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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO VICTÓRIA ROCHA SILVA ALBUQUERQUE O DIREITO À DESINDEXAÇÃO DIANTE DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O DIREITO AO ESQUECIMENTO Brasília 2022 VICTÓRIA ROCHA SILVA ALBUQUERQUE O DIREITO À DESINDEXAÇÃO DIANTE DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O DIREITO AO ESQUECIMENTO Trabalho de conclusão de curso de Graduação em Direito apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília como requisito para a obtenção do grau de Bacharela em Direito. Orientadora: Prof. Dra. Ana de Oliveira Frazão Vieira de Mello BRASÍLIA 2022 VICTÓRIA ROCHA SILVA ALBUQUERQUE O DIREITO À DESINDEXAÇÃO DIANTE DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O DIREITO AO ESQUECIMENTO Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Direito junto à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, pela seguinte banca examinadora: Orientadora: _______________________________________________________________________ Prof. Dra. Ana de Oliveira Frazão Vieira de Mello Orientadora – Universidade de Brasília (UnB) ______________________________________________________________________ Prof. Carina Lellis Nicoll Simões Leite Examinadora – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ______________________________________________________________________ Prof. Maria Cristine Branco Lindoso Examinadora – Universidade de Brasília (UnB) Brasília, 2 de maio de 2022 Para Elza e Iracylio, com todo o amor que eles semearam em meu coração. “I want to say to all the young woman out there: there are going to be people along the way who will try to undercut your success or take credit for your accomplishments… But if you just focus on the work, someday, when you get to where you’re going, you’ll look around and you’ll know that it was you and the people who love you who put you there and it will be the greatest feeling in the world.” Taylor Swift AGRADECIMENTOS “E se você acordasse amanhã só com o que você agradeceu hoje?” – Essa pergunta apareceu para mim durante um dos momentos mais difíceis que vivi. Sem dúvidas, janeiro e fevereiro de 2022 foram meses atípicos e de muita provação de fé. Foram duas cirurgias e vinte e sete dias de internação por conta de uma apendicite. Estar concluindo a graduação é não somente uma vitória, mas um verdadeiro milagre. Então, gostaria de agradecer a Deus pelo zelo e por sempre oferecer as melhores coisas para minha vida. Aos meus amados pais, Andréa e Renato, minha eterna gratidão por acreditarem em mim. Eu nada seria se não fossem vocês. Mãe, obrigada por todos os sacrifícios, pelos incontáveis ensinamentos – como mãe e como professora – e por todo o incentivo para que eu entendesse que a educação é a arma para mudar o mundo. Pai, obrigada pela parceria, pelo ombro amigo em tempos difíceis e por nunca poupar sinceridade quando o objetivo era extrair minha melhor versão. Essa conquista também é compartilhada com minha pequena grande família, sempre tão presente. Aos meus queridos avós, Zuleide e Marcos, pela fé, pelo apoio e orgulho imensurável que têm de mim. Aos meus saudosos avós, Elza e Iracylio, a quem dedico esse trabalho e que hoje são meus anjos da guarda. À minha madrinha, Lúcia, que mesmo de longe nunca deixou de cuidar de mim. Aos meus irmãos, Pedro, João Victor e João Gabriel, meus raios de sol em dias duros. Às minhas tias, Adjane, Amanda, Jeane e Marcela, e tios, André, Ronaldo e Rodrigo, pelo carinho e conselhos inigualáveis. Às minhas primas, Júlia, Geovana, Ana Laura, Manuela, Luana e Maria Luiza, e ao meu primo, Artur, pela cumplicidade que extrapola os laços familiares. Ao meu amor, Fernando Marciano, que acompanhou todas as alegrias e dificuldades dos últimos oito anos. Foi o maior incentivador para que eu fosse em busca da profissão que tanto queria e aquele que me tirou do fundo do poço quando eu pensava não ter mais forças. Tudo isso enquanto ainda me ensinava a amar e ser amada da melhor forma possível. Palavras nunca serão o suficiente para agradecer tudo o que você fez e faz por mim, eu te amo. Agradeço também à minha psicóloga, Kátia Jaccoud, por me fazer desafiar crenças limitantes e abraçar meus defeitos, por todo o auxílio para que eu evoluísse cada vez mais e por ter se tornado uma amizade inesperada, mas tão querida. Às minhas amigas irmãs de longa data, Helena Hadelich, Isabela Pradera, Julia Uchoa, Manuela Lins e Natalia Peronico, que me inspiram a ser uma mulher como elas, que nunca duvidaram do meu potencial, que vibram minhas vitórias e me consolam nas minhas falhas e sempre estiveram comigo durante essa jornada. Vocês têm residência permanente no meu coração. Aos amigos que chegaram pela UnB: Daniel Victor Prata, João Victor Sampaio, Julia Kokay, Lucas Orsi, Marina Amaral, Nauê Bernardo de Azevedo, Rafaela Valentina Braga, Rodrigo Monteiro, Sandryelle Alves, Sara Assis, Victor Frank e tantos outros. Obrigada pelo acolhimento, pela confidência e por terem compartilhado dos melhores anos da minha vida. Fico realizada em saber que o laço que formamos é permanente e vai muito além da universidade. Por último, mas não menos importante, há muito a agradecer às amizades que surgiram no ambiente de trabalho e, desde então, tornaram meus dias mais leves. Chandra Guimarães, Clara Accioly, Giulia Bosso e Laís Ribeiro, hoje vocês são parte de mim. Obrigada pelo suporte absurdo e pelo carinho de outras vidas. Amo vocês! À excepcional equipe do Gabinete do Ministro Luís Roberto Barroso do STF, em especial à Carina Lellis, que me recebeu tão crua e tanto me ensinou durante dois anos. Obrigada pela oportunidade de trabalhar e me apaixonar pelo direito constitucional e por sempre fazerem lembrar que “ninguém é bom demais, ninguém é bom sozinho e que é preciso agradecer”. Aos meus supervisores nos estágios no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no escritório Gustavo Binembojm & Associados, meu muito obrigada pelo amparo e pela contribuição na minha formação como jurista. E à equipe do escritório Pinheiro Neto Advogados, que acaba de me abrir as portas, meu muito obrigada pela confiança e oportunidade de integrar um time de excelência. À Ana Frazão, minha querida professora que gentilmente aceitou o convite de me orientar neste trabalho, e às membras da banca examinadora, professoras Carina Lellis e Maria Cristine Lindoso, dedico minha mais sincera admiração. A potência que cada uma, à sua maneira, tem dentro e fora do ambiente acadêmico é inspiradora e faz graduandas como eu acreditarem que um dia também podem ocupar posições de destaque profissional. Agradeço pelas oportunidades de reflexão e aprendizado, sempre em um nível de maestria, mas também acessíveis e afetuosas. Por fim, à Universidade de Brasília, sonho de infância que acolheu a Victória de dezessete anos ainda na enfermagem e foi essencial para meu processo de autoconhecimento. É incrível ver como a experiência na UnB explodiu a bolha em que eu vivia. Foi lá que comecei a enxergar as múltiplas realidades que me cercavam, criei consciência do meu lugar no mundo e do que poderia fazer para devolver à sociedade todo o conhecimento que ela estava investindo em mim. Mesmo com o sucateamento da educação, participei ativamente do tripé universitário e tive a oportunidade de ter comigo os melhores preceptores. É com muito orgulho que digo que souformada pela “balbúrdia”, oitava melhor do Brasil. RESUMO Após a declaração de inconstitucionalidade do direito ao esquecimento pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 786 da Repercussão Geral), ganha força a discussão a respeito da possibilidade de aplicação do direito à desindexação para resolução de eventuais excessos e abusos na liberdade de expressão e acesso à informação. No entanto, o instituto da desindexação ainda carece de previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, sendo tão somente uma construção jurisprudencial. Com o objetivo de oferecer maior segurança jurídica à aplicação do direito à desindexação e de, futuramente, elaborar um aparato legal próprio para o tema, é essencial compreender de que forma os provedores de busca preparam seu sistema de algoritmos para organizarem a ordem de resultados de determinada indexação e conhecer os motivos que justificam o porquê esse sistema é tão obscuro. Palavras-chave: Direito a desindexação; Direito ao esquecimento; Mecanismos de busca; Direitos da personalidade; Liberdade de expressão; Acesso à informação; Algoritmos; Inteligência artificial. ABSTRACT After the declaration of unconstitutionality of the right to be forgotten by the Federal Supreme Court (Theme 786 of Leading Case Status), the discussion about the possibility of applying the right to deindexation to resolve eventual excesses and abuses in freedom of expression and access to information gains strength. However, the institute of deindexation still lacks legal provision in the Brazilian legal system, being only a jurisprudential construction. With the objective of offering greater legal certainty to the application of the right to deindexing and, in the future, to develop a legal apparatus for the subject, it is essential to understand how search providers prepare their algorithm system to organize the order of search results. certain indexing and to know the reasons that justify why this system is so obscure. Keywords: Deindexing; Right to be forgotten; Search engines; Personality rights; Freedom of expression; Access to information; Algorithms; Artificial intelligence. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO 1 – O DIREITO AO ESQUECIMENTO 15 I) O ADVENTO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO EM ÂMBITO INTERNACIONAL 15 II) O DESDOBRAMENTO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NOS TRIBUNAIS NACIONAIS 17 III) A DECISÃO PELA INCOMPATIBILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO COM O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 21 a. Contextualizando o caso Aída Curi 21 b. Comentários sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ 23 CAPÍTULO 2 – O DIREITO À DESINDEXAÇÃO 28 I) A DESINDEXAÇÃO COMO POSSÍVEL SOLUÇÃO PARA OS EVENTUAIS EXCESSOS E ABUSOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO MEIO DIGITAL 28 II) ESQUECIMENTO E DESINDEXAÇÃO: COMO DIFERENCIÁ-LOS? 29 III) A NECESSIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DO ATUAL ENTENDIMENTO FIXADO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE BUSCA PELO CONTEÚDO GERADO POR TERCEIROS 32 IV) O PAPEL DOS ALGORITMOS DAS PLATAFORMAS DE BUSCA E A INFLUÊNCIA NA TOMADA DE DECISÃO: QUAIS OS OBSTÁCULOS A SEREM ENFRENTADOS 37 CAPÍTULO 3 – A DESINDEXAÇÃO NA PRÁTICA E SEUS DESAFIOS 41 I) INOVAÇÕES A SEREM PENSADAS PARA PERMITIR A VIABILIDADE DA DESINDEXAÇÃO 41 II) O APERFEIÇOAMENTO DA INDEXAÇÃO 46 a. O problema dos algoritmos secretos e o uso da responsibility, da accountability e da answerability como solução 46 b. Lacunas legislativas, regulação e fiscalização legal da inteligência artificial 50 CONCLUSÃO 54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 56 ANEXO I 60 11 INTRODUÇÃO “Tudo na vida se faz por recordações”, como já dizia Fernando Pessoa1. Apesar disso, nos últimos anos, é possível constatar uma movimentação curiosa no mundo jurídico de uma série de demandas relacionadas a fatos pretéritos e constrangedores relacionados a determinado indivíduo. Essas discussões têm por finalidade a validação da existência do chamado direito ao esquecimento. A primeira vez que o termo “direito ao esquecimento” foi utilizado foi na Europa e, após alguns anos, a discussão chegou ao Brasil. O assunto era alvo de muitas controvérsias doutrinárias, havendo quem defendesse sua validade e também aqueles que acreditavam na incompatibilidade do esquecimento com o ordenamento jurídico brasileiro. Diante desse contexto de polaridade de opiniões a respeito do tema, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou o RE nº 1.010.606/RJ e o Tema 786 da Repercussão Geral. A pretensão era decidir sobre a aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando este fosse invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares. Por maioria, o Plenário do STF decidiu que o direito ao esquecimento seria incompatível com a Constituição Federal. Contudo, a tese firmada deixou uma brecha: nas hipóteses em que fossem constatados eventuais excessos ou abusos da liberdade de expressão e de informação, o Tribunal teria que tutelar o direito da personalidade lesado. Assim, a decisão do STF pela inconstitucionalidade do direito ao esquecimento é o ponto de partida para a análise feita pelo presente trabalho. Aqui, não se pretende fazer qualquer juízo de valor a respeito do teor da decisão: simplesmente se passa do pressuposto que ela existe e gera efeitos em todo o ordenamento jurídico. Entendemos, no entanto, que a mera declaração de inconstitucionalidade do esquecimento não impede que demandas relacionadas a influência que fatos passados constrangedores causam no presente continuem sendo ajuizadas. Diante disso, e considerando a lacuna deixada pelo próprio STF no julgamento do tema, há de se refletir sobre uma possível resposta para a tutela dos direitos da personalidade, na medida em que também se observa os limites da liberdade de expressão, direito fundamental altamente relevante em um Estado Democrático de Direito. 1 PESSOA, Fernando. Ama-se por memória. Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/ama-se-por-memoria-alvaro-de-campos-fernando-pessoa/. Acesso em 3.3.2022. https://www.revistaprosaversoearte.com/ama-se-por-memoria-alvaro-de-campos-fernando-pessoa/ 12 De imediato, uma resposta que pareceu viável foi o uso do direito à desindexação para resolução dessas demandas. Mas, para ter a certeza, era preciso dar uma resposta às seguintes indagações: (i) em que medida essa decisão da Suprema Corte valida e reforça as discussões a respeito da desindexação?; e (ii) o que pode ser feito para aperfeiçoar não somente a desindexação, mas a indexação em si, de modo que ambos os institutos resguardem os direitos da personalidade, no plano individual, mas ainda observem o acesso à informação e a liberdade de expressão no plano coletivo? Para responder tais questionamentos, iniciamos pela pesquisa jurisprudencial sobre o tema, no plano internacional e nacional. A pretensão era entender quais soluções os Tribunais estavam oferecendo para os litígios fundamentados no direito ao esquecimento. Para nossa feliz surpresa, pudemos constatar que havia o registro de decisões que determinaram que os provedores de busca desvinculassem determinado link lesivo do nome da pessoa física requerente. Em conjunto, foi realizada a pesquisa bibliográfica, visando entender as peculiaridades do esquecimento e da desindexação, de modo a diferenciá-los. Pela pesquisa também pudemos constatar o ativo e relevante papel dos mecanismos de busca, que usam e abusam de algoritmos cuja forma de funcionamento é bastante obscura para gerenciar todo o fluxo informacional na Internet de acordo com os interesses de cada usuário. A relevância do presente estudo reside no fato de que, com o avançar do desenvolvimentotecnológico e da sociedade da informação, as plataformas online dominaram o mercado e ganharam a confiança de grande parte – se não toda – a população. Assim, as informações ali disponibilizadas gozam de grande credibilidade e podem ocasionar graves danos à pessoa física a depender da forma que esse conteúdo é selecionado, ranqueado ou sugerido para o usuário. O ordenamento jurídico brasileiro já prevê formas de resolução de problemas quando a informação disponibilizada na Internet é falsa. Porém, há casos em que os fatos realmente são verdadeiros, mas que, em virtude da passagem do tempo, tornaram-se defasados e, consequentemente, constrangedores e até mesmo danosos para a pessoa a qual dizem respeito. A título exemplificativo, podemos citar a Xuxa Meneghel e a repercussão negativa que o filme do qual participou, “Amor Estranho Amor”, teve com o passar dos anos. Como consequência, Xuxa teve (e ainda tem) sua imagem lesada em razão do vínculo com o episódio polêmico. Nesse sentido, Chris Martin, fundador da Reputation Hawk, uma empresa que ajuda na proteção e limpeza da reputação dos ofendidos na Internet, resume: “[e]squeça suas referências, 13 seu currículo e o diploma pendurado na sua parede. O que quer que esteja no top 10 resultados de busca do seu nome no Google é o que define a sua imagem”2. Ratificando a fala de Martin, Michael Fertik, CEO da ReputationDefender, empresa do mesmo ramo, esclarece que “as pessoas que estão acessando informações sobre você na Internet não precisam acreditar no que leem sobre você – basta que seja plantada uma dúvida razoável”. Dessa forma, pensando na maximização da redução de danos para qualquer pessoa física que venha a ter informações verdadeiras sobre si disponibilizadas no mundo digital, parece razoável dizer que a desindexação poderia ajudar a preservar seus direitos de personalidade, mas também observar a liberdade de expressão, visto que a publicação original continuaria preservada. Considerando que o primeiro resultado exibido em uma pesquisa orgânica feita no Google tem uma taxa de cliques (“CTR”) de, em média, 31,7% e 10 vezes mais chance de ser clicado quando comparado ao link indexado em 10ª posição3, também faz sentido afirmar que o aperfeiçoamento da indexação seria igualmente um bom caminho para a tutela da personalidade e da liberdade de expressão, de modo a exibir os resultados de pesquisa em uma ordem fidedigna com o atual estado das coisas. Assim, visando oferecer o mais completo entendimento sobre a temática, a estrutura do presente trabalho ficou da seguinte forma: No Capítulo 1, o direito ao esquecimento é o foco. O objetivo é compreendê-lo, de seus primórdios até a declaração de inconstitucionalidade, com o intuito de saber perfeitamente em que medida a desindexação seria cabível. O Capítulo 2 tem como cerne o direito à desindexação. Além da compreensão conceitual, busca-se entender sua forma de funcionamento, como acontece para que os mecanismos de busca respondam por eventuais danos causados e como o sistema de algoritmos desses websites são complexos e desconhecidos no mundo jurídico. Por fim, o Capítulo 3 trata sobre os obstáculos a serem superados para a aplicação prática da desindexação. Aqui, são feitas sugestões a respeito da exigência de parâmetros objetivos, de 2 A demanda era tanta e o negócio se tornou tão relevante que hoje é possível encontrar uma série de companhias oferecendo esse tipo de serviço no mercado: Reputation Hawk, eVisibility, ReputationDefender, Converseon, International Reputation Management e 360i são exemplos. O serviço consiste em, basicamente, produzir conteúdo positivo no nome daquele cliente, de modo que os primeiros resultados de pesquisa do Google sejam alterados. O custo varia de US$ 500 a US$ 10.000 mensais. Mais informações em: https://www.wired.com/2009/02/you-are-what-go/. Acesso em 3.4.2022. 3 DEAN, Brian. We analyzed 5 million Google Search Results Here’s What We Learned About Organic Click Through Rate. BACKLINKO, 27 de ago. 2019. Disponível em: https://backlinko.com/google-ctr- stats Acesso em 3.4.2022. https://www.wired.com/2009/02/you-are-what-go/ https://backlinko.com/google-ctr-stats https://backlinko.com/google-ctr-stats 14 modo a garantir segurança jurídica aos eventuais requerentes da desindexação, e também é feita uma reflexão a respeito dos próximos passos a serem tomados no que diz respeito à regulação da inteligência artificial. 15 CAPÍTULO 1 – O DIREITO AO ESQUECIMENTO I) O ADVENTO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO EM ÂMBITO INTERNACIONAL Para melhor entender a influência do direito ao esquecimento na atualidade é preciso voltar os olhares para o contexto em que ele se tornou uma demanda jurídica, seja no plano internacional seja no contexto brasileiro. Feito isso, é possível traçar comentários sobre a repercussão do tema entre doutrinadores e nos tribunais brasileiros, que por muitas oportunidades já foram provocados para tratar sobre o direito ao esquecimento. A primeira menção ao termo (droit à l’oubli) foi na França, em 1965, no notório caso Landru4. A expressão foi formulada pelo jurista Gérard Lyon-Caen durante a análise do acórdão do referido caso. Em síntese, a Mademoiselle Segret, ex-amante do serial killer Henri Landru e sua companheira durante o tempo em que esteve preso e foi condenado à morte, ajuizou ação indenizatória contra o cineasta Claude Chabrol, a produtora e a distribuidora de cinema em virtude da produção de um documentário sobre a vida do assassino. Segret argumentou que o filme a relembrava de um evento traumático ao exibir o relacionamento amoroso que teve com o criminoso e por usar seu nome verdadeiro sem qualquer autorização. O Tribunal de Grande Instance de La Seine, contudo, decidiu que um filme que somente retomava fatos não podia ser considerado ilícito. Outro precedente relevante para o estudo e compreensão do direito ao esquecimento é o caso Lebach5, apreciado pelo Tribunal Constitucional da Alemanha em 1969. Um cidadão condenado e supostamente envolvido no assassinato de quatro soldados alemães na cidade de Lebach estava prestes a sair da prisão quando um canal de televisão anunciou um documentário sobre o crime, expondo os fatos detalhadamente, citando inclusive nomes. Diante disso, o sujeito ajuizou uma ação com a pretensão de que o programa não fosse veiculado. A Corte alemã reconheceu o direito de ele ser “esquecido” por entender que a reconstituição dos fatos traria danos injustos, uma vez que o autor já havia cumprido a pena que lhe havia sido imposta. 4 PINHEIRO, Denise. A Liberdade de Expressão e o Passado: desconstrução da ideia de um direito ao esquecimento. 2016. 287 p. Tese (Doutorado em Direito) – Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2016.Disponível em https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/169667/342648.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 3.3.2022. 5 OLIVEIRA, Caio César de. Eliminação, Desindexação e Esquecimento na Internet. 1ª ed., São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 28. https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/169667/342648.pdf?sequence=1&isAllowed=y 16 O caso Landru e o caso Lebach representam o direito ao esquecimento em seu modelo clássico, isto é, relacionado à esfera penal e à ideia de ressocialização. A partir de 2014, com o julgamento do caso Costeja González x Google Spain, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), o direito ao esquecimento ganhou novos significados e seu escopo foi – e vem sendo – drasticamente expandido. A decisão, que será revisitada ao longo do presente trabalho, foi um marco porque trouxe, pela primeira vez, a aplicação do “esquecimento” na Internet. Ao buscar por seu nome no Google, o senhor Mário González se deparou com uma notícia de 1998 sobre uma dívida que tinhacom a seguridade social espanhola e que há tempo havia sido paga. Diante disso, ingressou com uma reclamação na Agencia Española de Protección de Datos (“AEPD”) em face do jornal La Vanguardia, da Google Spain e da Google Inc. Solicitou que as páginas fossem suprimidas ou alteradas e que seus dados pessoais fossem ocultados para que a notícia não aparecesse nos resultados de busca por seu nome. A Agencia rejeitou o pedido em relação ao jornal, mas entendeu que os motores de busca6 se responsabilizam pelo tratamento de dados pessoais por se submeterem à General Data Protection Regulation (“GDPR” – lei de proteção de dados) e, portanto, deferiu a desindexação, isto é, a retirada daqueles resultados de pesquisa7. O caso foi, então, encaminhado para o TJUE em grau recursal por ser hipótese de interpretação da Diretiva 95/46/CE8, que à época era texto de referência, a nível europeu, em matéria de proteção de dados. Por fim, o Tribunal (i) reconheceu a plausibilidade do titular de dados pessoais pleitear a desindexação de links relacionadas ao seu nome com fundamento no art. 12, (b) e no art. 14, (a) da referida Diretiva; (ii) estabeleceu que o provedor de busca atua 6 Sobre o conceito de motor/provedor de busca, o STJ entende o seguinte: “[n]a hipótese específica dos sites de busca, verifica-se a disponibilização de ferramentas para que o usuário realize pesquisas acerca de qualquer assunto ou conteúdo existente na web, mediante fornecimento de critérios ligados ao resultado desejado, obtendo os respectivos links das páginas onde a informação pode ser localizada. Essa provedoria de pesquisa constitui uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário.” In: REsp nº 1.316.921/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 26.6.2012, p. em 29.6.2012. 7 RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Direito de apagar dados e a decisão do tribunal europeu no caso Google Espanha. ConJur, 2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-mai-21/direito-apagar- dados-decisao-tribunal-europeu-google-espanha. Acesso em 5.3.2022. 8 Promulgada em 1995, a Diretiva 95/46/CE institui um quadro regulamentar com o objetivo de equilibrar vida privada e livre circulação de dados. Confira-se: https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/LSU/?uri=celex:31995L0046. Acesso em 5.3.2022. https://www.conjur.com.br/2014-mai-21/direito-apagar-dados-decisao-tribunal-europeu-google-espanha https://www.conjur.com.br/2014-mai-21/direito-apagar-dados-decisao-tribunal-europeu-google-espanha https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/LSU/?uri=celex:31995L0046 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/LSU/?uri=celex:31995L0046 17 como controlador devido à indexação; e (iii) declarou que as informações questionadas perderam a conveniência com o decurso do tempo9. II) O DESDOBRAMENTO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NOS TRIBUNAIS NACIONAIS Mesmo sem qualquer previsão normativa sobre o tema, juristas e doutrinadores brasileiros acompanharam o debate internacional e já demonstravam interesse pelo direito ao esquecimento ainda nos anos 9010 e, com o passar do tempo, a discussão finalmente alcançou os Tribunais nacionais. No entanto, a análise da jurisprudência brasileira leva à constatação da pluralidade de fundamentações na aplicação do direito ao esquecimento. A expansão do conceito ocasionada pelo caso Costeja González é, portanto, perceptível. O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) já lidou com a temática em algumas ocasiões que merecem destaque. No caso Chacina da Candelária11, o programa de TV “Linha Direta Justiça” exibiu a reconstituição do crime, expondo nomes e imagens dos acusados à época pelo assassinato de oito jovens em situação de rua. Um dos suspeitos, contudo, havia sido absolvido pelo Tribunal do Júri e, diante da exibição, propôs uma ação indenizatória em face da TV Globo. O direito ao esquecimento e o abuso de informar foram reconhecidos em primeira instância e pelo STJ, em grau recursal. Segundo o Tribunal, “a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional”. Quanto ao Recurso Especial (“REsp”) nº 1.316.921/RJ12, na origem Xuxa Meneghel ajuizou ação contra a Google Brasil com a pretensão de desvincular seu nome de resultados relacionados ao filme “Amor Estranho Amor”, no qual contracena seminua com um menor de idade. Além do pedido de desindexação, Xuxa percebeu que ao digitar seu nome na caixa de 9 A íntegra da decisão está disponível na seguinte página: https://eur-lex.europa.eu/legal- content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A62012CJ0131 Acesso em 5.3.2022. 10 JÚNIOR RODRIGUES, Otávio Luiz. Brasil debate direito ao esquecimento desde 1990. ConJur, 2013. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-brasil-debate-direito- esquecimento-1990. Acesso em 4.3.2022. 11 STJ. REsp nº 1.334.097/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 28.5.2013, p. em 10.9.2013. Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201201449107&dt_publicacao= 10/09/2013. 12 STJ. REsp nº 1.316.921/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 26.6.2012, p. em 29.6.2012. Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201103079096&dt_publicacao= 29/06/2012. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A62012CJ0131 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A62012CJ0131 https://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-brasil-debate-direito-esquecimento-1990 https://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-brasil-debate-direito-esquecimento-1990 https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201201449107&dt_publicacao=10/09/2013 https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201201449107&dt_publicacao=10/09/2013 https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201103079096&dt_publicacao=29/06/2012 https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201103079096&dt_publicacao=29/06/2012 18 busca termos como “pedófila” eram automaticamente sugeridos pela Google àquele usuário, que sequer poderia ter a pretensão de realizar aquela pesquisa específica, mas foi induzido a fazê-la. Diante disso, pediu também pela exclusão da sugestão de pesquisa desses termos. A resposta do Tribunal, contudo, foi negativa. O STJ negou provimento ao pedido da recorrente, fazendo prevalecer a liberdade de informação sob o fundamento de que “não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação”. Em contrapartida, no REsp nº 1.660.168/RJ13, a Terceira Turma do STJ reconheceu, excepcionalmente, a existência de um direito ao esquecimento. A recorrente (D.P.N.14) pleiteou a desindexação de seu nome em resultados de busca de notícia sobre possível fraude em concurso público. O Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) já havia concluído que não existiam elementos suficientes para condená-la. Assim, o STJ determinou que os provedores de busca desvinculassem o nome de D.P.N. da referida notícia. A Turma entendeu que a essência do direito ao esquecimento não trata de efetivamente apagar o passado, “mas de permitir que a pessoa envolvida siga sua vida com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca”. Por fim, o caso Aída Curi15, que será mais bem analisado no próximo tópico. Aqui, ao contrário do entendimento firmado na análise do caso Chacina da Candelária, o Tribunal deixou de reconhecer a incidência deum direito ao esquecimento, por entender que não haveria como a imprensa falar sobre o caso Aída Curi sem menção à vítima. Evidentemente, antes de chegar ao STJ, a discussão sobre o esquecimento iniciou nos tribunais inferiores. Nesse sentido, com o objetivo de melhor ilustrar os desdobramentos do tema nas cortes ordinárias, Oliveira16 elaborou um levantamento jurisprudencial e elencou os principais fundamentos utilizados para o reconhecimento do direito ao esquecimento. São eles: (i) o art. 64, I, do Código Penal (“CP”)17, que visa apagar o registro de condenações criminais 13 STJ. REsp nº 1.660.168/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 8.5.2018, p. em 5.6.2018. Disponível em https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201402917771&dt_publicac ao=05/06/2018. 14 O processo correu em segredo de justiça, por isso o uso de suas iniciais. 15 STJ. REsp nº 1.335.153/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 28.5.2013, p. em 10.9.2013. Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201100574280&dt_publicacao= 10/09/2013. 16 OLIVEIRA, op. cit., pp. 97-98. 17 CP. Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201402917771&dt_publicacao=05/06/2018 https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201402917771&dt_publicacao=05/06/2018 https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201100574280&dt_publicacao=10/09/2013 https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201100574280&dt_publicacao=10/09/2013 19 transitadas em julgado há mais de cinco anos, para fins de reincidência; (ii) art. 43, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”)18, com o objetivo de eliminação de dados negativos de consumo que excedam cinco anos; (iii) arts. 11, 12, 20 e 21 do Código Civil (“CC”)19, relativos aos direitos de personalidade; (iv) o Enunciado 531 da Jornada de Direito Civil, que dispõe que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”; (v) o caso Costeja González; e (vi) o REsp nº 1.660.168/RJ, já supramencionado. Diante da diversidade desses resultados, o autor20 chega a afirmar que “o Brasil não possui um, mas vários ‘direitos ao esquecimento’”. Ele faz também um alerta para a “banalização e superinclusão do termo que, utilizado de forma genérica, tem o seu conteúdo esvaziado”. Nesse mesmo sentido, o professor Carlos Affonso Pereira de Souza deduz que a elasticidade conceitual do direito ao esquecimento favorece o seu uso oportunístico, esvazia a tutela dos direitos da personalidade e não entrega o esquecimento prometido. Confira-se21: Não existe consenso sobre o que seria o chamado direito ao esquecimento. Controle sobre o passado? Proibição da lembrança? A partir do amálgama de casos que vão desde a ressocialização de condenados que cumpriram sua pena de reclusão até a remoção de conteúdos online, é possível verificar que o “direito ao esquecimento” serve para as mais diversas funções e vem sendo invocado em situações das mais díspares. É preciso entender de onde surge esse apelo por um chamado direito ao esquecimento e quais são as consequências de sua adoção dessa maneira. Em tempos de hiperconexão, em que tantas informações sobre todos nós são facilmente acessadas, tratadas e vazadas, o direito ao esquecimento parece surgir como um antídoto à explosão de acesso e uso de informações pessoais alheias. Ele oferece uma ilusão de controle e de conforto. Como diz a ex-relatora para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), Catalina Botero, o 18 CDC. Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. 19 CC. Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. 20 OLIVEIRA, op. cit., p. 98. 21 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Sustentação do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) no julgamento do caso Ainda Curi (“direito ao esquecimento”) no STF (03.02.2021). Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, 2021. Disponível em: https://itsrio.org/wp- content/uploads/2021/02/Sustentac%CC%A7a%CC%83o-Direito-ao-Esquecimento-STF-2021.pdf Acesso em 7.3.2022. https://itsrio.org/wp-content/uploads/2021/02/Sustentac%CC%A7a%CC%83o-Direito-ao-Esquecimento-STF-2021.pdf https://itsrio.org/wp-content/uploads/2021/02/Sustentac%CC%A7a%CC%83o-Direito-ao-Esquecimento-STF-2021.pdf 20 chamado direito ao esquecimento não é uma categoria jurídica, mas sim uma “categoria emocional”. É entendendo esse apelo do chamado direito ao esquecimento que se pode perceber como a sua indeterminação conceitual passa então a servir aos propósitos mais distintos. Desde o apagamento de um nome ligado a atos cometidos durante a ditadura militar, passando pela desindexação de resultados em chaves de busca até o intuito de um parque de diversões em impedir a imprensa de se referir a um acidente ocorrido dez anos atrás. (...) Assim, ele tem servido, na verdade, para dar novo nome a lesões a outros direitos fundamentais ou da personalidade, como a honra, privacidade e nome. Receia-se que, ao se consagrar esse uso expandido, a tutela desses direitos passe a ser menosprezada, já que elas aparentemente não carregam o apelo que o chamado direito ao esquecimento parece comunicar. Tamanha incerteza sobre o que de fato fundamentava esse direito ao esquecimento começou a gerar burburinho no mundo jurídico. A consequência foi o advento de um debate doutrinário caloroso a respeito da compatibilidade desse direito com o ordenamento jurídico brasileiro. A controvérsia teve seu ápice durante o julgamento do Recurso Extraordinário (“RE”) nº 1.01.606/RJ pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”), após o reconhecimento do Tema 786 da Repercussão Geral22. Após a realização da audiência pública23 do caso em questão, Anderson Schreiber pormenorizou a existência de três posições doutrinárias sobre a matéria: (i) a posição pró- informação, que consiste no entendimento de que não existe um direito ao esquecimento porque não há previsão legal e tampouco é possível extraí-lo de algum direito fundamental. Os defensores dessa perspectiva consideram o direito ao esquecimento uma afronta à memória e à história de um povo; (ii) a posição pró-esquecimento, que o vê como uma expressão do direito à intimidade e à privacidade.Para esses juristas, o esquecimento é o direito de não ser lembrado contra a sua vontade e deve prevalecer sobre a liberdade de informação quando se trata de fatos pretéritos; e (iii) a posição intermediária, segundo a qual não existe hierarquia prévia e abstrata entre direitos fundamentais. Doutrinadores que acreditam nessa corrente apresentam a técnica de ponderação para cada caso concreto como solução viável24. 22 “Aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares”. 23 Convocada pelo relator Min. Dias Toffoli e realizada em 12.6.2017. Transcrição disponível em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/AUDINCIAPBLICASOBREODIREITOAO ESQUECIMENTO_Transcries.pdf 24 SCHREIBER, Anderson. As três correntes do direito ao esquecimento. JOTA, 2017. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-tres-correntes-do-direito-ao-esquecimento-18062017 Acesso em 7.4.2022. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/AUDINCIAPBLICASOBREODIREITOAOESQUECIMENTO_Transcries.pdf https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/audienciasPublicas/anexo/AUDINCIAPBLICASOBREODIREITOAOESQUECIMENTO_Transcries.pdf https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-tres-correntes-do-direito-ao-esquecimento-18062017 21 Em frente a diversidade de opiniões sobre o assunto, em uma tentativa de pacificar o entendimento a respeito da temática, o STF, em 11 de fevereiro de 2021, julgou o RE nº 1.01.606/RJ e fixou a seguinte tese: É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. Visando a uniformização de ideias, diante das mais variadas possibilidades de aplicação desse direito, o presente trabalho utilizará o entendimento firmado pelo Supremo como conceito do que é direito ao esquecimento. Trata-se, então, do “poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”. III) A DECISÃO PELA INCOMPATIBILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO COM O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Nesse primeiro momento, antes de entrar no mérito da decisão, cabe narrar os fatos que caracterizam o notório caso Aída Curi. a. Contextualizando o caso Aída Curi Aída Jacob Curi tinha dezoito anos quando foi abusada sexualmente, torturada e atirada do terraço de um prédio na Avenida Atlântica em 14 de julho de 1958. O crime chocou o país e ficou marcado como o acontecimento que representou o fim da inocência do bairro de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro25. Em 29 de abril 2004, o programa da Rede Globo, “Linha Direta Justiça”, transmitiu a reconstituição do crime26, disponibilizando nome e imagens da vítima, de sua mãe e de seus irmãos. Além disso, a simulação narrou com riqueza de detalhes a história da família Curi desde a infância de Aída e contou com depoimentos de pessoas próximas a ela. 25 GLOBO. Linha Direta Justiça. Caso Aída Curi. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/0,26665,GIJ0-5257-215780,00.html. Acesso em 9.3.2022 26 O fatídico episódio exibido na televisão ainda está disponível no YouTube. Confira-se: https://www.youtube.com/watch?v=-0EaMgW9-no. http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/0,26665,GIJ0-5257-215780,00.html https://www.youtube.com/watch?v=-0EaMgW9-no 22 É nesse contexto que Maurício, Nelson, Roberto e Waldir, irmãos da vítima, ajuizaram uma ação de indenização por danos morais em face da Globo Comunicação e Participações S/A, sob o fundamento de que o uso da imagem de Aída e seus familiares não havia sido autorizado, em clara afronta ao seu direito à privacidade. Ademais, alegaram que o programa era inoportuno, uma vez que não havia por que reviver o crime após quase 50 anos de sua ocorrência e o interesse público não persistia mais em relação àquela história. A sentença de primeiro grau indeferiu os pedidos dos autores e foi confirmada em segundo grau, pela 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (“TJRJ”). Desde esse momento, os desembargadores já falavam em esquecimento. Confira-se trecho da ementa27 da apelação: Os fatos expostos no programa eram do conhecimento público e, no passado, foram amplamente divulgados pela imprensa. A matéria foi, é discutida e noticiada ao longo dos últimos cinquenta anos, inclusive, nos meios acadêmicos. A Ré cumpriu com sua função social de informar, alertar e abrir o debate sobre o controvertido caso. Os meios de comunicação também têm este dever, que se sobrepõe ao interesse individual de alguns, que querem e desejam esquecer o passado. O esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertadas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente. – grifos acrescentados Diante disso, os irmãos interpuseram recurso especial e recurso extraordinário. Como já comentado no tópico anterior, o STJ, apesar de reconhecer a existência do direito ao esquecimento para o ofendido – vítima e família –, afastou a incidência desse direito no caso concreto. Isso porque, nos termos do voto do relator, Ministro Luis Felipe Salomão, (i) tratava- se de um crime de repercussão nacional em que a vítima se torna elemento indissociável do delito; e (ii) tendo em vista que o crime aconteceu há mais de 50 anos, conforme o passar do tempo a dor vai diminuindo, de forma que o desconforto que surge ao relembrar aqueles fatos não se compara à dor que os familiares sentiam à época do ocorrido. Em 2016, o STF reconheceu a existência do Tema 786 da Repercussão Geral: a aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares. Em 12 de junho de 2017, foi realizada a audiência pública sobre a temática. E, finalmente, nos dias 4, 5, 11 e 12 de fevereiro de 2021, o Plenário do STF julgou o RE nº 1.010.606, decidindo pela incompatibilidade do direito ao esquecimento com a Constituição Federal, nos termos do voto do relator, Ministro Dias Toffoli. 27 TJRJ. Apelação nº 0123305-77.2004.8.19.0001, Rel. Des. Ricardo Rodrigues Cardozo, Décima Quinta Câmara Cível, j. em 17.8.2010. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=1111608&PageSeq=0. http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=1111608&PageSeq=0 23 b. Comentários sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ Fazer uma análise crítica do acerto ou não da decisão do STF está além das pretensões deste trabalho. Aqui, o propósito é reconhecer que o direito ao esquecimento foi afastado do ordenamento jurídico, mas que a decisão ainda foi insuficiente e/ou omissa em pontos significativos, especialmente sobre a possibilidade de aplicação do direito à desindexação. Sem dúvidas, trata-se da primeira de muitas das futuras e inevitáveis discussões do Supremo sobre a temática. O relator iniciou seu voto traçando uma análise histórica do direito ao esquecimento no campo internacional. No decorrer de sua exposição, constatou dois elementos comuns entre o direito ao esquecimento clássico (droit à l’oubli, associado ao caso Landru) e o direito ao esquecimento contemporâneo (do caso Costeja González). São eles: (i) a licitude dainformação, visto que o fato ou dado impugnado além de verdadeiro deve ter sido obtido de forma lícita; e (ii) o decurso do tempo, que consiste, de acordo com Toffoli, na viga central do direito ao esquecimento, não sendo computado pelo transcurso de um período pré-determinado, mas sim até a descontextualização da informação e/ou destituição do interesse público. A partir daí, Toffoli indaga a respeito da existência de um direito fundamental ao esquecimento, momento em que se questiona por qual motivo o Tribunal deveria validar a existência de um novo direito que visa garantir direitos preexistentes e já consolidados no ordenamento jurídico brasileiro, como ressocialização, honra, privacidade, imagem e nome. Esses direitos, por si só, já teriam instrumentos voltados para sua tutela ou realmente era necessário um direito ao esquecimento para salvaguardá-los? Nas palavras de Luiz Fernando Marrey Moncau28, “o uso da expressão ‘direito ao esquecimento’ parece servir apenas ao propósito de emprestar renovada força a direito já existente ou a seus fomentos jurídicos”. Toffoli explica que em uma sociedade que tem a informação como sua matéria prima29 a pretensão do direito ao esquecimento tomou proporções relevantes como uma resposta à invasão da privacidade no meio digital. O caminho, todavia, foi inadequado para o Ministro, porque no lugar de “se combaterem os efeitos da ‘hiperinformação’ sobre os direitos da 28 MONCAU, Luiz Fernando Marrey. Direito ao Esquecimento – Ed. 2020. Revista dos Tribunais, 20200305. ISBN ‘978-65-5065-268-5’. 29 WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, pp. 71-77, maio/ago. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ci/v29n2/a09v29n2.pdf Acesso em 12.3.2022. https://www.scielo.br/pdf/ci/v29n2/a09v29n2.pdf 24 personalidade, tem-se optado por conclamar a ‘hipoinformação’ em uma associação, ao fim e ao cabo, danosa aos próprios direitos fundamentais”. Assim, a solução que prevaleceu no Plenário para resolver a questão foi o emprego da técnica de ponderação de normas, de valores e de interesses. O Ministro Luís Roberto Barroso, ao tratar da referida metodologia em obra própria, elucida que devem ser feitas concessões recíprocas entre as pretensões em disputa, mas que, em situações extremas, é preciso escolher, com fundamento constitucional adequado, qual direito deve prevalecer e qual deve ser sacrificado30. Foi o que aconteceu no julgamento do presente recurso extraordinário, em que a disputa se deu entre direitos da personalidade e liberdade de expressão. De um lado, os direitos da personalidade, previstos originalmente pelo Código Civil, mas que, com o desenvolvimento do direito civil constitucional, também passaram a ser tutelados pela Constituição por meio dos dispositivos do art. 5º e do princípio da dignidade da pessoa humana. Para Gustavo Tepedino, a tutela da personalidade é dotada do atributo da elasticidade. Isso significa dizer que tais direitos contam com uma alta cobertura de proteção, “capaz de incidir a proteção do legislador e, em particular, o ditame constitucional de salvaguarda da dignidade humana a todas as situações, previstas ou não, em que a personalidade, entendida como valor máximo do ordenamento, seja o ponto de referência objetivo”31. O direito à vida privada talvez seja o ponto chave ao tratarmos do que o direito ao esquecimento pretende escudar. A um primeiro olhar, é possível enxergar a privacidade como uma insígnia individualista associada à lógica atribuída ao direito à propriedade, mas conforme se vê sua aplicação prática, percebe-se sua conversão em um direito de caráter social32. Do outro, há a liberdade de expressão, direito humano universal e coletivo33. Sabe-se que o Brasil foi um país marcado pela censura e que as liberdades de expressão e de imprensa e o acesso à informação foram uma verdadeira conquista da população brasileira. Nas palavras de Goffredo Teles Júnior, em manifesto de repúdio à ditadura, “[a] censura rigorosa, exercida 30 BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional – Volume III. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 79-129. 31 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 55. 32 SCHREIBER, Anderson. Os direitos da personalidade e o Código Civil de 2002, p. 22. Disponível em: http://schreiber.adv.br/downloads/os-direitos-da-personalidade-e-o-codigo-civil-de-2002.pdf. Acesso em 15.3.2022. 33 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Artigo 19: Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. http://schreiber.adv.br/downloads/os-direitos-da-personalidade-e-o-codigo-civil-de-2002.pdf https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos 25 severamente nos órgãos da mídia, buscava escamotear dos olhos do povo grande parte da realidade”34. Ainda considerando a relação com a censura, Anderson Schreiber aponta suas preocupações frente a hipótese de uma colisão entre liberdade de expressão e privacidade. Vejamos: O tenebroso perigo de um retorno à “censura” não se afigura menos assustador que a ideia de que a vida privada de pessoas famosas pertence não a eles próprios, mas à história e à sociedade. Num caso, como noutro, um suposto interesse coletivo passa a autorizar a integral supressão ao exercício de um interesse existencial da pessoa – à liberdade de expressão, no caso da censura; à privacidade, no caso da exposição pública. Ao contrário, a postura também aqui não deve ser a da prevalência, mas a da ponderação.35 O cenário fica ainda mais delicado quando lembramos que os direitos fundamentais surgiram por conta de lutas sociais. Rudolf Von Ihering36, já em 1872, declarava que todos os direitos da humanidade foram conquistados por meio da luta. “A paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para consegui-lo”, segundo o autor. Apesar de antiga, essa visão ainda se faz atual contexto político e social. Menelick de Carvalho Netto37 corrobora ao dizer que tais direitos são “conquistas históricas, aquisições evolutivas socialmente criadas, direitos institucionalizados em uma sociedade improvável, complexa”. Sendo assim, é compreensível a interpretação do direito ao esquecimento como mais uma ameaça à institutos que, nos últimos tempos, são constantemente postos à prova. “A minha geração lutou pelo direito de lembrar”, afirmou a Ministra Cármen Lúcia durante a leitura de seu voto no RE nº 1.010.606. Em sessão do TSE sobre pedido de remoção definitiva de conteúdo, o Ministro Marco Aurélio de Mello, por sua vez, enfatizou que “não existe, por exemplo, o direito ao esquecimento. Depois reclamam que o Brasil não tenha memória” e negou o pedido sob o fundamento de que “não pode haver censura, precisamos de memória, até mesmo para que fatos nefastos não se repitam”38. 34 JUNIOR, Goffredo T. Carta aos brasileiros 1977: manifesto de repúdio da ditadura e de exaltação do "estado de direito já", 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 20. 9788502627802. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502627802/. Acesso em: 21.3.2022. 35 Ibidem, p. 20. 36 IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Tradução: João de Vasconcelos. São Paulo: Martin Claret, 2009. 37 CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais. In.: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição constitucionale os desafios fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pp. 141-163. 38 “NÃO existe direito ao esquecimento”, afirma ministro Marco Aurélio Mello. Migalhas, 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/334647/nao-existe-direito-ao-esquecimento--- afirma-ministro-marco-aurelio-mello Acesso em 22.3.2022. https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502627802/ https://www.migalhas.com.br/quentes/334647/nao-existe-direito-ao-esquecimento---afirma-ministro-marco-aurelio-mello https://www.migalhas.com.br/quentes/334647/nao-existe-direito-ao-esquecimento---afirma-ministro-marco-aurelio-mello 26 Dessa mesma forma, o Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto no caso de autorização para publicação de biografias39, já havia afirmado que a liberdade de expressão deve ser vista como uma liberdade preferencial no contexto brasileiro. Essa preferência, entretanto, não consistiria em hierarquização em relação a outros direitos fundamentais, mas em uma transferência do ônus argumentativo. Segundo Barroso: “[q]uem desejar afastar a liberdade de expressão é que tem que ser capaz de demonstrar as suas razões, porque, prima facie, em princípio, é ela que deve prevalecer”. Em acordo com a argumentação supramencionada, o Supremo entendeu, por um placar de 6 votos contra 3, pela ausência de um direito fundamental ao esquecimento no ordenamento nacional. Para resolução de questões associadas ao tema, como já exposto anteriormente, o relator identificou que seria necessário que Tribunais realizassem a ponderação de valores entre liberdade de expressão e direitos da personalidade, institutos estes amplamente protegidos tanto pela Constituição quanto pela legislação infraconstitucional. No entanto, a declaração de inconstitucionalidade foi alvo de críticas de juristas por diversos motivos. Há comentários a respeito da veiculação de repercussão geral tanto ao direito ao esquecimento quanto ao caso Aída Curi, por se tratar uma demanda ajuizada pela família da vítima contra emissora de televisão, o que complexifica a adaptação do precedente para vários outros litígios relacionados à internet, que são a maioria atualmente.40 Grandes juristas também já se manifestaram sobre as possíveis consequências da decisão do Supremo sobre esse tema. Para Anderson Schreiber41, a tese fixada pelo STF não solucionou definitivamente a questão e foi insuficiente em vários aspectos. A multiplicidade na definição do termo e o uso do direito ao esquecimento como uma “muleta” para apoiar e fundamentar diversos pedidos42 impediu que os Ministros definissem propriamente o que se entende por esse direito ao esquecimento no Brasil. Somente foi afastada a incidência de tal direito sem ao menos haver um acordo sobre do que se trata. 39 STF. ADI nº 4.815, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, j. em 10.6.2015, p. em 1.2.2016. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10162709. 40 MARTINS, Guilherme Magalhães. Direito ao esquecimento no STF: A tese da repercussão geral 786 e seus efeitos. Migalhas. 18 de fev. de 2021. Migalhas de Responsabilidade Civil. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/340463/direito-ao- esquecimento-no-stf-repercussao-geral-786-e-seus-efeitos Acesso em 22.3.2022. 41 DIREITO CIVIL BRASILEIRO. Direito ao Esquecimento e Liberdade de Expressão – Tema 786: os impactos da decisão do STF. YouTube, 22 de fev. de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sa-0A9vvwk8 Acesso em 3.3.2022. 42 OLIVEIRA, op. cit., p. 139. https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10162709 https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/340463/direito-ao-esquecimento-no-stf-repercussao-geral-786-e-seus-efeitos https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/340463/direito-ao-esquecimento-no-stf-repercussao-geral-786-e-seus-efeitos https://www.youtube.com/watch?v=sa-0A9vvwk8 27 Na mesma linha de raciocínio, Carlos Affonso43 sustenta que o próprio caso Aída Curi era inadequado para definição em sede de repercussão geral do que viria a ser o direito ao esquecimento, visto que se tratava de um caso de televisão. Atualmente, em frente à hiper conexão, o cerne da discussão está na internet. Mesmo com todos os poréns sobre o julgamento, para o autor, a tese costurada no Supremo tem um efeito inicial positivo pois suprimiu o uso expandido impróprio da figura do direito ao esquecimento. Assim, sabendo (i) em que contexto esse direito ao esquecimento surgiu; (ii) como se deram as discussões iniciais do tema pelos tribunais brasileiros; e (iii) as razões por trás da declaração de inconstitucionalidade do direito ao esquecimento pela Suprema Corte, a partir de agora podemos tratar sobre o cerne desse trabalho: o direito à desindexação, que ganha espaço e relevância em meio às omissões deixadas pelo Plenário do STF na decisão do RE nº 1.010.606/RJ. 43 DIREITO CIVIL BRASILEIRO, op. cit. 28 CAPÍTULO 2 – O DIREITO À DESINDEXAÇÃO I) A DESINDEXAÇÃO COMO POSSÍVEL SOLUÇÃO PARA OS EVENTUAIS EXCESSOS E ABUSOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO MEIO DIGITAL Como pudemos perceber, a decisão do STF é de uma interpretação relativamente complexa. Apesar de afastar o direito ao esquecimento de maneira definitiva ao declarar sua inconstitucionalidade, ainda foi feita a ressalva sobre casos concretos que digam respeito aos direitos de personalidade. Destaca-se o trecho final da tese firmada pela Suprema Corte: Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. – grifos acrescentados Como se vê, o STF deixou em aberto a forma pela qual deve se dar a resolução de tais excessos e abusos na liberdade de expressão e informação, o que também pode ser apontado como uma crítica. Contudo, a decisão abre espaço para que juristas sugiram uma resposta exequível e eficiente. É claro que esse eventual excesso ou abuso no exercício a liberdade de expressão e de informação depende das peculiaridades de cada situação. Porém, pensando no universo digital, principal fonte para busca de informações atualmente, é perceptível que solicitações de remoção de conteúdo estão cada vez mais frequentes. Recente levantamento da Statista44, que registrou o número de determinações judiciais para remoção de conteúdo do Google em âmbito mundial entre janeiro e junho de 2021, aponta o Brasil como oitavo país no ranking, sendo o único da América Latina. Imagine os seguintes fatos: ao buscar o nome de uma determinada pessoa em certo motor de busca, verifica-se que ela foi processada criminalmente, mas não há qualquer menção ao fato de que ela também foi absolvida. Ou, caso essa informação esteja disponível, ela somente foi apresentada na segunda página de resultados da pesquisa. Assim, levando em conta a conclusão da Suprema Corte, segundo a qual não há um direito ao esquecimento que possa levar à supressão ou alteração de um conteúdo, o que é viável fazer, tendo por fundamento a 44 JOHNSON, Joseph. Government requests for content removal from Google H1 2021. Number of government and court requests for content removal from Google from January to June 2021, by country. STATISTA. https://www.statista.com/statistics/268257/goverment-requests-for-content-removal-from- google/ Acesso em 15.3.2022. https://www.statista.com/statistics/268257/goverment-requests-for-content-removal-from-google/ https://www.statista.com/statistics/268257/goverment-requests-for-content-removal-from-google/ 29 proteção de direitos da personalidade preestabelecidos, paratornar a divulgação desse conteúdo mais adequada e, ainda assim, respeitar a liberdade de expressão? É diante da brecha deixada pelo Supremo e desse questionamento que o direito à (des)indexação sobrevém e ganha importância no debate. Dependendo da forma que a indexação é feita, ela pode ser desatualizada, injusta e até mesmo parcial. Consoante o caso concreto, apenas uma modificação na disposição da indexação pode ser suficiente para explorar devidamente os pontos da trajetória de determinado indivíduo, mas também vão haver casos em que, de fato, constatam-se excessos na liberdade de expressão e o conteúdo precisa, de fato, ser desvinculado do nome daquele indivíduo. Assim, neste momento, o objetivo do trabalho é apresentar a desindexação como mecanismo possível para o resguardo dos direitos de personalidade em equilíbrio com o respeito pela liberdade de expressão, de imprensa e o acesso à informação. Para tanto, inicialmente, é preciso diferenciá-la do direito ao esquecimento, haja vista que os institutos foram e ainda são tratados erroneamente como sinônimos. Esclarecidos os conceitos, partimos para uma análise crítica do atual entendimento jurisprudencial a respeito da aplicação da desindexação na prática e da inexistência de responsabilização dos mecanismos de busca. II) ESQUECIMENTO E DESINDEXAÇÃO: COMO DIFERENCIÁ-LOS? Ainda durante o julgamento do RE nº 1.010.606/RJ, após a análise do caso Costeja González, o Ministro Dias Toffoli fez questão de diferenciar o direito ao esquecimento da desindexação: Compreendidos os pressupostos adotados pelo TJUE, destaco que nestes autos não se travará uma apreciação do exato alcance da responsabilidade dos provedores de internet em matéria de indexação/desindexação de conteúdos obtidos por motores de busca. A uma, porque a desindexação foi apenas o meio de que se valeu o TJUE para garantir ao interessado o direito pretendido (que a informação que englobava seus dados pessoais deixasse de estar à disposição do grande público), não se confundindo, portanto – e ao contrário do que muito se propala –, desindexação com direito ao esquecimento. A duas – e sob a mesma ordem de ideias –, porque o tema desindexação é significativamente mais amplo do que o direito ao esquecimento. Há inúmeros fundamentos e interesses que podem fomentar um pedido de desindexação de conteúdos da rede, muitos dos quais absolutamente dissociados de um suposto de direito ao esquecimento. (grifos no original) A essa altura, sabemos que o direito ao esquecimento diz respeito a remoção de um fato verídico obtido de forma lícita que, em virtude do lapso temporal, perdeu o interesse público e 30 sua publicidade ameaça ou gera efetivamente danos aos direitos da personalidade do indivíduo requerente. Há de se ressaltar que o direito ao esquecimento não se confunde, em hipótese alguma, com o direito ao apagamento de dados pessoais. Esse tem previsão legal na LGPD e consiste na exclusão de dados, que pode ser (i) requerida pelo titular de quando houver seu consentimento para o compartilhamento de dados ou quando esses dados forem considerados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com a LGPD; (ii) requerida pelos agentes de tratamento quando a finalidade do tratamento daqueles dados for cumprida; ou (iii) imposta como sanção pela ANPD. Por sua vez, os provedores de conteúdo45 – como Google, Yahoo! e Bing – são ferramentas utilizadas no meio digital para encontrar qualquer conteúdo por meio de palavras chaves. A listagem desses resultados “funciona por meio de softwares robôs que vasculham as informações disponibilizadas na Web, o que possibilita ao mecanismo de busca elaborar um índice, contendo as informações a respeito dos Websites visitados”46. A essa listagem, se dá o nome indexação. Se indexar diz respeito à listagem dos resultados de pesquisa de um determinado termo, logo a desindexação consiste na modificação desses mesmos resultados. Alguns autores, como Marcel Leonardi47, defendem que “a medida equivale a arrancar o índice de um livro”, ou seja, o facilitador que indicava onde era possível encontrar aquele conteúdo se tornou indisponível, mas o conteúdo em si ainda existe. No entanto, ressaltamos que essa analogia da desindexação com o índice de livro soa um tanto quanto simplista, obscurece o protagonismo dos provedores de busca no controle do fluxo informacional e ignora a relevância indiscutível dos algoritmos na construção dessa 45 No REsp nº 1.316.921/RJ (Caso Xuxa Meneghel), o STJ classificou os provedores de serviço de Internet em 5 (cinco) categorias distintas: “Os provedores de serviços de Internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede os dados criados ou desenvolvidos pelos provedores de informação ou pelos próprios usuários da web”. De acordo com essa classificação, portanto, os mecanismos/provedores de busca seriam considerados também provedores de conteúdo. 46 LEONARDI, Marcel. Fundamentos do direito digital. São Paulo: Editora Thomson Reuters, 2019, p. 168. 47 Ibidem, p. RB-6.3. 31 indexação. A ideia do índice desconsidera a conduta ativa dos mecanismos de busca, que chegam inclusive a sugerir termos de pesquisa para o usuário, e convalida o modelo de responsabilidade altamente restritivo que o presente trabalho tanto busca combater, conforme será mais bem explicado no tópico III desde capítulo. Assim, desindexar é “marcar o URL para que ele não conste dos resultados de busca de buscadores normais. Isso significa que quando o usuário digita o conteúdo buscado em um campo de busca, ainda que o conteúdo esteja público, não será mostrado na lista dos resultados”48. Como evidenciado pelo Ministro Dias Toffoli em seu voto, a desindexação não se limita à causa de pedir embasada no direito ao esquecimento, isto é, sua aplicação não depende da existência de requisitos que caracterizam o esquecimento, sendo cabível também para as situações em que o titular de direitos é, de fato, ofendido com a divulgação de informações falsas ou excessivas. Tampouco há necessidade de se falar em transcurso do tempo ou dano ao tratar da desindexação. Aproveitamos para ressaltar que a indexação não se confunde com o direito de retificação, pois este exige a presença de excessos e/ou ato ilícito, além de ser referente a fonte original e estar positivado em lei própria (Lei nº 13.188/2015). A desindexação, por sua vez, não tem previsão normativa e trata, na verdade, de uma construção jurisprudencial. Talvez a diferença mais significativa entre o esquecimento e a desindexação seja o fato de esta preservar a informação original enquanto aquele tem o objetivo de subtrair a fonte originária. Explica-se: o direito ao esquecimento visa a indisponibilizar determinado fato verídico do passado que causa danos no presente49 e a maneira ideal de alcançar tal pretensão é justamente eliminando totalmente aquela informação do meio de comunicação em que se encontra. Na desindexação, o que é eliminado é aquele link para a fonte original, somente aquele resultado específico presente nabusca pelo nome de determinada pessoal natural, por exemplo. Mas caso a pesquisa seja realizada com outras palavras-chave ou a pessoa tenha acesso direto ao link da publicação, aquele conteúdo ainda estará disponível. É, portanto, perceptível que muitos dos casos aqui citados, que em um primeiro momento são relacionados ao “direito ao esquecimento” tratam, na verdade, de demandas 48 VIOLA, Mario et al. Entre privacidade e liberdade de expressão: existe um direito ao esquecimento no Brasil. In: ALMEIDA, Vitor; BROCHADO, Ana Carolina; TEPEDINO, Gustavo (Coords.). O Direito Civil entre o sujeito e a pessoa: estudos em homenagem ao professor Stefano Rodotà. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 366. 49 OLIVEIRA, op. cit., p. 143. 32 relacionadas ao direito de desindexação. A pretensão dos demandantes era, na verdade, desatrelar determinadas páginas de seu nome ao realizar a pesquisa no provedor de busca, e não deletar o post original no site de origem. No plano nacional, podemos enquadrar, como exemplo, o caso D.P.N. x Google e o caso Xuxa Meneghel como causas sobre desindexação, conforme já explorado no Capítulo 1. Já no contexto internacional, é possível afirmar que o caso Costeja González, precedente icônico do direito ao esquecimento, é, na verdade, uma ação sobre desindexação, uma vez que restou reconhecido o direito de Mário retirar o link da notícia do jornal La Vanguardia dos resultados atrelados ao seu nome. Logo, percebe-se que a construção jurisprudencial sobre o tema realmente foi significativamente marcada pela confusão entre os dois institutos. III) A NECESSIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DO ATUAL ENTENDIMENTO FIXADO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE BUSCA PELO CONTEÚDO GERADO POR TERCEIROS Destarte, pensando na lacuna deixada pelo STF na tese firmada para o Tema 786 da Repercussão Geral, segundo a qual excessos ou abusos da liberdade de expressão e de informação devem ser verificados de acordo com o caso concreto, temos que a desindexação é um caminho viável – e já adotado – para o tratamento de informações equivocadas, vexatórias ou desnecessárias associadas ao nome de alguém na internet. Luiz Fernando Marrey Moncau atesta essa viabilidade ao citar a explicação de Meg Leta Jones a respeito dos três ciclos de vida da informação: distribuição, armazenamento e expiração. Na fase de distribuição, a informação teria um status único. Sendo nova, contribuiria para a base de conhecimento na sociedade e, com isso, despertaria maior interesse (...). No momento da distribuição, a informação representaria mais precisamente uma visão sobre um aspecto do mundo, seja na forma de uma opinião, ou de uma notícia, por exemplo. Tendo grande valor na fase de distribuição, Jones aponta para uma percepção de justiça em se priorizar a expressão sobre aspectos da privacidade nesse momento. Da informação atual, portanto, seria possível extrair o maior valor para decisões imediatas. Com o passar do tempo, a informação deixaria de despertar o interesse noticioso e seus minuciosos detalhes perderiam importância. A informação deixaria de ser tão intensamente buscada e passaria para a segunda fase do seu ciclo de vida: a fase de armazenamento (record). O lapso temporal afetaria a precisão (accuracy) da informação, de modo que a verificação da correspondência dos fatos ou aspectos retratados com a realidade, nessa fase, demandaria maior esforço de quem consome a informação. A distância temporal também faria com que a informação se tornasse menos confiável como um retrato fidedigno da realidade. Nesse sentido, uma informação que veicula a opinião de seu emissor, com o passar do tempo, pode deixar de representar a opinião atual de seu emissor e seus interesses. A informação perderia contexto, deslocando-se de seu tempo e lugar original. Para Jones, nessa fase, seria mais difícil avaliar como uma informação poderia ser útil 33 para satisfazer necessidades imediatas e remotas. Para fins de tomada adequada de decisão sobre o destino dessa unidade informacional, informações adicionais podem ser necessárias. Uma informação expirada, para Jones, não teria mais correspondência precisa ao seu objeto, deixando de representá-lo adequadamente. Sua substância teria se alterado, mas a informação permaneceria a mesma. Adicionar algum tipo de contexto (como datas) à informação poderia prolongar o interesse na sua preservação. Por outro lado, sem o contexto adequado, a informação expirada poderia provocar danos. Tal informação não serviria mais para uma adequada tomada de decisão (interesse imediato) sobre o objeto que representava, ao passo que ganharia maior valor para interesses remotos, permitindo compreender as mudanças em perspectiva temporal e, eventualmente, imaginar (ou com grandes volumes de dados, tentar prever) o futuro.50 – grifos acrescentados Ainda de acordo com Jones, uma das medidas utilizadas para assegurar a adequação da informação quando esta se encontra na fase de expiração é, justamente, a desindexação. A orientação é que, caso a informação esteja associada a determinada circunstância que provoque sofrimento, o acesso a ela deve ser manipulado para limitar sua exposição51. Apesar disso, a regra, de acordo com a jurisprudência do STJ, é pela inexistência de responsabilidade dos motores de busca e pela inaplicabilidade da desindexação. Em recente julgamento do REsp nº 1.593.249/RJ, a Terceira Turma concluiu pela impossibilidade de “impor a provedores de aplicações de pesquisa na internet o ônus de instalar filtros ou criar mecanismos para eliminar de seu sistema a exibição de resultados de links contendo o documento supostamente ofensivo”. Isso porque, de acordo com o Tribunal, a responsabilidade pela eventual manutenção de conteúdo na internet não é do mecanismo de busca, mas sim dos terceiros responsáveis pela publicação daquela informação52. O principal fundamento do Tribunal Superior em decisões nesse sentido é o Marco Civil da Internet (“MCI”) (Lei nº 12.965/2014), em especial os artigos 18 e 19 da lei53. No entanto, já é possível verificar uma inclinação da doutrina contra os dizeres dos dispositivos e até mesmo a existência de debate jurisprudencial sobre a constitucionalidade do item54. 50 JONES, 2016, pp. 113-125 apud MONCAU, 2020. 51 Ibidem. 52 Nesse sentido, conferir: AgInt no REsp nº 1.593.876/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, p. em 17.11.2016; REsp nº 1.316.921/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 26.6.2012, p. em 29.6.2012; Rcl nº 5.072/AC, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. em 11.12.2013, p. em 4.6.2014. 53 MCI. Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. 54 A constitucionalidade do artigo 19 do MCI, inclusive, é objeto de análise no STF, no RE nº 1.037.396 (Tema 987 da Repercussão Geral), com previsão de julgamento para 22.6.2022. 34 Essa ausência de responsabilização civil dos motores de busca se justifica, em muito, pelo pensamento equivocado de que tais plataformas são neutras e somente realizam o serviço de disponibilização de conteúdo sem realizar qualquer tratamento sobre ele. Nessa visão, o responsável seria somente a fonte original. Pelo contrário, o estudo minucioso do mundo digital e de suas peculiaridades permite descobrir que, na verdade,as grandes plataformas manejam diretamente a informação, filtrando, selecionando, ranqueando, escolhendo e até mesmo sugerindo o que cada usuário irá acessar55. Infelizmente, o que se percebe é uma negligência da jurisprudência para com o dever geral de cuidado das plataformas digitais. Nesse sentido, em parecer jurídico elaborado para o Instituto Alana, Ana Frazão ressaltou que esse dever é imposto às partes por conta da relação contratual e, na prática, o que se espera é que os contratantes adotem “as medidas de cuidado necessárias para evitar danos injustos”56. Ora, não há dúvidas de que a relação existente entre usuário e websites é contratual, haja vista que o primeiro precisa aceitar os termos e condições do segundo para fazer uso de seus serviços. Há também de se ressaltar que se trata de uma relação contratual de consumo, ou seja, incide também o CDC, uma vez que “[n]a economia da atenção, já se entende que ‘os dados pessoais são a moeda de troca pelo bem de consumo’, além da própria atenção e do tempo dos usuários, quando não da própria individualidade deles, já que não são poucos os que afirmam que estamos falando de mercados de consciências”57. No entanto, não é possível determinar previamente o que se entende por esse dever geral de cuidado. Manuel Carneiro da Frada explica58 que Dependem das circunstâncias, moldam-se às facetas da vida, variam e concretizam- se diferentemente consoante o desenrolar da relação. Ex ante só podem, portanto, formular-se genericamente. Têm, portanto, estes deveres, a feição de uma cláusula geral, de âmbito e conteúdo indeterminados. A concretização que reclamam requer forçosamente ponderações de exigibilidade, considerando o binómio sacrifício/benefício que o seu estabelecimento e observância 55 FRAZÃO, Ana; MEDEIROS, Ana Rafaela. Responsabilidade civil dos provedores de internet: a liberdade de expressão e o art. 19 do Marco Civil. Migalhas, 23 de fev. 2021. Migalhas de Responsabilidade Civil. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de- responsabilidade-civil/340656/responsabilidade-civil-dos-provedores-de-internet Acesso em 29.3.2022. 56 FRAZÃO, Ana. Dever geral de cuidado das plataformas diante de crianças e adolescentes. São Paulo, 2021, fl. 29. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2021/11/dever- geral-de-cuidado-das-plataformas.pdf. Acesso em 14.4.2022 57 Ibidem, fl. 30. 58 FRADA, Manuel Carneiro da. Os deveres (ditos) “acessórios” e o arrendamento. Faculdade de Direito de Lisboa (Org.). Congresso de Direito do Arrendamento/A reforma de 2012. 2012, fls. 273 e 274. Disponível em: https://portal.oa.pt/upl/%7Bd785b4f1-80eb-4b99-a33a-b654a218724e%7D.pdf. Acesso em 18.4.2022. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/340656/responsabilidade-civil-dos-provedores-de-internet https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/340656/responsabilidade-civil-dos-provedores-de-internet https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2021/11/dever-geral-de-cuidado-das-plataformas.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2021/11/dever-geral-de-cuidado-das-plataformas.pdf https://portal.oa.pt/upl/%7Bd785b4f1-80eb-4b99-a33a-b654a218724e%7D.pdf 35 implicam para os sujeitos. De facto, se estes deveres não resultam de uma vontade contratual (precedentemente) emitida, há que sopesar as posições das partes: não se pode onerar unilateralmente uma delas em proveito da outra. Os deveres de consideração exprimem, nesse sentido um “justo meio”, o equilíbrio e a razoabilidade que a justiça exige e expressa. Assim sendo, considerando que a Constituição, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil da Internet são os diplomas legislativos envolvidos na responsabilização dessas plataformas, era de se esperar que a interpretação feita por juristas e magistrados considerasse todo esse sistema de forma harmônica. Entretanto, o que se vê é uma interpretação restrita do MCI, de modo a afastar qualquer incidência do dever de cuidado e, consequentemente, a responsabilidade desses provedores, que vai além “da obrigação de retirar o conteúdo lesivo quando a plataforma dele toma conhecimento inequívoco”59. De modo a ratificar essa perspectiva da existência de responsabilidade dos mecanismos de busca, Ana Frazão e Ana Rafaela Medeiros60 afirmam que os motores de busca detêm sim uma postura ativa para o gerenciamento do fluxo informacional. Essa tarefa é realizada por meio da utilização de ferramentas como o Big Data61 e o Data Analytics62, convertidos em um sistema de algoritmos63 sem qualquer transparência, que há de ser mais bem analisado no Capítulo 3. Segundo Bruno Bioni, “os direitos da personalidade são uma ‘noção inacabada’ que deve ser cultivada”64. Tratam, portanto, de um conceito em desenvolvimento para amparar possíveis novas reivindicações na tutela da personalidade. Dessa forma, com a indiscutível expansão das demandas jurídicas no âmbito da internet, a mudança na jurisprudência dos 59 FRAZÃO, 2021. Op. cit., fl. 34. 60 FRAZÃO, A.; MEDEIROS, A. R. op. cit. 61 De acordo com a Oracle Brasil, Big Data “é um conjunto de dados maior e mais complexo, especialmente de novas fontes de dados. Esses conjuntos de dados são tão volumosos que o software tradicional de processamento de dados simplesmente não consegue gerenciá-los. No entanto, esses grandes volumes de dados podem ser usados para resolver problemas de negócios que você não conseguiria resolver antes”. Para mais informações, acessar https://www.oracle.com/br/big-data/what- is-big-data/. 62 A empresa Alteryx conceitua o Data Analytics como “o processo de explorar, transformar e analisar informações para identificar tendências e padrões que revelam insights significativos que dão suporte à tomada de decisões” e explica que “uma estratégia moderna de analytics permite que os sistemas e as organizações ajam com base em análises automatizadas em tempo real, garantindo resultados impactantes e imediatos”. Para mais informações: https://www.alteryx.com/pt-br/glossary/data- analytics. 63 “A matéria-prima utilizada pelos algoritmos para tais decisões é o big data, ou seja, a enorme quantidade de dados disponíveis no mundo virtual que, com o devido processamento, pode ser transformada em informações economicamente úteis”. In: FRAZÃO, Ana. Algoritmos e inteligência artificial. JOTA, 15 de maio 2018. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e- analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/algoritmos-e-inteligencia-artificial-15052018 . Acesso em 1.4.2022. 64 BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Forense: Rio de Janeiro, 2019. https://www.oracle.com/br/big-data/what-is-big-data/ https://www.oracle.com/br/big-data/what-is-big-data/ https://www.alteryx.com/pt-br/glossary/data-analytics https://www.alteryx.com/pt-br/glossary/data-analytics https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/algoritmos-e-inteligencia-artificial-15052018 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/algoritmos-e-inteligencia-artificial-15052018 36 Tribunais, para que os provedores de busca possam responder em alguma medida pela negligência do dever de cuidado com as informações que tratam, se faz urgente. Nas palavras de Flávio da Silva Andrade65, O amadurecimento da questão mostrou, a meu ver corretamente, que não deve haver tratamento diferente nessa seara, pois os provedores de busca também disponibilizam informações na internet, ainda que sejam informações mais curtas, apontando os links para acesso ao conteúdo a partir de uma lista de resultados da pesquisa. A internet faz com que as informações circulem numa velocidade assustadora, de forma quase instantânea, não respeitando fronteiras, de modo que é praticamente impossível mapear as veredasda informação ou imagem e conseguir neutralizá-la a partir do acionamento judicial ou extrajudicial de cada provedor de aplicação. Uma vez inserida na rede uma informação, uma foto ou um vídeo, pode-se verificar uma difusão espantosa e o conteúdo jamais poderá ser totalmente eliminado. Há quem diga que a desindexação ofende a liberdade de expressão e de imprensa porque fornece resultados de busca adulterados66. No entanto, disponibilizar uma informação desatualizada e até mesmo incoerente com os fatos recentes, sem qualquer preocupação com a atualização da ordem dos resultados, de modo que o usuário possa inferir que se trata de um material antigo, fere igualmente a busca pela verdade, o acesso à informação e tais liberdades, que não serão exercidas da forma adequada. Isso porque a liberdade de expressão inclui o direito de buscar, mas também o de receber informações. “A pretexto de assegurar a liberdade de expressão, contudo, a redação literal do [artigo 19 do] Marco Civil criou praticamente uma regra de imunidade para as plataformas ou provedores de aplicações”, afirma Ana Frazão67. Sendo assim, os mecanismos se aproveitam tanto da ideia de que seus serviços são marcados pela neutralidade quanto da premissa de que a Internet detém um grande potencial emancipatório e democrático. Logo, as alegações de violação à liberdade de expressão podem vir a ser utilizadas como justificativa para isentar de obrigações um modelo de negócio que influencia diretamente o fluxo informacional e pode sim gerar danos palpáveis, especialmente contra grupos hipervulneráveis.68 No mais, segundo Jones69, “as informações indexadas podem estar em qualquer fase do ciclo de vida, inclusive na fase de expiração”, o que justifica o uso de medidas como a 65 ANDRADE, Flávio da Silva. O direito ao esquecimento e a desindexação de informações falsas ou danosas em sites de busca na internet. Migalhas, 25 de jan. 2021. Migalhas de Peso. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/339401/o-direito-ao-esquecimento-e-a-desindexacao-de- informacoes-falsas. Acesso em 2.4.2022. 66 “Não obstante se argumente que a desindexação não ofende a liberdade de expressão, pois o conteúdo permanece disponível no site de origem, nota-se que, feita a desindexação de conteúdo, a pesquisa realizada no buscador não reflete a realidade, ou seja, a busca adulterada ofende a liberdade de informação e busca pela verdade.” In: OLIVEIRA, op. cit., p. 132. 67 FRAZÃO, 2021, op. cit., p. 57. 68 Ibidem, p. 47, 59 e 60. 69 JONES, 2016, p. 125 apud MONCAU, 2020. https://www.migalhas.com.br/depeso/339401/o-direito-ao-esquecimento-e-a-desindexacao-de-informacoes-falsas https://www.migalhas.com.br/depeso/339401/o-direito-ao-esquecimento-e-a-desindexacao-de-informacoes-falsas 37 desindexação – mas não apenas ela – para evitar problemas relacionados às fases de armazenamento e expiração, visto que as informações antigas “teriam deixado de refletir o objeto representado na sua realidade atual”. Mesmo hoje, a tradicional ideia de incompatibilidade entre Direito e Internet ainda prevalece. Muito disso se deve às peculiaridades do tema e da dificuldade de tradução de itens do universo digital para o mundo jurídico. Isso pode levar à uma ideia de comodismo, em que as “as coisas são como são” e qualquer discussão dos porquês por trás do tratamento jurídico oferecido à Internet é visto como algo em vão. Nas palavras de Marcel Leonardi70, A falta de conhecimento sobre o funcionamento de redes de computadores alimenta a crença dos profissionais de Direito de que o modo como a Internet funciona é o único modo como ela pode funcionar. Os juristas não são treinados para pensar sobre os diferentes meios que a tecnologia pode utilizar para chegar a um mesmo resultado. Agora, sabendo em que pé se encontra o entendimento jurisprudencial acerca da aplicação da desindexação, vale traçar comentários sobre o algoritmo, item que atua como fator determinante para definir a disposição da indexação. IV) O PAPEL DOS ALGORITMOS DAS PLATAFORMAS DE BUSCA E A INFLUÊNCIA NA TOMADA DE DECISÃO: QUAIS OS OBSTÁCULOS A SEREM ENFRENTADOS Preliminarmente, cabe esclarecer que o presente estudo foi realizado exclusivamente sob a perspectiva jurídica. Não há, portanto, qualquer autoridade intelectual da autora para tratar sobre o mecanismo por trás da ciência da computação no cuidado para com os algoritmos e sistemas de Inteligência Artificial (“IA”). O que é possível, e é o objeto do estudo, é a análise da repercussão dessas novas tecnologias no mundo e, especialmente, das consequências que geram no âmbito jurídico. Superado esse ponto, passemos à análise. O mecanismo utilizado para definir a ordem dos links é conhecido por algoritmo. Trata- se de uma “série de instruções constituídas por fórmulas matemáticas, operações e tratamentos estatísticos que programam a execução de tarefas por uma unidade operacional para, em curto espaço de tempo e com elevado grau de precisão, alcançar um determinado resultado”71. Por meio dos algoritmos, o sistema – nesse caso, o sistema de um provedor de buscas – compila, 70 LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na Internet. São Paulo. Editora Saraiva, 2012, p. 174. 71 SOARES, Flaviana Rampazzo. Levando os algoritmos a sério. In: BARBOSA, M. M. et al (Coords.). Direito digital e Inteligência artificial: Diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba: Editora Foco, 2021, pp. 43-64. 38 combina, rastreia, correlaciona e analisa dados para executar uma operação, que pode ser previamente programada ou subsequente necessária. Como já foi comentado, o serviço prestado pelos mecanismos de busca tem finalidade econômica. A própria Lei nº 9.609/1998, que trata sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador, prevê a proteção dos direitos do desenvolvedor e de suas funcionalidades, o que corrobora para a inexistência de transparência por trás dos algoritmos, com vistas à proteção do direito autoral72. Assim, o sistema de algoritmos é considerado um segredo de negócios, em que se desconhece a lógica por trás das decisões por eles produzidas em virtude da opacidade, que é intrínseca a esse tipo de sistema. Para melhor compreensão sobre o assunto, Mariana Rielli cita o artigo de Jenna Burrell, “How the Machine ‘Thinks’: Understanding Opacity in Machine Learning Algorithms”, com o objetivo de as três possíveis modalidades de opacidade e suas respectivas implicações73. Em primeiro lugar, temos a opacidade proprietária, conhecida também por caixa preta74, que, de forma mais objetiva, se assemelha a um segredo corporativo. Aqui, o cenário é de um mercado competitivo e a opacidade é considerada uma estratégia de proteção e manutenção das vantagens concorrenciais para as empresas que fazem uso de algoritmos. Contudo, para além do caráter protetivo, aqui a opacidade pode igualmente ser uma tática dos empresários para se aproveitarem de lacunas normativas, manipular consumidores e/ou usuários e, até mesmo, incentivar práticas discriminatórias75. Em segundo lugar, a autora apresenta a opacidade como analfabetismo técnico. Dessa vez, o problema é de tradução, visto que a linguagem dos códigos em nada se assemelha à linguagem humana, seja qual for o idioma. Significa dizer que, para compreensão de algoritmos, é necessário um saber técnico, que, em regra, está restrito a profissionais da área, como cientistas da computação, programadores e engenheiros76. Finalmente, em terceiro lugar, há a opacidade como uma questão inerente aos algoritmos. Nesta hipótese, a opacidade é intrínseca ao algoritmo referente ao método de 72 Lei nº 9.609/98. Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei. 73 RIELLI,Mariana Marques. Críticas ao ideal de transparência como solução para a opacidade de sistemas algorítmicos. In: BARBOSA, M. M. et al (Coords.). Direito digital e Inteligência artificial: Diálogos entre Brasil e Europa. Indaiatuba: Editora Foco, 2021, fl. 437-445. 74 Conceito introduzido por Frank Pasquale em sua obra “The Black Box Society: The Secret Algorithms that Control Money and Information”. 75 RIELLI, op. cit., pp. 441-442. 76 Ibidem, p. 442. 39 aprendizagem de máquina. Na prática, o algoritmo recebe um input inicial e, por si só, melhora sua performance, sem haver nenhuma programação própria para isso77. Nesse sentido, Flávia Rampazzo explica que os algoritmos se aperfeiçoam na medida em que são expostos a mais conexões: As decisões são efetivadas pelo sistema basicamente porque ele precisa executar uma operação, sendo que a escolha ou filtragem é atividade antecedente e necessária, ou seja, para alcançar um especifico resultado, o algoritmo será o fator determinante para a definição da direção a trilhar e a executará (tendo a máquina como seu instrumento) e um ser humano pode razoavelmente desvelar ou antever qual será a decisão dessa máquina, embora não seja certo que o fruto do pensamento intuído pelo ser humano como uma possível decisão de um algoritmo necessariamente será o levado a efeito, em razão da aleatoriedade que é ínsita aos sistemas com autoaprendizado’°, bem como dos interesses envolvidos na configuração de um algoritmo78. – grifos acrescentados Então, apesar de inicialmente ser elaborado por um humano, conforme o algoritmo vai sendo utilizado, maior poder de decodificação das pegadas digitais dos usuários ele adquire. Esse desenvolvimento, que acontece por meio do aprendizado de máquina, modifica tanto a estrutura quanto a conduta do algoritmo em si, podendo inclusive impedir a previsibilidade de alterações e de resultados79. Essa aprendizagem automática leva a um distanciamento da mente humana, podendo ser um problema grave para os controles ético e jurídico do tema. Explica-se: os algoritmos se tornam capazes de analisar uma quantidade astronômica de dados, que nenhum humano seria capaz de armazenar. Além disso, passam a reconhecer padrões e estratégias desconhecidas pela mente humana. Assim, o algoritmo-semente inicialmente é elaborado por indivíduos, mas “cresce, segue o próprio caminho e vai aonde humanos nunca foram antes – até onde nenhum humano pode segui-lo”80. Ademais, cabe ressaltar que algoritmos realmente relevantes, como aqueles utilizados na realização pelos mecanismos de busca, não são desenvolvidos por apenas uma pessoa, mas por grandes equipes. Isso também pode ser considerado um empecilho para o controle desse tipo de sistema, visto que não há quem entenda o algoritmo como um todo81. 77 Ibidem, pp. 442-443. 78 RAMPAZZO, op cit., p. 46 79 FRAZÃO, Ana. Algoritmos e inteligência artificial. JOTA, 15 de maio 2018. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/algoritmos-e- inteligencia-artificial-15052018. Acesso em 1.4.2022. 80 HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 81 Ibidem. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/algoritmos-e-inteligencia-artificial-15052018 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/algoritmos-e-inteligencia-artificial-15052018 40 Todos esses poréns dão força aos ideais defendidos pelo determinismo tecnológico82. Para os deterministas, o avanço tecnológico atua como uma força motriz histórica e o controle da tecnologia pelos humanos é considerado inviável. Ao contrário, a tecnologia controlaria e moldaria toda a sociedade em direção ao progresso e à eficiência. Por fim, apesar de ser detentora de todo esse poder, essa corrente ideológica defende que a tecnologia ainda seria considerada politicamente neutra e livre de valores83. Já ressaltamos que essa perspectiva de neutralidade ao se falar em mecanismos de busca não passa de uma falácia. A ideia de que agentes transferiram definitivamente o poder de decisão para as máquinas e, portanto, não poderiam mais responder pelo que estas fizessem gera grande comodismo para aqueles responsáveis pelos algoritmos. Logo, é essencial que essa irresponsabilidade seja inadmitida e que se pense, de alguma forma, em como responsabilizar agentes empresariais pelo uso equivocado dos algoritmos, mecanismo este utilizado para auferir lucros e proveitos84. Nesse capítulo, portanto, foi possível (i) apresentar a desindexação como mecanismo cabível contra eventuais excessos da liberdade de expressão; (ii) diferenciar a desindexação do direito ao esquecimento; (iii) analisar o atual entendimento da jurisprudência acerca da possibilidade de aplicação prática da desindexação, bem como a responsabilização dos mecanismos de busca em demandas desse tipo; e (iv) entender, na medida do possível, como funciona o algoritmo, fator determinante para indexar e desindexar. Agora, sabendo o que é o algoritmo, como ele funciona e quais as problemáticas por trás de sua forma de execução, podemos partir para a análise da viabilidade dos pedidos de desindexação e, ainda, para a reforma da indexação em si, de modo a disponibilizar, de forma justa, todos os fatos vinculados a determinada pessoa. 82 Conceito criado pelo economista e sociólogo estadunidense Thorstein Veblen. 83 NEDER, Ricardo T. (org.) A teoria crítica de Andrew Feenberg: racionalização democrática, poder e tecnologia. Brasília: Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina / CDS / UnB/Capes, 2010, fls. 51-65. Disponível em: https://www.sfu.ca/~andrewf/coletanea.pdf. Acesso em 5.4.2022. 84 FRAZÃO, 2018. https://www.sfu.ca/~andrewf/coletanea.pdf 41 CAPÍTULO 3 – A DESINDEXAÇÃO NA PRÁTICA E SEUS DESAFIOS I) INOVAÇÕES A SEREM PENSADAS PARA PERMITIR A VIABILIDADE DA DESINDEXAÇÃO Lawrence Lessig afirma que “[é possível] construir, arquitetar ou programar o ciberespaço para proteger valores que entendemos fundamentais ou podemos construir, arquitetar ou programar o ciberespaço para que esses valores desapareçam”85. Portanto, é preciso repensar na arquitetura da Internet, considerada por tantos como imutável, para que (i) ela resguarde tanto os direitos fundamentais à liberdade de expressão e o acesso à informação quanto os direitos da personalidade; e, (ii) em casos de insuficiência na tutela desses direitos, que os agentes sejam responsabilizados. Recapitulando, o objetivo aqui é preencher a lacuna deixada pela Suprema Corte de como deve ser o procedimento a ser realizado frente a eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação. Sendo assim, vamos iniciar a exposição do procedimento pela desindexação, operação mais conhecida pela jurisprudência, para posteriormente nos debruçarmos sobre a análise do que precisa ser feito para o aperfeiçoamento da indexação, assunto de maior complexidade que há de ser tratado em tópico próprio. Como já dito anteriormente, a desindexação não possui qualquer previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, sendo tão somente uma construção jurisprudencial. Sendo assim, para garantir o desenvolvimento e a segurança jurídica do instituto da desindexação, é de se esperar que os legisladores busquem positiva-la. Quando esse momento chegar, uma boa opção seria buscar inspiração nas normas do sistema europeu, assim como já feito em outras ocasiões (como na elaboração da LGPD, por exemplo). Tendo isso em mente, portanto, cabe voltarmos os olhares para a legislação europeia a fim de enxergar possíveis respostas a serem implementadas no sistema de leis brasileiro. Antes da GDPR entrar em vigor, o que aconteceu em 25 de maio de 2018, a legislação responsável pelatutela da na União Europeia era a Diretiva 95/46/CE. Já falamos, inclusive, que a Diretiva foi o referencial normativo para o julgamento do caso Costeja González. Dentre os diversos princípios dispostos na norma, chamamos atenção para o direito de acesso e o direito 85 LESSIG, Lawrence. Code Version 2.0. New York: Basic Books, 2006, p. 6. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fd/Code_v2.pdf. Acesso em 6.4.2022. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fd/Code_v2.pdf 42 de oposição, que foram essenciais para o veredicto do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”). Confira-se a integralidade dos artigos86: SECÇÃO V DIREITO DE ACESSO DA PESSOA EM CAUSA AOS DADOS Artigo 12º Direito de acesso Os Estados-membros garantirão às pessoas em causa o direito de obterem do responsável pelo tratamento: a) Livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demora ou custos excessivos: - a confirmação de terem ou não sido tratados dados que lhes digam respeito, e informações pelo menos sobre os fins a que se destina esse tratamento, as categorias de dados sobre que incide e os destinatários ou categorias de destinatários a quem são comunicados os dados, - a comunicação, sob forma inteligível, dos dados sujeitos a tratamento e de quaisquer informações disponíveis sobre a origem dos dados, - o conhecimento da lógica subjacente ao tratamento automatizado dos dados que lhe digam respeito, pelo menos no que se refere às decisões automatizadas referidas no nº 1 do artigo 15º; b) Consoante o caso, a rectificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente directiva, nomeadamente devido ao carácter incompleto ou inexacto desses dados; c) A notificação aos terceiros a quem os dados tenham sido comunicados de qualquer rectificação, apagamento ou bloqueio efectuado nos termos da alínea b), salvo se isso for comprovadamente impossível ou implicar um esforço desproporcionado. (...) SECÇÃO VII DIREITO DE OPOSIÇÃO DA PESSOA EM CAUSA Artigo 14º Direito de oposição da pessoa em causa Os Estados-membros reconhecerão à pessoa em causa o direito de: a) Pelo menos nos casos referidos nas alíneas e) e f) do artigo 7º, se opor em qualquer altura, por razões preponderantes e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objecto de tratamento, salvo disposição em contrário do direito nacional. Em caso de oposição justificada, o tratamento efectuado pelo responsável deixa de poder incidir sobre esses dados; b) Se opor, a seu pedido e gratuitamente, ao tratamento dos dados pessoais que lhe digam respeito previsto pelo responsável pelo tratamento para efeitos de mala directa; ou ser informada antes de os dados pessoais serem comunicados pela primeira vez a terceiros para fins de mala directa ou utilizados por conta de terceiros, e de lhe ser expressamente facultado o direito de se opor, sem despesas, a tais comunicações ou utilizações. Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para garantir que as pessoas em causa tenham conhecimento do direito referido no primeiro parágrafo da alínea b). – grifos acrescentados. De forma resumida, foi com base nos artigos 12, (b) e 14, (a), da Diretiva 95/46/CE que o TJUE decidiu que o provedor de busca atua sim como Controlador87, ainda que de maneira distinta do site original, ao realizar a indexação dos links relacionados aos resultados de pesquisa. 86 Diretiva disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A31995L0046. Acesso em 6.4.2022. 87 De acordo com o art. 5º, VI, da LGPD, Controlador é a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A31995L0046 43 No mais, a decisão no caso Costeja González foi no sentido de que o direito à privacidade e o direito à proteção de dados daqueles que pleiteiam o “esquecimento” (isto é, a desindexação) deveriam ser ponderados em relação ao interesse público e ao acesso à informação. Para os juízes, tal ponderação depende tanto da natureza e do nível de sensibilidade da informação sub judice quanto do perfil público da pessoa que requer a desindexação. Ficou entendido que quando a ponderação tender para o direito individual, o mecanismo de busca deverá retificar, apagar ou bloquear aquelas informações tidas como imprecisas, irrelevantes, inadequadas ou excessivas88. Para facilitar o caminho a ser traçado na apreciação de casos futuros similares ao Costeja González, o Article 29 Data Protection Working Party – WP 29, grupo de trabalho da União Europeia responsável pela elaboração de diretrizes relacionadas à proteção da privacidade e de dados pessoais, desenvolveu uma lista para nortear o uso da desindexação pelas Autoridades de Proteção de Dados. O documento apresenta treze critérios, que, na verdade, são treze perguntas que as Autoridades responsáveis devem fazer frente ao caso concreto. São elas: 1. O resultado da pesquisa está relacionado a uma pessoa natural, ou seja, um indivíduo? E o resultado da pesquisa é referente à pesquisa realizada com o nome do titular de dados? 2. O titular dos dados desempenha um papel na vida pública? O titular dos dados é uma figura pública? 3. O titular de dados é menor? 4. Os dados estão precisos (corretos)? 5. Os dados são relevantes e não excessivos? (a) Os dados estão relacionados à vida profissional do titular de dados? (b) O resultado da pesquisa está relacionado a informações que supostamente constituem discurso de ódio/calúnia/difamação ou ofensas semelhantes de expressão contra o requerente? (c) Está claro que os dados refletem a opinião pessoal de um indivíduo ou parecem ser fatos verificados? 6. A informação é sensível na acepção do artigo 8 da Diretiva 95/46/CE? 7. Os dados estão atualizados? Os dados estão sendo disponibilizados por mais tempo do que o necessário para a finalidade do tratamento? 8. O tratamento de dados está prejudicando o titular dos dados? Os dados têm um impacto desproporcionalmente negativo na privacidade do titular dos dados? 9. O resultado da pesquisa está vinculado a informações que colocam o titular dos dados em risco? 10. Em que contexto a informação foi publicada? (a) O conteúdo foi voluntariamente tornado público pelo titular dos dados? (b) O conteúdo pretendia ser tornado público? O titular dos dados poderia razoavelmente saber que o conteúdo seria tornado público? 11. O conteúdo original foi publicado no contexto jornalístico? 12. O editor original dos dados tem um poder legal – ou uma obrigação legal – de disponibilizar publicamente os dados pessoais? 13. Os dados estão relacionados a um crime? 88 TAMBELLI, Clarice. Europa e esquecimento: desafios de implementação. INTERNETLAB, 31.1.2017. Disponível em: https://internetlab.org.br/pt/noticias/2especial-europa-e-esquecimento- desafios-de-implementacao/. Acesso em 8.4.2022. https://internetlab.org.br/pt/noticias/2especial-europa-e-esquecimento-desafios-de-implementacao/ https://internetlab.org.br/pt/noticias/2especial-europa-e-esquecimento-desafios-de-implementacao/ 44 A utilização dos parâmetros supracitados permite que a decisão final de fato tutele os direitos da personalidade e, simultaneamente, respeite os limites da liberdade de expressão e do acesso à informação, independentemente das peculiaridades do caso. Logo, acreditamos que a incrementação de diretrizes semelhantes no Brasil seria bastante positiva para a tutela desse direito à desindexação e já serviria como norte para as autoridades. Os comentários sobre o quinto critério (dados relevantes), por exemplo, preveem uma diferenciação entre vida privada e vida profissional, de modo que esta última tem maior probabilidadede ser relevante para o interesse público e, por consequência, a disponibilidade de informações em um resultado de pesquisa ser mais aceitável. Assim, examinando este único critério, seria caso de preponderância do direito coletivo à informação. Em contrapartida, de acordo com o sétimo critério (dados atualizados), aquelas informações que não sejam razoavelmente atuais e se tornem imprecisas em virtude de sua desatualização deverão ser excluídas. Logo, situação de prevalência dos direitos da personalidade. Obviamente, a análise deve ser do todo, e não vai ser somente um critério que irá definir se a desvinculação deve ou não ocorrer. Para maior aprofundamento, a lista em questão, com todos as orientações e comentários, está traduzida e disponível no Anexo I deste trabalho. O documento do Article 29 evidencia a relevância do papel de uma Agência Nacional em Proteção da Dados para a implementação do instituto da desindexação naqueles países. Nesse sentido, vale lembrar que a LGPD criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”)89, órgão da Administração Pública responsável pela orientação, regulamentação e fiscalização do cumprimento da legislação sobre proteção de dados. Outra sugestão seria que a ANPD cuidasse também do direito à desindexação. No entanto, apesar do dever de orientar, até o momento, mesmo com o aumento das demandas sobre o tema em âmbito nacional, a ANPD permaneceu silente sobre questões relevantes para um possível amparo ou, até mesmo, aplicação analógica da LGPD para os casos de desindexação. Respostas ainda estão pendentes para indagações como (i) o serviço realizado pelos mecanismos de busca consiste em tratamento de dados pessoais?; (ii) caso positivo, tais mecanismos são considerados Controladores ou Operadores90?; e (iii) se existe uma 89 LGPD. Art. 55-A. Fica criada, sem aumento de despesa, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão da administração pública federal, integrante da Presidência da República. 90 LGPD. Art. 5º (...) VII- operador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do Controlador. 45 interpretação dos dispositivos da LGPD que fundamente a desindexação ou é necessário criar uma nova norma para tanto91. É nesse contexto de ausência normativa e interpretativa sobre o tema que os critérios utilizados no julgamento do caso Costeja González e posteriormente dispostos pelo Article 29 em documento próprio parecem bastante promissores para regular o uso da desindexação no território brasileiro. A jurisprudência firmada até então permite o uso da desindexação em caráter excepcional, como se vê no caso D.P.N. x Google. Trata-se, portanto, de um procedimento viável, uma vez que a desvinculação entre nome e resultado de pesquisa já foi ordenada previamente. Realmente, não se trata de apagar o passado, mas permitir que aquele indivíduo não tenha sua imagem reduzida àquele fato e que sua privacidade seja protegida. O que ainda se negligencia são os critérios a serem observados para a determinação da desindexação. E, novamente, muito disso se justifica por conta da inexistência de responsabilidade das plataformas de busca, que estão o tempo todo preocupadas com o direcionamento de conteúdo e em como isso irá submeter os usuários às “estratégias que influenciam, quando não manipulam diretamente, suas visões de mundo, ideias e valores, o que pode ser utilizado para os mais variados propósitos, desde os comerciais aos políticos”92. Portanto, o que se propõe é que, mais uma vez, assim como foi feito durante a elaboração da LGPD, o Brasil se inspire nos padrões utilizados pela União Europeia para tratar sobre a desindexação e a proteção de informações pessoais no ambiente digital. É claro que, como em qualquer demanda judicial, os fatos vão variar de caso a caso. Contudo, o uso de parâmetros objetivos tanto por uma Autoridade administrativa – aqui sugerimos a ANPD – quanto pelos tribunais para a tomada de decisão em um pedido de desindexação não só facilita o trabalho desses entes, como também garante maior segurança jurídica aos requerentes, que já vão ter uma previsão sobre a possibilidade de provimento de sua pretensão. Contudo, as inovações não devem parar por aí. Sem dúvidas, muito dos problemas da casualidade da desindexação se resolveriam com a implementação de critérios objetivos pré- estabelecidos para auxiliar na tomada de decisão. Porém, ainda estamos diante de um sistema de algoritmos que leva à uma listagem de resultados de forma imparcial, injusta e desatualizada, 91 OLIVEIRA, op. cit., p. 130. 92 FRAZÃO, 2021, op. cit., p. 63. 46 do qual pouco se sabe sobre a forma de funcionamento. Diante disso, cabe, finalmente, tratar sobre as possibilidades de aprimoramento da indexação. II) O APERFEIÇOAMENTO DA INDEXAÇÃO A confiança é elemento fundamental de qualquer relação jurídica, especialmente aquelas firmadas entre pessoa jurídica e pessoa física. Quanto mais confiável aquela empresa é, maior será sua autoridade em exercer aquela função ou serviço. Assim, a confiança atribuída aos novos meios tecnológicos chega a ser uma confiança “cega”, visto que hoje a tecnologia assumiu uma posição determinante na vida dos usuários. Isso porque, quando se trata do meio digital, a impressão que se passa é que os Termos de Uso e a forma que o serviço é realizado por aqueles provedores são amplamente negligenciados pelo usuário, que simplesmente adere ao contrato sem saber de fato as condições por trás da utilização daquele site. Nesse sentido, vale a pena questionar: “[e]nquanto deixamos o Google nos conhecer cada vez mais a fundo, o que esta empresa nos permite conhecer sobre ela mesma? Por que o seu algoritmo é fechado, mas a vida das pessoas deve ser totalmente aberta para a citada companhia?”93. Para além do mero incremento da desindexação, o que se pretende aqui também é o aperfeiçoamento da indexação em si. O objetivo é tornar os padrões utilizados pelos provedores de busca mais transparentes e acessíveis, de forma a romper com o caráter obscuro dos algoritmos, melhorar a relação de confiança entre usuário e empresa e, consequentemente, facilitar a regulação e fiscalização do serviço prestado por esses agentes para as entidades competentes. a. O problema dos algoritmos secretos e o uso da responsibility, da accountability e da answerability como solução Caio César de Oliveira observa que a arquitetura tem o poder de moldar comportamentos. Explica-se: no mundo físico, o uso de muros reforça a ideia de privacidade, ou a simples colocação de um cone em determinada rua é o suficiente para a compreensão de 93 NAGASAKO, Renato S. A Influência do Google na Formação e no Reforço de Padrões de Comportamento: uma análise crítica dos condicionamentos comunicativos criados pelos mecanismos de busca. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2017, pp. 85-87. 47 que aquela rota está inacessível. Na Internet não seria diferente: a arquitetura do meio digital influencia diretamente o comportamento de usuários e de provedores. A forma de programar não somente reflete valores e princípios daquela sociedade, como também incentiva que mudanças nesse meio devem ser amplamente debatidas para ser implementadas94. Por isso, é defendida a implementação de um princípio conhecido como Privacy by Design, que tem como diretriz a observância dos princípios de privacidade e proteção de dados pessoais desde a concepção das aplicações e serviços, ou seja, no momento de construção e programação já são embutidos valores e princípios que priorizem e respeitem a privacidade e a garantia do exercício de direitos dos titulares de dados pessoais. Com o desenvolvimento de tal princípio e pensando em um design responsável, pode-se equilibrardireitos da personalidade sem prejudicar outros relevantes direitos como a liberdade de expressão e informação. A construção da arquitetura da Rede, voltada para possibilitar o cumprimento de valores e princípios relacionados à privacidade e proteção de dados em harmonia com os princípios da liberdade de expressão e informação não impede o desenvolvimento de novas tecnologias95. – grifos acrescentados Diante do crescimento das demandas judiciais no âmbito da Internet, é possível deduzir que a arquitetura digital em vigor tem sido insuficiente para a tutela dos direitos individuais dos usuários. Como é de se esperar de uma sociedade capitalista, os serviços são moldados de forma a privilegiar o lucro e a manter a empresa referência em uma posição privilegiada em relação às demais, muito por conta da falta de conhecimento da sua forma de atuação. Nesse diapasão, Frazão explica que a violação da privacidade e dos dados pessoais se tornou, de fato, um negócio lucrativo que possibilita uma acumulação de poder gigantesca e se retroalimenta indefinidamente96. A Declaração do Comitê de Ministros da Europa concatena bem a capacidade de manipulação de algoritmos ao dizer que “[os] dados são utilizados para alimentar tecnologias de machine learning, para priorizar resultados, predizer e moldar preferências pessoais, alterar o fluxo de informações e, algumas vezes, submeter os indivíduos a experimentos comportamentais”97. A Declaração ainda discorre sobre a possibilidade que essas ferramentas de machine learning têm de prever escolhas, influenciar pensamentos e até mesmo alterar, antecipadamente, o curso de nossas ações, de forma direta ou subliminar98. É exatamente o que aconteceu no caso Xuxa Meneghel, em que o algoritmo do Google exibia sugestões de pesquisa 94 OLIVEIRA, op. cit., p. 44. 95 Ibidem. 96 FRAZÃO, 2021, op. cit., p. 63. 97 Declaration by Committe of Ministers on the manipulative capabilities of algorithmic processes. 1337th meeting of the Ministers’ Deputies. 13 de fev 2019. Disponível em https://ccdcoe.org/uploads/2019/09/CoE-190213-Declaration-on-manipulative-capabilities-of- algorithmic-processes.pdf. Acesso em 19.4.2022. 98 Ibidem. https://ccdcoe.org/uploads/2019/09/CoE-190213-Declaration-on-manipulative-capabilities-of-algorithmic-processes.pdf https://ccdcoe.org/uploads/2019/09/CoE-190213-Declaration-on-manipulative-capabilities-of-algorithmic-processes.pdf 48 relacionadas à pedofilia ou àquele filme e induzia o usuário a realizar aquela busca, quando ele sequer tinha o interesse inicial em pesquisar sobre aquele fato. Essa alta capacidade de manipulação por parte dos algoritmos consiste em um verdadeiro perigo democrático. Com o passar do tempo, as plataformas passam a assumir um papel de gatekeepers, isto é, de agentes que, em razão de sua centralidade, exercem todas as formas de controle de informação e tem grande influência sobre seus usuários. Trata-se de um poder super relevante, que, mais do que nunca, exige uma atenção especial do Estado para lidar com a situação99. Sendo assim, é preciso que se rompa definitivamente com o mito da neutralidade para que empresas do ramo digital cumpram com seu dever geral de cuidado e sejam, de fato, responsabilizadas por suas ações e omissões, assim como já é feito com as sociedades de outros ramos, que não o digital. Essa responsabilização junto à exigência de uma maior transparência resultaria em um incremento do acesso à informação para os usuários e proporcionaria evidências para um debate público relacionado ao impacto que os serviços dessas empresas acarretam para a democracia, liberdade de expressão e privacidade. Melhor explicando, [t]ais estruturas possibilitam que as partes interessadas externas obtenham uma visão sobre o impacto das empresas sobre a capacidade das pessoas de se expressar, proteger sua privacidade, acessar notícias, reconhecer e combater o discurso de ódio e a desinformação, e compartilhar e trocar conhecimentos. Muitas vezes, o funcionamento das empresas – e seu monitoramento de impacto – é opaco e, portanto, difícil de se avaliar, o que dificulta a resposta e terceiros a problemas e oportunidades do ponto de vista dos direitos humanos e de questões relativas ao desenvolvimento sustentável, como o direito à saúde, o direito à igualdade (incluindo igualdade de gênero) e o direito à proteção ambiental. Uma vez que várias dessas empresas da internet são megainstituições, as externalidades de seus modelos de negócios e operações internas afins têm grande importância para a vida pública. Portanto, as partes interessadas externas podem usar um forte argumento para obter maior transparência, se houver a confiança social de que os atores comerciais não estão colocando seus lucros acima do respeito aos direitos humanos e do avanço do desenvolvimento sustentável. Muitas empresas já apresentam graus de transparência em seus relatórios, e delas algumas se comprometeram a aumentar a abertura. O principal debate, portanto, não é se deve haver transparência, mas sim questões como o quê, quanto, para quem e por quais razões, e os resultados esperados da transparência100. – grifos acrescentados 99 FRAZÃO, 2021, op. cit., p. 67. 100 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. PUDDEPHATT, Andrew. Deixa o sol entrar: transparência e responsabilização na era digital. Tendências mundiais em liberdade de expressão e desenvolvimento da mídia. Brasília, 2021, p. 3. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000377231_por. Acesso em 4.4.2022. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000377231_por 49 É nesse contexto que podemos começar a falar de responsibility, accountability e answerability, termos comuns do universo da compliance. Segundo Nelson Rosenvald101, apesar dos vocábulos terem relação direta com a responsabilidade civil, eles transcendem o conceito clássico de responsabilidade, que por muitas vezes é reduzida a anular os prejuízos ocasionados ao requerente. Os vocábulos vão além e conferem novas camadas à responsabilidade, capacitando-a a responder à complexidade e velocidade dos arranjos sociais. Em primeiro lugar, então, temos a responsibility, que, conforme explica o autor, é “o sentido moral de responsabilidade, voluntariamente aceito e jamais legalmente imposto”. Em relação aos agentes de tratamento (controladores e operadores), trata-se da ética inserida no exercício de sua atividade. Já para os titulares de dados, a responsibility consiste na educação digital, isto é, uma autodeterminação informativa, uma capacitação para o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania, promoção da cultura e desenvolvimento tecnológico, nos termos do artigo 26 do Marco Civil da Internet. Em segundo lugar, Rosenvald trata sobre a accountability. O termo abrange parâmetros regulatórios preventivos, seja em caráter ex ante seja na vertente ex post. Quando o caso for ex ante, a accountability é tida como um guia para os protagonistas do tratamento de dados pessoais, frente a inserção de uma série de regras de boas práticas e governança, de forma a instituir condições de organização, procedimentos, padrões técnicos e normas de segurança sobre a matéria. No plano ex post a accountability também serve de guia, mas dessa vez para as autoridades regulatórias e magistrados. Substituindo a discricionaridade simplória, a accountability oferece parâmetros objetivos para mensuração do risco intrínseco a determinada atividade econômica daquela empresa. Assim, os agentes podem responder a um conjunto de legislação e de regulação, “mediante a padronização de arranjos contratuais aptos à diluição dos custos dos acidentes”. Por fim, a answerability, na visão do autor, é um procedimento voltado ao titular de dados para solicitar a revisão por humanos dedecisões produzidas por inteligência artificial. Em outras palavras, é o direito daquele usuário de contestar decisões que incidam diretamente sobre seus interesses, incluindo aquelas que definam seu perfil pessoal/profissional na Internet, e que foram “tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais”. 101 ROSENVALD, Nelson. A polissemia da responsabilidade civil na LGPD. Coluna Migalhas de Proteção de Dados. 6 de novembro de 2020. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-protecao-de-dados/336002/a-polissemia-da- responsabilidade-civil-na-lgpd. Acesso em 9.4.2022. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-protecao-de-dados/336002/a-polissemia-da-responsabilidade-civil-na-lgpd https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-protecao-de-dados/336002/a-polissemia-da-responsabilidade-civil-na-lgpd 50 Sabemos que a opacidade permeia o sistema de inteligência artificial dos mecanismos de busca. Também se sabe que tamanha obscuridade impossibilita a compreensão do por que aqueles resultados vinculados àquela pessoa física aparecem naquela determinada ordem de indexação. Ademais, o conhecimento jurídico dos fatores considerados pelo provedor de busca para a realização da desindexação é igualmente escasso. Logo, mesmo diante de uma democracia que preza pelo acesso à informação, quando se trata da desvinculação de conteúdo na Internet esse acesso é bastante limitado. Contudo, a expansão da responsabilidade civil por meio dos institutos da responsibility, accountability e answerability parece bastante próspera para o futuro da desindexação. Isso porque, se as coisas permanecerem como são hoje em dia, em breve o Judiciário estará saturado de pedidos de desvinculação de informações (verdadeiras, porém desatualizadas) de um nome. No entanto, caso as empresas estejam cientes de que podem ser responsabilizadas pela má gestão da informação a que têm acesso, provavelmente irão optar por mudar a forma de atuação, de modo a observar o dever geral de cuidado e, por consequência, a proteção da privacidade, da imagem, da honra e da proteção de dados daqueles mesmos usuários, o que pode levar inclusive à redução da judicialização de demandas deste tipo. Evidentemente, o caminho é longo e as mudanças não acontecerão de um dia para o outro – ou talvez nunca aconteçam –, porque trata-se de uma alteração que afeta diretamente toda uma instituição e a sua forma de lucro e de competição no mercado. As empresas se encontram em uma posição bastante favorável e se aproveitam da falta de conhecimento jurídico sobre a inteligência artificial que utilizam em seus serviços. Sendo assim, muito provavelmente uma mudança dessa atitude só seria possível com uma reforma do ordenamento jurídico, de modo a resolver a ausência de regulação da matéria e exigir a maior transparência no uso de algoritmos, evitando a propagação de uma relação simplista de submissão e confiança cega entre usuários e mecanismos de busca. b. Lacunas legislativas, regulação e fiscalização legal da inteligência artificial Estudos mais antigos sobre o direito ao esquecimento, elaborados muito antes do julgamento do tema pelo Supremo Tribunal Federal, ao tratar sobre as alternativas de regulação da matéria no Brasil, sempre apresentavam a necessidade da existência de um órgão administrativo competente para decidir sobre pedidos de desvinculação de URLs102. 102 Para mais detalhes conferir: GONÇALVES, Luciana Helena. O DIREITO AO ESQUECIMENTO NA ERA DIGITAL: Desafios da regulação da desvinculação de URLs prejudiciais a pessoas naturais nos 51 Como já sugerido neste capítulo, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, agência reguladora responsável pela tutela da proteção desses dados e pela fiscalização e intepretação da LGPD, poderia vir a ser o órgão administrativo responsável pela tutela do direito à desindexação, se assim fosse decidido pelos legisladores. Por enquanto, a desindexação depende totalmente da discricionariedade de magistrados para ser aplicada. Isso gera uma insegurança para os requerentes e para o próprio sistema jurídico, visto que não há qualquer parâmetro objetivo que incida sob essas decisões, de modo que o deferimento depende totalmente da construção jurisprudencial do tema e, ainda assim, as peculiaridades dos fatos de cada caso não permitem que o indivíduo lesado tenha a certeza de que sua pretensão será atendida. Assim, parece razoável dizer que a atuação de uma agência nacional – seja a ANPD seja qualquer outra criada pela lei – em matéria de desindexação traria grandes avanços não somente para a compreensão do tema, mas também para a padronização de critérios utilizados na concessão ou não desse direito. Da mesma forma que hoje não há qualquer órgão administrativo competente para lidar com a questão, tampouco existem quaisquer normas jurídicas sobre desindexação. Já foi falado inúmeras vezes que se trata de uma construção jurisprudencial. Apesar disso, há indícios de que os legisladores estão preocupados com o assunto e, em breve, pretendem preencher as lacunas. Isso porque já existem três projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional sobre um possível marco regulatório para o uso da Inteligência Artificial no Brasil. São eles: (i) o PL nº 21/2020103, de autoria do deputado Eduardo Bismarck (PDT/CE) e já aprovado pela Câmara dos Deputados; (ii) o PL nº 5.051/2019104, de autoria do senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN); e (iii) o PL nº 872/2021105, de autoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB). índices de pesquisa dos buscadores horizontais. Dissertação (Mestrado em Direito) - Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas. São Paulo, 2016. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/16525. Acesso em 10.4.2022. 103 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 21, de 4 de fevereiro de 2020. Estabelece princípios, direitos e deveres para o uso da inteligência artificial no Brasil, e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2236340. Acesso em 7.4.2022. 104 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 5051, de 16 de setembro de 2019. Estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138790. Acesso em: 7.4.2022. 105 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 872, de 12 de março de 2021. Dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/- /materia/147434. Acesso em 7.4.2022. https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/16525 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2236340 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138790 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147434 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147434 52 Em 30 de março de 2022, o Senado Federal instalou comissão de juristas para elaboração de projeto de regulação da inteligência artificial no Brasil. O grupo, que tem como relatora a jurista Laura Schertel, terá 120 dias para apresentar a proposta para o Senado. Rodrigo Pacheco, presidente da Casa, apontou brevemente o porquê da importância do tema: A inteligência artificial impacta cada vez mais a vida pública dos estados e a vida privada dos cidadãos. Em grande parte, isso se dá em proveito da sociedade, mas as consequências desse processo nem sempre são positivas, como sugerem distopias e histórias de ficção científica hoje em dia cada vez mais frequentes. Com a expansão vertiginosa desse ramo chegou a hora de discipliná-lo. Como identificar a responsabilidade jurídica em evento causado ou intermediado pela inteligência artificial?106 Logo, a discussão acercada positivação da regulação da Inteligência Artificial ainda está no início, mas já gera grandes expectativas. A comissão de juristas conta com nomes de peso, referências no assunto – Ana Frazão, Miriam Wimmer, Bruno Bioni, Claudia Lima Marques e Thiago Luís Sombra podem ser citados – e, com toda a certeza, podemos esperar um trabalho de excelência desse time. Audiências públicas acerca do conceito, da compreensão, da classificação e dos impactos da inteligência artificial acontecerão em abril de 2022107 e, sem dúvidas, em muito acrescentarão para a melhoria na transparência da matéria. Sendo assim, há muito que se pensar para a elaboração de um marco regulatório no Brasil. Auxiliando essa reflexão, Caio César de Oliveira explica que, na visão de Lessig, a boa regulamentação da Internet exige a presença de quatro elementos108. São eles: (i) normas de direito aptas a regular e impor garantias, obrigações e deveres; (ii) mercado, responsável pela regulação financeira e econômica de determinado serviço; (iii) normas sociais, que refletem a cultura e os valores de uma sociedade; e (iv) arquitetura de rede, apta a regular padrões e comportamentos desde a concepção e programação das aplicações e serviços. Destrinchando cada um desses quatro pontos, acredita-se que a inovação de todo esse aparato inicia com a transformação das normas sociais, o que já está acontecendo no Brasil e pode ser verificado pela procura do Judiciário para a tutela de direitos da personalidade lesados por informações antigas disponibilizadas na Internet. As mudanças na cultura e nos valores daquela sociedade provocam as autoridades públicas, de modo a incentivar as alterações nas normas jurídicas que regulem aquele tema, para que o ordenamento se adapte ao novo cenário 106 AGÊNCIA SENADO. Brasil poderá ter marco regulatório para a inteligência artificial. Senado Notícias, 30 de mar. 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/30/brasil-podera-ter-marco-regulatorio-para-a- inteligencia-artificial. Acesso em 7.4.2022. 107 Informações disponíveis em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2504. Acesso em 18.4.2022. 108 OLIVEIRA, op. cit., p. 43. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/30/brasil-podera-ter-marco-regulatorio-para-a-inteligencia-artificial https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/30/brasil-podera-ter-marco-regulatorio-para-a-inteligencia-artificial https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2504 53 prático daquele lugar. Esse é o ponto em que estamos: frente a implementação de uma nova legislação sobre inteligência artificial. A partir daí, com o advento das novas leis, os agentes detentores da inteligência artificial terão que readaptar seus sistemas. Nisso, entra a alteração da arquitetura de redes, de modo a deixa-la em conformidade com as novas regras. Por fim, todas essas modificações vão reverberar no mercado, que igualmente terá que se ajustar àquela realidade. Trata-se, portanto, de uma cadeia de eventos em que os efeitos de um são causa do outro. Diante de todo o exposto, é evidente que ainda há uma série de desafios a serem enfrentados. A declaração da inconstitucionalidade do direito ao esquecimento pelo Supremo Tribunal Federal resolveu um problema, mas deixou uma série de questões em aberto sobre a desindexação. A discussão, com toda a certeza, não acaba por aí. Porém, até que tenhamos uma resposta de fato eficiente para a tutela do direito à desindexação, por enquanto juristas e legisladores podem voltar seus esforços para (i) decifrar a “caixa preta”, isto é, a forma de funcionamento dos algoritmos para melhor compreendê-los; (ii) pressionar plataformas de busca para que seus termos de uso sejam cada vez mais transparentes; (iii) buscar justificativas para que a ANPD ou algum outro órgão administrativo auxilie na elaboração de critérios objetivos para a concessão da desindexação; e (iv) participar dos debates que acontecerão durante a elaboração de um marco regulatório para a Inteligência Artificial. 54 CONCLUSÃO Em suma, o presente trabalho permitiu compreender como a desindexação pode ser aperfeiçoada para atuar como instrumento legítimo em ações inicialmente fundamentadas em um direito ao esquecimento. Conforme dito na introdução, o uso da desindexação para a resolução dessas demandas era uma ideia da autora, mas a certeza acerca da viabilidade só poderia acontecer quando se compreendesse (i) em que medida essa decisão da Suprema Corte valida e reforça as discussões a respeito da desindexação; e (ii) o que pode ser feito para aperfeiçoar não somente a desindexação, mas a indexação em si, de modo que ambos os institutos resguardem os direitos da personalidade, no plano individual, mas ainda observem o acesso à informação e a liberdade de expressão no plano coletivo. Quanto ao primeiro questionamento, diante de tudo o que foi exposto, acreditamos que a tese firmada no Tema 786 da Repercussão Geral reforça sim as discussões sobre a desindexação. Para além da declaração da inconstitucionalidade do direito ao esquecimento, o Plenário do STF deixou em aberto como eventuais excessos na liberdade de expressão devem ser resolvidos. Porém, é possível encontrar decisões na jurisprudência nacional e internacional que já determinaram a desindexação como solução para a tutela dos direitos de personalidade dos requerentes. A desindexação elimina aquelas informações indesejadas de uma página de resultados própria sobre aquela pessoa física, mas mantém a fonte original, que ainda poderá ser acessada caso a busca seja realizada por termos distintos do nome do requerente. Logo, o que se verifica é uma tutela eficiente dos direitos de personalidade, mas também o respeito à liberdade de expressão, não havendo qualquer espaço para dizer que a desindexação conversa diretamente com a censura. Assim, a aplicação do direito à desindexação já conta com uma série de precedentes. Contudo, ainda é tida como excepcional, especialmente no território brasileiro, em virtude do entendimento de que mecanismos de busca não podem ser responsabilizados pelo conteúdo de terceiros. Tampouco existe um aparato legal ou parâmetros objetivos que possam orientar a tomada de decisão, de modo a impedir que a solução seja totalmente dependente da discricionariedade do magistrado. 55 Esses são alguns dos fatores que servem de indicativo para o fato de que, realmente, estamos somente começando a discussão sobre desindexação. Diante disso, cabe agora responder a segunda pergunta. Como se sabe, atualmente a desindexação somente é legitimada pela jurisprudência. Logo, há muito a ser pensado para uma eventual positivação e regulação do instituto. Infelizmente, um grande empecilho que temos ao longo desse caminho é o desconhecimento sobre a forma de atuação das plataformas de busca, que se escoram em algoritmos complexos e os usam como justificativa para a defesa de uma postura supostamente neutra. Enquanto essa obscuridade dos algoritmos prevalecer e a ausência de um amparo legislativo adequado, de critérios objetivos de aplicação e de qualquer previsão de um órgão administrativo regulatório permanecerem, a desindexação continuará sendo imprevisível e não terá sua devida importância reconhecida. Contudo, felizmente, ainda existe uma luz no fim do túnel. O ordenamento europeu é mais bem preparado em matéria de desindexação e pode servir de inspiração para eventuais decisões ou, até mesmo, leis brasileiras sobre a matéria. Além disso, temos também a preocupação dos legisladores em regulamentar a Inteligência Artificial. Caso os projetos de lei sejam aprovados, a esperança é de que o aparato legal brasileiro obrigue os agentes a readaptar seus sistemas, de modo a deixá-los mais transparentes para o consumidor, que agora poderá ter uma real noçãodo tratamento dado ao fluxo informacional. 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGÊNCIA SENADO. 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Tradução feita por Caio César de Oliveira, na obra “Eliminação, desindexação e esquecimento na Internet”, folhas 203-210. Documento original disponível em: https://ec.europa.eu/newsroom/article29/items/667236/en. NÚMERO CRITÉRIO COMENTÁRIO 1 O resultado da pesquisa está relacionado a uma pessoa natural, ou seja, um indivíduo? E o resultado da pesquisa é referente à pesquisa realizada com o nome do titular de dados? O julgamento do caso Google (Costeja González) reconheceu o impacto específico que uma pesquisa na Internet, com base no nome de um indivíduo, pode ter no seu direito de respeitar a vida privada. As Autoridades Nacionais de Proteção de Dados (“DPA”) também considerarão pseudônimos e apelidos como termos de pesquisa quando o indivíduo puder estabelecer que está vinculado à sua identidade real. 2 O titular dos dados desempenha um papel na vida pública? O titular dos dados é uma figura pública? O Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) abriu uma exceção para desindexação de titulares de dados que desempenham um papel na vida pública, onde há interesse do publico em se ter acesso a informações sobre eles. Este critério é mais amplo que o critério de ‘figuras públicas’. O que constituiu ‘um papel na vida pública’? https://ec.europa.eu/newsroom/article29/items/667236/en 61 Não é possível estabelecer com certeza o tipo de papel na vida pública que um indivíduo deve ter para justificar o acesso público às informações sobre ele por meio de um resultado de pesquisa. Contudo, a título de exemplo, políticos, funcionários públicos, empresários e membros das profissões (regulamentadas) geralmente podem ser considerados como desempenhando um papel na vida pública. Há um argumento a favor da sociedade poder buscar informações relevantes para suas funções e atividades públicas. Uma boa regra é tentar decidir onde a sociedade que tem acesso a informações privadas – disponibilizadas por uma pesquisa com o nome do titular de dados – estaria protegida contra uma conduta pública ou profissional inadequada. É igualmente difícil definir o subgrupo de ‹figuras públicas›. Em geral, pode-se dizer que figuras públicas são indivíduos que, graças às suas funções/compromissos, têm certo grau de exposição na mídia. A Resolução 1165 (1998) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre o direito à privacidade fornece uma possível definição de “figuras públicas”. Ele afirma que “figuras públicas são pessoas que ocupam cargos públicos e/ou utilizam recursos públicos e, em termos mais gerais, todos aqueles que desempenham um papel na vida pública, seja na política, economia, 62 artes, esfera social, esporte ou qualquer outro domínio”. Pode haver informações sobre figuras públicas que sejam genuinamente privadas e que normalmente não devem aparecer nos resultados da pesquisa, como informações sobre sua saúde ou familiares. Mas, como regra geral, se os candidatos forem figuras públicas e as informações em questão não constituírem informações genuinamente privadas, haverá um argumento mais forte contra a exclusão da lista de resultados de pesquisa relacionados a eles. Na determinação do equilíbrio, a jurisprudência do European Court on Human Rights (a seguir: TEDH) é especialmente relevante. TEDH, von Hannover v. Alemanha (no. 2), 2012: “O papel ou a função da pessoa em questão e a natureza das atividades objeto do relatório e/ou foto constituem outro critério importante, relacionado ao precedente 1. Nesse sentido, deve ser feita uma distinção entre indivíduos particulares e pessoas que atuam em um contexto público, como figuras políticas ou figuras públicas. Por conseguinte, enquanto um indivíduo privado desconhecido do público pode reivindicar proteção particular de seu direito à vida privada, o mesmo não acontece com figuras públicas (ver Minelli v. Suíça (dec.), nº 14991/02, 14 de junho de 2005, e Petrenco, citado acima, § 55). É 63 necessário fazer uma distinção fundamental entre fatos capazes de contribuir para um debate em uma sociedade democrática, relacionados aos políticos no exercício de suas funções oficiais, por exemplo, e relatar detalhes da vida privada de um indivíduo que não exerce essas funções (ver Von Hannover, citado ab ove, § 63, e Standard Verlags GmbH, citado acima, § 47).” 3 O titular dos dados é menor? Como regra geral, se um titular de dados for menor de idade – por exemplo, ele ainda não tem 18 anos no momento da publicação das informações –, é mais provável que as DPAs exijam a exclusão de certos resultados. O conceito de “melhores interesses da criança” deve ser levado em consideração pelas DPAs. Este conceito pode ser encontrado, inter alia, no artigo 24 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE: “Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” 4 Os dados estão precisos (corretos)? Em geral, “preciso”/“correto” significa preciso quanto a um fato. Há uma diferença entre um resultado de pesquisa que se relaciona claramente com a opinião de uma 64 pessoa e outra que parece conter informações factuais. Na lei de proteção de dados, os conceitos de precisão, adequação e incompletude são similares. As DPAs terão mais chances de considerar que a exclusão de um resultado de pesquisa será apropriada quando houver imprecisão quanto ao fato e quando isso apresentar uma impressão imprecisa, inadequada ou enganosa de um indivíduo. Quando um titular de dados se opõe a um resultado da pesquisa, alegando que é impreciso, as DPAs podem atender a essa solicitação se o requerente fornecer todas as informações necessárias para estabelecer que os dados são realmente imprecisos. Nos casos em que uma disputa sobre a precisão das informações ainda esteja em andamento, por exemplo, em tribunal ou quando houver investigação policial em andamento, as DPAs podem optar por não intervir até que o processo seja concluído. 5 Os dados são relevantes e não excessivos? a) Os dados estão relacionados à vida profissional do titular de dados? b) O resultado da pesquisa está relacionado a informações que O objetivo geral desses critérios é avaliar se as informações contidas em um resultado de pesquisa são relevantes ou não, de acordo com o interesse do público em geral em ter acesso às informações. A relevância também está intimamente relacionada à antiguidade dos dados. Dependendo dos fatos do caso, as informações publicadas há muito tempo, 65 supostamente constituem discurso de ódio/calúnia/difamação ou ofensas semelhantes de expressão contra o requerente? c) Está claro que os dados refletem a opinião pessoal de um indivíduo ou parecem ser fatos verificados? por exemplo, 15 anos atrás, podem ser menos relevantes que as informações publicadas há 1 ano. As DPAs avaliarão a relevância de acordo com os fatores descritos a seguir: a) Os dados estão relacionados à vida profissional do titular dos dados? Uma distinção inicial entre vida privada e vida profissional deve ser feita pelas DPAs quando examinam a solicitação de desindexação. A proteção de dados – e a lei de privacidade mais amplamente – preocupa-se principalmente em garantir o respeito pelo direito fundamental à privacidade do indivíduo (e à proteção de dados). Embora todos os dados relativos a uma pessoa sejam dados pessoais, nem todos os dados sobre uma pessoasão privados. Há uma distinção básica entre a vida privada de uma pessoa e sua personalidade pública ou profissional. A disponibilidade de informações em um resultado de pesquisa se torna mais aceitável, quando menos revela sobre a vida privada de uma pessoa. Como regra geral, as informações relacionadas à vida privada de um titular de dados que não desempenha um papel na vida pública devem ser consideradas irrelevantes. No entanto, figuras públicas também têm direito à privacidade, embora de forma limitada ou modificada. 66 É mais provável que as informações sejam relevantes se estiverem relacionadas à vida profissional atual do titular dos dados, mas muito dependerá da natureza do trabalho do titular dos dados e do interesse legítimo do público em ter acesso a essas informações por meio de uma pesquisa em seu site ou o nome dela. Duas perguntas adicionais são relevantes aqui: – Os dados sobre a atividade relacionada ao trabalho de uma pessoa são excessivos? – O titular dos dados ainda está envolvido na mesma atividade profissional? b) O resultado da pesquisa está vinculado a informações que são excessivas ou supostamente constituem discurso de ódio/difamação/ calúnia ou ofensas semelhantes na área de expressão contra o requerente? As DPAs geralmente não têm poderes e não estão qualificadas para lidar com informações que possam constituir uma ofensa civil ou criminal de ‘discurso’ contra o reclamante, como discurso de ódio, calúnia ou difamação. Nesses casos, as DPAs provavelmente encaminharão os dados à polícia e/ou ao tribunal se uma solicitação de exclusão da lista for recusada. A situação seria diferente se um tribunal tivesse ordenado que a publicação das 67 informações fosse realmente uma ofensa criminal ou viola outras leis. No entanto, as DPAs permanecem competentes para avaliar se a lei de proteção de dados foi cumprida. c) Está claro que os dados refletem a opinião pessoal de um indivíduo ou parecem ser fatos verificados? O status das informações contidas em um resultado da pesquisa também pode ser relevante, em particular a diferença entre opinião pessoal e fato verificado. As DPAs reconhecem que alguns resultados de pesquisa conterão links para conteúdo que pode fazer parte de uma campanha pessoal contra alguém, consistindo em “reclamações” e talvez comentários pessoais desagradáveis. Embora a disponibilidade dessas informações possa ser prejudicial e desagradável, isso não significa necessariamente que as DPAs considerem necessário que os resultados de pesquisa relevantes sejam desindexados. No entanto, as DPAs terão mais probabilidade de considerar a exclusão da lista de resultados de pesquisa que contêm dados que parecem ser fatos verificados, mas que são de fato imprecisos. 6 A informação é sensível na acepção do artigo 8 da Diretiva 95/46/CE? Como regra geral, os dados confidenciais (definidos no artigo 8 da Diretiva 95/46/CE 68 como ‘categorias especiais de dados’) têm um impacto maior na vida privada do titular dos dados do que dados pessoais ‘comuns’. Um bom exemplo seria as informações sobre a saúde, sexualidade ou crenças religiosas de uma pessoa. As DPAs têm maior probabilidade de intervir quando as solicitações de retirada da lista são recusadas em relação aos resultados de pesquisa que revelam essas informações ao público. 7 Os dados estão atualizados? Os dados estão sendo disponibilizados por mais tempo do que o necessário para a finalidade do tratamento? Como regra geral, as DPAs abordarão esse fator com o objetivo de garantir que as informações que não sejam razoavelmente atuais e que se tornem imprecisas porque estejam desatualizadas sejam excluídas. Essa avaliação dependerá da finalidade do tratamento original. 8 O tratamento de dados está prejudicando o titular dos dados? Os dados têm um impacto desproporcionalmente negativo na privacidade do titular dos dados? Não existe obrigação para o titular dos dados de demonstrar a existência de danos para solicitar a desindexação, ou seja, o dano não é uma condição para o exercício do direito reconhecido pelo TJUE. No entanto, onde houver evidências de que a disponibilidade de um resultado de pesquisa esteja prejudicando o titular dos dados, isso será um forte fator a favor da desindexação. A Diretiva 95/46/CE permite que os dados sujeitos ao objeto sejam processados 69 quando houver motivos legítimos convincentes para fazê-lo. Onde houver uma objeção justificada, o controlador de dados deverá parar de realizar o tratamento dos dados pessoais. Os tratamentos podem ter um impacto desproporcionalmente negativo para o titular dos dados, quando um resultado de pesquisa se relaciona a um delito trivial ou tolo que não é mais – ou pode nunca ter sido – o assunto de debate público e onde não há interesse público mais amplo na disponibilidade da informação. 9 O resultado da pesquisa está vinculado a informações que colocam o titular dos dados em risco? A DPA reconhecerá que a disponibilidade de determinadas informações por meio de pesquisas na Internet pode deixar os titulares de dados abertos a riscos como roubo de identidade ou perseguição, por exemplo. Nesses casos, quando o risco é substancial, as DPAs provavelmente consideram que a exclusão de um resultado de pesquisa é apropriada. 10 Em que contexto a informação foi publicada? a) O conteúdo foi voluntariamente tornado público pelo titular dos dados? Se a única base legal para a disponibilidade dos dados pessoais na internet for o consentimento, mas o indivíduo revogar seu consentimento, a atividade de tratamento – ou seja, a publicação – não terá uma base legal e, portanto, deve cessar. 70 b) O conteúdo pretendia ser tornado público? O titular dos dados poderia razoavelmente saber que o conteúdo seria tornado público? Ao avaliar solicitações, a DPA considerará se o link deve ser desindexado, mesmo quando o nome ou as informações não forem eliminadas antecipadamente ou simultaneamente da fonte original. Em particular, se o titular dos dados tiver consentido com a publicação original, mas posteriormente, não puder revogar seu consentimento e uma solicitação de desindexação for recusada, as DPAs geralmente consideram que a exclusão do resultado da pesquisa é apropriada. 11 O conteúdo original foi publicado no contexto jornalístico? As DPAs reconhecem que, dependendo do contexto, pode ser relevante considerar se as informações foram publicadas para fins jornalísticos. O fato de as informações serem publicadas por um jornalista cujo trabalho é informar o público é um fator que deve pesar na balança. No entanto, esse critério por si só não fornece uma base suficiente para recusar uma solicitação, uma vez que a decisão distingue claramente entre a base legal para publicação pela mídia e a base legal para os mecanismos de pesquisa organizarem os resultados da pesquisa com base no nome de uma pessoa. 12 O editor original dos dados tem um poder legal – ou uma obrigação legal – de Algumas autoridades públicas têm o dever legal de disponibilizar publicamente certas informações sobre indivíduos – por 71 disponibilizar publicamente os dados pessoais? exemplo, para fins de registro eleitoral. Isso varia de acordo com a lei e os costumes dos Estados Membros. Nesse caso, as DPAs podem não considerar que a desindexação é apropriada enquanto persiste o requisito da autoridade pública de tornar as informações publicamente disponíveis. No entanto, isso deverá ser avaliado caso a caso, juntamente com os critérios de “desatualização” e irrelevância. As DPAs podemconsiderar que a desindexação é apropriada, mesmo se houver uma obrigação legal de disponibilizar o conteúdo no site original. 13 Os dados estão relacionados a um crime? Os Estados Membros da UE podem ter abordagens diferentes quanto à disponibilidade pública de informações sobre os infratores e seus delitos. Podem existir disposições legais específicas que afetam a disponibilidade dessas informações ao longo do tempo. As DPAs lidarão com esses casos de acordo com os princípios e abordagens nacionais relevantes. Como regra, as DPAs são mais propensas a considerar a desindexação de resultados de pesquisa relacionada a ofensas relativamente menores que ocorreram há muito tempo, enquanto são menos propensos a considerar a desindexação de resultados relacionados a ocorrências mais graves que ocorreram mais recentemente. No entanto, esses 72 problemas exigem uma consideração cuidadosa e serão tratados caso a caso.