Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Bases de dados de perfis de ADN Resumo i Resumo Esta dissertação tem como objectivo abordar o tema “bases de dados de perfis de ADN”. Depois de uma breve análise histórica, constata-se uma vincada e indiscutível importância desta forma de armazenamento de perfis de ADN obtidos a partir da análise de amostras, tanto a nível de identificação civíl como, especialmente, a nível da Genética Forense, na investigação criminal. Esta organização de dados é feita exclusivamente com base em perfis de ADN obtidos em marcadores que não permitam captar qualquer informação de saúde ou informação hereditária. Após um debate responsável e consciente dos principais problemas ético-legais inerentes à criação desta ferramenta, problemas esses limitantes para um normal fucionamento, criam-se as condições óptimas para a sua implementação e regulamentação rigorosa. Ao analisar as principais bases já existentes na Europa, constata-se em primeira mão uma heterogeneidade de finalidades, critérios de inclusão e exclusão de dados, entre outros e, consequentemente, de regulamentos destas. Com efeito, conclui-se que muito há a aperfeiçoar e homogeneizar, por forma a alcançar os principais objectivos e potenciar as suas aplicações, permitindo uma identificação rápida de infracções repetitivas, facilitando uma interligação entre diferentes infracções, possibilitando a identificação de suspeitos e a exclusão identificativa de inocentes, facultando, por vezes, uma dissuasão de novas infracções e, por outro lado, na vertente civil atingindo a identificação de desaparecidos e alcançando a colaboração internacional em processos de identificação. Bases de dados de perfis de ADN Resumo ii Em Portugal existe uma base desde 2008, regulada pela Lei n.º5/2008. Esta assenta no respeito pelo princípio da dignidade da pessoa humana, pelos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa e pelos princípios do processo penal português e da protecção de dados pessoais. É uma das bases mais cautelosas da Europa e tem critérios rigoros de segurança. Tem duas finalidades distintas, a de identificação civil e a de investigação criminal e pertence ao Instituto Nacional de Medicina Legal. É contudo uma base com poucos dados que tem que ser divulgada e incrementada para que a sua eficiência seja ainda mais profícua. Importa analisar e perceber quais os motivos para que a base não possua mais dados e importa auscultar se, efectivamente, o poder judicial está suficientemente senssibilizado para o desenvolvimento desta base. Palavras-chave: Perfis de ADN, bases de dados de perfis de ADN, Genética Forense, investigação criminal, Medicina Legal. Bases de dados de perfis de ADN Abstract iii Abstract The main objective of this research work is the study of the DNA profile databases. After presenting a brief historic analysis, it’s possible to notice the pronounced value and significance of this way of DNA storage, obtained from samples examinations in civil identification but particularly in criminal investigation. This data organization is made exclusively based on DNA profiles obtained from markers that won’t allow the achievement of any health or hereditary information. A responsible and serious discussion about the legal ethic problems is made before ensuring that all optimal conditions to this databases implementation and regulation are created. Analyzing all the main European databases that already exist, reveals an heterogeneity of purposes, criteria for inclusion and exclusion of data, among others, and consequently these regulations. Indeed, it appears that there’s much to improve and standardize in order to achieve the main objectives and enhance their applications, enabling rapid identification of repetitive violations, facilitating an interface between various offenses, allowing the identification of suspects and identifying exclusion of innocent people by providing sometimes a deterrent to further infringements and, moreover, in reaching the civilian identification of missing persons and achieving international cooperation in identification processes. In Portugal there is a database since 2008, regulated by Law No. 5 / 2008. This is based on respect for human dignity, fundamental rights enshrined in the Portuguese Constitution and the principles of Portuguese criminal procedure and the protection of personal data. It is one of Europe's most conservative databases and has strict standards of Bases de dados de perfis de ADN Abstract iv security. It has two distinct purposes, the civil identification and criminal investigation and belongs to the National Institute of Forensic Medicine. However, it’s a database with only a few basic data that must be disclosed and increased their efficiency to be even more fruitful. It should analyze and understand the motives for which the base has no more data and perceive if, indeed, the judiciary is sufficiently sensitized to the development of this database. Keywords DNA profile, DNA databases, Forensic Genetics, criminal investigation, Legal Medicine. Bases de dados de perfis de ADN Índice v Índice 1. Introdução ........................................................................................................................... 6 2. Estado da Arte .................................................................................................................... 9 3. Problemas ético-legais ...................................................................................................... 14 3.1. Análise na Europa por subtipos ................................................................................. 15 3.1.1. Sistema universal ................................................................................................ 15 3.1.2. Bases de dados restringidas a um tipo de crime em particular ........................... 18 3.1.3. Sistema não concordante com a criação de bases de dados ............................... 20 3.2. Análise na Europa no geral ........................................................................................ 22 4. Comparação das principais bases de dados existentes na Europa .................................... 24 4.1. Critérios de inclusão .................................................................................................. 26 4.1.1. Tipo de crimes praticados .................................................................................. 26 4.1.2. Sentença Aplicada .............................................................................................. 27 4.1.3. Abrangência dos critérios de inclusão ................................................................ 27 4.2. Constituição da Base de Dados ................................................................................. 28 4.3. Protecção dos registos ............................................................................................... 29 4.4. Responsabilidade pela Base....................................................................................... 29 4.5. Critérios de Remoção ................................................................................................ 30 4.6. Cruzamento e transferência de dados ........................................................................ 31 5. Base de dados Portuguesa ................................................................................................ 34 5.1. Problemas ético-legais ............................................................................................... 35 5.2. Recolha de amostras .................................................................................................. 37 5.2.1. Voluntários .........................................................................................................37 5.2.2. Investigação Criminal ........................................................................................ 38 5.2.2.1. Arguidos ...................................................................................................... 38 5.2.2.2. Condenados ................................................................................................. 39 5.2.2.3. Arguidos ...................................................................................................... 39 5.2.3. Identificação Civil .............................................................................................. 41 5.2.4. Futuro das amostras ............................................................................................ 41 5.3. Obtenção do perfil de ADN e sua inserção numa Base de Dados ............................. 43 5.3.1. Finalidade Civil .................................................................................................. 43 5.3.2. Finalidade Criminal ............................................................................................ 44 5.4. Segurança da Base de dados de perfis de ADN ......................................................... 44 5.5. Conservação / Remoção dos perfis de ADN ............................................................. 46 5.6. Análise da Lei ............................................................................................................ 47 6. Conclusão ......................................................................................................................... 48 7. Referências Bibliográficas ............................................................................................... 51 Bases de dados de perfis de ADN Introdução 6 1. INTRODUÇÃO Sinal dos tempos modernos, observa-se um pouco por todo o mundo a procura por uma justiça mais rigorosa, idónea e proficiente. Assim, desde a 2ª metade da década de 80, a genética tem evoluído continuamente e tornou-se suporte fundamental do sistema de Justiça. Por conseguinte, constitui um dos principais pilares das ciências forenses, nomeadamente como apoio à investigação criminal, no estabelecimento de graus de parentesco e na identificação individual de pessoas. De modo a alcançar uma regulamentação rigorosa, com as necessárias garantias de protecção de direitos fundamentais, a genética forense tem procurado estabelecer normas técnico-científicas e processos de harmonização para atingir uma elevada fiabilidade de resultados, continuando assim a destacar-se no âmbito das ciências forenses como uma das matérias que mais valor probatório tem demonstrado. Desta forma, impõe-se legislar a utilização de informações constituintes do foro privado dos cidadãos, estipulando necessariamente uma série de normas reguladoras que garantam a total confidencialidade de dados pessoais, bem como uma rigorosa independência na utilização dessas informações. Só assim será possível respeitar os direitos, liberdades e garantias da população. Neste sentido e como consequência do indiscutível papel da Genética Forense na resolução de inúmeros crimes, do seu nível de precisão e do seu nível de fiabilidade, surgiram, de forma sustentada, as bases de dados de armazenamento dos dados obtidos, tanto em investigação criminal, como com finalidades civis, nomeadamente, identificação de cadáveres desconhecidos. Bases de dados de perfis de ADN Introdução 7 As bases podem ser classificadas pelo seu conteúdo, agrupando-se em bases de informação genética, arquivos de DNA ou arquivos de amostras biológicas, mas também pela sua finalidade, podendo ser gerais, profissionais ou judiciais e forenses (Neto, 2006). Esta revisão bibliográfica assentará nestas últimas, as bases judiciais e forenses, que podem ser criminais ou civis. Pela relevância major do tema e pela sua actualidade, importa uma discussão responsável, pensada e fundamentada, para que o sucesso da mesma continue a ser alcançado, as lacunas de legislação sejam colmatadas e se parta para a base europeia tão aguardada. Para uma mais fácil leitura, esta dissertação encontra-se dividida em sete capítulos, sendo que o primeiro é a introdução e o último, a conclusão. O capítulo 2, visto constituir o início do debate da matéria, faz uma breve resenha histórica e situa, assim, o leitor no actual momento, após poder contactar com a evolução cronológica dos factos que estão na origem da criação das bases de dados de perfis de ADN. Prosseguindo, o capítulo 3 encarrega-se dos inúmeros problemas éticos e legais que esta forma de armazenamento de dados, assim como o depósito de amostras biológicas, acarretam. Sendo esta uma questão polémica e controversa, torna-se muito susceptível de debate e, por tal, impõe um rigor acentuado na sua regulamentação, o que pode, por vezes, tornar-se limitador. O Capitulo 4 ficou reservado a uma descrição comparativa das principais bases de dados europeias, tendo por base os diferentes critérios de inclusão e critérios de remoção dos perfis de ADN da base, as diversas entidades competentes nos diferentes países, os tipos de crime abrangidos por cada legislação, a segurança dos dados de cada uma, os marcadores utilizados e a possibilidade de cruzamento de dados. Bases de dados de perfis de ADN Introdução 8 Por fim, no capítulo 5 apresenta-se, com maior detalhe, a Base de Dados Portuguesa. Neste capítulo, procurou-se uma elucidação sobre o funcionamento da base em Portugal, assim como toda a sua regulamentação, tanto no que concerne à recolha de amostras, como à obtenção e armazenamento do perfil de ADN correspondente. A metodologia utilizada nesta revisão caracterizou-se pela pesquisa bibliográfica de artigos. A partir dos resultados, direccionei a leitura para os artigos mais recentes e cujo resumo se enquadrasse nos objectivos da presente tese. Existem algumas referências mais antigas que constituem as referências originais dos artigos que consultei. Base de dados de Perfis de ADN Estado da Arte 9 2. ESTADO DA ARTE O aparecimento das bases de dados de perfis de ADN nos diversos países tem diferentes histórias na sua origem. Há dois momentos principais nesta génese, o seu aparecimento na Europa e o seu aparecimento nos EUA. Porém, antes de analisar esses dois momentos, importa referir a utilidade dos perfis de ADN para fins criminais porque, embora também lhes seja depois atribuída a relevância civil, a responsável pela magnitude que lhe é dada é, no que se refere às bases de dados, a sua finalidade criminal. Ainda antes da aplicação da Biologia Molecular em Ciências Forenses, era com antigénios eritrocitários, enzimas e proteínas séricas que se identificavam vítimas e suspeitos em casos criminais (Martin et. al., 2001). Em 1953, James Watson e Francis Crick dão os primeiros passos rumo ao futuro ao publicarem a estrutura do ADN. Nos anos oitenta, geneticistas americanos prosseguem na caminhada ao descobrirem que existem regiões do DNA que não possuem nenhuma informação genética sobre o indivíduo, mas que são extremamente variáveis de pessoa para pessoa. Em 84, Sir. Allec Jeffreys da Universidade de Leicester descobre um método de identificação de indivíduos pelo ADN, a que chama “Dna Fingerprinting”, e que usa RFLP “restriction fragment length polymorphism” (Jeffreys et al, 1985). Este método baseava-se nos diferentes tamanhos de fragmentos que eram produzidos quando uma amostra de ADN era submetida à acção de uma enzima que procedia ao seu corte. Longe de ser a chave para a individualidade absoluta, aliado ao longo tempo necessário aos procedimentos e à quantidade de ADN preciso, revelou-se pouco vantajoso e foi progressivamente substituído. Base de dados de Perfis de ADN Estado da Arte 10 Em 1986, nos EUA, Karry Mullis, que trabalhavana Cetus Corporation, descobre o método de replicação de ADN denominado PCR “polymerase chain reaction”. Assim, com a possibilidade de replicar o ADN, conseguiu-se que não fosse necessária uma recolha de amostra tão ampla. Figura 1 – comparação da quantidade de amostra necessária para RFLP e para PCR (National Institute of Justice, DNA Program Overview, Mark S. Nelson, Senior Program Manager, Office of Science & Technology, Nov. 10, 2008) Em 1991, começa a usar-se um outro método de identificação, baseado no uso da PCR e de STR “short tandem repeats”, o qual compara o comprimento de secções altamente variáveis do ADN repetitivo, como microssatélites, em pessoas diferentes. O mote para a criação de bases de dados foi dado em 1988 quando os perfis de ADN são usados pela primeira vez para a condenação de Colin Pitchfork pelo assassinato de Narborough e de Enderby, em 1983 e 1986 no Reino Unido. Aparece, assim, a vontade de que exista uma compilação efectiva dos perfis de ADN, com o intuito de tornar as investigações Base de dados de Perfis de ADN Estado da Arte 11 mais eficientes, solucionando muitos casos criminais, especialmente os crimes de abuso sexual e homicídio. Durante os anos 80, começa a surgir na Europa a intenção de homogeneizar e harmonizar as técnicas forenses, conduzindo à criação das condições necessárias para a troca de dados com o máximo rigor possível. Com efeito, foram então dados os passos necessários para a criação de um grupo de trabalho, o EDNAP – European DNA Profiling Group do ISFG – International Society for Forensic Genetics. Um dos objectivos deste grupo é investigar sistemas genéticos que permitam a cooperação entre laboratórios europeus (Schmitter, 2008). Nesta linha de raciocínio, forma-se, em 1996, um outro grupo de trabalho que visava a cooperação entre diferentes laboratórios oficiais forenses europeus, o ENFSI – European Network of Forensic Science Institutes, actualmente a principal voz da comunidade forense europeia. Na mesma altura em que é formado o ENFSI, surge no Reino Unido a primeira base de dados de perfis de ADN da Europa. Contudo, do outro lado do Atlântico, já este tema dava passos mais promissores. Em 1990, surge nos Estados Unidos o projecto CODIS, Combined DNA Index System, decorrente do Grupo Técnico de Trabalho sobre Métodos de Análise de DNA e, com ele, a primeira base de dados. Em 1994, o FBI tem autorização oficial para estabelecer uma base de dados e, em 1998, fica finalmente operacional o National DNA Index System (Mechtild Prinz, 2007). Paralelamente, na Europa, continua a evoluir-se e surgem bases de dados em mais países. Assim, em 1996, a Escócia segue o Reino Unido e, em 1997, também a Holanda e a Áustria são palcos da génese das suas bases de dados nacionais. Base de dados de Perfis de ADN Estado da Arte 12 Com esta rápida evolução, justifica-se o alargamento e uma efectivação total desta ferramenta. Consequentemente, o Conselho da Europa, em resolução do Conselho de 1997, convida “os Estados – membros a considerarem a possibilidade de criar bases nacionais de dados de ADN”, incentiva os mesmos “a criar essas bases de dados, segundo as mesmas normas e de forma compatível, tendo em vista o intercâmbio dos resultados de análises de ADN” e aconselha “ a estruturar os resultados utilizando, de preferência, os mesmos marcadores de ADN” (Conselho Europeu, 1997). Outras bases são então criadas. Em 1998, na Alemanha e Eslovénia, em 1999, na Finlândia e Noruega, em 2000, na Dinamarca, Suíça, Suécia, Croácia e Bulgária, em 2001, em França e República Checa, em 2002, na Bélgica, Estónia, Lituânia e Eslováquia e, em 2003, na Hungria e Letónia. Por criar, estavam agora as bases da Polónia, Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda, entre outras. Em 2001, e no caminho para uma harmonia perfeita entre as bases europeias, foi estabelecido um ESS (European Standard Set) de 7 loci para permitir uma comparação rigorosa entre os diferentes países e, em 2009, este ESS foi expandido com mais 5 loci. Em 2005, em Prüm na Alemanha, sete Estados – membros da União Europeia, Bélgica, Alemanha, França, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria e Espanha assinaram o Tratado de Prüm que entrou em vigor na Áustria e em Espanha em 1 de Novembro de 2006 e na Alemanha em 23 de Novembro de 2006. Outros oito Estados – Membros (Finlândia, Itália, Portugal, Eslovénia, Suécia, Roménia, Bulgária e Grécia) declararam formalmente a sua intenção de adesão. Em 2008, o Conselho da Europa formatou este tratado de acordo com a legislação da União Europeia e assim foi convertido na Decisão de Prüm. O principal objectivo deste tratado consistia em agilizar as trocas de informação entre autoridades e tornar Base de dados de Perfis de ADN Estado da Arte 13 possível a comparação entre um determinado perfil de ADN e os perfis registados em bases de dados automatizadas existentes nos Estados-Membros. Após esta resenha histórica e consequente enquadramento, esta dissertação está em condições de prosseguir para os seus objectivos principais, os quais passam por uma efectiva comparação legislativa entre as diferentes bases de dados de perfis de ADN e, especialmente, uma análise cuidada da base em Portugal. Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 14 3. PROBLEMAS ÉTICO-LEGAIS Por toda a Europa, é assumida como incontestável a importância e vantagem da existência de bases de dados de perfis de ADN. Alcançou-se, com o passar do tempo e muito trabalho de aperfeiçoamento, uma elevada harmonização na troca de dados entre países, um elevado nível de compromisso entre Estados e uma homogeneização que permite um trabalho mais rigoroso. Porém, importa não descurar que cada país tem a sua legislação e, como tal, uma diferente regulamentação no que concerne à maior ou menor aceitação destas bases de dados genéticos. Assentando na variedade de factos históricos e políticos de cada nação, compreende-se que a dignidade humana seja encarada de diversas e distintas formas pelos diferentes países. Como tal, os critérios de inclusão e exclusão podem ser muito diferentes e a normal aceitação desta ferramenta de investigação pode não ser partilhada em todos os locais. Conjuntamente, o facto de ser necessário colher uma amostra de um indivíduo, nem que seja simplesmente de saliva, pode tornar-se incompreensível na medida em que certos direitos e liberdades podem ser postos em causa. Assim, por estes e por demais motivos, a criação das bases de dados não se tem revelado uma tarefa fácil, salientando-se sempre a necessidade de os diferentes governos se debruçarem sobre os problemas ético – legais que mais afectam esta criação no seu país, de modo a diligenciar as adaptações necessárias para que este tipo de investigação se torne bem aceite pela sociedade (Martin et al, 2001). Nesta dissertação analisam-se, em primeiro plano, os problemas ético-legais de forma abrangente na Europa, dividindo as bases em três grupos de acordo com critérios de inclusão de dados, tempo de permanência, critérios de exclusão e consentimento para a recolha de amostras. Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 15 O caso português será observado de forma mais particular no capítulo 5. 3.1. Análise na Europa por subtipos Com base no supracitado, dividem-se, nesta análise, as bases de dados em sistemas baseados (Guillén et al, 2000): Numa análise geral de ADN de toda a população – Sistema Universal (3.1.1); No ADN das amostras de uma lista de crimes e, portanto, ADN encontrado em provas destes crimes: Bases de dados restringidas a um tipo de crime em particular (3.1.2); Numa análise específica do caso em questão, onde se recolhe uma amostra de um só individuo envolvido na investigação e se compara com a amostrarecolhida no local do crime (3.1.3). Note-se, então, uma comparação mais detalhada: 3.1.1. Sistema universal O primeiro grupo, enquanto sistema que podemos apelidar de universal, funciona por comparação da amostra recolhida no local do crime com uma base de dados onde constam todos os perfis da população. Esta parece ser a solução ideal mas, por agora, utópica. Por conseguinte, para que o objectivo seja alcançado, urge envolver os perfis de toda a população. Como facilmente se depreende, esta medida pressupõe uma recolha gigantesca de amostras de ADN de toda a população. Deste modo, saltam à vista as principais desvantagens deste sistema que se Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 16 prendem com o elevadíssimo custo que acarreta, assim como com a impossibilidade compreensível de obrigar toda a população a permitir que lhe seja recolhida uma amostra. Ao longo dos anos, inúmeros teóricos enunciaram vários princípios e direitos que podem ser postos em causa quando este sistema é assumido, sendo eles, o direito à privacidade, a dignidade da pessoa humana, o direito à integridade física e moral, o direito ao silêncio, o direito à presunção de inocência, o direito à saúde e o direito à liberdade. No entanto, não parece efectivo que se dê esta violação, como se justifica no seguimento deste texto. O direito à privacidade é defendido em todas as constituições dos países democráticos. De uma forma genérica, pode considerar-se a privacidade como uma esfera, na qual se tem o direito de excluir desta, terceiras partes. Contudo, esta exclusão dos outros pode ser condicionada pela aplicação do princípio da proporcionalidade, na medida em que este direito pressupõe respeito pelos direitos dos outros. Uma temática preocupante na área da privacidade é o potencial informativo que os perfis de ADN têm. Com efeito, o genoma contém as informações mais privadas acerca de um indivíduo. Como tal, importa que a legislação seja bem adaptada para que os marcadores dos loci pertençam a alelos que não contenham nenhum tipo de informação fenotípica. O polimorfismo utilizado nesta técnica foi encontrado em ADN não codificante, pelo que este problema se torna menos relevante. Outra questão crucial, ainda relativa à privacidade, prende-se com a custódia destas bases, não só dos perfis de pessoas, mas também das amostras anónimas recolhidas. Facilmente se compreende como seria desastroso e injusto se a informação genética se tornasse disponível em campos como o emprego, nomeadamente para a selecção de candidatos. Imagine-se, ainda, por exemplo, o efeito discriminador desta informação para Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 17 contratos ou apólices de seguro. É, então, perceptível como esta informação médica rapidamente seria usada para fins que não os da identificação. O direito individual à dignidade, assim como o direito à saúde são facilmente salvaguardados com a garantia da recolha das amostras por técnicos especializados e em ambiente destinado a tal. Importa regulamentar e legislar rigorosamente, de maneira a que estes direitos não sejam infringidos. O direito à integridade física e moral não é de todo fragilizado, pois a recolha da amostra em nada danifica ou prejudica fisicamente o indivíduo, podendo ser somente uma pequena porção de saliva. Porém, a dignidade humana ou a integridade física podem ser postas em causa quando um ser humano inocente é obrigado a permitir a recolha de uma sua amostra biológica por suspeição de ligação a determinado crime. Consequentemente, e sendo este fundamento dado como válido, pode argumentar-se que uma base universal pode ser desproporcional para os fins propostos. Entre os direitos supramencionados, encontram-se o direito ao silêncio e à presunção de inocência. É a intervenção física para a recolha das amostras, ainda que mínima, que torna controversa e discutível a possível violação destes direitos. No entanto, pode salvaguardar-se esta violação, ao argumentar que a sujeição de um indivíduo a determinados testes por métodos científicos não implica, necessariamente, que seja uma declaração de culpa. O direito à liberdade, pode ser entendido, neste âmbito, de duas formas distintas: De uma forma genérica, o direito que um individuo tem a não ser forçado a fazer algo que não queira e, de uma forma mais particular, o direito à liberdade de movimento. Este último constitui, por exemplo, a deslocação de um indivíduo até ao centro especializado onde lhe será recolhida a amostra para posterior análise. Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 18 Este direito pode ser, efectivamente, violado, na dupla vertente acima referida. Tanto pelo facto de se forçar uma pessoa a submeter-se a uma análise quando esta não o pretende, como pelo facto de o indivíduo ter que se deslocar ao local onde lhe será colhida uma amostra de saliva, mesmo que essa não seja a sua vontade. Gera-se aqui, então, algum conflito de interesses entre o Estado ou os interesses públicos e os interesses pessoais ou privados. Este conflito existe de forma mais extensa ou mais reduzida em todos os sistemas analisados e influencia a regulamentação, de acordo com o interesse ao qual é dado maior importância. Consequentemente, e sendo estes fundamentos supracitados dados como válidos, pode argumentar-se que uma base universal pode ser desproporcional para os fins propostos. No entanto, apesar destes problemas ético-legais, não podemos negligenciar as inúmeras vantagens que este tipo de sistema acarreta. Assim, do ponto de vista ético, este sistema pode ser facilmente tido como idóneo se o estado tornar as recolhas das amostras mandatórias para toda a população, promovendo, consequentemente, a igualdade entre cidadãos. Cumpre também ao estado garantir a segurança dos dados e, claro, da eficiência da investigação criminal. 3.1.2. Bases de dados restringidas a um tipo de crime em particular Na Constituição da maior parte dos países da Europa, o primeiro grupo, isto é, a base de dados universal, é considerada desproporcional para o fim a que se propõe. O princípio da proporcionalidade é um princípio geral do Direito que gere o balanço entre os interesses em conflito. E, neste seguimento, o facto de se sujeitar alguém indiscriminadamente à prática de uma intrusão física não é considerado proporcional. Como refere, por exemplo, Gonzalez Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 19 Cuellar, “uma revistagem física a todas as pessoas que passem a fronteira para encontrar droga no interior do corpo não é aceitável”. É pelos motivos acima referidos, que este sistema não é implementado na maioria dos países mas sim este segundo tipo, em debate neste subtítulo. Assim, de acordo com este sistema, é necessário que exista um grau específico e elevado de ligação entre um crime em investigação e um determinado suspeito, para que este seja legalmente submetido a recolha de amostra para posterior obtenção de perfil de DNA ou qualquer outra intervenção física. As bases de dados são, então, construídas com base em amostras recolhidas em indivíduos estreitamente ligados a um crime em particular. O grau de ligação que a pessoa deve apresentar ou ter demonstrado com o acto criminal para que legalmente possa ser submetida a recolha de amostra de DNA, tem que ser fixado e legislado em cada caso específico. O magistrado terá que decidir quando uma mera suspeição policial é motivo fidedigno e suficiente, quando só um processo judicial o justifica ou quando só uma queixa formal contra determinado indivíduo é razão legítima para esta recolha. Deve ser uma decisão suportada pela Lei. De um modo geral, o critério de agrupamento destes dados é por anos de sentença. Contudo, também pode haver uma aglomeração tendo por base outro critério,o tipo de crime, sendo definido por alguns como boa prática criminal. É possível deduzir, com base em diversos estudos, quais os crimes com maior taxa de recidiva por parte do criminoso, constatando-se que nem sempre são os crimes com uma maior duração de sentença. Por exemplo, pode ser mais comum observarmos um sujeito reincidente na prática de um crime contra a liberdade sexual do que a repetição de homicídios. Então, tendo em conta este critério, mesmo que para um determinado caso não seja necessária Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 20 qualquer amostra de ADN para indicar determinado sujeito como culpado, pode ser vantajoso colher uma amostra se a sua utilização se revelar pertinente numa investigação futura, numa eventual recidiva do crime. São estes os argumentos que justificam esta intervenção corporal da recolha da amostra, mesmo que o suspeito já tenha sido dado como culpado e, consequentemente, condenado. Como é expectável, existem inúmeros problemas casuísticos relacionados com este sistema. Há critérios extremamente objectivos que impõem que os diferentes princípios judiciais sejam muito bem conhecidos e dominados. O dilema entre o direito à liberdade, em contraponto com a eficiência da investigação, obriga a que muitas vezes se imaginem sistemas ideais que, na prática, não são possíveis. A identificação precoce de crimes é a razão apontada para a criação de uma base de dados feita quase exclusivamente de amostras obtidas em crimes de práticas reincidentes. Naturalmente, é mais provável que sujeitos praticantes de determinado crime o repitam, tanto antes de serem culpabilizados, como após cumprirem pena. Assim, com a existência desta base, é possível, para além de solucionar muitos casos, dissuadir muitos outros, cujo registo de ADN do seu praticante já esteja catalogado. A maioria dos legisladores da Europa adoptou este sistema, nomeadamente na Alemanha, na Holanda e na Áustria. 3.1.3. Sistema não concordante com a criação de bases de dados Este último sistema baseia-se na simples comparação entre as amostras recolhidas no local do crime e as amostras recolhidas dos suspeitos. Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 21 Antes de a amostra ser recolhida, o indivíduo que será sujeito à análise tem que ser informado sobre a acusação que lhe pode ser atribuída. Caso não conceda que lhe seja realizado o teste, a legitimidade da decisão passa a ser judicial. Estes são os principais argumentos usados pelos defensores deste terceiro sistema, que os entendidos dizem baseado em “the non-utilisation of casual findings”. O relatório sobre os problemas ético-legais da manipulação genética, elaborado pela Comissão de Assuntos Jurídicos e Direitos dos Cidadãos, parece basear-se neste princípio. O autor deste relatório foca ainda outro problema decorrente do armazenamento de registos em bases de dados, que é a segurança da manipulação dos mesmos, visto conterem dados muito importantes e particulares para serem tornados públicos. Os defensores deste sistema dizem que a liberdade particular de cada um é infringida num sistema de armazenamento em bases de dados de perfis de ADN e referem que neste sistema sem arquivamento de dados, este infringimento ocorre de um modo muito menos efectivo e consistente. Embora o indivíduo possa igualmente ser obrigado a permitir a colheita de uma amostra do seu DNA, isto só acontece se existir uma estreita e clara ligação ao crime em investigação. Percebe-se, facilmente, como esta forma de gestão de dados pode ser contestada pela sociedade pela menor eficiência nas investigações e, consequentemente, pela menor segurança que transmite à população em geral. Ainda lhe podemos apontar, também, uma eficácia deficiente na resolução de crimes repetidos. Os defensores deste sistema sustentam que, pelo facto de existirem lacunas de legislação que permitam a criação de bases de dados de perfis de ADN, não está salvaguardado e não justifica que a mesma sejam autorizada, visto estarem envolvidos temas Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 22 tão vulneráveis como os direitos humanos. Assim, defendem uma rigorosa regulamentação e legislação caso o processo de criação prossiga. 3.2. Análise na Europa no geral Como é perceptível, o grau de abrangência e, consequentemente, de problemas vai diminuindo do primeiro para o último grupo. Sumariadas as principais vantagens e desvantagens ético-legais de cada sistema, cumpre a cada país adaptar-se ao sistema mais concordante com as suas normativas constitucionais ou outras. Esta escolha baseia-se essencialmente num princípio que os Alemães apelidam “the principle of proportionality of renunciation”. Com efeito, de acordo com este princípio, cada Estado pesa os prós e os contras de acordo com o seu suporte ético- legal, de modo a determinar se é “proporcional” limitar os direitos fundamentais do Homem para grande benefício da sociedade (Guillén et al, August 2000). Contudo, as dificuldades inerentes a esta escolha geram-se ainda quando falamos numa base internacional ou, simplesmente, no cruzamento de dados a nível internacional. A falta de homogeneização da regulação e legislação internacional destas bases de dados podem trazer alguma ineficácia, se cada uma é regulamentada de forma independente. Existe consenso ao afirmar que a investigação da genética humana não afecta somente os cientistas, mas principalmente a sociedade em geral. Assim, importa reflectir sobre a importância de uma opinião mais abrangente de toda a comunidade sobre estas questões (Gamero et al, 2006). Uma das questões mais controversas em muitos países prende-se com o tipo de instituição que deve gerir a responsabilidade da guarda de amostras biológicas e dos perfis Base de dados de Perfis de ADN Problemas ético-legais 23 de ADN obtidos a partir dessas amostras, bem como os critérios que devem ser seguidos no que diz respeito à qualidade, confiabilidade e segurança durante o desenvolvimento das análises ou técnicas que são realizadas para a obtenção do perfil de ADN de indivíduos (Lucas et al, 2007). Pode constatar-se, com o que foi dito anteriormente, como os problemas ético – legais são abrangentes e limitantes para um normal e homogéneo funcionamento deste armazenamento em bases de dados de amostras e de perfis de ADN. Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 24 4. COMPARAÇÃO DAS PRINCIPAIS BASES DE DADOS EXISTENTES NA EUROPA As Bases de Dados de perfis de ADN são uma temática que concentra grande confiança e expectativa em seu torno, quer na Comunidade Científica, quer na opinião pública em geral. Este tema impõe que o Direito e a Ciência interajam, permitindo que a Ciência torne a Justiça mais científica e rigorosa. A credibilidade dos Tribunais e dos órgãos de investigação criminal sai reforçada pela utilização de um meio técnico com elevada precisão e fiabilidade: o recurso à identificação por perfis genéticos. A criação destas bases de dados insere-se, também, numa lógica de cooperação transfronteiriça com vista ao combate à criminalidade organizada. Num mundo em constante mutação e cada vez mais interconectado, o intercâmbio de informações entre Estados, em matéria de segurança, assume particular relevância quando segurança interna, relações transfronteiriças e segurança externa se inter-relacionam cada vez mais estreitamente. Com o Tratado de Prüm e todo o trabalho produzido, quer ao nível da União Europeia, quer ao nível do Conselho da Europa, bem como no âmbito de grupos de trabalho científicos - Grupo de Trabalho de ADN do ENFSI (European Network of Forensic Science Institutes), EDNAP (European DNA Profiling Group), GEP-ISFG (Grupo Espanhol e Português da Sociedade Internacional de Genética Forense),ou a STADNAP (Standardization of DNA Profiling Techniques in the European Union) - ou policiais (por exemplo, o OIPC - Interpol e a Europol), têm resultado importantes contributos para um sucesso cada vez mais marcado e uma cooperação cada vez mais eficiente no combate universal ao crime. Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 25 Assim, em todo o mundo são diversas as bases de dados de perfis de ADN já construídas e em funcionamento. Na Europa, a maioria dos países implementou legislação relativa a bases de dados de perfis de ADN com finalidades de investigação criminal e/ou de identificação civil, designadamente em Inglaterra (desde 1995), na Irlanda do Norte e Escócia (desde 1996), nos Holanda e na Áustria (desde 1997), na Alemanha, Eslovénia e França (desde 1998), na Finlândia e Noruega (desde 1999), na Dinamarca, Suíça, Suécia, Croácia e Bulgária (desde 2000), em França e na República Checa (desde 2001), na Bélgica, Estónia, Lituânia e Eslováquia (desde 2002) e na Hungria e Letónia (desde 2003), em Espanha (2007), Portugal (2008), Grécia e Itália (2009). Estas bases de dados têm, amplamente, evidenciado resultados positivos no que se refere à identificação de desaparecidos, identificação de delinquentes, exclusão de inocentes, interligação entre diferentes condutas criminosas e colaboração internacional em processos de identificação, contribuindo para a dissuasão de novas infracções. Caminha-se na procura de uma homogeneização entre as bases e as leis que as regem, de forma a permitir uma cooperação internacional mais rigorosa e cada vez mais profícua. Contudo, por enquanto ainda se lida com a heterogeneidade europeia. Assim, impõe-se falar detalhadamente dos diferentes critérios de inclusão e critérios de remoção dos perfis de ADN da base, das diversas entidades competentes nos diferentes países, dos tipos de crime abrangidos por cada legislação, da segurança dos dados de cada uma, dos marcadores utilizados e da possibilidade de cruzamento de dados. O caso português será abordado num capítulo 5, como já referido. Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 26 4.1. Critérios de inclusão Os critérios de inclusão podem ser divididos em dois subgrupos quando falamos de investigação criminal: um tem por referência o tipo de crimes praticados e o outro, o tempo de sentença aplicada 4.1.1. Tipo de crimes praticados Em alguns países, o critério de inserção dos perfis na base tem tido, por referência, o tipo de crimes praticados. Assim, crimes sexuais, crimes contra a vida ou contra a integridade física são os que são logo indicados. Seguem-se, depois, crimes contra a humanidade, terrorismo, criminalidade organizada, extorsão, fraude, crimes contra a propriedade, entre outros. Efectivamente, a pouco e pouco a legislação vai sendo alterada e vai ampliando a tipologia de crimes a considerar, como aconteceu, por exemplo, em França e na Noruega (Schneider et al, 2001). Na Noruega, entram para a base de dados perfis de condenados por práticas de crimes contra a vida e saúde, crimes sexuais, roubo, chantagem e outros crimes graves, todos mediante autorização judicial. Também na Alemanha a tipologia de crimes foi sendo alargada. Embora tenha sido desde sempre muito abrangente, em 2005 foi ainda completada com a inclusão da prática reiterada de pequenos crimes. (Schneider, 2007) A base de dados da Grã – Bretanha é, mais do que as duas anteriores, muito abrangente, tendo perfis de todos os tipos de crime (British Home Office, 2000-2005). Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 27 4.1.2. Sentença Aplicada Com efeito, existe uma heterogeneidade marcada nos critérios de inclusão nas bases de dados nos diferentes países, quando estes se baseiam na sentença aplicada. Na Bélgica, cuja lei data de 1999, são incluídos na base perfis de condenados com pena superior a cinco anos, mediante autorização judicial (Schneider et al, 2001). Na Holanda entram na base condenados com pena superior a oito anos. Neste caso, se a pena for inferior, o perfil só é incluído com consentimento e, em caso de crime confessado, não há mesmo inclusão (Schneider et al, 2001). Na Suécia, a pena necessária para inclusão na base é de dois anos. No entanto, a obtenção deste perfil tem que ter sido realizada durante a investigação criminal (Schneider et al, 2001). Continuando nos países nórdicos, na Dinamarca o perfil de ADN passa a constar da base quando pertencente a um condenado por pena superior a um ano e meio (Schneider et al, 2001). Na Alemanha a pena de inclusão é somente de um ano ou superior. No entanto, também constitui critério de inclusão neste último país um crime recorrente, sendo, neste caso, necessária uma autorização judicial (Schneider et al, 2001). 4.1.3. Abrangência dos critérios de inclusão De forma mais genérica e para além da Europa, podemos organizar as diferentes bases de dados de acordo com os critérios de inclusão, como já foi referido, anteriormente, na discussão dos problemas ético-legais. Assim, por ordem de abrangência populacional, existe dois exemplos de bases gerais para toda a população, uma para a Armada Americana nos E.U.A e uma base na Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 28 Islândia, tendo, esta, no entanto, um objectivo distinto e específico, que é antropológico e clínico. Quanto à população normal propriamente dita, existem somente propostas de bases com estas características. São exemplos a Austrália e a Bósnia. Na Grã-Bretanha, Áustria, Alemanha, Finlândia, Dinamarca e as bases contêm dados relativos a perfis de ADN de condenados, suspeitos, sujeitos não identificados e vestígios (ENFSI, 2006). Sem lugar para os suspeitos existem as bases da Holanda, Noruega, Bélgica, França, Itália e Espanha (ENFSI, 2006). 4.2. Constituição da Base de Dados Outra das diferenças existentes entre diversas legislações das bases é relativa à sua constituição, ou seja, à retenção ou não da amostra depois de obtido o resultado da mesma. Assim, alguns países optam por reter a amostra após a obtenção do perfil de ADN correspondente para posterior confirmação, se necessária, ou para futuros testes em caso de erros ou avanços tecnológicos. Porém, outros países legislam a destruição das amostras após o resultado, provavelmente acautelando alguma outra utilização posterior que fosse inapropriada ou ilegal. Na Áustria, na Estónia, em França, na Irlanda, na Escócia, na Eslováquia, na Ucrânia e na Grã-Bretanha, as amostras após obtenção do perfil de ADN são retidas e armazenadas (ENFSI, 2006). Por outro lado, na Bélgica, na Finlândia e na Noruega, a amostra é eliminada no final de retirado o resultado pretendido da mesma (ENFSI, 12006). Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 29 Há países que não têm qualquer referência ao futuro das amostras na sua base, como por exemplo a República Checa (ENFSI, 2006). 4.3. Protecção dos registos São vários os mecanismos de segurança e protecção dos dados das diferentes bases existentes. Na Grã-Bretanha, Holanda, Áustria, Finlândia, Noruega, Dinamarca, Suíça e Bélgica, o importante para a protecção dos dados foi garantir que a identidade e os perfis não se cruzariam. Assim, existe uma base com registos totalmente separados e independentes entre si para perfis e dados pessoais correspondentes. Na Suécia, Bélgica e Canadá, existe uma base dupla para condenados e vestígios (ENFSI,2006). Importa referir que a base portuguesa assenta nos dois critérios anteriores, tendo os seus registos separados para perfis de ADN e dados pessoais e tendo diferentes ficheiros para condenados e vestígios (Lei n.5/2008, 2008). 4.4. Responsabilidade pela Base A responsabilidade pela gestão da Base de DadosAmericana é do Federal Bureau of Investigation e pela Base da Finlândia é do National Bureau of Investigation. A base da Grã-Bretanha tem estado a cargo do Forensic Science Service, a da Holanda do Netherlands Forensic Institute, a da Suécia do National Institute of Forensic Science e a da Dinamarca do University Institute of Forensic Genetics. A Áustria, a Noruega e a Suíça têm a sua base sob responsabilidade do Instituto de Medicina Legal. Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 30 Na Alemanha, é a Federal Criminal Agency que supervisiona os assuntos relacionados com a sua base de dados, assim como na Bélgica, o Institut National de Criminalistic. Em Espanha, a responsabilidade pertence ao Ministerio del Interior, através da Secretaría de Estado de Seguridad. 4.5. Critérios de Remoção Na maioria dos países existe limite temporal de permanência dos perfis de ADN nas bases de dados. Contudo, este prazo é variável e pode basear-se em vários critérios. Assim, este tempo pode ser fixado tendo como referência a pena decretada e pode ser definido após o cumprimento da mesma tendo em conta a sua duração, o tempo de crime ou ainda a sua recorrência. Outro tipo de critério existente tem por base a vida do condenado. Há legislações que regulamentam a saída do perfil logo após a sua morte e outras algum tempo após esta (ENFSI,2010). Na Alemanha a manutenção dos dados está sujeita a revisão em cada dez anos para adultos e cinco para jovens. Prevê-se o prolongamento deste tempo de permanência, no caso de perigo de reincidência ou antecedentes criminais e o registo infinito no caso de homicídio ou crimes sexuais. Nos restantes casos será removido (ENFSI,2006). Na Bélgica os perfis são removidos dez anos após a morte do agente do crime, enquanto que na Estónia, que também segue esta base de critério, o perfil remove-se cinco anos após morte do condenado e, de forma semelhante, na Finlândia, o perfil permanece até um ano depois da morte do criminoso (ENFSI,2006). Na Suécia, o tempo é de dez anos, contudo, só começa a contar após saída da prisão, isto é, após o cumprimento da pena imposta (ENFSI,2006). Já na Suíça pode ir de dez a vinte anos, dependendo de outros factores. Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 31 Na Holanda, os perfis só são removidos com base na pena decretada. Com efeito, são removidos após vinte anos de permanência caso a pena seja entre quatro a seis anos e permanece trinta anos numa pena superior a seis anos (ENFSI,2006). Na Dinamarca são vários os critérios de remoção. Assim, qualquer registo é removido quando o indivíduo completa oitenta anos. Também é removido de forma imediata um perfil de um sujeito quando a queixa relativa a esse é retirada. Também constitui critério de apagamento quando passam dez anos após uma absolvição ou dois anos após a morte (ENFSI,2006). Existem países onde apenas são removidos perfis pertencentes a suspeitos absolvidos, como na Croácia. O mesmo se passa na Noruega, havendo também neste país a morte como critério de remoção (ENFSI,2006). O caso mais extremo é o da Grã-Bretanha onde não tem existido critério de remoção, apesar da contestação existente. O mesmo se passa na Áustria e na Escócia (ENFSI,2006).. 4.6. Cruzamento e transferência de dados A transferência de perfis de ADN entre os diferentes países é uma das principais chaves de sucesso para a eficiência das bases. Os países que assinaram o Tratado de Prüm (Alemanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Espanha, França, Finlândia, Itália, Portugal, Eslovénia, Suécia, Bulgária, Roménia, Grécia, Eslováquia e Hungria) usam, frequentemente, o cruzamento e a transferência de dados. (ENFSI, 2008) No entanto, sendo diversos os critérios de inserção e de remoção dos perfis de ADN da base e de conservação das amostras, torna-se difícil cumprir as regras de transferência Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 32 estabelecidas neste tratado, sem que nalguns casos se negligencie os princípios de igualdade e o princípio da presunção de inocência à luz das regras de cada Estado-membro. Contudo, o direito à reserva da vida privada está sempre salvaguardado, uma vez que, de acordo com a Decisão – Quadro 2008/615/JAI, somente é transferida entre os Estados- membros informação relativa aos perfis obtidos a partir do ADN não codificante, sem possibilidade de transmissão da informação que possa permitir a identificação directa da pessoa a quem pertence (art.2º, n.º2 da Decisão). Além disso, mesmo em relação à transferência de dados pessoais devem ser cumpridas as regras relativas à protecção de dados pessoais e as regras em matéria de auxílio judiciário estabelecidas por cada Estado-membro (art.5º da Decisão). Quando se dá uma transferência de dados entre dois Estados, devem ser cumpridas regras tanto do Estado requerente como do Estado requerido. Assim, se o Estado requerente, imagine-se por exemplo, o Reino Unido, pedir ao Estado Português o perfil de um suspeito de nacionalidade inglesa, mas que se encontre em território português, não será possível proceder à transferência deste dado, no âmbito da Base de Dados de Perfis de ADN porque, à luz da lei portuguesa, não é possível recolher a amostra e obter o respectivo perfil de um suspeito. Consequentemente, cria-se uma desigualdade em relação aos suspeitos ingleses em território inglês, onde a obtenção deste perfil é permitida. De tudo isto devemos concluir que ainda falta fazer um esforço acrescido no sentido da harmonização das legislações dos Estados no que respeita aos critérios de obtenção de perfis, aos critérios de inserção dos perfis de ADN nas bases e aos critérios de eliminação de registos e destruição de amostras. De outra forma, as regras de cooperação, nomeadamente de transferência de informação, poderão gerar desigualdades fazendo com que alguns Estados possam ser Base de dados de Perfis de ADN Bases de Dados Europeias 33 considerados como muralha contra a obtenção e armazenamento de perfis de ADN e outros possam ser considerados como Estados invasores de direitos fundamentais da Europa, como é o caso do Reino Unido, condenado há pouco tempo pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pela inserção de perfis de inocentes na sua base de dados, considerado por este como ilegal. Assim, este país viu-se obrigado a rever esta questão. Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 34 5. BASE DE DADOS PORTUGUESA Como referido anteriormente, este capítulo debruça-se sobre a base de dados existente, actualmente, em Portugal. A lei n.º5/2008 de 12 de Fevereiro aprovou a criação de uma base de dados de perfis de ADN no nosso país. Como se pode constatar pela data da lei, esta criação é recente, pelo que a sua discussão é actual. Esta organização de dados, feita exclusivamente com base em perfis de ADN obtidos em marcadores que não permitam captar qualquer informação de saúde ou informação hereditária, foi criada para duas finalidades distintas – finalidade de identificação civil e finalidade criminal. O objectivo inicial do Governo Português seria o de criar uma base de perfis de ADN para toda a população, cumprindo o princípio da igualdade. Uma base de dados de perfis de ADN permite analisar, comparar e eventualmente identificar os perfis genéticos obtidos de forma rápida e certeira. Podem ser bases de dados genéticos de pessoas identificadas ou bases de dados de perfis genéticos obtidos através de amostras de pessoas desconhecidas. Quantos aos dados identificados existem diversas possibilidades de organização (Moniz, 2002): 1. Perfis genéticos obtidos durante uma investigação criminal; 1.1. Perfis obtidos independentemente do crime cometido; 1.2. Perfis obtidos no âmbito de um inquérito criminal (processode selecção primária); 1.3. Perfis obtidos no âmbito do inquérito criminal mas apenas em relação a certos crimes definidos previamente (processo de selecção secundária); Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 35 2. Perfis genéticos de condenados a prisão; 3. Perfis genéticos de vítimas; 4. Perfis genéticos de pessoas que se suicidaram; 5. Perfis genéticos de pessoas vítimas de catástrofe ou actos de guerra; 6. Perfis genéticos de pessoas desaparecidas. 5.1. Problemas ético-legais Perante a criação desta base, surgem dois problemas ético-legais principais que tiveram que ser analisados, debatidos e esclarecidos para que se avançasse para a legislação da mesma. Assim, de um lado pôs-se o problema da criação de uma base de dados com informação genética sobre um indivíduo e a sua admissibilidade perante a Lei de protecção de dados pessoais (LPPD) – lei n.º 67/98 de 26 de Outubro e do outro lado a criação de um “banco” de material genético, que pode ser designado por “biobanco” ou banco biológico (Moniz, 2009). Quanto ao primeiro problema supracitado, perante o nosso Sistema Constitucional, e tendo por base a lei de protecção de dados pessoais, “qualquer informação, de qualquer natureza (…) relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável” é um dado pessoal. Portanto, a informação de carácter genético é um dado pessoal. Na base de dados de perfis de ADN esta identificação não é imediata, mas através de um número de códigos que correlaciona com a identificação do indivíduo é possível identificá-lo. O art.º7, n.º1 desta lei diz “que é proibido (…) tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos”, ou seja, é proibido o tratamento de dados sensíveis, concluindo. Contudo, não se trata de uma proibição absoluta, pois no n.º2 o artigo admite que mediante disposição legal seja permitido o tratamento destes dados ou perante o Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 36 consentimento do titular dos dados, isto é, perante “qualquer manifestação de vontade, livre, específica e informada, nos termos da qual o titular aceita que os seus dados pessoais sejam objecto de tratamento” – al h) do art.3º. Porém, ainda que com este consentimento, é sempre necessário uma disposição legal ou autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). Conclui-se, então, que somente existe uma autorização clara para tratamento isolado de alguns dados, não havendo, portanto, nenhuma autorização para a construção de uma base de dados genéticos nem de toda a população, nem de um grupo restrito de indivíduos (Moniz, 2002). Contudo, também não existe nenhuma proibição à criação da mesma. O outro problema supracitado refere-se à legalidade da construção de um biobanco, isto é, à conservação das amostras biológicas após os dados referentes a estas serem tratados. Entende-se por biobanco um repositório de amostras biológicas ou seus derivados, com ou sem tempo delimitado de armazenamento e que inclua amostras identificadas ou identificáveis. Os principais problemas desta criação relacionam-se com a conservação e segurança das amostras de material genético. Exige-se que se cumpram condições adequadas de armazenamento das amostras, limitação temporal da conservação destas, indicação das finalidades de armazenamento destas e indicação de um responsável pelo biobanco, além de um parecer prévio da Comissão Nacional de Protecção de Dados para que se regulamente adequadamente a sua existência. Então, esclarecidos os problemas legais, conclui-se que não há limitações para a existência desta base de dados em Potugal. No entanto, quando a intenção da sua construção chegou aos media, várias foram as vozes e os argumentos discordantes pelo que a intenção inicial não foi efectivada. Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 37 Deste modo, esta construção passou a ser de “modo faseado e gradual, a partir da recolha de amostras em voluntários” (art.6, n.º1). 5.2. Recolha de amostras É necessário distinguir a regulamentação da recolha de amostras, da obtenção de perfil e sua inserção na base de dados de perfis de ADN. Claro que uma coisa não faz sentido sem a outra, no entanto, as duas têm um regulamento diferente e há casos de permissão de recolha de amostras, sem permissão da inserção na base de dados, como por exemplo, o caso dos arguidos. A recolha das amostras é feita através de métodos não invasivos, que respeitem a dignidade humana e a integridade física e moral individual, designadamente pela colheita de células da mucosa bucal ou outro equivalente, no estrito cumprimento dos princípios e regime do Código do Processo Penal. A nossa legislação permite recolha de amostras em voluntários, recolha de amostras com finalidade de identificação civil e recolha de amostras com finalidades de investigação criminal. 5.2.1. Voluntários Quanto aos voluntários, esta recolha faz-se mediante um consentimento expresso num formulário aprovado pelo Regulamento de Funcionamento da base de dados de perfis de ADN. Esta parece ser uma via de entrada na base que caminha no sentido de um armazenamento com toda a população, respeitando a igualdade entre cidadãos. Assim, após um processo de informação, sensibilização e esclarecimento aprofundado, pressente-se como seria possível ao fim de um período de tempo alargado ter uma parte abrangente da sociedade nesta base. Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 38 Contudo, existe na lei a possibilidade de cruzamento de dados contidos na base com informação contida em diversos ficheiros. No que respeita aos voluntários, o cruzamento pode ser feito com os perfis obtidos em cadáver, parte de cadáver, amostras obtidas em local onde se proceda a buscas com finalidades de identificação, “amostras-referência” de desaparecidos, amostras obtidas em local do crime, condenados e profissionais (art.º6). Ora, pela informação supracitada, percebe-se o receio que atinge a população na cedência de amostras. A possibilidade de cruzamento da informação com amostras encontradas em locais de crimes pode criar insegurança na sociedade e, desta forma, coloca entraves na autorização para recolha de amostras para obtenção de perfis, por possíveis voluntários. Actualmente o que ocorre com as impressões digitais aquando da emissão do Cartão do Cidadão acaba por ser semelhante, pois, pelo menos teoricamente, podem ser cruzadas com impressões digitais encontradas em local de crime. No entanto, o desconhecimento e o não esclarecimento da população faz com este medo persista e não seja ultrapassado em prol de um desenvolvimento no campo da investigação criminal e da identificação civil. 5.2.2. Investigação Criminal Quanto à recolha de amostras com finalidades de investigação criminal, pode ser feita em arguidos, condenados, cadáveres, parte de cadáveres, em coisas ou locais onde se proceda a buscas com finalidades de investigação criminal. 5.2.2.1. Arguidos No que respeita aos arguidos, importa salientar que estes nunca podem ser entendidos como voluntários com base no art. 6º, n.º3 da Lei n.º5/2008. Assim a Lei permite a recolha de amostra (art.8º) mas somente pode ser realizada a pedido do arguido ou ordenada, Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 39 oficiosamente ou sob requerimento, por despacho do juiz, a partir da constituição de arguido, ao abrigo do disposto no artigo 172º do CPP, em processo-crime. Com esta recolha, a Lei prevê que se possam lesar alguns direitos, nomeadamente o direito à liberdade, o direito à intimidade, o direito à não auto-incriminação e o direito à autodeterminação informativa. Assim, tem que se averiguar caso a caso se há respeito pelo princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, o queé assegurado pela imposição de que esta colheita e obtenção do perfil sejam precedidas, obrigatoriamente, por despacho de um juiz. 5.2.2.2. Condenados A recolha de amostras em condenados apenas pode ser realizada após despacho do juiz e depois de a sentença ou acórdão ter transitado em julgado, pelo que o juiz, no despacho que enviar a solicitar esta recolha, deve referir expressamente se já houve ou não trânsito em julgado, segundo o art.8º, n.º2. Este parece ser um dos tipos de recolha menos contestados e mais facilmente aceites pela população. Assim, esta recolha servirá para obtenção de um perfil de ADN e posterior armazenamento na base, nas condições abaixo explicadas no subtítulo dos perfis. 5.2.2.3. Arguidos Tal como acontece com os condenados, também a recolha de amostras em arguidos apenas é permitida mediante despacho judicial. Contudo, neste caso o assunto torna-se mais sensível pois um arguido ainda não é culpado do crime e pode vir a ser absolvido. Por tal, importa, neste caso, ponderar de forma mais rigorosa se o pedido da amostra é justificável, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado. Desta forma, pode assegurar-se o cumprimento dos requisitos de proporcionalidade, necessidade e adequação necessários à restrição de Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 40 direitos fundamentais. Assim fica salvaguardado que o juiz possa invocar a não necessidade de colheita de amostra e obtenção de perfil em arguido sempre que se trate de processos, por exemplo, de pequena criminalidade. O n.º6 deste artigo diz que a recolha também pode ser dispensada, mediante despacho judicial, quando se trata de um arguido em vários processos simultâneos ou sucessivos, sempre que não tenham decorrido cinco anos desde a primeira recolha e, em qualquer caso, quando a recolha se mostre desnecessária ou inviável, isto é, caso exista ainda amostra suficiente para permitir nova análise, que não deve impedir que seja preservada uma parte bastante e suficiente para contra-análise. Trata-se da utilização de uma amostra que anteriormente foi colhida ao abrigo do n.º1 do art.º6 da Lei das bases de dados de perfis de ADN e este artigo remete para o art.172º do CPP que por sua vez remete para o art.156º, n.º6 também do CPP que dispõe que “(…) as amostras recolhidas só podem ser utilizadas no processo em curso ou em outro já instaurado, devendo ser destruídas, mediante despacho do juiz, logo que não sejam necessárias”. Parece então haver um contra-senso que, no entanto, não o é. Representa, apenas, uma forma de proibir, em regra, a utilização de uma amostra colhida noutro processo. Desta forma, assegura-se o cumprimento da verificação pelo juiz do processo da necessidade de efectuar esta recolha. Se houver ordem judicial a dispensar nova recolha, poderá ser utilizada aquela amostra. Sendo este o tipo mais controverso de recolha de amostras, é muito importante a salvaguarda existente na Lei da necessidade de autorização judicial caso não seja voluntário por parte do arguido autorizar a recolha. Com efeito, torna-se crucial que este respeito pela posição vulnerável que um arguido ocupa seja evidente na Lei. Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 41 5.2.3. Identificação Civil Quanto às amostras para identificação civil, no art.7º da lei admite-se que se realize a perícia “em cadáver, em parte de cadáver, em coisa ou local onde se proceda a recolhas, pelas autoridades competentes nos termos de legislação aplicável”. Já a recolha em parentes de pessoas desaparecidas carece de consentimento livre, informado e escrito e caso se trate de menores ou incapazes, a recolha depende de autorização judicial. Fig 2 - Fins prosseguidos pela base de dados de perfis de ADN (SINFIC, newsletter n.º153, Abril, 2008) 5.2.4. Futuro das amostras Referido o processo de recolha das amostras, importa perceber o que acontece a estas após se obter um perfil de ADN correspondente. As amostras relativas a voluntários são destruídas logo que se obtenha o respectivo perfil, segundo o art. 34º, n.º1. As amostras usadas para identificação civil, ou seja, “amostra-problema” de cadáver, parte de cadáver ou “amostras-referência” de pessoas desaparecidas são destruídas quando há identificação das mesmas. Relativamente aos familiares destes, as amostras serão destruídas, Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 42 igualmente, aquando da identificação. Contudo, a Lei também permite que estas sejam destruídas se os parentes o pedirem expressamente. As condições que decretam a destruição das amostras recolhidas para fins criminais são mais variadas. Assim, as amostras dos condenados são destruídas imediatamente após a obtenção do respectivo perfil. As amostras colhidas no local do crime são destruídas quando se identifica o culpado ou, caso tal não seja possível, passados vinte anos após a recolha. Quanto aos arguidos, não existe na Lei referência à destruição das amostras. Dada a sua finalidade, tudo levaria a crer que no final do processo estas seriam destruídas. No projecto de lei enviado pela Comissão elaboradora para o Governo, consta expressamente a destruição das amostras logo que não fossem necessárias, isto é, no final do processo (“as amostras colhidas ao abrigo do disposto no n.º1 do art.8º só podem ser utilizadas no processo em curso ou em outro já instaurado, devendo ser destruídas logo que não sejam necessárias” – art34º, n.º2 do projecto). No entanto, esta regra não consta da lei aprovada. Assim, deve entender-se que as regras constantes da Lei relativa às perícias não foram revogadas, pelo que serão destruídas no prazo de dois anos (art.25º, n.º2 da Lei n.º45/2004 de 29 de Agosto). Por último as amostras recolhidas aos profissionais são destruídas 20 anos após a sua recolha. Diz, no art.31º, n.º1 que as amostras devem ser conservadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, em lugar seguro, sem possibilidade de identificação imediata da pessoa. Como finalidades desta conservação, refere-se a realização de análises e contra- análises necessárias às finalidades de identificação civil e de investigação criminal (art.32º), para constituírem meio probatório no processo (art.34º, n.º3). Assim, entende-se a razão pela qual os voluntários e condenados vêem a sua amostra destruída logo após a obtenção do Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 43 resultado. Nestes indivíduos, caso seja necessária uma contra-análise pode ser fazer-se a recolha de uma nova amostra. Com o supracitado, constata-se que a Lei permite a criação de algumas colecções de amostras biológicas, ficando de fora apenas as dos condenados, dos voluntários e todas aquelas amostras que com eles tenham sido identificadas. 5.3. Obtenção do perfil de ADN e sua inserção numa Base de Dados As amostras de ADN após recolhidas são analisadas laboratorialmente com vista à obtenção de um perfil. As entidades competentes por Lei para realizar esta análise são o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e o Instituto Nacional de Medicina Legal. Esta análise pode, contudo, ser realizada por outros laboratórios, sob proposta das duas entidades anteriormente referidas e com autorização do Ministério da Justiça e do ministério que tutela o laboratório proposto. Os perfis de ADN resultantes da análise das amostras, bem como os correspondentes dados pessoais são introduzidos e conservados em ficheiros de dados de perfis de ADN e ficheiros de dados pessoais. Estes ficheiros contêm perfis de voluntários, perfis com finalidade civil, perfis com finalidade criminal e perfis de profissionais que procedam a recolhas e análise de amostras. 5.3.1. Finalidade Civil Desta base podem constar perfis obtidos em cadáveres,parte de cadáver, em coisa ou em local onde se proceda a recolha – “amostras-problema” e “amostras-referência” de pessoas desaparecidas ou de parentes. Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 44 Os dados referentes a cadáveres não identificados permanecem na base por tempo ilimitado até à sua identificação e “amostras-referência” de pessoas desaparecidas, bem como as amostras relativas a parentes, que são guardadas até que se conclua a sua identificação. Estes dados só serão removidos, se os parentes demonstrarem esta vontade. 5.3.2. Finalidade Criminal Nesta parte, podem existir perfis de amostras obtidas em local de crime durante buscas realizadas ao abrigo do art 171º do CPP – “amostras-problema”, perfis de condenados por crime doloo com pena concreta de prisão superior a três anos ou condenados em medida de segurança ao abrigo do art. 91º, n.º2 do CP e após despacho do juiz de julgamento, isto é, inimputáveis que tenham sido sujeitos a medidas de segurança pela prática de crimes com pena superior a cinco anos. No entanto, a Lei Portuguesa não permite a constituição de um ficheiro com perfis de ADN de arguidos, isto é, pessoas em relação às quais já se iniciou um processo de investigação criminal e já foram constituídas arguidos, não sendo mais meros suspeitos. Existe a possibilidade sob decisão judicial de lhe ser recolhida uma amostra e obtenção do perfil, não sendo, porém, autorizada a sua inserção no ficheiro até que haja decisão condenatória e esta transite em julgado. Antes deste passo, o perfil e a amostra ficam ao cuidado do processo. 5.4. Segurança da Base de dados de perfis de ADN A entidade responsável por esta base é o Instituto Nacional de Medicina Legal, estando este armazenamento de dados sediado em Coimbra. Assim, compete a esta entidade proceder à inserção, interconexão, comunicação e remoção de dados de perfis de ADN, Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 45 assegurar o direito de informação e de acesso aos dados pelos respectivos titulares e proceder à eliminação dos dados. Se houver necessidade de esclarecimentos adicionais ao funcionamento desta base, o INML deve consultar a CNPD e cumprir as deliberações desta Comissão. A segurança da Base de Dados é conferida pelo art. 27º, garantindo o impedimento de consulta, modificação, supressão, adicionamento, destruição, ou comunicação de dados não conferida pela Lei. Os ficheiros dos perfis de ADN e os ficheiros dos dados pessoais correspondentes têm que ser armazenados de forma separada lógica e fisicamente, manipulados por utilizadores distintos, mediante acessos restritos, codificados e identificativos dos utilizadores. E, segundo o n.º3 do art.15º é “vedada a inclusão de qualquer elemento identificativo do titular dos dados no ficheiro de perfis de ADN, bem como qualquer tipo de pesquisa nominal”. Os dados que constam da base, assim como os dados pessoais correspondentes são comunicados, no âmbito do processo, pelo INML ao juiz competente mediante requerimento fundamentado, sendo posteriormente comunicados por este ao Ministério Público ou aos órgãos de polícia criminal mediante despacho. Qualquer pessoa tem o direito de conhecer o conteúdo do registo ou registos que lhe respeitem e de exigir a correcção de eventuais inexactidões, a supressão de dados indevidamente registados e o preenchimento de omissões, nos termos da Lei da Protecção de Dados Pessoais, salvaguardando desta forma o respeito pela privacidade de cada indivíduo. Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 46 5.5. Conservação / Remoção dos perfis de ADN Os dados relativos a voluntários são conservados nesta Base por tempo ilimitado, salvo se o titular revogar, de modo expresso, o consentimento anteriormente realizado, assegurando o cumprimento do princípio da liberdade. Quanto aos dados pertencentes à Base que têm finalidade de identificação civil, isto é, perfis pertencentes a cadáveres não identificados, amostras-referência ou parentes de pessoas desaparecidas, são eliminados logo que se proceda à identificação dos desaparecidos ou não identificados. A Lei prevê que o perfil pertencente aos familiares de desaparecidos possa ser apagado caso estes demonstrem expressamente esta vontade. Os perfis com uma finalidade de investigação criminal estão sujeitos a critérios diferentes de remoção. Quando a amostra for identificada com o arguido, no termo do processo-crime ou no fim do prazo máximo de prescrição do procedimento criminal, previsto no Código Penal, o ficheiro é eliminado. No caso dos condenados, apenas se conservam os perfis de ADN que se mantêm no ficheiro enquanto não se tiver procedido ao cancelamento definitivo do registo criminal. Assim, os perfis de ADN, tal como os registos criminais serão eliminados decorridos cinco anos sobre a extinção de uma pena ou medida de segurança inferior a cinco anos, decorridos sete anos sobre a extinção de uma pena entre cinco e oito anos de prisão e decorridos dez anos no caso de condenação numa pena superior a oito anos. Os perfis dos profissionais são retirados vinte anos após a cessação das funções. Base de dados de Perfis de ADN Base de Dados Portuguesa 47 5.6. Análise da Lei Resumindo, a Lei Portuguesa é, com efeito, uma das mais cautelosas pela sua obrigatoriedade de utilização exclusiva para identificação individual (art.1º), pela imposição de autorização legal/judicial para a comunicação dos dados presentes nesta (art.19º), pela necessidade de um registo duplo codificado para perfis de ADN e dados pessoais, manipulados por utilizadores distintos em locais separados (art.15º), pela fiscalização dos procedimentos (art.29º), pela responsabilização no caso de uso indevido (art.35º e 36º), pelos acessos restritos, codificados e identificativos dos utilizadores (art.15º), pela imposição de que tudo seja realizado em laboratórios oficiais que cumpram os requisitos internacionais (art.5º), pela proibição da transferência de material biológico para outros países (art.21º), pela necessidade de comprovação laboratorial em caso de coincidência (art.13º), pelo respeito pelo princípio do contraditório, que diz que, salvo em casos de manifesta impossibilidade, é preservada uma parte bastante e suficiente da amostra para a realização de contra-análise (art.11º), pela proibição do acesso de terceiros à Base de Dados (art.22º), pelo respeito da dignidade humana no modo não invasivo de colheita de amostras (art.10º), pelo direito de qualquer pessoa exigir a correcção dos seus dados (art.24º), pela destruição imediata de amostras identificadas (art34º) e pela liberdade de valorização da prova pelos tribunais (art.38º) (Lei n.5/2008). Base de dados de Perfis de ADN Conclusão 48 6. CONCLUSÃO Os perfis de ADN podem ser chamados de impressões digitais genéticas, tendo-se tornado nas impressões digitais dos tempos modernos. Com efeito, a credibilidade e eficicácia crescentes desta ferramenta de investigação criminal e também de identificação civil permitiu conceder às bases de dados de armazenamento destes perfis um papel tão preponderante no futuro. Estas bases de dados têm evidenciado, amplamente, resultados positivos no que se refere à identificação de desaparecidos, identificação de delinquentes, exclusão de inocentes, interligação entre diferentes condutas criminosas e colaboração internacional em processos de identificação, contribuindo para dissuasão de novas infracções. Num mundo em constante mutação e cada vez mais inter-conectado, o intercâmbio de informações entre Estados em matéria de segurança assume particular relevância. Neste seguimento, a existência de bases de dados utilizáveis informaticamente permite a troca de informações e a mobilização de dados, bem como
Compartilhar