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Artigo - OLHARES e TRILHAS - em construção

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TRAÇOS IDENTITÁRIOS DE LEITOR: ANÁLISE DE PERFIS ACADÊMICOS DE GRADUANDOS EM CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
Maria da Guia SILVA *[footnoteRef:2] [2: *Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, atrelada aos grupos de pesquisa Letramento e Etnografia (PPgEL/CCHLA/UFRN) e à Associação Brasileira de Estudo de Hipertexto e Tecnologias Educacionais (ABEHTE). Contato: guia.silva19@hotmail.com
**Doutora em Linguística Aplicada, Professora e Vice-diretora da Escola de Ciências e Tecnologia/UFRN e da Pós-graduação em Estudos da Linguagem/PPgEL/UFRN, vinculada aos grupos de pesquisa Letramento e Etnografia (PPgEL/CCHLA/UFRN) e Letramento do Professor (DLA/IEL/UNICAMP). Contato: gliciatinoco@ect.ufrn.br
] 
Glícia Azevedo TINOCO **
Resumo: Neste artigo, apresentamos uma discussão sobre os traços identitários de leitor revelados por graduandos do Bacharelado em Ciências e Tecnologia (BCT) no perfil acadêmico, produzido para a disciplina de Prática de Leitura e Escrita II (PLE-II) e disponibilizado no Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA), ambiente virtual de aprendizagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no semestre de 2011.1. O corpus constitui-se de dois perfis acadêmicos, selecionados de um recorte de pesquisa[footnoteRef:3] acerca da linguagem escrita na era digital. Metodologicamente, realizamos a leitura dos perfis escolhidos aleatoriamente; em seguida, analisamos a materialidade linguística dos textos mencionados para compreender o posicionamento dos graduandos do BCT no que diz respeito às práticas de leitura/escrita que efetuam. Temos por aporte teórico a concepção dialógica de língua(gem) de Bakhtin ([1929] 1995); as concepções de identidade apontadas por (HALL [1992] 2003; MOITA LOPES, 2006; BAUMAN, 2006); de letramento como prática social (KLEIMAN, 2005; OLIVEIRA, 2008; TINOCO, 2008); de ler/escrever e de acervos de graduandos (PAIVA e TINOCO, 2009). [3: Este texto é um recorte da pesquisa em andamento que tem como foco a linguagem escrita no meio digital e o processo de (re)construção da identidade de graduandos do BCT em ambiente virtual. Essa pesquisa é provisoriamente intitulada “Letramento Digital: o leitor universitário e a (re)construção de sentido do texto convencional e do hipertexto”.
] 
Palavras-chave: Leitura e escrita, Identidade discente, Ciências e tecnologia.
Abstract: In this article we present a discussion on the identity of readers revealed by bachelor`s undergraduates in Science and technology (BCT), in the academic profile of reading and written II (PLE-II) and available in the integrated system of management of academic activities(SIGAA), virtual learning environment, at Federal University of Rio Grande do Norte (UFRN) in the semester of 2011.1. The corpus consists of two academic profiles, selected by a research cutout on the written language in the digital era. Methodologically, we have performed the choose of the profile of reading at radon, then, we had analyzed the linguistic materiality of the mentioned texts to understand the graduating students positioning from BCT about the practice of reading and writing they do. We have as theoretical support the dialogic conception of language of Bakhtin (1929 - 2002); the identity conception pointed by (HALL, 2004; MOITA LOPES, 2006; BAUMAN, 2006); of literacy as a social practice (KLEIMAN, 2005; OLIVEIRA, 2008; TINOCO, 2008); of reading and writing and collections of under graduating students (PAIVA and TINOCO, 2009).
Key - words: Reading and writing, Student identity, Science and technology, Virtual learning environment.
 Introdução
O crescente desenvolvimento tecnológico e a complexidade de nossa sociedade fazem surgir novas práticas de uso da língua escrita. Tão fortes são os apelos que o mundo letrado exerce sobre as pessoas que já não lhes bastam a capacidade de “desenhar” letras ou decifrar o código da leitura. É preciso ir além da simples aquisição do código escrito para fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano e apropriar-se das funções sociais dessas duas práticas para agir no (e sobre o) mundo.
Desse modo, a cada momento, multiplicam-se as demandas por práticas de leitura e de escrita, não só na chamada cultura do papel, mas também na nova cultura da tela, com os meios eletrônicos. 
Nas palavras de Turtle (1996, p. 9 apud KLEIMAN; VIEIRA, 2006),
[...] o computador oferece-nos novos modelos de mente e um novo meio no qual projeta nossas ideias e fantasias. Mais recentemente, o computador tem se tornado mais do que uma ferramenta e um espelho: nós estamos aprendendo a viver em mundo virtual. Nós podemos descobrirmo-nos sozinhos como se navegássemos em oceanos virtuais. 
Concomitante a essa multiplicação de demandas de leitura e escrita, estamos cientes de que qualquer tentativa de conceituação de identidade no mundo virtual (e no real, físico) é bastante complexa. Isso porque, segundo Hall ([1992] 2003, p.7): “[...] as velhas identidades que, por tanto tempo, estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”.
 Para esse autor, a 'crise de identidade' é vista como parte de um processo mais amplo, que está deslocando as estruturas e os processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
Nesse sentido, por compreendermos que a (re)construção identitária do sujeito-leitor no mundo mediado pela escrita impressa e virtual gera uma discussão produtiva academicamente, dada a ‘construção móvel’ em que se configura a identidade do indivíduo do século XXI e, em especial, de graduandos de Ciências e Tecnologia, expomos no presente artigo um recorte dos dados gerados em nossa pesquisa. 
Os traços de identidade que nos propomos analisar servirão apenas como mais uma contribuição de proposição aberta a outras investigações acerca dos múltiplos usos da língua escrita no meio impresso/virtual, bem como das influências dos meios tecnológicos nas práticas discursivas e nas identidades dos sujeitos na sociedade grafocêntrica em que vivemos.
Em sendo assim, as investigações e considerações finais deste trabalho têm um caráter provisório, uma vez que o corpus da dissertação (culminância da pesquisa ora em desenvolvimento) focalizará, além do gênero perfil acadêmico, textos da ordem do argumentar, tais como: artigo de opinião e carta argumentativa.
1 Procedimentos metodológicos
O corpus do recorte deste artigo é composto por dois perfis acadêmicos produzidos pelos graduandos do BCT e postados no SIGAA. Vale ressaltar que temos autorização assinada pelos graduandos para uso de nomes, imagens e textos verbais. 
Como procedimento metodológico, realizamos a leitura dos perfis investigando, na materialidade linguística deles, elementos que caracterizam os traços identitários de leitor dos graduandos em foco. 
Para o aporte teórico, trazemos as concepções de identidade (HALL [1992] 2003; MOITA LOPES, 2006; BAUMAN, 2006), de letramento como prática social (KLEIMAN, 2005; OLIVEIRA, 2008; TINOCO, 2008) e de leitura/escrita e de acervos de graduandos (PAIVA e TINOCO, 2009).
2 Contextualização
Desde 2009, a UFRN oferece mais de 500 vagas no vestibular para o Bacharelado em Ciências e Tecnologia, distribuídas nos turnos vespertino e noturno. Além de cursarem componentes da área de ciências exatas (Fundamentos da Matemática, Cálculo I e II, Cálculo Aplicado, Álgebra Linear, entre outros), os graduandos desse curso têm como obrigatórias três disciplinas da área de “Ciências, Tecnologia e Sociedade” e três de “Práticas de Leitura e Escrita”. Essas áreas visam ao aprimoramento da formação de futuros engenheiros, físicos, matemáticos, considerando-se aspectos sociais e humanísticos que envolvem o investimento na ciência e na tecnologia.
Nossa pesquisa está vinculada ao componente Práticas de Leitura e Escrita II (cujo foco é a argumentação) e, especificamente, às seis turmasdo semestre 2011.1, que, juntas, totalizam cerca de seiscentos graduandos. 
Para fomentar o uso de recursos argumentativos, em 2011.1, o tema de várias aulas presenciais e virtuais de PLE-II foi a permanência (ou não) de publicações impressas em plena virada digital. Em uma das aulas presenciais, após a leitura de dois artigos de opinião a respeito dessa polêmica, foi ministrada uma aula expositiva sobre o gênero perfil acadêmico. Em seguida, solicitou-se aos estudantes a produção do perfil deles, a ser postado no SIGAA. Para a produção desse perfil, foram encaminhadas as seguintes instruções.
	A construção do perfil acadêmico representa uma oportunidade de o universitário mostrar sua singularidade em meio às semelhanças que reúnem, em uma mesma turma de graduação da UFRN, mais de uma centena de jovens. Considerando esse pressuposto, produza um texto no qual você se apresente e, em seguida, explicite que tipo de leitor você é (parta do princípio de que você É leitor). Considere também a discussão que estamos fazendo em PLE-II acerca da leitura de publicações impressas e/ou digitais e, nesse sentido, justifique a imagem que você faz de si mesmo na relação com o(s) modelo(s) de publicação pelo(s) qual(is) você opta.
Para ilustrar a produção gerada a partir desse exercício de escrita, analisaremos, a seguir, dois perfis produzidos por graduandos do BCT participantes de nossa pesquisa, dentre os quatrocentos e trinta e quatro que lemos. 
3 Análise
Perfis dos alunos do BCT
Vejamos a seguir o primeiro perfil que trazemos para análise. Com a autorização dos autores, preservamos o nome de autoria dos sujeitos envolvidos e mantivemos, na íntegra, os textos produzidos.
3.1. (
Perfil
Meu nome é Milagros Alvarez Sanz; tenho 18 anos. Sou Argentina; nascida na província de Buenos Aires. Me mudei para Natal ainda pequena, e aqui terminei meus estudos escolares. Ingressei na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia, aos dezesseis anos e atualmente curso o 2º período.
Quando mais nova, me dedicava mais à leitura do que agora. Porém, sempre fui de ler muito. Meu gênero preferido é o romance, mas já li livros de ficção científica e muitas crônicas, em português, inglês e espanhol. Atualmente, resolvi me desafiar um pouco mais e estou lendo “Ensaios da Loucura” de Erasmo.
Minhas preferências sempre foram por livros impressos. Porém, agora que estou na universidade, tenho mais contato com livros digitais. É muito mais fácil de transportar, e eu os encontro facilmente na internet. Mas quando se trata de livros para ler por pura paixão e hobbie, não troco um livro impresso por nada. 
Milagros Alvarez Sanz
Turma 6
)
3.1.1 – Traços identitários de Milagros
No perfil de Milagros, vemos um posicionamento explícito de “leitor de livros literários impressos”, majoritariamente ao afirmar: “Meu gênero preferido é o romance, mas já li livros de ficção científica e muitas crônicas [...]”. A esse primeiro traço identitário assumido por Milagros subjaz a concepção de “leitora do cânone”, ou seja, ao explicitar a leitora que é, ela se ancora em uma concepção elitista de leitura, ou seja, em uma demarcação implícita de certos grupos de textos e de determinados modos de ler como válidos e o desprezo aos demais (ou grande parte das leituras realizadas no cotidiano). 
Outro trecho que se deve destacar nesse perfil é “Quando mais nova, me dedicava mais à leitura do que agora”. Essa passagem do perfil nos remete ao fato de Milagros considerar que na universidade lê “menos” do que no Ensino Médio. Ratifica-se, pois, também nesse trecho, a ideia de que ler significa dedicar-se aos clássicos da literatura. 
Milagros não está sozinha na assunção dessa perspectiva. Ela apenas revozeia outros defensores da concepção elitista da leitura, a qual a considera a existência de um ‘tesouro do saber’ a ser preservado. Nesse sentido, as práticas de leitura e escrita do cotidiano são vistas como sem importância (PAIVA e TINOCO, 2009).
Na caracterização de “leitora universitária”, Milagros inclui em suas práticas a leitura em meios digitais: “Porém, agora que estou na universidade, tenho mais contato com livros digitais [...]”. Para justificar essa afirmação, a graduanda enfatiza a facilidade de transportar publicações virtuais e de a elas ter acesso.
Tal explicitação revela-nos, de certa forma, as palavras ditas por Bauman ([2004] 2005), o qual trata sobre as características de nossa época líquido-moderna, um mundo em nossa volta está dividido, fragmentado e, as nossas existências individuais são fatiadas numa sucessão de episódios fragilmente conectados. 
Nesse caso, estar total ou parcialmente ‘deslocado’ em toda parte pode ser uma experiência desconfortável, pois “as ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras são infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante, para defender as primeiras em relação às últimas.(BAUMAN [2004], 2005 p. 19).
Essa fragmentação de identidade e compreensão de si mesmo nos deixa evidente que Milagros, inconscientemente, nos reporta a Goffman (1959), num trecho citado por Kleiman e Vieira (2006), no qual o autor argumenta sobre a natureza bipartida da expressividade na construção do self:
ele [o indivíduo] impulsiona por meio do que comunica (verbalmente ou não) e pelo que emana, intencionalmente ou não, como ator na cena que se desenrola. Assim, nesse entendimento de que o sujeito projeta sua definição de acordo com a situação quando entra em cena, devemos admitir que os co-participantes também incorporam uma definição parcialmente influenciada pela apresentação do self do ator que já entrou no jogo. (GOFFMAN [1959:2] apud KLEIMAN e VIEIRA, 2006).
Podemos dizer, então, que essa graduanda, na elaboração de seu perfil acadêmico, projeta suas imagens de si de acordo com o contexto de atuação e também impulsionada pelos coparticipantes dessa situação comunicativa; no caso, professores de PLE e colegas graduandos que ao perfil teriam acesso via Sigaa. 
O segundo perfil selecionado para este artigo é o do graduando Harônio. Vejamos.
3.2.
 (
Perfil
Meu nome é Harônio Rodrigues Ferreira, tenho 21 anos, solteiro e não tenho filhos. Sou cearense, mas desde os três anos de idade eu resido aqui em Natal. Estou cursando o 3º período do Bacharelado de Ciências e Tecnologia (BCT). Ao concluir o BCT pretendo ingressar em Engenharia Mecatrônica, pois trabalho na área e gosto muito dos componentes envolvidos neste curso.
Trabalho com manutenção de equipamentos eletroeletrônicos, em função disso, eu preciso estar sempre atualizado sobre as novidades do setor. Portanto consulto diariamente os “datasheets” (manuais de componentes eletrônicos) nos sites dos fabricantes e artigos técnicos relacionados à área que recebo constantemente por e-mails. Ocasionalmente faço a leitura de artigos impressos, mas devido à facilidade e agilidade opto pelo meio eletrônico.
 Turma: 
02
)
3.2.1 – Traços identitários de Harônio
O perfil do graduando Harônio apresenta alguns elementos que o caracterizam em uma perspectiva de leitor que é diferente da assumida por Milagros. Trata-se de um leitor de manuais virtuais de componentes eletrônicos: “[...] Portanto consulto diariamente os ‘datasheets’ (manuais de componentes eletrônicos) nos sites dos fabricantes [...]”. 
Harônio salienta, em seu perfil, os traços identitários de leitor que acompanha o caráter da mudança da modernidade tardia, especificamente o fenômeno conhecido por ‘globalização’ e seu impacto sobre a identidade cultural. Em essência, essa consulta diária é o que o distingue de outros graduandos por suas práticas sociais recorrentes. 
Nesse sentido, a experiência de leitor que Harônio desenvolve com os mencionados ‘datasheets’ não é só definida pela mudança constante, abrangente e contínua das práticas de leitura requeridas pela esfera do trabalho, mas pela forma reflexiva com que ele pensa a leitura a partir das práticas sociais de sua própria vida, (GIDDENS1990 apud HALL, 2003, p. 15). 
Além de ser leitor de manuais de componentes eletrônicos, outro traço identitário assumido pelo graduando é o de ser leitor de artigos digitais da área que trabalha: “[...] e artigos técnicos relacionados à área que recebo constantemente por e-mails [...]”. 
Quando Harônio se posiciona leitor desses manuais, somos convidados a pensar acerca dos posicionamentos de sujeitos inseridos num mundo de identidades globais e de identidades locais, sendo que as últimas ficam com os restos simbólicos e materiais daqueles que, tendo identidades globais, podem ser fluidos e rápidos e desfrutam dos benefícios que traz a tecnologia (BAUMAN, 1999 apud MOITA LOPES, 2006 p. 92:94) por ter condições de usar as técnicas contemporâneas. Desse modo, esse graduando é cada vez mais exposto a múltiplos projetos identitários, como também à percepção da heterogeneidade identitária coexistindo em um mesmo ser social.
Aos trechos destacados do perfil em análise subjaz a concepção de leitura como prática social vinculada ao mundo do trabalho: “[...] Trabalho com manutenção de equipamentos eletroeletrônicos, em função disso, eu preciso estar sempre atualizado sobre as novidades do setor [...]”.
Kleiman (2005), Oliveira (2008), Tinoco (2008) teorizam acerca dos usos sociais da escrita, ou seja, o(s) letramento(s) como prática social. Essa compreensão de que a leitura e a escrita fazem a mediação de nossas ações no mundo ocasiona uma ampliação conceitual importante. Ler não se restringe ao cânone literário; lemos e escrevemos nas mais diferentes esferas de atividade (BAKHTIN [1929] 1995) de que participamos. Nesse sentido, Kleiman (1995: 19) assevera que letramento se configura como um "[…] conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos". 
É notável que Harônio, até na escolha da fotografia para o perfil, revela-nos um viés associado a mercado de trabalho. Ele escolheu uma fotografia com alto nível de definição facial, bom ângulo e na qual se veste formalmente. Isso não significa, porém, uma tentativa de assumir uma identidade fixa, permanente, mas uma forma de responder às expectativas de seus leitores. 
Em outras palavras, podemos afirmar que, exatamente por não ser uma resposta aleatória, Harônio lançou sua contrapalavra (BAKHTIN [1929] 1995) a partir das imagens que constrói dos coparticipantes dessa atividade de leitura, com os quais mantém a interação propiciada pelo perfil apresentado. 
Percebemos também nesse perfil que, apesar da opção declarada de ser leitor de meios digitais, o graduando enfatiza a coexistência entre a publicação impressa e a publicação digital: “[...] Ocasionalmente faço a leitura de artigos impressos, mas devido à facilidade e agilidade opto pelo meio eletrônico [...]”. 
Ao tratarmos do papel do computador para a reconstrução de identidade, Turkle (1996 apud KLEIMAN e VIEIRA, 2006) nos permite dizer que o repensar da identidade humana e da máquina não está tomando lugar somente entre filósofos, mas ‘no chão da tela’, reportando-se ao cotidiano das pessoas. Esse paralelo pode ser confirmado a partir da leitura do perfil do graduando do BCT que analisamos neste artigo.
4 Resultados
Os perfis acadêmicos apresentados neste artigo nos fazem repensar o papel da tecnologia como meio para a (re)constituição das identidades do sujeito no mundo mediado pela Internet. De fato, não se pode dizer que a concepção elitista da leitura deu lugar a uma perspectiva mais globalizada e mais cotidiana das práticas sociais mediadas pela leitura. Dentro de um mesmo sujeito, há o embate entre essas concepções, tal qual salienta Milagros. A faceta de leitor mais voltado para a tecnologia e para as demandas do trabalho também não fazem de Harônio um sujeito uno. Há uma pluralidade que nos constitui. É isso que os dados gerados até o momento vêm nos mostrando. 
Os perfis ora analisados e os demais que constituem o corpus de nossa pesquisa apontam para um (re)direcionamento dos traços identitários dos graduandos do BCT: eles não são apenas leitores de livros impressos sugeridos pela academia tampouco leitores exclusivos dos meios digitais. Eles são leitores de textos de diferentes gêneros discursivos em suportes midiáticos; são escritores e escreventes de blogs, e-mails, twitters; são, ao mesmo tempo, apreciadores do texto impresso, do qual gostam de “sentir o cheiro”, de “fazer marcações nas páginas”... 
No geral, fica evidente que, na análise dos perfis acadêmicos, a imagem refletida que os alunos têm de si e tentam construir aos possíveis leitores é influenciada também pela utilização do computador, mas não só. Há outros objetos e parâmetros a se considerar tanto na universidade quanto fora dela, agregando-se (ou não) ao ensino e influenciando a (re)constituição fluida da identidade do sujeito-leitor. 
Considerações provisórias
Desde os tempos mais remotos, as tecnologias estiveram presentes na vida das pessoas. Das mais rudimentares às mais sofisticadas, elas sempre causaram modificações nas mais diversas esferas de atividade humana, incluindo-se aí o cenário educacional. É necessário, então, que tenhamos domínio dessas tecnologias (entendemos aqui a escrita também como tecnologia) para integrá-las de maneira adequada e eficiente na educação e para compreender melhor como elas influenciam a (re)construção da identidade leitora dos sujeitos do século XXI. 
Afinal, as práticas de leitura e escrita estão em todas as nossas ações, seja quando consultamos ‘datasheets’ nos sites dos fabricantes de equipamentos sofisticados, seja quando lemos ‘Ensaios de loucura’, de Erasmo, por pura fruição, seja quando escrevemos um e-mail solicitando informações a um professor ou a um colega de turma... Cabe-nos enxergar toda essa multiplicidade de práticas de leitura e escrita (impressa e/ou virtual), como contribuição para a formação e a (re)construção identitária de sujeito/escritor do Bacharelado em Ciências e Tecnologia.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. [1929]. Marxismo e filosofia da linguagem. 7ª ed. São Paulo: Hucitec, 1981.
BAUMAN, Zygmunt. [2004]. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
HALL, Stuart. [1992]. A identidade cultural na pós-modernidade. 8ª Ed, Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
KLEIMAN, Angela B. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. 
KLEIMAN, A.B. , VIEIRA, J.A. O impacto identitário das novas tecnologias da informação e comunicação (Internet). In: MAGALHÃES; CORACINI; GRIGOLETTO (orgs.). Práticas identitárias: língua e discurso. São Paulo: Claraluz, 2006.
MOITA LOPES, L.P.(org.).Por uma lingüística aplicada INdisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
OLIVEIRA, M.S.; KLEIMAN, A.B.(orgs.).Letramentos múltiplos: agentes práticas e representações. Natal/RN: EDUFRN, 2008.
PAIVA, T.C.; TINOCO, G.A.T. Concepções de ler/escrever e acervos de graduandos em ciências e tecnologia - artigo publicado no II Simpósio Nacional de Linguagens e Gêneros Textuais (SINALGE), em 2009.
TINOCO, G. M. A. de M. 2008. Projetos de letramento: ação e formação de professores de língua materna. 2008. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – DLA, IEL, UNICAMP, Campinas, SP. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code= 000436194>. Acesso em 18 mar 2011.
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