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ADRIANA DOS SANTOS PASSONI GLADIADORES DIGITAIS: UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA COMO ENTRETENIMENTO Londrina 2022 1 ADRIANA DOS SANTOS PASSONI GLADIADORES DIGITAIS: UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA COMO ENTRETENIMENTO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia do Centro Universitário Filadélfia - UniFil, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientador: Prof. Karina Cinel. Londrina 2022 ADRIANA DOS SANTOS PASSONI GLADIADORES DIGITAIS UMA ANÁLISE DA VIOLÊNCIA COMO ENTRETENIMENTO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia do Centro Universitário Filadélfia - UniFil, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Orientador: Prof(a). Ms Prof. Karina Cinel. Centro Universitário Filadélfia – UniFil ____________________________________ Prof(a). Patricia Lessa Centro Universitário Filadélfia – UniFil ____________________________________ Prof(a). Wagner Rogério da Silva Centro Universitário Filadélfia – UniFil Cidade, ____de ___________de ______. Londrina 2022 AGRADECIMENTOS Agradeço a minha orientadora Karina Casacola Cinel, que durante minha formação se mostrou uma professora incrível, divertida e encantadora. Me compreendendo mesmo nos momentos difíceis e sendo um grande exemplo como pessoa e profissional, em quem irei me inspirar eternamente. Agradeço a minha banca. Wagner Rogério da Silva, por ser um excelente professor, com uma visão única, me ajudando a reencontrar meu propósito dentro da psicologia. E a Patrícia Lessa, por ser uma excelente profissional e coordenadora, sempre fazendo o possível por mim, por meu curso e por minha atlética. Agradeço a meu pai, Claudemir Passoni, que me ensinou a importância do conhecimento e o quanto ele pode ser libertador. Agradeço a minha mãe, Maria Cristina dos Santos Passoni, que me ensinou a importância dos sentimentos e o quanto a união pode nos transformar. Aos dois, que acreditaram em meu sonho, cada um a seu modo. Espero poder orgulha-los a cada etapa. Agradeço a todos os meus amigos, que estiveram ao meu lado nos bons e maus momentos, como uma verdadeira família, me acolhendo e me ajudando sempre. Por fim, agradeço a todos que participaram de minha jornada e que me fizeram ser quem sou hoje neste extraordinário efeito borboleta. “Não há nada a temer na vida, apenas tratar compreender.“ Marie Curie PASSONI, Adriana dos Santos; Gladiadores digitais: Uma análise da violência como entretenimento. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso. Centro Universitário Filadélfia – UNIFIL. Londrina, P.R., 2022. RESUMO Quando analisamos o presente, percebemos que a cultura digital possibilitou a aproximação das pessoas, porem trouxe com ela condições degradantes e de muita violência, principalmente quando ligada a casos de influenciadores digitais. Estes se utilizam das redes sociais como verdadeiros campos de batalha, que podem nos remeter as lutas gladiatórias romanas. O presente trabalho visa buscar a partir do método comparativo características biológicas, históricas e culturais que assemelhem esses grupos. Resultando em uma apresentação de exemplos do passado e presente que ilustram a violência como forma de entretenimento, utilizando dá política romana do pão e circo. Palavras-chave: Gladiadores; Influenciadores digitais; Redes Sociais; Violência; Entretenimento. PASSONI, Adriana dos Santos; Gladiadores digitais: Uma análise da violência como entretenimento. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso. Centro Universitário Filadélfia – UNIFIL. Londrina, P.R., 2022. ABSTRACT When we analyze the present, realize that digital culture made it possible to bring people together, but it brought with it degrading conditions and violence, especially when linked to cases of digital influencers. These use social medias as true battlegrounds, which can refer us to Roman gladiatorial fights. The present work aims to seek, from the comparative method, biological, historical and cultural characteristics that resemble these groups. Resulting in a presentation of past and present examples that illustrate violence as a form of entertainment, using the Roman policy of bread and circuses. Keywords: Gladiators, Digital Influencers, Social Influencers, Violence, Entertainment. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Diferenças nos meios de cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Sumário 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2 METODOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 3 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 3.1 Gladiadores romanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 3.1.1 A origem das lutas romanas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 3.1.2 A mudança do propósito e o período do Império . . . . . . . . . . . . . . 12 3.1.3 A vida e representação dos gladiadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 3.2 Influenciadores digitais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 3.2.1 As redes sociais e a cibercultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 3.2.2 A interpretação de papéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 3.2.3 A cultura do cancelamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 3.2.4 Os valores nas redes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.3 Violência como entretenimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 3.3.1 Alguns conceitos de violência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 3.3.2 Entretenimento e espetáculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 3.3.3 O pão e circo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 4 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 9 1 INTRODUÇÃO Com o gradual crescimento das redes sociais e da tenologia na totalidade, é possível perceber que cada vez mais o ambiente digital afeta nossa vida cotidiana, tornando real e digital como um só. E não diferentemente, a violência vem aumentando nas redes e gerando eventos catastróficos das mais variadas intensidades. Todos que se exponham nas redes, em especial os influenciadores digitais, com seu trabalho quase que inteiramente digitais, estão sendo eventualmente submetidos a ataques. Ocasionando em demissões, percas de contrato, destruição quase que total de suas imagens e vidas, além de violências como agressões físicas, ameaças, linchamentos e em casos mais extremos, homicídios e induções ao suicídio. Diante deste cenário, é possível lembrarmos de um conteúdo muito difundido, as grandes batalhas de gladiadores romanos, pensando que, hoje as pessoas buscam e incentivam a violencia contra o outro no âmbito digital. Não se dificulta pensarmos que talvez este mesmo comportamento já venha de muito tempo atrás, onde milhares de cidadãos iam aos espetáculos gladiadores presenciarem e torcerem por homens lutando por suas vidas. Quando se estuda a história romana, em especial, durante o período imperial, não é difícil notar certa semelhança entre Roma e Brasil. Principalmente em seus aspectos sociais e de certa forma políticos, como o conhecido pão e circo. Mas, é possível que em nossa atualidade, estejamos mantendo padrões antigos de estilo de vida? Buscando por exemplospassados e atuais, podemos perceber uma grande ânsia da população por buscar estas diversas formas de violencia, principalmente quando ala- vancadas por possíveis noções de justiça ou direito. Este trabalho traz uma análise desta violência como meio de entretenimento e quais suas possíveis funções partindo de uma visão evolucionista e social. Este trabalho pretende investigar possíveis igualdades entre os gladiadores romanos, em principal da época imperial, com os atuais influenciadores digitais brasileiros tendo como base o estudo da violencia como entretenimento. Como objetivos específicos, visa trazer uma definição breve dos gladiadores com foco na era imperial, assim como fazer uma descrição dos influenciadores digitais no contexto nacional e de seu cotidiano nas redes sociais. Será trazido em discussão uma possível comparação entre os gladiadores romanos e os influenciadores digitais a partir dos dados trazidos, utilizando-se de base a bibliografia disponível com pesquisas, teorias e exemplos. Como também uma investigação da violencia como entretenimento, suas possíveis motivações e da política do panem et circenses. 10 2 METODOLOGIA O presente trabalho tem como metodologia de pesquisa inicialmente de natureza básica, pois não possui aplicação prática e se utiliza de verdades gerais a partir dos temas da pesquisa. Procura suprir os questionamentos globais a respeito dos temas citados, autor e ano, além de trazer novos conhecimentos para o crescimento da ciência. (PRODANOV; FREITAS, 2013) É também uma pesquisa bibliográfica, como uma pesquisa de fontes secundarias, livros, artigos de periódicos, teses. Como também uma análise de documentos, fontes primárias como jornais, revistas, blogs, diversos documentos públicos que contém o tema do projeto ou similar. É possível que contenha meios de comunicação verbal como vídeos, palestras e filmes. Com finalidade de expor o que já foi escrito ou falado sobre os temas, pois possibilita outra perspectiva acerca do assunto, buscando uma nova ilação. (LAKATOS; MARCONI, 2003) Possui uma abordagem qualitativa, é formulada por suas propriedades e relaciona pontos não somente determináveis mas também definidos descritivamente, também são definidas através de uma definição analítica e não medidas ou contadas. (FACHIN, 2006) Possui método indutivo, produz suas conclusões gerais a partir de um conteúdo muito mais profuso, uma vez que deriva das observações de casos da realidade concreta, se passa das particularidades e assim chegar a uma conclusão geral. (LAKATOS; MARCONI, 2003) 11 3 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 3.1 Gladiadores romanos 3.1.1 A origem das lutas romanas Segundo Mattheus (2020), diferente do que se imagina, as lutas gladiadoras tiveram seu âmago em antigos eventos religiosos. Essas lutaram eram conhecidas como munus, ou munera, significava uma obrigação, principalmente com os mortos. O autor destaca que sacrifícios humanos não eram raros no mundo antigo, fazendo parte das antigas histórias gregas, Homero reconta que Aquiles sacrificou doze troianos no funeral de seu amigo guerreiro Pátroclo, proclamando que mesmo seu amigo estando na casa de Hades, doze nobres troianos seriam consumidos por flamas junto a ele. Junto aos sacrifícios humanos, também eram jogados a pira ovelhas, bois e cavalos que eram abatidos em cerimônia. A primeira luta gladiadora a acontecer em Roma foi em 264 a.C. como parte do munus dedicado a Decimus Junius Brutus, por seus dois filhos. Em seu testamento, o homem falecido havia deixado a seus filhos uma soma de dinheiro generosa separada para pagar pelo funeral e seis escravos, que deveriam lutar em pares até a morte em um munus. (MATTHEUS, 2020, p. 18) Ferreira (2019) cita a importância do contexto desta primeira munera, que ocorreu em um momento de crise romana, as vésperas da Guerra Púnica. Diante de uma possível ameça era considerado importante alcançar o favor dos mortos e demonstrar ao povo suas capacidades econômicas e administrativas que a família exercia na sociedade. Toda a cerimônia foi feita segundo o testamento de Decimus, pois se acreditava ser a única forma de assegurar que o espirito do homem pudesse seguir para o submundo para seu descanso eterno. Acreditavam que “se qualquer elemento do testamento fosse ignorado, o fantasma do homem morto poderia retornar para trazer má sorte e retribuição a seus herdeiros.” (MATTHEUS, 2020, p. 18) O dever de celebrar a morte de uma figura influente mostra o surgimento do combate de gladiadores diretamente relacionado à esfera privada. Foi uma etapa importante nos ritos fúnebres realizados pelas principais famílias romanas para apaziguar os deuses de Manes e os deuses e almas dos recém-falecidos. (FERREIRA, 2019) Segundo Mattheus (2020) um grande funeral era a forma de famílias romanas mostrarem respeito a seus mortos, até então a prática de combates era rara, sendo mais comum um grande banquete. Por volta de 170 a. C., as famílias começaram a organizar lutas mais bem planejadas e equipadas, o que atraiu atenção e aumentou o foco na prática que poderia se expandir. Com o passar do tempo, tornou-se um costume que os lutadores estivessem apenas com um escudo e um capacete, onde certos golpes seriam fatais em batalha. Seu proposito ainda era o sacrifício para a honra dos mortos, e com o tempo, a espada escolhida para as Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 12 lutas foi a dos guerreiros da Espanha, era conhecida como gladius hispanesis, o homem que a usava ficou então conhecido como gladiador. (MATTHEUS, 2020) 3.1.2 A mudança do propósito e o período do Império Segundo Mattheus (2020), após os anos 150 a. C., as lutas deixaram seu proposito de honrar os mortos e passaram também a honrar os vivos, onde homens de grande poder reuniam milhares de pessoas aos estádios para assistir às lutas. A procura de popularidade, os aristocratas da época usaram todas as estratégias possíveis, desde jogos, banquetes e distribuição de alimento para obter os votos para sua ascensão politica. (FERREIRA, 2019) Ainda segundo o autor, os espetáculos, desde período tardo-repúblicano, assumiram um importante papel político na sociedade romana e trouxeram consigo uma prática em constante expansão. Era preciso superar os adversários políticos oferecendo uma programa- ção mais refinada e instigante. Este ato político acompanha a especialização e diversidade de atividades associadas à paisagem anfiteatro. Essas lutas se aperfeiçoaram ainda mais com o tempo, levando á criação de locais melhorados para as batalhas, os famosos anfiteatros ovais. Seu criador, Gaius Scribonius Curio, conseguiu ingressar na vida politica por meio do munus de seu pai, pois a novidade atraiu novos eleitores e o fez ganhar muita popularidade. Por fim, foi eleito para ser Tribuno, e em seguida tornou-se governador dá Sicília, levando-o a carreira como um general graduado. (MATTHEUS, 2020) Os jogos sangrentos tinham tornado-se uma ferramenta fundamental na campanha de qualquer político ambicioso. Ganhar votos significava agradar à turba romana e não havia melhor modo de fazer isso do que entreter o público. A maioria da população votante era pobre ao ponto da miséria e considerava os jogos como o único luxo disponível. (MATTHEUS, 2020, p.35) Fato confirmado por Garraffoni (2005 apud GRANETTO; FEITOSA, 2022) , expli- cando que as batalhas de gladiadores são áreas de envolvimento político na vida da cidade às vezes expressas em tempos de conflito. A autora refuta a posição tradicional de uma plebe romana passiva e violenta, especialmente em meio a jogos e espetáculos. Ferreira (2019) explica que, apesar dos esforços, as relações politicas da época foram transformadas com a ascensão de Otávio sobre Marco Antonio, dando início a uma nova estrutura politica e concentrando o poder nas mãos dos imperadores romanos. Para Yavetz (1987 apud FERREIRA, 2019), a partir deste ponto, seu poder era o qual controlava a oferta dos espetáculos. Por mais queo poder estivesse garantido e não fosse necessário a popularidade para eleições, ainda continha importância para manter o controle e poder contra senadores hostis ou pretorianos rebeldes. Assim, assumindo uma nova perspectiva com foco na reprodução do poder destes imperadores, onde todos os jogos eram oferecidos por ele. Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 13 O imperador Augusto temia que o alto custo e a manipulação política que as lutas que foi implementada na república fossem responsáveis pela corrupção e degeneração da política. Era necessário limitar os efeitos negativos que o fornecimento de espetáculos poderia ter na vida política romana. Segundo Futrell (2006 apud FERREIRA, 2019), ao retirar o controle que o prefeito dá sobre o espetáculo, a probabilidade de serem usados como “escada política” poderia diminuir. No entanto, assim como a República, durante o Império, o imperador tinha as melhores condições para conquistar o favor do povo através dos espetáculos. Desta forma, Augusto ascendeu tornando-se o único soberano e consolidando a estrutura política do Principado. As lutas agora tinham como função assumir um papel dignificador do culto imperial, diferente do período republicano, que exercia uma função propagandística. (FERREIRA, 2019) Segundo Gonçalves (2007), neste período o imperador assume assim, o lugar do aristocrata. Assim, mantendo as dependências estabelecidas doando alimentos e entre- tenimento. O espetáculo assume o caráter de solidariedade, em que o povo, os clientes, conhecem “o pai”, o imperador, e por meio de exibições públicas, ficam satisfeitos com a festa. O que o espetáculo faz é atualizar as relações vassalas, experiência conhecida e característica da política romana, reforçada pela ação estatal no império. Os romanos, que outras vezes designavam administradores, ofícios e legiões, eram agora mais modestos, reivindicando não mais que duas ações: pão e circo. 3.1.3 A vida e representação dos gladiadores Segundo Mattheus (2020) após um tempo, outra novidade que animou a multidão foi a chagada dos samnitas, um povo estrangeiro que já havia lutado diversas guerras com Roma. Quando derrotados, seus guerreiros se tornaram prisioneiros sendo levados a batalhar em arena. A novidade entusiasmou a multidão e logo políticos começaram a trazer lutadores de diversas regiões, criando uma variedade de gladiadores. Guarinello (2007) traz que, apesar de em seu início os gladiadores serem uma sua maioria escravos e prisioneiros de guerra, durante a época do Império grande parte dos gladiadores eram homens livres. Mattheus(2020) esclarece que após um tempo, apenas a batalha de escravos não era suficiente, o público esperava grandes combates com habilidades de luta superiores. Neste ponto os lutadores não eram mais escravos a espera da morte, e sim homens bem treinados e no auge de sua aptidão física. Academias especificas foram criadas para os gladiadores e estes, que custavam agora muito mais tempo e dinheiro, não poderiam morrer tão facilmente em batalha, “o costume do missus apareceu, o gladiador que estava obviamente perdendo a luta podia jogar seu escudo e elevar seu braço esquerdo como simbolo de rendição“. (MATTHEUS, 2020, p.24) Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 14 Ferreira (2019) conta que a destreza e técnicas necessárias que os gladiadores necessitavam passou a exigir um treinamento rígido que podia ser dividido entre uma parte física e uma parte técnica. O treinamento físico era necessário para os níveis de velocidade, força e resistência sendo inspirada na experiência de treinamento dos atletas olímpicos gregos. Em geral, a preparação consiste em exercícios preparatórios no primeiro dia, trabalho intenso no segundo dia, relaxamento no terceiro e, finalmente, exercícios de intensidade moderada no último dia (MANÃS, 2013 apud FERREIRA, 2019) A preparação técnica é subdividida em treinamento cênico e treinamento de armas. Os gladiadores precisavam, além de destreza e habilidades técnicas, da capacidade de conquistar o coração do público. Assim, para se preparar para a luta, existia uma “equipe cênica” que procurava “seduzir” a todos, inclusive quem dava o veredito da luta, com missus (perdão) ou iugula (execução) dentro dos espetáculos. (FERREIRA, 2019) Como descreve o autor Guarinello (2007), os gladiadores livres, alguns de ori- gem nobre e altos cargos, eram conhecidos como auctorati. Eles se ofereciam a função, colocando-se sob o poder de seu mestre em um ato de submissão, prestando um juramento sagrado. Barton (1993 apud FERREIRA, 2019) completa que cidadãos de status podiam combater na arena de forma voluntaria, com a inteção de demonstrar sua proeza militar, com a intenção de honrar seu líder ou no cumprimento de um juramento. Este combate era feito de forma gratuita e não carregava consigo a repressão e estigma gerados pelo contrato, que era estabelecido geralmente como um trabalho com ganho financeiro atrelado. Para Mommsen (1874 apud GARRAFFONI, 2005) o ponto de maior problemática não seria a crueldade exercida dentro das arenas, mas sim o fato do gladiador ser obrigado a renunciar a sua liberdade, sofrendo a torturas e á violencia em troca de comida e dinheiro, assim como diversos populares se disponibilizarem a participar diante da mesma motivação. Ao mesmo tempo, é comum que muitos autores durante a história interpretem esses sinais de forma positiva, argumentando que os romanos comuns nada mais eram do que uma massa unificada que o imperador manipulava habilmente sem qualquer concepção. (FERREIRA, 2019) Como explica Ferreira (2019), grande parte dos gladiadores eram escravos, homens capturados e sem liberdade. Porem, muitos eram responsáveis por seu próprio rebaixamento, homens que anteriormente tinham sua liberdade e posição, mas que o perderam por diferentes motivos e julgavam melhor entrar para as arenas. Porem, muitos autores trazem que ser um gladiador também era motivo de orgulho, como explica a citação: Porque o juramento transformava o gladiador num ser sagrado, para o qual a dor e a morte deixavam de ser ameaças terríveis para se tornarem parte corriqueira da vida: um simples momento, o momento da verdade, que deixava de ser objeto de angústia para se tornar objeto de honra. (GUARINELLO, 2007, p. 129) Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 15 Guarinello (2007) traz que, por mais que fosse possível a rendição mencionada anteriormente descrita por Mattheus (2020), muitas vezes o gladiador vencido oferecia seu pescoço ao adversário e à plateia, para que assim, pudesse ter uma morte digna. Muitos gladiadores conseguiam fama e riqueza com suas lutas em arenas, chegando a se aposentarem, por mais que fosse um trabalho degradante. Guarinello (2007) apresenta que um gladiador era visto como um exemplo e modelo a ser seguido dentro dá sociedade. O autor cita Sêneca, que escolheu o gladiador como parâmetro ideal, pois a vida se tornaria digna ao ser desprezada. Você alistou-se (na vida) sob juramento. Se alguém disser que esta é uma maneira fácil e tranquila de serviço militar, é apenas porque quer fazer pouco caso de você. Não quero que seja enganado: as palavras deste juramento, o mais honroso de todos, são as mesmas daquele juramento, o mais estúpido de todos: ser queimado, ser amarrado, ser morto pelo ferro. . . Você deve morrer ereto e invicto. Que diferença faria ganhar alguns dias ou anos? Nascemos num mundo sem quartéis. (SÊNECA, Carta 37 apud GUARINELLO, 2007, p. 130) Ferreira (2019) afirma que um ponto de grande importância para análise era a possibilidade de enriquecimento de um gladiador, fato que levou diversos homens as arenas, trocando sua liberdade em troca de fama e dinheiro, estes homens eram libertos após cumprirem com suas obrigações. 3.2 Influenciadores digitais 3.2.1 As redes sociais e a cibercultura Segundo Martino (2021) podemos descrever as redes sociais como uma relação entre pessoas, baseada na flexibilidade de sua estrutura e na relação dinâmicaentre os participantes. Embora o conceito de rede seja relativamente antigo, ele ganhou força porque a tecnologia possibilitou a construção de redes sociais conectadas à Internet definidas por interações por meio de mídias digitais. As redes são definidas por sua natureza horizontal, sem hierarquia estrita. Ao longo da história, diferentes tipos de organização social, cada um baseado em um certo tipo de conexão ou associação, desenvolveram os elementos que constituem a base da convivência. Por exemplo, na família ou amigos, o vínculo principal é a devoção, enquanto na religião é a crença compartilhada pelos seguidores e no trabalho, o vínculo é baseado no desejo de sucesso. Porem, o autor descreve que a tecnologia na cibercultura não determina o comporta- mento humano, apenas cria as condições para certas práticas. A diferença entre “cultura” e “cibercultura” é sua estrutura técnica operacional. A cibercultura refere-se basicamente a todas as práticas realizadas por pessoas conectadas a redes de computadores. Isso resulta em uma ampla gama de procedimentos e práticas que não teriam ocorrido em outros momentos ou locais devido à falta de equipamentos técnicos adequados. Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 16 Martino (2021) explica não haver nenhum elemento unificador, como teoria política ou crença religiosa, que possa moldar ou organizar todos os elementos encontrados na cultura das redes sociais. Portanto, há uma característica que não pode ser incorporada a rede, logo, apenas ela não poderia ser um elemento inteiro que seria comum a todos. À medida que o ciberespaço se expande, aumenta também o número de indivíduos e grupos relacionados que geram e compartilham informações, conhecimento e know-how. Além disso, cria os pré-requisitos para o desenvolvimento de novos conhecimentos na cultura da tese de controle: aplicativos, sites, softwares, etc. Em geral, o estudo da cultura examina as práticas cotidianas que fazem parte da cultura de indivíduos, grupos e classes sociais, as construções identitárias de pessoas e comunidades, as formas como surge a autoimagem e os elementos fundamentais para os outros. Assim, a identidade não existe naturalmente, mas é composta de relações sociais, e enquanto essas relações são desiguais e caracterizadas por intervalos de poder. Podemos pegar como exemplo os geeks ou nerds, que antes da internet, eram vistos de formas degradantes. No entanto, como alguns deles assumiram posições importantes na governança corporativa e ganharam representatividade positiva em sua cultura, o termo ganhou outro significado. (MARTINO, 2021) Martino (2021) explica que vários fatores estão sempre em ação na formação: política, religião, questões de classe social, gênero, etnia , e as faixas etárias estão entre os fatores mais importantes e às vezes contraditórios associados à cultura. É importante entender que não existe apenas uma cibercultura, mas várias ciberculturas. A migração da cultura humana para o ciberespaço com suas identidades, dinâmicas, lutas e paradoxos envolve uma constante transformação até que suas contrapartes no mundo físico sejam desconhecidas. Isso levou diretamente ao conceito de “cibercultura” concebida na forma de estudos culturais, como um espaço dinâmico cheio de tensão e conflito expressivo. O autor ainda complementa que os estudos culturais partem da premissa de que as práticas cotidianas fazem parte da cultura dos indivíduos, grupos e classes sociais, e são elementos fundamentais para constituir a identidade das pessoas e das comunidades, a maneira como se cria uma imagem para mesmos e para os outros. Logo, identidades não existem naturalmente, mas são constituídas nas relações sociais e na medida em que essas relações são desiguais, marcadas por intervalos de poder, a construção das identidades culturais está ligada a uma lógica de tensões, dinâmicas e disputas pelo direito de ser quem se é no espaço social. Até a popularização da internet, por exemplo, ser um nerd ou um geek era motivo de piada. Quando, no entanto, alguns deles começaram a atingir postos-chave no comando de empresas e ganhar representações positivas na cultura, o termo ganhou outro valor. Vários fatores interagem o tempo todo na formação das identidades culturais. A política, a religião, questões de classe social, gênero, etnia e faixa etária estão entre os principais elementos vinculados à cultura, relacionando-se de maneira às vezes conflitante Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 17 entre si. Não existe apenas uma cibercultura, mas várias ciberculturas. As culturas humanas, com suas características, dinâmicas, conflitos e paradoxos, migram para o ciberespaço, implicando transformações contínuas, a ponto de se tornarem irreconhecíveis para seus correlatos no mundo físico. Isso leva diretamente a uma noção de “cibercultura” pensada nos termos dos Estudos Culturais, como um espaço dinâmico de tensões e conflitos de representação. (MARTINO, 2021) Para Borges (2022) como os influenciadores digitais tornaram seu trabalho multipla- taformas, ou seja, utilizando de diversas redes sociais sem a necessidade do abandono de outra, um dos principais motivos para a escolha do nome. Chama-los de influenciadores digitais globaliza a profissão na totalidade, diferente do começo das redes, onde os que possuíam blogs eram chamados de blogueiros ou os youtubers para os que trabalhavam apenas na plataforma do YouTube. 3.2.2 A interpretação de papéis Em uma rede social, onde trabalham os influenciadores, vemos um conjunto de elementos: “os atores, os usuários ou perfis, representando pessoas ou instituições. Suas conexões, também chamadas de laços sociais, sendo a interação entre eles. Os atores sociais, então, expressam sua personalidade e individualidade, como uma ”presença do ’eu’ no ciberespaço, um espaço privado e, simultaneamente, público.“ (RECUERO, 2011 apud ROCHA; JOSÉ, 2021, p. 31) Martino (2021) compartilha da mesma descrição, explicando que estruturalmente, a rede é composta por atores, que no que lhe concerne formam um link como nós. Não é necessário levar essa divisão ao extremo, pois em algumas situações, os influenciadores podem atuar como nós para a formação de redes sociais. Por exemplo, um blog é simulta- neamente, um ator nas redes formadas por blogs semelhantes e em simultâneo, um nó que inclui a comunicação social nos comentários de cada postagem. Atores não precisam necessariamente ser humanos, uma empresa pode ser consi- derada um “ator” em determinada rede, pois está ligada à “ação“. No quadro das principais características de uma rede social, o termo “ator” é a sua natureza relacional. Em uma rede, a relação entre os participantes afeta mais seu desempenho do que a privacidade de cada indivíduo. E para um melhor entendimento, não é apenas um relacionamento entre indivíduos, é um relacionamento entre relacionamentos, ou seja, uma maneira recíproca, ponto a ponto, de ver como as pessoas interagem. Em outras palavras, não é importante apenas entender como duas pessoas se relacionam, mas também entender como essa interação se sobrepõe a outras visões da relação entre o relacionamento. Por exemplo, na fa- mília, a relação pais-filhos afeta diretamente a relação pais-filhos, embora as características individuais sejam diferentes. (MARTINO, 2021) Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 18 Segundo Rocha e José (2021) apesar do fato de que nas redes sociais todos interpretam papéis, hoje as mesmas tem uma função muito importante para a realidade de muitas pessoas e empresas. Lembrando também que muitos não são mais capazes de viver sem elas. Castro (2006), em uma análise de reality shows brasileiros, completa que os progra- mas se mostram cada vez mais híbridos, com realidade e ficção constantemente entrelaça- dos, utilizando diversas fontes tecnológicas como a televisão aberta e paga, seja analógica ou digital, fixa ou móvel, e a Internet. No caso de reality shows em que um grupo de pessoastem de conviver diaria- mente, seja dentro de uma casa sem poder sair ou em uma ilha, os estereótipos tendem a aparecer facilmente, pois são um elemento indispensável para organizar e antecipar experiências da realidade social que o sujeito desenvolve. (CASTRO, 2006, p. 45) No Brasil, um dos melhores exemplos são vistos nas atuais edições do Reality Show Big Brother Brasil. Segundo Rocha e José (2021), no programa os participantes interpretam personagens, inclusive escolhidos intencionalmente pela produção para gerar engajamento. Temos os mocinhos, os vilões, os passivos, entre outros, mas que assumes os próprios nomes de registro. Uma vez que este fato não é exposto, os telespectadores ficam entre uma linha tênue entre acreditar ou não que o personagem haja exatamente como o integrante. Com as redes sociais, as torcidas ficaram mais fortes e muito mais agressivas, defendendo ou punindo os participantes de destaque, que no que lhe concerne, se tornam influenciadores. Quem participa deve estar ciente que poderá sofrer um linchamento virtual sem seu conhecimento, pois não é permitido contato com o exterior durante a participação. O autor Martino (2021) explica que, Embora não seja um simples produtor de mídia digital, o reality show parece ter encontrado uma nova vida em um ambiente virtual. O compartilhamento ocorre em várias plataformas, tornando reality shows como o Big Brother mais do que apenas programas de TV. As discussões na web aumentam a exposição dos participantes por meio da transmissão contínua entre as mídias. Existe também uma participação ativa dos telespectadores que, antes dos reality shows, eram indivíduos passivos, pois não lhes era conferido totalmente o poder de escolha, tal qual interatividade. Agora, além de assistir, tornou-se possível também interferir. Todavia, são no mínimo questionáveis as intenções, por parte da mídia, em dar esse “poder” ao espectador, visto que toda realidade, na TV, é uma realidade filtrada a partir de escolhas. (MARTINO, 2013, p. 157) Para entendermos melhor a ligação entre as mídias digitais e outros meios de comu- nicação, Rocha e José (2021) explicam que a mídia digital de alguma forma interconectada, em teoria torna-se acessível a todos. Nas redes sociais digitais, as ações triviais de um indivíduo são reconhecidas por outros na forma de comentários ou aprovações. Todos podem informar seus contatos de rede e obter feedback sobre algumas atividades comuns. O círculo de celebridades, ou de celebrização, está ligado. É relativamente comum que um influenciador apareça em um programa de televisão, pois na circulação de conteúdo, a rede tem a vantagem de acessar a televisão madura, reduzindo assim o risco de fracasso do Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 19 programa. Em termos econômicos, surge a lógica da produção cultural, que é atualizada em um ambiente virtual em colaboração com os próprios consumidores. Em alguns casos, os influenciadores vêm de vídeos amadores criados sem a intenção de serem amplamente compartilhados e, por meio de sua constante interação, esses vídeos se tornam virais e atingem um grande público. Os consumidores de notícias sobre celebridades são, portanto, produtores ou potenciais produtores de celebridades. Tabela 1 – Diferenças nos meios de cultura “Industria Cultural” Cultura das mídias Mídias digitais Emissor Empresas de mídia Estado: política cultural Produção locais independentes Indivíduos Grupos / redes Mídias Larga escala Cinema / TV / rádio / imprensa / audiovisual Larga + média escala Cinema / TV/rádio / imprensa / audiovisual Larga + média + micro Mídias digitais e ciberespaço Linguagem Acessível á massa Nivelamento Nichos de mercado Consumo específico Hibrída: cruzamento Personalização Alcance Global (norte-americana) Global / Local (articulação) Global / local / pessoal (criação / recriação) Receptor Passivo (feedback) Ativo (articulação) Audiênciaprodutiva (criação) MARTINO, L. M. S. Teoria das Mídias Digitais: linguagem, ambientes e redes. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Vozes, 2021. Na sociedade expositiva, cada influenciador é seu próprio objeto-propaganda, e tudo é medido pelo seu valor exibido. Uma economia capitalista está sujeita a quaisquer restrições expostas, e apenas as etapas expostas geram valor, ignorando qualquer crescimento das coisas. Assim, observamos que o modelo de comunicação de massa foi substituído por uma forma de interação em rede que permite que os indivíduos participem ativamente como emissores e receptores. Esse movimento foi impulsionado pela introdução da tecnologia digital nos jogos. Com a disseminação da Internet e o aumento do uso de smartphones, a necessidade de interação social pode ser atendida por meio de participação ativa, também chamada de audiência produtiva, e visibilidade. (BORGES, 2022) Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 20 O termo “usuário-mídia” é utilizado para identificar usuários da Internet e de mídia social que produzem, compartilham e distribuem conteúdo próprio ou de seus pares. Aqui, Terra (2010 apud BORGES, 2022) ressalta que existem diferentes níveis de comunicação entre usuários e mídia, identificando a parte que apenas consome e reproduz conteúdo sem produzi-lo, aqueles sujeitos que participam de forma incipiente com comentários e reações a terceiros. e, por fim, sujeitos que efetivamente se mobilizam para criar e produzir conteúdo Para Martino (2013), as novidades da tecnologia transformaram a cultura e, ao invés de encontrar seu equilíbrio, os indivíduos passam a ser consumidores de um produto. “Onde a Modernidade imaginava o conhecimento como liberdade, enxergaram um elemento de dominação. Dominada pela técnica, as produções da mente se organizavam na forma de uma indústria cultural.” Bauman (2005 apud ROCHA; JOSÉ, 2021) traz a reflexão de que na “morte do anonimato” provocada pela Internet, estamos dispostos a sacrificar nossa privacidade. Qualquer coisa privada agora tem o potencial de ser pública e estar disponível publicamente. E ela estará disponível até o fim dos tempos, pois a Internet não pode “ser forçada a esquecer” tudo o que está armazenado em um de seus inúmeros servidores. Essa erosão do anonimato é um produto de serviços onipresentes de mídia social, câmeras de telefone baratas, sites gratuitos de armazenamento de fotos e vídeos e uma mudança na percepção do que deve ser público. Para Rocha e José (2021), para aprovação social, o que antes era uma ameaça tornou-se uma tentação para ganhar popularidade. Hoje, o perigo de ser “pego” com intimidade é a perda para o público de estranhos que apreciam fotos de xícaras de café, de refeições ou de unhas novas e coloridas do momento. As recompensas sociais que desfrutamos quando abrimos uma conta online: visibilidade, reputação, popularidade e autoridade. Martino (2021) explica que nas redes sociais, a capacidade de controlar a comunica- ção entre os perfis é um dos elementos responsáveis por direcionar os relacionamentos e as atitudes dos demais. Dessa forma, o princípio da rede social é a natureza relacional de sua composição, definida por conexões fluidas, flexíveis e pelas diferentes dinâmicas dessas relações. De facto, a participação em redes online por dispositivos móveis como telemóveis e tablets permite deslocar continuamente as barreiras entre o “mundo físico” e o “mundo online”. Embora as ações online nas redes sociais e no cotidiano sejam cada vez mais articuladas, fatores políticos, sociais e econômicos podem se tornar mais importantes. Afinal, os participantes das redes online são pessoas, que estão conectadas a redes mundiais separadas, e a mistura entre esses dois ambientes é até certo ponto inevitável. Assim como o mundo real é trazido para as redes sociais digitais, as conversas online têm o potencial de gerar atitudes e ações no mundo físico. A rede pode ser centralizada com várias conexões de um ponto e as informações são transmitidas para todos os outros pontos.Além desse modelo, a chamada rede des- Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 21 centralizada significa que, além do polo central, existem polos secundários conectados a outros pontos. O problema com esse tipo de rede é que ela é fraca o suficiente para destruir um único nó (em uma rede centralizada) ou vários nós (em uma rede descentralizada), inutilizando todo o sistema. A solução foi a “Rede Distribuída” de comunicações em Baran. A partir desse princípio pode-se entender por que é difícil controlar informações em uma rede social online com acesso universal, há um viés incontrolável no número de relacionamentos possíveis, dificultando bastante algumas formas de controle. (MARTINO, 2021) Martino (2021) explicam que o número de nós da rede se multiplica exponencial- mente a cada nova conexão, agregando também outras conexões e possibilitando um aumento imediato nos tipos de conexões e circulação de informações - não é por acaso que informações podem circular entre um número muito grande de conexões no rede. O resultado é um fluxo ininterrupto de informações em redes online que são criadas, produ- zidas e reproduzidas entre os participantes. O termo “redes sociais online” neste sentido refere-se a um número significativo de formas de comunicação interpessoal baseadas na criação de páginas ou perfis. Cada uma delas, como toda rede, possui características próprias e permite diferentes tipos de comunicação. Nas redes sociais, onde as pessoas partilham factos do seu quotidiano, a quantidade/qualidade da comunicação difere nas redes digitais dedicadas a aproximar pessoas que gostam de tricotar. Os tipos de comunicação variam dependendo se é possível pertencer a uma rede e comunicar-se de fato com outros membros. Uma vez que uma conexão é feita, todos os usuários estão praticamente em pé de igualdade com a mesma chance de se conectar. Este ponto de vista baseia-se no pressuposto de que a qualidade e a quantidade das relações entre as pessoas costumam ser quase as mesmas, bastando ter uma ligação, criar uma página ou um site para ver, conhecer e divulgar. Ele estuda a estrutura de conexões há pelo menos vinte anos e observou vários elementos persistentes em diferentes tipos de redes, desde as conexões biológicas entre células até a arquitetura da Internet e redes sociais interconectadas. Uma das mais importantes dessas constantes é a constante desigualdade entre os nós que compõem a rede. A maioria dos autores descreve as redes como uma arquitetura horizontal, ou seja. Onde todos os links têm o mesmo significado em sites de links. Em uma rede, cada nó seria conectado aleatoriamente a vários outros. (MARTINO, 2021) O autor ainda explica que nas redes sociais, nós desse tipo são participantes (pessoas, organizações, empresas). Estes possuem um grande número de conexões que transitam suavemente entre diferentes grupos que se tornam um possível nó que une pessoas de diferentes universos sociais que de outra forma permaneceriam. Na Internet, são sites como o Google, grandes portais de notícias ou, por exemplo, massivos sites de jogos online, que, por sua estrutura, tornam-se a principal conexão para um grande número de pessoas. Camargo, Estevanim e Silveira (2017) verificam que os integrantes às vezes querem Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 22 mais do que apenas sentar na frente da TV e assistir a programas, eles querem participar, dar feedback, interagir e conversar com os locutores ou a questão é buscar um produto midiático que não se limite à oferta própria. Porem que ofereça conteúdo que vá além de um único dispositivo de veiculação e exija a participação do público para funcionar em circulação. O número de produtos de informação depende da alocação tática do tópico. 3.2.3 A cultura do cancelamento Rocha e José (2021) nos trazem que na era digital, noções como linchamento, ex- purgos online e cyberbullying definiram o comportamento dos internautas, que ridicularizam, envergonham e insultam aqueles que acreditam merecer, incitando outros a fazerem o mesmo. Um conceito já visto muitas vezes durante a história, pois segundo os autores, A Bíblia apresenta, pelo menos em algumas versões, as palavras igno minia e opróbrio no Novo Testamento (“Livro dos Hebreus”, Hb 11:26 e Hb 12:2) como resultado de julgamento público com objetivo de desonra, vergonha e humilhação palmatória tão esperada para disciplinar os imperfeitos. Enquanto na Grécia antiga, a fim de preservar a qualidade democrática de seu sistema político diante de possíveis ameaças de corrupção moral ou material, foram impostas sanções para excluir os condenados pelo plebiscito ateniense. A expulsão é uma pena que implica a expulsão do condenado por um período de dez anos. Seu propósito é fazer com que os tabus sejam esquecidos, retirando-se para “não lembrar do que não se vê”. É por isso que muitas pessoas usam a palavra “excluído” quando alguém desaparece da mídia. Os historiadores afirmam que até o famoso filósofo Sócrates foi expulso de Atenas, mas preferiu a morte à exclusão. (ROCHA; JOSÉ, 2021) Segundo Rocha e José (2021) cancelar entra em diversas pesquisas como a palavra do século, onde o verbo tem uma nova conotação, que descreve o comportamento de boicote on-line por parte de um grupo de usuários a um influenciador. Uma expressão muito difundida é a cultura do cancelamento, ou call-out culture, determinada como um conjunto de ações dentro de uma comunidade virtual que provocam a retirada de apoio a uma figura pública, como a perca de um emprego, a retirada de seu trabalho de plataformas digitais ou a exclusão e/ou banimento de suas contas nas redes, geralmente causado por uma ação ou comentário de cunho inaceitável. Quando um influenciador comete tal ato, o processo de cancelamento se da a partir de uma fúria coletiva, onde a polêmica leva a humilhação pública, com milhares de pessoas expondo suas opiniões sobre o tema abertamente, o que pode levar a uma experiência de isolamento. (ROCHA; JOSÉ, 2021) Segundo Rocha e José (2021) é necessária mais do que a exclusão do indivíduo, além de expor as causas, é preciso que o influenciador sofra consequências, que seja Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 23 humilhado e esquecido para sempre, sem possibilidade de novos planos, trabalhos ou até mesmo relacionamentos. Rocha e José (2021) citam que com a internet, toda opinião pode ganhar grande destaque caso seja compartilhada, aumentando assim a vigilância e patrulhamento e facilitando a criação de tribunais particulares, que não seguem um processo legal de julgamento, pois não ha garantias de imparcialidade. No Brasil, está prática está começando a ser discutida e colocada em pautas de leis. Os autores Rocha e José (2021) propõe que é provável que ainda hajam diversos desdo- bramentos nesta área, mas que hoje a internet não é mais “uma terra de ninguem”. Muitos projetos já preveem penas para quem incitar crimes e violencia dentro das plataformas. Já temos o Marco Civil da internet (Lei 12.965/2014), uma lei que estabelece princí pios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, conhecida como LGPD (Lei 13.709/2018). Ambas preveem também responsabilidades e, assim, busca-se uma ambiente que seja terra de todos. (ROCHA; JOSÉ, 2021, p. 37) Rocha e José (2021) trazem que o cancelamento pode agir de forma inversa, onde uma pessoa anonima pode ganhar rapidamente destaque no meio da multidão por expor suas ideias, porem pode ser rapidamente derrubado. Já quem é uma figura pública, que já tem uma construção por trás, pode ser “apedrejado” e banido indeterminadamente. Embora os casos de cancelamento mais notórios envolvam celebridades, não são apenas figuras públicas que enfrentam ações coletivas e diretas. Os autores trazem o exemplo de que no início de junho de 2020, um americano dirigia para casa em um caminhão da empresa com as janelas abertas e os braços erguidos pelo calor. Ao mover a mão paraestender os dedos, ele fez um gesto que foi rapidamente interpretado pelos espectadores como um gesto típico de supremacia branca. Depois que a foto foi tirada, ela acabou no Twitter. Duas horas depois, ele foi acusado de racismo e, como resultado da propagação do vírus, foi suspenso e demitido do emprego em cinco dias, resultando na perda do plano de saúde de sua família. Nas semanas seguintes, o pai de três filhos não conseguiu encontrar trabalho em seu empregador anterior e também não queria que sua empresa fosse associada a supostos apoiadores do racismo. Uma professora foi acusada de cometer o mesmo erro após revelar uma foto de si mesma adormecendo durante uma conferência virtual antirracismo. Foi apresentada uma petição pedindo que ela fosse expulsa da escola onde trabalha. (ROCHA; JOSÉ, 2021) Existem três fases cognitivas que se observam no cancelamento. A fase informativa, onde o individuo reage aos estímulos recebidos, havendo ou não engajamento pelo caso. A fase do julgamento, onde o individuo usa de seu conhecimento e experiencia sobre justiça e moralidade para julgar as informações. E por último, a fase executória, onde o individuo escolhe quem ira ser cancelo e qual sera sua punição, onde sua extensão e intensidade serão determinados com base nas emoções provocadas. (ROCHA; JOSÉ, 2021) Os autores nos trazem como exemplo o conceito do hashivismo, que seria o ativismo Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 24 por meio de hashtags. Ele surgiu na campanha #MeToo no Twitter em outubro de 2017, que começou depois que uma atriz denunciou assédio sexual na indústria cinematográfica americana. Ela encorajou todas as vítimas de assédio sexual a usar a hashtag. Em quatro dias, foram mais de 800.000 interações com o #MeToo. Cerca de um ano depois, a obra perdeu mais de duzentas figuras públicas, incluindo atores, produtores e diretores famosos de Hollywood. Alguns argumentam que a subcultura começou como um movimento quando as pessoas perceberam que tinham o poder de alcançar alguém nas mídias sociais. ex- namorada bu apóia m Editor há vários comentários no final “nossas compras, nossa rede de atitude decide sobre o ataque do sofrimento. Gosto de tudo tratado. É um tipo de emoção social que tendemos quando nos envolvemos em punir. outros pelos erros, que cometeram. , ”raiva altruísta“, mesmo que crie riscos e custos para todos os envolvidos. seja vítima. Essa raiva virtuosa parece ativar o centro de recompensa no cérebro, de modo que punir regras, obedecer. as regras dão uma sensação de satisfação. De fato, a mídia virtual é atualmente a última linha de defesa contra a violência humana. Primeiro, ao contrário dos sonhos utópicos técnicos da década de 1990, eles são espaços aterrorizantes para o debate público. Como tom de voz, linguagem corporal e presença física de outras pessoas, as interações online removem as inibições naturais que temos ao interagir com outras pessoas. É por isso que é muito mais fácil intimidar e insultar um estranho que não teria coragem de dizer isso na realidade. (LOPES, 2021) 3.2.4 Os valores nas redes Segundo Rocha e José (2021), a priori, os valores dentro das comunidades on-line não são intangíveis, uma vez que o mesmo não é nada solido e sim representativo, mas que pode ser monetizado, considerando influenciadores patrocinados por diversas marcas. Raquel Recuero (2011 apud Rocha e José, 2021) determina haver quatro valores imprescindíveis e de maior importância dentro das redes, que seriam: visibilidade, reputação, popularidade e autoridade. Visibilidade seria um valor intrínseco das redes, pois quando criamos um perfil. Mesmo sem a intenção imediata de interagir com outros perfis, o nosso ainda está visível e poderá ser notado, diferente dos outros valores que necessitam de interações. (RECUERO, 2011 apud ROCHA; JOSÉ, 2021) Já a reputação diz respeito a como o individuo e os outros o enxergam. Não se da como uma percepção quantitativa, mas sim qualitativa. O foco da reputação não está em quantas pessoas tem acesso a um conteúdo gerado, mas sim qual a impressão que as mesmas tem e como a mensagem é passada. A autora traz ser indiferente o número de seguidores caso apenas uma pequena parte tenha acesso de fato ao que é publicado. (RECUERO, 2011 apud ROCHA; JOSÉ, 2021) Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 25 O valor da popularidade, por outro lado, pode ser facilmente medida, pois está ligado aos números atingidos pelo influenciador de forma quantitativa, como o número de seguidores ou as curtidas em uma publicação. Este valor dificilmente trata grandes ganhos em relação e parcerias, uma vez que as marcas procuram qualidade, porem gera uma boa primeira impressão ao público geral. (RECUERO, 2011 apud ROCHA; JOSÉ, 2021) O último valor seria a autoridade, em outras palavras, o poder de influência em determinado ramo. Também qualitativo, seria o valor alcançado apos uma boa reputação ser alcançada. (RECUERO, 2011 apud ROCHA; JOSÉ, 2021) Segundo Rocha e José (2021), todos os quatro valores principais demandam tempo e habilidades dos influenciadores, quando conquistados, são grandes alvos a serem atingidos pelo cancelamento e humilhação. Alguns valores terão mais importância do que outros a depender do tipo de ação a ser julgada e possivelmente cancelada. Em uma rede social, as conexões entre seus membros são chamadas de “links sociais”. Geralmente, esse é o motivo da conexão de uma pessoa com outra: um relaciona- mento comercial, um relacionamento emocional, um relacionamento íntimo etc. (MARTINO, 2021) Observamos uma concordância quando Mercklé (2011 apud MARTINO, 2021) faz uma genealogia da noção de rede a procura de estabelecer algumas de suas características. Embora o foco esteja na natureza horizontal da conexão de rede. Um dos pontos fortes das redes sociais está na forma como os relacionamentos são construídos. Embora tendam a ser descentralizadas, os sociólogos veem as redes sociais como um espaço que facilita a construção de relações de poder a partir de sua posição, reputação e quantidade/qualidade das conexões de seus participantes. Longe de ser desinteressada, Mercklé (2011 apud MARTINO, 2021) avalia que a sociabilidade pode ser vista como um recurso pessoal, consequência das estratégias dos atores sociais que geram capital social. O “capital social” é entendido como uma rede de relações sociais de indivíduos, as possibilidades dentro das quais as pessoas podem dispor de recursos: tempo, habilidades e conhecimento. Eles agem sobre ele, aprovam ou dirigem. Primeiro, depende do número de contatos que uma pessoa tem na rede. Quanto mais contato e distância uma pessoa tiver, mais forte ela será. O senso comum de diversidade reflete isso, são eles que “conectam” ou “conhecem as pessoas certas” em determinados lugares, ou seja, as pessoas da rede que criam nós entre pessoas que estão distantes. Para Martino (2021), a qualidade dos relacionamentos nas mídias sociais é vista como uma vantagem. O número de conexões e pontos fortes identificados para determina- das pessoas não parece ser o fator determinante no sucesso de um indivíduo ou grupo. A quantidade de informação que circula em uma rede com grande número de conexões pode ser alta, mas ao mesmo tempo significa que os membros da rede estão constantemente en- volvidos para manter essa atividade no estudo da redes sociais, o termo difusão, velocidade e abrangência da informação dentro da rede. Uma limitação para isso é a complexidade Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 26 da própria informação: quanto mais complexa a informação, menos ela se propaga, o que significa tempos de resposta ainda maiores. Camargo, Estevanim e Silveira (2017) identificam que a incorporação de valor no discurso e na imagem ocorre a partir desse uso intensivo das redes digitais como meio de mediar produtos que surgem do trabalho criativo do sujeito, que usa sua imagem e sua própria subjetividade como matéria-prima. Dessa forma, os influenciadoresdigitais são integrados à lógica da comunicação de diferentes formas, substituindo emissores, intermediários e receptores. 3.3 Violência como entretenimento 3.3.1 Alguns conceitos de violência Segundo a Organização Mundial de Saúde (2002 apud SOUZA; RODRIGUES, 2019), o conceito de violência é dividido em três grandes categorias, que se dividem em conceitos específicos. A automutilação é dividida em comportamento suicida e ataques de automutilação. A violência interpessoal é dividida em duas subcategorias: violência doméstica e conjugal, que é a violência que geralmente ocorre entre membros da família ou entre parceiros íntimos; e a violência comunitária, que é a violência entre pessoas que não têm uma relação pessoal e que podem ou não se conhecer. O primeiro grupo inclui formas de violência como abuso infantil, violência doméstica e violência contra idosos. A segunda categoria pode ser estupro e violência exótica em instituições como escolas, locais de trabalho, prisões e asilos. A violência de grupo, também conhecida como violência estrutural, é dividida em violência social, política e econômica. A subcategoria de violência coletiva refere-se a potenciais impulsionadores de violência por grandes grupos ou nações. A violência em massa comprometida com a implementação de planos de ação social específicos inclui crimes de ódio, atos de terrorismo e violência coletiva perpetrados por grupos organizados. A violência política inclui guerra e conflitos violentos relacionados, violência estatal e atos semelhantes cometidos por grandes grupos. A violência econômica inclui ataques de grandes grupos motivados por ganhos econômicos, como aqueles que visam interromper a atividade econômica, negar o acesso a serviços básicos ou causar divisão e divisão econômica. Na verdade, as ações tomadas por grandes grupos podem ter múltiplos motivos. (KRUG; DAHLBERG, 2007 apud SOUZA; RODRIGUES, 2019) Moderna (2016 apud SOUZA; RODRIGUES, 2019) apresenta a ideia de que a violência pode ser uma coisa natural, que ninguém é livre porque é único de cada pessoa, ou criado pelo homem, a violência é muitas vezes a força excessiva de cada um. A origem da palavra violência vem do latim violentia, seria um verbo ofender os outros ou ofender a si mesmo. No entanto, segundo o mesmo autor, as características gerais do conceito de Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 27 violência variam com o tempo e o lugar, com o padrão cultural ou com a época. O conceito de violência é tão amplo que as classificações dificilmente cobrem todas as formas de violência. Para Bussab (2000), tudo indica que a agressão é selecionada por suas vantagens adaptativas, que só podem ser compreendidas em um contexto específico. Foi selecionado um conjunto de padrões comportamentais, o sistema ativo, que consiste em comporta- mentos agressivos de ameaça e luta e comportamentos defensivos que também incluem ameaças e brigas, rendição ou reconciliação que permanecem evidentes e fuga ativa. Ficou claro desde o início que a agressão era atraída pelo antídoto ou regulador. Isso fornece evidências precoces de que a agressão é eficaz quando está em equilíbrio com outras tendências, portanto, está em equilíbrio. Lopes (2021) reflete que diante da seleção natural, ganha quem deixa mais des- cendentes viáveis no mundo e não importa muito se isso acontece por meio de uma luta literal pela vida, com a ajuda de trapaças, com métodos moralmente louváveis ou por uma combinação de todas essas estratégias e muitas outras. Lopes (2021), que traz a tona uma avaliação quase que inteiramente biológica da violencia, ressalta uma discussão sobre influências hormonais e violência. 1) A testosterona, hormônio produzido principalmente nos testículos e em menor quan- tia, nos ovários. Os efeitos da testosterona se estendem ao sistema nervoso jus- tamente por tais receptores serem encontrados em áreas importantes do cérebro, como a amígdala, sendo a região do órgão associada ao comportamento agressivo. 2) Os glicocorticóides, ou hormônios de resposta ao estresse como o cortisol, são importantes do ponto de vista da agressão. São substâncias que atuam sistematica- mente no corpo e afetam parâmetros tão diferentes como, por um lado, os processos inflamatórios e a ativação do sistema de defesa do organismo e por outro lado, atenção, concentração e memória. 3) A adrenalina (ou epinefrina), associada às situações de estresse e aos comporta- mentos conhecidos como luta ou fuga. 4) A dopamina, crucial para o sistema de recompensa do cérebro, é ela que ajuda animais a identificarem quais situações e comportamentos são recompensadores. 5) E por fim, a serotonina, importante para a regulação de estados de humor e associ- ada a problemas como depressão. Otta e Bussab (1998 apud BUSSAB, 2000) trazem o aspecto volutivo como uma possivel explicação, mesmo quando bem dosada e aplicada num contexto compreensível, a violência pode ser incomoda e perturbadora, tanto o agente quanto o alvo, e até mesmo o próprio observador. No entanto, muitas vezes tentamos nos expor a situações agressivas Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 28 que acabam gerando uma certa tensão em nós mesmos. Uma teoria é que isso se deve à nossa natureza lúdica, no sentido mais amplo, lidar com nossos sentimentos em situações relativamente protegidas. Os jogos são exemplo para isto, um meio muito importante de escolha evolutiva que nos prepara para a vida, tanto como emoções que sentimos como em competências e habilidades específicas. Reita-se a ideia de que a agressão é apenas um problema a ser eliminado, uma vez que tem valor de modificação. Deve ser sempre preciso e compreensível em seu contexto. Embora várias abordagens para o estudo da violência em psicologia tenham chegado a essa observação, as abordagens comportamentais são únicas ao enfatizar o contexto de ambientes adaptativos evolutivos e as características naturais dos sistemas relacionais humanos. A perspectiva comportamental enfatiza aspectos adaptativos, demonstra o valor de estudos comparativos, mostra a presença de padrões rituais e estímulos indicadores, e demonstra a importância da compreensão do ambiente natural. Ao contrário dos ambi- entes estimulantes, ilumina as relações de apego e ajuda a esclarecer algumas questões contemporâneas. (BUSSAB, 2000) Na sociedade atual, onde não somos perseguidos com algemas e açoites, e mais dificilmente com violencia física, tudo é permitido e a informação está cada vez mais disponível. No entanto, as restrições atuais são o contrato social, a mídia poderosa e o consumo excessivo. O que está sendo pregado é uma falsa sensação de liberdade, quando na realidade é apenas uma mercadoria pronta, uma falsa ideologia que existe apenas para nos convencer da ilusão. Enquanto a violência simbólica é sutil e ideológica. Portanto, somos obrigados a comprar um produto não porque precisamos dele, mas porque existe o modelo de perfeição. Somente com este produto ficaremos felizes e satisfeitos. Você não precisa mais pensar critica ou subjetivamente porque “pensar” funciona. Isso cria perguntas e discussões que muitos não querem responder. (MOREIRA; RIOS, 2015) A violência se apresenta de forma mais simbólica, pois segundo Rocha e José (2021), muitos não querem sangue nas mãos, mas diante da agressão ou ameaça, apoiam com entusiasmo ou ficam em completo silêncio. Outros chamaram a violência de um sinal de vitória sobre queixas não resolvidas. Se antes pudéssemos dizer que a maioria da ação acontece nas ruas, o que dizer dos linchamentos virtuais nas principais redes sociais? A verdade é que o ambiente da Internet dificulta a identificação dos envolvidos nas execuções públicas porque está repleto de perfis falsos ou usuários que excluem rapidamente suas contas. Além disso, as redes sociais geram mais influência porque não há limite para a divulgação de notícias. Basta lembrar do caso trazido pelos autores, onde uma página do Facebook noticiou queuma mulher estava fazendo buscas em uma área da cidade de Guarujá, no litoral de São Paulo, com a intenção de sequestrar crianças por meio de magia negra. Na carta havia um suposto diagrama esquemático e ele chamou a atenção para esse fato. Logo depois, uma jovem, de 33 anos, mãe de duas filhas, foi “identificada” como possível sequestradora Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 29 após supostamente servir frutas a uma criança na rua. Por horas, dezenas a espancaram brutalmente e muitos a vigiaram. O trabalho foi filmado em plena luz do dia. A polícia a levou para o hospital e ela morreu dois dias depois de “uma lesão cerebral e uma fratura no crânio”. As mensagens postadas nesta página não eram apenas rumores, mas os próprios desenhos não se assemelham às vítimas de linchamento. No final, apenas cinco pessoas foram condenadas por assassinato em massa porque era o tipo de crime que dificultava a distribuição da participação de todos, dado o número de pessoas envolvidas. O fato se mostra muito similar ao julgamento das bruxas de Salem: não eram julgamentos, eram rituais. Nessa perspectiva, os eventos de trezentos anos atrás parecem muito realistas. Eles usam evidências inventadas e fazem isso da maneira que usamos adivinhação e emoção. Nos dias atuais utilizamos apenas uma maneira mais civilizada de acabar com alguém. (ROCHA; JOSÉ, 2021) Em julho de 2019, depois que seu noivo a abandonou no dia anterior ao casamento, uma blogueira decidiu continuar a festa sozinha. Ela gravou um vídeo, que compartilhou no Instagram, explicando a situação e de alguma forma justificando sua ação para buscar apoio de seus seguidores e inspirar outros a celebrar o amor-próprio. No entanto, como a questão se espalhou online, ela foi muito crítica com aqueles que pensavam que ela “queria atenção”. Um dia depois, suicidou-se. No ano seguinte, ainda em julho, nos Estados Unidos, durante um período de isolamento social, um famoso gamer e influenciador pediu a namorada, jogadora como ele, em casamento pelo Twitter. Eles não se viam há seis meses, por causa da pandemia, mas antes que ela se decidisse, ele acabou sendo julgado e condenado no mesmo dia por internautas, que o acusaram de envergonhar e pressionar a garota a aceitar o casamento. Ele foi encontrado morto horas depois e o suicídio foi posteriormente confirmado. (ROCHA; JOSÉ, 2021) É importante perceber que a violência não é um conceito exato, ou mesmo um conceito com o mesmo significado porque se move no tempo e no espaço, entre culturas ou entre grupos dentro de uma mesma cultura. Há pouco mais de 100 anos, bater em crianças nas escolas era comum. A violência está em toda parte em nosso mundo. Muitas vozes se opõem explicitamente a outras simplesmente porque são diferentes. A consciência do relativismo cultural nos permite apreciar e tentar compreender a diversidade humana, mas não nos exime do dever de decidir por nós mesmos, individual ou coletivamente, quais formas de violência consideramos aceitáveis, dais quais devem ser suprimidas ou abolidas em nossas vidas. (GUARINELLO, 2007) Ideia pontuada por Barros (2004 apud FERREIRA, 2019), do qual o autor informa que não é problema fazer uma análise da história em termos contemporâneos, mas é importante salientar que deve-se ter cautela para não levar a um anacronismo, pois é necessário avaliar circunstâncias específicas de cada período histórico. Há uma tensão muito sutil sobre esse traço inescapável do trabalho historiográfico: por um lado, o historiador deve estar ciente que estará trabalhando com a categoria de seu tempo, mas, por outro, deve evitar que Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 30 essas categorias distorçam a possibilidade de sua compreensão das pessoas do passado, que tinham suas próprias categorias de pensamentos e sentimentos. 3.3.2 Entretenimento e espetáculo Debord (2003) define o espetáculo como uma forma de estabelecer relações sociais entre as pessoas por imagens. Na era digital, o espetáculo é a transformação das relações sociais intersubjetivas do real para o virtual. O ciberespaço facilita e reforça a comercializa- ção de corpos humanos, imagens e muitos aspectos subjetivos, como criatividade e amor. O autor expressa essa perspectiva por certas formas de informação e propaganda ao vê-la como o modelo atual de vida dominado pela sociedade. O espetáculo produz uma versão hipersubjetiva da vida social, onde as relações de poder e dominação são entrecortadas por amor, identificação, preferências pessoais e simpatias. E quanto mais o indivíduo, chamado a responder como consumidor e espectador, perde a direção de suas produções subjetivas individuais, mais a indústria lhe devolve uma subjetividade materializada produzida serialmente, em grande escala. (KEHL, 2004 apud MOREIRA; RIOS, 2015) Borges (2022) completa que, neste ponto, é importante notar que os influenciadores digitais são implantados justamente no mercado publicitário, executando campanhas de marketing e publicidade para empresas que extraem valor de sua imagem e capacidade de criar conteúdo original. “Se a cultura, do alemão kultur, era a manifestação da liberdade, a cultura de massa é o conhecimento transformado em instrumento de controle, a parte tecnocrática e autoritária da Modernidade, invadindo e burocratizando até a cultura.“ (MARTINO, 2013, p. 55) O autor ainda completa que o público tem o direito de conhecer apenas as criações da cultura de massa em sua eterna repetição em padrões e fórmulas exaustivamente repetidos. A diversidade de alternativas e a diversidade artístico-cultural cria uma falsa imagem, uma ilusão de diferença cultural onde só há repetição. Diferentes estilos musicais, gêneros cinematográficos, diferentes programas de TV e linhas editoriais na imprensa são apenas rótulos que facilitam o consumo. O espetáculo, compreendido na sua totalidade, é simultaneamente o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um complemento ao mundo real, um adereço decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e no seu corolário — o consumo. A forma e o conteúdo do espetáculo são a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação principal do tempo vivido fora da produção moderna (DEBORD, 2003. p. 09) Para os autores Souza e Rodrigues (2019), quando se trata de veículos de comu- Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 31 nicação e entretenimento, o que está em pauta é a atenção do público. Sabendo disso, o carro espera atrair o maior público a cada dia. Na verdade, o que a mídia quer é ganhar os ouvidos das pessoas e depois vendê-los aos anunciantes. O comércio é o cerne do problema, porque a morte e a violência são mercadorias até certo ponto, mesmo as muito populares. Notou-se que cada vez mais cenas de sofrimento alheio são abertamente vistas na televisão ou em outros meios de comunicação. Mas esse tipo de violência gratuita às vezes é tão normal que as pessoas não percebem que, pelo menos não completamente, o conceito e a forma de violência são tão difundidos e expostos pelos meios de comunicação. Como uma reflexão a cerca deste consumo, Künsch (2015) traz que, ou estamos perseguindo o que Freud chama de “afasta-tristeza” em seu ensaio O mal-estar na civilização (2011 apud KÜNSCH, 2015). Muito semelhante ao que Aldous Huxley chama de “soma” em seu Admirável Mundo Novo (2001 apud KÜNSCH, 2015), em uma sociedade de alta- tecnologia, fria e descorada. Mesmo em sua forma mais icônica, o consumismo em sua interface mais fundamentalmente subversiva, fanatismo de todos os tipos e cores, uma cesta cheia de impulsos de vitrine que vários autores apelidaram de pós-modernismo.A cena do cotidiano e da própria sociedade aparece na televisão em forma de reality show. Em uma variedade de gêneros, incluindo ficção de TV, talk shows, quizzes, documentários, programas religiosos e as próprias notícias. A realidade cativou as massas com sua maneira simples e “divertida” de fazer televisão. No entanto, enquanto os “reality shows” são todos divertidos, o que se vê é uma forma implícita de violência, tanto para os participantes quanto para o espectador. (MOREIRA; RIOS, 2015) Os moldes de reality shows, como o ja citado Big Brother Brasil, se assemelhem muito ao livro “1984” de Orwell (1949), que apresenta a história do personagem fictício “Grande Irmão”, que originou o programa citado e seu conceito, pois ele sempre estaria de olho em tudo oque ocorria. Nesta distopia fictícia, Orwell (1949) criou um mundo de total vigilância, opressão e manipulação. Ele descreve o “Ministério da Verdade”, criado para cuidar das notícias, entretenimento, artes e educação. A população totalmente oprimida era alimentada com métodos que criavam a falsa impressão de liberdade, como os “Dois Minutos de Ódio”, onde todos podiam, e deveriam, humilhar e denegrir aqueles que eram pintados como inimigos do sistema diante da exposição do suposto inimigo em grandes telas. “O mais horrível dos Dois Minutos de Ódio não era o fato de a pessoa ser obrigada a desempenhar um papel, mas de ser impossível manter-se à margem. Depois de trinta segundos, já não era preciso fingir. Um êxtase horrendo de medo e sentimento de vingança, um desejo de matar, de torturar, de afundar rostos com uma marreta, parecia circular pela plateia inteira como uma corrente elétrica, transformando as pessoas, mesmo contra sua vontade, em malucos a berrar, rostos reformados pela fúria. Mesmo assim, a raiva que as pessoas sentiam era uma emoção abstrata, sem direção, que podia ser transferida de um objeto para outro como a chama de um maçarico.” (ORWELL, 1949, p. 36-37) Para Helal e Gonçalves (2002), o livro ocupa tanto espaço prático quanto subjetivo, pois a ideologia do Grande Irmão também aparece no reality show. Sabendo que a obra tinha Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 32 um fundo bélico e valores extremistas na época, muitos desses traços foram romantizados, e hoje, o medo do totalitarismo deu lugar à sedução pela invasão da privacidade em programas televisivos. Borges (2022) complementa que, com o mundo cercado de perspectivas apoca- lípticas devido à luta interminável entre socialismo e capitalismo, o romance reinterpreta a sociedade, dando-lhe valores próprios e até uma certa linguagem: a Novilíngua. A sua relação particular com a midia e a comunicação deu origem a inúmeros estudos em que a teletela, a tela de televisão que comunica com os indivíduos e permite que estes comuni- quem com os outros, tem sido apresentada à imaginação como uma forma de controlo e está largamente associada a smartphones de hoje de forma consistente. “A tela como instrumento de controle, tal como aparece em 1984, aponta para a comunicação de massa e sua maior figura, a televisão. Aliás, a tão decantada interatividade, característica das novas tecnologias de comunicação como a Inter- net, é antecipada por Orwell em quase meio século, pois as telas lá apresentadas tanto servem para serem vistas quanto para ver, para receber quanto para enviar mensagens - ainda que esta regalia fosse concedida somente aos membros do partido interno, que podiam inclusive desligá-las quando assim o desejassem.” (HELAL; GONÇALVES, 2002, p. 154) Debord (2003) traz o conceito de visibilidade midiática da violência como espetáculo. Eles enfocam que a visibilidade mediada pelos meios de comunicação de massa consagra um fetiche em poder, visualizar tudo em todos, ou seja, um voyeurismo pelo outro. Esta lógica deflagra, sobretudo, na espetacularização da violência. Souza e Rodrigues (2019) buscam entender o caráter social insensível a respeito da dor do outro, uma vez que segundo os autores, ver alguém morrer atrai uma audiência tão grande que a mídia usa o sofrimento alheio como palco para aumentar a audiência. Pode-se pensar que a mídia é a maior culpada, mas a audiência que esses programas ganham, apesar de outras formas de entretenimento, captura a mente de espectadores inocentes. Assim como as pessoas que transmitem acidentes ou mortes ao vivo pela Internet, essas pessoas não oferecem ajuda útil e preferem gravar transmissões ao vivo nas redes sociais. Os autores ainda citam que a insensibilidade social é um fenômeno intimamente relacionado à cobertura midiática do sofrimento humano. As taxas mais altas de violência e morte na televisão sugerem que assistir uma pessoa machucar outra pode ser considerado um programa de televisão, como uma comédia de domingo à tarde. 3.3.3 O pão e circo Como explica Faversani (2000 apud GRANETTO; FEITOSA, 2022) a política do pão e circo, ou panem et circenses, é composto por estruturas históricas renascentistas que retratam os romanos comuns como passivos, apolíticos, imersos na ociosidade, com tendências agressivas e violentas. Enquanto Garraffoni (2005) complementa que este Capítulo 3. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 33 mesmo público deve ser entretido com apresentações e alimentado com suprimentos do Estado e da elite, e uma possível rebelião pela domesticação das massas deve ser evitada. Para Soares Filho (2010), neste “golpe de gestão publica”, a distribuição mensal de pão e trigo nas no Pórtico de Minucius, o abastecimento diário de alimentos e as apresentações quase diárias para entreter a multidão ociosa de 150.000. O objetivo do imperador era induzir o povo a não se rebelar contra a má gestão dos negócios públicos, e chegar a um verdadeiro acordo latente em troca de migalhas e entretenimento e continuar sua liderança egoísta. E são mais úteis do que a própria invocação pública de interesses privados. Tácito (1937 apud GRANETTO; FEITOSA, 2022) tendia a associar escravos a plebeus, pois acreditava que sua falta de subordinação os colocaria sob o controle da nobre família romana. Esta posição é refletida na introdução de sua História, onde ele descreve o ambiente social em Roma após a morte de Nero em 68 d.C.. Os plebeus “vulgares” que frequentavam os circos e os teatros, e os escravos mais famosos, que devoravam suas mercadorias e viviam na desgraça de Nero, ficaram tristes ao ouvir todos os rumores. Nesta passagem, a palavra latina plebs sordida é usada, uma maneira pejorativa de se referir aos pobres romanos que se diziam confiar vergonhosamente em Nero. Nota-se que esta fórmula inspirou a historiografia do “pão e circo” no século XIX. As classes mais baixas da sociedade romana dependiam de indivíduos que ocupavam altos cargos nas classes abastadas, como políticos e nobres. Gonçalves (2007) traz referência ao poeta Décimo Júnio Juvenal, um retórico romano e autor das Sátiras. Explicando que os versos de Juvenal ficaram famosos por dois motivos. Primeiro, a prática do “pão e circo” surge das interações entre o povo e a classe dominante. Ela oferece um banquete e comida e as pessoas concordam. Em segundo lugar, essa troca privilegiará a classe dominante e revelará a ideia de despolitização. Quando Juvenal reclamou que os romanos que viviam no império se queixavam de comida e entretenimento, argumentou que a política do pão e do circo não era fruto do maquiavelismo por parte dos governantes, mas sim do ponto de vista dos governantes. Juvenal apresenta uma visão mais realista da prática imperial, defendendo a ação política como uma ação de natureza aristocrática, ou seja, aquela realizada por grupos de famílias tradicionalmente associadas à gestão das cidades. Assim, os governos atuam apenas para realizar atos políticos, desobrigando voluntariamente as pessoas da responsabilidade de atuar na cidade para desfrutar do espetáculo. A afirmação também mostra corretamente que essa visão excludente da ação política imperial despolitiza a cidade, a partir de ações que
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