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A IMAGEM DA MULHER NA REVISTA EU SEI TUDO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX FERNANDES, Arminda Nela Martins Lopes Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Educação Introdução O objetivo dessa pesquisa é dar continuidade ao trabalho desenvolvido junto ao GEPHE – Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação sobre a saúde da mulher e o cuidado da criança na revista Eu Sei Tudo, editada no rio de Janeiro de 1917 a 1958 pela Companhia Americana e com circulação em todo Brasil. Trata-se de uma revista de variedades, que se auto-intitulava um magazine científico, artístico, histórico e literário e que se tornou em um importante veículo difusor de idéias relacionadas ao projeto modernizador da sociedade brasileira na primeira metade do século XX. As pesquisas anteriores buscaram analisar a maneira como a revista Eu Sei Tudo divulga novos hábitos e costumes sempre pautados nas descobertas científicas para a conquista do seu público e a permanência no mercado por mais de quarenta anos. A pesquisa aqui proposta procura avançar em relação a estudos que vem sendo feitos pela História da Educação sobre a importância que esses tipos de veículos de informação, os impressos, tiveram no processo da educação informal, na formação e transformação cultural na primeira metade do séc.XX e visa avançar na compreensão da formação histórica do imaginário social acerca da ciência, e dessa forma contribuir para a discussão e avaliação da educação científica do conjunto da população, a partir da análise de importantes componentes desse processo como a revista. A análise concentra-se em reportagens, notícias, fotos, colunas, publicidades e propagandas veiculadas a revista Eu Sei Tudo, na primeira metade do século XX. Embora mencionada em algumas teses e livros como um importante veículo de informação na cultura brasileira da primeira metade do século XX (Gouvêa 2004), a revista Eu Sei Tudo ainda não mereceu estudo mais detalhado como o que estou propondo nessa pesquisa. Esta pesquisa buscará analisar as representações de mulher e de feminino produzidas no contexto de modernização da sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX, definindo espaços, tempos e objetos que essas revistas de 2 variedades, no caso específico a revista Eu Sei Tudo, produtora de representações sociais de competência, disciplina, eficiência e feminilidade no fazer doméstico. Também investigará as ciências vinculadas a imagem da mulher no cuidado com a saúde, o corpo, a higiene, a beleza e a alimentação. Para uma melhor compreensão e inclusive delimitação do tema, foram feitas leituras de estudos que trabalharam com impressos como veículos de divulgação da cultura moderna na primeira metade do séc. XX e a sua contribuição na educação informal da sociedade nesse período, e que serão comparadas às análises da revista, promovendo pontos de aproximações e ou divergência entre eles. Modernidade, Impresso e Educação Informal Na segunda metade do séc.XIX e início do Séc.XX se acentua, no Brasil, a preocupação com a vulgarização do conhecimento científico, com intuito de fazê-lo assimilável ao público em geral. Para essa vulgarização foram utilizados diferentes veículos de circulação da língua escrita, sinalizando cada vez mais o processo de modernização que se definia, com o surgimento das primeiras metrópoles e “ao mesmo tempo, de afirmação do espaço urbano como espaço-síntese da modernidade nacional” (Gouvêa, 2004, p.351). Para representar essa modernização houve um crescimento da circulação da língua escrita, com a ampliação do mercado editorial brasileiro e um aumento de títulos de livros, revistas e jornais. Também houve um aumento de circulação de livros e periódicos dirigidos a segmentos específicos, o que possibilitou o surgimento de uma produção sistemática voltada para a infância e para o público feminino (De Luca, 1999, Gouvêa, 2004). Usado como fonte para pesquisas de diferentes temas e assuntos, a revista é um gênero de impresso valorizado por “documentar” o passado através de registro múltiplo: do textual ao iconográfico, do extratextual – reclame ou propaganda (Martins, 2001). Promovendo uma leitura mais amena e ligeira, explica a preferência expressiva por essa modalidade de suporte de leitura na produção de História levando em conta a sua dimensão multifacetada. A revista tornou-se moda e, além de tudo ditou moda. De acordo com Martins (2001), sem dúvida essa tendência tinha uma explicação, referendada na Europa até mesmo pelo avanço técnico das gráficas, aumento da população leitora e pelo alto custo do livro. Com isso cresceram as possibilidades de condensar em uma só publicação, “uma gama diferenciada de informações, sinalizadoras de tantas inovações propostas pelos novos tempos”. Fazendo o papel intermediário entre o 3 jornal e o livro, as revistas alcançaram um público maior ao aproximar o consumidor do “noticiário ligeiro e seriado”, lhe proporcionando informações diversificadas. A distinção da revista e do livro se dava basicamente por esta possuir algumas “características” que de certa forma a tornava mais acessível ao leitor, e uma delas é o seu baixo custo. Ainda a sua configuração leve, leituras entremeadas de imagens e outras de poucas folhas, “distingui-a do livro, objeto sacralizado, de aquisição dispendiosa e ao alcance de poucos” (Martins, 2001, p.40). Apesar de todo o sucesso do gênero, as revistas também conheceram algumas críticas por especialistas, na medida em que eram consideradas “polarizadoras de seus conteúdos”. A crítica por um lado, recriminava o caráter rigorosamente científico de algumas que foram dirigidas a leitores especializados, e por outro, recaía no conteúdo absolutamente frívolo das demais, tais quais os magazines semanais, sem maiores preocupações quanto ao leitor mais sério. Os magazines procuravam veicular os produtos culturais, os hábitos e valores necessários para que o leitor de extratos médios da sociedade pudesse se familiarizar, por um lado, com os padrões de elegância das classes abastadas e, por outro lado, com os códigos da modernidade urbana (De Luca, 1999). A Historia da Educação vem reconhecendo a importância que esses e outros veículos de informação tiveram na educação informal e no processo de formação, manutenção e transformação cultural. Por outro lado, vem sendo também reconhecido o papel da divulgação científica em impressos desse tipo como um importante elemento na história da ciência. O pressuposto é que a história do desenvolvimento da ciência não advém apenas das descobertas e experiências, mas depende também da circulação e da legitimação de valores e noções científicas pelo conjunto da sociedade. Assim sendo, diversas pesquisas sobre impressos como almanaques revistas populares vêm contribuindo para a compreensão do processo de formação e transformação de novos hábitos sociais, de acordo com referenciais científicos. Um bom exemplo disto é o trabalho em que Park mostra como os almanaques instruem o povo com noções fabulosas e informações reforçando a mentalidade de uma certa camada social. Os almanaques vão fazendo reflexões da atualidade e sobre ela, sem deixar de lado a questão do “imaginário” e do “maravilhoso” inerentes a eles (Park, 1999). Temas como o saber, a ciência e a história são recontados de forma agradável atraente, contendo crenças que aguçam a ávida imaginação, além de misturas de contos, anedotas, fábulas e documentação, que traz certa objetividade, coerente com o conceito de “observação da natureza (o natural observado, o astrológico)” (Park, 1999, p.62). 4 Em um estudo feito sobre a Revista Nacional de Educação, com o título “Em todos os lares, o conforto moral da ciência e da arte: a Revista Nacional de Educação e a divulgação científica no Brasil (1932-34)”, Duarte (2004) descrevecomo o surgimento da revista estava ligado aos anseios educativos e à ação do recém-criado Ministério da Educação e Saúde, como um instrumento didático para a consolidação de uma nação idealizada. Com periodicidade mensal, e direcionada a um público culto - professores e associações culturais, os artigos da Revista Nacional de Educação (RNE) eram numerosos e na maioria curtos. Eram escritos em linguagem acessível e, sobretudo, didática. Essas características, de acordo com os ideais da Escola Nova, pregavam a necessidade do abandono da cultura livresca e afastada da vida cotidiana. “O livro era objeto a ser manuseado, instrumento tanto mais útil quanto mais acessível”. A RNE não somente levava o conforto moral da ciência, mas também o conforto da arte, que visava a elevação moral dos sujeitos, a constituição da cultura nacional e a elaboração de sensibilidades (Duarte, 2004). A RNE, propunha “não apenas a uma leitura do Brasil, mas sobretudo a ‘alfabetizar’ seus leitores para uma leitura da nação” (Duarte, 2004, p.54). Já Andrade (1994) mostra em seu estudo sobre a revista “O Cruzeiro” a esperança alimentada pela ciência pode ser traduzida pelo número de matérias publicadas sobre os avanços no campo da medicina e da física, ciência então em verdadeira fase de institucionalização no Brasil. Também a revista Seleções: Reader Digest foi objeto de excelente estudo analítico. Sua autora, Junqueira (2000) demonstrou como as matérias veiculadas reforçavam a visão de um mundo que pregava o american way of life como paradigma universal, que idolatrava o individualismo e a “saudável” competição entre os indivíduos e que pensava a América Latina como o lugar do atraso. O pressuposto para essa pesquisa é que a revista Eu Sei Tudo contribuiu não somente na difusão de novos hábitos e costumes para as famílias da classe média, como também ela participou da formação de um imaginário social no qual a ciência é apresentada como algo maravilhoso, progressivo, indispensável e benéfico à sociedade da época e do futuro. Martins afirma que “a pertinência desse gênero de impresso como testemunho do período é válida, se levarmos em consideração as condições de sua produção, de sua negociação, de seu mecenato propiciador, das revoluções técnicas a que se assistia e, sobretudo, na natureza dos capitais nele envolvidos” (Martins, 2001, p.21). Sendo assim, reforça-se a necessidade de um estudo mais detalhado da revista, como o que esta pesquisa propõe, na expectativa de conclusões que avançarão nas discussões que vem sendo colocadas pela História da Educação sobre 5 os processos da educação informal promovidos pelos diferentes impressos nas primeiras décadas do século XX. A Revista Eu Sei Tudo A revista Eu Sei Tudo é um magazine mensal e que tem ao todo um número de 102 volumes, contados desde a primeira edição em 1917 até a última em 1958. Num estudo anterior foram analisados os sumários, com o objetivo de fazer um mapeamento inicial das notícias e seções que abordavam a ciência e tecnologia. Os resultados obtidos na pesquisa, de acordo com o estudo dos sumários e a classificação do número de vezes que em que os assuntos apareciam relacionados à ciência e à tecnologia, conclui que houve predominância de assuntos relacionados aos prodígios e as descobertas realizadas pela ciência, em detrimento da tecnologia, apesar de a revista expor imagens de produtos de invenções e nova tecnologia em muitas páginas. Por se auto-intitular uma revista científica, os assuntos científicos e tecnológicos, quase sempre estavam vinculados às informações, acerca das novas descobertas feitas pela ciência. Sobre o cientista, a revista dava pouca informação. Em alguns textos, a foto do cientista aparecia ao lado da sua obra prodigiosa ou da sua descoberta e invenção. Martins (2001) retrata essa questão ao dizer que o jornalismo na virada do século XIX para o século XX, transformou-se em “grande empresa, as publicações periódicas foram criadas para ser vendidas e gerar lucros” (Martins, 2001, p.22) Sendo assim, se veiculava aquilo que era rentável e destacável no momento, ao mesmo tempo em que procuravam atender as expectativas e interesses de grupos, segmentos públicos, de acordo com os modelos em pauta, acabando por reproduzir o sistema de certas realidades. Apesar de muitas limitações das pesquisas anterior relacionadas a sua circulação, seja pelo insucesso na obtenção de informações sobre seus jornalistas e editores, seja pela falta de informações sobre tiragens e formas de leituras, ou mesmo no que tange a leitura de todos os artigos científicos e ou tecnológicos, acredito que as análises que foram levadas ao cabo ao longo dessa pesquisa propiciam interpretações iniciais que reforçam a suspeita que a revista Eu Sei Tudo teve como importante elemento na compreensão da opinião pública da época. A revista tenta acompanhar e reproduzir fielmente os progressos científicos que acontecem em várias áreas de estudo e em vários países do mundo, sempre destacando a relevância dos mesmos para a sociedade da época, sempre destacando a imagem da ciência como aquela que exerce a responsabilidade social para com as instituições e seus representantes. 6 Os textos da revista Eu Sei Tudo são dirigidos a um público heterogêneo, de norte a sul do país (inferência através das correspondências recebidas). Em alguns casos, quando os textos são de difíceis compreensões e com terminologias científicas, existe um tópico na seção “Ciência ao alcance de todos” intitulado Gramática Literária, reservado especificamente para desempenhar o papel de uma pequena enciclopédia popular. Este tópico funciona como um pequeno dicionário que traz explicações detalhadas e acessíveis ao leitor, ao mesmo tempo em que o mesmo tópico pode ser identificado como um instrumento didático com fins de popularização dos termos científicos e ou literários ao público leigo, ou seja, é um espaço que mostra como é fácil saber tudo. As informações culturais passadas pela revista Eu Sei Tudo leva o leitor a tomar conhecimento e se familiarizar com os hábitos e valores identificados em certa camada social, no caso, da classe média. Esses valores tanto definem os padrões de elegância, como podem ser observados nos vários tópicos dedicados às últimas tendências da moda e ainda como acabar com o problema do espaço no lar, como são colocados como modelos a serem seguidos por todos, como o mais refinado valor cultural e científico existentes no momento. Muitos artigos trazem informações que ajudem a proporcionar uma melhor educação às famílias e em extensão à sociedade, com bases científicas, a começar pelos afazeres domésticos. São usados como exemplos, os prodígios e as descobertas que a ciência tem feito, para reafirmar as sugestões de comportamento e ou de como lidar com esses problemas denominados domésticos, muitas vezes considerados como empecilhos ao desenvolvimento humano e consequentemente social. Em vários artigos, esses exemplos têm como finalidade a correção de erros cometidos pelo senso comum até então possuídos pela maioria da sociedade. A revista Eu Sei Tudo traz a publico vários textos e noticias na área da saúde e através das propagandas ali veiculadas, passa a idéia de que os males e moléstias causadas por bactérias, fungos e vírus tiram o vigor, a beleza e a arte de se viver bem e ter uma vida saudável. A revista também se baseia em progressos da ciência, para a explicação das doenças e dos males causadores do mal estar, as causas das mesmas a solução que advém através dos produtos descobertos por pesquisadores, sejam eles de diferentes áreas, que mudam radicalmente o estado patológico dos pacientes. Conseqüentemente a vida dos pacientes, deixa de ser uma “tragédia biológica”, para viver a alegria sadia, tornando-se “verdadeiros enlevos do lar”. 7 A divulgaçãocientífica é uma das metas da revista e pode ser percebida além dos artigos específicos que falem diretamente da ciência e seus avanços, mas também nas simples propagandas dos produtos veiculados a ela. No diálogo entre a revista Eu Sei Tudo e o seu leitor, vão sendo produzidos novos hábitos de consumo e conseqüentemente novos consumidores dos produtos da modernidade urbana e principalmente sua relação com a importância e necessidade da propagação social da ciência. O público feminino se caracterizou em um dos alvos das publicações da revista, (ainda que ela tenha circulado por todo o Brasil e promovido interesse e correspondências em ambos os sexos), pelo número elevado de propaganda de produtos femininos, de produtos indispensáveis para o lar (direcionados ao uso da mulher), das propagandas de moda e dos inúmeros artigos sobre cuidados com os filhos, contos e romances, família ideal, etc. Além das capas que, na sua maioria, trazem fotos de mulheres. A revista Eu Sei Tudo é um veículo importante que ajudou na definição, formulação e transformações de papéis na reforma social proposto na primeira metade do séc.XX, tanto do ponto de vista econômico apresentando propostas acerca de economia doméstica em vários textos destinados ao ambientes domésticos, como ainda exemplos de educação higiênica, cívica e moral delegada à família, juntamente com as instituições educacionais. É o que nos mostra o texto publicado em março de 1937, com o título “Creanças de hoje e de sempre”. Nesse texto é feito uma descrição detalhada do que é ser uma criança feliz e jovial nas instituições educativas e inclusive de diversos lugares no mundo, brincando nas ruas, entre os adultos, praticando esportes, etc, da mesma forma que se critica veemente os responsáveis por crianças que não se encontram em instituições de educação, sendo impedidas de percorrerem o seu ciclo normal de crescimento, que contempla a felicidade, a jovialidade e o aprendizado. Para que a criança seja jovial é preciso que alguém cuide dela, cuide de seu corpo evitando que o seu corpo físico tenha defeitos e ou enfermidades. Aos pais é delegada a responsabilidade de cuidar dos filhos, proporcionando-os uma educação saudável, espaços e brinquedos para que ela possa desenvolver as habilidades necessárias a cada fase do seu crescimento. Uma outra contribuição importante que a revista Eu Sei Tudo dá ainda dentro da questão das dimensões e do fazer pedagógico, se caracteriza na sua própria função educadora dos seus leitores. Ela assume essa função, ao divulgar novos hábitos e costumes que as famílias devem adquirir como maneira correta de estar e permanecer na sociedade classificada como moderna. 8 A função de trazer até ao público de uma forma acessível aquilo que é de difícil acesso e entendimento, caracteriza-se na função “alfabetizadora” de seus leitores para uma leitura do mundo em que estão inseridos permitindo não apenas essa leitura do mundo, mas também o conforto moral da ciência, da arte, que visa também a elevação moral dos sujeitos e a constituição da cultura nacional. A revista Eu Sei Tudo também foi um veículo de comunicação que contribuiu com novas técnicas de rotogravura que possibilitaram uma melhoria no fazer jornalístico e na divulgação de suas reportagens. Ao tomar essa posição na sociedade como um porta-voz da modernidade nacional, surgiu para atingir todo o território brasileiro na sua função formadora de novas sensibilidades à essa sociedade. Toda essa tecnologia também foi usado a serviço da construção “da nova mulher”, ainda que não representasse a realidade da maioria das brasileiras que viviam em condições sociais precárias e muitas eram analfabetas, levando em conta o período tomado para o estudo: a primeira metade do século XX. Serpa (2003) aborda essa questão na sua dissertação e afirma que as revistas nesse período mostravam uma “imagem relacionada às mudanças de um país que despia suas mulheres de saias longas e as urbanizava com biquínis, blush, e pó-de- arroz, ou seja, que buscava moldar o comportamento feminino com novas formas de vestir e de se mostrar para a sociedade” (Serpa, 2003, p.12). Apresentava-se também não somente a modernidade brasileira, mas um novo meio de retratar o universo feminino. Em um estudo anterior da revista mencionado acima, permitiu dar uma pequena visibilidade sobre a representação feminina nas propagandas veiculadas a revista. Algumas representações da mulher nas propagandas ve iculadas na revista A modernidade veio proporcionar esses prazeres da vida que devem ser vividos por todos, possibilitando a prevenção da saúde e a manutenção da mesma. A revista tem um número grande de propagandas de produtos com a característica preventiva e outras ainda se posicionam coma a que possui a melhor formula para a cura das moléstias que tanto trazem prejuízos a sociedade. A revista passa a idéia de que a mulher em todo o tempo deve se achar bonita, saudável e que seja uma pessoa de agradável companhia. Ela deve se importar muito com a saúde do seu corpo e também com a sua beleza. A revista ainda enfatiza que, toda a mulher deve se orgulhar de ser amável e até aquela que é feia, deve se admirar no espelho. Por isso as mulheres precisam receber elogios dos seus amados, que 9 louvem os seus corpos esbeltos, seus formosos cabelos, seus dedos afilados e os pés pequenos. Isto porque até a mulher mais casta está sempre disposta a ouvir o elogio da sua beleza. A revista publicou um número elevado de imagens que ilustram mulheres modernas, algumas atrizes famosas e outras Misses fazendo exercícios físicos. As ilustrações fazem comentários curtos, mas importantes, acerca da manutenção da boa saúde física e mental, através de exercícios físicos. As ilustrações das Misses saltando corda, caminhando ou em academias de natação e ginásticas, mencionam a importância de se fazer exercícios físicos diários para não engordar e manter uma aparência física bonita também. Alguns títulos como “Moças modernas”; “A mulher moderna”; “O feminismo caminha”; “Educação feminina”; “A mulher e a elegância”; “A mulher e o sport”; entre outros, não são apenas para chamar a atenção das mulheres no que tange a manutenção da saúde, mas também para uma reflexão importantíssima sobre o bem estar físico, o que vai refletir exteriormente nas suas ações e na sua maneira de encarar a vida. Uma publicação intitulada “Para ser forte e sadio – os methodos Muller e Ruffier, para a cultura physica” descreve os novos métodos da cultura física agora em moda e que compreendem somente os exercícios analíticos ou morfológicos, segundo a opinião de Mme. Marcelle Auclair considerada em Paris autoridade no assunto são os mais eficazes para o exercício quotidiano. Esses exercícios, que começam com marchas variadas e saltos na corda ajudam o corpo a aquecer e recobrar a flexibilidade tão necessária ao acordar de manhã. Sendo eles completados por um esporte ao ar livre, como o tênis, o remo, a natação, a equitação, constituem a cultura física mais completa. São exercícios aconselhados às mulheres, porque além de contribuem para a flexibilidade e esbelteza, são excelentes também para a forma do corpo e para os nervos. Com o hábito, os exercícios, não só não cansam como ao contrário, trazem um grande bem estar. Existe por parte da revista uma educação também do corpo da mulher. Já que a moda divulgada nos outros países não se baseia em figura de mulheres gordas, mas sim, mostram-se fotos de mulheres magras, belas e sadias, como as já citadas Misses praticando esportes. Um exemplo a ser seguido por mulheres brasileiras também, sejam elas donas de casa ou não. À mulher é dada o atributo de beleza e a conservação da jovialidade. Por isso, as pequenas imperfeições devem ser corrigidas com produtos anunciados especificamente para isso, ou então recomendaçõesque os artigos trazem, acerca dos cuidados com o corpo e com a saúde. 10 Um dos títulos da propaganda dos produtos SEVY é colocado da seguinte maneira: “Da alquimia á ciência moderna”. É feito um histórico sobre a preocupação desde os tempos primórdios com o conforto de bem estar da humanidade. A seguir, os produtos são colocados como frutos da mais moderna ciência do século XX, baseados nos conhecimentos da medicina especializada hodierna. Portanto, os produtos “Sevy” concretizam todo o ideal milenar de conforto, de beleza e de higiene. As suas formulas são colocadas como rigorosamente científicas, que vêm preencher lacunas, oferecendo verdadeiros e inéditos valores. O Leite Sevy promove circulação de sangue na superfície cutânea, a Loção Sevy favorece o metabolismo do couro cabeludo e o Shampoo Sevy, neutro e sem potassa, promove a mais absoluta e rigorosa higiene do couro cabeludo. Pelas ênfases que a revista dá, no decorrer do texto, percebemos que ela tinha a intenção de mudar urgentemente o que estava sendo feito como hábito entre as mulheres de certa camada social. Aqui se apela enfaticamente e com argumentos médicos e científicos para uma prática diferente da que estava em vigor, mostrando como eles eram prejudiciais tanto para a sua da mulher e de toda a família. Essa dialética na interpretação da cultura popular brasileira adotada pela revista Eu Sei Tudo, remetendo sempre a cultura popular como a inferior e mostrar uma outra cultura como padrão a ser seguido, permite-lhe interferências nas normas familiares através de projetos de higienização e pedagógicos inerentes também ao projeto de reforma e de civilização proposta à nação, na primeira metade do séc.XX. Por isso, a intervenção da revista na maioria das vezes, se concentra apenas em selecionar e trazer informações pertinentes dos avanços científicos e tecnológicos e a sua aplicabilidade prática, sejam eles em qualquer área de estudo. Mediante essas leituras, o presente trabalho continua na linha investigatória de como a revista Eu Sei Tudo representou o imaginário feminino na primeira metade do século XX e como essa representação provocou mudanças de comportamento na dita sociedade moderna brasileira e nas representações simbólicas das mulheres. E ainda a pesquisa propõe trazer a discussão dentro da história da ciência, as vinculações científicas e suas representações no molde desse imaginário feminino. 11 Referências Bibliográficas ANDRADE, Ana Maria R. O Cruzeiro e a construção de um mito da ciência Perspicillum. Nº 1 p.107-137. Nov 1994. De LUCA, T. R. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Unesp. 1999. DUARTE, Regina. 'Em todos os lares, o conforto da moral da ciência e da arte': a Revista Nacional de Educação e a divulgação científica no Brasil ( 1932-34). Manguinhos. Vol 11(1): 33-56. Jan-abr. 2004. GOUVÊA, Maria Cristina S. e PAIXÃO, Cândida G. Uma Nova Família para uma nova escola: a propaganda na produção de sensibilidades em relação à infância (1930-40). In: XAVIER, Maria do Carmo. Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2004. JUNQUEIRA, Mary A. Ao Sul do Rio Grande Imaginando a América Latina em Seleções: Oeste, Wilderness e Fronteira (1942-70) Bragança Paulista: EDUSF, 2000. MARTINS, Ana Luiza. Revista em Revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República: São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 2001. NOVA, Vera C. Lições de ALMANAQUE: Um Estudo Semiótico. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1996. PARK, Margareth B. Histórias e leituras de almanaques no Brasil. Campinas, S.P. Marcado de Letras: Associação de Leituras do Brasil. Fapesp, 1999. SERPA, Leoní T.V. A máscara da modernidade: a mulher na revista O Cruzeiro (1928- 1945). 2003. 180 f. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo.
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