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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDER LUIZ NOGUEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
MULHERES QUE PERDERAM FILHOS: 
UM ESTUDO SOBRE IDENTIDADE E MATERNIDADE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2011 
 
 
 
EDER LUIZ NOGUEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MULHERES QUE PERDERAM FILHOS: 
UM ESTUDO SOBRE IDENTIDADE E MATERNIDADE 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-graduação em Psicologia da 
Faculdade de Filosofia e Ciências 
Humanas da Universidade Federal de 
Minas Gerais como requisito parcial para 
obtenção do grau de Mestre em 
Psicologia. 
 
Área de concentração: Psicologia Social 
 
Orientador: Prof. Dr. Adriano Roberto 
Afonso do Nascimento 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2011 
 
 
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por 
qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, 
desde que citada a fonte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
150 
N778m 
2011 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nogueira, Eder Luiz 
 Mulheres que perderam filhos [manuscrito] : um estudo 
sobre identidade e maternidade / Eder Luiz Nogueira. - 
2011. 
 153 f. 
 Orientador: Adriano Roberto Afonso do Nascimento. 
 
 Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas 
Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. 
 Inclui bibliografia. 
 
1. Psicologia – Teses. 2. Identidade social – Teses. 3. 
Maternidade - teses. 4. Morte - Teses. 5. Psicologia social - 
Teses. I. Nascimento, Adriano Roberto Afonso do II. 
Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de 
Filosofia e Ciências Humanas. III. Título. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Deus. 
 
Aos meus pais, meus irmãos e minhas sobrinhas. 
 
Às mães que perderam seus (suas) filhos (as). 
 
 
 AGRADECIMENTOS 
 
 Agradeço a Deus, a Jesus e à vida que me proporcionaram a oportunidade de 
pensar sobre os mistérios que compõem a existência humana, tentar compreender as 
interpretações que não cessamos de construir para que o mundo nos pareça previsível, 
suscetível de planejamento e domínio. 
 Ao meu pai, que deu o melhor de si para que os filhos sejam felizes e construam, 
eles mesmos, um caminho de paz. 
 À minha mãe, pela dedicação, uma mulher tão linda e abençoada. 
 Aos meus irmãos e minhas irmãs, Margareth, Eugênio, Anderson e Cristiano, e 
em especial, à Ângela, que contribuiu com tanto carinho para que este trabalho fosse 
possível. 
 Às minhas sobrinhas Camila e Juliana. 
 Ao Prof. Adriano, que compreendeu minhas fraquezas, meus limites e me 
incentivou a realizar este projeto. A objetividade, respeito e paciência durante a 
orientação foram imprescindíveis para que esta pesquisa fosse possível. 
 À Profa. Ingrid, que foi presente em minha vida desde a graduação e me ensinou 
a elaborar os primeiros questionamentos sobre gênero, identidade e maternidade. 
 À Aimara pelo apoio e amizade. 
 À Fátima, pela amizade, carinho e incentivo. 
 À Mariana Veiga pelo apoio na tradução do Francês e ao Rodrigo nos textos de 
Inglês. 
 Às mães que compartilharam comigo suas vidas, seus pesares e suas alegrias. 
Sou grato por terem confiado em mim, por expressarem suas experiências de perder o 
filho pela morte e narrarem fatos tão difíceis de se apresentarem à consciência. 
A todos os amigos e colegas que contribuíram para a realização deste projeto. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Por muito tempo achei que a ausência é falta. 
E lastimava, ignorante, a falta. 
Hoje não a lastimo. 
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. 
E sinto-a, branca, tão apegada, 
aconchegada nos meus braços, 
que rio e danço e invento exclamações alegres. 
Porque a ausência, essa ausência assimilada, 
ninguém a rouba mais de mim. 
 
Carlos Drummond de Andrade 
 
 
RESUMO 
 
 
Nogueira, E. L. (2011). Mulheres que perderam filhos: um estudo sobre identidade e 
maternidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Psicologia. 
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais. 
Belo Horizonte. 
 
A maternidade, naturalmente associada ao corpo feminino, tem consequências que não 
estão limitadas à função biológica da reprodução. Além de abrigar em si a gestação do 
futuro bebê, a mulher, em muitas sociedades, deverá se responsabilizar pelos cuidados 
com a criança, oferecer conforto e proporcionar as condições necessárias ao seu 
desenvolvimento físico, moral e intelectual. Para muitos autores, a maternidade exerce 
influência fundamental na construção da identidade feminina em função das 
representações sociais que relacionam maternidade à plenitude da mulher, aos cuidados 
e proteção dos filhos. Orientado por teorias e pesquisas sobre identidade, maternidade e 
morte, este trabalho investigou as construções sociais da maternidade em mulheres que 
perderam filhos por morte violenta ou acidental e seu impacto sobre a identidade. Para 
tanto, foram realizadas entrevistas individuais por meio de um roteiro semiestruturado 
com sete mães cujos filhos morreram nestas condições. As informações originadas a 
partir das entrevistas foram submetidas à metodologia de perspectiva fenomenológica 
para investigação psicológica que, depois de organizadas em estruturas narrativas, 
forneceram-nos elementos para a compreensão do fenômeno investigado. As mães 
entrevistadas apresentaram narrativas que atribuem às mulheres o desempenho de 
atividades prioritariamente relacionadas ao cuidado com o filho, responsabilidades pela 
sua formação moral e sucesso na vida social, o que revelou uma identidade 
estreitamente vinculada aos papéis tradicionais de mãe. Os resultados destacaram que o 
tratamento dado ao tema morte na atualidade, associado às construções sociais da 
maternidade, constituíram nas narrativas das mães entrevistadas elementos que 
acentuam o sofrimento, sentimentos de inadequação social e dificuldades para socializar 
e demonstrar publicamente o pesar pela perda do filho. A pesquisa evidenciou que ao 
resgatarem as memórias relativas aos filhos que morreram, o grupo de mulheres que 
participou da investigação atribui a eles qualidades sociais desejáveis, o que sugere a 
necessidade de preservarem a imagem de boas mães, mesmo após a morte do filho. O 
evento trágico e violento que vitimou os filhos, conforme as narrativas das mães, 
contrariou às suas expectativas de que morreriam antes deles, o que causou sentimentos 
de impotência. Para enfrentar a falta, a saudade e homenagear a memória dos filhos que 
morreram, o grupo de mães entrevistado optou por mantê-los vivos em suas lembranças 
ao preservarem fotos, a disposição dos espaços que ocuparam ou objetos que lhes 
pertenceram para que não sejam esquecidos por elas. 
 
Palavras-chave: Identidade, maternidade, morte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
Nogueira, E. L. (2011). Mulheres que perderam filhos: um estudo sobre identidade e 
maternidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Psicologia. 
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Minas Gerais. 
Belo Horizonte. 
 
Motherhood which is a state naturally associated with the female body has 
consequences that are not limited to the biological function of reproduction. In many 
societies women must take responsibility for child care, comfort and provide the 
necessary conditions for their physical, moral and intellectual development in addition 
to protect the gestationof the future baby. For many authors, motherhood has a 
fundamental influence in the construction of female identity in terms of social 
representations which relate motherhood to women` fullness as well as care and 
protection of children. Guided by theories and research on identity, motherhood and 
death, this study investigated the social constructions of motherhood in women who 
have lost their children under violent or accidental circumstances and its impact on their 
identity. To this end, a semi-structured interview was carried out individually to seven 
mothers whose children died under these conditions. The data collected were analyzed 
through the phenomenological perspective of psychological research. They provided the 
information for the phenomenon comprehension after their organization into narrative 
structures. The mothers presented narratives that place women in activities related 
primarily to child care, responsibilities for its moral formation and success in social life, 
which revealed an identity closely tied to traditional roles of mother. The results 
highlighted that the treatment of the topic of death nowadays in association with social 
constructions of motherhood consisted in elements that accentuate the suffering, 
feelings of social inadequacy and difficulties to socialize and publicly demonstrate 
sympathy for the loss of the son in mothers’ narratives. The research found that the 
redeeming memories for the children who died provide them desirable social qualities 
which suggest the need of the mothers to preserve the image of good mothers, even after 
their son`s death. The violent and tragic event that killed the children went against the 
mothers’ expectations that they would die before them, which caused feelings of 
powerlessness. To deal with missing, longing and to honor the memory of the children 
who died, the group of mothers chose to keep them alive in their memories by 
preserving photos, layouts of spaces they have occupied before and their objects so they 
are not forgotten. 
 
 
Keywords: Identity, Motherhood, death. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 11 
1.1 Identidade .................................................................................................................. 11 
1.2 Considerações sobre a maternidade ........................................................................... 18 
1.3 A morte e o morrer .................................................................................................... 29 
1.4 Morte e perda de um filho: alguns apontamentos...................................................... 34 
2 OBJETIVOS ....................................................................................................................................................... 37 
3 MÉTODO ........................................................................................................................................................... 38 
3.1 Caminhos percorridos ................................................................................................ 38 
3.2 Os sujeitos ................................................................................................................. 43 
3.3 Procedimento de coleta dos dados ............................................................................. 44 
3.4 Procedimento de análise dos dados ........................................................................... 46 
4 RESULTADOS .................................................................................................................................................. 50 
4.1 As narrativas das mães .............................................................................................. 52 
4.2 As vivências compartilhadas ................................................................................... 116 
4.2.1 Maternidade ................................................................................................. 116 
4.4.2 Como era o filho .......................................................................................... 120 
4.4.3 Como entende a morte ................................................................................. 123 
4.4.4 Isolamento e sociabilidade........................................................................... 130 
4.4.5 Lembrança e saudades do filho ................................................................... 132 
5 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................................................. 137 
6 CONSIDEÇÕES FINAIS ................................................................................................................................. 144 
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ............................................................................................................ 147 
ANEXOS ............................................................................................................................................................. 152 
I – ROTEIRO SEMIESTRUTURADO PARA ENTREVISTA ................................... 152 
II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............................ 153 
 
 
 
 
 
11 
 
 1 INTRODUÇÃO 
 
 Este trabalho foi realizado a partir das reflexões provocadas pelas atividades de 
um dos pesquisadores junto a um grupo de mães que perderam filhos. O grupo teve 
início em função da procura destas mães pelo trabalho de aconselhamento. O 
pesquisador observou, desde o primeiro encontro, o enorme sofrimento relativo à perda 
do filho, as dificuldades que encontravam para falar da morte e expressarem 
socialmente os seus sentimentos. Independentemente do tempo da perda, a dor e a 
saudade do (a) filho (a) ainda estavam intensamente presentes e, talvez, por não se 
sentirem socialmente adaptadas, optaram por participar do grupo de apoio, espaço onde 
seria possível socializarem os sentimentos relativos à ausência do filho. Esse grupo de 
mães nos levou a pensar sobre o assunto maternidade e o impacto da perda de um filho 
sobre a identidade feminina. 
 O tema maternidade é complexo, polêmico e tem produzido estudos em 
diferentes áreas do conhecimento. Algumas teorias sobre maternidade afirmam que os 
sentimentos da mulher com relação ao filho foram historicamente produzidos a partir de 
discursos filosóficos, científicos e políticos com o objetivo de vincular a mulher às 
atividades de cuidado com a criança. Portanto, a maternidade é relevante nas pesquisas 
científicas por influenciar a identidade feminina, determinar estilos de vida e estabelecer 
comportamentos socialmente legitimados para as mulheres. 
Com a finalidade de compreendermos alguns aspectos sobre as construções 
sociais de identidade, maternidade e morte, apresentaremos neste capítulo uma breve 
discussão teórica sobre estes temas. Inicialmente, discutiremos algumas teorias relativas 
à identidade e, em seguida, trataremos do assunto maternidade e sua influência sobre a 
identidade feminina para, então, discutirmos algumas teorias, tanto da psicologia, como 
da sociologia, que abordam o tema morte. Nosso estudo será orientado em torno da 
articulação destes temas, que serviram de referência para realizarmos a nossa 
investigação. 
 1.1 Identidade 
 
O universo das relações sociais estabelece modos de vida que são 
compartilhados e pactuados pelos diversos sujeitos de uma cultura. O sistema de 
relações sociais expressa significados culturais historicamente construídos que orientam 
12 
 
e legitimam ações que compõem as experiências vivenciadas pelos sujeitos em uma 
dada sociedade, grupo ou estado, nos quais estão inseridos. 
Estes contextos influenciam e constroem identidades a partirdas relações sujeito 
e sociedade. A identidade pessoal não pode ser pensada fora do contexto social no qual 
o sujeito se constitui, internaliza e reproduz valores, comportamentos e atitudes 
associados ao sistema de significações e regras que estruturam os grupos sociais e a 
sociedade aos quais pertence (Silva, 2000). A identidade, conforme propõe esse autor, 
não pode ser definida a partir de uma realidade biológica, como que determinada por 
um sistema de componentes fisiológicos, mas deve ser compreendida como algo 
complexo, produzida e referenciada pela cultura. A identidade de um indivíduo, 
portanto, é produzida a partir das experiências que compõem as suas relações sociais, 
sujeita a mudanças que se processam no decorrer da sua vida em conformidade com os 
modos de socialização que compõem sua inserção nos cenários da vida social. 
Deschamps e Moliner (2009) destacam que a noção de identidade ocupa um 
lugar central na Psicologia Social. Para os autores, esta afirmação está organizada em 
torno de uma das principais reflexões desta disciplina que é a relação entre o individual 
e o coletivo. Os autores concluem que, entre as teorias que se destacam na problemática 
da identidade neste campo estão os estudos sobre as representações sociais que, segundo 
eles, modulam o “jogo complexo das aproximações e das distanciações entre si mesmo, 
o grupo e os outros” (p. 152) e, portanto, exercem papel importante, senão essencial, na 
formação da identidade. 
Cohem- Scall e Molliner (2008) ao analisarem as diferentes concepções teóricas 
das relações entre representações sociais e identidade social e pessoal concluem que 
existe uma interdependência contínua entre identidade e representações sociais e 
indicam que estas não podem ser pensadas isoladamente. 
Uma definição consensual entre os teóricos das representações sociais foi 
proposta por Jodelet (2002). Para a autora, as representações sociais “são uma forma de 
conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que 
contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (p. 22) e, 
portanto, são elaboradas e partilhadas pelos grupos sociais com a finalidade de 
construir, interpretar e significar a realidade. 
 Uma relação importante entre representações sociais e identidade é apresentada 
por Doise (1999), apud Cohem- Scall e Molliner (2008). Para ele, a identidade pessoal 
pode ser pensada como uma representação social. Neste sentido, as representações 
13 
 
sociais influenciam a identidade pessoal na medida em que as pessoas recorrem às 
normas e valores compartilhados socialmente para definir suas posições individuais. 
 Por sua vez, a identidade social, segundo Tajfel (1981), relaciona-se à parcela de 
auto-conceito proveniente da pertença a um grupo e, portanto, está fundada sobre 
conhecimentos, hábitos ou crenças que localizam o indivíduo em categorias sociais às 
quais ele pertence. Outra teoria em Psicologia Social que tem como objetivo tratar da 
questão da identidade é a teoria Ego-ecológica proposta por Zavalloni (2007). Segundo 
a autora, a identidade não está restrita ao indivíduo, mas é construída a partir da relação 
sujeito- sociedade, cujos papéis sociais conformam aspectos identitários relacionados e 
condicionados pela cultura. 
O modelo de identidade psicossocial apresentado por Zavalloni (2007) 
pressupõe que os grupos sociais desenvolvem formas de comunicação por meio da 
linguagem para demarcar sua identidade, ao mesmo tempo em que estabelecem 
diferenças com relação a outros grupos. A autora considera que as representações e 
sentidos que se põem diante de um indivíduo expressam seus valores e a construção de 
si mesmos em relação aos outros indivíduos e à sociedade. Este modelo está elaborado a 
partir da ideia da existência de um mundo interior relacionado às representações do 
ambiente. Segundo Cohem- Scall e Molliner (2008), a identidade para Zavalloni é 
concebida como uma elaboração cognitiva ligada ao pensamento representacional e se 
refere “às modalidades de organização das representações que um indivíduo tem dele 
mesmo e das representações dos grupos aos quais pertence” (p. 477). 
A identidade psicossocial, segundo Zavalloni (2007), situa-se em um complexo 
processo de elaboração que se apresenta como resultado das negociações entre 
indivíduo e sociedade, por meio de uma influência recíproca. A autora considera que o 
mundo social, as experiências vividas pelos sujeitos e as memórias a elas associadas 
produzem as representações cognitivas e emocionais que orientam e determinam a sua 
identidade. 
 Com relação à memória e ao sentimento de identidade, Pollak (1992) afirma que 
estão intimamente relacionados. Segundo o autor, a “memória é um elemento 
constituinte do sentimento de identidade, tanto individual, como coletiva” (p. 204). Para 
ele, a reconstrução dos relatos vividos pelos sujeitos é permeada pelas representações 
internalizadas em suas relações sociais e, portanto, 
A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos 
outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de 
credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros. Vale 
14 
 
dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas, e não 
são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma 
pessoa ou de um grupo. (p. 205) 
 
 
 Segundo Halbwachs (2004), a memória é, sobretudo, coletiva1. Para ele, mesmo 
que para muitos se apresente como um fenômeno individual, ela deve ser entendida 
como um processo social, sujeito a mudanças e reorganizações conforme as influências 
sociais. Segundo o autor, 
A sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais explica-
se sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os 
diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses 
meios, cada um tomado à parte, e em seu conjunto. (p. 56) 
 
 Neste sentido, sendo a memória influenciada pelas relações sociais e 
estreitamente associada à identidade, conforme argumentam estes autores, não nos será 
difícil compreender que as lembranças que os indivíduos relatam sobre sua história de 
vida tendem a ser influenciadas pelas representações que possuem de si mesmos e 
reafirmam identidades legitimadas pelos grupos sociais ou sociedade às quais 
pertencem. Com relação à influência social sobre nossas lembranças, Lowenthal (1998) 
afirma que 
Na verdade, precisamos das lembranças de outras pessoas tanto para 
confirmar nossas próprias quanto para lhes dar continuidade. Ao contrário 
dos sonhos que são absolutamente particulares, as lembranças são 
continuamente complementadas pelas dos outros. Partilhar e validar 
lembranças torna-as mais nítidas e estimulam sua emergência; 
acontecimentos que somente nós conhecemos são evocados com menos 
segurança e mais dificuldade. No processo de entrelaçar nossas próprias 
recordações dispersas em uma narrativa, revemos os componentes pessoais 
para adequar o passado coletivamente relembrado e, gradualmente, 
deixamos de diferenciá-los. (p. 81) 
 
 Representações sociais, memória e identidade social, conforme exposto até aqui, 
constituem um conjunto de fenômenos fortemente articulados. 
 É importante considerarmos que a Psicologia Social teve suas origens tanto na 
Psicologia como na Sociologia (Álvaro e Garrido, 2006) e, por isso, não podemos 
deixar de incluir aqui algumas das recentes contribuições teóricas dos estudos de 
identidade com perspectivas sociológicas com o objetivo de melhor compreendermos o 
modo como os processos sociais interagem com o indivíduo na produção de 
identidades. 
 
1 Sá (2005, p. 66) considera que “Halbwachs usou o adjetivo coletiva de preferência a social, com o 
propósito de associar a memória explicitamente à vida do grupoque a sustentava, enquanto este mesmo 
existisse, mas segundo sua releitura por Namer (2000), não teria com isso deixado de considerar os 
aspectos mais amplamente sociais do fenômeno da memória”. 
15 
 
Do ponto de vista de Woodward (2000), a identidade está relacionada aos 
contextos sociais e é neles produzida. Para a autora ela é modificada ou mantida por 
meio das relações sociais 
Diferentes contextos sociais fazem com que nos envolvamos em 
diferentes significados sociais. Consideremos as diferentes “identidades” 
envolvidas em diferentes ocasiões, tais como participar de uma entrevista 
de emprego ou de uma reunião de pais na escola, ir a uma festa ou a um 
jogo de futebol, ou ir a um centro comercial. Em todas estas situações, 
podemos nos sentir, literalmente, como sendo a mesma pessoa, mas nós 
somos, na verdade, diferentemente posicionados pelas diferentes 
expectativas e restrições sociais envolvidas em cada uma destas diferentes 
situações. (p. 30) 
 
 É pela mediação cultural que o sujeito se apropria dos sistemas simbólicos que 
representam suas identidades. Woodward (2000), ao relatar a problemática do conflito 
entre os Sérvios e Croatas, afirma que as identidades se inserem em um sistema de 
representações simbólicas interposto pela linguagem, que classifica o mundo e nossas 
relações em seu interior. Segundo esta autora, a identidade é relacional e marcada pela 
diferença. A identidade é construída e assinalada pela exclusão, ou seja, ser Sérvio é não 
ser Croata, ser homem é não ser gay, ser branco é não ser negro. Deste modo, conforme 
esta autora, 
a identidade é relacional. A identidade sérvia depende, para existir, de 
algo fora dela: a saber, outra identidade (Croácia), de uma identidade 
que ela não é, que difere da identidade sérvia, mas que, entretanto, 
fornece as condições para que ela exista. A identidade sérvia se 
distingue por aquilo que ela não é. Ser um sérvio é ser um “não croata”. 
A identidade é, assim, marcada pela diferença. (p. 9) 
 
Woodward (2000) apresenta uma concepção de identidade não essencialista em 
que a configuração da identidade cultural é produto de um processo de construção da 
identidade que pressupõe uma relação estreita com o momento político, econômico e 
social experienciado pelos atores sociais. A representação identitária confere segurança 
e sentido às ações dos sujeitos e produz subjetividades fortemente marcadas pelos 
contextos nos quais os atores atuam. 
 Neste mesmo sentido, Hall (2006) argumenta que a modernidade trouxe consigo 
um descentramento do sujeito e uma consequente crise de identidade. Ele entende que 
as velhas identidades que conferiam estabilidade ao mundo social estão em crise, 
provocando o surgimento de novas identidades e consequente fragmentação do sujeito. 
O indivíduo que trazia em si certezas identitárias de espaço e tempo, afirma o autor, 
encontra-se fragilizado em função das transformações sociais contemporâneas, em 
particular pelo fenômeno da globalização, que dilui as linhas de separação entre as 
16 
 
culturas e os modos de vida social dos diferentes povos. Tal concepção de identidade 
está vinculada à identidade do sujeito moderno 
Conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou 
permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e 
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos 
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. 
(p.12) 
 
 Portanto, o sujeito moderno, conforme o autor, é um indivíduo fragmentado, 
cujas possibilidades identitárias estão marcadas por um processo de descentramento. 
Uma identidade que assume mudanças conforme as negociações necessárias para o 
estabelecimento de suas reivindicações. Trata-se de representações que convocam o 
sujeito a assumir diversos papéis, muitas vezes contrapostos e oponentes, que em um 
mesmo ou diferentes contextos instauram divisões do sujeito para o exercício dos 
diferentes papéis que lhe são atribuídos socialmente. 
 Tais considerações nos levam a entender que, ao mesmo tempo em que o sujeito 
moderno se confronta com as exigências do mundo globalizado, que fragmenta e 
problematiza posições fixas, ele é convocado a sustentar uma identidade que reproduza 
e perpetue um discurso que lhe ofereça sentimento de pertença social. Este mesmo 
sujeito, que tenta incorporar às suas vivências um conteúdo massificado de conduta 
social globalizada, depara-se com a necessidade de pertencimento a grupos que, dentro 
de um contexto mais amplo, reivindicam identidades que lhe imprimam características 
específicas de acordo com suas necessidades de garantia de direitos individuais. 
 Há, portanto, um conflito que se agrava diante da necessidade de que, apesar das 
mudanças intensas estimuladas pelo processo de modernização em função de uma nova 
estrutura social, o indivíduo tende a reproduzir valores historicamente constituídos para 
sustentar a identidade nós-eu. Para Nobert Elias (1994), o desaparecimento das 
tradições culturais em função das imposições estruturais da modernidade globalizada 
pode levar a um sentimento do que ele chama de morte coletiva. Este autor apresenta a 
ideia de que, se por um lado não se discute o conceito de sociedade, que por sua vez não 
apresenta definições bem compreendidas, as mudanças nas formas de vida em sociedade 
só existem porque os indivíduos querem e operacionalizam estas mudanças, apesar de 
que estas mesmas mudanças independem do planejamento individual. Segundo este 
autor, as pessoas são constituídas por suas características individuais, bem como por 
uma rede intersubjetiva de valores sociais e influências coletivas. A sociedade é 
constituída por meio da relação entre os sujeitos, porém, ao ser elaborada passa a 
17 
 
constituir uma estrutura própria que independe das posições individuais. Segundo Elias 
(1994), 
Essa imagem-do-nós, contudo, que muitas vezes assume a forma de um 
processo de maior ou menor extensão, não tem apenas uma função 
individual, mas também uma importante função social. Ela dá a cada 
indivíduo um passado que se estende muito além de seu passado pessoal e 
permite que alguma coisa das pessoas de outrora continue a viver no 
presente. (p.182) 
 
 Em meio a estas contradições, Elias (1994) considera que as pessoas são ao 
mesmo tempo indivíduo e sociedade e esta individualidade singular interage com as 
demais para construir o mundo social. O autor, contudo, aponta para a ocorrência de 
uma crescente individualização dos sujeitos nas sociedades complexas. Segundo ele, 
nas sociedades primitivas há uma maior identificação dos sujeitos com seu grupo, 
família ou tribo, fazendo com que sua identidade fique mais estreitamente vinculada 
com estas figurações, criando um sentimento de dependência dos discursos e saberes 
locais, o que ele denomina de identidade-nós. Porém, nas sociedades modernas, 
alicerçadas em outra complexidade econômica, social e política, há uma predominância 
da identidade-eu, já que o indivíduo transita por diversos papéis, muitas vezes 
contraditórios, o que exige uma dinâmica de interações diferenciada daquela partilhada 
em sociedades onde as identidades permitem ao indivíduo um sentimento de unidade. 
Elias (1994) ainda destaca que o deslocamento do sujeito das relações de 
pertença e identidade associadas e referenciadas exclusivamente a um grupo específico 
para um contexto mais amplo fica ameaçado pelos valores globalizados. Assim sendo, 
este autor afirma que, 
a maior impermanência da relação nós, que nos estágios anteriores tinha 
muitas vezes o caráter vitalício e inevitável de uma coerção externa, 
coloca ainda mais ênfase no eu, na própria pessoa, como o único fator 
permanente, a única pessoa com que se tem que viver a vida inteira. (p. 
167) 
A busca pela realização individual torna-se neste sentido uma condição 
importante para os indivíduos da modernidade,mas, por outro lado, há uma 
interdependência entre individual e coletivo, já que a realização individual só é possível 
socialmente. Neste aspecto, há que se entender que existe uma dinâmica entre o 
individual e o coletivo que nas sociedades modernas extrapola as relações do indivíduo 
com a comunidade local em função da possibilidade de acesso a conhecimentos 
facilitados pelas atuais tecnologias de informações. 
18 
 
 As teorias e estudos relativos à identidade que se apresentam tanto no campo da 
Psicologia Social como no da Sociologia são contribuições importantes para a 
compreensão da identidade como produto das relações sociais, sua influência nos 
comportamentos individuais e o modo como cada indivíduo se define, vivencia e se 
modifica a partir das experiências sociais. 
 Estas teorias articuladas nos informam sobre os esforços que a maioria dos 
indivíduos emprega para preservar suas identidades e, deste modo, preservar a imagem 
que criou sobre si mesmo na sociedade. No caso específico deste estudo, o impacto da 
perda de um filho sobre a identidade feminina é uma questão que foi problematizada em 
função das representações sociais de maternidade que compõem a identidade feminina. 
Portanto, as teorias aqui expostas contribuirão para embasar nosso estudo sobre 
maternidade e a perda do filho. 
 Finalmente, com base nas teorias de identidade psicológicas e sociológicas aqui 
apresentadas, trataremos do tema maternidade na próxima seção, o que será importante 
para compreendermos como a identidade feminina foi historicamente associada à 
imagem de mãe e cuidadora dos filhos. 
1.2 Considerações sobre a maternidade 
 
A maternidade é reconhecida em muitos estudos como um componente 
importante da identidade feminina. É por meio de diferentes processos que têm como 
princípio as crenças e valores compartilhados socialmente que as representações sobre o 
que é maternidade são internalizadas e vivenciadas como um dos fatores que estruturam 
a identidade feminina. 
 Pensar a posição subjetiva da mulher contemporânea no contexto da 
maternidade exige que façamos considerações sobre algumas teorias científicas e 
processos sociais e culturais que historicamente produziram as funções de cuidado e 
dedicação exclusiva ao marido e aos filhos como um papel inerente à condição 
feminina. Os eventos biológicos da reprodução adquiriram significados sociais que 
atrelaram à mulher papéis específicos em sua rede social e exerceram influência 
importante sobre sua identidade pessoal e social, representados por comportamentos 
normatizados pela cultura. Pain (1998) considera que 
A gravidez e a maternidade são temas antropologicamente relevantes, uma 
vez que não se esgotam apenas como fatos biológicos, mas abrangem 
dimensões que são construídas cultural, social, histórica e afetivamente. A 
gravidez processa-se no corpo das mulheres, porém, como outros 
19 
 
acontecimentos do mesmo tipo, tem significados construídos com base na 
experiência social. Por conseguinte, pode-se pensar que são variáveis 
conforme a posição social ocupada pelos sujeitos, segundo classe, sexo, 
idade, etc.. (p. 31) 
 
 A gravidez, como fenômeno social, ultrapassa as condições biológicas da 
gestação por constituir uma vivência que exigirá da futura mãe responsabilidades de 
cuidado e educação do filho, bem como definirá a concretização de uma identidade 
social importante para a mulher. Antes mesmo da gravidez, a mulher convive com as 
possibilidades de ser mãe e conjectura as consequências deste fato para sua vida. Nas 
sociedades ocidentais, o processo social da maternidade tem início durante a infância, 
período em que a criança por meio de elaborações lúdicas imita os papéis representados 
pelos adultos e, geralmente, internaliza o modo como as construções de gênero se 
articulam em seu contexto social (Brougère, 1995; Kishimoto & Ono, 2008; Azevedo, 
2003). 
As práticas discursivas sobre a maternidade desempenham importante influência 
na produção de configurações subjetivas nas mulheres. Rodrigues (2008) afirma que 
a maternidade está naturalmente inserida no ciclo de vida das fêmeas, mas 
provoca repercussão intensa na vida das mulheres como fenômeno social, 
porque tem uma dimensão simbólica, ideológica, religiosa, política e 
econômica e existe muito antes para elas, que enfrentam as alterações 
orgânicas e psíquicas da gravidez do que para a sociedade e o estado que 
absorverão mais tarde o novo cidadão. (p. 44) 
 
Conforme esta autora, a gravidez, como acontecimento ligado ao corpo 
feminino, estabeleceu historicamente para a mulher condições inerentes às necessidades 
de sobrevivência da criança, tanto em seu contexto biológico, alimentação e higiene, 
como em processos de socialização e internalização dos valores morais, sociais e 
religiosos da cultura. 
 Portanto, sujeito às influências históricas e culturais, o papel da mulher nos 
cuidados com a criança não se configura somente como produto de uma determinação 
biológica, mas pode ser adquirido e variar conforme os interesses dominantes de uma 
dada sociedade. Badinter (1985) afirma que a relação da mãe com a criança, do modo 
como se apresenta na modernidade, é resultado de transformações sociais ocorridas a 
partir do último terço do século XVIII. Segundo esta autora, o cuidado com a criança 
como uma atividade intrinsecamente feminina passou a influenciar, a partir deste 
período, o comportamento social europeu, sacralizando a imagem da mãe, evocando o 
amor materno como um instinto natural, tarefa para a qual, segundo os discursos 
20 
 
científicos, filosóficos e políticos da época, a natureza havia devidamente preparado a 
mulher. 
Naquele contexto, a criança, antes considerada um entrave aos interesses da 
mulher, passou a ocupar um lugar central nas relações familiares. As ações normativas 
do estado, da religião e da ciência aconselhavam às mães dedicarem carinho e amor a 
suas crianças. Segundo Badinter (1985), o papel de guardiã dos interesses da criança e 
da família competia à mulher que, além de responsável pelos cuidados com o recém-
nascido, deveria cumprir, igualmente, a missão de promovê-lo a cidadão. Intensifica-se, 
desse modo, o processo de estreitamento entre a identidade feminina e o ideal de 
maternidade que inicia por organizar as classes burguesas para em seguida tornar-se 
uma prática discursiva também junto às famílias das camadas populares. 
No Brasil, esta influência se fez sentir mais acentuadamente a partir do século 
XIX, com a Proclamação da República, período em que ocorreram mudanças 
significativas no papel da mulher (Neder, 2008; Rocha-Coutinho, 1994; Almeida, 
1987). As relações sociais sofreram um processo de modernização e no bojo destas 
mudanças a identidade feminina passou a ser construída e definida a partir do espaço 
doméstico. A criança, aos poucos, configurou-se como protagonista da experiência 
feminina e, neste sentido, houve um estreitamento dos laços afetivos entre a criança e a 
mulher. 
 Badinter (1985) considera, ainda, que algumas teorias científicas contribuíram 
indubitavelmente para consolidar o processo de naturalização do sentimento materno. 
Freud (1996), por exemplo, apresenta o complexo de castração como um acontecimento 
universal com consequências inevitáveis para o desenvolvimento humano. Para a 
menina, segundo este autor, a descoberta de que é castrada conduz a três possíveis 
destinos estruturadores do psiquismo feminino: inibição sexual ou neurose, modificação 
do caráter no sentido de um complexo de masculinidade ou à feminilidade normal. 
Freud (1996) associa a maternidade e o sentimento materno a este terceiro desfecho 
para o complexo de castração na menina, ao afirmar que 
a situação feminina só se estabelece se o desejo do pênis for substituído pelo 
desejo de um bebê, isto é, se um bebê assume o lugar do pênis, consoante 
uma primitiva equivalênciasimbólica (...). Não nos passou despercebido o 
fato de que a mesma desejou um bebê anteriormente, na fase fálica não 
perturbada: este era, naturalmente, o significado de ela brincar com bonecas. 
Todavia esse brinquedo não era, de fato, expressão de sua feminilidade: 
serviu como identificação com sua mãe, com a intenção de substituir a 
atividade pela passividade. Ela estava desempenhando o papel de sua mãe, e 
a boneca era ela própria, a menina: agora ela podia fazer com o bebê tudo o 
que sua mãe costumava fazer com ela. Não é senão com o surgimento do 
21 
 
desejo de ter um pênis que a boneca-bebê se torna um bebê obtido de seu pai 
e, de acordo com isso, o objetivo do mais intenso desejo feminino. Sua 
felicidade é grande se, depois disso, esse desejo de ter um bebê se concretiza 
na realidade; e muito especialmente assim se dá, se o bebê é um menininho 
que traz consigo o pênis tão profundamente desejado. (p. 128) 
 
 A psicanálise, segundo Badinter (1985), instaura uma relação intrínseca entre a 
feminilidade normal e o sentimento materno, como algo naturalmente dado e essencial 
ao ser mulher. O desejo de ser mãe se inscreve como um desejo natural da mulher em 
função da experiência universal da castração. Esta teoria, devido à influência que 
exerceu sobre a produção científica e, principalmente, sobre o pensamento médico, 
reforça o papel socialmente desejado para a mulher junto ao filho, já que normatiza a 
função feminina de cuidados com a criança por se traduzir em uma consequência 
natural do psiquismo feminino. Para Badinter (1985), a psicanálise promoveu a mãe à 
condição de responsável, quase que unicamente, pela felicidade de seu filho. As ideias 
propagadas pela psicanálise têm uma repercussão importante em todas as camadas 
sociais e, de algum modo, reiteram uma organização social baseada em uma identidade 
feminina concretizada na maternidade, consequentemente, nos cuidados com a criança. 
Disciplinas da psicologia, principalmente nas áreas da educação e 
desenvolvimento humano, articulam em alguns de seus estudos autores que reiteram 
aspectos instintivos da maternidade. Destacaremos aqui dois teóricos amplamente 
utilizados por estas disciplinas, contudo, esclarecemos que escapa aos objetivos deste 
trabalho contestar ou validar estas teorias. Nossa finalidade é apresentá-las de modo 
sucinto, para melhor visualizarmos alguns conceitos da psicologia que nortearam e 
produziram saberes que, ainda hoje, influenciam a produção científica sobre a 
maternidade e justificam socialmente o comportamento materno. Primeiramente, 
citaremos a teoria dos instintos, proposta por John Bowlby (1990), a qual inscreve o 
comportamento de cuidar dos filhos como algo inerente à natureza da mulher. Segundo 
este autor, a mãe sente um forte impulso para ficar perto de seus filhos pequenos, o que 
é determinado por uma função biológica de preservação da espécie. Bowlby (1990) 
afirma que “permanecer na proximidade de um bebê e recolhê-lo em seus braços em 
situações de alarme serve claramente a uma função protetora” (p. 257). No caso da 
espécie humana, afirma este autor, submeter ou resistir ao impulso de proteção depende 
de fatores pessoais, culturais e econômicos. 
22 
 
A teoria de Bowlby (1990), como ele mesmo destaca, embora apresente 
conteúdo da psicanálise tradicional, afasta-se desta na medida em que assume uma 
abordagem que 
se apoia substancialmente em observações de como membros de outras 
espécies, que não a humana, reagem a situações similares da presença ou 
ausência da mãe e que usa uma vasta gama de novos conceitos 
desenvolvidos por etólogos para explicar tais reações. (p. 7) 
 
Esta afirmação leva-nos a considerar que, para ele, o instinto materno presente 
nos humanos pode ser compreendido também por meio da observação do 
comportamento de espécies não humanas e, portanto, regido por princípios reguladores 
universais. Não obstante, ele destaca que 
O homem não é um macaco, nem um rato branco, muito menos um canário 
ou um peixe ciclídeo. O homem é uma espécie perfeitamente distinta, com 
certas características incomuns. Pode ser, portanto, que nenhuma das ideias 
provenientes de estudos de espécies inferiores seja relevante. Contudo, isso 
parece improvável. Nas áreas da alimentação do bebê, da reprodução e da 
excreção, por exemplo, compartilhamos características anatômicas e 
fisiológicas com espécies inferiores, e seria deveras estranho que não 
compartilhássemos nenhuma das características comportamentais que lhes 
são concomitantes. (p.7) 
 
Segundo este autor, o comportamento de cuidar da criança constitui uma 
habilidade natural da mulher. Mesmo que a criança apresente um comportamento 
incompatível com a dedicação necessária aos cuidados, como, por exemplo, gritos 
estridentes que irritem a mãe, a aversão aos gritos pode provocar um afastamento 
temporário, mas que rapidamente é abolido em função da necessidade de cuidado com a 
criança, já que 
numa mãe normal, o comportamento de afastamento, embora ocorra 
ocasionalmente, não é frequente nem prolongado, sendo rapidamente 
substituído pelo cuidado, quando os acontecimentos o exigem. Numa mãe 
emocionalmente perturbada, por outro lado, tal comportamento pode 
interferir seriamente com os cuidados ao filho. (p.9) 
 
 Outro teórico importante neste cenário, que apoia a condição de mãe como 
natural é Winnicott. A teoria do amadurecimento de Winnicott propõe um modelo de 
mãe que se caracteriza por sua capacidade natural de corresponder às necessidades do 
bebê (Winnicott, 1996). A mãe, segundo ele, constitui o ambiente facilitador do 
desenvolvimento da criança, por se traduzir em uma instância que naturalmente sustenta 
e responde à dependência do bebê, ou seja, está sensível às demandas do lactente. Este 
ambiente, no conceito de Winnicott, não é externo ou interno à criança, mas se processa 
no âmbito da relação mãe-bebê (Dias, 2003). O ambiente facilitador, esclarece esta 
autora, é a própria mãe que se preocupa e cuida efetivamente da criança, esvaziando-se 
23 
 
da sua vida pessoal para atender às necessidades do bebê e é naturalmente esperado que 
a mãe atinja esta disposição afetiva por meio de uma profunda identificação com a 
criança. A totalidade dos cuidados com o recém-nascido que tomam conta da mãe 
fomenta o desenvolvimento psicológico da criança, cujo conjunto de qualidades dirigido 
ao bebê caracteriza, conforme proposto por Winnicott, “a mãe suficientemente boa”, o 
que representa uma preocupação materna primária. Segundo Dias (2003) 
Embora a preocupação materna primária seja um estado que advém, 
naturalmente, com a maternidade, existem mulheres que o temem e que 
resistem à regressão nele contida. Elas permanecem agarradas às suas 
ocupações adultas e não conseguem, ou não suportam, identificar-se com o 
bebê. Este tipo de mãe tenderá a cuidar do lactente por via mental; seus atos 
serão deliberados, regidos por regras intelectualmente estabelecidas. Talvez 
ela consiga provê-lo de algumas coisas básicas, mas não será capaz da 
comunicação profunda e silenciosa que a intimidade traz. Ela cuidará dele 
como se “cuida de bebês”, isto é, com um cuidado impessoal. (p. 136) 
 
 Assim posto, podemos concluir, conforme a teoria destes autores, que a não 
ocorrência de um desenvolvimento normal do lactente será atribuída basicamente à mãe, 
e os fatores de ordem social, econômica ou pessoal não são destacados ou são pouco 
considerados como intervenientes possíveis no curso do desenvolvimento do bebê. 
 Estudos realizados no Brasil também indicam que as teorias do instinto materno 
contribuíram para vincular a feminilidade ao exercício dos cuidados com a criança. 
Além disso, revelam que ter filhos estrutura a identidade feminina e constitui um 
requisito imprescindível à autoestima pessoal e coletiva da mulher. Souza e Ferreira 
(2005) em estudo que investigou asimplicações da condição de maternidade e não 
maternidade para a construção da autoestima pessoal e coletiva das mulheres concluiu 
que a maternidade desempenha importante papel na configuração da identidade 
feminina. As pesquisadoras apontam que 
Os resultados acerca dos maiores índices de autoestima pessoal e coletiva 
obtidos pelas mulheres mães, em comparação às não mães, levam à 
conclusão de que os estereótipos tradicionais, que atrelavam a maternidade à 
condição feminina, ainda exercem influência na construção da identidade 
feminina. (p. 23) 
 
 E concluem que as mulheres pesquisadas “ainda sofrem influências da herança 
sociocultural pró natalista que permeia alguns segmentos da sociedade brasileira. Neste 
sentido, concebem e celebram a maternidade como um momento único, um marco 
essencial em suas vidas” (p. 23). 
Apesar de uma suposta mudança nos costumes e nas mentalidades da mulher 
contemporânea, os papéis vinculados à maternidade, conforme os resultados desta 
24 
 
pesquisa, permanecem como determinantes na relação da mulher com a sociedade e na 
construção de sua identidade. Barbosa e Rocha-Coutinho (2007) em estudo realizado 
com o objetivo de compreender o que as mulheres pensam sobre a maternidade e sobre 
a opção de adiá-la ou de não ter filhos, chegam à conclusão que, mesmo diante da 
possibilidade de escolher ou não a maternidade, as entrevistadas acreditam que a 
realização de uma mulher inclui, necessariamente, a maternidade. Neste sentido, as 
autoras afirmam que 
O sucesso na carreira e a realização profissional e pessoal fazem parte hoje 
dos objetivos de muitas mulheres e algumas delas abrem mão, inclusive, da 
maternidade para alcançar esses objetivos. Isto não quer dizer, contudo, que 
o investimento em um trabalho que lhe dê satisfação seja visto pela mulher 
atual como mais importante do que ser mãe. Para a maioria das mulheres e 
para a sociedade, de modo geral, o ideal seria conciliar a maternidade com a 
realização profissional. Desta forma, parece que a mulher hoje pode e deve 
encarnar novos papéis sem, contudo, abrir mão do ideal moderno da 
maternidade, pois só assim ela se tornaria um ser verdadeiramente completo. 
(p. 184) 
 
 Ainda, neste sentido, as representações sociais da maternidade, conforme 
pesquisadas por Trindade (1991), em trabalho que envolveu a clientela de um Serviço 
de Aconselhamento Genético, apontam que “para as mulheres que não têm filhos a 
maternidade é representada com maior frequência como condição para a concretização 
da identidade feminina e da realização pessoal” (pág. 179). As representações da 
maternidade, segundo a pesquisadora, apresentaram elementos entre os quais 
destacamos identidade feminina, dádiva divina e supervalorização da mãe, entendida, 
esta última, como “falas que indicavam uma superioridade do papel materno em relação 
ao paterno ou uma superioridade absoluta e insubstituível do cuidado materno” 
(Trindade, 1996). A autora observou que as entrevistadas que relataram sentimento de 
culpa com relação ao filho em condições genéticas desfavoráveis indicaram com maior 
frequência a identidade feminina como elemento figurativo para a definição da 
representação da maternidade. O estudo leva-nos a concluir que a maternidade é um 
valor social importante, senão fundamental, para a concretização da identidade 
feminina. Trindade (1991) afirma ainda que, independentemente da representação da 
maternidade das mulheres investigadas, a existência de um filho afetado provoca 
sentimentos negativos e percepção de exclusão social. 
 Espíndula, Trindade e Santos (2009), em estudo realizado sobre as 
representações sociais e práticas educativas referentes a filhos atendidos pelo Conselho 
Tutelar, observaram que as práticas educativas conduzidas e elaboradas pelas mães 
25 
 
pareciam ser orientadas por um modelo vinculado a um sistema de representações que 
inclui as representações sociais de maternidade e de boa mãe. As mulheres entrevistadas 
frequentemente atribuíram o comportamento adverso do filho à herança genética do pai, 
o que, segundo as autoras, 
parece fazer parte do processo de objetivação e serve ainda à manutenção da 
representação social de “boa mãe”. Ao atribuir às características genéticas 
do pai o comportamento problemático do adolescente, as mães, de certa 
forma, isentam-se mais uma vez da possibilidade de culpa e de 
questionamento de suas práticas educativas. Emergem processos simbólicos 
que visam, em última instância, preservar a integridade e a identidade 
materna. (p. 141) 
 
Outros estudos realizados no Brasil evidenciaram que os cuidados com a criança 
também foram influenciados pelos discursos científicos sobre a maternidade. Martins 
(2008) analisa a produção da literatura médica brasileira no período de 1938 a 1963 de 
aconselhamento para as mães com o objetivo de ensiná-las a criar seus filhos. Segundo 
esta autora, as primeiras a aderirem às orientações médicas foram as mães das classes 
privilegiadas e letradas e, mais tarde, para atingir as mães de classes populares, estes 
profissionais passaram a produzir livros com uma linguagem acessível que permitisse a 
elas o conhecimento técnico especializado sobre a infância. Segundo esta autora, o 
médico pediatra assumiu junto às mães o papel de moldar o que se propagava como 
naturalmente instituído por meio do conhecimento científico capaz de assegurar o 
cuidado adequado ao filho. Por serem dirigidas especialmente às mulheres, as 
informações reproduzem o sentido de responsabilidade da mulher relativa aos cuidados 
com as crianças. O entendimento médico daquela época preconizava que “como as 
crianças, as mães precisam ser educadas e os médicos atribuem a si essa tarefa por meio 
de um conjunto de práticas e de uma metodologia própria cujo objetivo é, em síntese, a 
normalização da maternidade” (p. 143). 
A mãe, no Brasil atual, ainda tem sido apontada como a principal responsável, 
senão a única, pelo desenvolvimento esperado para a criança em conformidade com os 
discursos científicos e culturais que adquiriram relevância junto à sociedade. Não 
obstante a existência de novos discursos que convocam o pai a assumir um papel de 
cuidado junto à criança (Osório, 2002), ainda predomina a cultura de um cuidado 
exclusivamente feminino sustentado, inclusive, pelas políticas públicas de saúde que 
desenvolvem programas voltados para os cuidados materno-infantis. Apesar disso, Paim 
(1998) destaca que mulheres pertencentes à camada média brasileira compreendem a 
gravidez e a maternidade como um projeto de vida estruturado em uma escolha pessoal 
26 
 
e recusam uma identidade feminina reduzida à dimensão da maternidade. Por outro 
lado, as mães de classes populares, segundo esta autora, mesmo exercendo atividades 
remuneradas fora dor lar, conferem à maternidade uma posição de mulher vinculada ao 
espaço doméstico e indispensável à construção da identidade feminina. 
 Neste sentido, não podemos negar que ocorreram mudanças importantes 
relativas ao modo de socialização feminina, mas muitas práticas ainda permanecem, 
como um maior controle do comportamento da menina (Biasoli-Alves, 2000). 
 Moreira e Romagnoli (2008) em estudo realizado com usuárias de uma 
maternidade pública em Betim – MG investigaram os efeitos do método canguru2 na 
produção de subjetividade das mães e na manutenção do ideal de cuidados com a 
criança como atribuição quase exclusiva da mulher. As autoras observaram que 
a importância da mãe é tão valorizada e imprescindível, que, de certa 
maneira, o pai torna-se desvalorizado e, em alguns momentos, é excluído do 
processo. Essa postura impede que o pai exerça seu papel como um dos 
adultos responsáveis, e que possa interferir de forma positiva na situação, 
não somente quando a mãe não dá conta (p. 215) 
 
 As pesquisadoras concluem que, apesar do mérito do programa, corre-se o risco 
de sereforçar práticas sociais que preconizam um tipo ideal de mãe, que exclui atores 
importantes que devem compartilhar as responsabilidades em relação às limitações e 
dependências da criança em seus primeiros anos de vida. Asseveram, ainda, que o 
Programa Mãe Canguru, para além de uma estratégia importante para a promoção da 
qualidade de vida do bebê, deve emergir como ferramenta para consolidar ações 
individuais e coletivas que fortaleçam vínculos significativos entre o bebê, a família e a 
comunidade nas quais a criança desenvolverá suas potencialidades. 
Em outra pesquisa realizada com o objetivo de apreender as representações 
sociais de maternidade e paternidade entre mães com filhos prematuros internados em 
uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, Barros e Trindade (2007) apontam para 
uma conclusão semelhante à de Moreira e Romagnoli (2008). As pesquisadoras 
encontraram representações que reafirmam o modelo tradicional das relações parentais. 
As autoras observam que 
 
2 O método mãe canguru foi criado em 1978 pelo médico Edgar Rey Sanabriaé e desenvolvido em 1979 
pelo Instituto Materno Infantil de Bogotá, na Colômbia. Configura-se como estratégia que objetiva 
promover o desenvolvimento de bebês nascidos prematuramente. No Brasil, trata-se de um programa de 
saúde neonatal de ampla adesão pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e funciona como estratégia da 
política nacional de humanização do SUS (Ministério da Saúde, 2002). A lógica do procedimento baseia-
se no ciclo de vida do mamífero marsupial canguru, cujos filhotes nascem pouco desenvolvidos e para 
sobreviverem vivem durante os primeiros seis meses no marsúpio, um tipo de bolsa de gordura no ventre, 
onde encontram calor, proteção e leite. Finalizada esta etapa do desenvolvimento gestacional, o filhote é 
então estimulado a conquistar seu próprio território e desenvolver estratégias de sobrevivência. 
27 
 
 
Tendo em vista um modelo de boa mãe socialmente construído e sempre 
almejado (porque não se consegue atingi-lo), as mães, como já discutido, 
assumiam a responsabilidade pelos cuidados com o recém-nascido, sofriam 
com esta sobrecarga, mas não compartilhavam os cuidados com os pais. 
Assim, evidencia-se que, apesar das transformações que ocorreram nas 
relações de gênero, principalmente nos últimos anos, a maternidade moderna 
ainda se respalda principalmente no ideal de boa mãe e de amor materno 
incondicional que surgiram com as transformações familiares a partir do 
século XVIII. Ter tais elementos como principais definidores da 
maternidade pode ocasionar sofrimento para muitas mães, uma vez que a 
realidade as frustra ao demonstrar a inatingibilidade da mãe ideal e a 
condicionabilidade do amor materno, que não é natural, mas construído 
através das interações. (p. 267) 
 
Outro aspecto importante a ser considerado é a contribuição das tecnologias 
reprodutivas (TR) para produzir importantes reflexões sobre a maternidade. Esses 
modos de intervenção da ciência sobre a gestação corroboram para que a maternidade 
seja organizada em torno de uma escolha e não mais como condição necessária, 
obrigatória e irremovível (Scavone, 2001; Borlot e Trindade, 2004). Neste sentido, a 
maternidade emerge como uma opção entre tantas outras possibilidades de realização 
feminina, entre as quais o ser mãe pode ou não estar incluído. Mulheres férteis, no 
contexto contemporâneo das intervenções médicas, podem planejar a quantidade de 
filhos e escolher o momento em que a maternidade concretizará uma nova identidade 
para sua vida. Por outro lado, mulheres estéreis podem submeter o desejo de ter um 
filho às considerações da medicina que investigará as possíveis intervenções que lhes 
possibilitarão a realização do evento materno. Scavone (2001) assevera que 
Com as TR passamos de uma recusa circunstancial da maternidade para a 
possibilidade de escolha, significando, também, para as mulheres a decisão 
ou adequação entre vida profissional e vida familiar. As TR expressam 
claramente um tipo de relação com a maternidade, construída histórica, 
social, política, culturalmente com base em uma mesma razão: a de que 
existe uma solução tecnológica para a reprodução humana (p. 143). 
 
 Contudo, devemos considerar que, atualmente, as TR constituem, geralmente, 
prerrogativas de mulheres de classes sociais cujo poder econômico proporcione 
condições financeiras para o investimento em tais dispositivos. Além disso, questões 
sociais, interesses políticos e religiosos, bem como os saberes que compõem as relações 
cotidianas em uma determinada sociedade e classe social, limitam o alcance destes 
mecanismos de controle da reprodução, o que dificulta ou impossibilita o acesso de 
mulheres das classes populares. Concepções inovadoras esbarram em valores culturais, 
políticos e econômicos historicamente estabelecidos e, como consequência, prolongam 
o período para o estabelecimento de novos modelos de configuração social. Há que se 
28 
 
considerar que as TR representam uma prática de intervenção para corrigir um estado 
indesejável da natureza biológica, que associado aos discursos sociais, podem significar 
um reforço ao discurso da maternidade como componente natural da mulher. Ou seja, os 
casos que revelam infertilidade poderão ser corrigidos por métodos científicos e deste 
modo reiterar o conceito de feminilidade incompleta em virtude da impossibilidade da 
gestação de um filho biológico. 
 Borlot e Trindade (2004) em pesquisa realizada com cinco casais moradores da 
Grande Vitória, ES, cujo objetivo foi investigar as representações sociais de filho 
biológico em casais que se submeteram às TR, afirmam que a análise dos resultados 
evidenciou a importância que os casais atribuem ao filho biológico como fator que 
consolida a identidade feminina. As autoras observam ainda que 
Mesmo aqueles casais que já haviam adotado, demonstraram que ter um 
filho biológico tinha sido seu objetivo um dia e que, por razões diversas, 
resolveram a questão da maternidade e da paternidade através da adoção. 
Aqueles que não decidiram o que irão fazer parecem ainda dar prioridade ao 
filho biológico, talvez por ainda não se sentirem preparados para a adoção 
ou porque preferem continuar tentando realizar este sonho. Outras 
alternativas, como a opção por não ter filhos, pareceram não estar incluídas 
nos projetos desses casais. (p. 69) 
 
Em pesquisa realizada por Trindade e Enuno (2001) sobre as representações 
sociais da infertilidade entre mulheres de diferentes estratos sociais, as autoras 
consideraram que os resultados deste estudo apontam para a permanência nos dias 
atuais de um modelo de feminilidade ainda associado ao ideal de maternidade. 
As construções sociais em torno da maternidade e do cuidado com os filhos têm 
sido tema de discussões entre os mais diversos grupos sociais e movimentos políticos 
contemporâneos. Este assunto, tão amplo e controverso, tem produzido, conforme 
exposto, pesquisas em diferentes campos do conhecimento científico e estimulado 
discussões em torno de políticas públicas relativas ao poder de decisão da mulher com 
relação à opção ou não pela maternidade. Os estudos oscilam entre a defesa do amor 
materno como instinto natural influenciado por componentes de natureza puramente 
biológica, capaz de determinar o comportamento e afetividade da fêmea junto às suas 
crias, e a maternidade como socialmente estabelecida e passível de mudanças históricas, 
sociais e culturais. Muitas teorias de cunho social, alicerçadas em investigações 
históricas, antropológicas e sociológicas, têm se orientado para a conclusão de que a 
relação da mulher com a maternidade, como experiência social, varia de acordo com a 
época, os povos e a cultura. No Brasil contemporâneo, conforme exposto, com base nos 
estudos realizados até então, principalmente com famílias de classes populares,a 
29 
 
maternidade, os cuidados com os filhos e papéis fortemente associados às atividades 
domésticas têm sido predominantes no contexto de formação da identidade feminina. 
 De fato, como podemos constatar a partir da leitura dos autores aqui 
apresentados, existem polêmicas quanto à origem do sentimento materno e do papel da 
mulher nos cuidados com a criança, mas as suas implicações para a identidade feminina 
não podem ser desconsideradas. Ainda hoje, as mulheres assumem papéis 
caracterizados como femininos no espaço doméstico, como a criação, a educação e a 
formação moral dos filhos, mesmo ao considerarmos a profissionalização da mulher e a 
sua inserção no mercado de trabalho3. 
Como nos foi possível perceber até agora, a maternidade está associada a 
construções sociais que atribuem à mulher papéis específicos relacionados ao filho, o 
que, conforme os estudos apresentados, tem implicações para a identidade feminina. 
Assim como o nascimento de um filho, a morte de uma criança poderá ter 
consequências importantes para esta identidade tão bem engendrada socialmente 
(Rangel, 2008; Martins, 2001; Bussinger & Novo, 2008). Badinter (1985) afirma que, 
ao contrário do que aconteceu nos séculos XVII e XVIII, a morte de um filho na 
atualidade “deixa uma marca indelével no coração da mãe. Mesmo aquela que perde 
prematuramente seu feto conserva a lembrança dessa morte quando desejava a criança” 
(p. 87). Na próxima seção, trataremos do tema morte e as construções sociais relativas a 
ela, pois, no nosso entendimento, o modo social de lidar com a morte também influencia 
a percepção da mãe sobre a perda do filho. 
 1.3 A morte e o morrer 
 
A consciência da finitude, de que os projetos individuais um dia serão 
inevitavelmente interrompidos pela morte, tem consequências importantes para a 
subjetividade humana. De acordo com Kovács (1997), a morte como fenômeno 
puramente biológico se caracteriza pela “interrupção completa e definitiva das funções 
vitais de um organismo vivo, com o desaparecimento da coerência funcional e 
destruição progressiva das unidades tissulares e celulares” (p. 10). O corpo entregue a 
terra irá participar, por meio da sua decomposição, do processo de aproveitamento de 
suas potencialidades orgânicas e, deste modo, contribuirá para a manutenção do ciclo de 
 
3 Neste ponto, deve-se considerar que o trabalho fora da esfera doméstica se deu como conquista das 
mulheres da classe média, conquanto, a maioria das mulheres das classes populares sempre trabalhou, 
dentro e fora do lar, para garantir a sua sobrevivência e de suas famílias (Almeida, 2007). 
30 
 
nutrientes do ecossistema. Porém, como a maioria dos fenômenos biológicos, a morte 
adquiriu significados sociais que são compartilhados entre membros de uma dada 
cultura e, como tal, não escapa às construções sociais. Menezes (2001) afirma que, dada 
a consciência que o ser humano tem da própria morte, 
durante milênios a proteção do aniquilamento foi a função central de 
grupos humanos. Há várias formas de os indivíduos lidarem com a ideia 
da finitude da vida: pode-se evitar a ideia da morte através da 
mitologização do final da vida, do encobrimento da ideia indesejada, pela 
crença na própria imortalidade ou encará-la como um fato da existência e 
ajustar a vida diante dessa realidade. (p. 147) 
 
As manifestações culturais evocam a noção da necessidade de dar um sentido ao 
impensável que é a morte, à única experiência social que não pode ser transmitida, nem 
compartilhada (Matta, 1997). Historicamente, a atitude humana diante da morte nas 
diversas sociedades ocidentais esteve assinalada por comportamentos que se 
movimentaram entre a percepção da morte como um evento sabidamente inevitável, 
acolhido socialmente e marcado por símbolos inscritos pela cultura até a sua negação e 
deslocamento para os bastidores da vida social (Ariés, 1981). 
A alta idade média foi marcada por uma peculiar proximidade entre o ser 
humano e a morte (Ariés, 1981). Nos cenários medievais a morte era algo simples. O 
moribundo, ao pressentir seu fim, recolhia-se ao seu quarto e presidia todos os 
acontecimentos relativos à própria morte. Segundo este autor, em conformidade com os 
preceitos culturais e religiosos, o doente ritualizava sua morte: “o primeiro ato é o 
lamento da vida, uma evocação triste, mas muito discreta, dos seres e das coisas 
amadas, uma súmula reduzida a algumas imagens” (p.32). Os ritos da morte eram 
aceitos e cumpridos de modo cerimonial com a presença de amigos, vizinhos e parentes, 
e era permitida a presença de crianças. Durante o ritual de despedida, “o quarto do 
moribundo transformava-se, então, em um lugar público, onde se entrava livremente” 
(p.32). A cerimônia acontecia sem exageros emocionais ou gestos dramáticos, o 
agonizante pedia perdão pelos atos infamantes, legava seus bens, exprimia suas 
derradeiras vontades, recomendava sua alma a Deus e se despedia. O sacerdote 
comparecia e oferecia seus préstimos religiosos, oportunidade em que o doente 
confessava, comungava e recebia a absolvição sacramental. 
O corpo do morto ficava exposto em uma cerimônia pública que antecedia ao 
sepultamento. Respeitados os costumes religiosos, os familiares fechavam as janelas, 
acendiam velas, pranteavam o morto e proclamavam seu pesar e saudade. O 
sepultamento acontecia no pátio das igrejas, antecedido por uma procissão fúnebre que 
31 
 
percorria o espaço entre a casa do morto e o local do enterro. A expressão de tristeza era 
facilitada e até mesmo desejada nas despedidas fúnebres. Segundo Ariès (1981), 
principalmente no final da idade média, os gestos de dor pela morte do moribundo eram 
manifestados com dramaticidade, costumava-se contratar carpideiras para tornar o luto 
mais intenso, estimular o sofrimento pela morte daquele que se foi. Havia, então, uma 
manifestação pública da morte que abrigava em sua expressão social uma dinâmica cujo 
início se dava com o pressentimento do moribundo de que iria morrer, gestos de 
despedida, orientações e orações vislumbrando lugares celestiais. Pessoas próximas 
pranteavam a partida e participavam de todo ritual fúnebre até a entrega do corpo à 
sepultura. 
A morte súbita era temida, não só porque privava o ser humano de ritualizar e 
presidir a própria morte, mas também não lhe concedia o tempo necessário para o 
arrependimento e para garantir o repouso eterno conforme pregado pelas crenças 
religiosas predominantes na idade média. Segundo Ariès (1981), “a morte repentina era 
considerada infamante e vergonhosa” (p. 12). 
O luto e os rituais de dor presentes na alta idade média expressavam, segundo 
Ariès (2003), a familiaridade do ser humano com relação à morte. Este autor destaca 
que 
Assim se morreu durante séculos ou milênios, em um mundo sujeito a 
mudança, a atitude tradicional diante da morte aparece como uma massa 
de inércia e continuidade. A antiga atitude segundo a qual a morte é ao 
mesmo tempo familiar e próxima, por um lado, e atenuada e indiferente, 
por outro, opõe-se acentuadamente à nossa, segundo a qual a morte 
amedronta a ponto de não mais ousarmos dizer seu nome. Por isso 
chamarei aqui esta morte familiar de morte domada (pp. 35 e 36). 
 
Philippe Ariès (2003) destaca ainda que nos registros das civilizações pré-cristãs 
a morte era apreendida como um destino coletivo inevitável e natural. Não se refletia 
sobre a morte como um fenômeno individual e ameaçador, esta constituía o destino 
inexorável de todo ser vivente. Aqueles povos acreditavam na possibilidade dos mortos 
retornarem do mundo que lhes era próprio para reivindicar a assistência dos vivos. Para 
obstar este retorno, o morto era sepultado com um conjunto de objetos que lhe 
asseguravam a provisão necessária para a existência no mundo dos mortos. Se, por um 
lado, a morte era aceita como natural efamiliar, por outro, em função da crença na 
possibilidade dos mortos voltarem para perturbar os vivos, os antigos mantinham os 
corpos em decomposição distantes das cidades. Além disso, a morada dos vivos deveria 
32 
 
ser separada da morada dos mortos porque os “mortos enterrados ou incinerados eram 
impuros: quando muito próximos, poderiam poluir os vivos” (p. 34). 
Com o advento do cristianismo, a repugnância à presença dos mortos nas 
cidades deu lugar à crença de que os túmulos deveriam ser edificados próximos aos 
mártires da igreja. No imaginário social este processo constituía fator relevante para a 
salvação da alma. Os mortos passaram então a serem enterrados nas cidades em solos 
sagrados e os cemitérios em espaços abertos foram substituídos pela igreja ou por locais 
contíguos a elas. Os túmulos individuais foram se tornando raros na alta idade média, os 
corpos eram colocados em um mesmo espaço e não se considerava importante que 
fossem identificados. Nem todos, porém, possuíam a prerrogativa de serem enterrados 
nas igrejas ou em seus arredores, estes lugares estavam destinados prioritariamente aos 
detentores de poderes políticos, religiosos e financeiros. Segundo Petruski (2006) 
Com o passar do tempo, os espaços no interior das igrejas foram ficando 
escassos, chegando ao limite na segunda metade do século XIV, quando a 
Peste Negra assolou o território europeu, provocando a morte de milhares de 
pessoas em poucos meses, deixando os cemitérios abarrotados de corpos. A 
única saída para aquele momento era enterrar os corpos, também, no pátio 
das igrejas, o que gerou a criação dos cemitérios ao lado ou aos fundos 
delas. Assim, entre os séculos XII e XIV, os enterros foram se tornando cada 
vez mais religiosos, até chegarem ao seu auge no século XVII. (p. 98) 
 
 Na Europa, por medida sanitária, a partir do século XVIII os sepultamentos 
passam a acontecer em área aberta, nos chamados campos-santos ou cemitérios 
secularizados. A convivência com a morte e com o morto passou a sofrer 
transformações importantes. Petruski (2008) afirma que 
Na França, a nova postura diante da morte e dos mortos se delineou ao longo 
do século XVIII, no rastro do iluminismo e da secularização da vida 
cotidiana, criando-se uma atitude hostil à proximidade com pessoas 
moribundas e com os mortos. Além disso, os médicos também 
recomendavam que essa aproximação fosse evitada por motivo de saúde 
pública. O primeiro alvo desse novo discurso foram os cemitérios, 
especialmente o Cemitério dos Inocentes, localizado em Paris (p. 99). 
 
Há, também, neste período, uma acentuada sensibilidade familiar com os entes 
queridos mortos. Este fato pode ser verificado por meio da adoção das sepulturas 
individuais destinadas a acolher os restos mortais dos membros de uma mesma família. 
Segundo Freire (2006), “a aproximação familiar ocorrida neste período se reflete na 
adoção dos jazigos familiares como locais sagrados destinados à reunião dos membros” 
(p. 55). 
 A forte presença da cultura europeia por meio da colonização exerceu 
importante influência sobre a morte o morrer no Brasil. Koury (2003) considera que 
33 
 
as categorias elaboradas pelos estudiosos europeus, e principalmente as de 
Ariès, construídas para entender as atitudes perante a morte e o morrer na 
Europa e nos Estados Unidos, ou nos países industrializados do Ocidente, 
servem também para informar sobre a cultura funerária no Brasil. Pelo 
legado europeu e de seu embate com outras culturas presentes, como a 
africana e a indígena, que influenciou a formação do país desde a colônia, 
e as relações estabelecidas internacionalmente após sua independência. 
Bem como as instituições internacionais, como as igrejas, principalmente 
a católica, presentes na conformação do pensamento ocidental no seu veio 
judaico-cristão, e as ideias e ideais culturais, estéticos, acadêmicos, 
científicos e tecnológicos no Ocidente, que influenciaram os embates 
presentes na configuração e consolidação do pensamento nacional. É 
impossível, assim, buscar uma compreensão de um pensamento brasileiro 
e das atitudes de sua população, sem situar a história de sua singular 
formação social a nível internacional, especificamente ligado à cultura 
européia (p. 57). 
 
 Segundo Koury (2006), no Brasil do século XIX, a atitude diante da morte 
reportava-se àquela relatada por Ariès no transcurso da idade média denominada por ele 
de a morte domada. Ao pressentir a própria morte, o doente convocava os familiares, 
parentes, amigos, vizinhos, conhecidos e anônimos para participarem da cerimônia de 
despedida. Naquele momento, pedia-se perdão pelos erros cometidos, entoavam-se 
cânticos e rezas, como preparação para a entrada nos lugares celestiais e o livramento da 
condenação eterna. A morte anunciada, seja através dos sonhos, premonições ou 
adoecimento, era bem vista, uma dádiva divina, pois assim garantia-se o tempo 
necessário para um devido ajustamento com a misericórdia divina. A morte súbita 
exigia dos familiares e da comunidade um esforço maior de devoção e penitência, pois 
impossibilitava o morto de se organizar espiritualmente por meio do arrependimento de 
seus pecados e garantia da salvação. Não somente o falecido sofria as consequências da 
morte repentina, mas a família e a comunidade também deveriam se fortalecer e 
oferecer sacrifícios religiosos por motivo dos riscos espirituais que a morte repentina 
apresentava para a coletividade. A morte repentina assustava por se atribuir a ela uma 
dimensão mística, expressa pelo temor da vizinhança em sofrer as consequências da 
inadvertência do morto, que não conduziu a vida de modo a garantir uma boa morte. No 
Brasil do século XIX, a sepultura era também um lugar sagrado e necessário ao destino 
do corpo para a salvação da sua alma. Morrer em terra firme tinha a importância de 
permitir o enterro na Igreja e assegurar a morada final junto aos santos (Reis, 1991). 
Como na Europa, foi assim também no Brasil, a morte e o morrer adquiriam expressões 
e interpretações sociais e religiosas e os destinos do corpo e da alma eram simbolizados 
e compartilhados coletivamente. 
34 
 
 Uma nova sensibilidade diante da morte e do morrer se configura nas sociedades 
ocidentais a partir da segunda metade do século XX. Segundo Ariès (2003), a morte na 
contemporaneidade sofreu um interdito. Esta interdição é expressa por meio de avanços 
científicos e tecnológicos cujo fim é garantir a vida a qualquer custo. A morte passou a 
ser um tabu. Já não se morre em casa, entre parentes, amigos e vizinhos, mas no 
hospital, solitário, em meio a instrumentos, aparelhos e medicamentos para garantir a 
sobrevivência do moribundo. A morte na modernidade foi interditada. Segundo Ariès 
(2003), já não se sabe mais o que é a morte. 
 Segundo Elias (2001), as atitudes do ser humano diante da morte sofreram 
mudanças significativas no curso do processo civilizador. A morte, de pública e 
familiar, vai se tornando um assunto interditado nas configurações sociais, distante da 
experiência cotidiana. Este autor relata que ocorreu um recalcamento do fenômeno 
morte, seja no plano individual ou coletivo. O local da morte, segundo este autor, foi 
deslocado do ambiente doméstico para os hospitais, o que coincide com a ideia de Ariès 
(2003) de interdito da morte. Atualmente, as pessoas morrem silenciosamente. A rotina 
hospitalar, suas normas e protocolos produzem uma morte higiênica, sem odores, os 
hospitais estruturam o cenário adequado onde a morte deve ocorrer. Para Elias (2001), o 
hospital é “uma área vazia no mapa social” (p. 36). 
 A exclusão do tema morte das questões cotidianas configura uma nova 
sensibilidade nas relações com aquele que vivencia a perda de um ente querido. Não há 
espaço para quem perdeu. A interdição da morte incide diretamente sobre as pessoas 
que vivenciam a perda de um ente querido. Por causa

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