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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ CURSO DE PEDAGOGIA Lidiane Consolação Santos de Jesus Educação e Humanização São Bernardo (2020) Lidiane Consolação Santos de Jesus Educação e Humanização Projeto apresentado como exigência da disciplina PPE – Projeto Orientador (a): CAROLINE KERN São Bernardo do Campo (2020) RESUMO . Palavras chave: ensino-aprendizagem, humanização, formação crítica. INTRODUÇÃO Este trabalho tem o objetivo de chamar a atenção de todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem nas escolas de uma maneira geral, levando em consideração quais conflitos e os avanços adquiridos dentro de um processo de humanização, visando uma mudança profícua para que a educação seja efetivamente uma etapa na vida dos educandos e educandas marcante e eficiente não só na sua formação acadêmica, mas como na sua formação crítica e autônoma na vida em sociedade. A metodologia utilizada na elaboração deste artigo é a observação e o comentário de práticas educativas que estão dando resultados positivos dentro das escolas visitadas, visando sempre a valorização da humanização, tema central deste estudo O ponto de partida é uma frase que me chamou muita atenção quando comecei a caminhar pelos corredores das escolas: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” (Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago). Reparar tudo o que acontece nas escolas, não é uma tarefa fácil. Quando “reparamos” percebi que existem muitas mudanças a serem construídas. Sim, construídas. Pois para que uma mudança surta algum efeito, ela não pode ser imposta, ditada ou sugerida apenas, é preciso muito empenho de todos os envolvidos no processo, para que haja uma transformação conjunta e positiva, que agregue valores e que torne o espaço escolar um lugar diferente, especial. Paulo Freire na poesia: “A escola é” menciona exatamente o ponto chave principal da estrutura educacional: gente, pessoas, seres humanos. De nada adianta uma mega infraestrutura física, equipamentos de última geração, materiais didáticos de altíssimo nível, se os sujeitos que vão fazer uso de todo esse aparato não se entendem harmoniosamente, com “camaradagem”, respeito e por que não: afeto A escola precisa ser um espaço de construção. E caminhando dentro de algumas delas, percebemos que quando essa construção acontece, acontece também o prazer de ensinar e aprender. No primeiro capítulo citaremos algumas experiências observadas em escolas que estão fazendo a diferença na vida de alunos e alunas na construção de uma escola diferente. No capítulo dois faremos uma discussão sobre o tema propriamente dito: “Qual a importância da humanização no processo de ensino- aprendizagem”, e por fim no capítulo três concluir as ideias discutidas neste artigo. - Professora hoje é o dia mais feliz da minha vida! - É, por quê? - Eu contratei a maquininha de passar cartão! Agora posso vender minha mercadoria pra qualquer um que passar na minha porta! E isso só foi possível por sua causa! Obrigada professora! A princípio esse diálogo parece ser comum. Mas não é. Essa aluna tem 67 anos e está na sala de aula há dois anos. Possui um pequeno comércio de roupas e um caderno de duzentas páginas com marcações de roupas vendidas, que nunca foram pagas. Ela tinha “medo” da tal maquininha, pois achava que nunca saberia opera-la. E vivia dizendo para sua professora o quanto era “burra” e que perdia muitas vendas, pois os clientes não tinham o dinheiro mais tinham o cartão e não queriam ficar devendo. A professora por sua vez, ficava encorajando a aluna para que confiasse em si própria, e começou a treinar com a sala de aula toda, operações matemáticas com situações financeiras. Eles “brincavam” de mercadinho. Manuseavam dinheiro, faziam troco, compravam, vendiam, e a professora chegou a improvisar uma “maquininha” para que eles pudessem entender o processo de uso da mesma. A aluna foi entendendo, foi se apropriando, até que se encheu de coragem para pôr em prática o que aprendeu na sala de aula. O prazer de aprender e de ensinar passa pela coragem de ousar, de arriscar. A professora sabia que apenas falar sobre a superação do medo não era suficiente. Ela também ousou. Mostrou para seus alunos de forma simples, mas muito eficaz, que quando aprendemos nos tornamos capazes, sujeitos ativos e criativos A chegada do Outro deve despertar o amor. O amor será aceitação, abertura e, portanto, leva a uma reconstrução da vida. Uma vez que tem de abrir espaço para o Outro, tudo muda. O outro incomoda necessariamente. Se não incomoda, é porque ainda não foi reconhecido e aceito tal como é. (SOARES, 2013, p. 107) Essas duas situações reais presenciadas em escolas da rede pública de ensino, retratam fatos cotidianos. A escola é um lugar de seres humanos. Seres que possuem sentimentos, problemas pessoais, realidades diversas nem sempre agradáveis. Tanto professores como alunos são protagonistas da vida real. E não há como passar por cima desta realidade como se ela não interferisse intimamente no processo de ensino e aprendizagem. Sabemos a importância da teoria, da didática, do currículo, dos parâmetros curriculares e de tudo mais que envolve o complexo espaço escolar. Mas sabemos também, e não podemos esquecer jamais, que estamos sempre lidando com pessoas. Sujeitos que precisam construir os seus saberes. Não existe a menor possibilidade de se aprender algo em uma situação de medo ou constrangimento. E um professor não alcançará seus objetivos com seus alunos se não conquistá-los em um ambiente de “camaradagem”, mencionado pelo professor Paulo Freire. O olhar dessas duas professoras para suas alunas foi um olhar amplo, abrangente, acolhedor. Ambas se colocaram no lugar de suas alunas e entenderam que podiam fazer a diferença na vida delas, dando um significado maior para aquela experiência. Atitudes humanas, relações de respeito às diferenças, mudança no trato com os outros. Falar de uma educação de qualidade é enxergar em todos os envolvidos neste processo um ser que pensa, sente, age diferente. Essa interação precisa ser uma troca saudável. Um professor nos dias de hoje precisa dialogar com seus alunos, se apropriar de suas realidades e, por conseguinte os alunos enxergam no professor um amigo, um mediador, um pesquisador e ainda segundo Freire: [...] o educador já não é o que educa, mas, o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas. (FREIRE, 1997, p. 79) Parece utópico, irreal. Mas foram nesses dois exemplos que presenciamos em escolas diferentes que vimos alegria, prazer em estar naquele espaço. Lógico que havia conflitos. Vários por sinal. Mas havia também o desejo de resolvê-los da melhor maneira possível. Humanizar a educação em meio uma sociedade capitalista que ainda foca a formação do aluno para o mercado de trabalho é um grande desafio. Mas percebemos que quando o professor se aproxima do seu aluno, olha para ele com cuidado e consegue atingir a sua vontade, muitas conquistas são alcançadas na aprendizagem. O aluno que é valorizado e incluído no processo de ensino perde a insegurança e ganha uma motivação extra para aprender e interagir no espaço escolar. Para encerrar essa primeira parte deste artigo, mencionamos um trecho do livro do professor Jung Mo Sung publicado em 2012: Educarpara reencantar a vida que diz: Na medida em que os alunos e alunas começam tomar consciência de que o sentido das suas vidas pode ser modificado, que eles podem questionar o sentido da vida imposta pela cultura de consumo capitalista, assumido e vivido por eles sem uma clara consciência de todo esse processo, e que podem aprender das suas tradições culturais e espirituais e também de outros grupos sociais e culturas novos sentidos da vida e novas formas de se relacionar com outras pessoas, com a sociedade, com a natureza e consigo mesmo, vão perceber que estudar tem um sentido que vai muito além da preparação para o trabalho profissional. Os alunos e alunas vão começar se sentir mais sujeitos das suas vidas e assim vão se sentir sujeitos do seu processo educacional, juntamente com educadores e educadoras que assumem esse desafio. (SUNG, 2012, p.184). De acordo com o senso comum “a educação está falida”. É a frase que mais ouvimos nos dias de hoje, na mídia, nas redes sociais, e nas conversas informais em qualquer lugar público. Mas se a Educação está falida, porque os pais matriculam seus filhos na escola? Será que é apenas porque são obrigados por lei? Na verdade todos nós sabemos que é na escola que a criança aprende a ser um ser social. Até então ela era um ser pertencente a uma família, e aí como tal apresenta hábitos e atitudes aprendidos com seus pais. É na escola que se coloca em comum àquilo que se aprendeu na família e que se inicia um novo aprender. Paulo Freire no livro Pedagogia da Autonomia (2006) nos apresenta os papéis do educador e do educando no espaço escolar: [...] embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 2006, p. 23). Aprender, ensinar, ensinar, aprender... vemos esse processo como uma via de mão dupla. Uma troca muito rica onde “grupos” se relacionam e trocam experiências culturais. E é justamente na escola que esses indivíduos tão diferentes entre si se agrupam e constroem novas experiências no decorrer da sua vida escolar. Mas se as escolas são instituições humanas, por que o termo: humanização? Não seria óbvio ou redundante? Infelizmente não. Porque por muitas vezes assistimos dentro das escolas situações que descaracterizam as relações autenticamente humanas. Vemos acontecer dentro do espaço escolar um desfecho triste do que acontece hoje em nossa sociedade neoliberal, sumamente capitalista. E como nos alerta o professor Sung: Se não superarmos essa cultura de consumo, a subordinação da vida ao cálculo financeiro e a absolutização das leis do mercado em todas as esferas da vida e da sociedade, não poderemos reencontrar um sentido mais humano para as nossas vidas e nem superar a crise mais profunda da educação. O encantamento das mercadorias e a fé no mercado acabaram por desencantar todo o resto, e fizeram da vida, da natureza e da educação meras variáveis do cálculo econômico. Sem encontrar um novo sentido para a vida e sem reencantar o ato de viver e de educar não poderemos superar a crise que se abate não somente sobre a educação, mas também sobre as nossas sociedades e o meio ambiente. (SUNG, 2012, p. 119). Nesta linha de raciocínio mergulhamos no “humanismo de Paulo Freire que afirma um compromisso dos seres humanos com a sua própria humanidade” (MENDONÇA, 2008, p. 42). Não apenas estar no mundo. Mas ajudar a transformá-lo em um lugar para todos. E porque não ter como ponto de partida a escola? E ainda segundo Mendonça: [...] A humanização se constitui na práxis que envolve o processo de historicidade humana. Esse processo é permanente e inacabado, tendo em vista a natureza da incompletude humana. Dessa maneira, humanização tem ver com um projeto de transformação histórico-social [...]. (MENDONÇA, 2008, p. 42). Quando olhamos para uma pessoa e enxergamos um semelhante, tudo se torna diferente. O educador pode e deve olhar para o aluno colocando-se no lugar dele, ouvindo, reagindo, interagindo com ele, levando-o sempre à reflexão e assim de acordo com Mendonça: Ao se perceber um ser-no-mundo e um ser-com-outros, o ser humano se diferencia dos outros animais, pois não apenas sabe do mundo, mas sabe o porquê de saber do mundo. Essa capacidade que vai além daquilo que Teilhard de Chardim denominou de hominização, pois já não é um mero processo natural, coloca o ser humano num permanente processo de humanidade, pois é marcado pela integração histórica e cultural de homens e mulheres no mundo. (MENDONÇA, 2008, p. 42). Acreditamos que é por isso que os pais levam seus filhos à Escola para que também aprendam com eles e tenham uma perspectiva de um futuro diferente, melhor é claro, mas principalmente humano. Quais deveriam ser as principais características do ser humano? Com certeza cada sujeito baseado em suas concepções possui uma lista diferente. Nós produzimos a nossa: Alegre, generoso, solidário, paciente, curioso, sensível, contemplativo, gentil e dócil. Mas temos certeza que você está pensando que jamais encontraremos uma pessoa com todas essas características juntas. Realmente, na atual conjuntura está muito difícil enxergarmos nos outros suas qualidades e potencialidades. Porém acreditamos que é possível construirmos em nós mesmos a capacidade de desenvolver em nós aquilo que acreditamos ser o melhor para todos e todas. E o educador, professor como ele precisa ser? Gadotti em seu livro Boniteza de um Sonho (2003) sugere: Ser professor hoje é viver intensamente o seu tempo com consciência e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro para a humanidade sem educadores. Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos falsos pregadores da palavra, dos marqueteiros, eles são os verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos de que nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber – não o dado, a informação, o puro conhecimento – porque constroem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles são imprescindíveis. (GADOTTI, 2003, p. 17). Sabemos que não é uma tarefa fácil. Ser diferente não é fácil. Mas se quisermos sociedade diferente, precisamos ser diferentes e ajudar na formação de sujeitos diferentes. E ainda segundo Gadotti: Não é uma profissão meramente técnica. A competência do professor não se mede pela sua capacidade de ensinar – muito menos “lecionar” – mas pelas possibilidades que constrói para que as pessoas possam aprender, conviver e viverem melhor. (GADOTTI, 2003, p. 27). E ainda mais: O ato de educar é complexo. O êxito do ensino não depende tanto do conhecimento do professor, mas da sua capacidade de criar espaços de aprendizagem, vale dizer, “fazer aprender” e de seu projeto de vida de continuar aprendendo. (GADOTTI, 2003, p. 41). Citamos dois exemplos de integração mútua de aluno e educador, mas vivenciamos outras inúmeras experiências extraordinárias de relações humanas significativas no processo de ensino e aprendizagem. E essas relações provocaram no grupo uma imensa motivação para acreditarmos na Educação Humanizadora. Acreditamos que podemos superar a opinião do senso comum. Logicamente, o trabalho é árduo e muitas vezes individual. Mas imprescindível. E concordandocom Moacir Gadotti: Todas as escolas podem transformar-se em jardins e professores-alunos, educadores-educandos em jardineiros. O jardim nos ensina ideais democráticos: conexão, escolha, responsabilidade, decisão, iniciativa, igualdade, biodiversidade, cores, classes, etnicidade e gênero. [...] Diante desse quadro, o professor competente, profissional, o professor “que sabe”, não pode ficar indiferente. Porque ser comprometido, engajar-se, ser ético, faz parte da competência como professor. Como profissional do sentido, sua profissão está ligada ao amor e à esperança. Ela não se extinguirá enquanto houver espaço para a construção da humanidade. [...] A educação, nesse sentido, confunde-se com o processo de humanização. (GADOTTI, 2003, p. 62, 70). Estamos no caminho, por isso não podemos deixar de caminhar. Adiante sempre, mas com humildade suficiente para reconhecer que às vezes é necessário recuar, repensar e retomar a caminhada, conscientes de nossas responsabilidades e certos de que as nossas ações contribuirão para uma Educação Humana diferente desta que não é aquela que idealizamos. E por fim “sair do plano ideal para a prática, não é abandonar o sonho para agir, mas agir em função dele, agir em função de um projeto de vida e de escola, de cidade, de mundo possível, de planeta... um projeto de esperança. ” (GADOTTI, 2003, p. 74). REFERÊNCIAS BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Educador: vida e morte. Rio de Janeiro, Graal, 1982. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005. ___________. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2006. ___________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2011. GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Rio Grande do Sul, Feevale, 2003. MENDONÇA, Nelino Azevedo de. Pedagogia da humanização: a pedagogia de Paulo Freire. São Paulo, Paulus, 2008. SOARES, Adriana. Espiritualidade e Educação para a Liberdade: Um diálogo entre Paulo Freire e René Girard. São Paulo, Reflexão, 2013. SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida: pedagogia e espiritualidade. São Paulo, Reflexão, 2012.
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