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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL ELIZA ANTONIA DE QUEIROZ Gastos com internações hospitalares e sobrevida de pacientes adultos que receberam transplante de fígado no SUS no período 2001-2011 Belo Horizonte - MG 2016 ELIZA ANTONIA DE QUEIROZ Gastos com internações hospitalares e sobrevida de pacientes adultos que receberam transplante de fígado no SUS no período 2001-2011 Tese apresentada ao curso de doutorado em Economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do Título de doutora em Economia. Orientadora: Profª. Drª. Monica Viegas Andrade Coorientadora: Profª. Drª. Kenya Valéria Micaela de Souza Noronha Coorientador: Prof. Dr. Everton Nunes Silva Belo Horizonte, Minas Gerais Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional Faculdade de Ciências Econômicas - UFMG 2016 Ficha Catalográfica Q3g 2016 Queiroz, Eliza Antonia de. Gastos com internações hospitalares e sobrevida de pacientes adultos que receberam transplante de fígado no SUS no período 2001- 2011 [manuscrito] / Eliza Antonia de Queiroz – 2016. 169 f.: il., gráfs. e tabs. Orientador: Monica Viegas Andrade. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Inclui bibliografia (f. 140-146). 1. Fígado - Transplante - Custos – Teses. 2. Economia da saúde – Teses. 3. Serviços de saúde pública – Brasil - Teses 3 I Andrade, Mônica Viegas. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. III. Título. CDD: 338.473621981 Elaborada pela Biblioteca da FACE/UFMG – FPS023/2017 Aos que esperam pacientemente na fila para receber o transplante, minhas orações. Aos médicos e equipe de profissionais da saúde, pela dedicação constante ao exercício em prol da vida, minha admiração. Aos familiares, que aceitam a doação no momento de dor, meus sentimentos e agradecimento. AGRADECIMENTOS Especiais agradecimentos aos meus orientadores, Professores Monica Viegas, Kenya Noronha e Everton Nunes. Monica, obrigada pela acolhida na área da saúde, por me apresentar um mundo de possibilidades, pela orientação e por direcionar meu trabalho! Kenya, obrigada pelo seu trabalho de orientação, pelos ensinamentos e pela sua amizade antiga! Everton, obrigada pelo incentivo, contribuições ao trabalho e pela orientação! Ao técnico do Ministério da Saúde, Jamil Souza Nascimento, pela orientação e ajuda na execução dos pareamentos probabilísticos dos bancos de dados da tese. Jamil, obrigada pela sua paciência em me explicar o que parecia ser tão fácil para você! Obrigada também por pensar conjuntamente as soluções dos problemas que foram surgindo! Sua experiência em pareamentos foi fundamental para o desenvolvimento deste trabalho. Ao Ministério da Saúde, por entender a importância deste estudo e permitir o acesso aos microdados identificados. Agradeço ao Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) do Hospital das Clínicas da UFMG, pela atenção e ajuda imprescindíveis para o entendimento das questões médicas. Em especial, aos doutores Agnaldo Soares, Antônio Luiz, José Luiz e Silvana Kelles. Aos membros da banca do exame de qualificação deste trabalho, professores Agnaldo Soares, Augusto Guerra, Everton Nunes e Luciana Haddad, pelas importantes contribuições. A todos os médicos que nos ajudaram a entender o problema, compartilhando seus conhecimentos e experiências durante o Congresso da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). Aos bolsistas das professoras Monica e Kenya, que me ajudaram na conferência dos resultados dos pareamentos. Especiais agradecimentos aos professores componentes da banca examinadora da tese: Dr. José Ben-Hur, Dra. Silvana Kelles, Dr. Agnaldo Soares Lima e Dr. Francisco Acurcio, pela cuidadosa leitura deste trabalho e suas importantes contribuições e sugestões na defesa da tese. Ao Professor Mauro Borges Lemos, pela confiança, ensinamentos e incentivo para retorno ao CEDEPLAR! Aos professores Ana Valéria, Cândido Guerra e Wanderley Ramalho, pela confiança no meu trabalho, pelo aprendizado e pelos momentos de alegria e amizade durante o projeto de pesquisa! A todos os amigos do CEDEPLAR, alunos, professores e funcionários! Aos professores Frederico Gonzaga e Ana Hermeto, pela confiança e apoio institucional! Neste retorno, conheci pessoas maravilhosas que fizeram esse período muito mais Feliz! Em especial, aos amigos da minha turma de Doutorado, Fernando, Francieli, Geórgia, Izabel, Marcelo, Paulo e Vinícius, e ao Rodrigo, meus agradecimentos pelos momentos compartilhados de estudo, alegria e amizade! Fran, obrigada pela sua amizade, parceria e apoio em vários momentos! Agradeço imensamente ao Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) pelo apoio institucional, concedendo meu afastamento das atividades acadêmicas para concluir o Doutorado. Aos amigos professores e técnicos do Campus Sabará/IFMG, que acreditaram e confiaram em mim! Aos meus alunos! Aos amigos, que sempre estavam ali, para me apoiar, pelas orações e por entender minhas ausências! Com grande afeto, em especial, Ana Paula, Madu, Mila e Patrícia. Aos meus pais, que, sem entender o que eu estava fazendo, percebiam a importância desta etapa na minha vida! Especial agradecimento a minha mãe, que sempre foi a pessoa que primeiro pegava o terço, acendia a vela e rezava para eu terminar a tese! Pode ter certeza que suas orações me fortaleceram durante todo o processo! Obrigada Tia Dininha, pelas muitas ajudas e inspiração! Aos meus amados irmãos, Erica e Romulo, que sempre me viram como exemplo, mas que na verdade foram sempre inspirações para mim! Ao João Victor, fonte de amor! A Deus, por tudo, especialmente pela saúde! O Seu tempo é preciso! Sempre!!! “Sim, fui médico, rebelde, soldado. Foram etapas importantes de minha vida, e, a rigor, esta sucessão constitui um paradoxo. Como médico conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte” (Guimarães Rosa). RESUMO Os procedimentos de transplantes de fígado têm aumentado no Brasil, com o acometimento da população por doenças hepáticas crônicas. Por não haver alternativa de tratamento para esses pacientes, aliado ao fato de que no Brasil 95% de todos os transplantes de órgãos e tecidos realizados são custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), são esperados importantes impactos nos gastos públicos. O objetivo deste trabalho é estimar a sobrevida dos pacientes adultos que realizaram transplante de fígado e os gastos do SUS com internações hospitalares desses procedimentos e de todas outras internações que realizaram no período 2001-2011, antes ou depois do procedimento principal. Esse é um trabalho pioneiro por incorporar todos os pacientes adultos que fizeram o transplante de fígado no SUS, em um período de onze anos. As fontes de dados desse estudo são oriundas de dois sistemas de dados administrativos do Ministério da Saúde brasileiro: o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). O banco de dados foi estruturado através da aplicação de técnicas estatísticas de pareamento probabilístico entre as informações dessas duas fontes de dados. A curva de sobrevivênciafoi estimada pelo método de Kaplan-Meier e foi aplicado também o modelo de riscos proporcionais de Cox. A construção dos indicadores de gastos hospitalares permitiu calcular os gastos do SUS com os procedimentos de transplante, os gastos do SUS com outras internações hospitalares e o gasto do SUS por ano de sobrevivência dos 7.345 pacientes adultos transplantados de fígado no SUS no período 2001-2011. A abordagem foi realizada considerando o total de pacientes adultos e também segmentada por coortes, que foram definidas em função do ano de realização do primeiro transplante de fígado no período 2001-2011. Os resultados descrevem as características desses pacientes contemplados no estudo. As taxas de sobrevida estimadas neste trabalho foram menores do que as taxas oficiais da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos e de referências de estudos nacionais e internacionais. No primeiro ano pós- transplante de fígado a taxa de sobrevida estimada foi de 70,75%. O gasto médio por transplante de fígado foi de R$57.043,00, considerando o primeiro e os demais no caso de mais de um transplante de fígado no período. O gasto médio anual por transplante variou de R$59.267,00 em 2001 a R$70.561,00 em 2011. O gasto médio com outras internações hospitalares variou de R$816,07 em 2001 a R$2.248,18 em 2011, enquanto que o gasto mediano variou de R$333,88 a R$860,20. Os resultados deste trabalho evidenciaram que a probabilidade de sobreviver ao primeiro ano pós-transplante é maior comparado aos anos subsequentes, assim como são também maiores os gastos hospitalares e as taxas de internação e o número de dias internado nas outras internações hospitalares pelo SUS. Como resultado, o gasto hospitalar do SUS por ano de sobrevivência foi mais elevado nesse primeiro ano. O menor gasto hospitalar no primeiro ano de sobrevivência foi de R$3.409,00 na coorte de 2002, alcançando R$8.752,00 na coorte de 2011. Palavras-chave: Transplante de fígado. Transplante hepático. Sobrevida. Gastos hospitalares. ABSTRACT The procedures of liver transplants have increased in Brazil as the prevalence of chronic liver diseases are growing in the country. Because there is no alternative treatment for these patients, coupled with the fact that in Brazil 95% of all transplants are funded by the public health system, it is expected significant impact on public expenses. The objective of this study is to estimate the survival of 7,345 adult patients who received liver transplantation and the hospital expenditures of both liver transplant and other hospital care performed during the period 2001-2011 (before or after the liver transplant). This is a pioneering work to incorporate all adult patients who had received liver transplantation in the SUS in a period of eleven years. Data sources are from two administrative data systems of the Brazilian Ministry of Health: the Hospital Information System (SIH/SUS) and Mortality Information System (SIM). The database was structured by applying statistical techniques of probabilistic linkage between these two data sources. The survival curve was estimated by the Kaplan-Meier and a model of Cox proportional hazards was further applied. The costs of transplant procedures, expenditures on other hospital admissions and expenditures per year of survival were calculated. The analysis was performed considering the total of adult patients and by cohorts (defined according to the year of the first liver transplant). According to our results, survival rates were lower than the official rates of the Brazilian Association of Organ Transplantation and those found by national and international empirical studies. The 1-year survival rate was 70.75%. The average expenditure per patient was R$57,043.00 and the average annual expenditure per transplant ranged from R$59,267.00 in 2001 to R$70,561.00 in 2011. The average expenditure on other hospital admissions varied from R$ 816.07 in 2001 to R$2,248.18 in 2011, while the median ranged from R$333.88 to R$860.20. The results showed that the probability of surviving, hospital expenses, hospitalization rates and the number of days of inpatient care are higher for the first posttransplant year. As a result, our estimates show higher expenditures per life year gained in the first posttransplant year compared to the subsequent periods. The shorter hospital expenditures per life year gained in the first posttransplant year was R$3,409.00 in the 2002 cohort, reaching a value of R$8,752.00 in the 2011 cohort. Keywords: Liver transplantation. Survival. Hospital expenses. LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - Número de transplantes de fígado realizados pelo SUS – Brasil, 2001- 2011............................................................................................................................... 29 GRÁFICO 2 – Percentual de AIH pagas relativas ao transplante de fígado no SUS, por Unidade da Federação - Brasil, 2001-2011................................................................... 29 GRÁFICO 3 - Evolução do total de pacientes de 18 anos e mais de idade que realizaram o transplante de fígado no Brasil no período 2001-2011............................ 91 GRÁFICO 4- Distribuição percentual dos transplantados de fígado adultos (18 anos e mais) por sexo em cada ano.......................................................................................... 93 GRÁFICO 5 - Distribuição percentual dos transplantados de fígado adultos (18 anos e mais) por faixa etária em cada ano............................................................................... 93 GRÁFICO 6 - Distribuição percentual dos transplantados de fígado adultos (18 anos e mais) por tipo de doador em cada ano.......................................................................... 94 GRÁFICO 7 - Distribuição percentual dos transplantes por caráter da internação do transplante em cada ano................................................................................................ 94 GRÁFICO 8 - Distribuição percentual dos transplantados de fígado adultos (18 anos e mais) por região de realização do transplante em cada ano.......................................... 95 GRÁFICO 9 - Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier de pacientes adultos transplantados de fígado no SUS no período 2001-2011.............................................. 96 GRÁFICO 10 - Probabilidades de sobrevivência de pacientes adultos por tempo decorrido pós-transplante de fígado para as coortes definidas: 2001-2011.................. 102 GRÁFICO 11 - Participação do total de gastos dos transplantes de fígado em relação ao total de gastos de todas internações SUS por ano (%), 2001-2011.............................. 115 GRÁFICO 12 - Número médio de dias internado nas outras internações, por tempo antes e depois do transplante de fígado, 2001-2011..................................................... 120 GRÁFICO 13 - Número mediano de dias internado nas outras internações, por tempo antes e depois do transplante de fígado de pacientes adultos transplantados de fígado, 2001-2011......................................................................................................... 123 GRÁFICO 14 - Gasto mediano nas outras internações hospitalares no SUS, por tempo de transplante, 2001-2011............................................................................................. 130 GRÁFICO 15 - Gasto mediano nas outras internações hospitalares no SUS, por tempo de transplante e caráter da internação do primeiro transplante de fígado, 2001- 2011............................................................................................................................... 131 GRÁFICO 16 - Gasto mediano nas outras internações hospitalaresno SUS, por tempo de transplante e tipo de doador (cadavérico ou intervivos) no primeiro transplante de fígado, 2001-2011.................................................................................................... 131 GRÁFICO 17 - Gasto mediano nas outras internações hospitalares no SUS, por tempo de transplante e região de realização do primeiro transplante de fígado, 2001- 2011............................................................................................................................... 132 GRÁFICO 18 - Gasto mediano nas outras internações hospitalares no SUS, por tempo de transplante e faixa etária do paciente na internação para o primeiro transplante de fígado, 2001-2011......................................................................................................... 133 GRÁFICO 19 - Gasto mediano nas outras internações hospitalares no SUS, por tempo de transplante e condição e tempo de óbito, 2001-2011............................................... 133 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Etapas da estruturação do banco de dados da tese........................................ 66 FIGURA 2 - Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier de pacientes adultos transplantados de fígado no SUS no período 2001-2011 por coortes de pacientes...... 103 FIGURA 3 - Curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier de pacientes adultos transplantados de fígado no SUS no período 2001-2011, conforme subgrupos específicos..................................................................................................................... 107 FIGURA 4 - Gasto médio anual com todas as internações para transplante de fígado (primeiro transplante e retransplantes no período), segundo atributos específicos dos pacientes adultos transplantados de fígado e por procedimentos, 2001-2011.............. 114 FIGURA 5 - Taxa de internação nas outras internações, por tempo antes e depois do transplante de fígado e por coortes de pacientes adultos transplantados de fígado, 2001-2011..................................................................................................................... 118 FIGURA 6 - Número médio de dias internado nas outras internações, por tempo antes e depois do transplante de fígado e por coortes de pacientes adultos transplantados de fígado, 2001-2011......................................................................................................... 121 FIGURA 7 - Número mediano de dias internado nas outras internações, por tempo antes e depois do transplante de fígado e por coortes de pacientes adultos transplantados de fígado, 2001-2011............................................................................ 124 FIGURA 8 - Gasto médio e mediano nas outras internações hospitalares no SUS, por ano de internação e por coorte de transplantados de fígado adultos, 2001-2011......... 128 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - Padronização de conteúdo das variáveis da AIH........................................ 67 QUADRO 2 - Códigos e descrição dos procedimentos hospitalares de transplante de fígado no SIH/MS......................................................................................................... 68 QUADRO 3 - Etapas, variáveis e chaves de blocagem da identificação unívoca entre os pacientes que realizaram transplante de fígado no período 2001-2011 e os dados do SIM............................................................................................................................... 72 QUADRO 4 - Resultados da checagem dos pares verdadeiros por passos da blocagem utilizados no pareamento entre o banco da AIH de transplantados de fígado e o SIM............................................................................................................................... 72 QUADRO 5 - Componentes da combinação de seis dígitos para checagem dos pares verdadeiros derivados do pareamento entre o banco da AIH de transplantados de fígado/SIM e o banco de dados do total das internações hospitalares.......................... 75 QUADRO 6 - Sequência de filtros aplicados e resultados da checagem de pares verdadeiros do pareamento entre o banco de AIH de transplantados de fígado/SIM e o banco do total das internações hospitalares............................................................... 76 QUADRO 7 - Estrutura das coortes de pacientes que receberam transplante de fígado custeado pelo SUS no período 2001-2011.................................................................... 78 QUADRO 8 - Variáveis utilizadas para estimação da função de sobrevivência dos pacientes transplantados de fígado no SUS no período 2001-2011.............................. 81 QUADRO 9 - Covariáveis utilizadas na análise de sobrevivência dos pacientes transplantados de fígado no SUS no período 2001-2011.............................................. 84 QUADRO 10 - Síntese do universo de análise dos pacientes transplantados de fígado no SUS, 2001-2011....................................................................................................... 90 QUADRO 11 - Síntese de algumas evidências de estimação de sobrevida de pacientes transplantados de fígado no Brasil................................................................................ 99 QUADRO 12 - Síntese de algumas evidências internacionais de estimação de sobrevida de pacientes transplantados de fígado........................................................................... 100 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Pacientes de 18 anos e mais de idade que realizaram o transplante de fígado no SUS - Total e por status de retransplante de fígado, 2001-2011.................. 91 TABELA 2 - Pacientes de 18 anos e mais de idade que realizaram transplante de fígado no SUS no período 2001 a 2011, segundo CID do diagnóstico principal.................... 92 TABELA 3 - Probabilidades de sobrevivência dos pacientes adultos transplantados de fígado por meses no primeiro ano e por anos pós-transplante de fígado no período 2001-2011..................................................................................................................... 97 TABELA 4 - Probabilidades de sobrevivência de pacientes adultos por tempo decorrido pós-transplante de fígado e coortes de transplantados.................................................. 101 TABELA 5 - Síntese dos resultados dos testes estatísticos de Log-Rank para as curvas de sobrevivência de Kaplan-Meier estimadas para pacientes adultos por subgrupos específicos conforme os atributos definidos................................................................. 105 TABELA 6 - Resultados da estimação do Modelo de riscos proporcionais de Cox para pacientes adultos submetidos a transplante de fígado no período 2001-2011.............. 108 TABELA 7 - Gasto médio anual por internação e por paciente (18 anos e mais) de transplante de fígado – considerando transplante e retransplantes, 2001-2011............ 112 TABELA 8 - Principais diagnósticos associados às outras internações hospitalares dos pacientes adultos transplantados de fígado em número absoluto e participação relativa, 2001-2011....................................................................................................... 116 TABELA 9 - Gasto médio e mediano nas outras internações hospitalares no SUS por ano de internação dos pacientes adultos transplantados de fígado, 2001-2011............ 126 TABELA 10 - Gasto hospitalar do SUS por pessoas-ano de sobrevivência, por coortes de adultos transplantados de fígado, 2001-2011........................................................... 134 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABTO - Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos AIH - Autorização de Internação Hospitalar APAC - Autorizaçãode Procedimentos Ambulatoriais de Alto Custo/Complexidade CID - Classificação Internacional de Doenças CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CNS - Cartão Nacional de Saúde DO - Declaração de Óbito MELD - Model for End-stage Liver Disease MS - Ministério da Saúde OMS - Organização Mundial de Saúde PELD - Pediatric End-stage Liver Disease SIA - Sistema de Informações Ambulatoriais SIH - Sistema de Informações Hospitalares SIM - Sistema de Informações de Mortalidade SNT - Sistema Nacional de Transplante SUS - Sistema Único de Saúde SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 17 2 TRANSPLANTE DE FÍGADO NO BRASIL E NO MUNDO...................................... 20 2.1 Doenças hepáticas e indicações para transplante de fígado.......................................... 20 2.2 Sistema Nacional de Transplantes e marco institucional brasileiro.............................. 22 2.3 Caracterização dos transplantes de órgãos e tecidos e evolução dos transplantes de fígado no Brasil............................................................................................................. 25 2.3.1 O transplante hepático no Brasil................................................................................ 27 2.4 Mortalidade na lista de espera por transplante de fígado.............................................. 30 2.5 Evidências de sobrevida e qualidade de vida dos pacientes transplantados de fígado............................................................................................................................ 32 2.6 Evidências nacionais e internacionais de estimação de custos do transplante de fígado............................................................................................................................ 50 3 MÉTODO........................................................................................................................ 62 3.1 Fontes de dados............................................................................................................. 62 3.2 Método de estruturação do banco de dados.................................................................. 64 3.2.1 Método de pareamento probabilístico........................................................................ 64 3.2.2 Etapas da estruturação do banco de dados................................................................. 65 3.2.2.1 Identificação dos pacientes que realizaram transplante de fígado no Brasil no período 2001-2011........................................................................................................ 67 3.2.2.2 Pareamento probabilístico entre o banco de dados dos pacientes que realizaram transplante de fígado e o SIM no período 2001-2011................................................... 70 3.2.2.3 Pareamento probabilístico entre o banco de dados dos pacientes que realizaram transplante de fígado pareado com o SIM e o banco de dados do total de internações hospitalares no período 2001-2011............................................................................... 73 3.3 Construção das coortes de pacientes adultos transplantados de fígado........................ 77 3.4 Método de estimação da sobrevida dos pacientes adultos que realizaram transplante de fígado........................................................................................................................ 78 3.4.1 Função de sobrevivência e de Riscos......................................................................... 78 3.4.2 Modelo de riscos proporcionais de Cox..................................................................... 83 3.5 Método para taxa de internação dos pacientes que realizaram transplante de fígado no Brasil e dos gastos hospitalares no período 2001-2011........................................... 85 3.5.1 Método da taxa de internação e dias internados nos demais procedimentos hospitalares dos pacientes adultos transplantados de fígado........................................ 85 3.5.2 Método de construção dos gastos do SUS com internações hospitalares dos pacientes adultos transplantados de fígado................................................................... 86 4 RESULTADOS.............................................................................................................. 89 4.1 Análise descritiva dos pacientes adultos que realizaram transplante de fígado no Brasil pela rede SUS no período 2001-2011.................................................................. 89 4.1.1 Universo de análise.................................................................................................... 89 4.1.2 Análise descritiva dos pacientes adultos transplantados de fígado............................ 91 4.2 Sobrevida dos pacientes adultos que realizaram transplante de fígado no Brasil no período 2001-2011........................................................................................................ 96 4.2.1 Resultados da estimação da sobrevida de transplantados de fígado adultos no SUS............................................................................................................................... 96 4.2.2 Contextualização dos resultados da taxa de sobrevida estimada............................... 98 4.2.3 Sobrevida segmentada por coortes de pacientes e por atributos................................ 101 4.2.4 Aplicação do Modelo de Riscos Proporcionais de Cox............................................. 108 4.3 Gastos do SUS com internações hospitalares dos pacientes adultos transplantados de fígado no Brasil no período 2001-2011................................................................... 110 4.3.1 Gastos hospitalares do SUS com procedimentos de transplante de fígado............... 110 4.3.2 Taxa de internação e gastos hospitalares do SUS com outras internações dos pacientes adultos transplantados de fígado no Brasil no período 2001-2011............... 116 4.3.2.1 Taxa de internação e dias internados...................................................................... 117 4.3.2.2 Gasto hospitalar com outras internações no SUS................................................... 126 4.3.3 Gasto hospitalar do SUS por ano de sobrevivência dos pacientes transplantados de fígado............................................................................................................................ 134 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 136 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 140 APÊNDICE A..................................................................................................................... 147 APÊNDICE B..................................................................................................................... 148 APÊNDICE C..................................................................................................................... 150 APÊNDICE D..................................................................................................................... 155 APÊNDICE E..................................................................................................................... 156 APÊNDICE F..................................................................................................................... 158 APÊNDICE G..................................................................................................................... 160 APÊNDICE H..................................................................................................................... 162 APÊNDICE I.....................................................................................................................164 APÊNDICE J..................................................................................................................... 166 APÊNDICE K..................................................................................................................... 168 17 1 INTRODUÇÃO No Brasil tem havido um aumento no número de procedimentos de transplantes. Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, o número absoluto de transplantes realizados no país apresentou um aumento expressivo de 124% no período de 2001 a 2011. O Sistema Nacional de Transplantes registrou nesse período 180.870 transplantes de órgãos e tecidos. Desses, 11.124 foram transplantes de fígado, sendo superados em número absoluto apenas pelos transplantes de córnea (113.779), rim (37.339) e medula óssea (13.925). Comparativamente, os transplantes que mais explicam essa expansão numérica no Brasil entre 2001 e 2011 foram os de fígado (176%), pulmão (96%) e rim (84%). A evolução, tanto numérica como dos casos de sucessos, dos procedimentos de transplantes no Brasil ressalta a relevância da política nacional de transplantes, como reflexos do desenvolvimento de técnicas médicas de transplantes e de infraestrutura hospitalar, da capacitação da equipe médica envolvida com esses procedimentos, o uso dos medicamentos imunossupressores prescritos para diminuir a rejeição do órgão transplantado e a política nacional de captação de órgãos. No período 2001-2011, foram registradas 9.577 cirurgias de transplante de fígado pelo SUS, segundo o Ministério da Saúde. Se, por um lado, os procedimentos de transplante de fígado têm contribuído para melhorar a saúde da população acometida por doenças hepáticas crônicas, que não possuem alternativa de tratamento, por outro lado, esse aumento dos transplantes gera fortes impactos orçamentários no Sistema. Não há estudos específicos com avaliação de quanto é o gasto com os transplantes de fígado para cada ano de vida salvo na perspectiva do SUS considerando todos os transplantados no país. Em uma abordagem de avaliação econômica em saúde, os estudos que evidenciam os resultados dos procedimentos de transplantes de fígado geralmente são baseados na estimativa da taxa de sobrevida pós- transplante, contemplando um universo de pacientes bem menor, a partir do acompanhamento de uma coorte específica de pacientes atendidos em um centro transplantador (FERREIRA; VIEIRA; SILVEIRA, 2000; PAROLIN et al., 2002; COELHO et al., 2005a; GARCIA et al., 2005; BRANDÃO, 2007; FREITAS et al., 2007; BOIN et al., 2008; PORTELA et al., 2010; BATISTA et al., 2012; SALVALAGGIO et al., 2012). Da mesma forma, os cálculos dos gastos hospitalares são realizados a partir das informações dos prontuários médicos dessa coorte de pacientes (COELHO et al., 1997; FERRAZ et al., 2002; GUERRA et al., 2002; TROTTER et al., 2003; COELHO et al., 2005b; PORTELA et al., 2010; SAKATA et al., 18 2010; ABERG et al., 2011; AKARSU et al., 2011; BOERR et al., 2012). Esse trabalho é pioneiro no sentido de contemplar as informações de todos os pacientes que realizaram transplante de fígado no SUS, em um período de onze anos. Os estudos em outros países também são específicos para uma coorte de pacientes transplantados de fígado em um centro hospitalar (ADAM et al., 2003; BAMBHA; KIM, 2003; LONGWORTH et al., 2003; TROTTER et al., 2003; ABERG et al., 2009; ADCOCK et al., 2010; ABERG et al., 2011; ALGAHTANI e LARSON, 2011; SALVALAGGIO et al., 2011). Esse trabalho teve como objetivo estimar a sobrevida dos pacientes adultos transplantados de fígado no Sistema Único de Saúde, no período entre janeiro de 2001 e dezembro de 2011, e calcular os gastos do SUS com internações hospitalares desses pacientes ao longo do período. Na análise foram contemplados os gastos dos procedimentos de transplante de fígado realizados, os gastos hospitalares com outras internações e os gastos por ano de sobrevivência desses pacientes. Optou-se por excluir os pacientes menores de 18 anos, uma vez que os procedimentos dos transplantes de fígado em pacientes pediátricos possuem protocolos médicos distintos. O universo de análise da tese foram os 7.345 pacientes com 18 anos e mais de idade no momento de realização do primeiro transplante de fígado no período 2001-2011. A relevância desse trabalho é evidenciada na contribuição da geração de informações sobre gastos hospitalares, na perspectiva do SUS, e resultados de sobrevida dos transplantes de fígado realizados no Brasil, e não só recorrer a parâmetros internacionais para fazer a avaliação econômica. O acesso institucional aos microdados individualizados ou identificados das Autorizações de Internações Hospitalares (AIH), registradas no Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS/MS), e das declarações de óbito do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM/MS), com as variáveis de identificação dos pacientes, foi necessário para aplicar as técnicas de pareamento probabilístico. No banco de dados final foram gerados códigos de identificação unívoca para cada indivíduo, como resultados dos pareamentos probabilísticos realizados entre essas duas fontes de dados administrativas do Ministério da Saúde. Ressalta- se, no entanto, que os resultados divulgados na tese não permitem a identificação das informações individuais dos pacientes e nem dos estabelecimentos de saúde. A análise é realizada mediante a construção de indicadores médios e medianos, não sendo analisado 19 nenhum paciente ou hospital individualmente. Esse trabalho não apresenta conflitos de interesse e foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética da UFMG. A estruturação do banco de dados da tese permitiu identificar os pacientes que realizaram transplante de fígado no Brasil pela rede SUS no período do estudo, avaliar a sobrevida desses pacientes e aferir os gastos do SUS com internações hospitalares referentes ao procedimento de transplante de fígado e de outras internações hospitalares, antes e após a intervenção cirúrgica de transplante de fígado, bem como o gasto hospitalar do SUS por ano de sobrevida desses pacientes. A tese foi estruturada em três capítulos. O primeiro faz uma breve descrição do Sistema Nacional de Transplantes, e uma caracterização da evolução dos transplantes no Brasil. Nesse capítulo são apresentadas as evidências de sobrevida pós-transplante de fígado e de gastos desses procedimentos hospitalares. No segundo capítulo é apresentado o método utilizado para o desenvolvimento desse trabalho, abordando os pareamentos probabilísticos realizados e as considerações sobre a construção do banco de dados da tese, o método de estimação da sobrevida e de construção dos indicadores de gastos hospitalares definidos nesse trabalho. O último capítulo apresenta os resultados, segmentados em três partes principais: a primeira com a análise descritiva dos pacientes adultos contemplados nesse estudo, seguida dos resultados de sobrevivência estimados por Kaplain-Meier e do modelo de riscos proporcionais de Cox e os resultados de gastos hospitalares. Em relação aos gastos hospitalares, são apresentados, na sequência, os resultados dos cálculos dos gastos do SUS com os transplantes de fígado, os gastos do SUS com outras internações hospitalares no período 2001-2011 e, por fim, os gastos hospitalares do SUS por ano de sobrevivência. 20 2 TRANSPLANTE DE FÍGADO NO BRASIL E NO MUNDO Neste capítulo, realizamos uma revisão da literatura sobre a evolução dos transplantes de fígado, com ênfase no contexto brasileiro e em referências internacionais. Na primeira parte, contextualizamos o estudo apresentando referências sobre as doenças hepáticas e indicações para o transplante de fígado e o marco institucional no qual se baseia a política nacional de transplantes brasileira. Na segunda parte, são apresentados os dados oficiais que caracterizam a políticade transplantes no Brasil e especificamente a evolução dos procedimentos de transplantes de fígado no país. Em seguida, são apresentadas as evidências de estimativas de sobrevida e indicadores de qualidade de vida dos pacientes transplantados de fígado, e, na sequência, referências de estudos nacionais e internacionais sobre os custos dos transplantes de fígado. 2.1 Doenças hepáticas e indicações para transplante de fígado As principais causas de doenças hepáticas crônicas são a cirrose etílica, as infecções crônicas decorrentes de hepatites B e C e o carcinoma hepatocelular. Em relação às principais indicações para o transplante hepático dependem do país analisado e do grupo contemplado nos estudos. No Brasil, o alcoolismo é uma das principais causas associadas às doenças hepáticas crônicas (CARVALHO et al., 2007), o mesmo ocorrendo nos Estados Unidos, onde cerca de 70% a 80% das doenças hepáticas crômicas são causadas por cirrose em decorrência do consumo exagerado de álcool e devido às infecções por hepatites virais (SILVA et al., 2006a; ALQAHTANI; LARSON, 2011). A cirrose etílica é a principal causa que progride para a necessidade de transplante de fígado. A lesão e gravidade da doença hepática estão diretamente relacionadas ao volume e tempo de consumo e teor alcoólico da bebida, o que ressalta a importância das políticas públicas de prevenção do alcoolismo na redução da demanda por transplante de fígado (PAROLIN et al., 2002; CARVALHO et al., 2007). Um estudo a partir de uma coorte de 347 pacientes com 16 anos e mais de idade na lista de espera por transplante de fígado na Inglaterra e no País de Gales identificou a doença hepática alcoólica como a principal causa para a entrada na lista de espera por transplante de fígado (45%), seguido de cirrose biliar primária (35%) e colangite esclerosante primária (20%) (LONGWORTH et al., 2003). Em outro estudo, desenvolvido no Brasil, as indicações mais frequentes para transplante de fígado, em uma coorte de 18 pacientes que realizaram transplante de fígado no Hospital da Universidade Federal do Ceará entre maio de 2002 e 21 abril de 2003, foram cirrose por hepatite pelo vírus C (47,5%), cirrose alcoólica (21%) e cirrose biliar primária (10,5%) (GARCIA et al., 2005). Outros estudos relatam a cirrose biliar primária, a colangite esclerosante primária, a cirrose hepática, a síndrome de Budd-Chiari, o alcoolismo, a insuficiência hepática fulminante e o tumor de fígado como as doenças hepáticas mais comuns, com indicação de transplante de fígado (CASTRO-E-SILVA JR. et al., 2002; BAMBHA; KIM, 2003). No estudo de Coelho et al. (1997), essas indicações foram relatadas também, sendo mais comuns as cirroses criptogenéticas, por hepatite C e por hepatite autoimune no grupo de pacientes acompanhados pós-transplante de fígado, embora a evidência seja de causas bastante variadas para a indicação do transplante de fígado nesse grupo (COELHO et al., 1997). Em termos ainda das principais causas que evoluíram para a necessidade de transplante de fígado, Akarsu et al. (2011) destacou, em relação a 326 pacientes adultos que realizaram na Turquia o transplante de fígado entre 1999 e 2009, a hepatite por vírus B (44,8%), seguida de carcinoma hepatocelular (14,3%) e hepatite por vírus C (12,5%). Em Pruthi et al. (2001), as três causas mais frequentes para indicação de transplante de fígado, para uma coorte de 299 transplantados adultos de fígado em dois centros nos EUA, foram cirrose pós hepatite C (30,1%), seguida de cirrose biliar primária (14,7%) e cirrose alcoólica (11,8%). Segundo relatado em Alqahtani e Larson (2011), os estudos nos EUA ressaltaram que 15% a 17% dos casos de doenças hepáticas agudas não tiveram causa identificável. Os estudos clínicos ressaltam não haver alternativa de tratamento para os pacientes com doença hepática crônica, sendo a única recomendação médica o transplante do fígado ou de parte do órgão nos casos de transplantes intervivos (LEITÃO et al., 2003; BRANDÃO et al., 2015). As doenças hepáticas estão associadas à alta taxa de mortalidade no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, essas doenças crônicas são a 8ª causa de morte entre a população masculina no país, sendo identificada como a causa de óbito para cerca de 30 mil pessoas a cada ano no Brasil (SILVA et al., 2006a). A doença hepática crônica é identificada como a causa principal para o transplante hepático em adultos e crianças (KELLY, 2008; ALQAHTANI; LARSON, 2011). Entre as indicações para o transplante de fígado infantil, foi destacada a atresia biliar como a causa mais comum para o transplante hepático pediátrico, seguido de doenças metabólicas, doenças genéticas, insuficiência hepática aguda, cirrose, tumor hepático e lesão biliar (KELLY, 2008; KALIL et al., 2015). O trabalho de Mesquita et 22 al. (2008) evidenciou a atresia biliar como a indicação mais frequente para o transplante de fígado em uma coorte de pacientes menores de 18 anos. Muito embora os transplantes de fígado sejam procedimentos únicos para propiciar a sobrevida dos pacientes com doenças hepáticas crônicas, intensifica-se o debate sobre equidade e eficiência do sistema público de saúde brasileiro. Por um lado, o uso intensivo de tecnologia nesses procedimentos e a política de incentivo à doação de órgãos e tecidos do Sistema Nacional de Transplantes têm contribuído para o aumento expressivo do número de transplantes realizados no Brasil e no mundo. Porém, o aumento das ocorrências de doenças hepáticas no Brasil diante do envelhecimento populacional, a grande incidência de doenças virais e o aumento do alcoolismo colocam na pauta da discussão a eficiência do financiamento do Sistema de Saúde público brasileiro (RIBEIRO; SCHRAM, 2006). As políticas de atenção às causas principais identificadas de doenças hepáticas crônicas, especialmente de prevenção do alcoolismo, podem reduzir essa demanda por transplante de fígado no Brasil. Isso teria reflexos importantes tanto no aumento da sobrevida dos pacientes como na redução de gastos envolvidos nos procedimentos de transplante de fígado para o SUS. 2.2 Sistema Nacional de Transplantes e marco institucional brasileiro No Brasil, a regulação da política nacional de transplantes de órgãos e tecidos é exercida pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) desde 1997, sob a coordenação do Ministério da Saúde. O SNT exerce sua função de órgão regulador com base no aparato legal estabelecido com a finalidade de criar as diretrizes que norteiam a política de transplantes no país, no tocante à captação, distribuição dos órgãos e tecidos e regulação da fila de espera por transplantes (RIBEIRO; SCHRAM, 2006; GARCIA et al., 2015). Ressalta-se a importante função no debate das diretrizes da política nacional de transplantes no Brasil exercida pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) desde 1987. A Lei nº 9.434 de 1997 estabelece os parâmetros que regem a política nacional de transplantes quanto à remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, tendo sido incorporadas algumas alterações pela Lei nº 10.211 de 2001. Estes são os dois instrumentos principais que regulam a política nacional de transplantes, fazendo parte 23 desse aparato legal também uma série de medidas provisórias e portarias do Ministério da Saúde. Estes dispositivos legais estão em consonância com as Leis nº 8.080/1990 e 8.142/1990, que tratam do funcionamento do SUS, tendo em vista a predominância do financiamento dos transplantes no Brasil pelo Sistema Único de Saúde. O SNT é uma rede integrada nacionalmente. É estruturado contendo uma coordenação nacional, as centrais estaduais de transplante e a central nacional de transplante. À coordenação nacional compete estabelecer as diretrizes da política nacional de transplante de órgãos e tecidos,bem como promover campanhas de doação de órgãos e regular o funcionamento dos procedimentos de notificação, captação, alocação e distribuição de órgãos em âmbito nacional, contando com o apoio do grupo técnico de assessoramento no sentido de pensar as ações da política nacional de transplantes no país. As centrais estaduais executam essas funções no âmbito do estado, presentes em 25 estados brasileiros e no Distrito Federal. A central nacional, com sede em Brasília, articula o trabalho das centrais estaduais, especificamente quando envolve transporte de órgãos entre os estados. Compõem também o SNT as comissões intra-hospitalares de transplante, com a função de promover a ampliação da captação de órgãos e apoiar as atividades das centrais estaduais e da central nacional, identificando potenciais doadores em morte encefálica ou parada cardíaca, a abordagem familiar para autorização, além da triagem clínica e sorológica. Os bancos de órgãos e tecidos são responsáveis pela retirada, processamento e conservação de órgãos e tecidos para o transplante (GARCIA et al., 2015). No Brasil, a política nacional de transplantes é fundamentada na gratuidade da doação por familiares, diante da constatação de morte encefálica pela equipe médica, ou a doação em vida, nos casos específicos de transplantes de parte do fígado, um dos rins e parte da medula óssea, com parentesco até 4º grau ou com autorização judicial para os sem parentesco. O SNT adota a fila de espera única e nacional por transplantes de órgãos e tecidos, estabelecendo os critérios definidores da hierarquia nessa fila. O médico inclui o nome do paciente na lista de espera, que é posicionado conforme o critério de hierarquia estabelecido pelo SNT, e aguarda um doador compatível, no âmbito nacional. Até maio de 2006, essa lista nacional de espera por transplante de órgãos e tecidos seguia o critério cronológico, considerando o momento de inclusão do nome do paciente na lista pelo médico responsável pelo tratamento, sem considerar o estado clínico dos demais candidatos a transplante e nem mesmo a evolução 24 clínica desses pacientes. O que determinava a prioridade do transplante era a data de inclusão na lista. A Portaria nº 1.160/2006 introduziu o critério MELD (Model for End-stage Liver Disease), para a ordenação da fila de espera por transplantes de fígado no Brasil para pacientes com 12 anos ou mais de idade no momento de inclusão na fila de espera por transplante de fígado, e o PELD (Pediatric End-stage Liver Disease) para pacientes candidatos menores de 12 anos. O critério de gravidade clínica dos pacientes como prioridade na lista de espera por transplante de fígado passou a ser utilizado então pelo SNT a partir de julho de 2006. A hierarquia na fila de espera por transplante de fígado no Brasil passou a ser estabelecida pelo cálculo de um indicador do risco de óbito, que varia de 6 (menor gravidade) a 40 (maior gravidade), para pacientes com doença hepática crônica a espera do transplante, por meio de uma fórmula matemática que pondera os resultados de exames laboratoriais dos níveis de bilirrubina, creatinina e protrombina no caso do MELD, e bilirrubina, albumina e protrombina no PELD (KAMATH et al., 2001; BRANDÃO et al., 2015). O critério MELD/PELD foi desenvolvido e introduzido originalmente nos EUA em 2002, que antes adotavam também o critério cronológico (MIES, 1998; KAMATH et al., 2001; SETTE JR.; BACCHELLA; MACHADO, 2003; MARINHO, 2004; TEIXEIRA et al., 2006; ALQAHTANI; LARSON, 2011; GARCIA et al., 2015). Em relação ao custeio dos procedimentos de transplantes de órgãos e tecidos no Brasil, as remunerações desses procedimentos de internação hospitalar para a realização do transplante e os procedimentos ambulatoriais na rede SUS são estabelecidas de acordo com os valores da tabela vigente de procedimentos, medicamentos, órteses e próteses e materiais especiais do Sistema Único de Saúde. A partir de janeiro de 2008, foi implantada uma nova tabela de procedimentos, medicamentos, órteses e próteses e materiais especiais do SUS, através da Portaria nº 321 do Ministério da Saúde, de 08 de fevereiro de 2007 (BRASIL, 2010b). Para a autorização e posterior pagamento pelo SUS dos procedimentos hospitalares são emitidas as Autorizações de Internações Hospitalares (AIH). Em relação ao acompanhamento dos pacientes transplantados após a alta hospitalar são emitidas as Autorizações de Procedimentos Ambulatoriais de Alto Custo/Complexidade (APAC). 25 2.3 Caracterização dos transplantes de órgãos e tecidos e evolução dos transplantes de fígado no Brasil No Brasil, o primeiro procedimento bem-sucedido de transplantes de órgãos descrito foi de rim em 1964 (GARCIA et al., 2015). A evolução, tanto numérica como dos casos de sucessos, dos procedimentos de transplantes no Brasil tem sido destacada, e as explicações ressaltam o desenvolvimento de técnicas médicas de transplantes e de infraestrutura hospitalar, a capacitação da equipe médica envolvida com esses procedimentos, os medicamentos imunossupressores prescritos para diminuir a rejeição do órgão transplantado, bem como a política nacional de captação de órgãos (RBT, 2014). Esse conjunto de aspectos permite avaliar o aumento da eficácia da política nacional de transplantes no país. Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, o número absoluto de transplantes realizados no Brasil apresentou aumento expressivo de 124% no período de 2001 a 2011, contabilizando 23.397 procedimentos de transplantes realizados em 2011 no Brasil. Em média, houve aumento de 1.200 procedimentos de transplantes por ano nessa década. Segundo dados do Sistema Nacional de Transplantes, no período entre 2001 e 2011, foram realizados 180.870 transplantes de órgãos e tecidos no Brasil, incluindo transplantes a partir de doador morto ou intervivos. Nesse período, apenas os transplantes de córnea (113.779), rim (37.339) e medula óssea (13.925) foram superiores ao de fígado (11.124), que superaram os transplantes de coração (1.900), rim/pâncreas (1.482), pâncreas (701), pulmão (511) e fígado/rim (109). Comparativamente, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, os transplantes que mais explicaram essa expansão numérica no Brasil na década de 2001 a 2011 foram os de fígado (176%), pulmão (96%) e rim (84%). Do total de transplantes de órgãos e tecidos realizados no Brasil, 95% são custeados pelo Sistema de Saúde público, segundo dados do Ministério da Saúde. O SUS é uma referência de programa público de transplantes de órgãos e tecidos no mundo. A rede de atendimento hospitalar e ambulatorial do SUS inclui estabelecimentos municipais, estaduais e federais, hospitais escolas, entidades filantrópicas e estabelecimentos privados. Apenas 5% dos transplantes no Brasil são custeados com recursos próprios dos pacientes (desembolsos diretos dos pacientes ou através de planos de saúde particulares), porém são também submetidos a 26 um marco institucional único definido pela política nacional de transplantes brasileira para a regulação da lista única nacional de transplantes. Apesar das evidências da evolução no número de transplantes realizados no país, houve grande disparidade entre as Unidades da Federação brasileiras no que concerne à capacidade e a efetividade de realização de transplantes. Estudos ressaltaram predominância da atividade transplantadora nos estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste, embora alguns estados da Região Nordeste, principalmente Ceará e Pernambuco, também se destaquem no transplante de rim, córnea e fígado. No estado de São Paulo há uma concentração da atividade transplantadora, aliada a um bom desempenho relativo em todos os indicadores (MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2007; MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2011a; MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2011b). A disparidade regional também é evidenciada em termosdo número de doadores efetivos. Segundo a ABTO, embora tenha havido um crescimento de doadores efetivos na região Norte, essa é ainda a região com piores índices de doadores efetivos por milhão de população (pmp), em comparação com as demais regiões do país (RBT, 2014). Em 2014, o índice de doadores efetivos pmp na região Sul foi 21,5 pmp, seguida do Sudeste (17,3 pmp), Nordeste (10,7 pmp), Centro-oeste (8,2 pmp) e com menor participação o Norte (3,3 pmp) (RBT, 2014). Esse índice geral pmp dos transplantes alcançou 14,2 doadores efetivos pmp em 2014, embora abaixo da meta de 20 pmp estabelecida para 2017 (RBT, 2014). Especificamente em relação aos transplantes de fígado, foi registrado um aumento dos doadores efetivos pmp de fígado no período, de 3,3 pmp em 2001 para 9,2 doadores de fígado efetivos pmp em 2014 (RBT, 2011; RBT, 2014). A alocação dos órgãos para transplante no país segue a hierarquia estabelecida na lista de espera única nacional por transplante, conforme regulação do SNT. Segundo dados do Sistema Nacional de Transplantes, em 2011 havia 27.827 pessoas aguardando por transplante na lista de espera, com uma redução de 23,2% em relação ao ano de 2010. A maioria dessas pessoas era constituída por candidatos à transplante de rim (70%), seguido de transplante de córnea (23%) e fígado (4%). Especificamente em relação aos candidatos a transplante de fígado na lista de espera nacional, verificou-se uma redução de 42% em relação ao ano anterior (SNT/MS). Ainda assim, o tempo na fila de espera por transplantes no Brasil é bem maior do que nos EUA, sendo o tempo na fila de espera maior para os pacientes candidatos a transplantes de rim, córnea e fígado, em relação aos demais procedimentos de transplante 27 (MARINHO, 2006). O trabalho de Marinho, Cardoso e Almeida (2010) evidenciou que o tempo de espera nas filas por transplante no Brasil chega a quase nove anos para fígado, sendo superior a alguns indicadores internacionais, o que explicaria a maior taxa de mortalidade dos indivíduos à espera de transplante de fígado no Brasil em relação aos padrões internacionais (MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2010). Estudos evidenciam também grandes disparidades entre os estados brasileiros no tempo de espera nas filas para transplantes (MARINHO, 2006; MARINHO; CARDOSO, 2007; MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2007; MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2010). O crescimento dos transplantes no Brasil está condicionado aos investimentos em infraestrutura hospitalar e de equipe especializada e multiprofissional, bem como ao aumento das doações de órgãos. Por outro lado, as ações de política pública voltadas à prevenção das causas principais de doenças com destaque nos diagnósticos para transplante de órgãos e tecidos são imprescindíveis, almejando buscar também a redução na demanda por transplante de órgãos no país. 2.3.1 O transplante hepático no Brasil O primeiro procedimento de transplante de fígado em humanos relatado foi realizado nos Estados Unidos em 1963, e o primeiro com sobrevida um pouco maior que um ano foi em 1967 (COELHO et al., 1997; MIES, 1998; ALQAHTANI; LARSON, 2011; BRANDÃO et al., 2015). Segundo o Global Observatory on Donation & Transplantation (GODT), estima- se que 6.342 transplantes de fígado foram realizados nos EUA no ano de 2011. Os países latino-americanos totalizaram 2.377 transplantes de fígado em 2011, com destaque para o Brasil, que representou 63% desses procedimentos de transplante de fígado na América Latina (1.496 procedimentos). Na Europa, no ano de 2011, 7.006 transplantes de fígado foram realizados, com destaque para a Alemanha (1.199), França (1.164), Espanha (1.137) e Itália (1.034), conforme dados divulgados pelo GODT. No Brasil, o primeiro transplante de fígado ocorreu em 1968, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (BRANDÃO et al., 2015). A expressiva evolução do número de procedimentos de transplante de fígado no Brasil colocou o país na segunda posição mundial em 2013, sendo superado apenas pelos EUA em números 28 absolutos (RBT, 2014). Porém, o Brasil ocupou a 25ª posição mundial no número de transplantes de fígado por milhão de população (pmp), que foi de 9 pmp nesse ano, bem abaixo dos dados dos EUA, que ficaram na oitava posição mundial (19,9 pmp) em transplantes de fígado, o que ressalta a desigualdade regional no Brasil quanto aos transplantes realizados (RBT, 2014). A maioria expressiva dos procedimentos de transplante de fígado realizados no Brasil é de doador cadavérico. Segundo dados da ABTO, em 2014 o transplante hepático intervivos representou apenas 8,5% do total de transplantes realizados (RBT, 2014). Os registros oficiais evidenciam uma divergência nos dados de números de transplantes de fígado realizados no período. Em 2011, conforme a ABTO, foram realizados 1.496 transplantes de fígado (RBT, 2014); enquanto pelas informações disponibilizadas pelo DATASUS/MS esse número seria igual a 1.303. Os dados oficiais do Ministério da Saúde divulgados no DATASUS indicam que foram realizadas 9.577 cirurgias de transplantes de fígado pelo SUS no Brasil no período de 2001 a 2011, considerando tanto transplante de fígado intervivos como de doador cadavérico e cirurgias de retransplantes de fígado. Esse número é um pouco inferior ao divulgado pelo Sistema Nacional de Transplantes (11.124) referente ao mesmo período. Essa divergência é explicada uma vez que no SIH/MS, cujos dados são divulgados no DATASUS/MS, estão registrados os procedimentos custeados apenas pelo SUS, enquanto no SNT consideram-se os transplantes realizados pelo SUS e não SUS (convênios de saúde e desembolsos particulares diretos), sendo a diferença de 1.547 procedimentos de transplantes de fígado não custeados pelo SUS. A evolução dos transplantes de fígado ao longo dessa década é ilustrada no gráfico 1. Houve expressivo aumento de 228% em um período de 11 anos. O número total de transplantes de fígado passou de 397 em 2001 para 1.303 em 2011 (DATASUS/MS). 29 GRÁFICO 1 - Número de transplantes de fígado realizados pelo SUS - Brasil, 2001-2011 397 560 648 825 838 811 876 952 1.181 1.186 1.303 0 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 N úm er o de tr an sp la nt es d e f íg ad o ano de realização do transplante Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do MS/DATASUS – 2001-2011. O total das 9.577 Autorizações de Internações Hospitalares (AIH) relativas ao procedimento principal de transplante de fígado no Brasil entre 2001 e 2011 pagas pelo SUS representou um montante de recursos de R$544.427.672 no período de 11 anos (DATASUS/MS). Considerando o número de AIH emitidas no Brasil segundo a unidade da federação de internação do paciente, evidenciou-se concentração em São Paulo, com 47% do total de procedimentos de transplantes de fígado realizados no período entre janeiro de 2001 e dezembro de 2011 (gráfico 2). GRÁFICO 2 – Percentual de AIH pagas relativas ao transplante de fígado no SUS, por Unidade da Federação – Brasil, 2001-2011 6,82% 0,06% 0,48% 6,24% 2,33% 6,29% 1,29% 5,83% 47,05% 7,93% 5,75% 9,89% 0,04% Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Bahia Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Distrito Federal Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do MS/DATASUS – 2001-2011. 30 Por um lado, o crescimento no número de transplantes de fígado realizados no Brasil tem sido destacado no contexto mundial. Por outro, os dados evidenciam a desigualdade regional de acesso a esses procedimentos, concentrados especialmente em São Paulo. Diante da necessidade de acompanhamento contínuo pós-transplante, é imprescindível pensar a questão de desconcentrar o acessoaos procedimentos de transplantes no país, objetivando o aumento da sobrevida destes pacientes transplantados. 2.4 Mortalidade na lista de espera por transplante de fígado Alguns estudos retratam a mortalidade na lista de espera por transplante de fígado (SETTE JR.; BACCHELLA; MACHADO, 2003; BRASIL et al., 2006; TEIXEIRA et al., 2006; BRANDÃO, 2007; ALQAHTANI; LARSON, 2011; SILVEIRA et al., 2012). Para uma coorte de 65 pacientes registrados na lista de espera por transplante de fígado pelo Instituto para Cuidado do Fígado no estado do Paraná de janeiro de 2009 a agosto de 2011, a taxa de mortalidade em lista de espera foi de 41,5%, bem acima da verificada para os pacientes que realizaram o transplante de fígado no Brasil (SILVEIRA et al., 2012). A sobrevida dos pacientes na lista de espera por transplante hepático varia em função do tempo de permanência na lista (SILVEIRA et al., 2012). O estudo de Brandão (2007), com base no acompanhamento de uma coorte de 271 candidatos na lista de espera por transplante de fígado, evidenciou que em três meses, a partir do momento de entrada na lista de espera para transplante de fígado, 11,8% faleceram ainda na lista de espera, 9,2% foram transplantados e 79% permaneceram na lista de espera; em seis meses após a entrada na lista, esses percentuais aumentaram para 19,2% e 17,7%, respectivamente para os que faleceram na lista e os que foram transplantados. Em relação aos que permaneceram na lista de espera o percentual foi menor em seis meses (63,1%) (BRANDÃO, 2007). O estudo de Brasil et al. (2006) avaliou uma coorte de 46 pacientes que faleceram em até seis meses em lista de espera para transplante de fígado, entre maio de 2002 e janeiro de 2006, identificando um tempo médio de três meses até o óbito desses pacientes com mortalidade precoce em fila. A média de idade por ocasião do óbito na fila de espera por transplante de fígado foi de 48,4 anos, variando de 12 a 65 anos (BRASIL et al., 2006). Em termos mundiais, o trabalho de Alqahtani e Larson (2011) destacou que 5% a 10% dos candidatos a transplante de fígado foram a óbito ainda na fila de espera por transplante hepático nos 31 Estados Unidos. Porém, outro estudo, com base no acompanhamento de 282 pacientes internados por complicações de doenças hepáticas e a espera de transplante de fígado em quatro centros médicos nos Estados Unidos, e validado na Holanda, evidenciou percentual maior que foram a óbito ainda na lista de espera (46%) e desses 46% das mortes foram durante os primeiros três meses de inclusão na lista de espera (KAMATH et al., 2001). Estudos evidenciaram também uma redução da taxa de mortalidade nas filas de espera por transplante de fígado com a introdução do critério MELD/PELD no Brasil em 2006, em comparação ao critério cronológico anterior, destacando o aumento de eficiência da política nacional de transplantes e retratando também o impacto verificado internacionalmente (KAMATH et al., 2001; SETTE JR.; BACCHELLA; MACHADO, 2003; BRASIL et al., 2006; TEIXEIRA et al., 2006; SALVALAGGIO et al., 2012). Em 1 ano, a taxa de mortalidade na lista de espera para transplante de fígado na fase pré-MELD era estimada em 82,2% (SETTE JR.; BACCHELLA; MACHADO, 2003). A taxa de mortalidade nos três meses após a inclusão foi estimada em 37,6%, no período entre julho de 1997 e janeiro de 2001 (PRÉ-MELD), para pacientes do estado de São Paulo (SETTE JR.; BACCHELLA; MACHADO, 2003), enquanto verificou-se uma mortalidade em três meses de 11,8% de pacientes ainda na lista de espera estimada por Brandão (2007), no período pós-MELD. Ainda assim, o tempo na fila de espera por transplantes no Brasil, chegando a quase nove anos para fígado, é bem maior do que os padrões internacionais, o que reflete uma taxa de mortalidade na fila de espera mais alta do que as referências internacionais, devido à piora das condições clínicas dos pacientes com doenças hepáticas (SILVEIRA et al., 2012). Nos EUA, a taxa de mortalidade dos pacientes na fila de espera é bem menor (7%) (MARINHO, 2006; MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2010). Comparando a mortalidade na lista de espera e pós-transplante hepático em uma coorte de 12.996 pacientes adultos inscritos na lista de espera por transplante de fígado no período entre setembro de 2001 e junho de 2003 nos Estados Unidos, foi identificado em Merion et al. (2005) que o risco de mortalidade durante o primeiro ano pós-transplante foi 79% mais baixo entre os pacientes que realizaram o transplante hepático em comparação aos candidatos ainda na lista. Considerando apenas os que foram diagnosticados com doença hepática aguda (com MELD entre 18 e 20) esse risco de mortalidade foi 38% mais baixo para os que receberam o transplante. Para o escore MELD máximo de 40 (gravidade máxima) o risco de mortalidade 32 foi 96% mais baixo para os que realizaram o transplante hepático em comparação aos candidatos que ainda estavam na lista de espera. Constataram que quanto maior o MELD, representando maior avaliação prévia de gravidade, menor o risco de mortalidade dos que fizeram o transplante hepático em comparação aos que permaneceram na lista de espera por transplante, afirmando que o benefício da sobrevivência aumenta quanto maior a pontuação MELD e destacando a eficácia da utilização do critério MELD na definição das prioridades de alocação dos órgãos na política nacional de transplantes (KAMATH et al., 2001; MERION et al., 2005). O estudo de Batista et al. (2012), no entanto, avaliou que o critério MELD apresentou pequena acurácia no que diz respeito à maior sobrevida dos pacientes transplantados prioritariamente conforme o maior risco estabelecido pelo valor MELD, e propõe uma discussão da eficiência do critério MELD utilizado para regular a fila de transplante no Brasil (BATISTA et al., 2012). 2.5 Evidências de sobrevida e qualidade de vida dos pacientes transplantados de fígado Em uma abordagem de avaliação econômica em saúde, os estudos que evidenciam os desfechos ou resultados dos procedimentos de transplantes de fígado geralmente são baseados na estimativa da taxa de sobrevida pós-transplante. Estas análises são realizadas a partir do acompanhamento de uma coorte específica, definida a cada estudo, de pacientes submetidos ao transplante de fígado em um estabelecimento hospitalar específico, em um período de tempo contemplado no estudo (PAROLIN et al., 2002; LONGWORTH et al., 2003; TROTTER et al., 2003; COELHO et al., 2005a; GARCIA et al., 2005; BRANDÃO, 2007; FREITAS et al., 2007; BOIN et al., 2008; ABERG et al., 2009; ADCOCK et al., 2010; PORTELA et al., 2010; ABERG et al., 2011; BATISTA et al., 2012). Essas coortes apresentam características demográficas diferentes, o que dificulta a comparação dos resultados entre esses estudos. Alguns trabalhos também relacionam as complicações pós- transplante hepático e comorbidades associadas (KEEFFE, 1997; COELHO et al., 2000; SHIMODA et al., 2001; NAIR; VERMA; THULUVATH, 2002; PAROLIN et al., 2002; LEITÃO et al., 2003; PORTELA et al., 2010; ROCCO; SOARES, 2010). Outros estudos apresentam melhorias em termos da qualidade de vida desses pacientes pós-transplante de fígado, comparativamente ao período anterior ao transplante, sem estimar gastos com esse procedimento (FERREIRA; VIEIRA; SILVEIRA, 2000; PAROLIN et al., 2000; PAROLIN et al., 2001; BAMBHA; KIM, 2003; COELHO et al., 2003a; PAROLIN et al., 2004; 33 BARCELOS et al., 2008; ABERG et al., 2009; PAROLIN et al., 2009; ADCOCK et al., 2010). A taxa de sobrevida dos pacientes transplantados de fígado tem sido a principal medida de resultados apresentada nos estudos. No Brasil, a ABTO começou a divulgar os dados de sobrevida dos transplantados de fígado a partir de 2000. Os dados oficiais da ABTO estimam a sobrevida do paciente pós-transplante de fígado em 78% no primeiro ano, com uma diminuiçãodessa taxa de sobrevida nos anos subsequentes à realização do transplante de fígado (74% pós 2 anos, 71% pós 3 anos, 70% pós 4 anos e 69% pós 5 anos) (RBT, 2010; RBT, 2011; RBT, 2012; RBT, 2013; RBT, 2014). Essas taxas de sobrevida estimadas pela ABTO contemplam apenas as informações das equipes de transplantes que informaram 100% dos seus resultados. Como a disponibilização das informações realizada pelas equipes junto à ABTO é voluntária, a sobrevida estimada com base nesses dados pode estar sobrestimada. Em 2010, 78% do total de 55 equipes ativas para transplante de fígado disponibilizaram todos os resultados dos transplantes realizados. Esse percentual tem sofrido uma redução, caindo para 69% em 2011, 59% em 2012 e 57% em 2013, aumentado apenas em 2014 (66% do total de 79 equipes de transplante ativas de fígado), embora ainda inferior à participação em 2010 (RBT, 2010; RBT, 2011; RBT, 2012; RBT, 2013; RBT, 2014). Não existem, no entanto, estudos específicos que estimam a sobrevida pós-transplante de fígado contemplando a totalidade dos pacientes que fizeram transplante de fígado no Brasil custeados pelo SUS. A metodologia dos estudos que estimam essa taxa de sobrevida contempla o acompanhamento de uma coorte de pacientes que realizou o transplante de fígado em um centro hospitalar transplantador específico, e em um período de tempo definido no estudo (PAROLIN et al., 2002; COELHO et al., 2005a; GARCIA et al., 2005; BRANDÃO, 2007; FREITAS et al., 2007; BOIN et al., 2008; PORTELA et al., 2010; BATISTA et al., 2012). Os trabalhos de referência internacional também estimam a taxa de sobrevida para coortes de pacientes definidas (LONGWORTH et al., 2003; TROTTER et al., 2003; ABERG et al., 2009; ADCOCK et al., 2010; ABERG et al., 2011). As taxas de sobrevida diminuem quanto maior o tempo de observação, sendo essa uma dificuldade adicional para comparar os resultados de estudos que apresentam taxas de sobrevida para períodos diferentes de observação pós-transplante hepático. A comparação internacional também é comprometida pelo fato dos estudos apresentarem taxas de sobrevida para períodos 34 diferentes de observação pós-transplante hepático (PRUTHI et al., 2001; ADAM et al., 2003; BAMBHA; KIM, 2003; LONGWORTH et al., 2003; TROTTER et al., 2003; ABERG et al., 2009; ADCOCK et al., 2010; ABERG et al., 2011; ALGAHTANI e LARSON, 2011; SALVALAGGIO et al., 2011). Os resultados da sobrevida para o Brasil divergem entre si por causa de diferenças metodológicas e das informações utilizadas. A oficial é a da ABTO que tenta utilizar informações para todo o Brasil. Mas existem estudos que estimam com base em informações provenientes de hospitais específicos e que geram resultados diferentes. Comparativamente à taxa de sobrevida oficial da ABTO (78% em 1 ano e 74% em 2 anos), uma taxa de sobrevida menor em 1 ano e em 2 anos pós-transplante de fígado (74,5% e 71,1%, respectivamente) foi estimada em Batista et al. (2012), desenvolvido a partir do acompanhamento de uma coorte de 208 pacientes transplantados de fígado no Hospital Universitário Oswaldo Cruz de Pernambuco no período entre julho de 2003 e julho de 2009. Ao contrário da ABTO, que incluiu adultos e crianças, nessa coorte foram incluídos apenas pacientes com 16 anos ou mais no momento do transplante. Por outro lado, a taxa de sobrevida do paciente em 1 ano pós- transplante de fígado estimada em Brandão (2007), de 81,1%, acompanhando uma coorte de 436 pacientes com doença hepática crônica e que realizaram o transplante de fígado em um hospital em Porto Alegre no período entre agosto de 1991 e junho de 2005 (pré-MELD), foi relativamente maior do que a referência da ABTO (78%). No trabalho de Batista et al. (2012), as taxas de sobrevida também foram estimadas para três meses (85,1%) e seis meses (79,3%) pós-transplante, evidenciando sobrevida maior nos meses logo após a realização do transplante e diminuição das taxas de sobrevida quanto maior o tempo de observação (BATISTA et al., 2012). O estudo de Freitas et al. (2007), a partir de uma coorte de 71 pacientes transplantados de fígado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná no período entre janeiro de 2001 e fevereiro de 2006, estimou taxa de sobrevida menor em 3 meses (77,4%), com taxa de sobrevida em 1 ano (74,6%) pós- transplante de fígado semelhante à de Batista et al. (2012). Em relação à sobrevida de médio prazo, o estudo de Castro-e-Silva Jr. et al. (2002) evidenciou taxa de sobrevida com o transplante de fígado em torno de 80% em 3 anos, destacando que o transplante de fígado foi eficaz no tratamento de doenças hepáticas crônicas 35 no médio prazo, e propiciando uma probabilidade de sobrevida maior nos pacientes com doenças hepáticas em estágios mais avançados de gravidade (CASTRO-E-SILVA JR. et al., 2002). Essa taxa de sobrevida em 3 anos foi relativamente maior do que a correspondente taxa estimada pela ABTO em 3 anos (71%). Outro estudo desenvolvido para a coorte dos primeiros 20 pacientes, incluindo adultos e crianças, que realizaram transplante de fígado no Hospital Universitário de Recife entre agosto de 1999 e março de 2002, estimou taxa de sobrevida de 100% no período de 2 anos e 8 meses de acompanhamento dessa coorte de pacientes (LACERDA et al., 2003). Uma taxa de sobrevida maior (94,7%) também foi estimada em Garcia et al. (2005), com um seguimento de 15 meses, para uma coorte de 18 pacientes, com idade entre 15 e 62 anos, e que realizaram transplante de fígado no Hospital da Universidade Federal do Ceará entre maio de 2002 e abril de 2003 (GARCIA et al., 2005). O trabalho de Portela et al. (2010) estimou a taxa de sobrevida em 79% para os pacientes submetidos a transplante hepático, considerando o seguimento apenas até a alta hospitalar, para uma coorte de 62 transplantados de fígado no Hospital da Universidade Federal do Ceará no ano de 2007 (PORTELA et al., 2010). Alguns estudos são específicos para o transplante hepático pediátrico, com estimativas de sobrevida pós-transplante de fígado diferenciadas das taxas estimadas para a população transplantada geral, ou dos estudos que consideram a população adulta apenas (FERREIRA; VIEIRA; SILVEIRA, 2000; MESQUITA et al., 2008; KALIL et al., 2015). O trabalho de Ferreira, Vieira e Silveira. (2000) evidenciou que a idade das crianças transplantadas de fígado tem impacto nas taxas de sobrevida, tendo as crianças com menos de 1 ano de idade taxas de sobrevida menores. Além da idade da criança, o estado nutricional e a gravidade da doença hepática são os principais fatores que afetam essa taxa de sobrevida dos pacientes submetidos a transplante hepático pediátrico (FERREIRA; VIEIRA; SILVEIRA, 2000). Ainda assim, a taxa de sobrevida no primeiro ano pós-transplante pediátrico foi estimada em torno de 90%, enquanto a taxa de sobrevida aos 5 e 8 anos pós transplante foi em torno de 60% e 80%, respectivamente, nos estudos que acompanharam pacientes pediátricos (FERREIRA; VIEIRA; SILVEIRA, 2000). Também em relação à sobrevida de crianças e adolescentes que realizaram transplante de fígado, o estudo de Mesquita et al. (2008), a partir de uma coorte de 84 pacientes menores de 18 anos inscritos na lista de transplante de fígado, no período entre março de 1995 e janeiro de 2006 no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, evidenciou que 47,6% realizaram o transplante de fígado, e 31% 36 foram a óbito ainda na lista de espera. A idade mediana no momento de realização do transplante de fígado foi de 6,6 anos, variando de 1,9 a 16,8 anos. Dos que realizaram o transplante de fígado, 32,5% foram a óbito, apresentando uma probabilidade de sobrevida de 70% em 6 meses e de 67,2% em 5 anos após o transplante de fígado para esses pacientes (MESQUITA et al., 2008). Em geral, essas taxas de sobrevida pós-transplante são menores
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