
de acolhida. Se ele deixa em segundo plano o valor de culto da 
arte, não é apenas porque transforma cada espectador em afi-
cionado, mas porque a atitude desse aficionado não é produ-
to de nenhum esforço de atenção. O público das salas obscuras 
é bem um examinador, porém um examinador que se distrai. 
(BENJAMIN, 1983, p.27).
Gostaríamos de enfatizar essa relação apontada por Benjamin entre 
exame/distração. Nela percebemos que, diferentemente de Adorno, que 
180
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
embora constate características eminentemente lúdicas presentes no 
cinema, Benjamin vai mais além, pois percebe também uma possibilida-
de de ação do sujeito na possibilidade de que venha a realizar um exame 
da obra cinematográfica. Em razão disso, concordamos com Konder 
(1999, p.79), para quem “O público cinematográfico, de acordo com 
a avaliação de Benjamin, era capaz de unir o entretenimento à com-
preensão do sentido crítico dos bons filmes, quer dizer, era capaz de se 
distrair sem deixar de examinar aquilo que lhe estava proporcionando 
distração.”
Do que foi apresentado até agora, adotamos um posicionamento 
fortemente vinculado ao pensamento de Benjamin. Isso porque, embo-
ra não neguemos que a produção cinematográfica possa vir a conduzir 
incautos para o entretenimento anestesiante, ou ainda, domar, por meio 
da sucessão sedutora das imagens, algum resquício de autonomia, por 
outro lado consideramos que ela pode ocasionar uma experiência artís-
tica e cultural que transcende a mera reprodução, com a possibilidade 
de uma ampliação de nossas capacidades reflexivas, podendo ainda pro-
mover uma aesthesis singular e extremamente criativa.
Especificamente em relação a nossa última afirmação, gostaríamos 
de chamar a atenção do leitor para um termo em torno do qual gostarí-
amos de conduzir nossas considerações sobre o cinema, qual seja, “sin-
gularidade”. Este termo, muito caro ao filósofo francês Henri Bérgson, 
nos convida a deixar de lado o exercício aprisionante da linguagem e 
do conceito como elemento perscrutador do mundo e, ao invés disso, 
deixar que o próprio objeto apresente aquilo que é seu, único e, por-
tanto, irrepetível.
Um exemplo que consideramos emblemático da adoção de uma 
postura propensa à captação do singular pode ser percebido em um 
texto produzido por um exímio leitor de Bérgson, o também filósofo 
Jacques Derrida. Em Aporia, obra publicada em 1993, Derrida men-
ciona que a relação que se estabelece diante da singularidade pode ser 
percebida quando nos deparamos com o imigrante, o estranho, isso 
porque:
A singularidade de quem chega, ele ou ela que vem, vir a estar 
onde ele não é esperado, onde se esperava dele ou dela sem esperar 
por ele ou ela, sem esperar, sem saber o que ou quem que esperar, 
181
Edson Renato Nardi
o que ou quem estou esperando – e essa é a hospitalidade em si, 
hospitalidade para o evento. (DERRIDA, 1993, p. 33).
Consideramos importante tal possibilidade, visto que o cinema 
carrega consigo tantas possibilidades artístico-culturaisque na tenta-
tiva de esboçar uma teoria totalizadora a seu respeito ou ainda sobre o 
discurso e a imagem cinematográfica, venha a se tentar aprisionar em 
uma “camisa de força conceitual” aquilo que é inefável, ou muitas vezes, 
obrigar o leitor ou espectador cinematográfico a se moldar dentro de 
diretivas e encaminhamentos que, ao invés de potencializar a absorção e 
interpretação da obra cinematográfica, como que formata as expectati-
vas e mecanismos estéticos e avaliativos utilizados pelo leitor/espectador.
Dito de outro modo, estamos considerando que se nos pautarmos 
por uma abordagem interpretativa do cinema, que estabelece a priori 
as condutas que devemos adotar diante dele, ou ainda o que esperamos 
construir a partir da relação com ele, podemos vir a perder essa possi-
bilidade de captação do singular, de exercitar a hospitalidade diante do 
inesperado e, consequentemente, limitar sobremaneira a experiência 
cinematográfica.
Especificamente em relação a essa primeira possibilidade, ela pode 
ser percebida nas considerações apresentadas por Júlio Cabrera (2006), 
em seu artigo “O cinema pensa: por uma crítica da razão logopática”. 
Por meio desse neologismo, o autor nos leva a pensar que o cinema 
possui um elemento pático (afetivo) que teria sido desconsiderado por 
muitos filósofos e filosofias e que, a partir de alguns filósofos que se 
dedicaram ao elemento pático, deveríamos resgatá-lo enquanto meca-
nismo de diálogo com a linguagem cinematográfica.
Mais além, o autor nos convida a pensar uma abordagem adequa-
da para o cinema, com um viés filosófico e, para tanto, propõe que 
venhamos a “[...] considerar os filmes como formas de pensamentos” 
(CABRERA, 2006, p.19). A relação existente entre o elemento lógico 
discursivo e o elemento pático afetivo presentes no cinema produziu 
aquilo que Cabrera intitula de “conceitos imagem”, os quais seriam 
como se segue: 
[...] o que vou dizer sobre conceitos-imagem é simplesmente uma 
espécie de “encaminhamento” – num sentido heideggeriano –, isto 
182
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
é, um ‘pôr-se a caminho’ em uma determinada direção compreen-
siva, para onde aponta essa caracterização, mas sem querer fechá-la 
nem traçá-la completamente. (CABRERA, 2006, p.21, grifo do 
autor).
Como se percebe, o autor ressalta a importância de exercitar esse 
encaminhamento heideggeriano e assim não nos fecharmos ou o defi-
nirmos completamente, pois haverá sempre outras possibilidades. No 
entanto, na medida em que avança em sua argumentação, ao se dedicar 
a exemplificar por meio de obras cinematográficas o que seria a concre-
tude dessa produção de conceitos imagem, Cabrera nos informa que:
Um filme pode ser considerado o conceito-imagem de uma ou de 
várias noções. Podemos chamar o filme inteiro um macroconceito-
-imagem, que será composto de outros conceitos-imagem meno-
res. Um autor que facilita a compreensão do ‘conceito-imagem’ é 
Griffith, com seu filme Intolerância, pois ele, por meio do título e 
da reflexão filosófica que faz, mediante imagens, sobre a intolerân-
cia, mostrou de que forma um filme inteiro pode ser visto como 
um conceito-imagem desse fenômeno humano chamado “intole-
rância”. (CABRERA, 2006, p.24, grifo da autor).
Do que foi citado, consideramos que há uma mudança sensível ao 
encaminhamento heideggeriano anteriormente proposto, pois, como 
se percebe, ao assistir a uma obra e ao obter um conceito ou macro-
conceito-imagem, acabamos por considerar que a obra cinematográfica 
manifesta conceitos por meio da forma discursiva pática e, consequen-
temente, ainda que o autor houvesse afirmado sua pretensão para o não 
fechamento, isso acaba por acontecer neste e em outros exemplos que 
Cabrera apresenta em seu texto, sobre os quais consideramos desneces-
sário nos alongarmos em exemplificação.
E quais seriam os desdobramentos de tal proposta? Ela nos convida 
a adentrar o espaço cinematográfico e, por meio da relação que criamos 
com a obra a ser analisada logopaticamente, perceber a manifestação 
dos conceitos ou macroconceitos-imagem que se apresentam ao longo 
dessa obra. E assim será possível criar uma espécie de resposta final às 
fórmulas visuais e afetivas que se nos apresentam.
183
Edson Renato Nardi
Esse exercício proposto pelo autor pode muito bem ser percebi-
do em muitas obras de arte que, ao serem construídas, têm como 
característica estrutural principal a necessidade de que o leitor/esteta 
capte este ou aquele conceito presente na referida obra. Consideramos, 
inclusive, que este tem sido um encaminhamento muito presente na 
sociedade contemporânea, qual seja, a obra de arte enquanto repre-
sentação de determinado discurso conceitual ou, para fazer uso das 
denominações apresentadas por Cabrera (2006), do macro-conceito 
propriamente dito.
No entanto, imaginemos que eu e você nos encontremos diante de 
uma obra cinematográfica e, à medida que nos dedicamos a sorvê-la ou 
elucidá-la tal como sugerido pelo autor, percebamos que o encadeamen-
to de imagens, ainda que manifeste claramente uma produção cultural 
humana, apresente certa finalidade, somos incapazes de decifrar o seu 
fim último ou, para fazer uso da proposta de Cabrera, captar o con-
ceito imagem presente em tal obra. Além disso, essa mesma obra toca 
profundamente nossos sentimentos e este sentimento que vivenciamos 
não nos permite, de modo algum, defini-lo em palavras.
Certamente, uma das possibilidades diante dessa relação criada com 
a obra seria, quem sabe, de estranhamento, de uma certa insatisfação, 
quem sabe a percepção de incompletude ou apequenamento do que foi 
proposto pelos autores da obra e a sua manifestação final, isso porque 
esperávamos sair dessa experiência com uma formulação conceitual que 
pudesse exprimir o que adveio dessa experiência.
Por outro lado, embora estejamos desconcertados com essas impres-
sões ou conclusões primeiras, algo presente na obra parece que busca 
nos comunicar algo, ou melhor, vincula-se a elementos que compre-
endemos, mas que somos incapazes de formular em conceitos e, em 
razão disso, nos sentimos como que em conflito. Isso porque, embora 
estejamos tentados a analisar negativamente aquela obra cinematográ-
fica, percebemos algo nela que nos comunica alguma coisa de profun-
do, que toca nossa subjetividade e, a partir daí, emitimos um juízo de 
valor positivo em relação a ela, embora paradoxalmente não consigamos 
expressar as razões que nos levam a emitir tal juízo de valor.
Certamente, o(a) leitor(a) já deve ter passado por situação semelhan-
te. Embora cientes dos riscos de apresentar exemplos cinematográficos, 
considerando que o leitor possa não conhecê-los, recorremos a eles a 
184
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
fim de exemplificar o que afirmamos e, para tanto, iremos nos pautar na 
obra Sonhos, produzida em 1990 pelo diretor japonês Akira Kurosawa.
Fazendo jus ao título do filme, Kurosawa nos convida a adentrar 
o mundo onírico de alguns sonhos que teve ao longo da vida e que 
foram metamorfoseados para o cinema. Oito são os episódios e quere-
mos nos dedicar a analisar dois deles. O primeiro intitula-se “Povoado 
dos moinhos”. Nesse episódio, um viajante chega a uma aldeia, cujo 
ambiente mostra uma proximidade do homem com a natureza e, além 
disso, outra possibilidade de vida humana, na qual inexistem os típicos 
produtos tecnológicos atuais, tais como a energia elétrica ou ainda a 
estrutura urbanística costumeira nas grandes cidades. 
Além disso, no referido episódio, o viajante engendra um diálo-
go com um ancião, que apresenta uma crítica tocante e pungente às 
invenções humanas, visto que elas nos tornam infelizes. Para finalizar, 
o ancião convida o viajante a pensar na possibilidade de que, para a 
obtenção de uma vida plena, bastaria tão somente o exercício de certa 
purezaespiritual e a utilização de água pura e limpa. 
Apresentada essa síntese, se fôssemos questionar o leitor sobre as 
apropriações que realizou sobre este relato ou ainda, caso tenha assistido 
ao filme, quanto a este episódio, certamente obteríamos respostas com 
fortes vinculações ao meio ambiente, à natureza, enfim, um discurso 
que tem composto nossas reflexões na atualidade e que lida, sobretudo, 
com as questões ecológicas e a ação humana.
Mais ainda, se fôssemos solicitar a quem nos lê nesse momento, o 
estabelecimento de conceitos imagem ou macro conceitos, tal como 
proposto por Cabrera (2006), certamente esses elementos ecológicos/
existenciais permeariam as produções a serem apresentadas. 
Consideramos, ainda, que haveria até certa facilidade em lidar com 
essa abordagem, dialogar com ela adequadamente e ver, com tranqui-
lidade, a pretensa profundidade filosófica e artística presente nesse epi-
sódio.
No entanto, vamos agora lidar com outro episódio, presente na 
mesma obra, Sonhos (1990), e neste o caminho anterior não pode ser 
facilmente realizado. Estamos falando do episódio “A Tempestade” 
no qual, logo de imediato, se apresentam quatro pessoas que, pelas 
imagens e sons que se percebem, estão como que no meio de uma 
tempestade. Não há nenhuma introdução à situação dada, o espec-
185
Edson Renato Nardi
tador é transportado diretamente à tempestade e os sons/imagens se 
afiguram com tal dimensão e intensidade que só nos resta ver aquilo 
que se agiganta e ouvir aquilo que amedronta. O próprio tempo sofre 
também uma espécie de deslocamento, isso porque a linearidade tem-
poral, presença constante em nossos diálogos corriqueiros, é trocada 
pela contemplação pura e simples e esta, aparentemente, não tem 
tempo certo, não se sabe direito seu início/fim ou melhor se deve 
existir início e fim. 
Ficamos tentados a querer que esse episódio acabe logo ou mesmo 
a desconsiderá-lo frente à “profundidade” conceitual do episódio ante-
riormente citado; no entanto, algo nele não nos autoriza a realizar tal 
procedimento. É essa singularidade que nos chama a atenção e, ao nos 
dedicarmos a lidar com ela, outra proposta diametralmente oposta à de 
Cabrera (2006) se avizinha. Estamos nos referindo à proposta de apro-
priação do belo apresentada por Immanuel Kant (1995) e esta, como 
veremos, trilha caminho diverso dos propostos pela teoria logopata.
Há de se dizer que, ao formularmos a contraposição de Kant e sua 
análise do belo, de imediato adotamos outro referencial filosófico, e 
este, informado inclusive por Cabrera, não se encaixaria na tradição 
filosófica que Cabrera busca valorizar.
Inicialmente, para problematizarmos o exemplo dado, há de se dizer 
que Kant (1995), em sua obra Acrítica da faculdade do juízo, realiza uma 
distinção interessante a respeito do modo como nos relacionamos com 
os objetos externos e, para que possamos exemplificá-lo, analisemos 
junto um clássico exemplo apresentado pelo filósofo, que é o da relação 
criada entre o sujeito e uma flor. 
Para Kant (1995), se nos relacionamos com esta flor por meio de 
nossas representações cognitivas vinculadas ao uso de nosso entendi-
mento, seremos capazes de realizar considerações sobre sua cor, textura, 
profundidade, tamanho, etc.; no entanto, se formos realizar um julga-
mento sobre a beleza dessa flor, outros elementos são chamados à baila, 
como, por exemplo, os sentimentos de prazer e desprazer. Ora, quando 
nos pomos a julgar sua beleza, deixamos de realizar um julgamento 
lógico e passamos a realizar um julgamento estético.
Além disso, a relação que se cria entre sujeito e objeto, quando nos 
dedicamos a realizar um julgamento de sua beleza, segundo Kant, deixa 
de ser um julgamento objetivo e passa a ser subjetivo. E quando isso 
186
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
ocorre, deixamos de realizar um juízo cognitivo e passamos a realizar 
um juízo estético a respeito desse objeto. 
Do exposto, convidamos o leitor a refletir conosco se é possível 
realizar uma produção conceitual objetiva advinda de uma experiência 
subjetiva, ou seja, se é possível, do sentimento de prazer e desprazer, 
realizar julgamentos lógicos a respeito dessa experiência.
Segundo nossa fundamentação filosófica, isso não é possível. E se 
nos reportarmos a Cabrera (2006), veremos que, embora ele nos afirme 
que o elemento pático está presente na criação das imagens conceito, 
nos exemplos que ele apresenta se afiguram claramente juízos lógicos 
advindos da relação entre sujeito e objeto, e a dimensão subjetiva é 
deixada de lado.
Pensemos juntos nos próprios exemplos apresentados pelo autor, 
como o conceito de intolerância. Para que possamos dizer que o filme 
citado por Cabrera (2006) tenha um macroconceito vinculado à into-
lerância, estamos realizando, a todo momento, julgamentos objetivos 
sobre este fenômeno, ou seja, sobre as várias facetas objetivas de um 
objeto que, somadas e comparadas, nos induz a afirmar que sejam a 
expressão de intolerância. 
Ao fazermos essas primeiras considerações, que buscam resgatar um 
elemento sentimental subjetivo, talvez você se coloque a pensar que elas 
nos encaminham ao tortuoso percurso da subjetividade costumeira, ou 
seja, aquela que remete ao indivíduo atomizado e, consequentemente, 
à impossibilidade de realizar uma análise que não seja parcial, visto 
que cada pessoa possui sua singularidade e, consequentemente, sejamos 
incapazes de emitir qualquer juízo de valor advindo dessa experiência.
Essa possibilidade conclusiva é pertinente e remete a uma máxima 
latina muito interessante, segundo a qual “de gustibus non disputandum 
est”, ou seja, “gosto não se discute”. Tal máxima afirma que as experiên-
cias subjetivas são únicas e pessoais e, consequentemente, não é possível 
realizarmos um julgamento de gosto que tenha pretensões maiores que 
somente remeter a nossa apropriação subjetiva pessoal.
Dito de outro modo, quando nos referimos ao episódio “A 
Tempestade” (SONHOS, 1990), de Kurosawa, que, em nossa análise, 
nos provoca sentimentos em detrimento de conceitos, é-nos impossibi-
litado aventar uma relação de prazer ou desprazer que vá além do pró-
prio indivíduo, ou seja, não é possível afirmar que a referida obra é bela. 
187
Edson Renato Nardi
No entanto, embora sabedores das inúmeras abordagens contem-
porâneas que afirmam a impossibilidade da criação e estabelecimento 
de julgamentos estéticos universais para as questões da subjetividade 
humana, consideramos que as propostas apresentadas por Kant (1995) 
são mais do que nunca atuais. Avaliamos que, por meio delas, pode-se 
abrir uma nova possibilidade de relação com a singularidade presente 
em uma obra cinematográfica, e esta, ao caminhar pelas relações de 
sentimento criadas com este tipo de obra, dá conta de uma faceta extre-
mamente rica das mesmas, isto porque consideramos que algumas obras 
cinematográficas podem vir a exercitar nosso juízo estético de gosto.
E o que seria então esse juízo de gosto? Vejamos como Kant 
(1995, p. 48) elucida tal conceito: 
O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por 
conseguinte não é lógico e sim estético, pelo qual se entende aquilo 
cujo fundamento de determinação não é lógico e sim estético, pelo 
qual se entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode 
ser senão subjetivo.
Mais além, Kant nos informa que, quando realizamos esse juízo de 
gosto, que é “[...] independente de todo interesse. O objeto de uma tal 
complacência chama-se belo” (KANT, 1995, p.55). E o que seria essa 
relação sem interesse? Para Kant (1995), ela é totalmente contemplativa 
e, como tal, não busca proporcionar uma sensação de “agradabilidade” 
ou, ainda, que nos conduza a emitir um juízo de que aquele objeto 
seja bom.
Dessas últimas afirmações, alguns questionamentos certamente 
hão de surgir. Como vimos anteriormente, o belo vincula-se a um 
objeto que gera prazer ou desprazer.No entanto, para Kant, é comum 
nos relacionarmos com o objeto de modo que este nos proporcio-
ne uma sensação do que seria agradável e esta, diferente do prazer 
advindo da relação com o belo, também nos provoca prazer, mas está 
patologicamente vinculado a alguns elementos instintuais, ou seja, 
nos provoca deleite e, como tal, deixa de ser um exercício meramente 
contemplativo.
Para que possa vislumbrar o que seria essa distinção entre o belo 
e o agradável, vejamos novamente outro exemplo cinematográfico e, 
188
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
para isso, citamos o filme Der Himmel über Berlin (Asas do desejo, em 
português). Produzido em 1987 e dirigido pelo aclamado diretor Wim 
Wenders, o filme tem uma cena um tanto quanto emblemática em 
relação à distinção proposta por Kant (1995).
Referimo-nos à cena em que a atriz francesa Solveig Dommartin, no 
papel da trapezista Marion, apresenta seu último espetáculo no circo em 
que atua. Fazendo uso de adereços que indiretamente indicam que ela 
personifica um anjo, Marion põe-se a realizar acrobacias no trapézio e 
o faz de uma forma não usual e interessante, como se pode vislumbrar 
na imagem a seguir.
Figura 5 – Imagem do Filme Asas do Desejo.
Fonte: 50 Anos de Filmes (2015).
Consideramos tal imagem extremamente impactante pois exempli-
fica, como poucas, a distinção proposta por Kant (1995). Inicialmente, 
suponhamos que ao ver tal personagem, sua beleza física venha a seduzir 
algum(a) espectador(a), que passa a ter uma relação de desejo, ou seja, 
o corpo da personagem lhe atrai e desperta nesse espectador desejos 
instintuais básicos, como, por exemplo, os sexuais.
Nessa relação criada, há o desejo pela existência do objeto/pessoa. 
Sua existência poderia satisfazer nossos apetites pessoais e individuais e, 
além disso, somos como que tentados a ver nesta cena uma finalidade 
própria, qual seja, a de provocar aquele que a assiste e, sobretudo em 
razão disso, nossa relação com ela é de interesse.
189
Edson Renato Nardi
Não há como negar que, se isso vier a ocorrer, esta relação criada 
gerará prazer, mas este se vincula ao que Kant (1995) intitula de “pato-
logia”. Tal termo, diferentemente do uso corriqueiro que fazemos dele, 
remeteria a uma espécie de paixão, a uma certa passividade, ou seja, 
advém de nossa natureza básica, sensual, pois somos como que incli-
nados a ela e é onde nosso desejo passa a ser exercitado.
Ora, que meu juízo sobre um objeto, pelo qual o declaro agradá-
vel, expresse um interesse pelo mesmo, já resulta claro do fato que 
mediante sensação ele suscita um desejo de tal objeto, por con-
seguinte a complacência pressupõe não o simples juízo sobre ele, 
mas a referência de sua existência a meu estado, na medida em que 
ele é afetado por um tal objeto. Por isso, do agradável não se diz 
apenas: ele apraz, mas: ele deleita (vergnügt). Não é uma simples 
aprovação que lhe dedico, mas através dele é gerada inclinação. 
(KANT, 1995, p.51-52).
Nesse sentido, o interesse patológico que temos por determinado 
objeto, pessoa ou cena, são interesses que apresentam uma condição 
que, na abordagem kantiana, é anterior ao exercício de nossa razão e 
está a serviço de nossos desejos. Seu exercício manifesta nossa natureza 
egoística, é pessoal e, como tal, varia de indivíduo para indivíduo, ou 
seja, remeteria a um “gosto” pessoal e provocaria na pessoa o sentimento 
de agradável, conforme proposto por Kant (1995).
Por fim, outra relação possível com esta imagem seria a de nos rela-
cionarmos com ela por meio de um conceito, que faria com que con-
cluíssemos que o objeto/cena é bom. Consideramos que esta segunda 
possibilidade tem estreita similaridade com a proposta de Cabrera e, 
em razão disso, vejamos o que seria essa possibilidade.
Tomemos novamente o exemplo dado. E agora, diferentemente da 
situação anterior, imaginemos que o espectador é um atleta ou prati-
cante da arte circense. Nessa condição, este espectador tem uma série 
de fundamentos conceituais que lhe informam como avaliar o desem-
penho de um atleta ou, ainda, o que se espera de um artista do circo 
quando este se põe a apresentar seu desempenho em um trapézio.
Nessa condição, em tese, a apresentação da personagem Marion 
pode vir a lhe provocar certo interesse específico e este seria o de ava-
190
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
liar como a personagem se comporta na execução de sua performance. 
Neste exercício, o espectador irá fazer uso de seus vários instrumentos 
avaliativos adquiridos previamente e, à medida que assim o faz, realiza 
um julgamento da performance apresentada por Marion.
Caso o desempenho seja adequado, isso provavelmente faria com 
que o espectador apreciasse a referida apresentação e, além disso, esta 
apreciação viria a lhe provocar certo prazer, ao perceber a proximidade 
da execução e o que se espera dela a partir do conceito daquilo que seria 
um trapezista, ou seja, o prazer advém da proximidade existente entre o 
objeto e o conceito para se julgar tal objeto. Vejamos o que Kant (1995, 
p.52) menciona a este respeito:
Bom é o que apraz mediante a razão pelo simples conceito. 
Denominamos bom para (o útil) algo que apraz somente como 
meio; outra coisa, porém, que apraz por si mesma denominamos 
bom em si. Em ambos está contido o conceito de um fim, portanto 
a relação da razão ao (pelo menos possível) querer, consequente-
mente uma complacência na existência de um objeto de uma ação, 
isto é, um interesse qualquer. 
Como se percebe, há uma diferença fundamental entre o agradá-
vel e o bom. No primeiro caso, eu não preciso da mediação de um 
conceito para que experimente esta sensação, ou seja, ele é a priori; 
por outro lado, aquilo que é bom, para que o seja, necessariamente 
precisa passar pelo crivo de um conceito de que faço uso para poder 
avaliar o objeto. No entanto, ainda que diferentes, ambos carregam 
um elemento comum, qual seja, o de que “[...] a despeito de toda 
essa diversidade entre o agradável e o bom, ambos concordam em 
que eles sempre estão ligados com interesse ao seu objeto” (KANT, 
1995, p.54).
A partir do que foi dito, certamente o leitor deve estar se pergun-
tando se seria possível uma relação com o objeto/cena que não seja 
agradável ou boa e que, por outro lado, pudesse vir a fazer com que 
experimentássemos a relação com o belo. Embora essa pergunta possa 
acontecer, consideramos que o leitor sabe a resposta, isso porque quer 
seja na relação com um objeto, quer com uma cena ou espetáculo cine-
matográfico, vivenciamos constantemente essa relação.
191
Edson Renato Nardi
Especificamente quanto ao exemplo citado, os espectadores que 
venham a adotar um estado contemplativo, suspendendo a passividade 
patológica de nossos desejos básicos ou ainda de finalidades conceituais 
definidas antecipadamente, vivenciarão um prazer como que suspenso 
no tempo, pois, embora fazendo uso de nossas capacidades cognitivas 
e emotivas, o espetáculo que se apresenta, momentaneamente, exerce 
uma espécie de suspensão de nossas condições humanas corriqueiras.
Essa experiência estética, que, segundo Marques (1995), Kant inti-
tulou de wohlgefallen, se dá por meio do uso de nossas faculdades ima-
ginativas, as quais entrariam em uma espécie de jogo ou, como bem o 
aponta Marques (1995, p.19), “o que sucede é que a imaginação entra, 
segundo as palavras do próprio Kant num jogo, com as outras faculda-
des intelectuais, isto é, a razão e o entendimento”
Como se percebe, essa referência ao jogo existente entre tais capa-
cidades lembra muito aquilo que foi proposto por Cabrera (2006) em 
sua proposta logopata. No entanto, diferentemente da ideia desse autor, 
para Kant (1995), não é possível o estabelecimento de um conceito 
advindo dessa relação e, segundo nossa abordagem, a tentativa de esta-
belecimento de umconceito, conforme vimos anteriormente, aprisio-
na a experiência estética a uma conformidade e, como tal, impede ao 
indivíduo a fruição estética do belo. 
Diante do que foi exposto, consideramo-nos agora em condição de 
encerrarmos este capítulo e, para fazê-lo, gostaríamos de convidar o(a) 
leitor(a) a se aventurar ou, para usar a terminologia kantiana, preparar-
-se para o comprazimento advindo da experiência estética proporcio-
nada pela arte cinematográfica. E, mediante tal convite, esperamos que 
o(a) leitor(a) possa perceber essa experiência tão demasiada e deslum-
bradamente humana de, por meio do livre jogo entre imaginação e 
entendimento, experienciar a beleza manifestada na produção cine-
matográfica.
192
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
REFERÊNCIAS
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Disponível em: <http://www.nre.seed.pr.gov.br/umuarama/arquivos/File/
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ASAS do desejo. Direção: Wim Wenders. Berlim: Road Movies Berlim, 1987.1 
DVD (127 min).
BENJAMIN, W. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade e técnica. 
In: BENJAMIN, W. et al. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 
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CABRERA, J. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. 
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DABEK, R. Jean-Luc Godard: the cinema in doubt. M/C Journal, [s.l.], v.14, 
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DERRIDA, J. Aporias. Stanford: Stanford University Press, 1993.
O GRANDE ditador. Direção: Charles Chaplin. [S.1.: s.n.], 1940. 1 DVD 
(124 min).
KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
1995.
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KONDER, L. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de Janeiro: 
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193
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kantiana: o que nos faz pensar. Cadernos do Departamento de Filosofia da 
PUC-Rio, Rio de Janeiro, n.9, p.19, 1995.
SONHOS. Direção: Akira Kurosawa; Ishirô Honda. Produtor-executivo: 
Steven Spielberg. [S.l.]: Warner Home Vídeo, 1990. 1 DVD (119 min). 
O TRIUNFO da vontade. Direção: Leni Riefensthal. [S.1.: s.n.], 1935. 1 
DVD (110 min).
FICHAS TÉCNICAS
FILME
Asas do Desejo
Título original: Der Himmel über Berlin
Ano: 1987
Produção: Anatole Dauman, Wim Wenders
País: Alemanha
Idioma: Alemão
Direção: Wim Wenders
Elenco: Bruno Ganz, Curt Bois, Nick Cave, Otto Sander, Peter Falk, 
SolveigDommartin
Gênero: Drama
Duração: 127 minutos.
FILME
O grande ditador
Título original: The Great Dictator
Ano: 1940
Produção: Charles Chaplin
País: Estados Unidos
Idioma: Inglês
Direção: Charles Chaplin
Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Jack Oakie, Reginald Gardiner, 
HenryDaniell, Billy Gilbert, Grace Hayle, Maurice Moscovitch, Emma Dunn
Gênero: Comédia
Duração: 124 minutos.
194
Por uma captação do belo na produção cinematográfica: uma leitura 
kantiana do cinema em contraposição à proposta logopática
FILME
Sonhos
Título original: Yume/Dreams
Ano: 1990
Produção: Hisao Kurosawa e Mike Y. Inoue
País: Estados Unidos / Japão
Idioma: Japonês
Direção: Akira Kurosawa
Elenco: Akira Terao, Mitsuko Baisho, Toshie Negishi, Mieko Harada, 
Mitsunori Isaki, Toshihiko Nakano, Yoshitaka Zushi, Hisashi Igawa, Chosuke 
Ikariya, Chishu Ryu, Martin Scorsese.
Gênero: Drama
Duração: 119 minutos.
FILME
O triunfo da vontade
Título original: Triumph des Willens
Ano: 1935
Produção: Leni Riefensthal
País: Alemanha 
Idioma: Alemão
Direção: Leni Riefensthal
Gênero: Documentário
Duração: 110 minutos.
195
ORGANIZADORES E AUTORES
Maria Cristina de Senzi Zancul – Licenciada em Física pela Universidade 
Federal de Minas Gerais, Mestre em Educação pela UFSCar e Doutora 
em Educação pela UNESP de Araraquara. Professora do Departamento 
de Ciências da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação 
Escolar da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP e 
colaboradora do Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino 
de Ciências e Matemática da UNICAMP. 
Denis Domeneghetti Badia  – Licenciado em Música-Licenciatura 
Plena em Educação Artística, Mestre em Ciências da Comunicação 
pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo 
e Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade 
de São Paulo. Professor do Departamento de Ciências da Educação e 
do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de 
Ciências e Letras de Araraquara – UNESP.
Alessandra Aparecida Viveiro – Licenciada em Ciências Exatas pela 
USP/São Carlos, Mestre e Doutora em Educação para a Ciência pela 
UNESP de Bauru. Professora do Departamento de Ensino e Práticas 
Culturais da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação 
Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática da UNICAMP. 
Alexandre Harlei Ferrari – Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais 
e Licenciado em Pedagogia pela Faculdade de Ciências e Letras de 
Araraquara UNESP, Mestre e Doutor em Educação pela UNESP de 
Araraquara. Professor do Programa de Educação Integral da Prefeitura 
do Município de Araraquara/SP.
196
Alexandre Marucci Bastos – Graduado em Administração e Mestre em 
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pelo Centro Universitário 
de Araraquara UNIARA. Doutorando do Programa de Pós-Graduação 
em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – 
UNESP.
Ana Teresa Scanfella – Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação 
Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara UNESP. 
Professora da rede municipal de ensino da cidade de São Carlos/SP, 
exercendo a função de coordenadora pedagógica na Escola Municipal 
de Educação Básica Prof.ª Maria Ermantina Carvalho Tarpani.
Bruna Cury de Barros – Graduada em Pedagogia pela Universidade 
de São Paulo – Campus Ribeirão Preto. Mestranda do Programa de 
Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras 
de Araraquara – UNESP. 
Caroline Raniro – Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação pela 
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara UNESP e Doutoranda em 
Educação pela mesma instituição. É tutora virtual do curso de Educação 
Musical da UAB-UFSCar.
Claudia Ximenez Alves – Graduada em Pedagogia pela UNESP, Mestre 
em Psicologia da Educação pela USP/SP. Doutora em Educação pela 
UNESP de Araraquara. Professora do Centro de Educação Comunicação 
e Artes, Departamento de Educação, da Universidade Estadual de 
Londrina (UEL).
Edson Renato Nardi – Graduado em Filosofia e Educação Física, pelo 
Centro Universitário Claretiano de Batatais, Mestre e Doutorando pelo 
Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de 
Ciências e Letras de Araraquara – UNESP. Professor da rede publica do 
Estado e São Paulo, coordenador da graduação em Filosofia do Centro 
Universitário Claretiano e do curso de Pós Graduação em Ensino de 
Filosofia na mesma instituição. 
197
Marta Regina Sene  – Licenciada em Educação Artística com 
Habilitação em Artes Plásticas pela Faculdade de Arquitetura, Artes e 
Comunicação da UNESP de Bauru. Mestre e Doutoranda em Educação 
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade 
de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP. Professora efetiva de Arte 
da Rede pública do Estado de São Paulo. 
Moniele Rocha de Souza – Licenciada em Música, com ênfase em 
Educação Musical, pela UFSCar e Mestre em Educação Escolar pela 
Faculdade de Ciênciase Letras de Araraquara UNESP. É professora de 
música do Centro de Educação Complementar Fundecitrus de Itápolis 
e professora substituta do Departamento de Metodologia de Ensino 
da UFSCar. 
Miriam Suleiman – Licenciada e Bacharel em Ciências Biológicas pelo 
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio 
Preto UNESP, Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação 
em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – 
UNESP. Docente do SESI (São José do Rio Preto/SP) e do curso de 
Graduação em Pedagogia – UNIESP (São José do Rio Preto). 
Talita Mazzini Lopes – Graduada em Ciências Biológicas pela Faculdade 
de Engenharia de Ilha Solteira – UNESP, Mestre e Doutoranda pelo 
Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de 
Ciências e Letras de Araraquara – UNESP. É professora da rede pública 
do Estado de São Paulo.
198
SOBRE O VOLUME
Série Temas em Educação Escolar
Formato: 14 x 21 cm
Mancha: 10,4 x 17,4 cm
Tipologia: Garamond 11/13,4
Polen bold 90 g/m2 (miolo)
Cartão suprema 250 g/m2 (capa)
Primeira edição: 2015
Para adquirir esta obra:
STAEPE – Seção Técnica de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão
Laboratório Editorial
Rodovia Araraquara-Jaú, km 01
14800-901 – Araraquara
Fone: (16) 3334-6275
E-mail: laboratorioeditorial@fclar.unesp.br
Site: http://www.fclar.unesp.br/laboratorioeditorial

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