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11 VOL 19 No 4 MAR/ABR/MAI 2011
Vazamentos, sigilo, diplomacia: a 
propósito do significado do WikiLeaks
Celso Lafer
This article explores three groups of interconnected questions concerning the massive uncovering of classified 
official documents of the US government by WikiLeaks: (1) in the digital revolution era, what is the horizon 
for information and is it still possible to preserve secrecy and confidentiality?; (2) in a democracy, are there 
acceptable limits to prevent instantaneous transparency of government’s behavior?; (3) in the contemporary 
diplomatic environment, what must be the procedures to manage diplomatic archives and what is the role of 
confidentiality? The article makes the point that without a minimum of quiet diplomacy, it is impossible to 
inform and negotiate effectively, that bein a good-faith justification of the efforts by governments to avoid the 
leaking of information considered classified for a certain period of time. 
Mais de 250 mil telegramas diplomáti-
cos confi denciais dos Estados Unidos es-
tão sendo divulgados pelo WikiLeaks. A 
organização, capitaneada pelo australiano 
Julian Assange, tem como objetivo comba-
ter, pela publicidade, más condutas, go-
vernamentais e não governamentais, de 
variável gravidade, da hipocrisia a crimes 
de guerra. Como relata Christian Caryl, o 
website do WikiLeaks afi rma que, com a 
divulgação desses telegramas diplomáti-
cos, pretende expor as contradições exis-
tentes entre a persona publica dos EUA e o 
que está sendo sigilosamente dito atrás do 
palco. Assange declarou à revista Time que 
ele quer propiciar um mundo mais cívico 
tornando instituições como o Departa-
mento de Estado dos Estados Unidos e o 
seu Departamento de Defesa responsáveis 
por suas ações.
Este caudaloso vazamento – WikiLeaks 
afi rma que procedeu a maior divulgação 
para o público de um conjunto de infor-
mações confi denciais até agora realizada 
– suscita várias perguntas e questões. Vou 
tentar explorar neste artigo três vertentes 
interligadas de indagações, a saber: (1) 
qual é o horizonte de informações na era 
da Revolução Digital e o que isto signifi ca 
para a possibilidade de preservar o sigilo e 
a confi dencialidade?; (2) numa democra-
cia existem limites aceitáveis à instantanei-
dade da transparência da conduta gover-
namental?; (3) na vida da diplomacia 
contemporânea, como proceder à gestão 
de arquivos diplomáticos e qual é o papel 
da confi dencialidade?
– I –
Os meios pelos quais a informação é 
comunicada, seja qual for a sua natureza, 
estão ligados à tecnologia e às suas mu-
danças. Robert Darnton aponta quatro 
mudanças básicas relevantes na confi -
guração do horizonte da informação, no 
Celso Lafer é professor titular da Faculdade de Direito 
da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho 
Editorial desta Revista. Foi ministro das Relações 
Exteriores do Brasil.
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12 POLÍTICA EXTERNA
ARTIGOS
correr da história humana. A primeira é a 
descoberta da escrita, que permitiu a acu-
mulação de informações sobre o passado, 
superando, por meio do aparecimento do 
livro, a precariedade da memória da trans-
missão oral. A segunda é a passagem do 
livro, do rolo para o codex, que ajudou a 
expe riência da leitura ao facilitá-la. A ter-
ceira é a descoberta da tipografi a que, 
graças à invenção de Guttenberg, foi tor-
nando o livro e os panfl etos acessíveis a 
um número crescente de leitores. No âm-
bito desta descoberta o papel proveniente 
da celulose da madeira e o seu baratea-
mento, a linotipia e a impressão em larga 
escala levaram, nos séculos XIX e XX, à 
grande imprensa e a um novo horizonte 
para a informação com a criação de um 
público de massa. Os modos de atingir 
este público adquiriram novas caracterís-
ticas e impacto com o rádio, que ampliou 
enormemente o alcance da voz humana, e 
com a televisão que permitiu gravar e 
transmitir, também com enorme alcance, a 
imagem das pessoas. O rádio e a televisão 
tornaram viáveis, como aponta John B. 
Thompson, uma simultaneidade no espa-
ço do processo de transmissão de infor-
mações, alargando ainda mais o horizonte 
da informação. 
A mais recente e vertiginosa transfor-
mação no horizonte da informação foi a 
trazida pela Revolução Digital. Esta am-
pliou de maneira inédita a escala do arma-
zenamento de documentos e a ubiquidade 
do potencial de sua divulgação pela inter-
net. Ampliou, concomitantemente, a facili-
dade do acesso e da pesquisa à informação. 
Blogs, websites, redes sociais, o Google são 
exemplos vivos de uma nova realidade, 
tanto que numa sociedade em rede o espa-
ço aberto da internet é mais utilizado para 
a obtenção de informações do que a con-
sulta a documentos impressos e a autorida-
des públicas, empresariais, sindicais, ou a 
porta-vozes de qualquer natureza.
Uma das consequências desta nova rea-
lidade e do cruzamento das informações 
digitalmente armazenadas que enseja é a 
crescente difi culdade de opor resistência 
ao devassamento da vida privada, de pre-
servar o sigilo de dados bancários e fi scais, 
da correspondência proveniente de e-
mails, de manter o segredo profi ssional e o 
sigilo das comunicações diplomáticas. Em 
síntese e para manter o foco no propósito 
deste artigo, a manipulação externa de ar-
quivos diplomáticos, com suporte no papel 
era e é muito mais difícil do que a manipu-
lação de arquivos de computador. Senhas e 
os múltiplos mecanismos de defesa, inclu-
sive a encriptagem, voltados para preser-
var a intangibilidade de arquivos de com-
putador, enfrentam diariamente tanto os 
riscos de manipulação clandestina por seus 
usuários autorizados (que foi a base dos 
vazamentos do WikiLeaks) quanto a com-
petência dos hackers. Este é, em outras 
palavras, uma dado da realidade tecnoló-
gica do século XXI que coloca em questão a 
possibilidade do sigilo, mesmo em esferas 
em que, inclusive numa democracia de es-
tado de direito, é legalmente tutelada. 
É neste contexto, no âmbito do qual
a tecnologia faz com que o controle das 
informações escape dos múltiplos “apa-
ratos do poder” chegando com crescente 
facilidade a uma “sociedade civil inter-
nauta” – para valer-me da refl exão de 
Manuel Castells –, que cabe discutir o que 
signifi ca o deliberado vazamento pelo Wi-
kiLeaks de telegramas diplomáticos confi -
denciais de suporte eletrônico no âmbito 
de uma democracia.
– II –
Uma das características de um regime 
democrático é a convergência, no conceito 
do público, tanto daquilo que é do inte-
resse comum da res publica (como algo 
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13 VOL 19 No 4 MAR/ABR/MAI 2011
VAZAMENTOS, SIGILO, DIPLOMACIA: A PROPÓSITO DO SIGNIFICADO DO WIKILEAKS
distinto da res privata, domestica, familiaris 
na qual prevalece a singulorum utilitas), 
quanto aquilo que é do conhecimento de 
todos. O exercício em público do poder 
comum é uma das “regras do jogo” da 
democracia, para falar com Bobbio, pois a 
transparência dá à cidadania a possibili-
dade de avaliar e controlar as decisões 
dos governantes, inclusive em matéria de 
política externa. Daí, na Constituição de 
1988, o princípio da publicidade da Ad-
ministração Pública (C. F., art. 37, caput) e 
o direito da cidadania ao acesso da infor-
mação (C. F., art. 5 – XIV e XXXIII).
A luta contra o poder invisível, que se 
esconde para melhor conseguir mandar, e 
a consequente batalha em prol da transpa-
rência do poder integram a agenda do 
combate político ao Estado Absolutista e 
ao segredo como componente do exercício 
do poder. Estão ligadas à afi rmação que fez 
Kant no Projeto da Paz Perpétua sobre a
publicidade como critério de julgar a mo-
ra lidade. São ingredientes da crítica ao rea-
lismo da razão de estado que encobre infor-
mações, para dominar, voltada para o 
exercício de um jus dominationis. Neste en-
cobrir,escondem-se mentiras e segredos 
que podem ter a dimensão do aceitável. O 
segredo e a simulação da mentira, que se 
contrapõem à transparência do poder, in-
terligam-se, como observa Bobbio. Com 
efeito, as mentiras são parte do arsenal 
utilizado para resguardar o segredo, e o 
segredo permite o ocultamento da mentira.
A democracia pressupõe a existência 
de cidadãos e não de súditos subordina-
dos a um soberano. O exercício da cidada-
nia requer informação exata e honesta 
para que, na interação entre governantes 
e governados, estes possam tomar deci-
sões, por exemplo, no processo eleitoral, e 
avaliar e controlar a gestão governamen-
tal. É por esta razão que a temática do 
acesso aos documentos contidos nos ar-
quivos públicos é uma temática inerente 
aos regimes democráticos, pois informa-
ções indisponíveis indefi nidamente, guar-
dadas nos arcana imperii, apenas para um 
número limitado de governantes não ca-
bem numa democracia. Nesta, a publi-
cidade e o acesso são a regra que compor-
ta certas derrogações que tornam só 
possível o acesso pleno depois do trans-
curso de um certo período de tempo. Es-
tas exceções permitem qualifi car como 
documentos originariamente sigilosos os 
que são imprescindíveis à segurança da 
sociedade e do Estado, para usar a lingua-
gem da Constituição de 1988.
Naturalmente, a classifi cação de docu-
mentos como sigilosos e suas subsequen-
tes desclassifi cações deve obedecer a crité-
rios de razoabilidade e prudência ligados 
ao interesse comum. Estes critérios sempre 
comportam uma margem de apreciação 
discricionária do Poder Público, que po-
dem ser discutíveis na perspectiva da cida-
dania e do jornalismo investigativo de 
qualidade. Independentemente da discus-
são sobre o seu bom uso, esta margem de 
apreciação tem melhores condições de afi r-
mar-se em arquivos que têm suporte no 
papel. Ela se tornou muito mais precária 
hoje, como comprova o vazamento do Wi-
kiLeaks. Com efeito, os documentos sigilo-
sos, guardados em arquivos de computa-
dores, são muito mais vulneráveis, para o 
bem e para o mal, ao devassamento por 
obra da Revolução Digital e da ação dos 
internautas. É nesta moldura, no âmbito 
da qual a instantaneidade da transparên-
cia democrática do poder se vê facilitada 
pela inovação tecnológica, que cabe anali-
sar o papel do sigilo na vida diplomática e 
o alcance do fenômeno WikiLeaks.
– III –
A diplomacia tem a sua raiz na neces-
sidade que os Estados e suas sociedades 
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14 POLÍTICA EXTERNA
ARTIGOS
têm de se comunicar e interagir de manei-
ra institucionalizada num mundo com-
partilhado. Toda boa diplomacia pressu-
põe a existência de arquivos que são a 
memória da condução diplomática de um 
país no tempo. Esta memória recolhe o 
repertório de antecedentes que podem ser 
úteis na avaliação de situações presentes e 
contribuir para os componentes de coe-
rência e continuidade de uma política ex-
terna. Arquivos diplomáticos com suporte 
no papel têm se revelado duráveis. É o 
caso, por exemplo, do Arquivo Histórico 
do Itamaraty. O arquivo de textos nasci-
dos digitalmente corre um outro risco, 
além dos vazamentos. Este risco provém 
da rápida obsolescência do suporte em 
que estão inscritos. Hardwares e Softwa-
res são substituídos em grande velocida-
de, pois a rapidez da obsolescência é ine-
rente à Revolução Digital, como registra 
Darnton. Além do mais, documentos po-
dem se perder no ciberespaço se não hou-
ver backups apropriados e se estes não se 
mantiverem no estado da arte da tecnolo-
gia. Em outras palavras, um dos proble-
mas trazidos pela Revolução Digital é, 
além da facilidade dos vazamentos, o ris-
co de desaparecerem documentos guarda-
dos nas arcas do Estado. Daí os novos de-
safi os presentes na gestão de arquivos 
diplomáticos, na era do e-government.
A diplomacia tradicional lidava com 
uma agenda de temas mais restritos. Por 
isso o volume dos documentos dos ar-
quivos diplomáticos era menor. Em con-
traposição, o que caracteriza a diplomacia 
contemporânea é a complexidade que 
provém da dinâmica de um mundo glo-
balizado, interdependente e heterogêneo. 
Daí uma pauta que contempla questões 
que se estendem dos desafi os da paz e
da guerra, da segurança, do terrorismo 
fundamen talista aos direitos humanos, ao 
comércio internacional, à cooperação fi -
nanceira, passando pela sustentabilidade 
ambiental em escala planetária. Evidente-
mente, o trato de uma pauta desta abran-
gência requer muita informação, e in-
formação de qualidade. Neste sentido, 
não obstante os riscos de vazamento e do
desaparecimento de documentos, a Revo-
lução Digital é um ganho inarredável. 
Propicia pesquisa, armazenamento de in-
formações em larga escala em arquivos de 
computador, e seu cruzamento matricial. 
Abre, assim, excepcionais oportunidades 
para o aprimoramento e a qualidade da 
informação que embasa a condução di-
plomática. Este é um dado incorporado à 
prática diplomática dos nossos dias que, 
por sua vez, também representa o desafi o 
de um contínuo aprimoramento tecnoló-
gico para a boa gestão, por uma Chance-
laria, de seus arquivos diplomáticos.
Feitas estas observações sobre a gestão 
de arquivos diplomáticos na era da Revo-
lução Digital, convém realçar que o hori-
zonte da informação na vida da diploma-
cia se viu alargado por outros fatores. 
Com efeito, a democratização das socie-
dades, o legado do combate ao Estado 
absolutista e o potencial que representava 
como obstáculo para a paz, segundo a li-
ção de Kant, foram fatores que contribuí-
ram para a redução do escopo do segredo 
na vida diplomática e que antecederam a 
Revolução Digital. É neste contexto que o 
presidente Wilson advogou, em 1918, a 
importância de uma diplomacia aberta e a 
eliminação de acordos internacionais se-
cretos. A tese de Wilson encontrou respal-
do no art. 18 do Pacto da Sociedade das 
Nações e, subsequentemente, no art. 102 
da Carta da ONU. Daí a regra da publici-
dade em tratados que hoje são registrados 
e divulgados pelo secretariado da ONU. 
A publicidade dos tratados internacionais 
tem o mérito de identifi car com clareza as 
normas que incidem na vida internacio-
nal assegurando, deste modo, a efetivação 
de uma das funções do Direito Internacio-
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15 VOL 19 No 4 MAR/ABR/MAI 2011
VAZAMENTOS, SIGILO, DIPLOMACIA: A PROPÓSITO DO SIGNIFICADO DO WIKILEAKS
nal que é a de informar aos Estados a 
respeito de quais são os acordados pa-
drões jurídicos de comportamento na vi-
da mundial. 
Naturalmente, nenhum tratado é ne-
gociado em praça pública, e o próprio 
Wilson apontou que a regra de publicida-
de é plena quanto aos resultados da nego-
ciação mas não quanto ao processo de ne-
gociação, como registra José Calvet de 
Magalhães no seu livro sobre a diploma-
cia. É claro que os governos, em especial 
os de países democráticos, num processo 
de negociação devem levar em conta a 
opinião pública e dar a ela indicações do 
sentido de direção do processo. No entan-
to, sem um mínimo de sigilo, de quiet di-
plomacy, não há condições de efetiva ne-
gociação. Esta é uma das razões para a 
confi dencialidade da conduta diplomáti-
ca, por um certo lapso de tempo e um dos 
motivos razoáveis para a contenção da 
instantaneidade da transparência demo-
crática, em função de válidos interesses de 
boa-fé dos Estados, justifi cadores do em-
penho no controle de vazamentos de in-
formação qualifi cada como sigilosa. Como 
lembra Calvet de Magalhães, evocando 
Jules Cambon, uma negociação é como 
uma conversa e entregar à curiosidade 
pública as hesitações, as transações, as jo-
gadas e contrajogadas dos interlocutores é 
cortar as pontes que podem levar ao en-
tendimento. 
Na vida internacional contemporânea 
há muito da diplomacia pública na diplo-
macia parlamentar que é parte da di-
plomaciaque se dá em organizações inter-
nacionais, na diplomacia de cúpula de 
reuniões presidenciais e de ministros das 
Relações Exteriores. Também é uma das 
características da diplomacia contemporâ-
nea, com um forte componente de diplo-
macia pública, o que Calvet de Magalhães 
qualifi ca como diplomacia de combate, 
com seus ingredientes de batalha ideoló-
gica, de conquista da opinião pública e de 
deslegitimação de atores do sistema inter-
nacional. Ela foi uma das notas da Guerra 
Fria no confronto bipolar entre os Estados 
Unidos e a então URSS. Ela é uma das ca-
racterísticas da diplomacia de Hugo Chá-
vez da Venezuela no seu combate ideoló-
gico aos EUA e de muitos países árabes, e 
do Irã, voltado para deslegitimar a presen-
ça de Israel no sistema internacional. 
Em síntese, se a diplomacia contempo-
rânea não é mais, como foi no passado, 
uma atividade preponderantemente sigi-
losa, convém que tenha facetas de uma 
atividade discreta para o bom exercício de 
suas funções tradicionais. Estas são a de 
manter boas relações entre Estados e em-
penhar-se em resolver os confl itos que 
entre eles possam surgir. No exercício des-
tas funções, de acordo com as normas do 
Direito Internacional, cabe a um diploma-
ta a representação de seu Estado, a prote-
ção dos seus interesses, inclusive a dos 
seus nacionais no exterior, a promoção 
econômica e cultural do país. 
Todas estas funções requerem boas in-
formações. Por isso, o inteirar-se por todos 
os meios lícitos do que se passa num Esta-
do ou numa organização internacional é 
da essência de uma missão diplomática e 
de sua atividade, devidamente reconheci-
da pela Convenção de Viena sobre as rela-
ções diplomáticas, de 1961. A garimpagem 
da boa informação é a marca distintiva da 
qualidade diplomática de um serviço ex-
terior. Como dizia Winston Churchill em 
época anterior à Revolução Digital, citado 
por Calvet de Magalhães: “O zelo e a efi -
ciência de um representante diplomático 
mede-se pela qualidade e não pela quanti-
dade de informações que fornece. Espera-
se que ele proceda a uma grande fi ltragem 
e que não faça, simplesmente, chover so-
bre nós, através das congestionadas linhas 
telegráfi cas, toda a boataria que lhe chega 
aos ouvidos”. 
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16 POLÍTICA EXTERNA
ARTIGOS
Obter informação de qualidade não é 
uma tarefa simples. Em primeiro lugar por-
que as notícias divulgadas pelos meios de 
comunicação são antes uma narrativa do 
que está acontecendo do que um relato 
preciso do que ocorreu ou está ocorrendo. 
Também a informação ofi cial, mesmo 
quando não distorcida, tende a ser a or-
ganização de um ponto de vista. Por isso, 
na garimpagem de informações e no lidar 
com sua inerente instabilidade, um diplo-
mata recorre a múltiplas fontes, para intei-
rar-se do que está ocorrendo no país no 
qual está acreditado ou na organização in-
ternacional na qual exerce função. Por 
exemplo, de pessoas da sociedade civil, de 
fi guras da oposição, dos múltiplos atores 
governamentais e não governamentais, de 
órgãos de representação de interesses e, 
naturalmente, hoje em dia, do acesso propi-
ciado pela Revolução Digital. A amplitude 
desta atividade de garimpagem, que é um 
work in progress, deve ser discreta e o seu 
resultado transmitido por telegramas di-
plomáticos – que hoje são e-mails – com-
porta para ser efi caz e atingir as chancela-
rias uma certa liberdade e espontaneidade 
de linguagem. Daí a frequente conveniên-
cia do sigilo, por um certo lapso de tempo, 
de muitas comunicações diplomáticas, pa-
ra evitar constrangimentos, reter possibili-
dades de entendimento e manter abertos os 
múltiplos canais de acesso à garimpagem 
de informações. É isto que assegura a uma 
missão diplomática a continuidade da sua 
essencial função de informar, que comporta 
analogia com a preservação do sigilo da 
fonte quando necessário ao exercício pro-
fi ssional (C. F., art. 5, XIV). Em síntese, a 
preservação da atividade de informar, re-
presentar e negociar é o que, de boa-fé, 
justifi ca, numa democracia, a existência de 
certos limites à plena instantaneidade de 
transparência da atividade diplomática. 
O grande mar de informações vazadas 
pelo WikiLeaks vem revelando condutas 
mais ou menos discutíveis. Como um
dos seus objetivos, teve o de provocar um 
escândalo político, que comporta, como 
uma das suas dimensões, como aponta 
John B. Thompson, a redução da reputa-
ção de instituições e pessoas, propiciadora 
de desconfi ança dos governados em rela-
ção aos governantes. No caso, a reputação 
do Departamento de Estado e o Departa-
mento de Defesa dos Estados Unidos e, 
por via de consequência, a redução do ca-
pital simbólico de confi ança que possuíam 
no seu país e na sua interação que mantém 
com outros países, sociedades e interlocu-
tores. O escândalo, além da vertente do 
combate político, também pode propiciar 
o entretenimento e a trivialização do que 
se discute no espaço público, gerando, nas 
palavras de Mario Vargas Llosa, um “exi-
bicionismo informativo” que, além de
colocar em questão o domínio do privado, 
difi culta o bom funcionamento das ins-
tituições democráticas. Diria, assim, para 
concluir, que o fenômeno WikiLeaks é, 
sobretudo, um precedente que, facilitado 
pela Revolução Digital, manufaturou um 
tipo de risco que precariza a plenitude da 
atividade de informar, negociar e repre-
sentar da função diplomática. Penso que 
nem os seres humanos na sua individuali-
dade singular, nem a atividade diplomáti-
ca institucionalizada suportam, com facili-
dade, a instantaneidade diária das luzes 
da plena transparência.
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17 VOL 19 No 4 MAR/ABR/MAI 2011
VAZAMENTOS, SIGILO, DIPLOMACIA: A PROPÓSITO DO SIGNIFICADO DO WIKILEAKS
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de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 
2004.
Bobbio, Norberto, Teoria geral da política – A filosofia 
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bio, trad. de Nicolao Merker). Roma: Ed. Riunitti, 1985.
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Caryl, Christian, Why WikiLeaks changes everything, 
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Lafer, Celso. Diplomacia e Transparência: o arquivo do 
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Vargas Llosa, Mario, “Conceitos vazios sobre o público 
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