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desamparo e vulnerabilidades

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ISSN 1516-9162
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE
n. 45-46, jul.2013/jun.2014
DESAMPARO E VULNERABILIDADES
ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE / INSTITUTO APPOA
Porto Alegre
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE
EXPEDIENTE
Publicação Interna
n. 45-46, jul. 2013/jun. 2014
Título deste número:
DESAMPARO E VULNERABILIDADES 
Editores: 
Deborah Nagel Pinho e Maria Ângela Bulhões 
Comissão Editorial:
Clarice Sampaio Roberto, Cristian Giles, Deborah Nagel Pinho, Gláucia Escalier Braga, 
Joana Horst, Maria Ângela Bulhões, Mariana Hollweg Dias, Marisa Terezinha Garcia 
de Oliveira, Otávio Augusto Winck Nunes, Renata Maria Conte de Almeida.
Colaboradores deste número:
Àlvaro Olmedo, André Oliveira Costa, Lucy Linhares da Fontoura, Luiza Olmedo.
Editoração:
Jaqueline M. Nascente 
Consultoria linguística:
Dino del Pino
Capa: 
Clóvis Borba
Linha Editorial:
A Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre é uma publicação semestral da APPOA que 
tem por objetivo a inserção, circulação e debate de produções na área da psicanálise. Contém es-
tudos teóricos, contribuições clínicas, revisões críticas, crônicas e entrevistas reunidas em edições 
temáticas e agrupadas em quatro seções distintas: textos, história, entrevista e variações. Além da 
venda avulsa, a Revista é distribuída a assinantes e membros da APPOA e em permuta e/ou doação 
a instituições científicas de áreas afins, assim como bibliotecas universitárias do País.
Associação Psicanalítica de Porto Alegre
Rua Faria Santos, 258 Bairro: Petrópolis 90670-150 – Porto Alegre / RS 
Fone: (51) 3333.2140 – Fax: (51) 3333.7922
E-mail: appoa@appoa.com.br - Home-page: www.appoa.com.br
ISSN 1516-9162
R454
Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre / Associação
Psicanalítica de Porto Alegre. - Vol. 1, n. 1 (1990). - Porto Alegre: APPOA, 1990, -
Absorveu: Boletim da Associação Psicanalítica de Porto Alegre.
Semestral
ISSN 1516-9162
1. Psicanálise - Periódicos. I. Associação Psicanalítica de Porto Alegre
CDU 159.964.2(05)
CDD 616.891.7
Bibliotecária Responsável Luciane Alves Santini CRB 10/1837
Indexada na base de dados Index PSI – Indexador dos Periódicos Brasileiros na área de Psicologia (http://
www.bvs-psi.org.br/)
Versão eletrônica disponível no site www.appoa.com.br
Impressa em março 2015. Tiragem 500 exemplares.
DESAMPARO E VULNERABILIDADES
SUMÁRIO
EDITORIAL .................................. 07
TEXTOS
Desamparo e Vulnerabilidades no 
Laço Social – a função do psicanalista
Helplesness and Vulnerabilities in the 
Social Tie – the function of the psychoanalys
Jaime Betts ....................................... 09
O desejo do psicanalista face ao 
desamparo contemporâneo
The desire of the psychoanalyst in the 
face of contemporary distress 
Caterina Koltai ................................... 20
 
Um luto impossível: 
efeitos de trauma em imigrações 
An impossible mourning: 
effects of trauma in immigration
Ana Costa ......................................... 32
Do Exílio ao Asilo: Escutas Clínicas
From exile to asylum: clinic listenings 
Alexei Conte Indursky, 
Barbara de Souza Conte, 
Daniela Feijó e Liege Didonet ........... 37
Imagens, apesar da catástrofe
Images despite the catastrophe 
Robson De Freitas Pereira ................ 49
É possível falar sobre essa tragédia? 
Is it possible to talk about this tragedy?
Luciana Portella Kohlrausch .............. 58
A colaboração da Psicanálise 
na construção do Serviço de 
Acolhimento às vítimas do 
incêndio na boate Kiss
The contribution of Psychoanalysis in the cons-
truction of the Embracement Service to the victi-
ms of the fire in the Kiss nightclub
Volnei Antonio Dassoler .................... 67
Apoio matricial, uma clínica 
em extensão
Matrix support, a clinic in extension 
Elaine Rosner Silveira ...................... 78
A clínica e as práticas de cuidado 
na rede de atenção à infância 
e adolescência
The clinic and the care practices in the 
attention to childhood and adolescence service
Ieda Prates da Silva e 
Tatiane Reis Vianna .......................... 89
“Secretários do Alienado”? 
A psicose e a instituição Psicanalítica 
“Secretaries of the Alienated”? The 
psychosis and the psychoanalytic Institution
Siloé Rey 
Liz Nunes Ramos ........................... 100
Corpo e violência estrutural das 
psicoses: o suicídio do outro 
em Louis Althusser
Body and psychosis’s structural violence: 
the other’s suicide in Louis Althusser
Manoel Madeira ............................. 108
A Casa dos Cata-Ventos: uma aposta 
na dimensão política do brincar
The Casa dos Cata-Ventos: 
a bet on the political dimension of play 
Anderson Beltrame Pedroso e 
Edson Luiz André de Sousa ............ 122
A autoridade do professor e a questão 
do saber-fazer com o sinthoma
The authority of the teacher and the question 
of know-how with the sympthom 
Marcelo Ricardo Pereira ................. 135
A dimensão traumática da educação
The the traumatic dimension of education
Roséli M. Olabarriaga Cabistani ......146
Educação e vida pulsional
Education and drive life 
Gerson Smiech Pinho ...................... 153
Educação (im)possível?
(Im)possible education? 
Larissa Costa Beber Scherer ........... 161
A prática dos educadores 
na contemporaneidade: 
algumas reflexões
Teaching practice in the contemporary 
society: a few reflections 
Cristina Py de Pinto Gomes Mairesse .... 172
ENTREVISTA
Transferências de um psicanalista
Interview: Transfers of a psychoanalyst
Alfredo Jerusalinsky ........................ 181
RECORDAR, REPETIR, ELABORAR
Uma aula sobre a dialética hegeliana 
do senhor e do escravo
A lesson on the Hegelian dialectic 
of master and slave 
Marilena Chauí ............................... 192
VARIAÇÕES
Os números irracionais de Lacan 
(parte 2): as transmutações do fi
The irrational numbers of Lacan (part 2): 
the transmutations of fi 
Ligia Gomes Víctora ....................... 218
Dez proposições para 
ler Jacques Lacan
Ten propositions to read Jacques Lacan 
Norton Cezar Dal Follo da Rosa Junior ... 226
Poética do letramento
The poetics of literacy 
Elaine Milmann ............................... 243
EDITORIAL
7
O desamparo é uma experiência fundamental da condição humana e é em torno dela que se constitui a posição do sujeito no laço social. Freud 
faz do estado de desamparo (hilflosigkeit) um conceito de referência em sua 
obra. Ele o enfatiza como o protótipo das situações traumáticas, geradoras 
de angústia no adulto, pois o confronta, no tempo presente, com a impotên-
cia de seu estado de desamparo infantil originário. Segundo Freud, o mal-
estar, a infelicidade e as situações traumáticas chegam de três direções: do 
sofrimento do próprio corpo, do mundo externo e das insatisfações ou da 
violência desencadeadas pelas relações com os outros. O sofrimento pro-
veniente desta última talvez seja o mais penoso de todos eles.
Com a cultura, se responde a este inevitável mal-estar da condição hu-
mana que desencadeia inúmeras situações de vulnerabilidade, evidencian-
do o eterno conflito entre civilização e barbárie. O catastrófico se articula 
com o desamparo estrutural e o sujeito se confronta com o trauma do real 
irrepresentável. Toda vez que ficam esquecidas a fragilidade e a finitude da 
condição humana e ideais são impostos em nome do progresso, da razão, 
ou da fé, o resultado pode ser da ordem da barbárie.
O desamparo e as diferentes vulnerabilidades colocam um desafio para 
a clínica da psicanálise em extensão. Diante da irrupção do real e dos restos 
dela decorrentes o trabalho se impõe, buscando fazer contornos possíveis. 
Nesta revista, os textos trazem recortes do que é encontrado na clínica e do 
que se testemunha, como sujeitos de uma época. É de fundamental impor-
tância para o trabalho que norteia o Instituto APPOA propor debates sobre 
as intervenções fundadas no desejo do analista e na ética da psicanálise 
junto ao social e seu inevitável mal-estar. Nesse sentido, contemplam-se 
ensino,formação e transmissão da psicanálise. 
8
O convite a pensar o sujeito, sua inserção na cultura e o sofrimento 
disso decorrente já estava presente em Freud, Lacan e outros que os suce-
deram. Reiteramos o convite já enunciado e desejamos a todos uma ótima 
leitura! 
EDITORIAL
TEXTOS
9
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, n. 45-46, p.09-19, jul. 2013/jun. 2014
Resumo: O presente artigo aborda o conceito de desamparo no âmbito das vul-
nerabilidades com que o mal-estar na cultura contemporâneo confronta o sujei-
to, questionando a função do psicanalista e sua inserção no contexto institucio-
nal e as intervenções possíveis no laço social dirigidas pela ética da psicanálise. 
Palavras-chave: desamparo, vulnerabilidades, ética da psicanálise, laço social, 
psicanálise em extensão.
HELPLESNESS AND VULNERABILITIES IN THE 
SOCIAL TIE – THE FUNCTION OF THE PSYCHOANALYS
Abstract: The present paper discusses the concept of helplessness in face of 
vulnerabilities with which culture and its discontents confront the subject, ques-
tioning the function of the psychoanalyst in institutions and possible interventions 
in social ties guided by psychoanalytic ethics.
Keywords: helplessness, vulnerabilities, psychoanalytic ethics, social ties, psy-
choanalysis on extension.
DESAMPARO E 
VULNERABILIDADES NO 
LAÇO SOCIAL – A FUNÇÃO 
DO PSICANALISTA1
Jaime Betts2
1 Versão ampliada do texto de abertura da III Jornada do Instituto APPOA: Psicanálise e Inter-
venções Sociais – Desamparo e Vulnerabilidades, agosto de 2013, em Porto Alegre.
2 Jaime Betts; Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) e 
Diretor Executivo do Instituto APPOA. Co-autor dos livros Sob o véu transparente – recortes do 
processo criativo com Claudia Stern. Porto Alegre: Território das Artes, 2005; e (Re)Velações 
do Olhar – recortes do processo criativo com Liana Timm. Porto Alegre: Território das Artes, 
2005. E-mail: jaimebetts@gmail.com
10
Jaime Betts
Desamparo e Vulnerabilidades. Desamparo está no singular, pois se trata de um conceito metapsicológico e de uma condição estrutural primordial 
do ser humano. Já as vulnerabilidades são plurais, inúmeras, oriundas de 
ameaças que vêm de diferentes direções.
Freud, em Mal-estar na civilização ([1929]1996), afirma que a infelici-
dade e o mal-estar (e as situações de vulnerabilidade, potencialmente trau-
máticas) chegam aos seres humanos de três direções: da fragilidade e do 
sofrimento do próprio corpo; do mundo externo e das forças da natureza; 
e das insatisfações ou da violência desencadeadas pelas relações com os 
outros. 
O mal-estar proveniente da relação com os outros, pondera Freud, tal-
vez seja o mais penoso de todos eles. Quando somos atingidos por alguma 
dessas direções, a violência, a perda, a doença ou o catastrófico se articula 
com o desamparo primordial e somos confrontados de modo mais ou menos 
direto, com mais ou menos anteparos, com o trauma do real irrepresentável. 
Através da cultura/civilização/laço social3, procuramos fazer frente a 
esta condição de desamparo. Entretanto, o mal-estar da vida em sociedade 
é inevitável e nos defronta com inúmeras situações de vulnerabilidade em 
seu movimento permanente de conflito entre civilização e barbárie. Em to-
das estas situações, o sujeito e o outro estão diretamente implicados, muito 
embora estejam frequentemente alienados dessa implicação, bem como de 
sua responsabilidade por suas escolhas e seus atos.
Freud faz do estado de desamparo ̶ hilflosigkeit ̶ do bebê humano um 
conceito fundamental ao longo de sua obra, enfatizando-o como o protótipo 
das situações traumáticas. As situações tornam-se traumáticas e geradoras 
de angústia intensa no adulto, na medida em que o confrontam, no tempo 
presente, com a impotência de seu estado de desamparo infantil originá-
rio. Nesse estado, sua vulnerabilidade é absoluta em sua dependência das 
atenções vindas de um outro cuidador, constituindo o que Freud denominou 
complexo do próximo (Freud, [1895]1976). O laço social com o outro cuida-
dor está colocado desde os primórdios da constituição do sujeito.
Entretanto, se o laço social com o outro cuidador está colocado desde 
o início, este laço só é possível por meio da linguagem, o que quer dizer que 
entre o sujeito e o outro está o Outro da linguagem, que Lacan ([1953]1998) 
denomina em certo momento de seu ensino como o muro da linguagem. 
3 Faço aqui como Freud ([1927]1976) e não diferencio os termos, acrescentando o de laço 
social, forjado por Lacan.
11
Desamparo e vulnerabilidades no laço social...
Soma-se à condição de imaturidade do infante humano o fato de que 
a linguagem também nos deixa desamparados, pois, ao não nos fornecer a 
palavra final, a palavra que finalmente recobriria perfeita e definitivamente 
o furo do real, somos confrontados com o impossível, o que nos remete ao 
desamparo primordial. O impossível em psicanálise é o real, que é impossí-
vel de ser simbolizado. 
Como o desamparo infantil é uma condição estrutural, ele implica des-
de o início uma abertura ao outro, ao outro cuidador, que interpreta os gritos 
e manifestações de desconforto e sofrimento do bebê como um apelo. Apelo 
que tem como resposta a significação sancionada pela interpretação dada 
aos mesmos pelo adulto. As significações atribuídas pelo adulto fornecem 
uma imagem do objeto de satisfação e seus traços são inscritos no corpo 
do bebê pelo dom materno da alternância de sua presença e de sua ausên-
cia. Esta alternância simbólica de presença/ausência condiciona o funciona-
mento das funções corporais intrincadas ao processo libidinal da montagem 
das pulsões que erogenizam o corpo, ao mesmo tempo em que constituem 
o lugar do sujeito nas relações de parentesco e no laço social.
Esses encontros primordiais entre o bebê e o adulto se inscrevem 
como processo de desejo, fundando o laço social em torno do desampa-
ro estrutural como desejo de desejo do outro. Sentir-se amado pelo outro, 
visto como um ser superior, representa inconscientemente uma proteção 
contra todas as ameaças. E a ameaça maior torna-se a da perda do amor 
ou a separação do ser protetor. A ameaça de ser abandonado ou de ser 
confrontado com a perda do ser amado remete o sujeito à sua condição de 
desamparo e impotência primordiais. E tudo isso se dá banhado num caldo 
de cultura que determina as diferentes configurações simbólicas e imaginá-
rias do laço social em que os cuidados são ministrados.
Nesse sentido, a cultura/civilização/laço social é substituta da função 
materna (Rassial, 2006) diante do desamparo, pois fornece, por um lado, 
meios simbólicos e imaginários de reconhecimento do que representa ao 
sujeito e reafirma sua identidade. Por outro lado, a cultura é herdeira do su-
pereu parental, estabelecendo deveres morais e ideais do eu, bem como é 
herdeira da função paterna, pois permite que possamos ser criativos a partir 
do amparo materno diante do impossível, inventando novas formas de viver 
em sociedade. Ou seja, é em torno da experiência do desamparo que se 
constitui tanto o sujeito e sua posição no laço social, quanto o próprio laço 
social, pois cada qual se estrutura em torno do impossível. 
Cada língua viva constrói uma cultura específica para aqueles que a 
compartilham, construção que implica um laço social em que a violência 
simbólica que determina o que fica excluído da mesma se constitui como 
12
Jaime Betts
tabu. Imigrantes, exilados e refugiados – os estrangeiros, os diferentes, os 
de outra tribo – são alvos preferenciais da hostilidade e até mesmo do ódio 
de parte dos que são da cultura local. Por quê? 
Quando uma cultura entra em contato com outra, o que é tabu para 
uma não necessariamente é tabu para a outra. Quando o que é proibido de 
um lado é exposto pelo outro, o mal-estar se intensifica e a hostilidade se 
deflagra no laço social. Quanto mais se recusa a violência simbólica funda-
dora de uma cultura e se atribui a mesma ao estrangeiro, mais a intolerânciase instala e a violência real eclode nos corações e mentes, na convivência 
dos estrangeiros para nós mesmos4.
O capitalismo globalizado, marcado pela tendência à dissolução de 
vínculos e promoção de desigualdades nos espaços ocupados pelos grupos 
que se deslocam e cruzam fronteiras, vem realizar em escala planetária o 
mito da torre de Babel. Mito no qual a construção da torre (para além das 
interpretações de cunho religioso, trata-se de uma metáfora da construção 
da vida em sociedade) é interrompida pela confusão de línguas e da violên-
cia desencadeada pela mesma, tornando o entendimento e o convívio, no 
conjunto de seus construtores, impossível. 
E ‘assim caminha a humanidade’5, criando por um lado novas formas 
de viver e de desfrutar a vida, assim como novas formas de destruição e 
barbárie. Frequentemente, diante da falta no Outro, referido anteriormente, 
de um significante definitivo, surge a figura de plantão de um mestre ou 
amo, que se acha dono da verdade e a quem se recorre em busca dessa 
ansiada e ilusória palavra final que poupe o confronto com o desamparo. As 
diversas formas de messianismo, tirania, colonialismo ou totalitarismo que 
são forjadas no laço social respondem de forma alienada e alienante a esse 
desamparo estrutural. 
Frente ao sofrimento subjetivo compartilhado no laço social cabe per-
guntar: quais as intervenções possíveis e compatíveis com a ética da psica-
nálise, quando se cruza a fronteira de uma língua? 
Diante das questões com que a diferença cultural confronta o laço so-
cial contemporâneo – confronto intensificado com o incremento das migra-
ções regionais e imigrações –, a regra que vigora de modo predominante 
nas comunidades culturais ao redor do mundo é etnocêntrica. Ou seja, é 
4 Referência ao título do livro de Julia Kristeva, O estrangeiro de nós mesmos, lançado, no 
Brasil, em 1994, Ed. Rocco.
5 Alusão ao título do clássico do cinema de 1956, dirigido por George Stevens e estrelado por 
James Dean, Elizabeth Taylor e Rock Hudson. 
13
Desamparo e vulnerabilidades no laço social...
imposta ao estrangeiro uma escolha forçada de ser assimilado às regras e 
costumes locais, ou ser estigmatizado e excluído (o que é comum acontecer 
mesmo quando a assimilação se deu – o estrangeiro nunca será visto como 
um nativo, por mais que se esforce e renegue suas origens). O problema, 
tanto para o sujeito, quanto para o laço social, são as consequências psico-
patológicas que a exclusão e a perda da língua e da memória trazem consi-
go na alienação requerida pelas políticas de assimilação. Diferentemente de 
uma perspectiva de adaptação do sujeito ao contexto social, o discurso do 
analista implica permitir ao sujeito, através do recorte simbólico dos signifi-
cantes que o representam para outros significantes – incluindo significantes 
da cultura de chegada –, construir socialmente sua inserção na comunidade 
local. E vice-versa, ou seja, o processo desencadeado pelo efeito sujeito 
de desejo implica que o sujeito da cultura local também possa se reconhe-
cer em significantes que o representam para outros significantes, inclusive 
alguns da cultura estrangeira. O efeito sujeito de desejo, como veremos 
adiante, implica um reordenamento micro, por vezes macro, dos elementos 
do laço social – individuais, políticos e culturais. 
Nesse sentido, a clínica, intervenção e pesquisa em psicanálise no 
âmbito da diferença cultural no laço social é: 
[...] um percurso que estuda o modo segundo o qual nossas cul-
turas fazem trabalhar as figuras da origem e da alteridade, do es-
tranho e do familiar, seus efeitos sobre as realidades das trocas 
das determinações identitárias, mas também a ressonância des-
tes tratamentos da ‘identidade-alteridade’ sobre o real dos corpos 
(Douville, 2004, p.190).
Segundo Lacan ([1970-1971]1992), o que faz laço social é o discurso 
(não desenvolveremos extensamente a sua ‘teoria dos quatro discursos’). 
Lembramos apenas que o discurso é uma estrutura linguageira que organi-
za a comunicação e especifica as relações do sujeito com os significantes e 
com o objeto, sendo determinante para o sujeito e regulador das formas do 
laço social (Chemama, 1995). 
Ocorre, nesse sentido, que cada vez mais a violência no laço social 
contemporâneo é organizada pelo discurso capitalista e pelo discurso da 
ciência. No discurso do capitalista, o sujeito do inconsciente, sujeito de de-
sejo, é visto exclusivamente segundo sua potência fálica de consumidor 
manipulável pelo marketing, alienável no gozo de consumo dos objetos ofer-
tados. O discurso da ciência, por sua vez, se funda sobre a foraclusão do 
sujeito de desejo. O sujeito do enunciado é reconhecido, mas o sujeito da 
14
Jaime Betts
enunciação é foracluído. É o discurso do analista que vem recolher pela 
escuta o sujeito de desejo foracluído pela universalização que o discurso da 
ciência introduz, ou que o discurso do capitalista cala pela mercantilização 
do desejo com a oferta de consumo de toda sorte de objetos que fazem 
semblante ao obscuro objeto do desejo. 
O sujeito do enunciado pode ser universalizado através de um discurso 
que se torne suficientemente hegemônico para uniformizá-lo numa massa 
desumanizada que se identifica pela marca dos objetos que consome, e 
que facilmente entra numa luta de puro prestígio de vida ou morte com os 
portadores de uma marca diferente da sua, fenômeno de identificação ima-
ginária descrito por Freud em Psicologia de grupo e a análise do eu (Freud, 
[1921]1976).
Os campos de concentração e outras tantas formas contemporâneas 
de banalização do mal em nossas comunidades decorrem da desumaniza-
ção, fruto da universalização introduzida pelo discurso da ciência, que exclui 
a singularidade do sujeito do desejo, assim como o aliena de sua implicação 
e responsabilidade por seus atos (Lacan, [1967]2003). Segundo Hannah 
Arendt (1963), os discursos totalitários alienam o sujeito, privando-o da ca-
pacidade de pensar.
O sujeito da enunciação, por sua vez, é sempre singular, contado um 
por um. A função do psicanalista é apontar o impossível, o que abre cami-
nho para a simbolização da falta, dando lugar para o sujeito de desejo e 
minimizando as ilusões com que o laço social procura recobri-las. Em outras 
palavras, ser operador da psicanálise, seja em intensão, seja em extensão, 
é apontar na transferência quando surgem na fala os significantes que re-
presentam o sujeito, um por um, para outros significantes, perfazendo o 
litoral com o impossível, permitindo que a capacidade desejante de pensar 
e criar advenha.
A função da psicanálise em extensão é presentificar a psicanálise no 
mundo. A psicanálise em intensão presentifica a psicanálise através da clí-
nica do sujeito individual, ou seja, preparando operadores da psicanálise, 
lembrando aqui a afirmação de Lacan, de que toda análise que chega a seu 
fim forma um analista, seja ele praticante ou não (Lacan, [1968]2003). 
O operador da psicanálise em extensão pode presentificar a psicaná-
lise no mundo de diferentes maneiras, nos mais diferentes campos profis-
sionais, mas será sempre um operador da psicanálise implicado no que faz, 
e nunca um aplicador da psicanálise que opera de modo selvagem fora de 
um laço transferencial. 
Cabe lembrar que o caminho que cada sujeito percorre no campo da 
psicanálise é sempre singular, e árduo, pois, no percurso analítico se trata 
15
Desamparo e vulnerabilidades no laço social...
de recortar nas múltiplas repetições sintomáticas os significantes que deli-
mitam as bordas do impossível. 
O ato analítico do recorte significante do impossível conjuga também 
a desconstrução das identificações imaginárias que sustentam as certezas 
de um sujeito, bem como os significados estabelecidos na cultura aos fatos 
e às coisas, e a definição dos usos e costumes que regulam as relações so-
ciais com que se procura recobrir o impossível. Nesse sentido, nas palavras 
de Douville: “laço social designa [...] o modo como uma coletividade mas-
cara umafalta estrutural na relação do sujeito com o Outro” (2004, p.181).
Qualquer que seja o campo de implicação do operador da psicanálise, 
o que deve predispor o psicanalista na clínica em extensão é o desejo do 
analista de escutar a prevalência do saber textual onde quer que se mani-
feste. O inconsciente é um saber textual insabido pelo sujeito, pois precisa 
ser decifrado a partir de suas associações livres, para que os significantes 
(que representam o sujeito para outros significantes) possam ser identifica-
dos. E o desejo do analista é o desejo de que surja a diferença, de que a 
falta estrutural (o impossível) em que advém, o sujeito de desejo seja reco-
nhecido através dos seus significantes no laço social. 
A diferença é produzida pelo real que não cessa de não se inscre-
ver (Lacan, [1972-1973]1982), fazendo hiato entre S1 e S2. Presentificar 
a psicanálise no mundo é presentificar a ética do desejo no laço social. A 
inclusão do sujeito de desejo no laço social resulta no estabelecimento da 
inscrição de uma falta no Outro, e marca um processo singular, diferencia-
do, para cada sujeito, mesmo estando entre outros, por fazer parte de uma 
equipe ou de um coletivo.
Cabe ao operador da psicanálise apontar o impossível ali onde é reco-
berto pelas identificações imaginárias que sustentam as diferentes formas 
de alienação, exclusão e dominação no laço social, nas quais o sujeito do 
desejo é rejeitado, forcluído, submetido ou alienado.
A clínica em extensão quase sempre se caracteriza por ser uma clínica 
entre vários e, portanto, como clínica inserida num contexto institucional 
multiprofissional. Quando um operador da psicanálise – alguém atraves-
sado pela ética da psicanálise – se encontra inserido num contexto institu-
cional, como se posicionar? A questão que se coloca nessa circunstância é 
como o discurso do analista (e seu operador) se insere na instituição sem 
se dissolver nos discursos que fundam e/ou circulam na instituição? Fre-
quentemente, como último recurso, o analista fica isolado em seu canto, 
atendendo seus pacientes. 
Outra situação relativamente comum nas instituições é de o psicana-
lista ocupar algum cargo administrativo ou de direção ou coordenação. E 
16
Jaime Betts
aí a questão é como exercer o cargo e suas responsabilidades e também 
operar a função de psicanalista? 
Com relação a isso, cabe lembrar que, sempre que o reconhecimento 
dos significantes da emergência do sujeito no contexto institucional ocorre, 
há certo efeito – salutar, diga-se de passagem – de desorganização das 
regras institucionais estabelecidas. Os enunciados institucionais dão lugar 
à enunciação singular de vozes plurais. Abre-se uma fresta de reorgani-
zação das regras postas pelo poder instituinte da emergência do efeito 
sujeito de desejo. Por vezes, o efeito se limita ao sujeito em questão e seu 
laço social com os colegas. Mas há momentos fecundos, em que o recorte 
de significantes, chave do saber textual, que subjaz às regras, permite que 
as mudanças institucionais aconteçam. Nesse sentido, em Instância da 
letra, Lacan ([1957]1998) coloca: “É que ao tocar, por pouco que seja, na 
relação do homem com o significante [...] altera-se o curso de sua história, 
modificando as amarras de seu ser” (p.531). 
Um exemplo comum nas instituições é o das equipes multiprofissio-
nais, nas quais o operador da psicanálise se encontra inserido. Nas equi-
pes multidisciplinares, cada profissional aborda a questão trazida pelo su-
jeito desde o ângulo específico de sua disciplina, geralmente não levando 
em consideração as intervenções dos demais profissionais. E a posição 
do sujeito, objeto das intervenções, tampouco é levada em consideração, 
pois caberá a ele juntar os pedaços de cada recorte disciplinar a que é 
submetido. É o próprio sujeito que se vê desamparado diante do fato de 
ser dissecado por cada especialista. Geralmente não é abordado como 
uma pessoa, que pode precisar de intervenções de diferentes especialida-
des, mas que seja levado em conta como sujeito de desejo. 
A lógica que vigora no contexto predominante da multidisciplinarida-
de é de que o sujeito é que deve se adaptar ao modo de funcionamento de 
sobreposição das especialidades (seja na educação, na saúde mental, ou 
outro campo) e não a abordagem da equipe levar em consideração a sin-
gularidade de seu caso, o que deveria ser o ordenador das intervenções 
das diferentes especialidades.
Para que a prática clínica psicanalítica em contextos institucionais 
– por exemplo, da atenção educativa numa escola, da atenção à saú-
de mental de um CAPS, ou do atendimento hospitalar – possa poupar o 
sujeito que os procura de ser esquartejado pela multidisciplinaridade dos 
profissionais das diferentes disciplinas agindo em paralelo em relação aos 
demais, o operador da psicanálise pode intervir no sentido de buscar que 
o funcionamento da equipe seja regido numa perspectiva interdisciplinar, e, 
num segundo tempo, como equipe transdisciplinar (Pais, 1996).
17
Desamparo e vulnerabilidades no laço social...
Segundo Pais (1996), uma equipe interdisciplinar se caracteriza por 
uma concepção de sujeito compartilhada por todas as disciplinas implica-
das na mesma, viabilizando uma comunicação entre as disciplinas. Essa 
concepção é construída a partir do cotejo das diferenças no marco da pro-
dução teórico-clínica de cada especialidade, permitindo que adquiram sen-
tido umas em relação às outras. Trata-se de uma conquista importante no 
funcionamento de uma equipe, pois é condição necessária para que sua 
prática clínica possa chegar a ser transdisciplinar.
 Uma prática clínica transdisciplinar se alcança, conforme o autor, quan-
do a equipe, além da comunicação interdisciplinar, opera a partir de uma 
concepção ética comum. Ou seja, quando uma equipe tem como referência 
ética o conceito de sujeito de desejo (Pais, 1996). E, por isso, toma sempre 
o caso a caso em sua singularidade no laço transferencial. Tomar caso a 
caso em sua singularidade no laço transferencial deve ser o ordenador das 
intervenções das diferentes especialidades, para além das rivalidades ou 
disputas de prestígio de cada disciplina dentro do contexto institucional. 
 A construção de um funcionamento transdisciplinar não é pouca coi-
sa, e nem é fácil, pois ao incluir o sujeito de desejo, o instituído é posto 
em questão, dando lugar à palavra humanizante, o que implica, como foi 
dito acima, certa desorganização das regras da instituição e das formas de 
interação dentro da equipe multiprofissional.
Voltando ao tema do operador da psicanálise que trabalha em insti-
tuições, situar sua função implica verificar como o discurso do analista se 
insere na instituição em relação aos demais discursos vigentes na mesma, 
bem como questionar sempre o posicionamento do operador da psicanáli-
se diante das regras institucionais. 
O reconhecimento dos significantes que representam o sujeito opera-
do pelo discurso do analista implica certo questionamento que surpreen-
de e provoca uma salutar desorganização das regras instituídas, ou seja, 
desencadeia um efeito de “oxigenação” do laço social dentro do contexto 
instituído, por provocar certa descontinuidade, tanto com o que é esperado 
implicitamente no modo de funcionamento da instituição, quanto explicita-
mente em seu planejamento. 
O paradoxo da posição do operador da psicanálise cuja prática está 
inserida no contexto das instituições implica, de um lado, o reconhecimen-
to do que legitima a ordem instituída na qual se encontra, e, por outro, 
sustentar o efeito sujeito de desejo que o ato analítico implica, e a ruptura 
decorrente com a ordem instituída. 
A ética da psicanálise implica permitir uma abertura no laço social insti-
tuído para o advento do sujeito. Se a ética da psicanálise se define por uma 
18
Jaime Betts
ética do bem dizer do desejo, a mesma está disjunta da moral do serviço 
dos bens, assim como da moral universalizante da saúde e do bem-estar 
decorrentes da medicalizaçãodo cotidiano.
Levando em consideração o que foi dito acima, o operador da psica-
nálise, ou seja, agente do discurso do analista, seja na clínica em intensão, 
seja na clínica em extensão, deve levar em consideração três operadores 
da leitura do saber textual em sua escuta e intervenções (Brousse, 2003):
Primeiro: o Outro é barrado, ou seja, não existe palavra final sobre o 
que quer que seja. O que quer dizer que as suposições de saber instituídas 
(e seus mestres de plantão) podem ser interrogadas;
Segundo: sustentar esta abertura à fala do sujeito implica que o opera-
dor da psicanálise suporte o sujeito-suposto-saber na relação transferencial 
em que o sujeito endereça seu sintoma, ao mesmo tempo em que questiona 
o sintoma institucional no qual se encontra inserido e no qual seu gozo está 
de algum modo implicado;
Terceiro: O sujeito barrado ($), o sujeito do inconsciente enquanto sa-
ber textual e não referencial, que emerge na fala do sujeito na relação trans-
ferencial, marcado pelos significantes de sua história e cultura, questiona 
o saber referencial instituído no laço institucional pelos “especialistas” de 
plantão.
O desamparo e as múltiplas vulnerabilidades no laço social colocam 
um desafio para a clínica da psicanálise em extensão. Lacan tinha a ex-
pectativa de que o discurso analítico pudesse fundar um novo laço social, 
em que o sujeito de desejo pudesse ser escutado e reconhecido em seus 
significantes. Estaremos à altura do desafio?
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Desamparo e vulnerabilidades no laço social...
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Recebido em 16/05/2014
Aceito em 03/07/2014
Revisado por Otávio Augusto Winck Nunes
TEXTOS
20
Resumo: Este artigo pretende abordar o desejo do analista face ao desamparo 
contemporâneo, através de uma breve pontuação das principais transformações 
sociais e políticas do último século, assim como das que ocorreram na própria 
psicanálise, enquanto teoria e terapêutica. Salienta a importância da criatividade 
do analista no acolhimento dessa experiência fundamental da condição humana 
que é o desamparo.
Palavras-chave: desejo, psicanálise, desamparo, psicanalista, contemporaneidade.
THE DESIRE OF THE PSYCHOANALYST 
IN THE FACE OF CONTEMPORARY DISTRESS
Abstract: This article address the desire of the psychoanalyst in face of contem-
porary distress. It provides a brief overview of the major social and political trans-
formations throughout the century, as well as those occurred within psychoanaly-
sis as theory and therapy. It highlights the importance of the analyst´s creativity 
in welcoming the fundamental experience of the human condition that is distress.
Keywords: desire, psychoanalysis, distress, psychoanalyst, contemporaneity.
O DESEJO DO PSICANALISTA 
FACE AO DESAMPARO 
CONTEMPORÂNEO
Caterina Koltai1
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, n. 45-46, p.20-31, jul. 2013/jun. 2014
1 Socióloga; Psicanalista; Professora aposentada da graduação e pós-graduação da PUCSP. 
Autora de Política e Psicanálise: O Estrangeiro (Ed. Escuta 2000) e Totem e tabu: um mito 
freudiano (Ed. Civilização Brasileira, 2010). E-mail: catykoltai@yahoo.com.br
21
O desejo do psicanalista...
O desejo do psicanalista face ao desamparo contemporâneo
 
É sempre difícil transformar uma conferência num texto publicável, razão pela qual opto aqui pelo caminho mais fácil, tentando fazer rimar os três 
termos presentes em meu título: desejo do analista, desamparo e contem-
poraneidade.
Comecemos pelo desejo, desejo do analista que remete a Freud e 
ao seu desejo singular, que Lacan acabou teorizando, transformando-o no 
verdadeiro fundamento do tratamento psicanalítico. Renovou, desse modo, 
a abordagem da prática analítica então vigente, subordinando a questão 
técnica à questão ética decorrente da descoberta do inconsciente. Entendo 
o desejo do analista tal qual formulado por ele no seminário 7, o da ética 
(Lacan, [1959-1960]1988), como uma consequência lógica de seu questio-
namento da ética do soberano bem, tal qual vinha sendo formulada de Aris-
tóteles a Kant, face à modificação aí introduzida pela descoberta freudiana.
O desejo do analista remete tanto ao particular de uma análise, na qual 
o analista tem que sustentar a demanda que lhe é endereçada, quanto ao 
mundo em que vivemos. É o que me permite afirmar que não podemos nos 
furtar a relacionar o inconsciente freudiano com as transformações sociais e 
históricas do mundo contemporâneo, uma vez que não podemos esquecer 
que, além de uma terapêutica do sujeito, a psicanálise é também uma teori-
zação da relação desse sujeito com o mundo em que vive.
Qual seria o desejo do analista em nossa contemporaneidade, num 
mundo em constante transformação, que levou o prêmio Nobel Illya Prigo-
gine (2000) a afirmar estarmos perante uma grande bifurcação, fruto das 
três revoluções contemporâneas: a econômica, a numérica e a genética, da 
mesma grandeza daquela que, há doze mil anos atrás, nos fez passar do 
paleolítico ao neolítico, substituindo o nomadismo pela cidade, a oralidade 
pela escrita, a horda pelo Estado. As mudanças são sem dúvida grandes e 
constantes, mas nem por isso precisamos dar crédito aos que anunciam o 
fim do mundo, basta que aceitemos os atuais desafios. 
Para responder a essa pergunta, permitam à judia errante que sou 
uma pequena viagem no tempo, com duas paradas: a primeira na Viena de 
Freud, onde, como lembra Roudinesco (1999), prevaleciam a família patriar-
cal, a soberania monárquica e o culto da tradição. A segunda, na França do 
pós guerra, na qual, sempre segundo a autora, dominava o estado de direito 
marcado pelo culto de uma república universalista e igualitária, e onde La-
can lançou seu retorno a Freud.
Em Viena, o fundador da psicanálise, médico de formação, elaborou 
uma teoria que foi a primeira a postular a natureza sexual do indivíduo. Ao 
22
Caterina Koltai
mesmo tempo, criou um método, o da cura pela palavra, curando lá onde a 
medicina fracassara, através de um processo em que o analisando é convi-dado a associar livremente e o analista a deixar flutuar sua atenção, suspen-
dendo todo julgamento moral para que o infantil, o sexual e o cruel, amorais 
por definição, possam comparecer. Com o passar do tempo, acabou esta-
belecendo uma distinção entre o cobre da sugestão direta e o ouro puro da 
psicanálise, afirmação que alguns entenderam como uma recomendação 
para deixar de lado o terapêutico da psicanálise. Quero dizer desde já que 
não me reconheço nesses que assim pensam, visto que, a meu ver, a psica-
nálise longe de ser uma busca filosófica ou mística, ou uma viagem interior, 
é e continuará sendo uma psicoterapia, não necessariamente praticada por 
médicos. Ao mesmo tempo, ela não se restringe a isso, deve ser entendida, 
também, como uma tentativa de encontrar outra via para o espírito, alargan-
do os limites do pensável autorizado para um indivíduo numa determinada 
sociedade. Não fosse assim, por que alguém procuraria uma análise num 
mundo que oferece tantas outras formas de psicoterapia? 
Respondo a minha própria pergunta, afirmando que é quando o sujeito 
se depara com uma irrupção do real, com um sofrimento do qual nem os 
medicamentos, nem a vida familiar, nem a companhia dos amigos pode dar 
conta que costuma recorrer a uma análise, para tentar entender a comple-
xidade de sua relação consigo próprio e com o mundo, visto que, concomi-
tantemente à natureza sexual, Freud postulou também a natureza relacional 
do indivíduo, obrigado a manter uma relação vital com os demais humanos 
desde o início de sua vida. Tal fato o torna um ser histórico, depositário da 
própria história, o que explica que o tratamento da alma proposto por Freud 
tenha aberto um novo campo para a apropriação subjetiva. A tarefa nem 
sempre é fácil, e não por acaso Freud nos alertou para o fato de que, assim 
como educar e governar, psicanalisar também é uma profissão impossível, 
o que não o impediu de passar a vida analisando, só parando em 39, pou-
cas semanas antes de sua morte. Como chamar a isso, se não desejo de 
analista?
Ao recorrer a um analista, o sujeito faz a aposta de que, ao dizer, falar 
e interrogar um sofrimento que lhe pertence e o constitui, este poderá ser 
acolhido. E, ainda que ele seja o único juiz de seu percurso subjetivo, cabe 
ao analista tomar parte ativa nesse processo e tomar para si a responsabili-
dade de uma abertura. A escuta flutuante e a neutralidade benevolente não 
me parecem suficientes, o analista precisa se deixar afetar por aquilo que 
ouve, até porque só falamos quando nos sabemos realmente escutados. 
Como diz Levallois (2007), para que um analisando possa se apropriar de 
sua história e assumir a responsabilidade pela sua vida, deixando aflorar 
23
O desejo do psicanalista...
seus pensamentos recalcados, é preciso que o analista aceite se deixar 
surpreender.
Minha segunda parada é a França da segunda metade do século XX, 
na qual Lacan ofertou, não mais a cura e, sim, um novo saber scilicet – você 
pode saber – sustentado por novos conceitos. Num momento em que a 
psicologia do ego reinava soberana e pretendia transformar a clínica psi-
canalítica numa particularidade da clínica médica, visando a uma melhor 
adaptação do indivíduo à sociedade, sua proposta de retorno a Freud reno-
vou teoria e clínica, antes de vir a ser corroída pelo vírus da ideologização, 
que ele foi o primeiro a denunciar. No que diz respeito a sua obra, duas 
pontuações me são necessárias:
A primeira é o seu aforismo, de que o inconsciente é o social, com o 
qual postula uma transindividualidade primordial, através da qual o sujeito 
é, por definição, marcado pela história. Podemos constatá-lo em Função e 
campo da palavra (Lacan, [1953]1966), onde define o inconsciente como 
“essa parte do discurso concreto enquanto transindividual que não está 
à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade de seu discurso 
consciente” (p. 258) ou, logo a seguir, quando afirma que “o inconsciente é 
esse capítulo de minha história que está marcado por um branco ou ocupa-
do por uma mentira: é o capítulo censurado, mas que a verdade pode ser 
reencontrada na maioria das vezes, estando inscrita alhures” (p.259).
Minha segunda pontuação diz respeito à distinção que ele estabeleceu 
entre necessidade, demanda e desejo, com a qual chamou nossa atenção 
para o desejo enquanto motor da atividade humana, definindo-o como de-
sejo do Outro. Afirmar que o desejo é desejo do Outro significa que o objeto 
do desejo não responde a nenhuma necessidade, não é da ordem da na-
tureza e, sim, da cultura. O desejo faz a ponte entre o coletivo e o singu-
lar, tanto que creio poder afirmar que a revolução, acontecimento coletivo 
por excelência, assim como o sonho, acontecimento psíquico singular, são 
provocados pelo desejo. Ambos não respondem a nenhuma necessidade, 
ainda que a reivindicação da maioria das revoluções seja a satisfação das 
necessidades. 
Com seus novos conceitos, Lacan abriu um novo campo de pensa-
mento, o que não o impediu de nos alertar, como Freud fizera antes dele, 
para as dificuldades do exercício da psicanálise, insistindo no fato de que 
ela precisava ser reinventada com todo novo analisando, e a cada nova 
sessão. E nem poderia ser diferente, visto que a clínica psicanalítica requer 
algo diferente da mera teoria, um algo que se adquire de modo sempre 
diferente, enraizado no inconsciente do analista. Desemboca, ou pelo me-
nos deveria desembocar, num estilo próprio, fruto de um percurso sempre 
24
Caterina Koltai
único e singular. Assim como Freud, Lacan também atendeu até o final da 
vida, e isso apesar de uma longa doença cujos sinais já vinham se fazendo 
sentir há bastante tempo. Mais uma vez, como chamar isso senão desejo 
de analista? 
Mas esses foram os tempos áureos da psicanálise. Hoje em dia a psi-
canálise vem sendo contestada pelas neurociências e demais terapias cog-
nitivas, e parece ter perdido um pouco de seu antigo charme, fazendo com 
que os psicanalistas se sintam, a meu ver, desnecessariamente acuados. 
Não vejo razões para lamúrias, como tampouco me parece uma boa ideia 
fazer coro à ladainha de que não existem mais verdadeiras demandas de 
análise, de que cada vez mais nos deparamos com pacientes inanalisáveis, 
com sujeitos sem gravidade e outros acusações do gênero, em que o réu é 
sempre o analisando. Gostaria de poder aproveitar essa crise de modo mais 
produtivo, questionando o que nós analistas temos a ver com o que está 
acontecendo e qual a parte que nos cabe nessa “suposta” crise da psicaná-
lise. Como bem lembra Zygouris (2007), a luta pela sobrevivência costuma 
ser fonte de criatividade, o que me faz esperar que talvez possamos apro-
veitar essa conjuntura, até certo ponto desfavorável para a psicanálise, e 
seguir o exemplo de nossos ilustres antepassados: ousar inovar, visto que 
o desejo do analista, entendido como um desejo de saber sobre a relação 
de desconhecido e um poder curar de outra maneira, me parece continuar 
presente. Confesso que faço parte dos que ainda veem a psicanálise, esse 
discurso antitotalitário por excelência, como uma das grandes aventuras 
possíveis em nosso mundo, à condição que ela resista a se deixar globalizar 
falando uma única e só língua. 
Dito isso, qual é meu desejo de psicanalista? Qual é a psicanálise que 
desejo e posso praticar hoje em dia com os pacientes que me procuram, le-
vando em conta as mutações históricas do laço social e seus efeitos sobre a 
economia psíquica do sujeito, e tendo em mente que, a meu ver, hoje como 
ontem, a tarefa do analista continua sendo a de lidar com o desamparo? 
Tema deste encontro, o desamparo remete a essa experiência inevitá-
vel e inerente à condição humana, a de se ver lançado no estrangeiro, numa 
dependência absoluta ao outro e confrontado ao enigma de seu desejo. 
Para designar o que é um verdadeiro ato de nascimento do sujeito, Freud 
recorreu ao termo do alemão corrente Hilflosigkeit, sem transformá-lo em 
conceito. Como salienta Lebovici (2012),Hilflosigkeit é, como na maioria 
das vezes na língua de Freud, uma palavra do alemão cotidiano, compre-
ensível por todos, até mesmo por uma criança. Ela nos remete à questão 
crucial da dor original, dor sem a qual o infans não seria levado a estabe-
lecer uma relação com o outro humano. Não é um conceito e, sim, uma 
25
O desejo do psicanalista...
noção sobre a qual o criador da psicanálise fez repousar nada menos que 
a causa do laço com o Outro, noção entendida aqui como aquilo que se 
situa no registro do elementar e do fundamental. Em alemão, o sufixo keit, 
cujo equivalente não existe, segundo a autora, em francês, e que eu saiba 
nem em português, exprime um estado, o de ser desprovido (los) de ajuda 
(hilflos). E é exatamente esse o estado do infans quando vem ao mundo em 
sua total dependência para com seu primeiro Outro, tendo que fazer face à 
opacidade de seu desejo.
A língua alemã entra em cheio no universo da infância, visto que a pala-
vra hilflos convoca imediatamente o universo dos contos em que as crianças 
se perdem ou são abandonadas na floresta profunda. A definição freudiana 
do desamparo prossegue em direção ao mal-estar que decorre daquilo que 
o sujeito vive como sofrimento ou impossibilidade de relacionamento com o 
outro e com o mundo, obrigando-o a defrontar-se com inúmeras situações 
de vulnerabilidade que evidenciam o eterno conflito entre civilização e bar-
bárie, que atravessa tanto o processo individual quanto o civilizatório.
Esse conflito, estrutural e não meramente conjuntural, se torna mais 
claro se pensarmos, como faz Zygouris (2010), com quem concordo, que 
existem sintomas, sofrimentos, infelicidades que remetem diretamente às 
competências daquilo que ela chama de espécie humana, entre as quais 
ressalta a crueldade e a competência ao assassinato sem nenhuma ne-
cessidade vital para tanto. Essa competência não é apenas a transgressão 
individual de um tabu, é um impulso assassino que, ao se propagar em cer-
tas circunstâncias por demais recorrentes, desemboca nos massacres em 
massa. Por outro lado, temos a pulsão generosa da espécie, que pode ser 
atribuída a Eros, do qual talvez o melhor exemplo seja o dom.
Barbárie e genocídio são, portanto, características humanas para as 
quais Freud nunca deixou de nos alertar, tanto que, no prefácio de seu úl-
timo livro, Moisés e o monoteísmo ([1939] 2006), chama novamente nossa 
atenção para o pacto firmado entre progresso e barbárie. Felizmente não 
viveu o suficiente para conhecer o ápice dessa barbárie, os campos de ex-
termínio para os quais foram mandadas e morreram duas de suas irmãs. 
Lacan (1967) será o primeiro a fazer uma análise freudiana da herança de 
Auschwitz, esse acontecimento maior, individual e coletivo, posterior à me-
tapsicologia freudiana, que, segundo Zaltzmann (1999), marcou o desmoro-
namento da civilização em sua função de defesa do indivíduo contra o reino 
da morte. A partir de então, esse desmoronamento passou a fazer parte da 
herança da realidade humana.
Ao tirar importantes conclusões da subversão operada pelos campos 
de extermínio, Lacan (1967) pode afirmar que, longe de serem um acidente 
26
Caterina Koltai
monstruoso, os campos deveriam ser vistos como precursores de um pro-
cesso desencadeado pelo remanejamento dos grupos pela ciência. Esta-
va coberto de razão, e sua percepção vem sendo corroborada tanto pela 
realidade quanto pelos interessantes estudos de Agamben (1997 e 1999), 
para o qual o campo de extermínio deixou de ser um fato histórico, uma 
anomalia do passado, para se tornar a matriz escondida do espaço político 
em que vivemos. Ao introduzir um traço específico, o da impossibilidade de 
recurso a uma lei, que ocuparia o lugar de terceiro, ele se tornou o fenôme-
no emblemático de nossa modernidade. Nos campos, a vida foi reduzida a 
algo puramente degradável, e o humano definido como alguém passível de 
ser assassinado e morto sem que sua morte seja vista como transgressão 
e seu assassinato punido. Um dos objetivos dos nazistas foi o de tornar a 
humanidade irreconhecível, de modo que os restos dos corpos deixassem 
de ter qualquer semelhança humana e viessem a ser usados como material 
de construção. No projeto nazista, o que estava em jogo não era o mero 
assassinato, da ordem do humano e, sim, fazer desaparecer o que era hu-
mano, o que explica a importância de privar o outro de sepultura, daquilo 
que entre os humanos permite a sobrevivência de um humano em outro 
humano. 
Tanto Lacan (1967) quanto Agamben (1997 e 1999) nos ajudam a en-
tender que, apesar do horror da Shoah, e da recorrente afirmação do Isso 
nunca mais, a violência extrema não só persiste, como vai se declinando 
sempre de novas maneiras, atingindo sempre os mais vulneráveis, e isso 
sessenta anos após a elaboração em grande pompa da Declaração dos 
Direitos Humanos, como se ela tivesse que caminhar pari passu com sua 
sistemática violação; como se nada viesse fazer barreira a essa vertigem do 
mal, termo que retomo de Michela Marzano e Jacques Saint Victor (2008), 
na apresentação que escreveram para um numero especial da revista Cité. 
Neste texto, lembram que toda vez que esquecemos a fragilidade e a fini-
tude da condição humana e passamos a impor ideais, em nome da fé, do 
progresso ou da razão, o resultado é sempre da ordem da barbárie, como 
pudemos comprovar ao longo da história. 
Só posso concordar com eles, quando lembro que foi em nome de 
Deus e do bem que a Santa Mãe Igreja, durante a Inquisição, se julgou au-
torizada a queimar os heréticos e a expulsar Satã do corpo das possuídas. 
Foi em nome dos ideais de certo darwinismo social que as primeiras leis 
eugenistas autorizaram a eliminação dos atingidos por uma deficiência, e 
em nome dos ideais veiculados pelas teorias biológicas e raciais sobre a 
pureza do sangue que o Estado moderno se autorizou a massacrar judeus, 
ciganos, armênios e tútsis. Foi, ainda, em nome do bem soberano do Estado 
27
O desejo do psicanalista...
que os totalitarismos eliminaram os dissidentes, mandando-os para campos 
de trabalho, para serem “reeducados”. 
Como entender essa vertigem do mal sem pô-la em relação com a 
banalidade do mal num momento em que temos Hanna Arendt2 nas telas? 
Ela demonstrou que, para se tornar um assassino profissional, não é preciso 
nem sadismo nem fanatismo, basta aptidão profissional para tanto. Ao des-
crever Eichmann como um homem banal e até certo ponto cômico, em nada 
demoníaco ou monstruoso, um perito ou especialista como era chamado, 
totalmente desprovido de pensamento, um funcionário do nada, que se via 
como mero cumpridor de ordens, ela apontou para o infinito das possibili-
dades do humano. Ele agia em conformidade com a lei e era obediente, 
de uma obediência que ele próprio definiu como obediência de cadáver. 
Pensar a banalidade do mal, a terrível, indizível banalidade do mal, nos 
diz Zimra (2005), significa pensar a desintegração de uma sociedade que 
perdeu sua capacidade de pensar, deixando-se reduzir a uma engrenagem 
da mecânica da morte. Aqui a banalidade do mal assume os traços do coti-
diano, de uma normalidade aterrorizante, de um homem que se contenta em 
obedecer às ordens, mandando para a morte homens, mulheres e crianças. 
Foi esse homem que constitui para Arendt ([1963]1991) o protótipo de hu-
manidade produzida pelo nazismo, um alguém que perdeu toda faculdade 
crítica, toda capacidade de pensamento e julgamento, incapaz de distinguir 
em seus atos o bem do mal, o humano do desumano. 
No que acabo de pontuar, dois significantes são importantes para dar 
sequência a minha exposição, a saber: obediência e perícia. Entendo aqui 
obediência no sentido da servidão voluntária, tal qual definida por La Boétie 
(1999), servidão essa que me parece ser uma das formas do mal-estar con-
temporâneo. Paturet (2013) me parece ir nessa mesma direção, ao ressaltar 
que, apesar de a cultura ocidental moderna veicular a imagem de um ho-
mem livre, o humano raramente é esse ser desejosode liberdade que não 
suporta viver numa gaiola, ainda que dourada. O que ele constata é que, 
ao longo da história, o homem se submeteu aos mais diferentes poderes, 
justamente pelo fato de a servidão ser voluntária. O poder de dominação se 
funda sempre sobre uma crença, e cada sociedade inventou as suas. Nossa 
2 Hannah Arendt. Direção: Margarethe Von Trotta. Produção: Heimatfilm, Amour Fou Luxem-
bourg, MACT Productions. Germany, Israel, Luxembourg, France. 2012. 113min. Dolby digital, 
color black and White, Formato: DCP.
28
Caterina Koltai
época procura sua legitimidade na competência e na perícia, que vêm se 
transformando nos significantes mestres do discurso político, médico e eco-
nômico contemporâneo, principalmente por se pretenderem neutras, visto 
que são veiculadas numa linguagem técnica, numérica e informatizada, as-
pirando eliminar a polissemia e a polifonia da língua, que expõe o humano 
ao equívoco e à incerteza. O homem contemporâneo acredita poder se li-
vrar do inconsciente, esse estraga prazeres, que trai o ideal de controle e 
prevenção. Mas, como se livrar daquilo que nos escapa, os sonhos que so-
nhamos, os lapsos e atos falhos que cometemos e os sintomas e repetições 
que nos interrogam? 
Esse mundo da perícia é uma manifestação da sociedade de contro-
le, em que a biopolítica, conceito foucaultiano, aprofundado por Agamben 
(no conjunto da sua obra), suplantou a política, e na qual a vida vai sen-
do progressivamente reduzida ao bios e posta a serviço da rentabilidade, 
performance, economia e gestão. Como salienta Zimra (2005), no mundo 
globalizado e uniformizado que vivemos, a guerra, a economia, a política e 
a cultura formam um biopoder no qual capital e soberania se confundem. A 
globalização inaugurou uma nova era, quando as fronteiras foram aparen-
temente abolidas e as relações de dominação reformuladas no sentido de 
uma maior abertura ao mercado. Quanto ao homem da globalização, pas-
sou a vivenciar uma nova servidão, na qual só consegue pensar o futuro em 
termos de cálculo, controle, medição, reduzindo-se, como diria Musil, a um 
homem sem qualidades. 
Falando em globalização, gostaria, antes de terminar, de enfocar o fe-
nômeno migratório planetário que ela vem pondo em marcha, assim como 
a segregação que o acompanha. O enfoque ocorre não só porque é um 
tema que me é especialmente caro, mas também por considerar o refugia-
do como um dos símbolos do desamparo contemporâneo. Se recorro aqui 
ao refugiado como metáfora do desamparo é porque, assim como acon-
teceu no entreguerras, os refugiados me parecem representar novamente 
um fenômeno de massa que, tanto os organismos internacionais quanto 
os diferentes países, não sabem como enfrentar, transferindo o problema, 
como bem lembrou Agamben (1994), para as organizações humanitárias, e 
principalmente para a polícia. E isso se dá, segundo ele, porque o refugiado 
representa na estrutura do Estado-nação um elemento inquietante, na me-
dida em que rompe a suposta identidade entre o homem e o cidadão, entre 
naturalidade e nacionalidade, pondo em xeque a ficção originária da sobe-
rania. É justamente por romper a antiga trindade Estado-nação-território, 
que o refugiado vem se tornando a figura central da nossa história política 
contemporânea. Traído por seu país de origem, onde sua sobrevivência se 
29
O desejo do psicanalista...
tornou inviável, o refugiado se vê obrigado a pedir asilo ou entrar clandesti-
namente num outro país cuja língua, na maioria das vezes, não fala e cujos 
hábitos desconhece.
O sofrimento do refugiado, que tomo aqui como símbolo de todo aque-
le que foi exposto a alguma forma de violência do estado, tem, a meu ver, 
uma característica própria: a sensação de ter deixado de pertencer à “espé-
cie humana”, visto que sua vida deixou de ter valor para os demais. Acom-
panhamos planetariamente barcos de refugiados superlotados que tentam 
aportar nas costas da Itália ou da Espanha e que, no pior dos casos, são 
deixados à própria sorte, sem que uma mão os impeça de se afogarem, e, 
no melhor dos casos, são salvos do naufrágio para serem internados em 
campos. Os que se dispõem a escutá-los sabem que existe uma especifici-
dade nessa clínica, tanto na escuta quanto na direção do tratamento. Face 
a alguém que perdeu a confiança no outro e na palavra, que vive no terror 
de ser mandado de volta para o lugar de onde fugiu e corria risco de vida, 
o analista precisa demonstrar uma curiosidade e um investimento explícito. 
Precisa manifestar claramente seu desejo de analista, para que esse sujei-
to possa voltar a sentir que ele pode interessar a alguém e elaborar a dor 
da perda da pátria, da língua materna e do lugar onde seus antepassados 
estão enterrados. Essa clínica engaja o analista, como bem salientaram Da-
voine e Gaudillière (2006), a estar em permanente contato com sua própria 
história, inclusive no que diz respeito aos exílios e guerras que possam ter 
marcado sua história pessoal. 
Face ao desamparo, somos obrigados, como lembrou Fedida (2002), 
a imaginar aquilo que o outro diz ou pensa ser inimaginável, porque ser in-
capaz de imaginar é negligenciar que isso possa ter acontecido. O analista, 
a quem o sujeito frequentemente se dirige quando a pulsão de destruição, 
ou de autodestruição, se sobrepõe ao desejo, precisa poder imaginar o que 
é da ordem da destruição e do horror vivido pelo paciente, e que este não 
tem como questionar. O analista precisa poder imaginar o que o outro viveu, 
precisa poder construir, o que não significa reconstruir. Certos pacientes 
vivem e expressam tamanho sofrimento que nos levam de fato ao limiar do 
inimaginável. Em tais casos não se trata de nos lançarmos na empatia do 
horror, mas de termos a possibilidade de saber no que aquilo que é horrível 
desfaz nossas próprias representações. A capacidade de imaginar é ne-
cessária ao analista, pois é quando se dispõe a isso que pode vir a abrir a 
porta do sentido numa fraternidade discreta, na medida que analista e ana-
lisando ocupam lugares assimétricos, assimetria necessária para que haja 
hospitalidade. Cabe ao analista abrir sua psique para que o outro a habite 
temporariamente, pois um espaço psíquico povoado de medo, apreensão 
30
Caterina Koltai
e solidão só pode vir a se tornar um lugar habitável pelo intermediário do 
espaço psíquico do analista. 
Retorno ao início e à minha questão do desejo do analista face ao de-
samparo na nossa contemporaneidade, para fazer minhas as palavras de 
Zaltzman (1997), quando ela afirma que a tarefa da psicanálise é a de tratar 
do sujeito enquanto sujeito da condição humana, como emissário de uma 
realidade psíquica que é a dele e do conjunto de humanos que faz dele aqui-
lo que ele é. Uma análise nesse sentido tem a ver com o rochedo daquilo 
que constitui a realidade do humano.
Para que isso aconteça, precisamos, a partir do que nos ensinaram 
nossos mestres, reinventar nossas práticas e aceitar, apesar de mal visto, 
sermos analistas terapeutas, sem que isso signifique transformar a análise 
numa mera terapêutica da compaixão. Devemos nos implicar nas análises 
tanto quanto nossos analisandos, e não deixá-los sozinhos face a seus dis-
cursos, para que possam se servir desse espaço singular reinvestindo nas 
pulsões de vida. 
Para tanto, e para concluir, diria com Zygouris (2013) que, para ser 
analista é preciso saber dar boas risadas, ter humor e não temer a solidão. 
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31
O desejo do psicanalista...
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Recebido em 16/05/2014
Aceito em 30/05/2014
Revisado por Marisa Terezinha Garcia de Oliveira
TEXTOS
32
Resumo: Este artigo trata dos efeitos que incidem sobre diferentes imigrações, 
utilizando as proposições lacanianas que implicam a castração, a frustração e 
a privação. Desdobra a relação entre trauma e injúria, como impossibilidade de 
acolhida do imigrante. Situa a problematização da relação do sujeito com o lugar 
de endereçamento da fala, como um dos elementos do luto impossível nessas 
situações.
Palavras-chave: trauma, privação, luto, injúria.
AN IMPOSSIBLE MOURNING: effects of trauma in imigration
Abstract: This paper discusses the effects that influence different imigrations, 
using the Lacanian propositions involving castration, frustration and privation. It 
unfolds the relationship between trauma and injury as an impossibility of welcom-
ing the immigrant, and situates the questioning regarding the subject’s relation 
with the speech’s place of addressment as one of the elements of the impossible 
mourning in these situations.
Keywords: trauma, privation, mourning, injury.
UM LUTO IMPOSSÍVEL: 
efeitos de trauma em imigrações1
Ana Costa2
1 Trabalho apresentado na III Jornada do Instituto APPOA: Psicanálise e Intervenções Sociais 
– Desamparo e Vulnerabilidades, Porto Alegre, agosto de 2013.
2 Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e do Instituto APPOA; Pro-
fessora do PPG em Psicanálise da UERJ. Autora de diversos livros: A ficção de si mesmo 
(Cia. de Freud, 1998); Corpo e Escrita (Relume-Dumará, 2001); Tatuagens e Marcas corporais 
(Casa do Psicólogo, 2003); Sonhos (Jorge Zahar, 2003); Clinicando (APPOA, 2008). E-mail: 
medeirosdacostaanamaria@gmail.com
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, n. 45-46, p.32-36, jul. 2013/jun. 2014
33
Um luto impossível...
Abordarei o tema de algumas imigrações forçadas, nas quais as condi-ções de produção de uma experiência não estão dadas. Experiência, 
aqui, pode ser tomada tanto no sentido da possibilidade de sua transmis-
são, numa inclusão no laço social, quanto amparada nos fundamentos da 
psicanálise, na produção das condições possíveis para que o sujeito se si-
tue na relação à fala. É a relação do sujeito com a fala que se problematiza 
nas situações que vou tratar. Em princípio, pode parecer muito evidente, e 
até mesmo natural, que a condição adquirida por alguém na apropriação 
de sua fala fique preservada em seus deslocamentos. Desde sua funda-
ção, a psicanálise trata de inúmeras problematizações justamente nessa 
função. 
São múltiplos os motivos que levam alguém a deixar seu lugar de ori-
gem. Vou citar somente alguns, sem me deter em suas especificidades. 
Para tanto, retomarei as propostas lacanianas situadas como castração, 
frustração e privação. Estas proposições podem contribuir na apresentação 
de diferenças no que diz respeito às imigrações. 
A primeira busca de imigração, aparentemente mais simples, diz res-
peito à relação entre o ideal e o desejo. O ideal é aquilo que o sujeito coloca 
no horizonte, na distância a ser alcançada, e que requer um movimento para 
sua realização. Apesar de produzir deslocamento, o ideal sempre se coloca 
a partir de uma referência construída na história familiar. É o lugar de um 
filho que quer realizar algo dos valores dos pais, com o clássico trabalho a 
partir da castração.
Na segunda busca de imigração, vamos encontrar uma referência ao 
imaginário, quando a falta se registra do lado da frustração. Ou seja, quando 
o brilho fálico buscado tem a ver com um gozo mais imediato, do que com 
a relação ao desejo. O exemplo que me ocorreu do lado do imaginário diz 
respeito a algumas crises narcísicas de modelos de moda. Esta colocação é 
aproximativa, não se situa como explicação para tais casos, mas como um 
elemento importante na apresentação clínica de alguns. Chama atenção 
como o registro da oralidade entra em causa, muitas vezes com o consumo 
excessivo de drogas. Nessas situações podemos depreender que alguma 
coisa fica problematizada do lado das referências identificatórias, que inter-
pelam sem mediação. Digamos que situam um modelo sem contexto. 
O terceiro motivo implica mais diretamente a privação: quando o des-
locamento é situado a partir de uma violência. A este tipo de deslocamento 
atribuímos corriqueiramente a condição de ser traumático. Nele situam-se 
os imigrantes forçados, ou aqueles que – ao imigrarem – não se integram ao 
laço social, ficando à margem, não encontrando uma via de circular no laço 
social para onde se deslocam.
34
Ana Costa
É possível reconhecer que em qualquer condição de deslocamen-
to, um sujeito pode padecer de uma crise semelhante à privação, e, ao 
mesmo tempo, nem todos imigrantes posicionam-se como tendo sido 
privados. Situo aqui uma diferença entre o registro social e a elaboração 
possível do sujeito. É sempre preciso considerar as singularidades com 
a experiência do tempo e não antecipar uma resposta simplesmente pro-
tocolar. Muitas vezes, as boas intenções de uma assistência social, situa-
da nas políticas públicas, não considera a singularidade de cada caso. O 
tema do assistencialismo entra aí numa condição de antecipação de res-
postas genéricas, não encontrando o sujeito num tempo de apropriação 
de sua questão. A contribuição que a psicanálise pode dar às políticas 
públicas diz respeito especificamente a isso: considerar e apostar no 
tempo do sujeito. 
Dito isso, tratemos da especificidade do que traumatiza instaurando 
uma dinâmica de privação. Aqui, é preciso especificar algumas relações, 
que não são simples. A primeira delas, de grande importância, diz da rela-
ção com a linguagem. O âmbito da língua diferencia linguagem instrumental 
e endereçamento da fala. Pode-se aprender qualquer língua para ter condi-
ções de comunicação – este é seu sentido instrumental –, no entanto, pode 
não haver endereçamento da fala, ou seja, pode-se não singularizar o lugar 
desde onde se fala. São coisas absolutamente distintas, e a experiência de 
viver num país estrangeiro coloca isso em causa. No endereçamento da 
fala está colocado o se deixar “ser falado”, sem somente tentar dominar a 
forma do que é falado. A linguagem instrumental – o que implica saber falar 
a língua para se comunicar – não registra o espírito da língua, que é o lugar 
do terceiro. Terceiro, aqui, pode ser entendido como o que está colocado em 
qualquer diálogo, no qual se situa aquele que fala, seu interlocutor e o cam-
po da linguagem, como um campoprenhe de mal-entendidos, semidizeres, 
bem como de significações antecipadas, implícitas em cada laço social. Em 
tais condições, muitas formas de atribuição funcionam do lado da injúria, ou 
seja, como se aquilo que está semidito, ou mesmo enigmático, fosse encar-
nado como o estranho, numa relação dual, sem referência ao terceiro que 
media o laço discursivo. 
Freud ([1893]1972) foi otimista com a injúria, na medida em que si-
tuou nela a substituição da ação pela palavra. Ou seja, que o primeiro que 
injuriou, ao invés de passar ao ato – matar – teria podido substituir a ação 
pela palavra. No entanto, diferentemente do otimismo freudiano, isso para 
nada deixou de produzir guerras. A injúria evoca um princípio de exclusão: 
a dimensão que todos temos de um excluído do próprio corpo. Por essa 
razão, também, que a injúria recoloca o corpo em causa: seja pela cor da 
35
Um luto impossível...
pele, pelos traços estrangeiros, etc. O interlocutor encarna – faz corpo – da 
ofensa. O circuito da injúria é violento em si mesmo. 
Para entendermos a injúria, vale fazermos uma diferença entre o chiste 
e o cômico. Este último diz respeito a rir do outro: fazer da imagem do outro 
objeto de comicidade. Já no chiste, entra em causa o terceiro ausente, como 
inscrição do jogo da língua, isto é, suas criações e potencialidades metafó-
ricas. O endereçamento da fala diz respeito à possibilidade de inscrição do 
terceiro. É deste lugar da língua, enquanto jogo simbólico, que herdamos as 
condições da referência ao desejo e à castração – tema que mencionamos 
anteriormente.
Assim, situamos primeiramente a língua, como a condição que se pro-
blematiza numa privação. O segundo elemento diz respeito à relação com 
os objetos, que constituem suportes culturais necessários para construção 
de identificações. Pode-se depreender que são esses objetos e vestes que 
– mais que somente enfeitar – criam um lugar, eles são significantes. O ritu-
al, por exemplo, constrói enlaces importantes entre imaginário e real, situan-
do o objeto como presença nas condições de uma herança. Nesse sentido, 
não se pode dizer que uma herança seja somente simbólica, ela traz junto 
uma presença/ausência transmitida num objeto. Pode-se perceber que a 
globalização, com o descarte consumista do objeto no capitalismo, proble-
matiza justamente esta face das transmissões das heranças.
Encontramos diferentes eventos produtores de trauma, eles colocam 
em cena aquilo que Lacan ([1964]1985) designou como duas muralhas do 
impossível: por um lado, a relação com a morte; por outro, a relação com o 
sexo. É curioso pensar como isso se confirma nos eventos mais violentos: 
nas guerras e violências urbanas reconhecemos que sexo e morte estão 
juntos. Não há somente os assassinatos, há também grande incidência de 
estupros.
Pode-se situar que um evento traumatiza quando o sujeito perde sua 
condição de responder ao laço social, ou seja, de situar-se numa referência 
significante, bem como na possibilidade de velar o real por meio da fantasia. 
Assim, o trauma situa um acontecimento em que o sujeito perde sua con-
dição de endereçar sua questão desde o campo discursivo, e se confunde 
com o que é excluído – o gozo excluído da circulação – no limite: com o 
injuriado. A privação, aqui, apresenta o furo repleto da porcaria, que se ex-
pressa como um resto corporal. É aqui que se apresenta um luto impossível.
Pensando nessas situações, podemos reconhecer que o luto tem duas 
faces e não acontece imediatamente, de uma única vez. Numa das faces 
ele é carregado por uma função social, efetivada por aqueles que acom-
panham. Como fica essa função social para o imigrante, se ele ainda não 
36
Ana Costa
está inscrito no laço social, se ele não tem o suporte do semelhante para 
testemunho? A função social é vivida no ritual, que permite uma primeira 
separação. Assim, a separação é um trabalho doloroso, que não reconhece 
imposições de fora, nem de uma atribuição de realidade à situação, precisa 
de muitas elaborações. A outra face do luto se refere a viver a perda, reco-
nhecendo-a enquanto um registro da experiência. É a experiência solitária, 
que diz respeito a cada um, mais além do compartilhado.
Assim, a reconstituição do endereçamento na fala é todo o trabalho 
dessa clínica. Tem-se falado em testemunho. No entanto, pensar no teste-
munho significa pensar em como lidar com a antecipação na relação com 
o pequeno outro. Testemunho significa reconhecer a perda, o que dimen-
siona a possibilidade de um luto. No entanto, penso que, para o imigrante 
submetido a uma vivência de privação, coloca-se antes uma suspensão da 
perda, tanto quanto uma suspensão do tempo. É como se o deslocamento 
não houvesse acontecido e o sujeito ficasse no limbo. É nessa medida que 
é necessário um trabalho preliminar ao luto, situando as condições de ende-
reçamento na entrada ao novo lugar, para que o sujeito, a posteriori, possa 
testemunhar sobre seu desterro. Ou seja, para sair é preciso primeiro entrar.
 
REFERÊNCIAS 
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Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1972.
LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise 
[1964]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.
Recebido em 20/05/2014
Aceito em 10/06/2014 
Revisado por Cristian Giles
TEXTOS
37
Resumo: O presente artigo trabalha alguns aspectos da clínica do exílio reali-
zada junto a recém-chegados admitidos pelo ACNUR/ASAV (Alto Comissariado 
das Nações Unidas para Refugiados/Associação Antonio Vieira), inserida no 
Projeto SIG Intervenções Psicanalíticas. No contexto específico de uma política 
de reassentamento, interessa-nos explorar como a não ritualização da partida 
forçada engendra episódios desorganizadores sobre uma economia pulsional 
cindida, quando da não passagem de uma cultura a outra. A interrogação sobre 
o que faz trauma no exílio, assim como sobre os episódios injuntivos de reatua-
lização traumática, servirão como fio condutor à nossa investigação.
Palavras-chave: exílio, trauma, reassentamento.
FROM EXILE TO ASYLUM: CLINIC LISTENINGS
Abstract: The present article aims to work some aspects of the exile clinic con-
ceived with the new-arrived admitted by the HCR/ASAV and the Project SIG 
Psychoanalytic Interventions. In the specific context of a resettlement policy, it 
concerns us to develop how the non-ritualisation of the forced departure leads 
to some overwhelming episodes onto a divided libido economy, regarding the 
non-passage between one culture to another. Theses questions about what do 
traumatize in exile, and the episodes of traumatic re-actualization will be the 
conductors lines in our investigation of metapsychological keys to read the exile
Keywords: exile, trauma, resettlement.
Alexei Conte Indursky2
Barbara de Souza Conte3
Daniela Feijó4
Liege Didonet5
DO EXÍLIO AO ASILO: 
escutas clínicas1
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, n. 45-46, p.37-48, jul. 2013/jun. 2014
1Trabalho apresentado na III Jornada do Instituto APPOA: Psicanálise e Intervenções Sociais – 
Desamparo e Vulnerabilidades, Porto Alegre, agosto de 2013.
2 Psicólogo; Doutorando da Universidade Paris VII; Integrante do SIG/Intervenções Psicanalíti-
cas. E-mail: leco.indursky@globo.com
3 Psicanalista; Doutora em Psicologia pela Universidade Autônoma de Madrid; Coordenadora 
do Projeto SIG/Intervenções Psicanalíticas. E-mail: barbara.conte@globo.com
4 Psicanalista; Integrante do Projeto SIG/Intervenções Psicanalíticas. E-mail: danitrois@gmail.com
5 Psicanalista; Integrante do Projeto SIG/Intervenções Psicanalíticas. E-mail: liegedidonet@
yahoo.co.uk
38
Alexei Conte Indursky, Barbara de Souza Conte, Daniela Feijó e Liege Didonet
Era de madrugada quando K. chegou. O vilarejo estava coberto de neve. A colina do 
Castelo permanecia invisível, a bruma e a obscuridade o contornavam, não existia mesmo um 
vulto que indicasse a presença do grande Castelo. K repousou longamente sobre a

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