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16 - TERAPIA LACANIANA

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DISCIPLINA DA TERAPIA LACANIANA 
 
I- BIOGRAFIA DE J LACAN 
 
Biografia - Jacques Lacan (1901-1981) 
 
Filósofo e psicanalista francês. Suas idéias de fundo estruturalista abalaram o cenário 
psicanalítico da França a partir da década de 1960. 
 
A influência de Lacan, tido como intérprete original da obra de Freud, estendeu-se além 
do campo da psicanálise e fez dele uma das figuras dominantes na vida cultural francesa na 
década de 1970. 
 
Jacques Marie Lacan nasceu em Paris, em 13 de abril de 1901, de família burguesa e 
católica. Formou-se em medicina, especializando-se em psiquiatria, e foi interno de Gaétean 
de Clérambaut, a quem considerava seu único mestre no campo psiquiátrico. Com a tese de 
doutorado La Psychose paranoïaque dans ses rapports avec la personnalité (1932; A 
psicose paranóica em suas relações com a personalidade), mostrou impressionante 
erudição e simpatia pela psicanálise, numa época em que preconceitos obstavam sua 
disseminação na França. 
 
Lacan buscou a companhia dos artistas do surrealismo, atraídos pelo caráter 
revolucionário das teses freudianas. Acompanhou o famoso seminário de Alexandre Kojève 
sobre Hegel e se ligou a intelectuais de ponta do pensamento francês, entre eles Raymond 
Aron, Maurice Merleau-Ponty e Georges Bataille. Em 1934, entrou para a Sociedade 
Psicanalítica de Paris. Em 1936, apresentou num congresso seu trabalho sobre o "estágio 
do espelho". A partir daí, sua história se confunde com a da própria psicanálise. 
 
Conhecedor profundo da obra de Freud, Lacan empreendeu ao mesmo tempo um 
retorno e uma revolução em direção a uma psicanálise que para ele havia perdido o sentido 
original. O retorno visou resgatar os fundamentos psicanalíticos, que para Lacan se 
encontram no próprio conceito de inconsciente. Para empreender sua grande crítica às 
vertentes americana e francesa da psicanálise, cujo tema central é a discussão sobre o 
imaginário, pesquisou a linguagem e deduziu que é ela a condição de existência do 
inconsciente, que só existe no sujeito falante. 
 
Numa retomada crítica dos conceitos saussurianos de "significante" e "significado", 
Lacan afirmou a autonomia do significante e o inseriu na origem simbólica, constituída pela 
linguagem. Afirmou que o significante preexiste ao sujeito e sobrevive a ele, faz do sujeito 
homem ou mulher, traça seu destino e o priva de qualquer relação natural com o mundo. 
 
Lacan não é um autor simples nem fácil. Seus conceitos demandam, além de uma carga 
exaustiva de leitura, uma inversão do pensamento racional e linear a que está habituada a 
cultura ocidental. Em seus Écrits (1966; Escritos) e vinte seminários abordou temas tão 
complexos quanto polêmicos, como a ética da psicanálise, a transferência, o princípio do 
prazer e conceitos fundamentais da psicanálise, entre outros. 
 
Em 1980, dissolveu a Escola Freudiana de Paris, que fundara em 1964, e criou a Escola 
da Causa Freudiana. Lacan faleceu em Paris, em 9 de setembro de 1981. 
©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. 
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Outra Biografia 
 
Nasceu em París em 13 de abril de 1901, sendo um dos quatro filhos de um comerciante 
de vinagres . Durante a primeira guerra mundial, o colegio a que asistia se transformou em 
uma especie de hospital de campanha, e é provavel que esta experiencia tenha arraigado 
nele o desejo futuro de uma carrera médica. No entanto, tambem por aquela época, 
Jacques-Marie era definido por quem o conheceu como altaneiro e distante, incapaz de 
organizar seu tempo e de comportar-se como os demais. 
 
A agitada vida intelectual de sua época, na qual figuras como André Breton, André Gide, 
Jules Romains, James Joyce atraíam cada vez mais sua atenção, é vivida por ele de forma 
tal que rechaça os valores familiares e cristãos nos quais havia sido educado. Em 1929, 
sofre uma profunda decepção pela partida de seu irmão Marc para a Abadia de 
Hautecombe. Havia decidido ordenar-se sacerdote e Jacques, que sempre havia sido seu 
protetor, não havia podido evita-lo. 
 
 
Ao iniciar sua carreira médica, as ideias de Freud estavan ganhando cada vez más 
espaço dentro do pensamento frances. Havia sido criada a revista "Evolution Psichiatrique" 
e havia sido fundada, no mesmo dia em que Lacan fazia sua primeira apresentação como 
médico neurólogo, a SOCIETE PSYCHANALYTIQUE DE PARIS. Por outro lado, a literatura 
tambem havia acolhido com entusiasmo a nova concepção da sexualidade humana que 
provinha da psicanálise. 
 
 
Entre 1927 e 1931 realizou os estudos necesarios para a especialização em psiquiatria. 
Desta época resaltam seus contatos com Henri Ey, Pierre Mâle e outras figuras daquele 
tempo. Tres mestres que deixaram sua influência nelel foram Georges Dumas, Henri Claude 
e G.Clérembault. 
 
Em junho de 1932 começa sua análise com Rudolph Loewenstein, quem por aqueles 
tempos era considerado como o melhor analista didático da SPP. Este único passo de 
Lacan por uma experiência psicanalítica na qual ocupara o lugar de analizando, finalizaria 
abrupta e violentamente seis anos mais tarde. Na realidade, se presume que as razões que 
levaram Lacan a analizar-se com Loewenstein foram mais políticas que científicas, 
transformando-se assim a cura em algo mais parecido a um requisito que sabía 
indispensavel se quisesse ocupar posições de maior nivel dentro da SPP. Em alguma 
ocasião se ocupou de manifestar que, em verdade, Loewenstein não era o suficientemente 
inteligente para analiza-lo. Por seu lado, tampouco Loewenstein se privou de comentar entre 
seus achegados que Lacan era inanalizavel. 
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Logo após algumas relações amorosas vacilantes, em 1934 contrai matrimonio com 
Marie Louise Blondin, que era irmã de um antigo companheiro de estudos de Lacan, que 
este admirava profundamente. Da união nasceram tres filhos: Caroline (1936), Thibaut 
(1938) e Sibylle (1940). A paternidad não afetaria, no entanto, o tempo que dedicava a seus 
trabalhos e a divulgação dos mesmos. 
 
 
Em 1941 se divorcia de M.L.Blondin e se une com Sylvia Bataille, ex-esposa de Georges, 
com quem tem uma filha: Judith Sophie(1941). Curiosamente, o criador do nome do pai, não 
pôde dar seu nome a esta nova filha, por que a lei francesa lhe proibia por não estar 
oficialmente divorciado até então de sua primeira esposa, e a criança foi inscrita como Judith 
Sophie Bataille 
 
 
Em 1934 passa a ser membro aderente da SPP. Assiste ao congresso da ASOCIAÇÃO 
INTERNACIONAL DE PSICANALISE em Marienbad, onde apresenta seu trabalho sobre o 
estágio do espelho (1936). Lacan consegue, finalmente em 1938, ser nomeado titular da 
SPP, depois de exercer pressão para que não se tivera em conta algumas opiniões 
desfavoráveis a sua candidatura, entre elas as de Loewenstein. 
 
Sob o signo de um retorno a Freud, replantou conceitos psicanalíticos através do 
estruturalismo e a linguística, o que marca a influência de Saussure e da antropologia de 
Lévi-Strauss em sua obra. Assim mesmo, foram muito importantes para as 
conceitualizações teóricas que tenha desenvolvido as leituras de Husserl, Nietzche, Hegel e 
Heidegger. Poderia dizer-se que Lacan leu Freud desde uma exterioridade: psiquiatria, 
surrealismo e filosofía. 
 
 
A partir do interesse comum pela obra de Hegel, começa uma amizade com Georges 
Bataille, de quem toma seu interesse por Sade, suas reflexões sobre o impossível e sobre a 
heterología, de onde toma o conceito de "real", concebido primeiro como "resto" e depois 
como "imposível". 
 
 
A concepção lacaniana de inconsciente como estrutura também esta plena da influencia 
da obra de Lévi-Strauss. Por outro lado, os laços que Lacan estabelece com Koyré, Kojève, 
Corbin, Heidegger, Hyppolite, Ricoeur, Althusser e Derrida, mostran que para ele todo 
questionamento do freudismo devia passar por uma interrogação de tipo filosófico. 
 
A notoriedade que lhe proporcionou a frequentação do meio intelectual parisiense havía 
aportadoa Lacan uma pequena clientela privada, porém até 1947 não recibeu demasiados 
pedidos de análises didáticas. Foi o médico pessoal de Picasso. 
 
 
Em 1953 apresenta sua demissão a SPP. As novas formulações que havia introduzido, 
em particular as relativas a prática da cura, fizeram que os setores mais ortodoxos da SPP o 
acusaram de semear a discordia na instituição e a rebelião nos que eram seus alunos. 
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Se une com Lagache para fundar a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP) e durante 
os dez anos que durou a SFP, encontrará em Francoise Dolto, que também se incorpora a 
nova instituição, uma interlocutora que valorava em forma notável. 1953 também assinala o 
começo de seus seminarios públicos. 
 
 
Em 1963 foi expulso da ASOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE PSICANALISE, e um ano 
máis tarde fundou a Escola Freudiana de París, junto a Dolto, Leclaire, Octave e Maud 
Mannoni. Seu objetivo, segundo suas proprias palavras, era a restauração da verdade no 
campo aberto por Freud, denunciando as desviações que obstaculizavan seu progresso. 
Para isto, dizia, estavam habilitados de participar unicamente aqueles que se havían 
formado con ele. O novo grupo esteve composto inicialmente por 134 membros, a maioría 
dos quais havía pertencido a SFP. 
 
 
Paradoxalmente, a razão de sua posterior dissolução talvez haja estado em seu éxito: a 
partir de 1966 começou um processo de massificação incontrolavel, que produziu um 
grande incremento no número de membros, que para 1979 eram ja 609. Isto não era 
precisamente o desejavel para uma instituição que se havía proposto ser uma república das 
elites. Foi neste período que Lacan propôs o passe como nova forma de aceder ao título de 
didático, sustentando aquilo de que o psicoanalista não se autoriza senão em sí mesmo. 
 
Havendo-se ja iniciado sua declinação física e intelectual, em particular logo depois de 
um acidente automobilístico que sofre em 1978, dissolve em 1980 a escola e funda a Causa 
Freudiana, que logo sería a Escola da Causa Freudiana. Nestas últimas dissoluções e 
fundações ja não atua sozinho, senão que seu genro J.A.Miller é quem toma a frente com 
seu consentimento. 
 
Nesses tempos todavia dava alguns seminarios, porém sem a desenvoltura que tanto o 
havia caracterizado e que tão profunda fascinação provocava em seu auditorio. Padecía 
uma patologia vascular muito lenta em sua evolução, porém de origem claramente cerebral. 
Além disso, desde 1980 se lhe havia declarado um câncer de cólon. 
 
 
Faleceu em 9 de setembro de 1981 em París. 
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II- TEORIA LACANIANA 
 
 
Lacan. Teoria do Sujeito. Entre o outro e o grande Outro. 
Apresentação 
 
LIVRO - "A Psicanálise depois de Freud" 
 
 
AUTOR: Bleichmar & Bleichmar 
 
1. Aspectos gerais 
 
Jacques Lacan (1901-1981) formulou uma teoria profunda e complexa que, sob a égide 
do retorno a Freud, redefiniu, sob a perspectiva do estruturalismo e da lingüística, todas as 
categorias psicanalíticas conhecidas, ao mesmo tempo que criou muitas outras. 
 
Discutido e ao mesmo tempo admirado, para alguns o maior depois de Freud, ou até 
mesmo de seu tamanho; desviacionista, fator de retrocesso da psicanálise, para outros, é 
necessário que se passe mais tempo para que esta figura, tão controvertida, adquira seu 
exato lugar na história da evolução da psicanálise. 
 
 
Lacan é um dos grandes pós-freudianos. Procedeu a uma reformulação das próprias 
bases da teoria, da metapsicologia e da clínica. A outra figura equiparável a ele, em 
grandeza, certamente é Melanie Klein. 
 
 
Em princípio, a modificação conceptual proposta por Jacques Lacan deve ser entendida 
no contexto criado pela influência estruturalista na França, principalmente com a lingüística 
de Saussure e com a antropologia de Lévi-Strauss. 
 
 
Obra erudita, difícil de compreender, obscura em suas formulações, com linguagem 
alusiva, cheia de jogos de palavras, gongorismo estilístico, pedantismo intelectual, desprezo 
a toda formulação próxima da sua, exceto algumas exceções momentâneas; é tudo isto ao 
mesmo tempo e em graus diferentes, segundo o texto que considerarmos. O leitor se 
encontra diante de um verdadeiro desafio para compreender e assimilar os enfoques 
lacanianos. 
 
Nas páginas que se seguem, não procuraremos dar uma visão completa das idéias de 
Lacan, mas descrever os vetores principais em que sua teoria se desenvolve. Pretendemos 
fazer uma ordenação conceptual que ilustre, panoramicamente, aquilo que, em nossa 
opinião, Lacan fornece. 
 
 
Comecemos por destacar que estamos em presença de um discurso, para usar uma 
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palavra grata a Lacan, resultante de uma interação entre dois enfoques diferentes: o 
filosófico e o psicanalítico. Neste sentido, Lacan é completamente original. Devemos 
recordar que, na França, diferentemente do resto do mundo, é comum que os psicanalistas 
também tenham formação filosófica e médica. Lacan escreve em termos psicanalíticos, 
filosóficos, antropológicos e lingüísticos; sua reflexão sobre o sujeito, quiçá uma das 
temáticas principais, orienta-se em todas estas direções. É oportuno recordar que Freud 
contribuiu em problemas vinculados à cultura, de uma forma um tanto colateral. Apesar 
disso, esses estudos tiveram grandes implicações. 
 
 
Mesmo que a discussão de problemas filosóficos e antropológicos interesse a um 
grande número de psicanalistas, não constituem temas que tenham preocupado, 
centralmente, a totalidade do movimento psicanalítico. O psicanalista de formação 
tradicional, que em geral provém da medicina e da psiquiatria, tem, portanto, uma 
dificuldade inicial para se confrontar com a obra de Lacan. O tipo de linguagem que 
emprega o surpreende, propõe-lhe obstáculos e até pode lhe causar desagrado. 
 
Pelo contrário, muitos dos seguidores de Lacan são filósofos ou provêm das ciências 
humanísticas, não médicas, motivo pelo qual a linguagem lacaniana lhes é mais acessível. 
 
Freud usou, para suas teorias, modelos biológicos como o do neurônio e o da evolução 
de Darwin. Lacan, por seu turno, valeu-se da lingüística de Saussure, da antropologia de 
Lévi-Strauss e da dialética de Hegel (relação com o semelhante, dialética do desejo e do 
olhar). 
 
Todavia, a lingüística, em Lacan, é muito mais do que um modelo aplicado à resolução 
de certos problemas ou à exemplificação de uma idéia. Está incorporada de maneira 
constitutiva à teoria lacaniana. O inconsciente se estrutura como linguagem e existe porque 
há linguagem ou convenção significante, como Lacan gosta de chamá-la, em um sentido 
muito amplo. O desejo do ser humano desliza, incessantemente, de um objeto para outro, 
seguindo o caminho que a linguagem lhe indica, com sua organização de deslocamento 
sintagmático ou metonímico. A reformulação que Lacan obtém, ao introduzir a lingüística na 
psicanálise como elemento fundamental, é muito radical; a linguagem determina o sentido, 
engendrando as estruturas da mente. 
 
 
Toda a metapsicologia se modifica, assim como a clínica. Os termos utilizados por 
Lacan: pulsão, desejo, libido, pulsão de morte, para citar somente alguns, adquirem outro 
significado no conjunto de sua teoria. Isto nos Faz pensar (problema que examinaremos 
com mais vagar na parte de comentários) que se trata de um desenvolvimento psicanalítico 
original e não de um retorno a Freud, pelo menos não à estrutura da teoria psicanalítica tal 
como Freud a pensava. Concordamos que se sustenta no espírito freudiano, mas não nas 
concepções clássicas da psicanálise. Não pensamos que a teoria de Lacan, nem a de 
Melanie Klein, possam ser consideradas como simples desenvolvimentos do legado de 
Freud. 
 
A discussão das hipóteses de Lacan, como as dos demais autores estudados neste 
livro, interessa-nos no plano das idéias e das concepções teóricas. Os problemas do 
movimento, políticos ou de ambições pessoais, não serão levados em consideração. 
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2. Definição de alguns termoslingüísticos 
 
 
Como a lingüística na obra de Lacan tem o papel decisivo que mencionamos, antes de 
entrar no assunto, impõe-se uma breve revisão dos conceitos lingüísticos fundamentais. 
Deste modo será mais fácil, depois, acompanhar os desenvolvimentos lacanianos. 
Começaremos, necessariamente, por uma menção de Saussure. 
 
 
No momento em que a figura de Saussure emerge, na lingüística européia, as correntes 
em voga realizavam estudos de tipo comparativo e histórico. A língua era comparada a um 
organismo vivo, cujas origens e evolução deviam ser elucidadas. Este era o tipo de tarefa 
que os gramáticos comparativistas e os neo-gramáticos realizavam. Apesar de ter feito parte 
do movimento neo-gramático, Saussure decidiu separar-se desse grupo, propondo que se 
suspendesse toda investigação lingüÍstica até que fossem revisa= das as premissas gerais 
desta ciência. A isso dedicou os cursos que ministrou em Genebra, entre 1906 e 1911. 
 
Assim surgiu uma nova corrente na lingüística, claramente estruturalista; esta é uma 
perspectiva teórica que, segundo veremos mais adiante, também abriu novos rumos em 
outras disciplinas, como é o caso da antropologia. 
 
 
A primeira pergunta a que Saussure procurou responder foi a relativa ao objeto de 
estudo da lingüística, que ficou definido como "o conjunto de manifestações da linguagem 
humana, sem nenhuma restrição; isto implica todas as línguas, todos os períodos da 
história, todas as formas de expressão" (Fuchs e Le Goffic, 1975, p. 15). Portanto, o objeto 
de estudo do lingüista é a língua em sua estrutura mais geral. 
 
 
A perspectiva saussuriana é eminentemente dualista. A linguagem é, ao mesmo tempo, 
um fato individual e social; é um sistema estabelecido e em evolução, é uma associação de 
sons e idéias. 
 
 
A primeira das oposições que acabamos de mencionar, correspondem, respectivamente, 
os conceitos de fala e língua. A fala é um fenômeno individual. A língua o é, em nível social. 
Fuchs e Le Goffic pensam que a oposição entre língua e fala pode ser interpretada pelo 
menos em três sentidos: 
 
 
- como a correspondente aos códigos universais, em contraposição aos códigos 
particulares; 
- como oposição entre o aspecto virtual da linguagem (conjunto de elementos e suas 
possíveis combinações) e sua atualização (combinações que efetivamente têm lugar); 
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- como a resultante do contraste entre o código universal, dentro de uma comunidade 
lingüística, e o ato livre de utilização deste código pelos sujeitos. 
 
 
Se, agora, considerarmos a relação da linguagem com o eixo temporal, podemos ver 
que surge outra dualidade: sincronia versus diacronia. A língua é, em um sentido sincrônico, 
um sistema de relações entre signos lingüísticos. Estes permanecem unidos através de 
certas leis de associação e cada um ocupa um lugar na estrutura, que o define e o distingue, 
simultaneamente, dos demais signos. Porém, Saussure adverte que este sistema não 
permanece estático. O enfoque diacrônico se interessa pelas mudanças que a estrutura 
sofre com o transcorrer do tempo. 
 
 
No último parágrafo, introduzimos um conceito ao qual é necessário dedicar algumas 
linhas: o signo lingüístico. Saussure propõe que a língua seja composta de unidades 
discretas, descontínuas, que estabelecem uma combinação. As unidades também se 
definem a partir de uma dualidade: som/idéia. Em seu Cours de Línguístique Générale, diz: 
"O papel característico da língua, diante do pensamento, não é o de criar um meio fônico 
material para a expressão das idéias, mas o de servir de intermediário entre o pensamento e 
o som, em condições tais que sua união leve, necessariamente, a delineamentos recíprocos 
de unidades" (Saussure, 1915 p. 192). A unidade fundamental da linguagem é o signo, que 
é composto de uma imagem acústica ou significante, e um significado ou conceito. 
Notemos, no entanto, que o significante é incorpóreo. Embora seja suscetível de se tornar 
sensível, não é requerida sua presença física para que entre na categoria de significante. O 
que o caracteriza é a diferença que há entre sua imagem acústica (que pode potencialmente 
se tornar sensível) e todas as demais imagens acústicas do sistema. 
 
 
O significado é aquilo a que o significante se refere. Ducrot e Todorov (1972, p. 122) 
explicam que o significado é o que está ausente na parte sensível do signo. 
 
Entre significado e significante existe um equilíbrio impossível de romper: um não existe 
sem o outro. O significante não existe sem o significado, é apenas um objeto. O significado, 
por sua vez, sem o auxílio do significante, é impensável, indizível é o inexistente. 
 
A aliança entre significado e significante, como acabamos de ver, é indissolúvel. Mas é 
arbitrária. Não há nada em um que remeta, de maneira específica, ao outro. Prova disso é o 
fatõ de que significados iguais se associam em línguas diferentes, com diferentes 
significantes (exemplo: mãe, mother etc.). Portanto, a única forma de explicar um signo é em 
relação com os demais signos do sistema e não com a relação recíproca de significante- 
significado. Esta idéia foi formulada por Saussure (1915, pp. 130-133) com sua teoria da 
arbitrariedade do signo lingüístico. 
 
 
Saussure outorga ao signo lingüístico outra característica especial: seu valor. Assim 
como uma moeda, cada signo vale em relação aos demais signos da estrutura (ibid. pp. 
192-202). Tem, com eles, uma relação fixa e, além disso, é intercambiável. O signo cumpre, 
assim, duas premissas básicas: a) como designa algo que Ihe é alheio, tem poder de 
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mudança e b) seu poder significativo depende das relações estabelecidas com os outros 
elementos do sistema. 
 
 
Saussure destacou o fato de que há dois tipos de ordenamentos dos signos: a 
concatenação e a substituição de um signo por outro. A partir destes conceitos, Jakobson 
(1963) distinguiu, dentro da linguagem, os termos relacionados, por semelhança, com os 
associados por contigüidade. Um exemplo dos primeiros seria "fogo" e "paixão"; em troca, 
um conceito contíguo a fogo poderia ser "calor". A substituição de um significante por outro, 
na base de uma relação de similitude, constitui a metáfora. Se, em compensação, um 
significante for substituído por outro que tenha, com o primeiro. uma relação de 
contigüidade, estar-se-á efetuando uma metonímia. 
 
 
O processo metafórico é criador de sentido. Se dissermos, referindo-nos a um homem: 
"atirou-se sobre seu inimigo como um lobo", estamos ampliando o sentido da frase, criando, 
assim, um novo significado para o conceito de "homem", que o associa, neste exemplo, à 
ferocidade e à brutalidade. 
 
 
Na metonímia, como já dissemos, um significante substitui outro, associado por 
contigüidade. Este seria o exemplo da substituição do termo "psicanálise" pela palavra 
"divã". Neste caso, não há criação de sentido. No processo, nem um nem outro significante 
sofre modificações no que se refere à sua significação. Se, na frase, "aproximou-se do 
fogo", substituirmos o último termo por "calor", não mudamos o sentido geral do que 
quisemos dizer. 
 
A obra de Lacan hierarquizou os conceitos lingüísticos que acabamos de expor, ao se 
servir deles para a elaboração e formalização de sua teoria. Sobre os processos metafóricos 
e metonímicos, Lacan constrói sua tese de que o inconsciente se estrutura como linguagem. 
Também o lapsus, os atos falhos, os sonhos e os sintomas, em suma, todas as formações 
do inconsciente, surgem como resultado das substituições metafóricas ou metonímicas de 
um ou mais significantes por outros, vinculados aos originais por diferentes tipos de 
relações. 
 
Esta tese fundamental leva Lacan a prestar especial atenção à organização da 
linguagem; dela extrai numerosos conceitos que, depois, aplicará ao conhecimento do 
objeto psicanalítico por excelência: o inconsciente. 
 
 
 
3. Narcisismo. Papel do outro(a) na constituição do sujeitoNo Congresso Psicanalítico Internacional de 1936, Lacan abriu uma nova perspectiva, 
com o trabalho que depois se converteria em um clássico e que, em 1949, assumiu sua 
versão definitiva: posteriormente, foi incluído em seus Ecrits de 1966. Referimo-nos, 
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evidentemente, a "Le stade du miroir comme formateur de la fonction du Je telle qu'elle nous 
est revélée dans l'expérience psychanalytique". 
 
 
Lacan parte de um fato observado na psicologia comparada: o bebê, ao redor dos seis 
meses, reage jubilosamente diante da percepção de sua própria imagem refletida no 
espelho. Esta reação contrasta com a indiferença que outros mamíferos demonstram ante 
seu reflexo especular. 
 
 
A que se deve esta resposta? Que conseqüências tem no desenvolvimento psíquico do 
ser humano? Em torno destas perguntas, o autor desenvolve uma teoria sobre o narcisismo 
e a identificação primordial. 
 
 
Em nossa opinião, este tema constitui uma das contribuições mais destacadas da teoria 
lacaniana, pois encara o estudo do fenômeno narcisista de uma perspectiva original. Em sua 
formulação se conjugam, de maneira ajustada, fatos de observação clínica, 
conceptualizações de nível teórico e um modo muito profundo de entender as relações do 
homem, não somente com a mãe, mas também com o contexto cultural em que vive. 
 
Lacan pensa que o ser humano tem uma representação fantasmática do corpo, na qual 
este aparece fragmentado. A imago de seu esquema corporal fragmentado continua a se 
expressar durante a vida adulta nos sonhos, delírios e processos alucinatórios. Concebe seu 
corpo como quebrado ou sujeito a se partir em pedaços. Sinal de imaturidade? De 
prematuridade? Resultado das vivências relacionadas à incoordenação motora, própria dos 
primeiros meses de vida? Imago arcaica compartilhada por todos os homens, em todas as 
culturas? Mito? Lacan recorre a todas estas explicações, em diferentes momentos, para 
explicar um fato de inquestionável verificação clínica. 
 
 
A imagem de seu próprio corpo, refletida no espelho, surpreende o lactente, pois se vê 
esculpido em uma gestalt que nada mais é do que uma imagem antecipatória da 
coordenação e integridade que não possui naquele momento. "O fato de que sua imagem 
especular seja assumida, jubilosamente, pelo ser ainda mergulhado na impotência motora e 
na dependência da lactância, em que está o homenzinho, nesse estágio infans, parecer- 
nos-á, portanto, que manifesta, em sua situação exemplar, a matriz simbólica na qual o 
Eu(je) se precipita, em uma forma primordial, antes de se objetivar na dialética da 
identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de 
sujeito" (1949, p. 87). "É que a forma total do corpo, graças à qual o sujeito se adianta, em 
um espelhismo, à maturação de seu poder, não lhe é dada senão como Gestalt, isto é, em 
uma exterioridade onde, sem dúvida, esta forma é mais constituinte do que constituída, mas 
onde, principalmente, tudo lhe aparece em um relevo de estatura que a coagula e sob uma 
simetria que a inverte, em oposição à turbulência de movimentos com que se experimenta a 
si mesmo, animando-a" (Ibid., pp. 87-88) (1). 
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Nesta identificação com uma imago que não é mais do que a promessa daquilo que virá 
a ser, há uma falácia: o sujeito se identifica com algo que não é. Na verdade, acredita ser o 
que o espelho ou, digamo-lo logo, o olhar da mãe lhe reflete. Identifica-se com um fantasma; 
usando o termo lacaniano, com um imaginário. Desde muito cedo, o homem fica preso a 
uma ilusão, da qual procurará se aproximar pelo resto de sua vida. Ser um herói, ser 
Superman ou o Cavaleiro Solitário, ser um gênio, não são mais do que versões do processo 
imaginário. Portanto, vemos que o estágio do espelho não é apenas um momento do 
desenvolvimento do ser humano. É uma estrutura, um modelo de vínculo que operará 
durante toda a vida. No seio da teoria lacaniana, é conceptualizado como um dos três 
registros que definem o sujeito: o registro imaginário. 
 
 
"Porém, o ponto importante é que esta forma situa a instância do eu, ainda antes de sua 
determinação social, em uma linha de ficção, irredutível, para sempre, pelo próprio 
indivíduo; ou então, que só assintoticamente tocará o devir do sujeito, seja qual for o êxito 
das sínteses dialéticas por meio das quais tem de resolver, enquanto eu (je), sua 
discordância a respeito de sua própria realidade" (ibid., p. 87). 
 
 
Somente pelo fato de viver com outros homens, os seres humanos ficam presos, 
irreversivelmente, em um jogo de identificações que os impelem a repetir aquela relação 
com a imago antecipatória. Quando uma mulher diz a seu filho: "és a criança mais linda do 
mundo", o está introduzindo nesta dialética, da qual a criança, futuro adulto, jamais poderá 
escapar. A introdução do registro simbólico, através da problemática edípica, atenuará ou 
modificará estas imagos especulares, mas nunca conseguirá acabar com elas. 
 
O Eu assim constituído é, para a teoria lacaniana, o ego ideal, diferente do ideal do ego. 
O ego ideal é uma imago antecipatória prévia, o que não somos mas queremos ser. Imagem 
mítica, narcisista, cujo alcance persegue o homem incessantemente. A estátua, o uniforme, 
o herói são significantes com que o ser humano substitui aquela ilusória assimetria primitiva. 
O ideal do ego, pelo contrário, surge da inclusão do sujeito no registro simbólico. Por ser 
impossível se tornar esse personagem lendário, poderoso, perfeito, o indivíduo aceita fazer 
parte de uma estrutura, da qual é perpetuador. Seu papel é transmitir a lei. E apenas um elo 
da cadeia: o homem entregará a seus_filhos o nome (e as normas) que, por seu turno, 
recebeu de seu pai, que as recebeu de seu próprio genitor, e assim sucessivamente. 
 
Portanto, o ingresso na conflitiva edípica constitui o grande desafio às ilusões narcisistas 
forjadas no estágio do espelho. Mas estas marcam, de maneira definitiva, o que sucederá 
no Édipo. Assim, o ego ideal e o ideal do ego estão em permanente luta e interação. 
 
Para Lacan, o complexo de Édipo se desenvolve em três momentos, dos quais o estágio 
do espelho constitui o primeiro. O devir psíquico transcorre desde a identificação narcisista, 
na ordem imaginária, até a identificação simbólica com a Lei do pai, ao concluir o Édipo. 
Entre estes dois pontos, situa-se o momento em que a relação diádica com a mãe marca a 
criança, definindo sua identificação com o outro, ou melhor, com o desejo do outro. No 
estágio do espelho, a criança se identifica com uma imago antecipatória de si mesma. Em 
um segundo momento, fá-lo com o desejo da mãe. Finalmente, ao assumir a castração e 
compreender que nem seu pai nem ela mesma são o falo, que somente podem transmiti-lo 
de geração em geração, ingressará na ordem simbólica, aceitará a lei. Este último passo 
constituiria o que, tradicionalmente é denominado de "dissolução do complexo de Édipo", 
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embora, na realidade, os três estilos de identificação coexistam, misturando-se durante toda 
a vida. 
 
 
O tipo principal de identificação, com o qual funciona um sujeito, tem grande importância 
psicopatológica. Lacan propôs que tanto as psicoses como as perversões se assentam mais 
em um estilo identificatório da ordem do imaginário, do que da ordem do simbólico. O não 
aceder à ordem do simbólico, à lei, produzirá no psicótico, segundo Lacan, o uso peculiar da 
linguagem que o caracteriza. O psicótico tem um vínculo com sua mãe no qual não há 
espaço para um terceiro, não há lugar para a triangulação edípica. A mãe ilude o filho com a 
crença de que ele é seu falo, o filho vive a ilusão de sê-lo. A ausência do pai (não nos 
referimos aqui à ausência real do pai, mas à sua ausência no discurso da mãe) obstaculiza 
o ingresso do sujeito na ordem do simbólico. Mãe e filho compartilham uma ficção e, na 
verdade, esta ficção é a psicose. 
 
 
A agressividade, fenômenoque sempre foi polêmico em psicanálise, produz-se quando 
é questionada a imago especular que se construiu. 
 
 
Na conferência intitulada "L'agressivité en psychoanalyse" (1948), Lacan enuncia várias 
teses que, em conjunto, procuram demonstrar que a agressividade como vivência 
essencialmente subjetiva, surge do encontro entre a identificação narcisista, da qual o 
indivíduo é portador, e as fraturas, clivagens, rupturas, às quais esta imago está submetida. 
Esclarece que este efeito da ação do outro sobre o ego especular somente pode ser 
verificado porque, antes da identificação antecipatória, o sujeito tem uma imago 
fantasmática de si mesmo correspondente à do corpo fragmentado. 
 
No começo do trabalho mencionado, em sua tese II, explica: "A agressividade na 
experiência, nos é dada com intenção de agressão e como imagem de deslocamento 
corporal, e é deste modo que se demonstra eficiente" (p. 96). Basta recordar os jogos e os 
desenhos das crianças, nos quais arrancar a cabeça, abrir o ventre, estripar a boneca 
constituem eventos completamente naturais. Acrescenta: "Deve-se folhear um álbum que 
reproduza o conjunto e os detalhes da obra de Hyeronimus Bosch, para reconhecer neles o 
atlas de todas estas imagens agressivas que atormentam os homens..." 
 
"Voltamos a encontrar, constantemente, estas fantasmagorias nos sonhos, 
especialmente no momento em que a análise parece ir se refletir no fundo das fixações mais 
arcaicas... São todos dados primários de uma gestalt própria da agressão no homem, ligada 
ao caráter simbólico..." (ibid., p. 98). Tomando como base estas evidências primitivas e a 
função integradora que o estágio do espelho realiza, Lacan postula: "A agressividade é a 
tendência correlacinada, à maneira de identificação, que chamamos de narcisista, e que 
determina a estrutura formal do ego do homem e do registro de entidades características de 
seu mundo" (ibid., p. 102). 
 
Com o imaginário, que instaura o estágio do espelho, começa, em Lacan, a reflexão 
sobre a intersubjetividade humana. Relação entre o sujeito e o semelhante, entre a criança e 
a mãe, do homem com o outro. Captação do desejo humano no desejo do outro, através do 
olhar. Lacan retoma a reflexão hegeliana da Fenomenologia do Espírito, especialmente a 
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"Dialética do Senhor e do Escravo". É na relação interdependente, mútua, de imprescindível 
necessidade entre os dois membros do diálogo, que se constitui a identidade. É-se senhor 
porque existe o escravo, e vice-versa. Dialética da intersubjetividade em uma organização 
dos lugares, através da estrutura. O olhar do outro produz em mim minha identidade, por 
reflexo. Através dele, sei quem sou e, nesse jogo narcisista, me constituo a partir de fora. 
 
O olhar deve ser entendido como uma metáfora geral: é o que pensam de mim, o desejo 
do semelhante, o cartel e o espetáculo de propaganda, o posto na família, no trabalho e na 
sociedade. Identificação no outro e através do outro, este é meu eu. Lacan diz, em uma 
fórmula: o lugar do moi é i(a), identificação com o desejo de a, autre (outro). Torna-se 
evidente que então também se inicia a temática da alienação. 
 
Com a ajuda samaritana, a vocação de curar, a "alma bela" e a chamada "lei do 
coração", mantêm-se as imagos narcisistas. Tu és meu discípulo, portanto sou teu mestre. 
Uma coisa leva à outra, circularmente. Nada irrita mais do que a intenção do outro de sair do 
jogo, pois tropeça no que sou. Se o paciente não admite sê-lo, desgosto narcisista no 
analista. Se o analista questiona uma certeza do paciente, desperta nele outra tensão 
agressiva. 
 
O imaginário interage com a ordem do simbólico do tesouro do significante. 
 
Lacan, com sua teoria do imaginário, produz uma reviravolta muito interessante no 
problema da agressividade humana. Propõe que todo questionamento de nossas 
fascinações especulares causa uma visão paranóica do mundo. Basta dizer a alguém que 
não tem razão, que não é quem acredita ser, mostrar-lhe um ponto onde se limita a 
asseveração de si, para que surja a agressividade. Lacan considera a pulsão de morte como 
expressão do narcisismo. Posteriormente, fa-la-á interagir, também, com o registro do 
simbólico, dizendo que o que insiste, o que se repete, é a cadeia do significante. Ao 
abandonar a biologia, como fator explicativo para a agressividade, resta apenas o efeito da 
estrutura narcisista, tornando tudo mais simples e lógico. Por outro lado, para que a fratura 
seja possível, deve-se admitir que, antes da identificação com a gestalt antecipada, o 
indivíduo devia ter uma imago ou representação deslocada, fragmentada de si mesmo. A 
citação na qual se refere à obra de Hyeronimus Bosch, ou aos desenhos e jogos infantis, 
indica-nos que Lacan acredita que estas imagens fantasmáticas são originárias. Fazem 
parte de uma herança mítica, simbólica, que o homem recebe de seus antepassados de 
maneira ineludível. Se uma pessoa sentir como agressiva a afirmativa: "creio que isto te 
será muito difícil" é, diria Lacan, porque esta afirmativa está questionando a imago 
onipotente, poderosa, íntegra, com a qual se identificara no estágio do espelho. Mas, 
simultaneamente, se o questionamento se tornar possível, é porque, em alguma parte de 
sua mente, o indivíduo percebe a possibilidade de ser fragmentado, criticado ou 
desintegrado. Esta representação a priori faz parte do acervo que herdou, somente pelo fato 
de existir como ser humano. 
 
 
4. O inconsciente estruturado como linguagem Primazia do significante e do grande 
Outro (A) 
 
 
Lacan utiliza os elementos da lingüística em diversos planos e níveis. Por vezes, faz 
deles um uso antropológico e, em outras, sua reflexão sobre a linguagem tem aplicações 
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psicanalíticas. Torna-se claro que seu pensamento não se move de maneira homogênea, 
nem sempre no mesmo plano, mas que os diversos elementos interagem de maneira 
variada. No entanto, com finalidades explicativas, é útil procurarmos discriminar estes 
diferentes níveis. 
 
Em uma reflexão basicamente antropológica, Lacan destaca que o homem está inserido 
em um universo de linguagem. De fato, o ser humano é, graças à sua inclusão em um 
sistema de significantes, e é esta diferença essencial que distingue o homo sapiens das 
outras espécies do mundo animal. As abelhas, por exemplo, comunicam-se entre si, podem 
transmitir umas às outras a localização das flores, necessária para a fabricação do mel. Mas 
estes insetos estão completamente incapacitados de criar, mediante seus meios de 
expressão, novos sentidos. Devem se limitar a "dizer-se" aquilo para o qual estão 
etologicamente programados. O homem, em compensação, pode utilizar seu meio de 
expressão para criar novos sentidos. Isto demonstra que a linguagem é muito mais do que 
um meio fixo de comunicação. Seu uso é que faz do homem um ser especial. 
 
Através de que mecanismo pode a linguagem permitir esta criação? Sua própria 
estrutura é ambígua. Recordemos os conceitos de sincronia e diacronia. A linguagem é 
combinatória nos dois sentidos: um, horizontal, transcorre com o passar do tempo; no outro, 
vertical, um significante desloca outro, que está ausente. Se dissermos "traze-me a mesa", 
em lugar de "traze-me a cadeira", a substituição do significante "mesa" por "cadeira" muda o 
sentido. Obviamente, há substituições que dão muito mais sentido. Voltemos à utilizada 
páginas atrás: a substituição de "paixão" por "fogo" ou de "lobo" por "homem", 
evidentemente, é criadora de um novo sentido. Segundo a opinião de Saussure, e também 
de Lacan, o que permite estes malabarismos é a própria estrutura da linguagem, sua 
disposição em forma de trama, de entrecruzamento, com linhas que se associam, em 
sentido vertical e horizontal. Esta trama é o que chama de "cadeia significante", descrita 
como "anéis, cuja corrente se fecha no anel deoutra corrente feita de anéis" (1957 p. 481). 
 
Portanto, o homem nasce em um universo que fala, em um universo de linguagem. O 
fato de ser nomeado o introduz no sistema lingüístico e este sistema o transforma em mais 
um significante da cadeia. O sujeito é, segundo Lacan, um significante, para outros sujeitos 
ou outros significantes. A única forma de designar um sujeito, em particular, é através dos 
significantes da linguagem; dizer "Pedro" ou enunciar "aquele homem de óculos" requer 
nossa submissão ao sistema significante da linguagem. Portanto, nada mais somos do que 
significantes, em um sistema de significantes. E o somos pelo próprio efeito do sistema. 
 
Do dito até o momento, pode-se deduzir o sentido radical que possui o enunciado 
lacaniano: "O sujeito é falado pelo Outro". O Outro é a lei, as normas e, em última instância, 
a estrutura da linguagem. O sujeito, enquanto o é não existe mais do que no e pelo discurso 
do Outro. Somos alienados pela linguagem, pois somos efeito dela. Recordemos que o 
sujeito também está alienado no imaginário, segundo o descrevemos para o estágio do 
espelho. Dupla alienação: no desejo do outro (o semelhante) e no discurso do Outro (a lei, a 
linguagem). Cada um de nós crê ser o que, na realidade, não é (nível imaginário), ao 
mesmo tempo que não é mais do que um significante, produto da estrutura que o 
transcende (nível simbólico). 
 
Falamos da criação de sentido, mas não nos detivemos em analisar o mecanismo de 
sua produção. Dissemos que o que permite esta criação é a própria estrutura da linguagem. 
Mas, como é que isso acontece efetivamente? Lacan introduz uma metáfora: a do ponto de 
capitonê ("point de capiton"). Do mesmo modo que o ponto com que o tapeceiro une entre si 
as diferentes partes de um estofado, o ponto de capitonê fixa a significação em uma 
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detetminada cadeia de significantes. O último significante da cadeia é o que dá sentido aos 
que o precederam. Um exemplo servirá para esclarecer esta idéia. Pensemos o quanto é 
diferente dizer: "a mesa está vazia", do que "a mesa está". O significante "vazia" fecha o 
sentido, de uma maneira muito diferente do que é feito com o verbo "está". Sublinhemos, 
então, um efeito retroativo de cada significante sobre os significantes que o precederam o 
que dá a significação, ou seja o sentido. 
 
 
Mais adiante, veremos que Lacan utiliza este enfoque na formalização de sua teoria do 
desejo, aplicação que tem não poucas conotações. A mais evidente é que, de fato, nosso 
autor postula que o desejo humano é, do mesmo modo que o próprio sujeito, efeito da 
estrutura da linguagem, cumprindo, portanto, suas regras e normas. Até o momento, 
descrevemos o retrato do homem tal como Lacan o concebe: aprisionado entre dois 
sistemas, o imaginário e o simbólico. Este último o determina como sujeito, nomeia-o, situa- 
o, distingue-o como homem. Em poucas palavras, torna-o ser. 
 
 
Como se exprimem estas considerações, aplicadas ao homem como sujeito analítico? 
Partiremos de uma das mais célebres e, também, controvertidas propostas lacanianas. 
Aquela que postula que o inconsciente está estruturado como linguagem. Em seu trabalho 
"L'instance de la lettre dans I'inconscient ou la raison depuis Freud" (1957), Lacan diz: 
"Nosso título dá a entender que, além desta palavra, é toda a estrutura da linguagem o que 
a experiência psicanalítica descobre no inconsciente. Pondo em alerta, desde o princípio, o 
espírito, advertido sobre o fato de que pode ser obrigado a revisar a idéia de que o 
inconsciente não é mais do que a sede das pulsões" (ibid., pp. 474-475). A letra, por sua 
vez, é definida como "... este suporte material que o discurso concreto toma da linguagem..." 
(Ibid.). O que, na verdade, nada mais é do que o significante. 
 
 
"Digamos que o sonho é semelhante àquele jogo de salão, no qual se faz com que os 
espectadores adivinhem um enunciado conhecido ou sua variante somente por meio de 
uma cena muda. O fato do sonho dispor da palavra nada muda a este respeito, porque, para 
o inconsciente, ela nada mais é do que um elemento de colocação em cena, como os 
demais... Os procedimentos sutis que, não obstante, o sonho costuma empregar para 
representar estas articulações lógicas, de maneira muito menos artificial do que aquela que 
o jogo geralmente utiliza, são objeto, em Freud, de um estudo especial no qual se confirma, 
uma vez mais, que o trabalho do sonho segue as leis do significante" (Ibid., p. 492). 
 
Para Lacan, o significante tem um peso maior do que o significado. De fato, propõe a 
primazia do significante. No seminário sobre o conto de Edgar Allan Poe, "A carta roubada" 
(Ecrits, pp. 5-55), fica evidente este ponto de vista, em contraste, digamo-lo, com o equilíbrio 
interno do signo lingüístico que Saussure postulara. 
 
 
No relato, Poe cria uma trama em torno do desaparecimento de uma carta, cujo 
conteúdo todos desconhecem. A presença ou ausência da carta põe os protagonistas em 
um jogo: quem a tiver, possuirá poder sobre quem não sabe onde ela está. Na carta há, ao 
que parece, uma informação incriminatória sobre a rainha. Seu desaparecimento e 
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substituição por um envelope idêntico, mas com conteúdo diferente, gera a tensão e causa 
os diferentes movimentos executados pelos protagonistas. 
 
 
Lacan utiliza o conto de Poe para demonstrar como o significante tem primazia sobre o 
significado. A carta é um envelope, cujo conteúdo é sus peitado mas não conhecido. Neste 
sentido, nada mais é do que um significante. Sua posse é o que situa cada um dos 
personagens em cena: quem o possui, está em situação de incriminar a rainha; quem o 
perde, fica em desvantagem. O espectador pode suspeitar do conteúdo do envelope ( o 
significado), através de sua circulação entre os diferentes personagens (significantes). 
Mediante esta metáfora, Lacan encena a posição do sujeito, quanto ao significante. O 
indivíduo move-se em torno, por causa dele. 
 
 
Também fica estabelecido seu ponto de vista acerca do que, em sua opinião, tem 
prioridade no interior do signo lingüístico: o significante. Em síntese, o conto de Poe ilustra 
duas idéias diferentes, mas vinculadas entre si: o significante tem prioridade sobre o 
significado e é sua circulação que define o lugar que cada indivíduo ocupa na estrutura. Mas 
qual é o valor representativo do significante? Lacan propõe que este decreta a morte da 
coisa. O significante é aquilo que a coisa não é, o que determina uma carência que lhe é 
intrínseca. E, na medida em que algo lhe falta e, ao mesmo tempo, existe, em relação aos 
outros significantes do código; é, porque não é outro significante. Se, como vimos acima, o 
sujeito nada mais é do que um significante, para outro significante, então podemos lhe 
aplicar esta mesma fórmula, da qual resulta que o sujeito também possui uma carência de 
ser fundamental. 
 
A combinação peculiar que os significantes adquirem no inconsciente diz respeito 
também às leis da linguagem. A análise do sonho, uma das expressões mais notáveis do 
inconsciente, exige a descoberta de uma frase oculta. Os mecanismos, pelos quais se deu 
este ocultamento, são proporcionados pela linguagem: referimo-nos à metáfora e à 
metonímia. 
 
A importância destes conceitos, na obra de Lacan, nos obriga a Ihes dedicar umas 
linhas, para que se possa compreender, em toda sua grandeza, a aplicação clínica que esta 
teoria nos propõe. 
 
 
A metáfora se apóia na primazia do significante, dentro do signo lingüístico. 
 
Se, como faz Lacan, expressarmos, com um algoritmo, o signo lingüístico, poderíamos 
dizer que este pode ser representado mediante S/s, onde S é o significante e s o significado. 
A presença, no numerador, da fração do significante, indica sua primazia sobre o 
significado. Na metáfora, a substituição operada é a de um significante por outro 
significante. Sua notação é a seguinte: 
 
 
 
 
 
 
 
Página 17 de 39Aqui, o significante 2 substitui o significante 1, mas este, junto com seu significado, 
passam sob a barra de significação. Ficam como conteúdos latentes. Na metáfora, ao 
substituir um significante por outro, deve-se colocar, na parte inferior da barra do algoritmo, 
o signo completo substituído (significante e significado), pois não sendo assim criar-se-ia um 
novo signo e não uma metáfora. 
 
 
No exemplo que demos em paginas anteriores, esta substituição seria feita do seguinte 
modo: 
 
 
 
Processo metafórico 
 
 
 
Com o signo completo correspondente a "homem", conservando-se "latente", temos a 
criação do próprio sentido da metáfora. 
 
 
Passemos, agora, ao processo metonímico. Como já o mencionamos, na metonímia, 
permuta-se um significante por outro, que tem, com o primeiro, uma relação de 
contigüidade. Dor (1985, p. 59), em seu didático livro sobre Lacan, exemplifica-a assim: 
substituímos o significante psicanálise pelo significante divã. Expressando-o com o algoritmo 
lacaniano, diríamos que: 
 
 
 
processo 
metonímico 
 
 
 
 
No processo metonímico, não e possível tirar o significante substituído do algoritmo, pois 
sua presença é necessária para que se constitua a metonímia. O significante 2 somente tem 
seu sentido em função da contigüidade com o significante 1. Na metonímia, toma-se 
necessário um processo de pensamento capaz de criar o sentido. Na metáfora, em 
compensação, o sentido surge imediatamente. Explica-se pelo fato de que neste ú'timo 
caso, o significante franqueou a barra de significação, ocupando o lugar do significado. 
 
Apoiado nestes conceitos, Lacan estudou as diversas formações do inconsciente, 
propondo que o inconsciente se estrutura como linguagem. Logo veremos as implicações 
metapsicológicas que estas idéias possuem. 
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Dois dos fenômenos oníricos descritos por Freud têm notáveis semelhanças com os 
processos metafóricos e metonímicos, próprios da linguagem. São a condensação e o 
deslocamento. 
 
Na condensação, que para Lacan é análoga à metáfora, um significante substitui outro 
significante, que passou ao estado latente. Uma casa, no sonho, pode ser, 
simultaneamente, a casa em que passamos a infância, a escola e nosso atual local de 
trabalho. O significante "casa", que faz parte do conteúdo manifesto do sonho, substituiu os 
demais significantes, porém estes, como revela o trabalho da interpretação, não 
desapareceram. Apenas ficaram sob a barra de significação, como conteúdos ou 
significados latentes. A substituição é plena de sentido, pois sua descifração revela uma 
associação que, até então, era desconhecida para o sujeito. 
 
 
Seguindo esta linha, o processo metonímico é análogo ao fenômeno de deslocamento 
descrito por Freud. Nele, os elementos significativos são substituídos por outros que, 
embora façam parte da mesma idéia geral, são os aspectos menos importantes dela ou 
guardam uma relação de causa-efeito ou de continente-conteúdo. Neste caso, a relação 
entre um significante e outro é direta e ambos os significantes estão, de uma ou outra 
maneira, presentes no material manifesto do sonho. Uma mulher sonhou que desmanchava 
o vestido da irmã, no dia em que o estreava. As associações poderiam revelar um sentido 
de inveja da irmã e o desejo oculto de que esta fosse lesada. Aqui, o significante "vestido" 
substitui, metonimicamente, o significante "irmã", que se torna evidente, porque ambos os 
significantes conservam entre si uma relação de contigüidade. 
 
 
Os lapsus, os atos falhos, o sintoma e o chiste podem ser interpretados desta mesma 
perspectiva. No trabalho "Fonction et champ de la parole et du langage en psychoanalyse", 
Lacan descreve isto com a seguintes palavras: "O inconsciente é aquela parte do discurso 
concreto, enquanto transindividual, que falta à disposição do sujeito para restabelecer a 
continuidade de seu discurso consciente" (1963, p. 248), donde se deduz, claramente, que o 
inconsciente se revela nos vazios do discurso. E mais adiante: "O inconsciente é o capítulo 
de minha história que foi deixado em branco ou ocupado por um embuste: é o capítulo 
censurado. Mas a verdade pode ser de novo encontrada; freqüentemente já está escrita em 
outro lugar. A saber: 
 
 
- nos monumentos: este é meu corpo, isto é, o núcleo histérico da neurose, onde o 
sintoma histérico mostra a estrutura de uma linguagem sendo decifrada como uma inscrição 
que, uma vez recolhida, pode, sem grandes perdas, ser destruída; 
- também nos documentos de arquivo: são as recordações de minha infância, tão 
impenetráveis como elas, quando não conheço sua proveniência; 
-na evolução semântica: isto corresponde tanto ao estoque e às acepções do vocabulário 
que me é próprio, como ao estilo de minha vida e de meu caráter; 
- também na tradição e, ainda, nas lendas que, sob uma forma heróica, veiculam minha 
história; 
- finalmente, nos rastros que, inevitavelmente, conservam as distorções necessárias para 
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a conexão do capítulo adulterado com os capítulos que o cercam, e cujo sentido minha 
exegese restabelecerá; (ibid., p. 249). 
 
 
Este enfoque conceptual indica, de maneira decisiva, a forma de trabalho proposta por 
Lacan. Se o inconsciente se revelar, através das formações que lhe são próprias, e se estas 
forem efeito da estrutura da linguagem, será pelos cortes e erros do discurso que se 
tornarão acessíveis à consciência. Assim, não haveria outra forma de acesso ao 
inconsciente, senão a escuta atenta do discurso do paciente, à espera de que um lapsus, 
um chiste, um sonho, desvendem a combinatória peculiar de associações, que subjaz a 
estas produções. Isto devolve à palavra o papel essencial que teve, no início da psicanálise 
e, em sentido inverso, diminui a eficácia que alguns analistas atribuem às experiências 
emocionais ocorridas na sessão. Lacan critica duramente as idéias daqueles que, como 
Balint, Winnicott e outros, propõem que a presença e a atitude empática do analista na 
sessão têm um efeito curativo. Em sua opinião, o sentido é revelado ao sujeito através dos 
cortes do discurso e de atos que possuem, em última instância, o efeito de u na palavra. 
Privilegia-se a palavra, no sentido de que é por meio dela que temos acesso ao 
inconsciente. Suas pontuações, seus erros, seus esquecimentos, a cadeia do discurso 
(seqüência de significantes que, finalmente, se tornam significados, em virtude do último 
significante da cadeia), tudo isso são ferramentas com que conta o analista. 
 
Até o momento, vimos a posição que o sujeito mantém com a linguagem e como Lacan 
extrai seus postulados, a partir da hierarquia que a estrutura lingüística possui, em sua 
teoria. Vejamos, agora, mais pormenorizadamente, como a linguagem aliena o sujeito. Em 
outras palavras, devemos considerar o estudo do mecanismo pelo qual o sujeito se inscreve 
na ordem do significante. Este é o tema da Lei e do Outro. 
 
 
 
5. O falo. A metáfora do nome-do-pai 
 
 
O que é o falo, na obra de Lacan? Começaremos por esclarecer o que não é: não é o 
pênis. A referência à castração não é, em nenhum momento, uma alusão à privação do 
órgão genital masculino. Constitui uma referência à função do pai, como mediador da 
relação entre a mãe e a criança. Essa função paterna se interpõe na relação diádica, 
imaginária, especular, que é verificada entre o bebê e a mãe. É isto a castração. 
 
Para poder ser o terceiro e intermediar o vínculo diádico, o pai deve transmitir a Lei, fato 
que se atualiza por ser o portador do nome. É o pai quem nomeia o filho e, neste ato, está 
simbolizado que é o possuidor do falo, da Lei. 
 
 
Ao sair da fase identificatória do estágio do espelho, a criança está alienada em um 
imaginário da mãe. Anseia ser o desejo da mãe. Isto implica ser o que a mãe não possui: o 
falo. Há, neste momento, uma segunda etapa identificatória: a identificação com odesejo do 
outro. O dilema em que o sujeito se debate, neste momento, é o de ser ou não ser o falo, o 
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que posterga a temática da castração; esta será enunciada mais adequadamente, se 
dissermos que o que ela trata é de ter ou não ter o falo. 
 
 
Em um segundo momento do processo edípico, o pai passa a participar, momento em 
que privará a mãe de seu filho-falo e a este da satisfação imaginária, proporcionada por ser 
o falo da mãe. A criança se vê forçada, simultaneamente, a pôr em dúvida sua identificação 
fálica e a renunciar a ser o desejo da mãe. Correlativamente, do ponto de vista da mãe, o 
pai a priva do falo que se supõe seja o filho. O pai parece ser, para a criança, o objeto fálico 
possível. 
 
Precisamos esclarecer que, para que esta mediação seja possível, não basta que o pai 
interponha a proibição. A mãe deve se fazer eco dela, transformando-se em porta-voz do 
que Lacan chama de "Lei do pai". A criança então descobre que o desejo de cada um deve 
se submeter à lei do desejo do outro. Neste ponto, a segunda etapa do Édipo, passa-se da 
ilusão de "ser" o falo para a de "ter" o falo, pois se supõe que o pai tem o objeto do qual a 
mãe depende, a ponto de impor uma lei que lhe causa, por sua vez, uma privação. 
 
Neste segundo momento do processo edípico, a criança ingressa na simbolização da lei 
que, mais tarde, permitirá o declínio do complexo. É confrontada com a castração, que 
implica a necessidade de "ter" aquilo que preenche o desejo da mãe. O pai real, ao impor 
sua lei, transforma-se em pai simbólico. 
 
 
Este momento é crucial para o indivíduo, pois só assumindo a castração torna-se 
possível aspirar a ter o falo, ou o que é o mesmo, a transmitir a Lei. Qual é o motivo pelo 
qual o homem julga que seu pai é possuidor transitório do falo e não que é o próprio falo? A 
resposta é dada pelo fato de que o pai é portador de um nome, que, por sua vez, lhe foi 
dado por outro homem, seu próprio pai. 
 
 
Assim, chegamos a uma terceira etapa do Édipo. É comprovada pelo fato de que a 
criança recebeu a significação. Ela renuncia à sua condição de "ser" para ingressar na 
dialética da negociação, que lhe permitirá "ter". Entra em jogo a identificação do varão com o 
pai e da menina (que assume o "não ter") com a mãe. 
 
 
Na teoria lacaniana, este processo é estruturante. O ingresso no mundo do significante e, 
portanto, na constituição do inconsciente e o recalcamento originário, estão sujeitos a ele. É 
isto que Lacan teorizou, sob o nome de "A metáfora do nome-do-pai". 
 
Que o falo se constitua no significante por excelência, no significante primordial, é 
explicado pelo fato de que é ele que ordena e distribui os papéis do drama vital. Quem o 
têm? A quem falta? Quem gostaria de sê-lo? Pai, mãe, filho. Assim como no conto de Poe, 
os papéis estão definidos, em relação à posse ou carência deste significante primordial. Não 
há outra forma de definir o papel que cabe mais a um do que a outros e esta relação está, 
por sua vez, firmada pelo falo, indicador do lugar correspondente a cada um, na estrutura. 
 
A aceitação da lei do pai produz uma primeira substituição metafórica: substitui-se o 
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significante "falo" pelo "nome-do-pai". Possuir o falo é substituído pela "posse do nome-do- 
pai", pois esta posse é que identifica, na estrutura, a posição do próprio pai. Esta primeira 
substituição de um significante por outro é a metáfora originária, a metáfora do nome-do-pai. 
Também é o primeiro processo de simbolização e o que indica o advento, para o sujeito, da 
ordem significante. A partir de então, o objeto do desejo da mãe tem um nome que, embora 
nunca seja dito, será enunciado por intermédio de infinitas verbalizações. A partir deste 
momento inaugural, todos os objetos de desejo que o sujeito enuncia não são mais do que 
deslocamentos metonímicos do significante primordial: o falo. 
 
 
No curso de sua substituição pelo nome-do-pai, o significante fálico se torna 
inconsciente. Porém, o falo é um significante altamente investido, em virtude de ser o desejo 
da mãe. Isso faz com que este significante, já in- consciente, atraia outros significantes, 
associados metonimicamente com ele. Os sucessivos significantes, que se tornarão objeto 
do recalcamento, conservam entre si uma relação semelhante à que a estrutura da 
linguagem lhes confere, pois é de suas leis que provêm. 
 
 
A cadeia de significantes inconscientes responde a leis que estruturam a linguagem, o 
recalcamento secundário se produzindo conforme estas mesmas leis. Vemos, então, por 
que é a lei do Outro que define seus conteúdos inconscientes; aquilo que será reprimido não 
é totalmente alheio; depende, completamente, da estrutura da linguagem e da lei da cultura, 
é algo que nos precede e cujo controle escapa às nossas possibilidades. 
 
Esta teorização também serve para Lacan dar uma feliz resposta ao problema da 
memória, em psicanálise. Propõe que a memória nada mais é do que a estrutura da 
linguagem, presente no inconsciente. Isto explica a in- destrutibilidade do desejo 
inconsciente. * * * "Não há outro meio de conceber a indestrutibilidade do desejo 
inconsciente - quando não há necessidade que, ao ver que lhe é proibida sua sociedade, 
não se quebre, em caso extremo pela consunção do próprio organismo. E em uma memória, 
comparável ao que se chama com este nome em nossas modernas máquinas de pensar 
(fundadas sobre a realização eletrônica da composição significante), que reside essa cadeia 
que insiste em se reproduzir na transferência, e que é a de um desejo morto" (Ecrits, p. 
499). 
 
O recalcamento primário, isto é a metáfora paterna, também é induzido pela Lei que o 
representa, através da proibição do incesto e da castração. É necessário aceitá-lo para ser 
portador, por seu turno, da Lei. 
 
 
O sujeito psicológico nasce ao ser incluído na ordem do significante e na lei do pai, 
reconhecendo a castração. Mas, por este mesmo ato, seu psiquismo é clivado, uma parte 
dele ser-lhe-á inteiramente desconhecida: seu inconsciente. Então aparece uma alienação 
inicial. Não é sujeito até que ingresse na ordem simbólica da linguagem e, quando o faz, fica 
dividido, clivado pelo efeito da própria ordem simbólica. 
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O que, portanto, se impõe, é a castração; aliena-nos na estrutura da linguagem que não 
nos deixa resquícios para ser mais do que sujeitos alienados na demanda. O Outro, ao ditar 
as leis da linguagem, que nos estruturam, e das relações de parentesco que estabelecemos, 
também dita as normas a que se subordinarão nossos desejos e, conseqüentemente, 
nossas demandas. 
 
 
Os três registros, imaginário, simbólico e real, interagem simultaneamente. São o nó 
borromeu, uma figura na qual, ao desatar um dos cordões, os demais ficam soltos. Há uma 
solidariedade constitutiva entre todos os registros, embora se indique a primazia do 
simbólico, como primazia do significante, em seu efeito sobre o imaginário e o real. Donnet 
diz, em seu trabalho "Evolución histórica del psicoanálisis" (1974) que, se Melanie Klein é o 
imaginário e Hartmann o real, Lacan é o simbólico. Embora demasiado definitivo, o 
julgamento encerra, de todo modo, uma verdade, o papel principal que Lacan outorgou ao 
simbólico. 
 
O que é o real? Não se trata da realidade, no sentido tradicional, materialista, com a 
tomam Freud e a psicologia do ego. Não temos uma percepção imediata da realidade. Os 
significantes a segmentam e a criam. Quando vemos uma porta em um quarto não é só isto 
o percebido, o significante "porta" decompõe o plano da parede, organizando o mundo 
externo e as emoções. 
 
 
Lacan não dedica ao registro do real a mesma quantidade de trabalhos que aos demais. 
Um dos sentidos que lhe atribui é o de um corte entre os dois registros, simbólico e 
imaginário. 
 
6. O desejo humano e sua topologia 
 
Entre o outro e o Outro 
 
 
Lacan estuda a temática do desejo emvários trabalhos. Destacam-se especialmente 
seus seminários sobre Les formations de I’ïnconscient e O desejo e sua interpretação (1957- 
58 e 1958-59); retoma o tema em "Subversão do sujeito e a dialética do desejo no 
inconsciente freudiano", lido, primeiramente, em setembro de 1960, em Royaumont, sob os 
auspícios dos "Colóquios Filosóficos Internacionais" e, posteriormente, publicado nos Ecrits 
(773-807). 
 
Estamos, novamente, diante de proposições que, ao reformular, de maneira original, os 
conceitos psicanalíticos clássicos, tornam-se de difícil compreensão. Acreditamos que há 
várias leituras possíveis do discurso de Lacan a respeito deste tema, pois suas idéias, 
algumas vezes, se expressam de forma ambígua, não ficando claramente entendido o que 
pensa o autor. Disto decorre que nossa apresentação seja muito pessoal e, logicamente, 
passível de causar discordâncias. 
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As idéias tradicionais sofrem uma notável modificação: a estrutura da intersubjetividade 
humana, na ordem imaginária (identificação narcisista), é articulada com as idéias de Lacan 
sobre a linguagem e a incidência do Outro ou tesouro do significante. Há problemas a 
respeito deste tema que Lacan não consegue definir ou resolver, adquirindo suas 
afirmativas, em alguns momentos, um caráter demasiadamente axiomático. No entanto, 
tudo isto pode ser estudado com o espírito de constituir um vento renovador, que permite 
repensar aspectos muito significativos da psicanálise. 
 
 
Para Lacan, o desejo humano remete a algo diferente da necessidade biológica 
imediata. Em Freud, esta questão foi apresentada ao separar Instinkt (instinto animal) de 
Trieb (pulsão humana). Lacan discute o desejo humano fazendo interagir o registro do 
imaginário com o do simbólico: as relações entre os processos da identificação imaginária e 
os que pertencem ao jogo do significante. Intitulamos este item de "Entre o outro e o Outro", 
para explicar, resumidamente, sob que ótica este autor encara o desejo. 
 
Façamos um breve resumo das categorias que iremos encontrar nesta exposição. 
 
- O outro (a) = autre (a): o ser humano se identifica com a imagem que lhe é devolvida 
pelo olhar do semelhante. É a base da identificação narcisista. Alienado no desejo alheio, a 
criança e o adulto mimetizam as aspirações que vêm de fora. Também é o ego ideal da 
figura heróica, construída sobre imagos antecipatórias. O que não se é, mas se deseja ser. 
Nossa própria imagem refletida. 
 
 
- O Outro (A) - Autre (A): a linguagem e o significante constituem um tesouro. É o lugar 
do Outro. O homem fica inscrito no universo de palavras e no nome que lhe dá seu lugar, 
outra alienação primordial em um discurso que procede do exterior. 
 
- O ideal do ego, que nos diz: "Deverás ser como teu pai, como ele buscarás esposa, 
mas não a dele". Surge a Lei e seus significantes ou símbolos, por exemplo, as tábuas da 
lei, a Santíssima Trindade. 
 
 
Os gráficos que Lacan usa em seus seminários (os do desejo, I, II e III, o do sujeito, L), 
ilustram e são, ao mesmo tempo, metáforas. Não possuem rigorismo matemático ou 
geométrico. Incluem vários níveis simultâneos de leitura. Lacan pensa que uma das 
vertentes do desejo humano é que o sujeito procura se constituir em objeto do desejo de 
seu semelhante, o outro, em primeira instância, a mãe. Desejo de (a). Desejo como (a) e 
que (a) nos tome como objeto de seu desejo. Ali estaria uma das bases do amor (e se isto 
não ocorrer, do ódio). A criança quer ser o desejo da mãe; como esta deseja um falo, a 
criança deseja ser o falo, para se constituir no objeto do desejo da mãe. Esta estrutura é 
definida, em Lacan, como axiomática. O narcisismo remete a uma topologia e a uma 
estrutura. É assim e acabou, não há livre arbítrio diante disto, a estrutura se prende como 
uma máscara de ferro. 
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Recordar-se-á que já mencionamos o apoio em Hegel e na "Dialética do Senhor e do 
Escravo". A intersubjetividade é definida a partir da demanda do reconhecimento. És meu 
escravo e, por isso, reconheço-me como teu amo. Para ser, defino-me na relação. Sem ti, 
nada valho. Verdadeira carência de ser que a estrutura detém, momentaneamente, por meio 
de uma identidade que se estabelece na alternância com o outro. Sou o que o outro não é. 
Portanto, minha existência e meu desejo são definidos pelo desejo e a falta do outro. 
 
A outra vertente do desejo humano vem do grande Outro. Esta incidência é múltipla. É o 
Outro quem dá, desde o início, as palavras para desejar. Quando o bebê tem uma 
necessidade, a mãe a inscreve, junto com a satisfação desta necessidade, em um universo 
de linguagem. A palavra que nomeia a coisa também encerra o gozo e o amor da 
experiência. O Outro indica o que desejar. Sua mensagem aparece no sujeito de maneira 
invertida quando é expressa como desejo próprio. 
 
 
Há um duplo desejo de reconhecimento: pelo outro e pelo Outro. Porém, assim como 
estrutura o sujeito, a linguagem confere ao desejo uma das características essenciais: o 
efeito de deslocamento metonímico de um para outro objeto. Recordemos que, na 
metonímia, um significante sempre remete, por contigüidade, a outro significante. Trinta 
velas, diz Lacan, substitui o significante "trinta barcos". A linguagem transcorre neste 
contínuo deslocamento. O inconsciente, ao acompanhar a estrutura da linguagem, repete 
este fenômeno. Isto leva a um deslocamento interminável do objeto do desejo. 
 
O objeto a, objeto da pulsão, a cria e é seu efeito. Neste objeto a, que Lacan vincula ao 
fantasma, é onde a pulsão busca sua descarga e o êxito da satisfação. Quando o ser 
humano deseja beber, o líquido satisfaz o nível pulsional, mas o desejo fica, 
inevitavelmente, insatisfeito. Salta desta para outra experiência, em uma circulação 
metonímica incessante. O significante liga o desejo a outro significante, mas o que pode um 
significante fazer senão se deslocar, sem nunca se deter? Só dá um sentido em um corte 
sincrônico fugaz que, rapidamente, retoma sua marcha. 
 
 
Assim, desejamos porque falamos. A linguagem é a estrutura que nos torna desejantes 
e, ao mesmo tempo, o modelo do desejo. Lacan usa ambos os critérios, simultaneamente. O 
desejo Fica, ao mesmo tempo, inscrito e oculto na demanda. Está antes dela. Na realidade, 
o que se demanda é ser amado, como sucede na análise, tanto no paciente como no 
analista. O Outro regula esta relação, assim como todas as relações. Porque há linguagem, 
expressa-se a demanda de amor onde está o desejo de reconhecimento. Este, por efeito de 
ordem significante, nunca pode ser preenchido. Aparece sempre de outra forma. Assim 
como o dicionário explica um termo com outro e este remete, por sua vez, a um terceiro, um 
significante só encontra seu sentido na cadeia de significantes. 
 
 
Lacan aborda a questão do desejo, combinando o discurso psicanalítico com o 
lingüístico. Embora, em um sentido, amplie a teoria, também pode produzir um efeito 
redutor. Discuti-lo-emos no setor de comentários. 
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Lacan diferencia a necessidade, no nível biológico e etológico, do desejo, inscrito em um 
nível simbólico e imaginário. Deve-se distinguir o comer ou beber, como necessidade para 
sobreviver, do desejo de gozo oral que, em sentido estrito, não é satisfeito com o líquido que 
acalma a sede. Requer vinho, champagne ou Coca-Cola. Gozo e prazer são categorias 
estritamente humanas do plano do desejo. Na demanda, pede-se reconhecimento e amor. 
Demanda do paciente de ser amado por seu analista, de ser reconhecido em seu sintoma e 
em sua presença. A ferida narcisista surge diante da frustração da demanda. Aparece a 
agressão. Podemos tolerar muitas coisas, mas não suportamos não sermos reconhecidos. 
No México se diz "me ningunea" (ignora-me, N. do T.), para exprimir que alguém não se 
sente levado em consideração, que é subestimado, não reconhecido. Ferida terrível. 
 
Em seu seminário "Les formationsde l'inconscient", Lacan utiliza o chiste (freudiano, N. 
do T.), para nos introduzir na temática do desejo. Um judeu que visita um familiar, rico 
personagem, diz, com humor, que o receberam bem, com um tratamento verdadeiramente 
familionário. Lacan diferencia o riso provocado pelo chiste, daquele que é causado por algo 
cômico. Faz a seguinte reflexão: quando rimos diante da queda de uma pessoa, nossa 
reação se deve a um fenômeno de ruptura do imaginário. O indivíduo, ao cair, também 
tropeça em uma imagem, a do homem e sua pompa bípede, a figura solene. Junto com o 
homem que cai, vem abaixo o ego ideal. O riso, que surge da ruptura imaginária, é efeito de 
uma ocorrência cômica. 
 
 
No chiste do familionário, criou-se um neologismo que causa riso, porque há uma 
referência ao tesouro do significante (familiar, milionário). O Outro está presente, fornecendo 
os elementos e como ponto de ancoragem, para que surja o sentido oculto. O chiste, eis sua 
diferença com o cômico, está escondido no significante, irrompendo por seu jogo. 
 
Lacan pensa que o sintoma neurótico ou o sonho, do mesmo modo que o chiste, é a 
metonímia do desejo. Este se esconde neles mas não tanto que não seja alcançado. 
 
Da identificação narcisista surge o desejo de ser o desejo do outro (o semelhante), 
ocupando o lugar do objeto de seu desejo. Desejamos ser reconhecidos. Porém, este 
mesmo semelhante nos introduz, ao exprimir em palavras nosso desejo, em um universo 
significante que exige nossa subordinação às leis da linguagem (o Outro). Como resultado 
disso, nosso desejo não poderá ser nomeado jamais e circulará metonimicamente, de um 
para outro significante. Desejo de uma roupa nova, mais tarde de outros sapatos, depois, de 
uma ceia com caviar, e assim sucessivamente. A estrutura me obriga a continuar desejando. 
Definitivamente, desejo desejar. Este seria o desejo oculto na metonímia dos significantes 
"roupa", "sapatos", "ceia". 
 
 
Depois de descrever, em grandes traços, a teorização lacaniana do desejo, vamos 
acompanhar, passo a passo, a inscrição do sujeito em sua dialética. 
 
Satisfação da necessidade e objeto da pulsão 
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No início da vida, diante de uma situação biológica de tensão e desprazer (por exemplo, 
a fome), aparece no mundo externo 0 objeto que a satisfaz. A criança, antes de que este 
objeto existisse; está em uma situação de necessidade que exige ser satisfeita, e esta se 
produz em um registro basicamente orgânico. 
 
 
O mundo externo propõe-lhe um objeto que ele antes não buscava. Este objeto, junto 
com a sensação de satisfação, transformar-se-á em uma marca mnêmica, constituída pela 
experiência da necessidade, ligada à representação do objeto que satisfaz. A marca 
mnêmica, com seus dois componentes, passará a fazer parte do cenário do repertório 
pulsional do bebê. 
 
 
Quando o estado de tensão reaparece, reativa-se esta representação. Reinveste-se a 
imagem do objeto que satisfaz. Em um primeiro momento, a criança confundirá o objeto real 
com o objeto representado. Assim se produz a satisfação alucinatória da pulsão. A partir de 
sucessivas experiências, a imagem representada será distinguível da real, orientando as 
buscas de objetos para um objeto real que permita satisfazer a necessidade. Tudo 0 que 
dissemos sobre a experiência de satisfação foi proposto por Freud, e Lacan o acompanha 
ponto por ponto. 
 
 
 
A relação do desejo com o processo pulsional é peculiar. O desejo é a busca de 
satisfação da pulsão, através do reinvestimento do objeto primário, o que equivale a dizer 
que o desejo só encontra satisfação de forma alucinatória. 
 
Portanto, não se pode falar de satisfação do desejo, na realidade. A pulsão pode, em 
oposição, encontrar ou não sua satisfação. Isto é possível graças, precisamente, ao desejo, 
que mobiliza a pulsão para o objeto pulsional. Mas o desejo, como tal, não tem objeto na 
realidade. 
 
O outro (a) como espelho e lugar do desejo 
 
A formulação da demanda 
 
 
Lacan chama o objeto do desejo de objeto a. Como tal é, ao mesmo tempo, um objeto 
perdido e a causa e objeto do desejo. 
 
 
O desejo, assim concebido, pressupõe a presença de um outro. No iní- cio da vida, as 
manifestações de tensão produzidas pela necessidade não têm, para a criança, valor 
comunicativo. E o outro que as considera signos e, portanto, demandas. Isto demonstra que 
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o bebê está submergido, desde o começo, em um universo semântico, que significa suas 
próprias vivências. É o outro que introduz o bebê neste referencial simbólico, processo 
através do qual se transforma no Outro (ocupando o que, para a criança, é um lugar 
privilegiado). 
 
A mãe responde à necessidade manifestada pela criança com gestos e palavras, que 
dão à satisfação obtida um gozo que transforma a necessidade em desejo. A partir deste 
momento, a criança poderá desejar, mas sempre através de uma demanda dirigida ao 
Outro. 
 
A demanda, enquanto expressão do desejo, é essencialmente uma demanda de amor 
dirigida ao outro; é demanda de ser o único objeto de desejo do Outro. 
 
Pelo modo como Lacan considera o narcisismo, surge a idéia de que o desejo é uma 
busca da satisfação primária. Na obra lacaniana, estas proposições têm valor de axiomas 
que se enquadram na conceptualização global do sujeito, em sua relação consigo mesmo e 
com o outro. Mas, além da busca primária, nas sucessivas buscas há, por parte da criança, 
uma intenção de significar o que deseja. Este ingresso na significação, mediado pela 
linguagem, é necessariamente incompleto, o que torna impossível reencontrar o júbilo 
primário. 
 
O desejo, enquanto desejo do desejo do outro, transforma-se no desejo de um objeto 
impossível de significar; o desejo renasce constantemente, sobre a falta deixada pela Coisa. 
Todos os objetos com que se procure preencher esta falta serão, apenas, objetos 
substitutivos. O objeto do desejo é o objeto "eternamente faltante". Assim, o objeto a, 
enquanto objeto faltante é, em si mesmo, o objeto produtor da falta. A criança pressente, 
embora não chegue a descobrir, que o outro padece, em seu desejo, da mesma falta que 
ela sofre e, por isso, aspira a se converter no objeto faltante (o falo). 
 
De certa maneira, ser o único objeto do desejo do outro transforma-se, na criança, em 
uma negociação da essência fundamental do desejo, que é a falta. Recusa tanto esta 
dimensão de falta como a falta no outro, ao se apresentar, a si própria, como objeto desta 
falta. Inversamente, reconhecer a falta no outro, como algo impossível de preencher, é o 
que faculta ao sujeito notar a irreversibilidade de sua própria falta. Este é o primeiro passo 
para o desenvolvimento edípico. Na dialética do Édipo, a criança deve abandonar a posição 
de objeto do desejo, ocupando, portanto, uma posição na qual passa a ser sujeito do desejo 
de objetos substitutivos. 
 
 
 
7. A técnica psicanalítica. A transferência 
 
O Sujeito Suposto Saber 
 
 
Palavra plena e ato simbólico 
 
 
Antes de entrar no assunto, impõem-se alguns comentários gerais sobre a relação entre 
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a teoria psicanalítica e a técnica. Quanto mais precisa for a teoria da técnica, a prática 
clínica, ao se ajustar a ela, deverá percorrer um caminho mais científico e seguro. Não pode 
ser subestimada, portanto, a intenção de estabelecer as categorias da técnica, seus 
parâmetros e operações, que são deduzidos a partir de concepções mais gerais, como a do 
inconsciente, a transferência ou a estrutura do conflito. Os princípios da associação livre, a 
análise dos sonhos, a neutralidade do analista, a análise da transferência, universalmente 
aceitos, servem para encaminhar a tarefa clínica do analista, tornando-a mais eficaz. Mas, 
assim acontece com as constituições dos países. Existe a letra, e também sua aplicação. 
Não é irrelevante que a letra seja adequada, a melhor possível. Porém, depois virá sua 
aplicação e, então, o problema será dirimido

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