Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FILOSOFIA E ÉTICA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 1 2.2.3 Os objetivos equivocados A primeira vertente da crítica à esterilidade da tradição filosófica diz respeito aos objetivos do conhecimento. Bacon1 não hesita em condenar a elevação do espí- rito ou a honra pública, o prazer ou a tranquilidade da alma como fins inferiores e degenerados. A seus olhos, a função meramente contemplativa da filosofia e a au- sência de uma tentativa de compreensão que representasse um domínio da natureza são as principais razões da estagnação, dos "destemperos do conhecimento" e de seus procedimentos dogmáticos. Uma das causas básicas da confusão de objetivos estava, para Bacon, "na mescla danosa" com a teologia. Platão é condenado por sua falta de interesse pela filosofia natural e por ter corrompido o estudo da natureza com a religião, o que o teria levado a entender e explicar a natureza em termos do sumo bem. Também Aristóte- les e sua doutrina da causa final acabam segundo Bacon (The advancement of lear- ning. VI, 223), incorrendo numa perspectiva teleológica equivalente à de Platão. Esta perspectiva impedia, a seu ver, a busca das causas físicas que possibilitam ter algum domínio sobre os fenômenos naturais. Explicações finalistas sobre operações da na- tureza, como a de que as chuvas são feitas para aguar a terra e as folhas das árvores para proteger os frutos, transformam, segundo Bacon, a ciência numa teologia. As causas finais são, portanto, vistas como questões acerca da providência divina, e suas especulações como "uma virgem consagrada a Deus, que não produz nada". Assim, é razoável que Bacon colocasse os pré-socráticos naturalistas acima de Platão e Aristóteles. Especialmente Demócrito, que, a seu ver, removeu Deus e a mente da fábrica das coisas e tratou das causas das coisas particulares como ne- cessidades da matéria, sem nenhuma intromissão das causas finais. Também os cé- ticos serão reverenciados por suas críticas às pretensões do conhecimento filosófico, mas não serão poupados da acusação de esterilidade, por causa da desesperança e conformação que seus pontos de vista levavam. 1 Francis Bacon (1561-1626) foi um filósofo, político e ensaísta inglês. Recebeu os títulos de Vis- conde de Albans e Barão de Verulam. Foi importante na formulação de teorias que fundamentaram a ciência moderna. É considerado o pai do método experimental. Fonte: https://www.ebiogra- fia.com/francis_bacon/ Aulas 19 e 20 FILOSOFIA E ÉTICA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 2 Ao tentar compreender as razões da adoção de objetivos equivocados, Bacon se deterá em alguns momentos na análise dos elementos psicológicos e culturais. Assim, em O parto masculino do tempo, a inca- pacidade dos filósofos em procriar (filosofias estéreis em obras) expressa uma atitude moral- mente culpada, advinda da soberba daqueles que não prestaram atenção aos limites, nem ti- veram apreço pela realidade e respeito pela obra do Criador, colocando acima de tudo “as astúcias do engenho e a obscuridade das pala- vras”. Esta postura se revela, por exemplo, na pretensão de encerrar a universalidade do saber e a totalidade da natureza em prin- cípios e doutrinas. Já em The advancement of learning, Bacon trata dos erros e da futilidade como destemperos do conhecimento, que seriam de três tipos: “...o primeiro, conhecimento fantástico, o segundo, contencioso e o terceiro, delicado. Vãs imaginações, vãs altercações e vãs afetações”. Estes três destemperos caracterizariam as principais tendências de sua época: neoplatonismo, escolástica aristotélica e retórica hu- manista. O Concílio de Trento, em 1545, e a recém-for- mada Companhia de Jesus reforçam, na Europa Católica, a Escolástica em torno da autoridade de Santo Tomás de Aquino. Na época de Bacon, o espanhol Francisco Suárez e o grupo de pro- fessores da Universidade de Coimbra são os principais representantes da Escolástica. Mas a denominação pejorativa de estéril não diz respeito somente a estas cor- rentes, mas ao conjunto das filosofias antigas e de sua época. Mesmo a obra do itali- ano Bernardino Telesius, por quem Bacon nutre reconhecida admiração, não deixa de ser considerada, pejorativamente, como contemplativa e pastoral. Imagem alusiva à Escolástica extraída do Breviarium Romanum do Ofício de Matinas, Ad Nocturnum, Lectio III, www.ipsa-conte- ret.blogspot.com FILOSOFIA E ÉTICA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 3 A esterilidade vale frisar, não é propriamente teórica, mas em termos de frutos (obras) que aliviem a condição material dos homens. Bacon considera os sistemas dos filósofos como teias de aranha. Com esta imagem ele exprime, simultaneamente, a percepção de sua perfeição e de seu deslocamento da realidade. Ou seja, reco- nhece a beleza e a habilidade das mentes na construção dos sistemas que, como os fios com que as aranhas tecem suas teias, são tirados delas mesmas, sem comércio com a natureza, e pairando acima e fora do mundo real. O interesse dos gregos pela teorização, que diferenciava seu conhecimento dos de outros povos e que geralmente é visto como elemento fundador da cultura ocidental é visto por Bacon como um equivocado excesso, que desvirtuara toda a filosofia. Isto não quer dizer que o conhecimento operatório, que ele proporá em subs- tituição, deva abrir mão de qualquer teorização. Bacon defenderá, como veremos, uma verdadeira união da teoria com a prática e, portanto, criticará também o desin- teresse dos técnicos pelas teorias e métodos que potencializassem o conhecimento- domínio da natureza e o avanço das invenções. Mas a seu ver a "inclinação grega" fora excessiva, levando a um descaminho que praticamente esterilizou toda tradição filosófica. Como se poder ver, a refutação dos objetivos equivocados da tradição filosófica vai indireta- mente revelando as finalidades do programa baco- niano. Ou seja, expressos negativamente como crítica da esterilidade, os objetivos da ciência ba- coniana se revelarão positivamente como transfor- mação da ciência (filosofia natural) em tecnolo- gia. Não há surpresa que o curso não seja percorrido quando os caminhos se desviam para fins menores. De fato, até onde eu saiba, o objetivo nunca foi definido. Este é, simplesmente, que a raça humana seja incessan- temente enriquecida com novas obras e poderes. (Bacon. Thoughts and conclusions, 76) Filosofia Natural - Gravura Flammarion , (autor anônimo, aparecido em el libro L'Atmosphere: Météorologie Populaire, Paris, 1888) – extraído de http://coctel- marx.blogspot.com.br FILOSOFIA E ÉTICA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 4 1) Com base no texto abaixo, é CORRETO afirmar que Francis Bacon: “Que ninguém espere um grande progresso nas ciências, especial- mente no seu lado prático, até que a filosofia natural seja levada às ciências particulares e as ciências particulares sejam incorporadas à filosofia natu- ral. [...] De fato, desde que as ciências particulares se constituíram e se dispersaram, não mais se alimentaram da filosofia natural, que lhes poderia ter transmitido as fontes e o verdadeiro conhecimento dos movimentos, dos raios, dos sons, da estrutura e do esquematismo dos corpos, das afecções e das percepções intelectuais, o que lhes teria infundido novas forças para novos progressos.” (BACON, Francis. Novum Organum. Trad. de José Aluysio Reis de Andrade. 4ªed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1988. p. 48.) a) Afirma que a única finalidade da filosofia natural é contribuir para o desenvol- vimento das ciências particulares. b)Defende que o que há de mais importante nas ciências particulares é o seu lado prático. c) Propõe que o progresso da filosofia natural depende de que ela incorpore as ciências particulares. d) Vincula a possibilidade do progresso nas ciências particulares à dependência destas à filosofia natural. 2) Com base no texto abaixo, assinale a alternativa que apresenta CORRETAMENTE a interpretação que Bacon fazia da filosofia aristotélica. “[...] Aristóteles estabelecia antes as conclusões, não consul- tava devidamente a experiência para estabelecimento de suas reso- luções e axiomas. E tendo, ao seu arbítrio, assim decidido, submetia FILOSOFIA E ÉTICA UNEC NÚCLEO DE ENSINO A DISTÂNCIA – NEAD Prof. Cláudio Soares Barros: claudiobarros0108@gmail.com Página 5 a experiência como a uma escrava para conformá-la às suas opini- ões”. (BACON, Francis. Novum Organum. Trad. de José Aluysio Reis de Andrade. 4ª ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1988. p. 33.) a) Aristóteles consultava a experiência para estabelecer os resultados e axiomas da ciência. b) Aristóteles afirmava que o conhecimento teórico deveria submeter-se, como um escravo, ao conhecimento da experiência. c) Aristóteles desenvolveu uma concepção de filosofia que tem como consequência a desvalorização da experiência. d) A filosofia aristotélica valorizava a experiência, por considerá-la um caminho se- guro para superar a opinião e atingir o conhecimento verdadeiro. 3) No texto The advancement of learning Francis Bacon trata dos erros e da futilidade como destemperos do conhecimento, criticando a esterilidade da ciência e outros aspectos da filosofia antiga. Assinale a alternativa que NÃO contempla elementos dessa crítica. a) A Escolástica Aristotélica. b) O Neoplatonismo. c) A Retórica Humanista. d) A transformação da ciência (filosofia natural) em tecnologia.
Compartilhar