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Chegada do Homem à América

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PB - 33janeiro/ fevereiro 2009setembro / outubto 2008
Chegada do
homem ao
território
americano
é alvo de
pesquisas e
polêmica
Antes de Colombo
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Ao desembarcar na praia de uma
ilha do Caribe, numa manhã ensolarada
de uma sexta-feira, dia 12 de outubro de
1492, Cristóvão Colombo foi recebido
por um povo amistoso, os tainos, que ele
estava convencido serem indianos. O
navegador genovês a serviço da Espa-
nha não sabia, mas sua chegada mar-
cou, na verdade, o reencontro de duas
linhagens evolutivas do Homo sapiens,
que estavam separadas havia pelo me-
nos 50 mil anos, a sua própria, europeia,
e a dos americanos de então, mongo-
loides, aparentados com os povos asiá-
ticos. Desde então, persiste o mistério:
como as populações encontradas por
Colombo chegaram a este novo mundo
descoberto por ele, mais tarde batizado
de América? Dois trabalhos recentes de
pesquisadores brasileiros (um livro
e um artigo científico) são uma tentati-
va de responder, pelo menos em parte,
a essa questão.
As duas respostas não convergem, no
entanto. Na verdade, elas aumentam a
controvérsia que cerca o assunto há
muito tempo. No livro O Povo de Luzia –
Em Busca dos Primeiros Americanos, seus
autores, o bioantropólogo Walter Alves
Neves e o geógrafo Luís Beethoven Piló,
ambos da Universidade de São Paulo
(USP), apresentam sua teoria para a che-
gada do homem à América. Eles a cha-
mam de Dois Componentes Biológicos
Principais, porque, segundo essa tese,
houve duas levas migratórias iniciais, a
primeira há 14 mil anos e a segunda há
11 mil, vindas da Ásia pelo estreito de
Bering. A mais remota seria composta
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Walter Alves Neves
em laboratório na
Dinamarca: duas levas
Fóssil de
mulher
encontrado
no Piauí
34 - PB janeiro/ fevereiro 2009
por uma população com traços que lem-
bram os dos africanos e aborígines aus-
tralianos. “A segunda era de mongo-
loides, semelhantes aos asiáticos e ín-
dios americanos atuais”, explica Neves.
O artigo, por sua vez, de autoria de
três geneticistas brasileiros e um antro-
pólogo argentino e que foi publicado
em junho de 2008 na versão on-line do
American Journal of Physical Anthro-
pology, não nega a existência dessa di-
versidade de traços entre os primeiros
americanos. A diferença é que os auto-
res defendem que houve uma leva mi-
gratória principal, que chegou ao conti-
nente há 18 mil anos. Antes disso, a
partir de 25 mil atrás até a saída para a
América, os ancestrais dos migrantes
haviam ficado “presos” na Beríngia,
região que unia o Alasca ao nordeste da
Sibéria e que naquela época não estava
submersa (era o auge do último perío-
do glacial e o mar estava 120 metros
abaixo do nível atual). “Essa população
era morfologicamente diversificada e
abrigava desde tipos semelhantes aos
africanos até os parecidos com os índios
atuais”, explica Maria Cátira Bortolini,
da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Sul, uma das autoras do trabalho.
Cruzando o Atlântico
Uma outra teoria brasileira sobre a
ocupação da América, bem mais polê-
mica, foi proposta pela arqueóloga Niède
Guidon, com base em suas descobertas
em vários sítios arqueológicos na região
do município de São Raimundo Nonato,
no sul do Piauí. Segundo ela, o homem
chegou à região há mais de 100 mil anos,
vindo diretamente da África pelo Atlân-
tico. Niède também considera que, nes-
sa época, o planeta estava num período
glacial, com o mar 120 metros abaixo do
nível atual. “O número de ilhas entre a
costa euro-africana e a costa sul-ameri-
cana era bem maior”, diz. “Além disso,
as correntes marítimas favoreciam a pas-
sagem para leste, para o Caribe e para o
litoral norte do Brasil.”
As teorias dos pesquisadores brasilei-
ros não são as únicas que tentam explicar
a chegada do homem à América. Na ver-
dade, elas são apenas as mais recentes e
estão tentando se impor diante de outras
explicações mais antigas e consagradas,
propostas principalmente por arqueólo-
gos norte-americanos. A mais velha e
renitente delas é o modelo conhecido em
inglês como Clovis-first (Clóvis-primei-
ro). Esse nome se deve a um sítio ar-
queológico assim denominado, descober-
to em 1939, no Novo México, nos Estados
Unidos. Nesse local, foram encontrados
artefatos de pedra lascada, datados de
11,4 mil anos, com destaque para as fa-
mosas pontas de flecha e de lança.
Segundo os defensores desse modelo,
objetos como esses teriam dado origem a
todas as demais formas de fabricar arte-
fatos de pedra do continente. Além dis-
so, de acordo com o livro de Neves e Piló,
nessa teoria está implícito que houve
apenas uma via de entrada para esses
pioneiros, o estreito de Bering, e que
teriam chegado representantes de ape-
nas um grande estoque biológico huma-
no, quer dizer, membros de um mesmo
povo – aquele conhecido popularmente
como mongoloide e que hoje domina
quase completamente a Ásia. A chegada
teria ocorrido há cerca de 12 mil anos e
nenhum ser humano teria colocado os
pés no continente antes dessa data. “Em
razão do peso intelectual dos Estados
Unidos na produção científica mundial,
Clóvis-primeiro foi imposto de forma
mais ou menos unilateral por profissio-
nais da América do Norte para todo o
continente”, diz Neves.
Dogma enterrado
Há ainda uma teoria chamada Modelo
das Três Migrações, proposta em 1983
pelo norte-americano Christy Turner, que
se baseou num amplo levantamento da
diversidade dentária, incluindo análises
de populações pré-históricas da Austrá-
lia e da Melanésia, do sul, leste e nordes-
te da Ásia, além das três Américas. Dian-
te dos resultados obtidos, ele concluiu
que houve três levas migratórias da
Sibéria para a América. A primeira, há
11 mil anos, teria dado origem a todos
os índios das Américas Central e do Sul
e à esmagadora maioria dos povos nati-
vos norte-americanos. A segunda teria
chegado há 9 mil anos e originou os
índios de língua na-dene, ancestrais
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Niède Guidon:
ilhas e correntes
marítimas
favoráveis
Maria Cátira
com os colegas:
ancestrais
ficaram “presos”
na Beríngia
PB - 35janeiro/ fevereiro 2009
de apaches e navajos, representados
sobretudo na costa pacífica dos Esta-
dos Unidos e do Canadá. A última
seria bem mais recente – de cerca de
4 mil anos atrás –, e era composta
pelos ancestrais dos esquimós e dos
povos aleutas (do arquipélago das
Aleutas, no Círculo Polar Ártico).
Em 1986, essa tese foi reforçada por
dados da genética e da linguística levan-
tados por dois colegas de Turner, Stephen
Zegura e Joseph Greenberg. Essa nova
explicação não contraria a teoria Clóvis-
primeiro. Na verdade dá suporte a ela.
“Do ponto de vista biológico, as ideias
de Turner e associados dominaram todo
o cenário acadêmico ligado à questão da
ocupação do Novo Mundo durante gran-
de parte dos anos 1980 e 90”, diz Neves.
“Elas têm sido usadas intensivamente
pelos clovistas para dar sustentação ao
modelo Clovis-first e ajudaram a torná-
lo quase inexpugnável.”
Por isso, Neves diz que o debate que se
travava até há pouco tempo sobre quan-
do os primeiros humanos chegaram à
América podia ser facilmente dividido
em dois grupos distintos de pesquisado-
res: de um lado os clovistas, de outro os
pré-clovistas. “Poucas discussões na
área da arqueologia e da antropologia
atingiram temperaturas tão altas quan-
to essa no mundo acadêmico”, escreve
ele em O Povo de Luzia. “Clovistas ferre-
nhos recusavam-se até mesmo a exami-
nar com seriedade qualquer possibili-
dade de que poderia ter havido huma-
nos no continente americano antes dos
fatídicos11,4 mil anos, que marcam o
início da cultura Clóvis na América do
Norte. Já os pré-clovistas acreditam que
existem evidências mais que suficien-
tes, sobretudo na América do Sul, para
que o dogma clovista seja definitiva-
mente enterrado.”
Isso de fato começou a ocorrer em
1997, quando Tom Dillehay, da Univer-
sidade de Kentucky, nos Estados Uni-
dos, publicou um livro em que relata em
detalhes os resultados de suas escava-
ções no sítio de Monte Verde, localizado
a apenas 60 quilômetros da costa do
Pacífico, próximo à cidade de Puerto
Montt, no sul do Chile. “Para muitos,
incluindo vários clovistas empederni-
dos, os dados minuciosamente apresen-
tados por Dillehay não deixaram mar-
gem a dúvidas: o homem estava mesmo
presente em Monte Verde havia pelo
menos 12,3 mil anos”, diz Neves.
Provas contra Clóvis
Descobertas em outros sítios arqueo-
lógicos da América do Sul reforçaram
essa constatação e a posição dos pré-
clovistas. Entre esses sítios estão Taima-
Taima, na Venezuela, onde foram en-
contrados indícios de presença humana
de 15 mil anos; Piedra Museo e Los Tol-
dos, na Argentina, com vestígios de 13
mil anos, além de Tibitó, na Colômbia, e
Quebrada Jaguay e Pachamachay, no
Peru, com datações antigas de até 11,8
mil anos. No Brasil, uma descoberta
importante foi relatada em 1996, na re-
vista Science, por Anna Roosevelt, então
ligada ao Museu Field, de Chicago, dan-
do conta de uma ocupação humana em
plena floresta amazônica datada de 11,3
mil anos. Diante de tantas evidências,
em março de 1998, a Sociedade Norte-
Americana de Arqueologia, a maior de-
fensora de Clóvis, reconheceu Monte
Verde como o povoamento mais antigo
da América.
É nesse contexto que se inserem as
descobertas dos brasileiros e as teorias
que elaboraram a partir delas. Em seu
livro, Neves e Piló contam a história de
mais de 150 anos de pesquisas nas gru-
tas e abrigos calcários da região de La-
goa Santa, em Minas Gerais. Iniciadas
em 1835 pelo dinamarquês Peter Lund,
as escavações feitas por vários cientistas
ao longo desse tempo todo desenterra-
ram provas de ocupações passadas, tan-
to do homem como da chamada mega-
fauna do Pleistoceno – período geológi-
co que se estende de 2 milhões até 10 mil
anos atrás –, composta de animais hoje
extintos, como tatus e preguiças-gigan-
tes e tigres-dentes-de-sabre.
A obra, lançada em abril do ano passa-
do, também traz à luz a história dos
trabalhos realizados nas últimas duas
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Serra da Capivara, no
Piauí (no detalhe, pintura
rupestre): vários sítios
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décadas pelos autores na mesma região
estudada por Lund. Neves e Piló rela-
tam como foi feita a reconstituição do
rosto de Luzia a partir de seu crânio,
descoberto em 1974 pela arqueóloga fran-
cesa Annette Laming-Emperaire no sítio
chamado Lapa Vermelha IV, em Lagoa
Santa. Durante mais de 20 anos, os restos
desse indivíduo jovem, do sexo femini-
no, ficaram guardados no Museu Nacio-
nal do Rio de Janeiro. Em 1995, Neves
fez medidas antropométricas do crânio
e apresentou os resultados preliminares
em 1998, num congresso da Associação
Norte-Americana de Antropologia Físi-
ca. Os dados mostravam que Luzia tinha
mais a ver com os africanos do que com
os índios atuais.
Traços ancestrais
Essa análise ganhou mais força no ano
seguinte, quando foi apresentada a re-
construção da fisionomia de Luzia, feita
pelo especialista britânico Richard
Neave, por encomenda da rede de co-
municação BBC, que estava produzindo
um documentário sobre a chegada do
homem ao continente americano. “A
reconstrução facial realizada por Neave,
sem ter nenhuma informação prévia so-
bre o assunto, convergiu totalmente com
estudos que havíamos realizado ante-
riormente com base no crânio seco: Lu-
zia não era mongoloide.”
O resultado deu mais visibilidade à
teoria de Neves, segundo a qual os pri-
meiros americanos podem ter partido
da Ásia, apesar de sua semelhança com
africanos, rumo à América pelo estreito
de Bering. A diferença dessa ideia com
outras que dizem o mesmo é que esse
deslocamento teria ocorrido antes que
essa população evoluísse até adquirir a
aparência asiática. Quer dizer, esse povo
mantinha os traços de seus ancestrais,
que haviam deixado a África cerca de 60
mil anos antes. “Assim, conseguimos
explicar a existência de uma morfologia
não-mongoloide no continente america-
no sem apelar para modelos pirotécnicos
insustentáveis, como o das viagens
transoceânicas”, diz Neves.
O pesquisador da USP se refere à teo-
ria proposta por Niède Guidon. Segun-
do essa arqueóloga paulista que fez car-
reira na França, retornou ao Brasil e des-
de 1978 realiza escavações no sul do
Piauí, os primeiros homens passaram
das ilhas e da costa africana para a Amé-
rica entre 150 mil e 110 mil anos atrás.
Essa passagem se fez para o Caribe e
para a costa norte do Brasil, com um
ponto de chegada próximo ao atual rio
Parnaíba, então muito grande. “Depois,
ao longo de milênios, esses seres huma-
nos se espalharam pelo continente, mi-
grando inclusive para o norte, onde se
encontraram, muito mais tarde, com os
asiáticos que entraram pelo estreito de
Bering”, explica Niède.
Durante muito tempo essa ideia foi ri-
dicularizada pela comunidade arqueo-
lógica. As provas apresentadas por Niède
– ferramentas de pedra e restos de fo-
gueiras descobertos pela pesquisadora
em São Raimundo Nonato – nunca fo-
ram aceitas. Suspeitava-se que ambas
não fossem obra do homem, mas da
própria natureza. Em 2006, no entanto,
Niède marcou um tento importante na
luta para que sua teoria seja aceita. Uma
análise feita por Eric Boëda, da Universi-
dade de Paris, considerado um dos maio-
res especialistas do mundo em tecnologia
lítica (de pedra) pré-histórica, mostrou
que os artefatos foram mesmo produzi-
dos por humanos. “O que se está discu-
tindo agora é como esses homens chega-
ram aqui”, diz Niède.
Modelo integrado
Assim como outros pesquisadores, o
grupo binacional composto por um ar-
gentino e três brasileiros acredita ter a
resposta para isso. Para elaborar sua
explicação de como se deu a ocupação
da América, eles se basearam em dados
da genética, da morfologia craniana, da
arqueologia e da linguística. O grupo
analisou 10 mil amostras de dados gené-
ticos e as características anatômicas de
576 crânios de populações extintas e
atuais do continente americano. “Nosso
trabalho é o primeiro em muitos anos a
propor um modelo com essa integração
de dados em um cenário coerente”, diz
Sandro Bonatto, da Pontifícia Universi-
dade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS), um dos membros do grupo.
Por essa teoria, com o aumento gra-
dual da temperatura após o auge do
período glacial, as geleiras foram derre-
tendo e abriram as portas da América
para o povo que estava “preso” na
Beríngia. Uma parte dele migrou pela
costa do Pacífico e iniciou uma rápida
colonização do continente, a princípio
pelo litoral, tendo alcançado o sul do
Chile mais de 12,3 mil anos atrás.
A diversidade morfológica desses
migrantes explica por que, apesar de ser
de fato mais parecida com os aborígines
da Austrália ou com os africanos do que
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Índios,
aborígines (foto à esquerda)
e africanos (à direita):
diversidade morfológica
Luzia reconstruída:
não era mongoloide
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com os índios atuais, Luzia não repre-
senta uma onda migratória separada,
que teria chegado ao continente antes
dos asiáticos típicos (mongoloides).
“Também sugerimos que mais recente-
mente, alguns milhares de anos atrás,
deve ter ocorrido alguma migração en-
tre a Sibéria e o Alasca, o que explicaria
a morfologia altamente diferenciada dos
esquimós americanos e asiáticos atuais”,
acrescenta Bonatto.
Seja como for, esses trêsmodelos são
tentativas diferentes de contar uma his-
tória que, como lembra Maria Cátira, é
única. Quer dizer, o fato é que o homem
chegou à América num dia do passado e
a povoou. Resta descobrir quando, de
onde e como veio. Na visão dos propo-
nentes de cada uma das teorias, as ou-
tras têm falhas. Na opinião de Niède,
nenhuma proposta, exceto a sua, explica
a antiguidade de suas descobertas. À
medida que as escavações progrediram
no sítio da Pedra Furada, em São
Raimundo Nonato, as datações foram
ficando cada vez mais recuadas, chegan-
do, no caso das ferramentas de pedra
lascada, a 58 mil anos pela técnica do
carbono 14. A fogueira mais antiga seria
de 100 mil anos atrás, conforme estabe-
lecido por meio de termoluminescência
– recurso que no entanto é questionado.
De acordo com Maria Cátira, a proposta
de Niède não é aceita porque é frágil.
“Não há ossos [fósseis] datados desse
período, apenas supostos artefatos”, cri-
tica. “É uma ideia extraordinária que
precisa de provas incontestáveis para
ser aceita. Como esses povos chegaram?
Por onde? Onde estão as outras linhas de
evidência? Onde estão os fósseis?”
Vencendo resistências
Neves, que por mais de duas décadas
foi adversário intelectual e crítico con-
tundente das ideias de Niède, hoje é
menos cético em relação à proposta dela.
Já admite que a arqueóloga possa ter de
fato encontrado artefatos feitos pelo ho-
mem, mas no máximo com até 32 mil
anos, que é o limite de datação precisa
pelo método do carbono 14. “Estou
99,9% convencido disso, mas não tenho
nenhuma explicação sobre como esses
humanos chegaram aqui em data tão
antiga”, diz.
Quanto ao trabalho do quarteto ar-
gentino-brasileiro, Neves está preparan-
do um artigo como resposta, a ser publi-
cado no mesmo American Journal of
Physical Anthropology, mas diz que não
pode adiantar seus argumentos. Limita-
se a afirmar que a proposta do grupo é
uma tentativa precipitada de espremer
os dados de várias ciências para encaixá-
los no modelo da biologia molecular.
“Eles sacrificam coisas essenciais das
outras áreas para que caibam na teoria
de migração única defendida pela maio-
ria – não a totalidade – dos biólogos
moleculares”, diz.
O antropólogo argentino Rolando
González-José, do Centro Nacional
Patagónico, membro do quarteto, res-
ponde a Neves, mas evita polemizar.
“Em nosso artigo não atacamos nenhum
dos modelos anteriores, mas apenas os
flexibilizamos”, explica. “A teoria de
Neves, por exemplo, deve ser modifica-
da para que não se recorra a duas ondas
migratórias, mas sim a uma população
ancestral heterogênea somada a um flu-
xo genético circum-ártico.”
Na verdade, o estudo dos quatro pes-
quisadores tenta conciliar as teorias an-
teriores existentes. “Nossa análise per-
mitiu demonstrar que é compatível a
história contada por ossos humanos an-
tigos do continente (como os de Luzia)
com os dados do DNA de povos indíge-
nas modernos”, explica outro integrante
da equipe, Fabrício Santos, da Universi-
dade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Controvérsias à parte, o que se tem
como certo sobre a dispersão do Homo
sapiens pelo planeta é que ele surgiu na
África entre 200 mil e 100 mil anos atrás
e dali saiu em época bastante remota em
direção ao que hoje é a Europa e a Ásia,
tomando rumos evolutivos diversos,
que levaram às diferenças de aparência
que se podia notar entre Colombo e os
povos que o receberam nas praias
ensolaradas do Caribe. 
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