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Crim inologia e Abordagem Sociopsicológica da Violência e do Crim e Tatiane Honório Lima Maria Eliza Leal Cabral Tatiane Honório Lima Maria Eliza Leal Cabral GRUPO SER EDUCACIONAL gente criando o futuro Iniciaremos nossos estudos sobre a criminologia sob um enfoque transdisciplinar (so- ciológico, jurídico, antropológico e psicológico), de modo crítico e propedêutico, com ênfase no debate criminológico contemporâneo. Trataremos da in� uência das teorias criminológicas nos movimentos de política criminal e nas modernas teorias penais, a � m de discutir mais detidamente aspectos como a produção social da delinquência e os modos de administração da justiça penal. Além disso, analisaremos a situação da segurança pública, do sistema judicial e da criminalidade urbana na sociedade brasi- leira à luz das teorias criminológicas. Para tanto, nossa abordagem tem início em uma sistematização da trajetória histó- rica do pensamento criminológico (conceitos envolvidos, surgimento e desenvolvi- mento, objeto, métodos e escolas teóricas), além de incursões em relação ao desen- volvimento tanto da psicologia quanto da psiquiatria criminal. Abordaremos, ainda, um panorama de políticas criminais diversas, como o abolicionismo, o garantismo, o feminismo, o populismo punitivo, o direito penal do inimigo, entre outras. Exemplos retirados do nosso dia a dia serão utilizados para melhor elucidar e con- textualizar as teorias abordadas. Por � m, veremos os comentários sobre o posicio- namento da jurisprudência recente e do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre os principais pontos, bem como críticas feitas por doutrinadores de renome, quando for o caso. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME SER_SP_CASOVC_CAPA.indd 1,3 29/06/2021 11:01:20 © Ser Educacional 2021 Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro Recife-PE – CEP 50100-160 *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Imagens de ícones/capa: © Shutterstock Presidente do Conselho de Administração Diretor-presidente Diretoria Executiva de Ensino Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Diretoria de Ensino a Distância Autoria Projeto Gráfico e Capa Janguiê Diniz Jânyo Diniz Adriano Azevedo Joaldo Diniz Enzo Moreira Tatiane Honório Lima Maria Eliza Leal Cabral DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 2 23/06/2021 11:19:13 Boxes ASSISTA Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple- mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstra-se a situação histórica do assunto. CURIOSIDADE Informação que revela algo desconhecido e interessante sobre o assunto tratado. DICA Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto. EXPLICANDO Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada. SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 3 23/06/2021 11:19:13 Unidade 1 - Criminologia e psicologia criminal: estudos e abordagens teóricas do crime e do criminoso Objetivos da unidade 13 Criminologia: conceitos, objetos e métodos ................................................................... 14 O que é criminologia? Qual é sua função? .................................................................. 15 Objetos e métodos da criminologia .............................................................................. 17 O surgimento do saber do crime ....................................................................................... 21 Período pré-científico ..................................................................................................... 22 Período científico ............................................................................................................ 26 Escola Clássica e Escola Positiva .................................................................................... 31 Escola Clássica ou Retribucionista .............................................................................. 32 Escola Positiva ................................................................................................................. 34 O desenvolvimento da sociologia criminal: Escola de Chicago e teoria da anomia ..... 37 Escola de Chicago ........................................................................................................... 38 Teoria da anomia ............................................................................................................. 42 Teorias da associação diferencial (white collar crime) e subculturas delinquentes ... 44 Teoria da associação diferencial (white collar crime) ............................................. 44 Teoria das subculturas delinquentes ........................................................................... 46 O desenvolvimento da psicologia criminal e as influências da psicanálise ........... 48 Psicologia criminal .......................................................................................................... 49 Psicanálise e suas influências na criminologia ......................................................... 50 Sintetizando ........................................................................................................................... 52 Referências bibliográficas ................................................................................................. 53 Sumário SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 4 23/06/2021 11:19:13 Sumário Unidade 2 - Aspectos da criminologia crítica Objetivos da unidade ........................................................................................................... 57 A virada criminológica ........................................................................................................ 58 Teoria do etiquetamento ..................................................................................................... 61 O desenvolvimento da criminologia crítica .................................................................... 65 Psiquiatria criminal ............................................................................................................. 68 Antipsiquiatria e movimento antimanicomial ................................................................ 74 Sintetizando ........................................................................................................................... 79 Referências bibliográficas ................................................................................................. 81 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 5 23/06/2021 11:19:13 Sumário Unidade 3 - Tópicos sobre a herança da criminologia crítica, pós-crítica e o defensivismo Objetivos da unidade ........................................................................................................... 83 A herança da criminologia crítica e as políticas penais alternativas ...................... 84 Minimalismo ..................................................................................................................... 85 Abolicionismo ...................................................................................................................86 Garantismo ....................................................................................................................... 88 Feminismo ......................................................................................................................... 89 Realismo de esquerda .................................................................................................... 91 Realismo marginal ........................................................................................................... 92 Criminologia pós-crítica ..................................................................................................... 93 Culturalismo ...................................................................................................................... 94 Pós-modernismo .............................................................................................................. 95 Criminologia do reconhecimento e demais renovações da crítica ........................ 96 A herança do defensivismo e as políticas criminais punitivistas .............................. 97 Lei e Ordem ...................................................................................................................... 97 Tolerância zero ................................................................................................................ 98 Populismo punitivo .......................................................................................................... 99 Esquerda punitiva .......................................................................................................... 100 Direito Penal do Inimigo ............................................................................................... 101 Sintetizando ......................................................................................................................... 103 Referências bibliográficas ............................................................................................... 105 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 6 23/06/2021 11:19:13 Sumário Unidade 4 - As múltiplas faces da violência no cenário brasileiro contemporâneo Objetivos da unidade ......................................................................................................... 107 Violência e segurança pública no Brasil contemporâneo ......................................... 108 Estratégias de policiamento ............................................................................................ 112 Violência contra a mulher ................................................................................................ 114 Violência na infância e na adolescência, e a política criminal de drogas ............ 118 Justiça restaurativa e políticas públicas de prevenção ao delito ........................... 123 Sintetizando ......................................................................................................................... 128 Referências bibliográficas ............................................................................................... 130 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 7 23/06/2021 11:19:13 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 8 23/06/2021 11:19:13 Caro(a) aluno(a), Iniciaremos nossos estudos sobre a criminologia sob um enfoque transdis- ciplinar (sociológico, jurídico, antropológico e psicológico), de modo crítico e propedêutico, com ênfase no debate criminológico contemporâneo. Tratare- mos da influência das teorias criminológicas nos movimentos de política cri- minal e nas modernas teorias penais, a fim de discutir mais detidamente as- pectos como a produção social da delinquência e os modos de administração da justiça penal. Além disso, analisaremos a situação da segurança pública, do sistema judicial e da criminalidade urbana na sociedade brasileira à luz das teorias criminológicas. Para tanto, nossa abordagem tem início em uma sistematização da trajetó- ria histórica do pensamento criminológico (conceitos envolvidos, surgimento e desenvolvimento, objeto, métodos e escolas teóricas), além de incursões em relação ao desenvolvimento tanto da psicologia quanto da psiquiatria crimi- nal. Abordaremos, ainda, um panorama de políticas criminais diversas, como o abolicionismo, o garantismo, o feminismo, o populismo punitivo, o direito penal do inimigo, entre outras. Exemplos retirados do nosso dia a dia serão utilizados para melhor elucidar e contextualizar as teorias abordadas. Por fim, veremos os comentários sobre o posicionamento da jurisprudência recente e do entendimento do Supremo Tri- bunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre os principais pontos, bem como críticas feitas por doutrinadores de renome, quando for o caso. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 9 Apresentação SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 9 23/06/2021 11:19:13 Dedico a presente obra aos mestres do Direito que acompanharam e acompanham minha trajetória acadêmico-jurídica, em especial, aos docentes da cadeira de Direito Penal e Medicina Forense das saudosas arcadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. A Professora Tatiane Honório Lima é especialista em planejamento, imple- mentação e gestão de educação a dis- tância pela Universidade Federal Flu- minense – UFF (2015). É graduada em direito pela Universidade de São Paulo – USP (2019) e em Letras pela mesma universidade (2019). Participou do Labo- ratório de Ciências Criminais do Institu- to Brasileiro de Ciências Criminais (IBC- Crim) e realizou diversas traduções de textos acadêmicos da área jurídica para revistas acadêmicas relevantes nesse campo. Atuou em câmara criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Atual- mente, é advogada autônoma nas áreas de direito penal, empresarial e conten- cioso civil e advogada colaboradora da Defensoria Pública da União (DPU). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9716208483948513 CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 10 A autora SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 10 23/06/2021 11:19:14 Dedico este trabalho à espiritualidade; à minha mãe, por sua coragem, compreensão e amor; e a meu orientador de mestrado, o professor André Viana Custódio, pelos ensinamentos e apoio contínuo durante essa trajetória. A professora Maria Eliza Leal Cabral é mestra em Direito pelo programa de pós-graduação em direito da Universi- dade de Santa Cruz do Sul – Unisc (2020) e realizou um curso preparatório para o ingresso na carreira no Ministério Pú- blico (2015). É graduada em Direito pela Unisc (2013). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1649111175343288 A autora CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 11 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 11 23/06/2021 11:19:14 CRIMINOLOGIA E PSICOLOGIA CRIMINAL: ESTUDOS E ABORDAGENS TEÓRICAS DO CRIME E DO CRIMINOSO 1 UNIDADE SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 12 23/06/2021 11:19:27 Objetivos da unidade Tópicos de estudo Apresentar e analisar a criminologia enquanto ciência (conceito, objeto e métodos envolvidos); Identificar a trajetória histórica do pensamento criminológico, conhecendo as diferentes escolas de pensamento e teorias desenvolvidas (Escola Clássica, Escola Positiva, Escola de Chicago, teoria da anomia e teorias da associação diferencial e subculturas delinquentes); Conhecer e compreender criticamente o desenvolvimento da psicologia criminal e as influências da psicanálise na criminologia. Criminologia: conceitos, obje- tos e métodos O que é criminologia? Qual é sua função? Objetos e métodos da crimino- logia Escola Clássica e Escola Positiva Escola Clássica ou Retribucionista Escola Positiva O surgimento do saber do crime Períod O desenvolvimento da sociolo- gia criminal: Escola de Chicago e teoria da anomia Escola de Chicago Teoria da anomia Teorias da associação diferen- cial (white collar crime) e subcultu- ras delinquentes Teoria da associação diferen-cial (white collar crime) Teoria das subculturas delin- quentes O desenvolvimento da psico- logia criminal e as influências da psicanálise Psicologia criminal Psicanálise e suas influências na criminologia CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 13 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 13 23/06/2021 11:19:28 Criminologia: conceitos, objetos e métodos As ciências criminais abrangem um rol de disciplinas autônomas que, uma vez integradas ao contexto penal, contribuem para o funcionamento do sistema penal e tratamento adequado da criminalidade. Logo, a análise de tal contexto começa pela abordagem da criminologia para, em seguida, ser objeto da política criminal que, só então, passará pelo escrutínio do direito, processo e execução penais. Nesse processo de tratamento do contexto penal, cabe à criminologia estudar, a partir de dados empíricos da realidade, a criminalidade em sua origem, causas e consequências, com especial foco em seus elementos constituintes (crime, cri- minoso, vítima e controle social da conduta), ao passo que a política criminal, de posse dos dados tratados pela criminologia, avalia os modos de combate e contro- le da criminalidade, dando especial atenção à ressocialização do criminoso, à ado- ção de medidas de prevenção e à intervenção no delito e em seus efeitos graves. EXPLICANDO Segundo Shecaira (2014, p. 325), a política criminal “estuda as estratégias estatais para a atuação preventiva da criminalidade, e tem por fi nalidade estabelecer a ponte efi caz entre a criminologia, enquanto ciência empíri- ca, e o direito penal, enquanto ciência axiológica”. São exemplos de políti- ca criminal as operações de combate ao tráfi co de drogas, à corrupção e aos desvios de dinheiro em procedimentos licitatórios do Governo. A partir da apresentação de estratégias estatais traçadas pela política crimi- nal para prevenção da criminalidade, eventuais propostas concretas de altera- ção do Direito Penal são feitas (afi nal, este é voltado à decidibilidade dos con- fl itos a partir da tipifi cação das condutas humanas indesejadas, com a criação de proposições jurídicas gerais e obrigatórias), para torná-lo mais adequado à realidade mutável que pretende regular. Pelo exposto, é possível concluir que não há subordinação entre a crimino- logia, a política criminal e o Direito Penal. Por essa razão, o Direito Penal, por exemplo, não condiciona ou emoldura a criminologia. Na verdade, o Direito Penal converte a experiência criminológica, transmutada em estratégias de po- lítica criminal, em norma válida pelo princípio da legalidade, considerando a avaliação dos possíveis meios de controle e combate à criminalidade fornecida pela política criminal. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 14 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 14 23/06/2021 11:19:28 O que é criminologia? Qual é sua função? Situado seu posicionamento entre as ciências criminais, é importante compreender o conceito de criminologia. Segundo Oliveira (2021, p. 17), “a origem etimológica da palavra criminologia deriva do latim crimino (crime) e do grego logos (estudo), signifi cando o estudo do cri- me” como fenômeno social. Sendo, portanto, o estudo do crime, a criminologia pode ser entendida como uma ciência autônoma, pois apresenta função, método e objeto próprios. Por ter seu objeto de estudo baseado na experiência e observação da realidade dos fatos, é considerada uma ciência predominantemente empírica (uma ciên- cia do ser, em oposição à abstração normativa do dever-ser). Ademais, possui natureza interdisciplinar, pois se vale do conhecimento oriundo de diversos ramos do saber (sociologia, psicologia, direito, biologia, medicina legal, psiquia- tria, antropologia etc.) para superar eventuais contradições e suprimir possí- veis lacunas. Assim, a criminologia vai muito além de ser uma mera fonte de dados estatísticos: ela os coleta e os interpreta a partir de uma metodologia específi ca, oriunda da soma dos ensinamentos de várias áreas, analisando a questão criminal de uma perspectiva científi ca, prática e voltada a confl itos concretos e historicamente situados. Conclui-se, portanto, que a função da criminologia é tentar explicar cienti- fi camente os fatores determinantes de ocorrência do delito, a partir da indica- ção de um diagnóstico qualifi cado e conjuntural sobre a criminalidade, contri- buindo para informar a sociedade e orientar o poder público acerca do crime de modo válido e confi ável para que se tome decisões e encontre soluções para a prevenção e o controle da criminalidade. A criminologia, ao dar amparo à formulação de programas de políticas cri- minais (prevenção específi ca e direta dos crimes socialmente relevantes) e so- ciais (prevenção de ordem geral e indireta dos delitos) como modos de controle das quais o Estado dispõe para lidar com a infração, criminoso e vítima (função linear), não se restringe à análise da norma penal e seus efeitos, já que obser- va, principalmente, as causas que levam à delinquência, com o fi m de possibili- tar o aperfeiçoamento dogmático do sistema penal. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 15 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 15 23/06/2021 11:19:28 São etapas da criminologia: • Explicação científica da criminalidade; • Prevenção do delito: • Primária: enfrenta a origem da criminalidade pelo controle social for- mal, com medidas de médio e longo prazo; • Secundária: atua quando o crime se exterioriza (foco nos potenciais criminosos e zonas de criminalidade), com realização de curto e médio prazo e operacionalizada pela política criminal e pelo controle social ju- rídico-penal; • Terciária: feita após a prática do delito, sendo destinada ao preso, com caráter punitivo e ressocializador, e operacionalizada pela política crimi- nal e pelo direito penal, objetivando evitar a reincidência; • Intervenção no homem delinquente para evitar a reincidência. DIAGRAMA 1. A CRIMINOLOGIA E SEUS NÍVEIS DE ANÁLISE, SEGUNDO A DOUTRINA MAJORITÁRIA Etapas dos estudos criminológicos 1. Explicação científica do fenômeno criminal 3. Intervenção no homem delinquente 2. Prevenção do delito Primária Secundária Terciária Importante salientar que a prevenção do crime para a criminologia se assenta em três premissas básicas: • Ineficácia da prevenção penal (a aplicação de pena privativa de liberdade apenas estigmatiza o criminoso, acelerando e consolidando sua carreira crimi- nal, em nada contribuindo para resolver o problema da criminalidade); • Maior complexidade dos mecanismos dissuasórios (a certeza e a rapidez de aplicação da pena se afiguram mais importantes do que sua gravidade); • Necessidade de uma intervenção de maior alcance, abrangendo políticas sociais como intervenções ambientais, melhoria das condições de vida do in- frator e reinserção social dos ex-reclusos. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 16 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 16 23/06/2021 11:19:28 Objetos e métodos da criminologia A criminologia tem por objeto de estudo elementos concretos do mundo real, razão pela qual é considerada uma ciência empírica, como já dito. Ressal- ta-se ainda que seu objeto de estudo varia conforme sua concepção ao longo do tempo, sendo que, atualmente, se considera a confi guração quadripartida da década de 1950, compreendendo: • O crime (fenômeno social que causa problema social); • O criminoso (agente do ato ilícito); • A vítima; • Controle social da conduta criminosa. O crime, fenômeno multifacetado e eminentemente humano, abrange con- dutas convencionalmente defi nidas como infrações por determinada socieda- de, o que não necessariamente vale para outro grupo social. Exemplo disso é “o aborto, tipifi cado como crime no Brasil, é tolerado na maior parte da Europa” (OLIVEIRA, 2021, p. 42). É possível entender o conceito de crime, principal objeto de análiseda Es- cola Clássica, a partir de diferentes perspectivas teóricas, como as fornecidas pelo Direito Penal (lesão ou ameaça de lesão a bem jurídico; conduta assim de- fi nida em lei; ou toda conduta típica, ilícita e culpável), pela sociologia criminal (desvio/violação de padrão de comportamento social) e pela fi losofi a (ideias de razão e moral). A criminologia optou por entender o crime como problema social reiterado e de relevância social que requer uma maior aproximação à realidade do fenômeno criminal ao ser abordado, considerando não só o início dos atos executórios (como estabelecido pelo Direito Penal), mas, mesmo an- tes disso, também a dinâmica do delito e eventuais alternativas de intervenção no processo para se alcançar a dissuasão (OLIVEIRA, 2021, p. 42). Assim, o cri- me, para a criminologia moderna, refere-se a fato afl itivo (causa dor à vítima e à sociedade) e de incidência massiva na população (é algo reiterado), que apre- senta, além de uma persistência espaço-temporal (por se distribuir por todo o território e ao longo de um tempo juridicamente relevante), um inequívoco consenso a respeito de suas causas e das técnicas de intervenção mais efi cazes para seu enfrentamento, bem como uma consciência generalizada sobre sua negatividade (VIANA, 2018, p. 154). CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 17 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 17 23/06/2021 11:19:28 O criminoso passou a ganhar ênfase como objeto de estudo da criminologia com a Escola Positivista, ante o argumento de que a sociedade precisava ser defendi- da de sua ação e, para tanto, a compreensão dos moti- vos que levam determinado indivíduo a se comportar de modo a violar a lei se fazia necessária. Obviamente houve variação de tal entendimento nas diferentes escolas criminológicas: para a Escola Clássica, o criminoso chegou a ser visto como um pecador que escolheu um comportamento voltado ao mal em vez do contrário, ao pas- so que na Escola Positiva Italiana (positivismo antropológico) o delinquente era visto como um doente nato, nascendo, por vezes, criminoso (atavismo). Já na Escola Correcionalista, o criminoso era considerado uma pessoa inferior inca- paz de governar a si próprio, que precisava de ajuda e que, por isso, deveria ter uma pena com função terapêutica e pedagógica por parte do Estado. A teoria, ou Escola Marxista, por sua vez, entendia o criminoso como uma vítima das estruturas econômicas, defendendo, por isso, uma mudança de sociedade. Atualmente, a criminologia moderna tende a examinar o delinquente como uma unidade biopsicossocial (deve ser analisado em suas interdependências sociais), e não mais como uma unidade biopsicopatológica, de modo que nessa perspectiva ele passa a ser uma pessoa normal que pode, por algum motivo, resolver descumprir as regras do jogo. A vítima, elemento bastante complexo e antigo, passou por estágios de valorização, neutralização e revalorização ao longo da história. Houve a auto- tutela vista nos primórdios da civilização até o fim da Alta Idade Média, com a Lei de Talião, consistente na reciprocidade entre crime e retaliação (direito de ação na devida proporção da agressão, podendo a vítima resolver seu pro- blema com o agressor infligindo a esse um castigo na mesma medida do mal sofrido). Porém, com o surgimento do Estado e do processo inquisitivo, este assumiu o monopólio da jurisdição e a responsabilidade por decidir conflitos entre vítima e agressor, não cabendo mais a vítima tal papel (neutralização). Os estudos criminológicos da vítima surgem logo após a Segunda Guerra Mundial, resultado da necessidade de proteger os vulneráveis ante a percep- ção do sofrimento e das atrocidades impostos pelos nazistas. Com o avanço da psicologia social, advém, no século XX, a vitimologia, “com o propósito de CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 18 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 18 23/06/2021 11:19:28 estudar o seu papel no episódio danoso, bem como seu modo de participa- ção e contribuição na ocorrência do delito” (OLIVEIRA, 2021, p. 45). Atualmente, ante a maior preocupação com a vítima, foram criados alguns institutos, como o arrependimento posterior, a composição civil de danos – Lei nº 9.099/95 – e a injusta provocação da vítima, bem como a legislação de proteção à vítima, como a Lei nº 13.431/2017 (garantias de direito à criança e adolescente vítima ou testemunha de inquérito policial e processo criminal), a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e a Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), com consequente revalorização da vítima no direito e processo penal. Diante do destaque atual dada ao papel da vítima na estrutura do delito, ressalta-se a ideia de estágios de vitimização em questões criminológicas da vitimologia, a saber: • Vitimização primária: relacionada ao indivíduo atingido diretamente pelo crime; • Vitimização secundária: consequência das relações entre vítimas primá- rias e Estado, em face da burocratização de seu aparelho repressivo; • Vitimização terciária: situação em que a vítima acaba abandonada pelo Estado e estigmatizada pela comunidade (a vítima do delito arca, ao mesmo tempo, com o desamparo e o julgamento estatal e social). O último elemento objeto da criminologia é o controle social, que se refere “aos meios adotados pela sociedade para fazer com que o indivíduo observe os padrões de comportamentos referentes aos valores predominantes, garantin- do uma convivência harmoniosa e pacífica” (OLIVEIRA, 2021, p. 46). Trata-se de um conjunto de mecanismos, instituições, estratégias e sanções impostos pela sociedade via Estado, que visam submeter o indivíduo com comportamento desviante às normas de convivência social como modo de controle da crimina- lidade, ora pela prevenção, ora pela punição. Doutrinariamente, o controle social pode ser classificado com base em seu modo de manifestação: • Controle social informal: mecanismos exercidos pela família, escola, reli- gião, mídia, opinião pública etc., via regras sociais difundidas por tais instâncias e internalizadas pelo indivíduo ao longo de seu processo de socialização, o qual re- cebe sanções caso não as cumpra, como estigma negativo, castigo em filhos etc.; CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 19 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 19 23/06/2021 11:19:28 • Controle social formal: mecanismos oficiais exercidos pelo Estado pela atuação subsidiária do sistema de justiça criminal (é a ultima ratio quando fa- lhar o controle informal). A dogmática penal, ao trabalhar o controle social, o faz a partir do preceito secundário da norma penal, não se preocupando como podem ser os anos de pena do condenado (ou seja, os tipos de atividade que podem ser desenvolvidas, o modo como o preso pode ser tratado ou mesmo como deve ocupar seu tempo). Por outro lado, a criminologia investiga o controle social de um modo mais profun- do, analisando como o aparelho estatal deve atuar para fins de controle e combate da criminalidade, inclusive na aplicação efetiva das consequências jurídicas para aquele que praticar um comportamento transgressor. Nesse sentido, essa função de intervir na pessoa do infrator visa analisar o impacto real da pena em quem a cumpre, como também desenhar e avaliar diferentes modos de resposta ao crime; e conscientizar a sociedade que o crime é um problema de todos. Aliás, a avaliação dos meios de enfrentamento do crime se baseia em mo- delos de reação ao delito que podem ser conciliáveis, a saber: • Modelo clássico/dissuasório/retributivo: pena de caráter retributivo, com rápida aplicação do castigo pelo Estado para reduzir a criminalidade, de- vendo, por isso, ser intimidatória e proporcional ao dano causado, sem que necessariamente haja preocupação com a ressocialização do condenado ou com a reparação dos danos; •Modelo ressocializador: pena de caráter utilitário e fim de prevenção es- pecial positiva (evitar a reincidência), destinando-se à reeducação do conde- nado para sua reintegração social, não se restringindo à retribuição pelo mal causado; • Modelo restaurador/integrador/consensual/de justiça restaurativa: visa a reparação do dano à vítima ou a restauração do status quo antes da prática do delito, com possibilidade de resolução pacífica de conflitos mediante a com- posição de interesses entre as partes envolvidas por acordo, transação, concilia- ção e mediação (flexibilização da atuação estatal), propiciando, segundo Oliveira (2021, p. 176), a restauração do controle social abalado, a assistência ao ofendido e a recuperação do delinquente (a aplicação desse modelo não é admitida em to- dos os crimes indistintamente, como naqueles previstos na Lei Maria da Penha, que são mais graves e, por isso, exigem rigor na aplicação de penas). CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 20 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 20 23/06/2021 11:19:28 Por fi m, entre os métodos/instrumentos científi cos de que a criminologia se vale para a compreensão do fenômeno criminal, tem-se o empirismo e a interdisciplinaridade. O método empírico/experimental/indutivo parte da análise dos fatos da realidade, do mundo do ser para, então, chegar à regra. Já a interdisciplinaridade é a utilização de sa- beres de diversos ramos científi cos (direito penal, fi losofi a, sociologia, psicologia, biologia etc.) para compreender a complexidade do fenômeno criminal. O surgimento do saber do crime Historicamente, analisa-se o desenvolvimento da criminologia a partir de uma classifi cação bipartida em fases. O período pré-científi co abrange a Anti- guidade, momento em que a abordagem do crime é feita por diversos autores em textos esparsos até o século XIX. Houve, nessa fase, tanto o enfoque abs- trato e dedutivo (grande importância às garantias penais e processuais, bem como à pena retributiva ao homem que rompe o contrato social e escolhe fazer o mal) como o empírico (infl uência do cientifi cismo e determinismo, visando traçar as relações de causalidade da criminalidade). Quanto ao período científi co, há quatro correntes sobre seu marco inau- gural. Parte majoritária da doutrina entende que se iniciou com a obra O ho- mem e o delinquente (1876), de Cesare Lombroso, ligado à Escola Positivista Ita- liana. Outra parte da doutrina, contudo, pontua que o termo criminologia foi utilizado pela primeira vez pelo antropólogo francês Paul Topinard, em 1879. Há ainda uma terceira corrente que apregoa que Raff aele Garofalo teria sido o responsável por compreender a criminologia como ciência voltada à crimina- lidade, ao crime e à pena, tornando o termo título de livro científi co, em 1885. Em uma quarta perspectiva, a Escola Clássica (ou retribucionista) aponta as obras de Cesare Beccaria e Francesco Carrara (Programa de Direito Criminal, de 1859) como marco inicial desse período. Shecaira (2014), por sua vez, defen- de que há, entre os períodos pré-científi co e científi co, o semicientífi co, re- lacionado a Lombroso (seu pensamento não estaria vinculado a um contexto propriamente científi co), de modo que somente com a Escola de Chicago teria surgido o momento científi co da criminologia. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 21 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 21 23/06/2021 11:19:28 Considerando o contexto brasileiro, é a partir da obra Ensaios sobre Direito Penal (1884), de João Vieira de Araújo, que a criminologia se estabelece teori- camente. Período pré-científico Na Antiguidade, havia uma total ausência de estudos sistematizados de da- dos sobre a criminalidade coletados por um método rigoroso. Boa parte das explicações para o fenômeno criminal se baseava em fundamentos sobrena- turais/religiosos, vistos, até então, como pecado. Nesse sentido, a partir do demonismo e da demonologia, atribuía-se uma personalidade maligna ao cri- minoso, em especial aos doentes mentais, supostamente submetidos a uma espécie de possessão demoníaca. Tal crença, de tão arraigada, perdurou até a virada psiquiátrica de Pinel (VIANA, 2017, p. 27). Alguns pensadores antigos contribuíram para a formação dos estudos cri- minológicos, fornecendo as bases da noção de delito, suas causas e fi nalidades de sua punição. Protágoras (485-415 a.C.), por exemplo, discorreu sobre a pena como mecanismo de efeito preventivo de novas infrações, por servir de exem- plo de punição para aqueles que insistissem em cometer crimes naquele grupo social. Sócrates (470-399 a.C.) enfatizou a ideia de ressocialização do criminoso. Já Hipócrates (460-355 a.C.), ao reconhecer que o indivíduo acometido por insa- nidade mental não poderia ser responsabilizado penalmente, acabou por esta- belecer as premissas da inimputabilidade penal. Isócrates (436-338 a.C.) lançou os fundamentos da coautoria, ao estabelecer que aquele que oculta o crime nele toma parte. Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (388-322 a.C.) pontuaram alguns dos possíveis fatores econômicos causadores da criminali- dade, como a ganância e a cobiça (OLIVEIRA, 2021, p. 21). Também há disposições sobre julgamento e aplicação da pena no Código de Hamurabi, como a necessidade de maior severidade no julgamento dos ricos, ante sua “maior amplitude de oportunidades para aquisição de bens materiais e cul- turais” (SUMARIVA, 2017, p. 36), e as penas aplicáveis aos alto escalão do funcionalismo público da época (OLIVEIRA, 2021, p. 21). CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 22 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 22 23/06/2021 11:19:28 Figura 1. O Código de Hamurabi é uma compilação de 282 leis (incluindo a Lei de Talião) decretadas por volta de 1772 a.C. por Hamurabi, sexto rei da Babilônia (atual Iraque), e talhadas em escrita cuneiforme acádica em uma cópia (mo- nólito de basalto e tabletes menores de barro) parcialmente preservada e exposta no Museu do Louvre. O 13º artigo foi omitido por superstições da época. Fonte: Wikimedia Commons, 2011. Foto: Shutruk Nahunte. Na Idade Média, cuja ideologia cristã era predominante, o crime era visto como pecado, sendo o criminoso, portanto, um pecador (influência oriunda tanto da filosofia escolástica como da teologia). Havia também a inquisição das ordálias ou juízo de Deus para a produção de provas, o que pressupunha a in- terpretação de elementos da natureza como meio de prova, com base no juízo divino sobre culpa ou inocência do acusado (OLIVEIRA, 2021, p. 22). Santo Agos- tinho (354-430 d.C.), segundo Oliveira (2021, p. 22), “pregava a necessidade de se considerar a pena como medida de defesa social e como meio de promo- ver a ressocialização do delinquente, sem olvidar de seu cunho intimidatório”, enquanto São Tomás de Aquino (1226-1274 d.C.) “apontava a pobreza como a grande causa do roubo”, justificando, em dada medida, o furto famélico, em um esboço da ideia de estado de necessidade como excludente de ilicitude. Aquino, ao apregoar que caberia a cada um o que é seu por critérios de igual- dade, foi precursor da justiça distributiva. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 23 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 23 23/06/2021 11:19:29 No Renascimento do século XVI, a obra Utopia (1516), de Thomas Morus, mostrou a origem da criminalidade (desorganização e desigualdade social e pobreza) (SUMARIVA, 2017, p. 36). Erasmo de Roterdam e Martinho Lutero dis- cutiram, respectivamente, as causas do crime (pobreza) e as diferenças entre criminalidade urbana e rural. Nos séculos XVII e XVIII, surgiram os penitenciaristas Jeremy Bentham (1748- 1832) e John Howard (1726-1790), preocupados com a reforma do delinquente pela melhoria nas condições na cadeia, algo que julgavam ser o fim prioritário da administração. Há ainda as contribuições de Montesquieu (1689-1755),Vol- taire (1694-1778) e Rousseau (1712-1778), relativas, respectivamente, aos tipos de crimes existentes (ofensas à religião, aos costumes, à tranquilidade e à se- gurança dos cidadãos); relativas à reforma do sistema carcerário e à utilidade da pena (com limitação da pena capital); e à ideia de que a propriedade privada ocasionaria o problema social da criminalidade. No mesmo período, surgiram os fisionomistas. Della Porta (1535-1616) dedi- cou-se à criação do retrato do criminoso, pressupondo que da aparência seria possível deduzir caracteres psíquicos. Joahnn Lavater (1741-1801) criou a pseu- dociência cranioscopia/craniometria (estudo científico do cérebro que susten- tava que, pela medição da cabeça e análise da forma externa do crânio, seria possível determinar a personalidade do indivíduo), que acabou sendo difundi- da por Franz Joseph Gall (1758-1828) e John Gaspar Spurzhem (1776-1832). Para os fisionomistas, a aparência externa do indivíduo poderia estar relacionada ao seu corpo psíquico para identificar características físicas de índole crimino- sa (estereótipo do criminoso). Nesse contexto, beleza e feiura eram reflexos da bondade e maldade/tendência ao crime, respectivamente (aliás, constata- -se que, até hoje, essa ideia encontra ressonância na sociedade, como se pode observar no modo como se dão as blitzes policiais). Lavater concebeu, inclusi- ve, a ideia de ‘homem de maldade natural’, com base na semelhança entre o comportamento humano e dos animais (OLIVEIRA, 2020, p. 22). Houve, ainda, o juízo de valor criado pelo juiz napolitano Marques de Mos- cardi, denominado Édito de Valério (adotado pelo imperador romano Valério, no século IV), pelo qual, em caso de dúvida entre dois indivíduos presumivelmente culpados, deveria ser condenado o mais feio. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 24 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 24 23/06/2021 11:19:29 Na sequência, surgiu a frenologia, precursora da neurofisiologia e neuropsi- quiatria, voltada à análise interna da mente e da formação cerebral para identifi- car a localização física de cada função anímica do cérebro, ao mesmo tempo em que relacionava o comportamento criminoso a más formações cerebrais. Franz J. Gall (1758-1828), médico alemão desenvolvedor dessa teoria, estudou as pro- tuberâncias e depressões cranianas e suas relações com certos atos humanos, de modo que cada ponto do cérebro seria responsável por um tipo de crime. John G. Spurzhem (1776-1832), discípulo de Gall, dedicou-se a traçar uma carta cranioscópica, tomando o peso cerebral como medida para aferir a capacidade de intelecção. Benito Morel (1809-1873), por sua vez, associou a criminalidade à degeneração, sendo os tipos chinês e mongol tendentes ao delito. Também criou as figuras do degenerado e do tarado, que influenciaram Lombroso. Ainda no século XVIII, o médico francês Phillips Pinel (1745-1826) desenvol- veu a psiquiatria como ciência autônoma, rompendo com o pensamento de- monológico de associar o doente mental à possessão pelo mal. Ele promoveu diagnósticos distinguindo os criminosos dos enfermos mentais, com substitui- ção do castigo destes pelo tratamento médico (crime viria de sua degeneração/ regressão hereditária) (VIANA, 2017, p. 32) Também nesse período surgiu a análise antropológica, variação da freno- logia com menos questões médicas, defendendo que o criminoso seria uma variedade mórbida da espécie humana. Prostre Lucas (1805-1885) enunciou o conceito de atavismo (aquele ser que apresenta um retrocesso/regressão/in- volução no processo evolutivo, ou resquícios de uma evolução mal concluída, enfatizando aspectos de hereditariedade e falhas genéticas). Cesare Lombroso (1835-1909) acrescentou, posteriormente, que o atavismo é característica dos criminosos. Por sua vez, Gaspar Virgílio (1836-1907) e Cuby y Soler (1801-1875) enunciaram o conceito de criminoso nato. Darwin (1809-1882) apregoou que o criminoso seria uma espécie atávica (ênfase ao legado hereditário). A Escola Cartográfica precursora do positivismo sociológico e do método estatístico, considerava o delito um fenômeno coletivo, um fato social regu- lar e ordinário, regido por leis naturais como qualquer outro acontecimento, devendo ser submetido a uma análise quantitativa, sendo a taxa de crimina- lidade algo inexorável, como são as taxas de nascimento e falecimento, cuja tendência era se manter estável em determinado espaço. Burocrata belga, CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 25 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 25 23/06/2021 11:19:29 principal representante dessa escola, Adolphe Quetelet (1796-1874), criador da fi gura do homem médio (parâmetro preditivo do comportamento adotado por uma pessoa com conhecimentos razoáveis e proporcionais), realizava estudos estatísticos criminais (mapeamento dos crimes) para identifi car regras, tendo ainda enunciado os postulados das relações constantes entre a criminalidade real, a aparente e a legal. Ele criou a cifra negra, ao apontar que existe uma relação invariável entre os delitos conhecidos e julgados e os delitos desconhe- cidos por não serem comunicados. Ademais, foi responsável pela teoria das leis térmicas, na qual associou determinados tipos de delito às estações do ano, de modo que, no inverno, haveria mais crimes patrimoniais; no verão, os crimes contra a pessoa seriam mais comuns; e, na primavera, emergiriam os crimes contra a dignidade sexual (justifi cava-se também haver mais homicídios em área mediterrânea do que em uma continental pela maior temperatura). Ademais, era prática comum dos teóricos da Escola a utilização da estatística moral, em que variáveis eram utilizadas para elaborar meios que previssem a taxa de criminalidade. No fi m do século XVIII, surgiu, com o Iluminismo, a Escola Clássica, em que houve a “adoção do método lógico-abstrato e dedutivo, baseado no silogismo, e [...] a fundamentação da responsabilidade penal no livre-arbítrio” (OLIVEIRA, 2021, p. 23). Representam-na Cesare Beccaria, Francesco Carrara e Giovanni Carmignani. Período científico No século XIX, houve com a emergência de um ambiente cientifi cista, o abandono do método abstrato e dedutivo do silogismo clássico em favor do método empírico, experimental ou indutivo de estudo, um deliberado movi- mento para o campo concreto de verifi cação prática do crime e do criminoso. Nesse ambiente surgiu, então, o positivismo criminológico da Escola Positiva Italiana, inspirado pela fi sionomia e frenologia, defendendo a necessidade de investigar as causas da criminalidade para diminui-la e garantir a defesa social, sendo o delinquente alguém de periculosidade, mas não culpável. Cesare Lombroso, autor da obra O homem delinquente, de 1876, conside- rada pela doutrina majoritária a responsável pelo nascimento da criminologia CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 26 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 26 23/06/2021 11:19:29 científica, representou a vertente antropológica, antropobiológca ou correcio- nalista da Escola Positiva, em que “procurou explicar o fenômeno criminal em- piricamente a partir de fatores biológicos, valendo-se de dados estatísticos” (OLIVEIRA, 2021, p. 81). Criador da antropologia criminal, defendeu o determi- nismo biológico na seara penal, criando a imagem do criminoso como alguém fraco e incapaz de resistir às tentações do mundo. Enrico Ferri (1856-1929), autor de Sociologia criminal (1914), liderou a verten- te sociológica da Escola Positiva. Defensor das penas individualizadas em vista do homem concreto e do determinismo social no âmbito penal, entendeu o crime “como um fenômeno social determinado por causas naturais” (OLIVEIRA, 2021, p. 25). Já Raffaele Garofalo (1851-1934), expoente da vertente jurídica da Escola Positiva, diferenciou os delitos legais dos naturais (nestes, a conduta seria criminosa em qualquer tempoou lugar, por violação de sentimentos al- truístas que se encontram como medida em toda sociedade). Também no século XIX, a Escola Francesa de Lyon (sociologia criminal), sob influência de Auguste Comte (1789-1857) ligado ao positivismo e à socio- logia moderna, analisou o crime como um fenômeno social a ser compreen- dido com base no modo como os fatores do meio ambiente social (exógenos) atuam na conduta individual. Alexandre Lacassagne (1843-1924), fundador da Escola de Lyon, opôs-se a Lombroso ao defender que, embora o delin- quente apresente um aspecto patológico e uma predisposição pessoal laten- te (anomalias físicas e psíquicas) para a delinquência, ela somente emerge a partir de sua interação com o meio social. Durkheim (1858-1917), por sua vez, defendia que o crime nada mais era do que um fenômeno social ordinário, “desde que observado o limite estabelecido para cada tipo social” (OLIVEIRA, 2021, p. 27), uma característica que acompanha a sociedade de modo genera- lizado, em nada relacionado a doenças. Já Jean-Gabriel de Tarde (1843-1904), também crítico a Lombroso, analisava o crime sob a perspectiva da teoria da aprendizagem baseada na imitação (contato social deletério) e transmissão por gerações, além de outros condicionantes sociais. No fim do século XIX, surgiu a criminologia socialista em sentido amplo, sob influência de Karl Marx (1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895), com- preendendo a criminalidade como fruto da sociedade capitalista, de modo que sua eventual redução ou desaparecimento poderia ocorrer com a instauração CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 27 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 27 23/06/2021 11:19:29 do socialismo. Em 1882, surgiu a antropometria criminal ou bertillonagem, criada por Alphonse Bertillon (1853-1914), “consistente na técnica de identifica- ção de criminosos pelo registro de suas medidas e marcas corporais, como ta- tuagens, cicatrizes, sinais de nascença etc.”, tendo também concebido o assina- lamento antropométrico e a fotografia judiciária (OLIVEIRA, 2021, p. 27). Por fim, houve, em 1904, a demonstração científica do sistema dadiloscópico de identifi- cação, por Juan Vucetich (1858-1925), superando, assim, a técnica anterior. No século XX, houve a emergência das escolas ecléticas/intermediárias, com gradual abandono do antropologismo lombrosiano e a adoção de teo- rias de teor psicológico, psicanalítico e psiquiátrico, que defendiam que o crime ocorria por fatores endógenos e exógenos, com preponderância do primeiro, procurando conciliar, em certa medida, os preceitos das escolas clássica e positiva. A Escola Crítica ou Terza Scuola italiana, por exemplo, marcou o início do positivismo crítico, tendo como principais defensores Bernardino Alimena, Giuseppe Impallomeni e Manuel Carnevale. Nes- sa corrente, o crime é um fenômeno ao mesmo tempo individual e social, fundamentando a pena, de caráter aflitivo, na responsabilidade moral do deliquente (determinismo psicológico), o que leva à distinção entre os im- putáveis e os inimputáveis (SUMARIVA, 2017, p. 47). Acreditava, ainda, que o controle da criminalidade dependia de uma reforma social. Por sua vez, a Escola Técnico-Jurídica (1905), representada por Arturo Roc- co, Manzini, Massari, Detiala, Cicala, Vanini e Conti e reagindo à Escola Positiva, destacou o crime como uma relação jurídica de conteúdo individual e social, e a pena como consequência/reação ao crime, com responsabilização moral do criminoso imputável (livre vontade presente) para prevenção geral e específica (OLIVEIRA, 2021, p. 91). A Escola de Marburgo (Escola Sociológica Alemã, Escola Moderna, Nova Escola ou Escola de Política Criminal), defendida por Franz von Liszt (1851- 1919), tentou, por um ecletismo metodológico (antropologia, psicologia e estatística criminal), criar uma ciência global do Direito Penal. O delito era visto como um fenômeno humano-social e um fato jurídico ao mesmo tem- po, de sorte que a criminalidade deveria ser enfrentada por meio de uma investigação sociológica sobre o delito combinada com um estudo dogmá- tico. Substituiu a pena retributiva pela pena finalista, ou seja, aquela que, CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 28 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 28 23/06/2021 11:19:29 vinculada à culpabilidade do imputável (em relação aos inimputáveis, havia apenas a medida de segurança) é dirigida à manutenção da ordem jurídi- ca, do Estado e da proteção coletiva, valendo-se da prevenção especial via conversão do criminoso em membro útil à sociedade (adaptação artificial) ou sua retirada do convívio social (inocuização) (OLIVEIRA, 2021, p. 92). Para tanto, considerava uma classificação especial dos criminosos, influente até hoje: delinquente ocasional, corrigível ou habitual, cada qual com uma pena voltada a um fim específico (recordação, ressocialização, inocuização) com aplicação nos momentos de sua cominação (advertência e intimidação) e execução. Pela falta de finalidade das penas de curta duração, essa Escola recomendava sua eliminação ou substituição. A Escola Correcionalista surgiu com a publicação, em 1839, da obra de Cárlos D. A. Röder (seu defensor na Alemanha). Röder via a aplicação da pena como uma oportunidade de correção moral do delinquente. Mais aceito na Es- panha, com a obra de Francisco G. de los Ríos, o correcionalismo teve como re- presentantes, nesse país, Pedro G. D. Montero (1861-1919) e Concepción Arenal (1821-1893). A Escola acreditava que a pena deveria ser correcional, isto é, de- veria ter o caráter pedagógico de correção/recuperação do indivíduo, adaptan- do-o à sociedade para que não reincidisse no delito (LIMA JÚNIOR, 2017, p. 94). Deveria funcionar, portanto, como um remédio social, de duração indetermi- nada e constantemente adaptado ao estágio do indivíduo na execução penal, sendo o juiz um médico atuando em prol do saneamento e profilaxia social e o criminoso um portador de patologia de desvio social (OLIVEIRA, 2021, p. 96). Quanto à Escola da Nova Defesa Social, do pós-Segunda Guerra Mundial, Adolphe Prins (1835-1919) elaborou o conceito de defesa social e concebeu o direto penal humanista (pena estabelecida conforme a periculosidade do cri- minoso), criado durante o Iluminismo. Além de Prins, houve outros defensores da Escola, como Filippo Gramatica (1901-1979), que desenvolveu a doutrina da defesa social radical (abolição do Direito Penal, com suas penas e medidas de segurança, e implementação de um direito de defesa da sociedade, com medidas de defesa social aplicadas antes ou depois do crime para precaução deste e cura/adaptação do indivíduo às normas), e Marc Anselm (1902-1990), que acreditava na combinação do Direito Penal, da criminologia e da ciência penitenciária para a defesa da sociedade (SUMARIVA, 207, p. 48), com medidas CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 29 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 29 23/06/2021 11:19:29 de defesa aplicadas, inclusive, a quem estivesse na eminência de praticar o crime (LIMA JÚNIOR, 2017, p. 217). Essa Escola defendia, portanto, a moderni- zação e humanização do direito por meio de uma proteção da sociedade que respeitasse os direitos dos criminosos, substituindo o sistema repressivo pelo preventivo, voltado à ressocialização. O movimento psicossociológico, cujo expoente foi Gabriel Tarde (1843- 1904), apregoava a “preponderância dos fatores sociais sobre os fatores físicos e biológicos na criminalidade”, em clara oposição à Escola Positiva e seu deter- minismo biológico e social (OLIVEIRA, 2021, p. 99). Tarde concebeu a lei da imi- tação/integração social, segundo a qual o “crime, como todo comportamento social, seria inventado, repetido, conflitado e adaptado” (SUMARIVA, 201, p. 48), de modo que a prática criminosa seria consciente ou inconscientemente imita- da pela aprendizagem (delinquente visto comoreceptor passivo dos impulsos delitivos). Além disso, esse movimento influenciou a teoria da associação di- ferencial, difundida por Sutherland, por volta de 1924. O movimento lei e ordem, representado pelo alemão Ralf Dahrendorf (1929-2009), trazia o direito penal máximo, ou seja, “a expansão das normas incriminadoras e a exasperação do rigor das sanções penais como forma de combate eficaz ao fenômeno criminal” (OLIVEIRA, 2021, p. 100), de modo que a pena, enquanto castigo, seria tanto mais severa quanto mais grave fosse o delito, devendo ser cumprida em estabelecimentos penitenciários de segurança máxima em caso de crimes praticados com violência. Ade- mais, defendia a expansão da prisão provisória e o tratamento do crimi- noso como inimigo do Estado (manifestação do Direito Penal do Inimigo). São exemplos desse movimento a política de Tolerância Zero, nos Estados Unidos, em 1991, e a Lei de Crimes Hediondos brasileira (Lei nº 8.072/90), com recrudescimentos do regime de cumprimento de pena para tais crimes e a prisão cautelar servindo de pena de fato. Concluindo nosso percurso pelo período científico da criminologia, tem-se a sociologia criminal norte-americana, do pós-Primeira Guerra Mundial, sob in- fluência de Sutherland e Sellin, de natureza prática e sociológica. Também hou- ve a criminologia socialista em sentido estrito, para o estudo da etiologia do crime em países socialistas, com base nos princípios do marxismo-leninismo (OLIVEIRA, 2021, p. 28). CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 30 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 30 23/06/2021 11:19:29 Escola Clássica e Escola Positiva As Escolas Clássica e Positiva da criminologia partiram de alguns mo- delos teóricos subjacentes. Na Es- cola Clássica, destacavam-se a crimi- nologia clássica e a neoclássica, que sustentavam que os meios de preven- ção do delito (dissuasão) precisam ter natureza penal, consubstanciados em seu efeito inibitório. Contudo, o mo- delo teórico clássico entendia que tal prevenção devia se centrar no rigor da pena, ao passo que o neoclássico pre- conizava a prevenção do crime a partir do correto funcionamento do sistema legal e no modo como era percebido pelo delinquente (ou seja, com ênfase no retorno proporcionado pela aplicação da pena). De acordo com Oliveira (2021, p. 71), “em uma visão reducionista, encara o delito como enfrentamento do delinquente, não havendo uma preocupação com a reparação do dano e a socialização do infrator”. Quanto ao modelo da Escola Positiva, verifi cou-se o método empírico da criminologia positivista, no qual o criminoso era anali- sado pela observação e experimentação, sendo identifi cado a partir de certas características físicas, psicológicas e sociais, em uma tentativa de associá-las a uma predisposição à prática de crimes (determinismo do fenômeno criminal). CURIOSIDADE A criminologia contemporânea é um terceiro modelo teórico em que são analisadas as causas, características, formas de prevenção e controle de incidência do delito enquanto fenômeno individual e social, de cará- ter humano e confl itivo. Há ênfase nos modos de reação social ao crime, na análise deste, do criminoso e da vítima, visando à intervenção no delinquente, com sua ressocialização, reparação do dano e prevenção da criminalidade. Cabe pontuar que as Escolas Clássica e Positiva foram as únicas com po- sições extremas e fi losofi camente bem defi nidas, de sorte que nas correntes subsequentes se procurou conciliar os postulados das escolas antecedentes. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 31 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 31 23/06/2021 11:19:30 Escola Clássica ou Retribucionista Inspirando-se no movimento iluminista, surgiu, no fi m do século XVIII, a Escola Clássica ou Retribucionista, que, em oposição direta ao antigo regime absolutista, buscou garantir direitos individuais ao limitar o poder punitivo do Estado. Sendo ela a última manifestação do período pré-científi co da crimi- nologia, estudava o crime e a pena como entidades jurídicas abstratas, utilizan- do-se do método lógico-abstrato/dedutivo, em que a partir de um princípio geral são extraídas algumas consequências lógicas. A punibilidade do indivíduo pressupunha seu livre-arbítrio e sua autode- terminação, em um contexto de observância da ordem jurídica e moral esta- belecida via contrato social. Desse modo, o “indivíduo, signatário do contrato social e dotado de livre arbítrio, ao descumprir a lei, de forma livre e consciente, sujeita-se a uma pena como resposta objetiva à prática do delito e como forma de restabelecimento da ordem jurídica violada” (OLIVEIRA, 2021, p. 75). Res- saltou-se o caráter retribucionista e dissuasório da pena, devendo ser uma resposta certa, previamente estabelecida em lei e proporcional ao crime prati- cado (Estado retribuindo o mal praticado na mesma medida), o que evidenciou seu fi m de punição e intimidação geral, sem preocupação com ressocialização e reparação do dano. Entre os principais teóricos da Escola Clássica, desta- cou-se Francesco Carrara, Cesare Bonesana (Beccaria), Jean D. Romagnosi, Je- remias Bentham, Franz J. Gall, Anselmo von Feuberbach, Giovanni Carmignani, Pelegrino Rossi, Emílio Brisa e Enrico Pessina. Autor da obra Dos delitos e das penas (1764), Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, foi defensor da restrição do poder estatal de punir e da humanização da punição. Segundo Sumariva (2017, p. 39), Beccaria estabeleceu os princípios da legalidade e da anterioridade da lei, devendo ser clara, simples e capaz de causar temor, sem favorecer determinadas classes em detrimento de ou- tras. Também apregoava a proporcionalidade e a fi nalidade preventiva da pena (para evitar a reincidência), com vedação à tortura, bem como a existência de uma justiça livre de corrupção, que priorizasse o princípio da inocência e fosse capaz de propiciar um julgamento por autoridade judicial, com garantia de si- gilo das acusações e da prisão preventiva como medida cautelar. Viana (2017, p. 38-39) acrescenta que Beccaria entendia como meios possíveis de evitar a CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 32 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 32 23/06/2021 11:19:30 criminalidade tanto o aperfeiçoamento da educação como a recompensa da virtude, devendo a pena de morte, em regra, ser proibida, salvo em caso de instabilidade política ou turbulência social, no interesse da segurança da na- ção ou, ainda, quando fosse o único modo de dissuadir os demais cidadãos da prática de crimes. Figura 2. Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, aristocrata milanês representante da Escola Clássica. Apresentou as bases do Direito Penal moderno: igualdade perante a lei, abolição da pena de morte e da tortura para obtenção de provas e instauração de julgamentos públicos e céleres. Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 08/03/2021. Francesco Carrara concebeu o delito como ente jurídico, ou seja, o crime, mais do que ser um mero fato ou ação, enseja uma relação contraditória entre a lei e o comportamento humano (VIANA, 2017, p. 42). Assim, a figura da infra- ção seria composta, de um lado, por uma força física e o dano causado pelo crime e, de outro, por uma força moral, oriunda da vontade livre e consciente do delinquente (GAMBOA, 2015, p. 18). Por fim, há o legado da Escola Retribucionista à dogmática penal contem- porânea: a exigibilidade de conduta diversa, situação em que embora haja a possibilidade concreta de comportamento conforme o direito, o indivíduo opte, no exercício de seu livre-arbítrio, por violar a lei, o que configuraria sua culpabilidade (VIANA, 2017, p.44-46). CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 33 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 33 23/06/2021 11:19:31 Escola Positiva A Escola Positiva surgiu no século XIX, havendo, a partir de 1827, a publica- ção dos primeiros dados estatísticossobre a criminalidade, conferindo cienti- fi cidade aos estudos criminológicos. Em 1876, contudo, com a publicação de O homem delinquente, de Cesare Lombroso, surgia para a doutrina majoritária a criminologia científi ca. Para a Escola Positiva, o crime era um fenômeno natural e social, cuja causa era determinada por fatores biológicos, físicos e sociais. Diante desse panorama, a criminologia deveria ser um modelo integrado de ciências penais, de natureza causal-explicativa, para informar o Direito Penal (SUMARIVA, 2017, p. 42), utili- zando-se, para tanto, do método empírico-indutivo, indutivo-experimental ou indutivo-quantitativo, em que a partir da análise de dados e fatos particula- res, buscar-se-ia uma proposição científi ca geral e explicativa das causas do deli- to, bem como o estabelecimento de modos de reação a ele em defesa do corpo social. Nesse contexto, o criminoso era visto como uma peça-chave do centro das análises, as quais buscavam identifi car nele traços vinculados à criminalida- de (determinismo) e, com isso, negava-lhe o livre arbítrio. A fi nalidade da pena passou, então, a ser a prevenção especial (afastamento do caráter retribucionis- ta conferido pela Escola Clássica), de modo que pudesse servir de instrumento de defesa social em função da periculosidade do agente. Destaca-se que a Escola Positiva, de acordo com a doutrina, costuma ser classifi cada em três vertentes, a saber: 1) antropológica ou antropobiológica: representada por Cesare Lombroso (1835-1909), com a obra O homem delinquente (1876), o qual procurou explicar o fenômeno criminal empiricamente a partir de fatores biológicos, valendo-se de dados estatísticos; 2) sociológi- ca: liderada por Enrico Ferri (1856-1929), autor de Sociologia Crimina- le; e 3) jurídica: tem como principal expoente Rafaelle Garofalo (1852- 1934), com a obra Criminologia, de 1885 (OLIVEIRA, 2021, p. 81). Dentre os principais autores da Escola Positiva, Cesare Lombroso, responsá- vel pela criação da antropologia criminal e defensor do determinismo biológico, foi considerado pai da criminologia. Sob infl uência da fi sionomia e da frenologia, e utilizando-se do método empírico em suas investigações, desenvolveu o con- CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 34 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 34 23/06/2021 11:19:31 ceito de “criminoso nato a partir do estudo da anatomia dos criminosos e da identifi cação de seus traços atávicos simiescos (reprodução de características do homem primitivo e de animais inferiores), o que explicaria seu comporta- mento selvagem” (OLIVEIRA, 2021, p. 84). Desse modo, o crime era predominan- temente um fenômeno biológico (embora tenha reconhecido, posteriormente, a infl uência de causas sociais exógenas na criminalidade como desencadeado- ras de fatores clínicos), de sorte que certas pessoas estariam mais propensas à delinquência ante suas características físicas e psíquicas (anomalia, doenças e estigmas de origem atávica ou degenerativa). Nas obras La donna delinquente e La prostituta e la donna normale (1895), escritas em coautoria com Guglielmo Fer- rero (1871-1942), equiparou a prostituição feminina à criminalidade masculina. Além do criminoso nato (portador de uma degeneração incurável dos centros nervosos que produz uma condição de anormalidade caracterizada por cer- tas feições/fi sionomia típica e traços anímicos), Lombroso também classifi cava o delinquente em louco (portador de anomalia ou patologia mental adquirida ou manifestada tardiamente), passional (agia pela emoção) e ocasional (leva- do a cometer o crime por circunstâncias). Ressalta-se que, mesmo atualmente, as concepções lombrosianas permanecem arraigadas no consciente coletivo, ante ao julgamento preconceituoso baseado na aparência física de certos grupos sociais (“é comum a seletividade de pessoas negras e pobres em buscas pessoais realizadas em blitz policiais, com base no vago conceito de “fundada suspeita”, previsto no art. 240, §2º, do Código Processual Penal” (OLIVEIRA, 2021, p. 84-85)). Figura 3. Cesare Lombroso, médico italiano, defendia que o crime tinha caráter hereditário e regressivo a estágios pri- mitivos, sendo inaceitável socialmente (por isso era favorável à pena de morte e à prisão perpétua). Fonte: Wikimedia Commons. Acesso em: 08/03/2021. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 35 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 35 23/06/2021 11:19:32 Enrico Ferri, defensor do determinismo social, apontava os fatores antropo- lógicos, sociais e físicos/telúricos (isto é, fatores advindos do solo e da natureza, como clima, temperatura, estações do ano etc.) como as causas do delito, de modo que o homem só cometeria crimes por viver em sociedade. Reconheceu, portanto, uma responsabilidade social na criminalidade, voltando sua preocupação não só ao fator individual. Descartou, desse modo, a tese de que o delito seria produto da escolha do delinquente (negativa do livre-árbitro), o que afasta, sua responsabiliza- ção moral pela conduta criminosa praticada. É, nesse contexto, que Ferri concebeu a chamada Lei de Saturação Criminal, a qual apregoa que determinados crimes “seriam produzidos em dadas condições sociais e, em circunstâncias excepcionais do meio social, poderia haver um incremento nas taxas de criminalidade”, a cha- mada sobressaturação criminal (OLIVEIRA, 2021, p. 86). Ademais, Ferri preconizou a neutralização do criminoso pela sua segregação do convívio social via pena como modo de defesa da sociedade. A teoria dos substitutivos, por sua vez, tinha como fundamento a ideia de que o enfrentamento da criminalidade deveria priorizar os meios preventivos, adotando-se medidas de natureza diversa (econômica, política, científica, religiosa, educativa etc.) (VIANA, 2017, p. 69). Cabe ressaltar ainda que, a expressão criminoso nato foi preconizada por Ferri, não por Lombroso, tendo a uti- lizado em sua obra Os criminosos na arte e na literatura, de 1881. Por fim, classificou os criminosos em natos, loucos, passionais, ocasionais e habituais. Por derradeiro, tem-se o terceiro e último principal nome da Escola Positivista, o jurista e ministro da Corte de Apelação de Nápoles Raffaele Garofalo, respon- sável pela criação do termo criminologia para se referir à ciência de estudo da criminalidade e da pena. Garofalo apregoava que o crime era, na verdade, um sin- toma advindo de uma anomalia moral ou psíquica situada na natureza degenera- da do indivíduo, entendimento esse que deu origem aos conceitos de temibilidade e periculosidade. Nesse contexto, e considerando a necessidade de tratamento médico do delinquente, trouxe à tona, como nova modalidade de intervenção pe- nal, a medida de segurança, além da ideia de prevenção especial como fim da pena. Nápoles acreditava na aplicação de penas severas (incluindo a de morte) e no dever do delinquente de indenizar tanto o Estado como a vítima, como mo- dos de combate à criminalidade. Ademais, Garofalo distinguiu os delitos em legais (condutas cuja tipificação poderia variar a depender da localidade e da vontade política, por não serem ofensivos ao senso comum de moralidade, como nos cri- CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 36 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 36 23/06/2021 11:19:32 mes contra a ordem tributária) e naturais (comportamentos cuja tipifi - cação independe da época ou da localidade, já que violam tal senso, como no delito de homicídio). Também propôs uma classifi cação dos criminosos, mas dessa vez em assassinos, violentos (enérgicos), ladrões (neurastênicos) e lascivos (simples) (OLIVEIRA, 2021, p. 87). O desenvolvimento da sociologia criminal: Escola de Chicago e teoria da anomia A sociologia criminal é a ciência que explica a correlação crime-sociedade com base na teoria macrossociológica, que pressupõe o entendimento da cri- minalidade como um fenômeno oriundo do modelode vida em sociedade, de- vendo ser analisada a partir das causas e reações sociais que suscita, a despei- to de questões biológicas e patologias individuais. As escolas científi cas desse período podem ser subdivididas em teorias do consenso/integração (Escola de Chicago, teoria da subcultura delinquente, teoria da anomia e teoria da as- sociação diferencial) e teorias do dissenso ou do confl ito (Labelling Approach/ teoria do etiquetamento ou da rotulação social e teoria crítica ou radical), de modo que cada uma delas lida com o enfrentamento do confl ito advindo da cri- minalidade a partir de uma determinada perspectiva a respeito da sociedade. As teorias do consenso, de caráter funcionalista e conservador/tradicional, acreditam que o funcionamento harmônico da sociedade depende do respeito consensual de seus membros às normas impostas por suas instituições, con- vivendo entre si a partir do compartilhamento de regras em comum (há uma estruturação social baseada em elementos estáveis, integrados, funcionais e perenes consensualmente aceitos), de modo que a análise do crime se centra em suas causas e consequências. Lado outro, as teorias do confl ito, mais progressistas e críticas, apregoam que a harmonia/pacifi cação social só é atingida via controle social, com uso de força e coerção do Estado para que haja a imposição da ordem e o cumprimen- to de regras impostas pelo poder vigente, pois ante a luta permanente entre dominantes e dominados pelo poder, não há voluntariedade para que ocorra tal pacifi cação (querem, antes, a dissolução das condições que não os favore- çam, sujeitando a sociedade a mudanças contínuas). CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 37 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 37 23/06/2021 11:19:32 Pelo exposto, vê-se que enquanto as teorias do consenso entendem que o ataque a uma mera falha pontual no sistema, passível de ser corrigida, seja sufi ciente para lidar com o problema da criminalidade, sem a necessidade de corrigir a sociedade como um todo (por si só, bem organizada e articulada), as teorias do confl ito acreditam que a própria sociedade é confl ituosa, não sendo possível atacar a criminalidade sem alterar o funcionamento da estrutura so- cial, atingida pelo estudo aprofundado do delito. Escola de Chicago A Escola de Chicago, ou da ecologia criminal, fundamentada nas teorias do consenso, surgiu nas décadas de 1920 e 1930, no Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, a partir dos estudos sobre a sociologia das grandes cidades da época, que correlacionavam as causas do crescente número de deli- tos vistos em Chicago às infl uências sociais do desenvolvimento de seu entorno urbano industrial. Para Sumariva (2017, p. 66), houve nesse desenvolvimento uma mutação das grandes cidades, com aumento populacional acompanhado de incremento nos índices de criminalidade local, o que levou à necessidade de se conhecer os mecanismos de aprendizagem e a transmissão das culturas des- viadas que mantinham alguma relação com a criminalidade. Tendo por base a antropologia urbana e lançando mão de uma perspectiva transdisciplinar, a Escola de Chicago se propôs a investigar empiricamente em que medida a conduta criminosa poderia ser infl uenciada pelo ambiente circun- dante, com vistas a obter um diagnóstico confi ável sobre os problemas sociais emergentes da realidade norte-americana da época. Nesse momento, portanto, foi delineada uma relação entre o crescimento populacional e o aumento da cri- minalidade nas cidades, de sorte que os seguidores dessa escola propuseram, enfi m, a tese de que a cidade produzia a delinquência (em última análise, o au- mento populacional acabava levando a um aumento da criminalidade). Assim, segundo Oliveira (2021, p. 109), as ações interventivas na cidade, de cunho pre- ventivo (com consequente redução da repressão), além de planejadas e limita- das previamente a um certo espaço, deveriam contar com a participação dos membros da sociedade, contando com a utilização de inquéritos sociais para se investigar o real índice de criminalidade visto nos centros urbanos. CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 38 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 38 23/06/2021 11:19:32 Diversas teorias criminológicas surgiram a partir dos estudos da Escola de Chicago. A teoria ecológica ou da desorganização social, por exemplo, surgiu em 1915, sendo seminais as obras de Robert Park e Ernest Burguess. Para tal teoria, as altas taxas de criminalidade das cidades estavam relacionadas “à debilidade do controle so- cial informal, à desordem e à falta de integração e sentimento de solidariedade entre seus membros” (OLIVEIRA, 2021, p. 112), problemas esses ocasionados pela elevada taxa de migração populacional para Chicago, que experimentava o desenvolvimento econômico e industrial na época. Gomes e Molina (2008, p. 343-344) acrescentam ainda outros fatores que contribuíram para o aumento da criminalidade urbana, tais como: • A deterioração dos grupos primários (família etc.); • A modificação qualitativa das relações interpessoais; • A perda de raízes no espaço residencial pela alta mobilidade; • A crise dos valores tradicionais e familiares; • A superpopulação; • A tentadora proximidade às áreas comerciais e industriais com acúmulo de riqueza; • O enfraquecimento do controle social. Penteado Filho (2020, p. 83) sintetiza algumas propostas da ecologia cri- minal para combater a criminalidade, centradas na melhoria das condições socioeconômicas da comunidade como um todo e na criação de programas comunitários voltados ao lazer e ao tratamento e prevenção da criminalidade, com planejamento estratégico, além de reurbanização dos bairros pobres. Nesse contexto, Ernesto Burgess concebeu a teoria da zonas concêntri- cas, um modelo que dispunha sobre o modo de crescimento das cidades nor- te-americanas, as quais tenderiam a se expandir a partir do seu centro, com a formação de zonas concêntricas. Freitas (2002, p. 73-77) resume: • Zona I (loop): parte central, onde se situavam as atividades financeiras e profissionais (serviços e indústrias); • Zona II (zona em transição/intermediária): área contígua à zona central e de transição do distrito comercial para os bairros residenciais (cortiços e gue- tos com infraestrutura deficiente, formação de gangues, escasso controle so- cial e grande rotatividade de pessoas), sendo normalmente ocupada pelas pes- CRIMINOLOGIA E ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 39 SER_SP_CASOVC_UNID1.indd 39 23/06/2021 11:19:32 soas mais pobres, inclusive recém-chegadas à cidade, haja vista ser um local de baixo custo de vida e próximo às fábricas, que absorviam essa mão de obra; • Zona III (zona residencial): área limítrofe à anterior, com residências de trabalhadores que escaparam das condições de vida da zona II, composta prin- cipalmente pela segunda geração de imigrantes; • Zona IV (subúrbio ou zona da classe média): formada por bairros resi- denciais, com casas e apartamentos onde residem as classes média e alta da sociedade que utilizam metrô para o trabalho; • Zona V (exúrbia): região fora dos limites da cidade (áreas suburbanas e cidades-satélites), compostas por casas de pessoas de classe média e alta (commuters), que trabalham no centro da metrópole e levam um tempo razoá- vel no deslocamento para o serviço. Saliente-se que tais zonas estariam em constante expansão e deslocamen- to em direção ao território da zona propínqua, em um processo de invasão, dominação e sucessão, resultando na expansão da cidade como um todo. Ressalta-se que, para esse modelo, a maior incidência de crime e delinquên- cia ocorreria estatisticamente na Zona II, onde os laços de solidariedade social eram destruídos à medida que tal área era invadida pelo comércio e pelas in- dústrias, diminuindo, assim, a resistência à criminalidade. Com isso, rompeu- -se
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